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Sugestões de leitura wwweditorialtirantcombr A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA AUGUSTO JOBIM DO AMARAL HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA FRANCISCO SIERRA CABALLERO JESÚS SABARIEGO A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA ORGANIZADORES Augusto Jobim do AmArAl Professor dos Progra mas de PósGraduação em Ciências Criminais e em Filosofia da PUCRS PósDoutorado na Università Degli Studi di PadovaITA em Filosofia Política jun to ao Dipartimento di Filosofia Sociologia Pedago gia e Psicologia Applicata FISPPA financiado pelo Coimbra Group Scholarship Programme for Young Professors and Researchers from Latin American Universities e PósDoutorado na Universidad de Málaga España na área de Teoría y Filosofía del Derecho junto à Cátedra Abierta de Derecho y Literatura Doutor em Altos Estudos Contemporâ neos Ciência Política História das Ideias e Estudos Internacionais Comparativos pela Universidade de Coimbra Portugal Doutor Mestre e Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Coordena dor da Série Ciências Criminais da Tirant lo Blanch Henrique miorAnzA Koppe pereirA PósDoutor em Ciências Criminais pela PUCRS com projeto de senvolvido sobre Biopolítica e Gentrificação Urba na Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC2014 na linha de pesquisa de Diversidade Políticas Públicas com tese focada em políticas públicas de saúde urbana e direito consti tucional nas cidades brasileiras Mestre em direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISI NOS2008 com linha de pesquisa direcionada em sociedade novos direitos e transnacionalização Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul 2005 Iniciou como docente no ensino supe rior em 2008 já foi docente de Curso de Direito na Ulbra em JiParanáRO na IMED em Passo Fundo RS e na UCS em Caxias do Sul RS foi professor do Programa de PósGraduação em Direito Mestrado Doutorado da Universidade de Caxias do Sul UCS Atualmente atua como pesquisador independente e participa como pesquisador colaborador Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq Criminologia Cultu ra Punitiva e Crítica Filosófica vinculado à PUCRS Email para contato henriquekoppegmailcom Augusto Jobim do AmArAl Henrique miorAnzA Koppe pereirA FrAncisco sierrA cAbAllero Jesús sAbAriego FrAncisco sierrA cAbAllero Catedrático de Teoría de la Comunicación de la Universidad de Sevilla In vestigador Principal do Grupo de Investigacão em Comunicación Política y Cambio Social Suas linhas de investigação compreendem a economia política da comunicação e a cultura a comunicologia desde o Sul a cibercultura a democracia e os movimentos sociais Jesús sAbAriego Historiador Doutor em Dere chos Humanos y Desarrollo Investigador MSCA da Universidad de Sevilla Suas linhas de investigação são a Tecnopolítica e os recentes movimentos soci ais globais ADORISIO LEAL ANDRADE ANDREA CAVALLETTI AUGUSTO JOBIM DO AMARAL DANIEL INNERARITY DANIELA PETTI DAVID JEFFREY MAURRASSE DAVID VILLANUEVA ACUÑA DIANA BOGADO DIDIER BIGO DIOGO SILVEIRA DOS SANTOS GIOVANILTON ANDRÉ CARRETTA FERREIRA GRÉGOIRE CHAMAYOU GUILHERME CASTRO BOULOS GUILHERME MICHELOTTO BÖES GUILHERMO ADERALDO HÉCTOR MANUEL LUCERO HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA ILEANA ARDUINO JAMES M DOYLE JEFF FERRELL JESÚS SABARIEGO JOSÉ PÉREZ DE LAMA KARINE GONÇALVES CARNEIRO LAURA MACHADO LÍVIA SALOMÃO PICCININI LOÏC WACQUANT MARÍA BARRERO RESCALVO MARIA JOSE FARIÑAS DULCE MARK NEOCLEOUS MICHAEL JAMES DEAR PABLO LIRA PAULA VITURRO MAC DONALD STEPHEN GRAHAM SULTAN BARAKAT SUSANA MURILLO THOMAS MATHIESEN UGO ROSSI VINÍCIUS NICASTRO HONESKO WAYNE MORRISON ACESSO À VERSÃO DIGITAL GRÁTIS NA NOSSA PLATAFORMA DE LEITURA A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA Valencia 2021 MARÍA JOSÉ AÑÓN ROIG Catedrática de Filosofía del Derecho de la Universidad de Valencia Ana Cañizares Laso Catedrática de Derecho Civil de la Universidad de Málaga Jorge A Cerdio Herrán Catedrático de Teoría y Filosofía de Derecho Instituto Tecnológico Autónomo de México José Ramón Cossío Díaz Ministro en retiro de La Suprema Corte de Justicia de la Nación y miembro de El Colegio Nacional EDUARDO FERRER MACGREGOR POISOT Juez de la Corte Interamericana de Derechos Humanos Investigador del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM OWEN FISS Catedrático emérito de Teoría del Derecho de la Universidad de Yale EEUU JOSÉ ANTONIO GARCÍACRUCES GONZÁLEZ Catedrático de Derecho Mercantil de la UNED LUIS LÓPEZ GUERRA Catedrático de Derecho Constitucional de la Universidad Carlos III de Madrid ÁNGEL M LÓPEZ Y LÓPEZ Catedrático de Derecho Civil de la Universidad de Sevilla MARTA LORENTE SARIÑENA Catedrática de Historia del Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid COMITÉ CIENTÍFICO DE LA EDITORIAL TIRANT LO BLANCH JAVIER DE LUCAS MARTÍN Catedrático de Filosofía del Derecho y Filosofía Política de la Universidad de Valencia VÍCTOR MORENO CATENA Catedrático de Derecho Procesal de la Universidad Carlos III de Madrid FRANCISCO MUÑOZ CONDE Catedrático de Derecho Penal de la Universidad Pablo de Olavide de Sevilla ANGELIKA NUSSBERGER Catedrática de Derecho Constitucional e Internacional en la Universidad de Colonia Alemania Miembro de la Comisión de Venecia HÉCTOR OLASOLO ALONSO Catedrático de Derecho Internacional de la Universidad de Rosario Colombia y Presidente del Instituto IberoAmericano de La Haya Holanda LUCIANO PAREJO ALFONSO Catedrático de Derecho Administrativo de la Universidad Carlos III de Madrid TOMÁS SALA FRANCO Catedrático de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social de la Universidad de Valencia IGNACIO SANCHO GARGALLO Magistrado de la Sala Primera Civil del Tribunal Supremo de España TOMÁS S VIVES ANTÓN Catedrático de Derecho Penal de la Universidad de Valencia RUTH ZIMMERLING Catedrática de Ciencia Política de la Universidad de Mainz Alemania Procedimiento de selección de originales ver página web wwwtirantnetindexphpeditorialprocedimientodeselecciondeoriginales Copyright 2021 Todos los derechos reservados Ni la totalidad ni parte de este libro puede reproducirse o transmitirse por ningún procedimiento electrónico o mecánico incluyendo fotocopia grabación magnética o cualquier almacenamiento de información y sistema de recuperación sin permiso escrito de los autores y del editor En caso de erratas y actualizaciones la Editorial Tirant lo Blanch publicará la pertinente corrección en la página web wwwtirantcom Este libro será publicado y distribuido internacionalmente en todos los países donde la Editorial Tirant lo Blanch esté presente TIRANT LO BLANCH EDITA TIRANT LO BLANCH C Artes Gráficas 14 46010 Valencia TELFS 96361 00 48 50 FAX 96369 41 51 Email tlbtirantcom wwwtirantcom Librería virtual wwwtirantes ISBN MAQUETA Tink Factoría de Color Si tiene alguna queja o sugerencia envíenos un mail a atencionclientetirantcom En caso de no ser atendida su sugerencia por favor lea en wwwtirantnetindexphpempresapoliticasde empresa nuestro procedimiento de quejas Responsabilidad Social Corporativa httpwwwtirantnetDocsRSCTirantpdf Augusto Jobim do Amaral Henrique Mioranza Koppe Pereira Francisco Sierra Caballero Jesús Sabariego AUGUSTO JOBIM DO AMARAL HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA FRANCISCO SIERRA CABALLERO JESÚS SABARIEGO organizadores A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA Valencia 2021 SUMÁRIO NOTA DOS ORGANIZADORES 11 PRÓLOGO 12 Francisco Sierra Caballero PREFÁCIO 18 Jesús Sabariego A CIDADE DOS SONÂMBULOS 20 Andrea Cavalletti SKATE E ESPAÇO PÚBLICO PROFANAÇÕES URBANAS 32 Guilherme Michelotto Böes e Augusto Jobim do Amaral OS ESPAÇOS DA CIDADE 42 Daniel Innerarity ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO E DESIGUALDADE URBANA 64 David J Mourrasse O MUSEU DAS REMOÇÕES DA VILA AUTÓDROMO LUTA POLÍTICOAFETIVA PELA RECONSTRUÇÃO DA VIDA DOS GRUPOS ATINGIDOS PELAS REMOÇÕES OLÍMPICAS DO RIO DE JANEIRO 97 Diana Bogado e Daniela Petti INSEGURANÇA GLOBALIZADA O CAMPO E O BANOPTICON 116 Didier Bigo PADRÕES DE VIDA UMA BREVE HISTÓRIA DE CORPOS ESQUEMÁTICOS 156 Grégoire Chamayou QUE CIDADE É ESSA 179 Guilherme Boulos DESAFIANDO A CIDADE SKATE ESPORTE VANDALISMO 192 Guilherme Michelotto Böes GEOGRAFIAS INSURGENTES NOTAS ETNOGRÁFICAS SOBRE INTERVENÇÕES VISUAIS NAS CIDADES BIOPOLÍTICAS 206 Guilhermo Aderaldo REGIME DE VERDADE HEGEMÔNICA NA JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS URBANOS EM PORTO ALEGRE OCUPAÇÃO LANCEIROS NEGROS NA LUTA CONTRA DISCURSOS BIOPOLÍTICOS DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL URBANA 226 Henrique Mioranza Koppe Pereira e Diogo Silveira dos Santos ENTRE VITIMIZAÇÃO OPRESSIVA E JUSTIÇA EMANCIPATÓRIA ARTICULAÇÕES ENTRE FEMINISMO E JUSTIÇA CRIMINAL 252 Ileana Arduino É O TERCEIRO MUNDO LÁ EMBAIXO A VOCAÇÃO COLONIALISTA E A JUSTIÇA CRIMINAL AMERICANA 261 James M Doyle OPEN CITY 313 Jeff Ferrell CIDADES DE MEDO E DESEJO NOTAS SOBRE O REGIME DISCIPLINAR DA SUBJETIVIDADE NEOLIBERAL EM CHTHULUCENO 342 Jesús Sabariego METRÓPOLES BIOPOLÍTICA METRÓPOLES EM REDE METRÓPOLES DOS COMUNS UMA INTRODUÇÃO PARA ESTUDANTES DE ARQUITETURA 354 José Pérez de Lama MARX E AS CIDADES LATINOAMERICANAS O DIREITO À CIDADE398 Karine Gonçalves Carneiro e David Villanueva Acuña MEDIDAS DE MOBILIDADE ESTRATÉGIA DE COMPETIÇÃO E GENTRIFICAÇÃO DOS CENTROS URBANOS 402 Laura Machado e Lívia Salomão Piccinini REALOCANDO A GENTRIFICAÇÃO A CLASSE TRABALHADORA CIÊNCIA E O ESTADO NA PESQUISA URBANA RECENTE 439 Loïc Wacquant PATRIMÔNIO AUTOGESTÃO E CONFLITO A CASA DE PUMAREJO AO NORTE DE SEVILHA 449 María Barrero Rescalvo CIDADE VERSUS CIDADANIA A LUTA PELOS DIREITOS 467 María José Fariñas Dulce PODER AÉREO COMO PODER DE POLÍCIA 477 Mark Neocleous CIDADES PÓSFRONTEIRAS MUNDO PÓSFRONTEIRAS A ASCENSÃO DE BAJALTA CALIFÓRNIA 499 Michael Dear e Héctor Manuel Lucero INSALUBRIDADE URBANA E INSEGURANÇA PÚBLICA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE AS PERSPECTIVAS DAS EPIDEMIAS E DA VIOLÊNCIA 507 Pablo Lira Giovanilton André Carretta Ferreira e Adorisio Leal Andrade A REVOLUÇÃO DXS NADA UMA APROXIMAÇÃO AO DEBATE SOBRE A ORIENTAÇÃO SEXUAL IDENTIDADE DE GÊNERO E DISCRIMINAÇÃO 520 Paula Viturro Mac Donald DRONE IMPÉRIO ROBÓTICO 541 Stephen Graham CIDADES ZONAS DE GUERRA 580 Sultan Barakat PARA UMA SOCIEDADE DE VIGILÂNCIA A ASCENSÃO DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA NA EUROPA 587 Thomas Mathiesen BIOPOLÍTICA DA CONDIÇÃO URBANA FORMA DE VIDA E GOVERNO SOCIAL NO TARDO NEOLIBERALISMO 621 Ugo Rossi REFLEXÕES SOBRE OS ESPAÇOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS QUAIS AS NOSSAS CIDADES 642 Vinícius Nicastro Honesko PERCORRENDO LOCALIDADES E ENCONTRANDO O OLHAR REFLETIDO DA HUMANIDADE RECRIANDO O NOMOS NA GLOBALIZAÇÃO 657 Wayne Morrison AUTORES 679 EQUIPE DE TRADUÇÃO 686 11 NOTA DOS ORGANIZADORES Não seria possível a confecção desta larga e potente obra sem o cruzamento de esforços múltiplos O impulso inicial ainda fora dado antes que a covid19 acometesse o mundo Impressionará apenas os incautos o quanto a aceleração produzida pela pandemia em diversas dimensões pôde aprofundar acentuar e ampliar a importância das problemáticas tratadas pelo livro Sua atualidade tor nouse ainda mais radical Especial registro ao esforço incomensurável da equipe de tradução no trabalho cuidadoso em construir pontes com textos inéditos em língua portuguesa Tudo capitaneado pelo Professor Henrique M K Pereira à época em intensa produção pelo estágio de pósdoutoramento junto ao Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS sob a tutoria do Professor Augusto Jobim do Amaral Os autores reunidos e a excelência das pesquisas conferem um colorido inédito a uma obra que chega para se tornar referência no tema É mais uma vez assim que a rede de pesquisa estabelecida entre PUCRS e Universidad de Sevilla em especial entre os Grupos de Pesquisa Criminologia Cultura Punitiva e Crítica Filosófica POLITICRIM e o COMPOLÍTICAS Grupo Interdis ciplinario de Estudios en Comunicación Política y Cambio Social através dos Professores Francisco Sierra Caballero e Jesús Sabariego fazse presente Por fim registrase a gratidão pelo reconhecimento da Editora Tirant lo Blanch em trazer ao público A Cidade como Máquina Biopolítica em especial através do finan ciamento oferecido pela Universidad de Sevilla ao projeto Obrigado pelo apoio irrestrito 12 PRÓLOGO Francisco Sierra Caballero Lo común constituye en nuestro tiempo un ámbito de disputa y análisis de las prácticas sociales un problema determinante en la salida a la crisis civili zatoria del capitalismo para la emergencia de otra institucionalidad A partir de este concepto se ha de pensar la extracción y subsunción del capital y el trabajo vivo la cooperación social que la comunicación hace posible en una suerte de comunismo tecnológico como un problema de construcción de reglas prácticas de autonomía que se asoma en medio del capitalismo de plataformas y las ruinas de nuestras ciudades abandonadas a su suerte Y ello sin olvidar que el hiper desarrollo de Silicon Valley y de la economía uberizada es solo posible por una extrema precariedad Tal y como argumenta Remedios Zafra en El entusiasmo hoy como ayer como en la primera revolución industrial pobreza y creación innovación y transformación cultural van asociadas El excedente creativo es así hoy plusvalor del trabajo con o sin pasión y entusiasmo El entramado virtual ha transformado por completo incluso nuestro espacio local definiendo nuevos estratos y formas singulares del habitar en común William Mitchell resumía esta transformación de la ciudad informacional como el desplazamiento conceptual de la eTopía que altera la arquitectura como técnica y arte de diseño de volúme nes hacia la luz a la idea de la obra como el juego de la información digital bajo el espacio en la paulatina desterritorialización y abstracción de los lugares de con vivencia Así nuestros modos de hacer de habitar de comunicarnos se difumina o incluso esfuma inmersos en avatares de un entramado urbano redibujado y sin fronteras claras entre lo público y lo privado Desde este punto de vista la red de redes es hoy fundamentalmente un dispositivo de control social y enredos por la dependencia No hay ajuste y acu mulación por desposesión sin ciudades cableadas A propósito de la comuna di gital cabe en fin advertir que la comunicación no tiene razón de ser sino como COMUNICRTE en otras palabras como técnica tanto como arte y ciencia aplicada que exige una mirada lateral entre pensamiento y acción en el plano de la inmanencia de la vida hoy que somos conscientes de lo que está en juego en la biopolítica contemporánea Prevalece sin embargo en los últimos tiempos una lógica de la economía determinista que termina incidiendo en la falta de soberanía y en la dignidad Es hora pues de pensar confabular definir y cons truir alternativas de futuro de lo procomún sin esperar a que el propio desarrollo tecnológico lo haga posible porque no es así Antes bien el capitalismo ha hecho 13 de la socialización ampliada de los recursos de información todo lo contrario Por sistema el algoritmo de la política de la posverdad el universo Google proyecta a diario la distinción imperceptible en forma de estratificación la polarización y segregación social la dependencia y la explotación de los usuarios orientado por un objetivo básico negar el comunismo digital y todo derecho a la ciudad Por ello es preciso mirar en otra dirección Nos jugamos otro mundo posible y hasta la propia supervivencia de la especie que no podrá sobrevivir en forma de avatar por más que la inteligencia artificial nos lo sugiera Este libro nos ayuda avanzar en dicha dirección asumiendo como no podía ser de otra manera las dimensio nes constitutivas en pro de un direito na rua Esta hipótesis de partida que comparten los autores que colaboran en el volumen se corrobora por la constatable deriva dominante del sistemamundo y las políticas públicas de los distintos niveles de gobierno cuya lógica se ha tradu cido en nuestro tiempo en formas asimétricas de integración y exclusión social marginando a amplios contingentes de población y territorios que como resul tado han dado lugar a la emergencia de diversas iniciativas locales y comunitarias que frente a la lógica segregacionista de lo que Scott Lash denomina capitalismo desorganizado han tratado de articular nuevos espacios para la democracia y mo delos equilibrados y sustentables de desarrollo endógeno Así en las dos últimas décadas la crisis de gobernabilidad y confianza en la Administración Pública Lo cal ha propiciado en el contexto general de globalización económica y reestruc turación de los territorios y las culturas autóctonas la puesta en marcha de diver sas iniciativas de participación y regeneración democrática En tales iniciativas la planificación de la comunicación ha comenzado a jugar un papel importante como proceso de promoción de la participación ciudadana siendo no obstante ocasional y apenas sistematizada esta función pública al limitarse en la mayoría de los casos las experiencias conocidas a estrategias de marketing social o a mera publicidad y propaganda política institucional especialmente en el caso de pro cesos de intervención y transformación del territorio Las nuevas tecnologías de la información ofrecen sin embargo herramientas y posibilidades no exploradas de gobernabilidad potenciación y desarrollo cultural y socioeconómico descen tralizado que hoy por hoy resultan estratégicas en el proceso de definición de las nuevas formas de ciudadanía del nuevo contrato social Cabe pensar en este sentido en qué pueden contribuir los nuevos medios a la apropiación del espacio de vida trascendiendo el modelo de capitalismo zombie la ciudad espectáculo a partir de las transgresiones que el arte público los jóvenes o los movimientos urbanos nos proponen Las cartografías de las luchas por lo urbano las geografías insurgentes apuntan como nos mostrara David Harvey en Ciudades Rebeldes a formas inéditas de irrupción y de interrupciones productivas a tomar en cuenta Quizás por ello la UE ha recurrido al fetichismo tecnológico a la hora de resolver 14 contradicciones que exigen otro imaginario sociológicamente hablando como una suerte de elusión del núcleo central del orden reinante En esta línea desde las declaraciones del Consejo de Estocolmo 2001 y de Barcelona 2003 en Bruselas se viene apuntando la necesidad de impulsar la utilización interactiva de las tecnologías de la información para facilitar la par ticipación y comunicación con los vecinos para la presentación de documentos y la realización de trámites administrativos y desde luego facilitar las consultas ciudadanas Como útiles herramientas de intercambio las NTIC pueden cierta mente multiplicar los espacios de comunicación facilitando el derecho de acceso y la representación plural de las identidades diversas que conviven y pueblan toda entidad local con herramientas y técnicas que permiten una nueva configuración de las mediaciones sociales Más aún las nuevas tecnologías de la información facilitan condiciones de vinculación e interdependencia con las que los actores locales pueden aprender a definir mejor sus estrategias y participar activamente en la vida pública estrechando los vínculos recíprocos de sociabilidad La progre siva implantación de las nuevas tecnologías y su implementación en la gestión del desarrollo local constituye por lo mismo un reto prioritario que como es lógico en todo proceso de cambio acelerado suscita numerosas incertidumbres a la vez que proyecta fundadas esperanzas de un más eficaz y equilibrado desarrollo endógeno al hacer materialmente posible la aspiración democrática de un espa cio público dialógico y abierto accesible a todos los potenciales interlocutores mediante la implementación de fórmulas originales de empoderamiento y comu nicación de la ciudadanía En numerosas experiencias internacionales conocidas la participación a través de Internet amplía en efecto las potencialidades de intermediación con la articulación de redes cívicas en las que el ciudadano puede participar de una comunidad de productores de medios y mediaciones Así de consumidores y audiencias los actores locales pasan a ser sujetos activos de procesos de represen tación capaces de definir y capitalizar los procesos de desarrollo así como las po sibilidades de creación cultural autóctona El célebre principio hazlo tú mismo reivindicado por los medios alternativos digitales evidencia y hace notar que hoy son posibles formas de producción y difusión informativa participadas y nuevas lógicas de representación y decisión política basadas en la acción ciudadana y la definición pública del espacio local a partir de un proceso cooperativo de recolec ción sistematización análisis y edición de información En definitiva con el cambio de soporte material de la cultura de los me dios analógicos a los sistemas digitales y su apropiación por el tejido social la ciudadanía cuenta con un amplio abanico de recursos de expresión y representa ción informativa dispuestos para explorar y vivir la democracia de forma creativa y abierta a la experimentación Por lo pronto la creación de nuevos espacios 15 y formas de interacción públicas y el uso difusionista del poder distribuido de las redes telemáticas han generado procesos de reflexión de las entidades locales conscientes entre la perplejidad y la urgencia de medidas políticas de las posibi lidades y necesidad de adaptar la gestión municipal a realidades factibles como el voto electrónico la información e intercambio de ideas y los servicios públicos en línea o el uso potencial y enriquecedor de los foros y ágoras virtuales en Internet En esta reflexión sobre las formas y procesos de ejercicio de la ciudadanía y la democracia particiaptiva las autoridades locales no han transitado solas Antes bien en muchos casos ha sido el tejido asociativo los grupos y colectivos de apoyo mutuo y especialmente los grupos activistas los que han comenzado a propugnar un nuevo modelo de mediación social en el desarrollo territorial Al gunos ejemplos tanto en América Latina como en Europa se muestran en detalle en el libro Estos colectivos herederos del activismo sobre la cuestión urbana y la vindicación del derecho a la ciudad de los años sesenta y setenta son quienes primero han visualizado el horizonte cognitivo de la biopolítica en la gestión y mejora del gobierno local con participación ciudadana La socialización y desarrollo de las nuevas formas de interacción social que circulan y son accesibles para la ciudadanía en sus ámbitos de proximidad nos demuestra de hecho que las comunidades de usuarios y grupos locales día a día promueven modos de producción circulación y consumo de información pú blica completamente novedosos dando lugar como resultado a nuevas lógicas transversales de mudanza que afecta transversalmente al conjunto de la vida en común Las actuales condiciones de desigualdad y exclusión particularmente en territorios o ciudades periféricas de las grandes metrópolis plantean no obstante problemas neurálgicos en una sociedad que a decir de Manuel Castells distri buye y reproduce las formas de poder de acuerdo a la lógica de flujos La intro ducción y aplicaciones de las nuevas formas de intercambio en la ciudad posmo derna plantea en este sentido el reto de dar respuesta a tales carencias sociales procurando abordar desde una visión integral y prospectiva los desequilibrios y cambios implícitos en esta transformación estructural de nuestras ciudades a fin de garantizar una ecología y modelo de desarrollo y mediación local equilibrado que ante la imperiosa necesidad de reforma y modernización fomente formas avanzadas de participación y ciudadanía más allá de los tradicionales parámetros y modelos de difusión jerárquicos y centralizados El reto de producción de la diversidad cultural implícita en la Agenda 21 de la Cultura constituye aún hoy por ejemplo en esta línea un eje central en el ámbito de las políticas de desarrollo de las ciudades por ser el ámbito de proximidad el que permite cumplir este principio de reconocimiento de la dife rencia Ahora bien reconociendo el papel estratégico que pueden desempeñar los municipios en esta labor tal política pública plantea retos de articulación 16 intergubernamentales políticoadministrativos y socioculturales innovadores y problemáticos que requieren nuevas perspectivas y enfoques de investigación La conexión entre los aspectos culturales y comunicativos los tecnológicos y econó micos y los políticoinformativos apunta por poner un caso la exigencia de una comprensión global de la interrelación existente entre los diferentes niveles de acción y pertinencia a efectos del análisis adecuada al campo de las transforma ciones socioculturales que estamos experimentando Desde este punto de vista hablar de creatividad de cuencas de cooperación de clusters de comunicación y cultura remite a una mirada transversal sobre las complejas interconexiones de espacios creativos en los territorios y nuevas formas de cultura urbana de la modernidad líquida que promueven las nuevas tecnologías sobre los que la mentablemente el campo académico apenas ha comenzado a explorar problemas y realidades emergentes determinantes de la ciudadanía cultural como campo de intervención Hoy más que nunca la investigación social precisa por consi guiente aportar tanto nuevos conocimientos sobre las estrategias y diseños de las políticas públicas de las entidades locales arrojando luz sobre los factores y ele mentos de innovación que contribuyen hoy a la planificación para el desarrollo local con las nuevas tecnologías como información empírica sobre las lógicas de mocratizadoras de la sociedad de la información en el ámbito local a fin de tratar de explicar las condiciones formales que procuran o por el contrario limitan los procesos de autonomía y apropiación social de la cultura digital en la promoción comunitaria y el desarrollo endógeno urbano de las reconocidas como ciudades digitales o creativas Y ello procurando aportar nuevo conocimiento científico en un campo novedoso y en la frontera del saber de las ciencias sociales y las huma nidades al ocuparse de un objeto material de estudio que por principio a decir de Peter Burke exige de la investigación social una mayor atención a las fronteras y espacios de creatividad de las comunidades y pequeños grupos analizando sus estrategias de innovación y adaptación creativa en el límite de las complejas relaciones entre sociedad y cultura estructura y cambio social agenciamiento y determinación histórica infraestructura material y trabajo autónomo y creativo En definitiva la comunidad académica debe priorizar esta línea estratégica abordando cuestiones sustanciales sobre la interfaz que define hoy la nueva cul tura urbana definiendo qué sociedades y formas de agrupamiento local emergen de las redes desterritorializadas de información e intercambio Qué modelos de sostenibilidad y desarrollo endógeno promueven las complejas dinámicas de intermediación del proyecto gubernamental de ciudades creativas Cómo son las formas y dinámicas de apropiación y uso social del hábitat que tienen lugar en los municipios Qué inflexiones y cambios se están produciendo en las ciudades y diversas regiones geopolíticas desde el punto de vista de la cultura urbana y la apropiación de los ecosistemas culturales Qué desafíos y límites 17 políticos y culturales plantean las transformaciones urbanas aceleradas en el con texto de los planes de desarrollo municipal Qué metodologías y criterios de evaluación son pertinentes para integrar los procesos de transformación cultural de las poblaciones locales Las políticas públicas en la materia progresan en la dirección que apuntan los objetivos de democratización y autonomía locales Cómo es definida y practicada realmente la ciberdemocracia Las ciudades creativas están implementando metodologías y estrategias de evaluación adecua das a la nueva cultura urbana Qué indicadores y modelos de referencia en la evaluación son idóneos para producir la mudanza sistémica de las ecologías de vida a esta escala En otras palabras qué indicadores variables y tipos de procesos inciden hoy en la apertura de dinámicas de desenvolvimiento local en las ciudades cómo tienen lugar las nuevas lógicas de socialización y qué factores inciden de forma determinante en la mayor o menor apertura para la autodeterminación ciudadana son cuestiones a nuestro entender prioritarias en la política científica contem poránea para entender el impacto y alcance de la nueva semiosfera de la cultura en la medida que toda cuestión urbana interpela al investigador sobre el modelo de reproducción social pues la ciudad es producto y espacio de articulación que media en las lógicas expansionistas del capitalismo De ahí que el estudio sobre lo local pensar las religancias y el papel de los territorios en los procesos de sub sunción de la sociedad entera por el capital resulte estratégico para una crítica y empoderamiento del nuevo sujeto postfordista Como apuntara hace décadas Castells los nuevos medios de representación no son sólo máquinas de procesa miento de información sino fundamentalmente sistemas de relación social En la era de las Smart Cities y de colonización del espacio de la comunicación y la cultura urbana de los territorios de la vida en común en suma ha llegado el mo mento pues de repensar críticamente los procesos de mudanza y estructuración del nuevo espacio público local Los editores de este volumen esperamos que con el esfuerzo colectivo desplegado en este proyecto hayamos logrado contribuir por modesto y limitado que haya sido el resultado a arrojar luz y simientes para hacer real el cultivo de una promesa siempre postergada de la ciudad de todos y para todos 18 PREFÁCIO Jesús Sabariego Este trabajo es un compendio de investigaciones en torno a las posibilida des de la ciudad como interfaz sometida a dinámicas de control vigilancia y do minación expresadas en una biotecnopsicopolítica que se ceba sobre los cuerpos y las mentes sobre el sueño y la vigilia el tiempo y el espacio Los trabajos que integran este volumen discutidos en seminarios interna cionales de carácter interdisciplinar por todo el orbe en los últimos años integran la caja de herramientas que propone el proyecto Technopolitics The Challenge of Digital Media to Democracy in Europe an engaged approach financiado por el programa H2020 MSCA de la Comisión Europea con referencia 897796 La mitad de la humanidad habitará en ciudades en torno a 2050 según ONU Hábitat Frente a este desafío la participación proactiva de las culturas cí vicas en la constitución de infraestructuras de código abierto el compromiso co munitario y la centralidad de la interacción horizontal de lo vivo y su corporeidad como vector de las relaciones sociales económicas y políticas deben transformar profundamente la interfaz ciudadana actual orientando a los cocreadores y pro ductores a los agentes y las políticas públicas en un nuevo tipo de vinculación corresponsable horizontal y recíproca de cuidado que respete e integre las dife rencias y reduzca las desigualdades en clave equitativa La pujante agenda en torno a los riesgos de una digitalización focalizada en los beneficios restrictivos para una parte de la sociedad y su carácter corporativo de una tecnología invasiva y extractora de las interacciones humanas tout court cuya autonomía en dicha lógica le permite pensar lo humano en una perspectiva tecno lógica y no al contrario están acrecentando la vigilancia el control y la dominación sobre poblaciones enteras del planeta a escala global escindiendo la separación en tre lo público y lo privado el tiempo online y offline la integralidad ecológica del territorio las posibilidades de supervivencia de una democracia plural y diversa Es necesaria una acción coordinada entre académicos investigadores ins tituciones públicas entidades privadas agentes políticos hacedores comunitarios y las culturas cívicas en torno a las posibilidades de participación democrática ciudadana y la calidad de esta en un mundo interconectado pautado por los riesgos de la desinformación el auge de la intolerancia y los discursos de odio en torno a las llamadas redes sociales de Internet que intoxican la política en cualquier escala 19 La pandemia ha acrecentado nuestros miedos e incertidumbres elementos disciplinantes que forman parte de la socialización primaria de cualquier socie dad totalitaria Nos toca imaginar una sociedad cuyos elementos motores no se sitúen en estas dimensiones sino en el deseo y la creatividad inherentes a la diversidad y pluralidad humanas la riqueza de estas y su valor tomando a la vida como centro Sevilla julio de 2021 20 A CIDADE DOS SONÂMBULOS1 Andrea Cavalletti2 1 Cada cidade real é uma obra de arte não se cansava de repetir um grande historiador de arte Sergio Berrini A obra nunca está sozinha está sem pre em relação Para começar pelo menos em relação a outras obras de arte dizia Roberto Longhi A cidade como obra e a obra de arte como relação Duas citações excêntri cas que têm um valor instrumental para nós de outils ferramentas Nos ajudam a imaginar um lugar espaço da obra corte da tela ou da cidade que está sempre em relação porque nada nela nunca deixa de estar em relação As palavras de Longhi no famoso artigo do primeiro número de Paragone são de fato um convite a repensar a sua tendência madura tendência tem sido dito para o romance histórico como um desenvolvimento coerente de ensaios juvenis dava ideias a esse formalista longínquo ou purovisibilista ironicamente desde nhoso a qualquer recurso a séries documentais para as quais a história da arte se confrontava sem resíduos com crítica figurativa Toda a obra está em relação porque pertence antes de tudo à história imanente da forma isto é o campo definido por um relacionamento duplo sincrônico entre os elementos formais internos e diacrônico que liga a obra aos outros e retorna sua genealogia este é o olhar presbiópico do jovem Longhi que enquadra Mattia Preti por exem plo da distância histórica como salvador da pintura napolitana para a decaída mesquinhez realista de Ribera ou que de outra forma descobre o longo desen volvimento da pintura veneziana a partir da invenção formal de Piero Quando Bettinim inspirou Focillon um continuador da Escola de Viena escreveu que em Veneza tudo a composição assimétrica de uma fachada como o menor detalhe colorístico embutido na marcha ou no caminho sinuoso do canal como 1 Este texto foi publicado originalmente na revista Critica della Razionalità Urbanistica CRU 2021 n60 2006 2007 Napoli Alinea Editrice srl com o título La Città dei Sonnambuli A tradução para o português foi reali zada por Henrique Mioranza Koppe Pereira 2 Andrea Cavalletti atualmente é professor de Filosofia Moral na Universidade de Bolonha 20072010 Bolsista de Investigação Universidade de Veneza IUAV 20032004 obteve bolsa de pósdoutorado Europa Univer sidade Viadrina FrankfurtOder Graduiertenkolleg RepräsentationRhetorikWissenGrupo de Treinamento em Pesquisa RepresentaçãoRetóricaConhecimento sob a direção do prof Anselm Haverkamp 20022004 obteve bolsa de pósdoutorado Politécnica de Bari Tutor prof Giovanni Leoni 2000 se formou Doutor em planejamento urbano IUAV com dignidade de publicação com a Tese Espaço e população Para uma arqueo logia do urbanismo Tutores prof Giorgio Agamben Universidade de Verona e prof Bernardo Secchi IUAV 1997 recebeu distinção Laurea cum laude em arquitetura IUAV com a Tese Konzentrationslager Campo de concentração Uma análise biopolítica do espaço Oradores prof Bernardo Secchi IUAV e prof Giorgio Agamben Universidade de Verona 21 o reflexo da água no poliforo tudo Responde ao mesmo Kunstwollen3 a uma única vontade artística coerente deu a interpretação mais rigorosa deste princí pio De fato a noção de Riegliana4 define o campo coerente das relações entre as diferentes esferas da atividade humana o termo Kunst5 significa precisamente a poiesis6 o fazer no sentido mais amplo e inclui em si mesma a pintura e a escul tura mas também o direito e as práticas comuns isto é as maneiras pelas quais a vida responde a um certo ritmo a uma ideia formal chamada precisamente Veneza ou Paris Veneza e Paris são obras de arte enquanto lugares onde não há nada que não esteja na mais estreita relação E se a forma de Veneza ao seu modo se conecta à Roma erradicase diretamente do sentido espacial romano tardio em íntimo acordo com seu Kunstwollen poderia também ser uma série aparen temente mais distante e alienígena a das relações orgânicas das composições de Frank Lloyd Wright desde que claro ele saiba concordar com esse ritmo preciso que agora seria impróprio chamar de interno porque não há mais uma linha que separa o interior do exterior mas coerentemente com a ideia de vontade artística uma certa disposição para contatar uma tendência permeabilidade Bettini tinha tomado uma posição em favor do projeto de Wright para o Memorial Masieri no Canal Grande Algo inextricavelmente liga Veneza a Taliesin West o espaço da lagoa totalmente artificial em Fallingwater aplica a lei descoberta por Focillon de migrações e metamorfoses formais entre ambientes mais lentos ou mais rápi dos em diferentes intensidades 2 Ao se intencionar a pensar quão verdadeiras são as definições de Bettini e Longhi pensar a cidade como o que está sempre em relação significa antes de tudo pensar sobre essa esfera de relacionamento puro Agora talvez a imagem mais poderosa de um mundo em que tudo está continuamente relacionado é 3 NT Kunstwollen é um conceito artístico que significa literalmente a vontade da arte Esse conceito foi criado pelo historiador de arte Alois Riegl O conceito riegliano de Kunstwollen como é proposto em Die Spätrömische KunstIndustrie baseiase na percepção de que a obra de arte não é uma mera representação de um conteúdo que é supostamente subjacente termo de Panofsky à própria obra de arte mas que é a expressão de uma vontade que não existe independentemente de sua exteriorização específica na vida cultural de uma comunidade SY MONS Stephane Walter Benjamin presence of mind failure to comprehend social and critical theory Boston Brill Academic Publishers 2012 p 99100 e OLIVEIRA Carla Mary S Aloïs Riegl o conceito de Kunstwollen e o barroco algumas considerações em história da arte SÆculum Revista de História 28 João Pessoa UFPB janjun 2013 4 NT Riegliana vem do Historiador Alois Riegl O que Riegl propõe é francamente em termos de uma solução técnicometodológica provavelmente a mais hábil já sugerida talvez porque Riegl percebeu o problema mais diretamente do que outros Na verdade a kunstwollen nos permite ir dos objetos para o panorama Além disso ela nos liberta das hierarquias estéticas dos objetos desde que a princípio todas as artes toda informação arqueo lógica todo objeto e ornamento pode servir ao mesmo objetivo histórico de revelar uma kunstwollen gravada pela vontade de seu produtor na resistência das condições materiais em que ele ou ela trabalham ELSNER Jas From empirical evidence to the big picture some reflections on Riegls concept of Kunstwollen Critical Inquiry Chicago The University of Chicago Press v 32 n 4 2006 p753 Disponível em Acesso em 17 fev 2013 e OLIVEIRA Carla Mary S Aloïs Riegl o conceito de Kunstwollen e o barroco algumas considerações em história da arte SÆculum Revista de História 28 João Pessoa UFPB janjun 2013 5 NTKunst do alemão arte a autora ao referir a semântica que traz o significante Kunst faz alusão ao potencial que a arte tem em criar e transformar a cidade e o modo de vida que toca 6 NT Poiesis significa trazer à existência algo que não existia antes 22 aquela cunhada no final do século XIX por Gabriel Tarde Tudo para o Gabriel Tarde é associado e nada para de se associar em formas múltiplas e muitas vezes imprevisíveis Tudo é uma pequena sociedade de coisas e o mundo inteiro está conectado por uma série de relações sociais infinitesimais Este é o mundo para o qual Deleuze e Guattari prestaram homenagem Tarde tinha sido esmagado por Durkheim e sua escola É porque Durkheim encontrou um objeto privilegiado nas grandes representações coleti vas geralmente binárias ressonantes superlotadas Tarde objetou que as repre sentações coletivas pressupõem o que deve ser explicado a saber a semelhança de milhões de homens Para explicar essa semelhança o planejamento urbano não deve simples mente considerar os aspectos e as mutações da sociedade nem aprender com a sociologia urbana ainda seria muito pouco antes deve ser radicalmente trans formado em sociologia Deve adotar a lei geral de Tarde Cada coisa é uma sociedade cada fenômeno é um fato social Não há portanto paredes ou ruas ou praças em relação aos fenômenos sociais mas a estrada o elemento físico estrada é um fenômeno associativo não menos do que o número de transeuntes que passa por ela em um determinado momento Todo fenômeno ou fato existe apenas na medida em que está associado a outros e é por sua vez uma associação de fenômenos e fatos Não há nada além de relacionamento no mundo não é possível ser outra coisa ou outro fenômeno que não seja propagação contato união ou oposição de fenômenos e coisas É o absoluto sociomorfismo de Tarde repensando aos excêntricos lemas de Longhi e Bettini pensar na cidade como um relacionamento significa tentar abordálo 3 Tarde viu todo o universo sob as espécies de associações são imitativos inesperados simples ou inventivos Porque a sociedade significa para ele imita ção Como dois fenômenos diferentes se unem enquanto se comunicam entre si Precisamente se imitando Se tudo no mundo é social todo o social é imitativo Agora o que é imitação É o jogo mútuo da diferença e da repetição A nature za o espírito a história da natureza e a história do espírito a história universal não são que a tentativa contínua de estabelecer uma perfeita adequatio entre a diferença e a repetição não são além do anseio contínuo pela perfeita imitação O último é de fato um relacionamento dinâmico e comunicativo nunca é algo que possa ser alcançado de uma vez por todas em sua adaptação mútua a dife rença e a repetição permanecem vivas e essa mesma adaptação por mais perfeita que seja permanece por sua vez efêmera pois de fato por sua vez não pode ser imitada isto é repetida e diferida Diferença e repetição se Deleuze ensinou a pensar de uma maneira absolutamente novo o fez associando o seu nome aquilo que Tarde imitandoo e repetindoo e diferenciandose de Tarde suscitando a sua volta um vórtice imitativo que se captura ou arrasta ou como teria dito 23 Tarde se polariza Vamos seguir então Deleuze Toda a filosofia de Tarde é fundada sobre duas categorias de diferença e repetição a diferença é ao mesmo tempo a origem e o objetivo da repetição segundo um movimento cada vez mais poderoso e engenhoso que leva cada vez mais em conta os graus de liberdade Agora esta lei da imitação que pode então ser consciente ou inconsciente refletida ou espontânea subverte o princípio básico da dialética hegeliana Não que não haja oposição entre teses e antíteses Apenas ao dizer oposição já foi in dicada uma relação isso é uma associação e a dialética já foi descrita diria Tarde como um fenômeno social Mas não basta O fato é que também a oposição não é uma relação de repetição e diferença Em 1897 Tarde escreve um livro intitula do A oposição universal Lopposition Universelle no ano seguinte dedicalhe um capítulo daquela síntese de seu sistema que é As leis sociais esboço de uma sociolo gia Les Lois sociales equisse dune sociologie A ideia verdadeiramente genial que tanto teve que Deleuze bater é que a oposição não é algo autônomo uma relação entre duas entidades autônomas portanto um relacionamento que como tal permaneceria externo a elas não é simplesmente o relacionamento externo o terceiro em que duas coisas manifestam o máximo de sua diferença A oposição universal que corresponde à socialização universal é por outro lado para Tarde estritamente uma relação entre diferença repetição é uma repetição mínima em relação à própria diferença Essa não se dá simplesmente onde há um máximo de diferença é produzido em contato de acordo com a relação entre um máximo de diferença e um mínimo de repetição Como relação como fun ções universais dos dois termos diferençarepetição a oposição é por sua vez vari ável os seus graus e suas formas são múltiplas e Tarde as classifica Do ponto de vista formal as oposições podem ser estáticas simétricas ou dinâmicas oposi ções dinâmicas sucessivas ritmos ou simultâneas oposições lineares simultâneas polaridade ou irradiantes Do ponto de vista não mais formal mas material existem oposições qualitativas e quantitativas e então quantitativo de grau ou força A oposição portanto nunca se separa da repetição Em suas duas grandes formas o ritmo e a luta não se revela nada mais que um estágio ou fenômeno intermediário ou de alguma forma auxiliar à repetição Como o ritmo escreve Tarde em Les Lois sociales As Leis sociais a oposição não serve à repetição de modo direto ou indiretamente quando se torna variação E como luta isto é discussão concorrência guerra a oposição não pode fazer mais afinal do que provocar adaptações isso é imitações inventivas Adaptação invenção e imitação são as três variáveis gerais insubstituíveis da lei Tardiana E sobre isso retornaremos a tratar É necessário refletir primeiro sobre algo a cidade a cidade povoada do sé culo XIX Paris era o lugar de massa por excelência um lugar a partir do qual um regime particular de verdade chamado sociologia poderia ser constituído Mas 24 podemos pensar nos termos de Tarde imitando seu sociomorfismo universal a própria cidade como um tecido de coisas e fenômenos que imitam e se opõem mutuamente diferenciandose e repetindose sem solução de continuidade Isto é podemos pensar na cidade não como o teatro ou o produto de fatos sociais mas como algo que em sua materialidade e forma é imediata e absolutamente social portanto como algo tão sociológico que não é mais redutível ou referível a qualquer sociologia Podemos imaginar uma nova leitura da cidade ou uma leitura da obra de arte atenta a todas as mínimas diferenças às repetições às si metrias dos elementos e que notando as repetições não se concentram em formas singulares reconhecendoas e isolandoas mas por assim dizer nos seus halos nas irradiações a que pertencem e que os distingue como graus distintos de diferença ou repetição que individualizam que têm diante de si um complexo tecido de insistência que tipo de insistência uma estrada representa e limites onde as repetições se tornam máximas e as diferenças mínimas como pelo contrário os momentos mais decididamente inventivos Podemos imaginar uma urbanística que consista exatamente na descoberta contínua dos níveis de associações e em uma exposição das relações que tragam a sociologia de volta à cidade da qual ela nasceu e subtraia o pressuposto de sua constituição Pensar a obra de arte cidade como fenômeno no qual as formas de vida se materializam em repetições e oposições significa nada menos que isto 4 Adaptação nós dissemos é uma imitação inventiva Já que adaptarse significa inventar uma solução e toda verdadeira invenção é uma adaptação Tam bém nesse sentido embora ela seja adaptada a imitação nunca é completa mas sempre novamente possível O campo social portanto onde mais uma vez social é o próprio universo dos fenômenos como todo fenômeno em si é com posto de ondas e fluxos imitativos que se opõem que se encontram imitam até opondose uns aos outros e diferenciam um do outro Estes encontros são mais ou menos felizes são conclusões lógicas esperadas por um longo tempo ou combinações casuais às vezes pequenos atritos revoluções individuais vórtices no fluxo moral dominante ou contatos e intersecções entre diferentes tipos de correntes imitativas como a imitaçãotradição que pode encontrar uma linha de imitaçãomoda e engajarse nela como diferentes modas podem se encontrar ou ambientes imitativos com diferentes intensidades podem se sobrepor Pois as invenções são adaptações e as adaptações não são equilíbrios instáveis como a bacia de um rio ou o movimento das nuvens diz Tarde elas mantêm seu equi líbrio adaptandose continuamente à variação das correntes Todas invenções se reduzem ao feliz cruzamento em um cérebro inteligente agora com outra corrente de imitação que a reforça agora com uma intensa percepção externa que faz uma ideia aparecer sob uma luz inesperada todas as invenções e to das as descobertas são compostas de imitações anteriores e tudo no mundo nasce 25 formando a árvore genealógica dessas iniciativas bemsucedidas um conjunto não rigoroso mas irreversível de sua manifestação o desdobramento de cada invenção é a realização de uma possibilidade entre milhares possível entre as di versas possibilidades quero dizer entre as condições necessárias que a invenção mãe da qual deriva carregada em seu seio Assim que se manifesta a nova in venção impede a maioria dessas possibilidades e ao mesmo tempo torna possível um novo grupo de invenções que antes não existiam e que por sua vez nunca virá à luz de acordo com a forma a direção a intensidade o período e a extensão do raio imitativo Para nós a palavra cidade significará portanto radiação contínua múltipla e irreversível de invenções e adaptações 5 O que é a sociedade É imitação Resta uma pergunta o que é a imita ção Aqui disse Tarde o sociólogo deve deixar a palavra ao psicólogo A ideia é para esclarecer o que parece mais complexo através do mais simples explicar a combinação a partir do elemento singular o vínculo social mais complicado atra vés do qual para um tempo puro e reduzido à sua expressão mínima Ideia por sua vez elementar para explicar um mundo inteiro de relações imitativas através da ligação reduzida e tão felizmente realizada para o benefício do sociólogo em estado sonâmbulo Para inovar inventar para realmente descobrir alguma coisa um momen to é necessário acordar de seu próprio sonho seja familiar ou nacional para que haja imitação algo novo deve vir de algum lugar e para que algo novo seja dado a qualquer indivíduo ele deve fugir momentaneamente da sua sociedade deve se isolar e ser suprasocial em vez de social É como uma inversão completa do fragmento de Heráclito os que dormem agora têm um mundo comum e único enquanto cada um dos despertos se retira para si Para o sonâmbulo acordar por um instante a diferença deve possuir supremacia sobre a imitação Ele deve encontrar um diferente isto é adaptarse e da melhor maneira inventar a melhor adaptação possível dando origem a um novo rastro imitativo formando assim um novo centro de polarização e tornando o social possível novamente Inventar significa ser suprasocial mas adaptarse significa ainda imitar Portan to recuar para o próprio mundo significa sair da imitação apenas para renovála acordar momentaneamente do social para tornar o sonambulismo ainda possível O que está em jogo no despertar é o social como transformação possível Então há uma condição Isaac Joseph sublinhou isso que não coincide exatamente com o sono nem com o estado de vigília uma condição singular e pela qual todos nós passamos uns mais outros menos intensamente é o estado próximo ao de sonambolismo mas deste lado do sonambulismo que não está inteiramente no social mas em relação ao social é o que Antonio Delfini chamou 26 minha timidez A expressão está correta porque a timidez é acima de tudo um estado de perplexidade não um salto inventivo para além de uma certa es fera social mas um resíduo de consciência que nos impede e nos impede de nos abandonar completamente à atração do pólo magnético que organiza os fluxos imitativos que nos impede de seguir o tom e a moda daquele ambiente falan do sobre seu jargão copiando seus gestos O homem tímido diz Tarde acima de tudo não poderia abandonar a esses hábitos a ponto de perder a consciência desse abandono Magnetização consciente e portanto incompleta comparável à sonolência que precede o sono profundo em que o sonâmbulo fala e se move a timidez será portanto para Tarde um estado social nascente que é produzido toda vez que se passa de uma sociedade para outra Sonambulotímidoinventor nova declinação ou variação da lei triádica imitaçãoadaptaçãoinvenção o que de fato é o inventor É aquele que se adap ta a um novo ambiente Inventar é adaptarse e adaptarse é imitar Portanto o inventor é o imitador maa também é tímido devido a sua dificuldade de adap tarse ele terá que inventar algo e se tornar novamente um sonâmbulo Vencerá e junto perderá a sua timidez Não se sabe Quem é de fato verdadeiramente mais do que outro tímido qualquer Aquele que permanece inventando sua pró pria linha original de timidez os Diários de Delfini por exemplo são a história dessa linha aquele que abandona a si e se perde em sua própria timidez tornase inconsciente sem nunca perder a consciência do que o diferencia dos outros Existem três intensidades diferentes de imitação três tipos de sonambulis mo recíproco 6 Imaginemos a cidade atravessada por massas sonâmbulas Ou melhor imaginemos que a cidade seja o lugar de todas as imitações dos múltiplos incên dios de radiação do fluxo de fluxos de oposições e interseções novas polaridades capazes de atrair outros fluxos Imaginemos que a cidade não é mais do que a so ciedade e não é simplesmente habitada ou atravessada por uma sociedade de indi víduos Pensamos que todo fenômeno todo espaço ou problema espacial produz uma adaptação e tudo imita o outro ou dá lugar a uma imitação e portanto qualquer elemento espacial já é imanente no plano imitativo então não haveria outro espaço além daquele dos fluxos inventivos É o sonho de uma cidade em que todo movimento não é mais do que a entrada mais ou menos rica em atritos em um fluxo ou a formação de um córtex ou a saída desse fluxo que no entanto já abre outro fluxo o que por sua vez desvia correntes antigas ou provoca novas Quem é o urbanista e o que ele inventou Ele é um sonâmbulo entre ou tros e timidamente inventa seu próprio sonho 7 A história da cidade e do urbanismo moderno é diferente O que Ildefon so Cerdá chamou com um neologismo afortunado a urbanização é um dispositivo 27 de implicação mútua do contenente a cidade física a urbe como o lugar onde se conterá a população e sua formas de vida e do contenuto como con teúdo de população que se conterá na cidade As primeiras definições exaustivas deste dispositivo datam como foi mostrado das codificações da ciência policial do século XVIII para tratados franceses ou italianos e para os cameralistas alemães entre muitos livros Ökonomie des Raumes de Marcus Sandl possivelmente seu es tudo mais documentado sobre cameralismo reconstitui esta história e deixa claro para quem conhece Cerdá como a cidade como mare magnum de pessoas coisas e interesses com que se media a partir da Teoria geral da urbanização que já se encontrava no centro por exemplo das Grundfeste zu der Macht und Glücksligkeit der StaatenFundações para o poder e felicidade dos estados1761 de JHG von Justi Entre o espaço o ambiente e o homem a população surge uma técnica capaz de identificar todas as variáveis que interferem no comportamento moldálas e condicionálas enquanto aqueles são por sua vez moldados e condicionados Emerge entre o ambiente e o homem o governo como a arte de guiar essas relações e assim melhorar a vida da população para tornálo mais e mais útil para o fortalecimento do Estado cada vez mais rentável para os propósitos do pró prio governo cada vez mais correspondendo à economia virtuosa dessas técnicas governamentais O nascimento da economia civil ou política está portanto ligado ao destino de outra ciência estatística capaz de medir a condição mais ou menos feliz do Estado e portanto não apenas fornecer o quadro atual de relações entre habitantes e território mas para estabelecer este mesmo quadro de relações para trazer um espectro de positividadenegatividade que pode então ser projetado com ações mais ou menos diretas e incisivas sobre as formas da cidade física e sobre as formas de vida da população como então com o surgimento do governo como governo da população que Foucault chamou de biopolítica com a transformação da cidade moderna em cidade biopolítica esta visão estatística particular deve assumir as características da própria realidade quão perfeitamente a estatística de veria se tornar o princípio de realidade sobre o qual cada imagem da cidade tinha que ser fundada dizem as famosas palavras escritas por Le Corbusier em 1925 A estatística é o pégaso do planejamento urbano Terrivelmente chata meticulosa seca e fria é a plataforma da qual o poeta pode dar o salto colocando os pés firmemente em figuras gráficos em fatos concretos Dado ao fato de que o planejamento urbano não é portanto a cidade físi ca mas a relação entre contenente contêiner como aquilo que em que se contêm algo e contenuto conteúdo como aquilo que está contido em algo Por outro lado um pégaso e um poeta adequado eram necessários para que um certo co nhecimento imagem ou visão do mundo se tornasse um fato Sabemos que a análise do contêiner e do conteúdo Cerdá na sua esta tística urbana de Barcelona seguia as relações entre esses elementos quanto 28 ao funcionamento da população na cidade fazendo com que este trabalho coincidisse com a própria urbanização A matriz de todos os dispositivos de controle atuais isto é a gestão das desigualdades começando com a agora tão popular e avaliação cujos reais desafios foram demonstrados por JeanCalude Milner em La politique des choses 2005 A política das coisas até as aberrações ou melhor para o cru da discricionariedade brutal eleita sem demasiados fingimentos em termos legais no último projeto de lei das disposições sobre segurança urbana voltar a essa implicação mútua que poderíamos definir em um sentido preciso urba nística entre espaço e população entre os dois objetos do governo os viventes e o seu ambiente O paradigma atual do governo é melhor do que dizer de uma partição artificial e de modo algum tido como certo entre a vida e o ambiente vital A divisão a partir da qual somente pode ser dada sua relação e o controle das relações pode por sua vez ser exercitado tocando e moldando juntos o am biente e a vida É a partir desta cisão a partir do campo ilimitado ou mare mag num das relações as quais essa dá lugar que a estatística se confunde e prolonga na urbanística e a urbanística se torna um instrumento de segurança pública 8 Mesmo no sonho de Tarde a estatística aparece O quarto capítulo da obraprima Les lois de limitation As leis da imitação 1890 é de fato intitulado Larchéologie et la statistique A arqueologia e a estatística Tarde tinha publica do sete anos antes um ensaio homônimo O primeiro movimento consiste em reunir em uma única perspectiva dois tipos distintos de pesquisa que nosso tempo colocou em grande honra Ambas são essenciais do ponto de vista do sociólogo Por que a arqueologia Acostumados a uma extrema escassez de infor mações os arqueólogos desenvolveram uma sensibilidade superiorobrigados por ligar o desconhecido ao conhecido a procurar o segredo das gerações desapa recidas nas analogias mais distantes obrigados ligar o desconhecido ao conheci do a procurar o segredo das gerações desaparecidas nas analogias mais distantes naquelas de avaliação mais difícil para o olho profano em matéria de formas estilos cenas lendas figurativas de línguas costumes etc os arqueólogos exer ceram por toda a parte descobertas inesperadas umas com segurança investigati va e outras com diversos graus de verosimilhança de acordo com uma escala de probabilidade muito ampla Com isso eles contribuíram maravilhosamente para ampliar e aprofundar o domínio da disposição humana a imitar e para resolver a civilização de todos os povos mesmo os mais originais à primeira vista em um conjunto de imitações combinadas de outros povos Sabem que a arte árabe com sua fisionomia nítida é no entanto uma simples fusão da arte iraniana com a arte grega derivada da arte egípcia e talvez de outras fontes tal e qual outro processo e que a arte egípcia é formada ou sucessivamente ampliada para múltiplas contribuições asiáticas ou mesmo africanas Não podemos pôr fim a 29 esta decomposição arqueológica de civilizações não há molécula social que a sua química não espere justamente dissolver em átomos mais simples Graças aos arqueólogos aprendemos onde e quando pela primeira vez surgiu uma nova descoberta até onde e em que época se irradiava e como veio do lugar de origem até a pátria adotiva Para eles portanto a história simplificada e transfigura da consiste simplesmente em advento e difusão em acordos e conflitos de neces sidades originais em uma palavra que de tal modo tornamse as grandes figuras históricas e os verdadeiros agentes do progresso humano Como é a cidade e a própria urbanização aos olhos do arqueólogo Não como um lugar do relaciona mento mais ou menos seguro econômico ou útil entre contenente e contenuto mas como um tecido de radiações e centros de intensidade inventiva Não há duas entidades cidade física e população e sua relação ou funcionamento mas apenas que podemos chamar de uso uma adaptação contínua uma sucessão de imitações inventivas e descobertas imitativas uma linha de adaptações criati vas Uma casa um um antigo pavimento ou uma fronteira a ágora ou a planta inteira de uma cidade que lentamente aflora nada mais são do que cruzamentos de invenções diversas e distantes e seu espaço e seu espaço nada mais é que dimensão intensiva e ao mesmo tempo temporal o de sua irradiação Por isso a sociologia tardiana não pode separar a estatística da arqueologia não pode deixar de combinar essas disciplinas aparentemente diferentes Necessita reco nhecer que o campo da invenção parece mais especificamente precisamente da arqueologia a da imitação mais especificamente apropriada à estatística Quanto a primeira se dedica a destrinchar a filiação de descobertas subsequentes a segun da se sobressai em medir a expansão de cada um deles Sem uma dimensão arqueológica a estatística não poderia existir assim como nenhuma invenção surge do nada e nenhuma imitação pode ocorrer em um ambiente social perfeitamente uniforme Então qual é a contribuição qual é a tarefa possível do estatista sociológi co Isso de determinar o poder imitativo de cada invenção e em segundo lugar de mostrar cada um dos os efeitos favoráveis ou nocivos produzidos pelas imitações Mas o que significa ser favorável E nocivo O efeito positivo se dá apenas em se livrar de novos potenciais de socialização de tudo o que é favorá vel à radiação imitativa livre de invençõesFrançois Zourabichvili destacou este aspecto em relação ao problema da justiça A positividade sociológica nada mais é podemos até dizer do que sua qualidade arqueológica E o negativo em Tarde é uma perda de poder é o fenômeno da multidão das necroses da vida social um grupo efêmero de imitadores passivos sem inventividade É em vez disso uma questão de quebrar continuamente as linhas horizon tais das estatísticas intervir com uma arte de decomposição arqueológica para descobrir que nunca há constantes verdadeiras mas sempre haverá um ponto 30 em que uma invenção é obstaculada ou se manifesta como decisiva e que cada linha aparentemente horizontal dividida da maneira justo sempre revela uma pequena inclinação um pico até mesmo uma mínima invenção individual para descobrir que social e individual são realmente inseparáveis e que necessidades constantes não existem ou nunca existiram que o mesmo ambiente em que o homem vive não é um quadro invariável mas um fenômeno imitativo em cons tante mudança A estatística então mais do que uma ferramenta de controle tornase pro priamente um órgão deveríamos ser mais sensíveis aos dados estatísticos para navegar com maior facilidade nos fluxos imitativos deveríamos um dia ler os jornais que finalmente se emanciparam de qualquer desejo de comentar e que em vez disso apresentam um único conjunto atualizado de dados devemos ver as linhas das estatísticas como vemos no céu os movimentos de um pássaro a imagem da retina é uma curva gráfica assim como existe uma fisionomia da esta tística composta de sinuosidade quedas súbitas retomadas abruptas semelhantes ao voo de uma andorinha Os escritórios de estatísticas seriam então inteiramente comparáveis aos olhos e ouvidos constituem o verdadeiro órgão sensorial do sonâmbulo social que se moveria em uma cidade perfeitamente transparente Mas este sonâmbulo nunca se destaca do voo porque para ele nunca há dados de fato nem plataformas estáveis como não há contêineres contenente ou conteúdos tudo o que é estatístico é de fato imediatamente capturado nos fluxos de imitação e tudo o que é imitado é portanto variado e diferido Não há fato mas mais uma vez apenas uma associação contínua de fatos e fenômenos Não há limite nem fronteira inerte portanto nem subpopulação soberana mas apenas novas metamorfoses estratégias de adaptação e intensidade da invenção Não há mais fluxos para administrar conter ou bloquear porque não há nada além de fluxos A urbanística neste esquema ideal não gerencia valores nem controla nada nem ninguém porque é inseparável da linha variável e do próprio mare magnun associativo que poderíamos finalmente chamar repetindo e dife renciando esse nome urbanização Somnambuli in somnis plurima agant quae vigilando non auderent Os sonâmbulos agem em sonho como não ousariam agir quando acordados REFERÊNCIAS S Bettini Tempo e forma Scritti 19351977 Quodlibet Macerata 1996 G Deleuze Differenze et repétition PUF Paris 1969 G Deleuze F Guattari Mille plateaux Captalisme et schizophrénie 2 Le minuit Paris 1980 A Cavalletti La città biopolitica Mitologie della sicurezza Bruno Mondadori Milano 1995 R Longhi Proposte per una critica darte in Paragone1 1950 pp 519 M Sandl Ökonomie des Raumes Die Kameralwissenschaftliche Entwurf der Staatwirtschaft im 31 18 Jahrhundert Böhlau Köln 1999 G Tarde Les Lois de limitation 1980 Presentazione di B Karsenti Kimé Paris 1993 trad it le leggi dellimitazione in Id Scritti sociologici a cura di F Ferrarotti Utet Torino 1976 G Tarde Les lois sociales 1898 com il saggio di I Joseph Gabriel Tarde le monde comme féerie Les Empêcheurs de penser em Rond Paris 1999 G Tarde Lopposition universelle Essai dune théorie des contraires1897 Les Empêcheurs de penser em Rond Paris 1999 G Tarde Les Transformations du pauvoir 1899 Introduzione di F Zourabichvili Les Empê cheurs de penser em Rond Paris 2003 32 SKATE E ESPAÇO PÚBLICO PROFANAÇÕES URBANAS Guilherme Michelotto Böes7 Augusto Jobim do Amaral8 1 INTRODUÇÃO O espaço urbano sempre se dispôs a comungar diferentes interfaces de estudos para compreender a complexidade em jogo nestes lugares Por sua vez o fenômeno cultural do skate entre o lazer o esporte e a própria atitude encontra profunda presença nas praças das cidades sejam metropolitanas ou do interior fazendo com que os locais de sociabilidade não raro apresentem conflitos entre os citadinos e seus praticantes Os problemas advindos dessas relações reforçam uma imagem da cultura do skate como transgressiva que degrada polui e traz problemas para o uso do espaço público Abordar a importância da representação do espaço urbano como resultado de construção social e cultural por ele mesmo produzido permite acompanhar os processos de retomada do desenvolvimento destes locais por meio da observação daqueles que os reinventaram e dão novos usos a eles Assim as culturas urbanas e nesse caso o skate apresentam modos de profanações aos usos e sentidos regulares dos espaços culturais nas metrópoles restituindo ao comum aquilo que normalmente se segrega Diante dessa base relacional em pesquisar o espaço urbano como caleidoscópio cultural o objetivo desse trabalho é analisar o skate em interação com os locais públicos e questionar as experiências urbanas contemporâneas através das suas diferenças 2 O ESPAÇO URBANO O processo de modernização das cidades é desdobrável em graus peculia ridades e interdependências dependente de cada época Martina Löw nd nos faz compreender como a globalização influencia e modifica as relações espaciais conhecidas apontando como a cultura que emerge daí entra em confronto com a sua própria localidade desde as formas hegemônicas de ocidentalização e ame ricanização 7 Doutor em Ciências Sociais pela PUCRS 8 Professor do Programa de PósGraduação em Ciências Criminais e do Programa de PósGraduação em Filosofia da PUCRS 33 Nessa condição de entrechoque entre fenômenos de globalização e seus espaços de incidência o aspecto cultural manifestase no dilema de como não reduzir o urbano a um modo uniforme de vida Martina Löw 2013 responde que devemos considerálo não como versões de antigas civilizações mas produto de um mundo em polifonia cultural em que as conexões modificam as estruturas das relações espaciais Com isso o processo de modernização não deve ser uma perda cultural nos espaços das cidades mas sim um motivo de interpenetração contaminação hibridização mais ampla nos quais esses espaços não deveriam produzir sociedades homogêneas uniformes mas múltiplas modernidades ou seja configurações culturais em transformação permanente Qualquer estudo sobre cidades deve avaliar suas mudanças através das de sigualdades econômicas das políticas públicas e dos conflitos envolvendo direitos e cidadania Como aponta Teresa Caldeira 2000 2012 nos estudos sobre a cidade de São Paulo os níveis de pobrezas do século XXI são diferentes daqueles existentes nos anos de 1980 A infraestrutura das cidades apresenta novas formas físicas Entretanto tais pesquisas não são suficientes pois não privilegiam parti cularmente a comunidade e a representatividade social que a cidade destina A proposta de Martina Löw nd não se baseia em comparações entre as cidades seus espaços e as diferentes tendências de socialização mas em examinar a sociedade moderna em geral A autora propõe uma análise de cada cidade para que possamos distinguir diferenças nas investigações das políticas locais Assim o espaço da cidade tem um grande papel na vida social daí sua análise crítica ir além da forma física matemática ou filosófica Espaço é um conjunto de relações que está representado na cidade forjando redes e objetos próprios Para considerar os espaços na cidade devemos compreender o entrecru zamento dos processos materiais e culturais urbanos promovidos por distintas práticas por seus atores sociais Para entender a dinâmica dos espaços é necessário que encontremos o contexto cultural com que a globalização hoje se instala na cidade A capacidade de realizar uma leitura dos mecanismos de modificação ur bana e dos conflitos que surgem no tecido da cidade na experiência urbana con temporânea mostra que o seu desenvolvimento está estritamente relacionado ao espaço e à cultura que emergem destes mesmos conflitos Daí a importância da cultura do skate Assim o skate contribui para mostrar como processos urbanos interpretam e ressignificam os espaços das cidades cooperando essencialmente para a questão do seu significado cultural A globalização dos espaços em contrapartida permite identificar as carac terísticas especiais das cidades ou possibilita denunciar aspectos sociais gene ralizáveis através de estudos de suas culturas urbanas Suas experiências podem 34 apontar o significado compartilhado nas cidades permitindo análises das práti cas culturais como processo de subversão das visibilidades dos espaços urbanos Podem tratar a tona as falhas das políticas públicas e das formas de partilha do espaço público O estudo sobre as características do espaço urbano desde as culturas que dali emergem a partir dos próprios conflitos comporta um cenário atinente à transformação que a globalização implica nos espaços O espaço público con cebido na heterogeneidade de seu uso deve forjar seu acesso como local de en contro com o estranho ou seja instante de vivências plurais com as diferenças sociais Isto não significa ausência de conflito principalmente diante do crescente processo de modificação dos espaços urbanos diante das desigualdades presentes nesses ambientes por hierarquias e corporeidades diversas JAYME NEVES 2010 Espaço é condição de sociabilidade em que os humanos encontram sua existência hoje especialmente representada na cidade Reinventandose diante dos processos de globalização a cidade deve tomar consciência desse complexo fenômeno que é a construção da cultura em seus espaços Essas construções de significados foram analisadas já no início do século passado por Georg Simmel 2013 1903 ao escrever sobre as grandes cidades de então e a formação de seus indivíduos Tratase da clássica demonstração da atu ação humana na formação cultural e na reconfiguração de sua existência corporal nestes novos espaços no constante questionamento de seu corpo cultural Se o século XVIII trazia alguma possibilidade de clamar pela liberdade em contraposição às formações históricas atreladas à religião seja na economia na moral e no Estado com o século XIX nas sociedades modernas há a reinvindi cação por tais liberdades desde a formação histórica da divisão do trabalho onde os produtos da vida especificadamente moderna são questionados acerca de sua interioridade onde o corpo da cultura é questionado sobre sua alma como me parece ser atualmente o caso no que diz respeito às nossas grandes cidades SIMMEL 2013 p 312 Isso significa que o homem começou a se questionar diante das novas relações sociais da vida moderna por assim dizer questionar as implicações psicológicas da vida na cidade grande e as modificações técnicas intensificadas pelas diferentes relações do consumo A forma mental da cidade envolve indivíduos e seus vínculos condições e distinções que se entre laçam Seus significados transcursos e habitualidades compreendem aquilo que os identifica e individualiza Na imagem do processo de identificação da vida urbana nossa sociabilidade encontra a imposição daquilo que podemos chamar de rotina diária que organiza a consciência humana de acordo com sua relação econômica profissional social Esse domínio pauta as relações e as reações indi 35 viduais que favorecem a representação e a imaginação das narrativas da cidade Nesse sentido a questão de consciência do instante como Paulo Reyes 2015 p 151159 analisa está sempre por vir na consciência imaginada que o sujeito articula no instante presente entre seu passado e futuro Em Simmel a comparação entre a cidade grande e a pequena é feita pela imposição monetária que dirige os espaçostempo da atividade humana para as relações da esfera contábil Na formação desse espírito da grande cidade o homem controla sua identificação a partir destes modos de interação dinâmica que for mou a rotina do homem no urbano SIMMEL 2013 p 316 O estilo de vida e sua existência são condicionados pelas diretrizes determi nadas por modos de vida normalizados Atos diversos são postos como sentidos nulos O dinheiro exprime a distinção é a recompensa do modo igual com que trata de uniformizar as coisas Para se ajustar e se autoconservar neste universo restrito de possibilidades financeirizadas o comportamento social tende a não permitir o menor desvio Qualquer modo de vida que destoe gera desconfiança e estranheza O contato com o próximo toma a forma de antipatia proteção prá tica que produz o afastamento do diverso A dissociação tornase a única forma de socialização Limitar como exclusão delimitar como inclusão No frenesi produzido pela tecnologia no século XXI os espaços da cidade é por excelência o lugar da agitação das luzes incessantes dos motores dos ve ículos circulando nas ruas e das pessoas caminhando cabisbaixas em suas rotinas capturadas por seus celulares Nas redes sociais de um mundo virtual em que os contatos muito transmitem e pouco comunicam o espaço da presença do corpo é um chip que identifica o indivíduo Circulação e corpo acelerados numa socia bilidade que imita a possibilidade do espaço infinito Löw explora esse espaço humano como fruto da própria interligação dos objetos referindo que ele decorre da interpenetração dos sentidos gerados nas atividades coletivas e individuais de conexão fixas na composição do espaço Se jam quais forem os hábitos tradições conceitos e práticas cotidianas essas for mas tendem a reforçar a materialidade e as relações nela desencadeadas LÖW 2013 O espaço mental acaba por ser uma montagem derivada dos atos corporais dos indivíduos de suas trajetórias de mobilidade A cada instante da vida vivem se adaptações que reinventam os corpos em sociedade As confluências de corpos em deslocamento apresentamse em espaços que reinterpretam esta própria con dição moral e social Daí a fresta possível para se profanar cada espaço O uso do espaço moderno não é inefável Usálo de outro modo profanálo é sobretudo restituir ao uso comum dos homens AGAMBEN 2006 p 103 De alguma 36 maneira é libertarse do sagrado que em termos momentos atende pelo nome de dinheiro AGAMBEN 2017 p 115 Libertarse dos rótulos e das fórmulas estanques de presenciar o espaço público Profanar como corpoacorpo com os dispositivos de poder que procuram subjetivizar as ações humanas Profanar o uso do lugar destituir e habitar novos espaços com práticas trans gressoras está diretamente ligado ao engajamento de transformar o modelo de or ganização e utilização dos espaços urbanos Tratase de possibilitar novas subjeti vidades que colocam em questão as formas de vida consagradas e que limitam as interações sociais sob a égide da troca e do consumo A construção de modos alter nativos das experiências urbanas envolve a mudança da sua própria espacialidade Experenciar o espaço urbano é literalmente transitar para uma desapro priação dos usos urbanos consagrados tidos como apropriados na dinâmica do capital em direção ao estranhamento e subversão de territórios Tratase de criar como que numa ação de bricolagem com o que se tem à disposição na própria precariedade simbólica da cidade outros modos de imaginála e vivêla Mani festação de sua arte a seu modo de fruição do espaço fora dos tempos régios que determinam a organização da cidade Ao nosso propósito profanar é desestabilizar para reconfortar novos signi ficados para o uso da cidade Seja nas performances de pichação seja no fluxo dos skates ou das bicicletas persistir na profanação da cidade é flanar no território para que ele seja um local de sociabilidade e não mais uma função de uso de força e controle social Numa sociedade cada vez mais exclusiva como afirma Lefebvre 2001 p 117 o direito à cidade surge exatamente para afrontar a tendência de fugir à cidade deteriorada e não renovada à vida urbana alienada antes de existir realmente Se pela chamada gentrificação Smith Williams 1986 se tem o proces so de realizar a privação relativa do uso e consumo dos espaços decorrentes da reurbanização da metrópole encobrese a profunda degradação humana com o tratamento econômico da cidade A cidade é configurada desde guetos e separada entre aqueles podem consumir e aqueles refugos tratados pelas agências de con trole estatal tudo a alimentar o processo de especulação imobiliária pela restau ração de espaços degradados O controle da cidade passa pelo poder exercido através da violenta com posição dos espaços da arquitetura moderna onde são criados lugares dispostos por exemplo tanto a segregar a circulação daqueles inaptos ao consumo quanto daqueles que por deterem necessidades especiais não compensam o investimen to Na ânsia da utilização de espaços segregados não obstante surgem afetos compartilhados por tribos que compõem uma espécie de não lugar avesso a uma ordem predeterminada e também às identidades fixas AUGÉ 1994 37 3 PROFANAÇÕES URBANAS As profanações dos espaços urbanos emergem a cada uma das novas atri buições e desestabilizações de sentidos prévios dados pelos dispositivos de con trole social Transformar o espaço é forjar novos modos de vida no contexto que ele se destina A experiência de algo diferente do próprio uso de maneira comum uma espécie de transuso para além das formas fixas utilitárias e destinadas a alguma finalidade é o que a profanação permite como jogo da expressão cultural viva nas ruas da cidade Fluxos diferençados que refundam o que há de comum podem significar a criação de espaços culturais imprevistos dispositivos libertos de velhos controles sociais Jacobs 2013 p 440 nesta direção acentua a necessidade de promover diferentes usos das ruas e dos próprios planos arquite tônicos para evitar a monotonia da cidade Papel evidentemente partilhado com arquitetos e urbanistas Profanar portanto passa por se manifestar culturalmente através de um urbanismo vitalista que circula explora e inscreve novos espaços das cidades Em um mundo no qual a força de destruição das culturas locais se coa duna com a supressão dos lugares de socialização cabe à coletividade encontrar modos de resistir A produção racionalizada de uma cidade industrial é operada arquitetonicamente e planejada para dar contornos restritos aos espaços ditos públicos Logo anormal diante desse uso que subverte tal ordem é a patologia que obstrui o deslocamento adequado dirigida à mercadoria As cidades assim são os mais ricos espaços da vida cotidiana Contudo observálas somente através das materialidades produzidas nos espaços não per mite que possamos interrogar o porquê estes ambientes forma assim concebidos Os espaços urbanos surgiram fruto das experiências culturais históricas e socio lógicas no qual estudar o espaço urbano em sua crônica diária requer ir além das meras concretudes espaciais A cidade é composta por tensões anonimatos indiferenças anulações desprezos agonias e violências múltiplas Não se trata do local físico mas o que ela envolve e desenvolve para além das experiências indivi duais é têla como cenário de crônica e imaginação Assim temos o conjuntoimagem da cidade definida pela crônica e imagi nação No cotidiano os indivíduos transfiguram os espaços através de suas ex periências misturandose e interpretando a utopia da cidade na história É na organização da cidade que o corpo cultural deve estar disposto à emancipação social o panorama de sua revolução estará entre seus valores e símbolos culturais BENJAMIN 1985 A ascensão de práticas profanatórias nos espaços da cidade também acaba por servir de instrumento de denúncia de como as autoridades e as políticas 38 públicas estão mais interessadas em estigmatizar e suprimir tais comportamen tos e seus lugares como indesejáveis Suas próprias existências são mal vistas pela população Fala a pena neste ponto do presente ensaio proceder a um corte para no vamente remeter a certa incursão de campo realizada em pesquisa anterior pelo imprescindível teor do relato9 R havia me enviado uma mensagem avisando que iria saltar da escadaria da igreja Nossa Senhora da Conceição em ViamãoRS Não há nenhum registro de que algum skatista já houvesse realizado esse salto O dia estava excelente um pouco frio mas com sol o que possibilitava boas fotos Fomos em um grupo de quatro pessoas caminhamos pela praça e tiramos fotos Aguardamos para ganhar confiança R sobe caminha com seu skate até a frente da igreja analisa a possibilidade de erro da manobra Então ele se prepara para saltar mas acaba caindo do skate Faz uma nova tentativa enquanto senhoras que saíam da igreja conversavam conosco e incen tivavam a fotografia Presumiam que estivéssemos realizando um registro da Igreja Não viram o skatista O barulho do skate atraía o olhar de jovens que aguardavam o desfecho do salto Os comerciantes se postavam nas portas de seus estabelecimentos com cara de poucos amigos Percebo que não gostavam de nossa presença R salta e consegue A foto não ficou legal Ele volta e percebo que o segurança da igreja observa R pela janela Ele devolve o olhar e com educação pede para tentar saltar novamente O segurança concorda mas o salto não é completado Mais uma insistência enquanto o segurança olha firme Pedimos licença e com a concordância realizamos a última foto No entanto precisávamos de mais três saltos para acostumar o skatista e o foco Era meio de semana e o espaço público que integra a escadaria da igreja é usado pelas poucas pessoas que vão realizar suas preces Este espaço público fica cons tantemente vazio e sem circulação da população durante quase todo o tempo de nossas rotinas diárias Saímos a caminhar rindo e parabenizando R pelo salto realizado Os comer ciantes mantinham olhares firmes de desaprovação Podese considerar que o skate naquele instante emergia como forma de resistência à hegemonia cultural e à imposi ção de formas de condutas aos seus praticantes O resultado é o conflito da invasão dos espaços pelos skatistas para que sua vivência fosse desenvolvida de forma imaginativa 9 Aqui adaptamos o relato colhido Para maiores detalhes inclusive de contexto e de identificação das pessoas envolvidas permitimos remeter para BÖES Gilherme Michelotto Entre os Espaços e a Cidade a insurgência do skate na experiência urbana contemporânea Tese de Doutorado apresentada junto ao Programa de PósGra duação em Ciências Sociais da PUCRS Porto Alegre março de 2017 39 e que as práticas tidas como ilícitas ganhassem um significado espacial incomum FERRELL 2001 Vemos a imaginação como instante real de existências necessárias criadoras do presente e o futuro A cidade é precedida de conflagrações em seus espaços culturais A crônica é o cenário do espaço da cidade posta entre o público e o privado no coração dos vínculos sociais Expressões culturais criam espaços e remetem a formas heterogê neas de viver as cidades Visualmente o crivo vital se dá implicado em todo modo de vida singular que faz ressignificar o espaço da cidade não como mera atualização mo derna de vida cultural nem para postar alguma nostalgia do rural arcaico mas como fluxos variados que desestabilizam a ordem e fazem acontecer dando o testemunho da radical humanidade que antecede qualquer sentido determinado racionalmente Afeto que se instaura antes de qualquer relação simétrica encontros infinitos de modos culturais inéditos Ingovernável que teima em resistir aos blocos Diante deles basta a manobra imprevista 4 CONCLUSÃO O espaço urbano é constituído pelos fluxos culturais que o atravessa A cidade também corresponde a cultura que permanentemente a reinventa Sua paisagem é o outro nome para a incessante dinâmica de funcionamento social em que formas se realizam espacialmente SANTOS 2014 p 107 Qualquer pretensão de algo comum não pode prescindir de analisar seus conflitos e formas de governação Foi daí que o Estado fundou o uso legítimo de sua autoridade ancorando o público sob a administração sobre a totalidade das pessoas das empresas das instituições e do território SANTOS 2014 p 152 Performances culturais alternativas como a do skate característica dos es paços urbanos traz consigo o incômodo ao ritmo de toda rotina mercantilizada Andar sem destino ou finalidade senão a própria expressão estilística e disforme de utilização dos espaços planejados parece indicar o flâneur contemporêo Compreender as representações do espaçocidade passa por captar suas transformações correspondentes Se afinal não há sociedade aespacial O espa ço ele mesmo é social SANTOS 1977 melhor seria dizer tocar menos seu desenvolvimento e mais profundamente o envolvimento que inscreve o homem em seu espaço social Impondo diferentes movimentos e ritmos a cidade seleciona hierarquias e utilização de espaços O tempo é gerenciado e potencialidades abortadas Isso pressupõe que em cada lugar haja processos de utilização próprios que correspon dem a valores e papéis afirmados socialmente Significa dizer que a partir do que 40 é dado surge a exigência de interpretar as possíveis transformações nestes espa ços alavancados por elementos que traduzem a possibilidade de comunicação e sociabilidade SANTOS 2014 pp 2933 O espaço representado na cidade desdobrase cultural científico artístico e tecnologicamente Sua simbolização é criativa da cultura faz emergir invenções e conquistas que inspiram a interação humana Cidade longe de um simples local etnográfico estruturado socialmente é espaço de invenção vital Quando Milton Santos alertava que a utilização do território pelo povo cria o espaço SANTOS 1977 estava a apontar adiante do controle se exerce para as subje tividades possíveis de não serem por ele capturadas REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Profanações Tradução de Luísa Feijó Lisboa Cotovia 2006 AGAMBEN Giorgio Creazione e anarchia Lopera nelletà della religione capitalista Vicenza Neri Pozza Editore 2017 AGIER Michel Antropologia da cidade lugares situações movimentos Trad Graça Índias cordeiro São Paulo Terceiro Nome 2011 AUGÉ Marc Não lugares Introdução a uma antropologia da supermodernidade Tradução de Maria Lúcia Pereira Campinas SP Papirus 1994 BASTOS Billy Graeff Estilo de vida e trajetórias sociais de skatistas da vizinhança ao corre Dissertação Mestrado do Programa de PósGraduação em Ciências do movimento humano Escola de Ed Física da UFRGS Porto Alegre 2006 Orientação de Marco Paulo Stigger BÖES Gilherme Michelotto Entre os Espaços e a Cidade a insurgência do skate na experiência urbana contemporânea Tese de Doutorado apresentada junto ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da PUCRS Porto Alegre março de 2017 BOLLE Willi Fisiognomia da Metrópole Moderna representação da história em Walter Benjamin 2ed São Paulo Editora da USP 2000 CALDEIRA Teresa Pires do Rio Novas visibilidades e configurações do espaço público em São Paulo Trad Claudio Alves Marcondes Inscrição e circulação Rev Novos Estudo CEBRAP n94 novembro 2012 Pp 3167 CALDEIRA Teresa Pires do Rio Cidade de muros crime segregação e cidadania em São Paulo Tradu ção de Frank de Oliveira e Henrique Monteiro São Paulo Ed 34 EDUSP 2000 CARERI Francesco Walkscapes o caminhar como prática estética Trad Frederico Bonaldo 1ªed São Paulo editora G Gilli 2013 CARLOS Ana Fani Alessandri A reprodução do espaço urbano como momento da acumulação capitalista In Crise Urbana Org Ana Fani Alessandri Carlos São Paulo Contexto 2015 Pp 2535 CERTEAU Michel De A invenção do cotidiano artes de fazer Trad Ephraim F Alves 3ª ed Petró polis RJ Vozes 1998 FERRELL Jeff Tearing down the streets adventures in urban anarchy New York Palagrave 2001 FREHSE Fraya Quando os ritmos corporais dos pedestres nos espaços públicos urbanos revelam ritmos de urbanização Civitas Revista de Ciências Sociais Porto Alegre v 16 n 1 2016a JACQUES Paola Berenstein Notas sobre o espaço público e imagens da cidade Revista Arquitextos n 11002 10 jul 2009 JACOBS Jane Morte e vida de grandes cidades Trad Carlos S Mendes Rosa São Paulo Martinsfon tes 2013 LÖW Martina O spatial turn para uma sociologia do espaço Trad De Rainer Domschke e Fraya Frehse Tempo social revista de sociologia da USP V 25 n2 novembro 2013 Pp 1734 LÖW Martina A sociologia do espaço bases e objetivos Simpósio Passado e presente da globalização SalvadoBahia GoetheInstitut nd Disponível em httpwwwgoethedemmopriv6558982S 41 TANDARDpdf Acesso em setembro 2016 JAYME Juliana Gonzaga NEVES Magda de Almeida Cidade e espaço público política de revita lização urbana em Belo Horizonte Caderno CRH Salvador v 23 n 60 p 605617 SetDez 2010 LEFEBVRE Henri O direito à cidade Trad Rubens Eduardo Frias São Paulo Centauro 2001 MAGNANI José Guilherme C De perto e de dentro notas para uma etnografia urbana Revista Brasileira de Ciências Sociais v 17 n 49 fev 2002 REYES Paulo Projeto por cenários o território em foco Porto Alegre Sulinas 2015 método Boletim Paulista de Geografia 1977 pp 8199 SASSEN Saskia Occupying is not the same as demonstrating Global thought Columbia Univer sity 2012 Journal article from CGT faculty members Disponível em httpcgtcolumbiaeduwp contentuploads201401Occupyingisnotthesameasdemonstratingpdf Acessado por http wwwsaskiasassencomPDFspublicationsOccupyingisnotthesameasdemonstratingpdf SASSEN Saskia The global street comes to Wall Street Possibles futures a project of the social science research council Nova Iorque 2011 Disponível em httpwwwpossiblefuturesorg20111122 theglobalstreetcomestowallstreet SASSEN Saskia Sociologia da globalização Estado economia cidades globais e as redes digitais Tra dução Ronaldo Cataldo Costa Porto Alegre Artmed 2010 SASSEN Saskia As cidades na economia mundial Trad Carlos Eugênio Marcondes de Moura São Paulo Studio Nobel 1998 SASSEN Saskia A new geography of centers and margins summary and implications The city reader Org Richard T Legates and Frederic Stout New York Routledge 1997 Pp 7074 SANTOS Milton A natureza do espaço Técnica e tempo razão e emoção 4ed São Paulo Edusp 2014 SANTOS Milton O retorno do território Território Globalização e fragmentação Org SANTOS M SOUZA M A de SILVEIRA M L São Paulo Hucitec 1998 pp 1520 SANTOS Milton A urbanização brasileira São Paulo Hucitec 1993 SANTOS Milton Los espacios de la globalización Anales de geografia de la Universidad Compluten se n13 6977 Ed Comp Madrid 1993 SANTOS Milton A urbanização desigual a especificidade do fenômeno urbano em países subdesenvolvi dos Petrópolis RJ Vozes 1980 SANTOS Milton Pensando o espaço do homem São Paulo HUCITEC 1982 SANTOS Milton Sociedade e espaço A formação social como teoria e como método Boletim Paulista de Geografia 1977 pp 8199 SMITH Neil Williams Peter Eds Gentrification of the City LondonNew York Routledge 1986 SIMMEL Georg Questões fundamentais da sociologia RJ Jorge Zahar 2013 42 OS ESPAÇOS DA CIDADE10 Daniel Innerarity11 A ideia de espaço público está estreitamente ligada à realidade da cida de aos valores da cidadania e ao horizonte da civilização A convicção de que a cidade é o lugar por excelência da afirmação do espaço público é corroborada pela história do pensamento político a invenção da ágora democrática a figura das cidadesestado a formação da burguesia nas principais cidades europeias tal como foi mostrado por entre outros Max Weber 1956 Fernand Braudel 1979 Claude Lefort 1986 e John Pocock 2003 mas também se revela no nosso vocabulário político em que tende a se confundir com o respeitante à ci dade Em grego público queria dizer em primeiro lugar exposto aos olhares da comunidade ao seu juízo e à sua aprovação O espaço público é o espaço cívico do bem comum por contraposição ao espaço privado dos interesses particulares Em latim a palavra civis provinha diretamente de civitas A densidade deste cam po semântico nos autoriza a assegurar que a reflexão acerca da cidade constitui um instrumento muito adequado para o exame das conquistas dos dramas e das possibilidades da vida comum É lógico que ele constitua uma fonte metafórica dos principais conceitos do pensamento social e político Na cidade se torna visível o pacto implícito que funda a cidadania As cida des e os seus lugares públicos exprimem muito bem a imagem que as sociedades fazem de si próprias A cidade é uma particular encenação das sociedades É pos sível encontrar um eloquente resumo da nossa maneira de nos compreendermos mutuamente no modo de saudar nos itinerários percorridos nas relações de vizi nhança ou no modo de urbanizar esse espaço A vida política está ligada a formas de espacialidade Há uma correspondência estrutural entre a disposição física das coisas na ordem espacial e as práticas políticas associadas entre o espaço físico e 10 Texto aqui apresentado é um fragmento do livro INNERARITY Daniel O novo espaço público Tradução de Manuel Ruas Editorial Teorema SA Lisboa março de 2010 Pág 107141 Esse fragmento foi selecionado de vida à relevante contribuição à temática dos fenômenos biopolíticos nas cidades do século XXI como se propões a presente coletânea Texto foi adaptado do português de Portugal para o português brasileiro por Diogo Silveira dos Santos 11 Daniel Innerarity é catedrático em filosofia política e social pesquisador na Universidade do País Basco e diretor do Instituto de Gobernanza Democrática Doutor em filosofia ampliou os estudos na Alemanha como bolsista da Fundação Alexander von Humboldt na Suíça e na Itália Foi professor convidado em diversas universidades europeias e americanas e recentemente no Centro Robert Schuman de Estudos Avançados do Instituto Europeu de Florença e na London School of Economics Atualmente é diretor de estudos associados na Fondation Maison des Sciences de lHomme em Paris É colaborador do jornal El País com artigos de opinião Foi considerado um dos 25 grandes pensadores do mundo pela revista francesa Le Nouvel Observateur 43 o espaço cívico Numa época em que os condicionamentos materiais perderam o seu velho prestígio determinista é frequente pensar que o debate público é constituído unicamente pela palavra e pelas ações ao mesmo tempo que se desva loriza a importância do espaço físico concreto e material em que elas decorrem Do mesmo modo que as palavras e as ações geram um espaço público também o espaço gera determinadas formas da política O ambiente urbano não só reflete a ordem social como constitui na realidade grande parte da existência social e cultural A sociedade é tanto constituída como representada pelas construções e pelos espaços que cria As cidades que pela sua forma e pelo estilo de vida que promoveram foram catalisadoras da modernização social encontramse submetidas há já al gum tempo a uma série de processos que põem em questão a sua capacidade de promover a cidadania A grande interrogação que essas transformações suscitam respeita ao modo de pensar a urbanidade nas condições da globalização até que ponto se pode hoje realizar nos novos espaços aquela relação entre cidade e civili zação da qual procedem o nosso conceito e as nossas práticas da cidadania UM LUGAR PARA OS ESTRANHOS Os sociólogos sempre definiram a cidade como um espaço para os estra nhos o âmbito mais adequado para desenvolver uma cultura da diferença De Simmel e Bahrdt até Sennett a cidade é concebida como o lugar onde têm po dido conviver diferentes modos de vida culturas e concepções do mundo efetu ando ao mesmo tempo o mais produtivo intercâmbio que nós conhecemos As cidades são os lugares privilegiados dessa mescla produzida pelas deslocações dos homens que os expõem à combinação e à novidade Os seres humanos adquiri ram na polifonia da cidade a experiência da diversidade que hoje temos Descar tes gostava do ruído e da confusão de Amsterdam 1937 757 a grande cidade da imigração onde não parece casualidade que Spinoza e Locke tenham escrito as primeiras teorias modernas da democracia Em que consiste essa estranheza dos habitantes da cidade e por que se pro duz nela tão acusada heterogeneidade Em primeiro lugar isso depende da sua disposição espacial A escola de Chicago estabeleceu em meados do século XX três características distintivas da cidade que já se converteram num lugarcomum heterogeneidade espessura e grande tamanho Na cidade todos os elementos ha bitantes edifícios e funções estão em estreita proximidade condenados por assim dizer à tolerância recíproca No decurso dos séculos essa obrigação deu origem ao conjunto de regras que nós admiramos como cultura histórica da cida de O tamanho da população a densidade das edificações e a mistura dos grupos e das funções sociais a descomunal justaposição de pobres e ricos novos e velhos 44 nativos e forasteiros a sua composição intergeracional tudo isso faz da cidade um lugar de comunicação de divisão do trabalho de experiência da diferença de conflito e inovação em oposição ao que Marx designava por a idiotia da vida do campo Esta heterogeneidade se relaciona estreitamente com o fato de na cidade o espaço comum a vizinhança não se ter formado intencionalmente e constituir o resultado fortuito das opções de muitas pessoas Os vizinhos não têm uma herança cultural comum nem normas ou valores compartilhados se tiverem não será porque são vizinhos Também não têm especiais obrigações e direitos como vizinhos Por isso na cidade uma pessoa se admira de encontrar alguém conhecido ao invés do que sucede nas aldeias onde o normal é que todos se co nheçam Na aldeia as pessoas viram a cabeça quando se cruzam com estranhos O que num lugar é surpreendente é normal no outro É por isso que por vezes nos admiramos ao encontrar na cidade muitas pessoas conhecidas essa situação nos dá a sensação de viver no campo e nos faz dizer isto parece uma aldeia O protótipo do citadino é o estranho o estrangeiro a cidade é um conjunto de desconhecidos o espaço onde é uma rotina encontrar pessoas desconhecidas e em que a proximidade física coexiste com a distância social Nesta perspectiva compreendese por que é que a cidade foi sempre uma promessa utópica de emancipação econômica e política o espaço próprio das liberdades cívicas do ponto de vista civilizatório era um espaço de autogoverno do ponto de vista social era apesar de todas as tensões e conflitos um lugar de integração e do ponto de vista cultural tornava possível ao indivíduo se libertar das coações do clã familiar e das regulações sociais das comunidades locais As cidades se tornaram por isso centros da inovação e assumiram o protagonismo cultural e político nos processos de modernização A cultura urbana que gradu almente se formou com o aparecimento das cidades é uma mistura específica de estruturas sociais políticas e econômicas Nela se prefiguraram com todas as suas grandezas e misérias a sociedade burguesa o ideal de cidadania uma liberdade à qual se aspirava contra a dependência da natureza a tirania da tribo as restrições da vida rural a férula da vizinhança ou a estreiteza da sobrevivência Era possível existir sem o tecido da família e da vizinhança Esse ganho de autonomia modi ficou decisivamente as formas de integração social A cidade era o lugar onde o indivíduo se libertava da vizinhança e das formas de sujeição social O crescimento das cidades tornou possível a existência de sistemas de so ciabilidade independentes da regulação direta própria da vida rural As cidades são lugares onde os estranhos se encontram de uma maneira regular e onde pes soas que não se conhecem podem conviver de tal modo que se produza uma comunidade dos estranhos Lofland 1973 A cidade é o instrumento da vida impessoal o molde no qual se torna válida como experiência social a diversidade e complexidade de pessoas interesses e gostos Sennett 1996 738 A cidade 45 nos protege de uma ideia demasiadamente seletiva de nós e tende a transbordar das delimitações identitárias O documento que melhor explica as consequências culturais da vida da cidade deve ser o célebre escrito de Simmel de 1903 Die Grosstiidte und das Geistesleben elaborado para pensar na Berlim daquela época O que a Simmel interessava eram os efeitos que uma grande cidade podia produzir na mentali dade e no comportamento dos seus habitantes A grande cidade era para ele o espaço da modernidade Ao contrário do tom pessimista de boa parte dos seus contemporâneos Simmel via de um modo bastante elogioso a grande cidade moderna Pois bem a primeira coisa que ele nota é que numa grande cidade os encontros são principalmente impessoais e a comunicação é funcional Ao contrário da aldeia onde todos se conhecem uns aos outros e em todas as suas dimensões os habitantes da cidade se relacionam na parcialidade das suas fun ções Os diversos círculos de relação não se sobrepõem o círculo dos clientes não coincide com o dos amigos nem o dos vizinhos com o dos companheiros de trabalho As funções estruturam e limitam as relações sociais O indivíduo não sabe a que outros círculos pertence aquele com quem se relaciona Não sabe onde mora o empregado de mesa nem conhece os gostos do colega de trabalho ou onde trabalha o vizinho Ao contrário dos habitantes do campo ou da vila os contatos do habitante da cidade costumam ser segmentares e limitados ao âmbito que os motiva É precisamente por isso que as relações sociais entre citadinos parecem a Simmel especialmente adequadas para a integração dos de fora Como são limi tadas e impessoais as relações não exigem que se conheça a totalidade da pessoa A aceitação pessoal não é um pressuposto para o estabelecimento de uma relação funcional Aos amigos não se vende e não é preciso compartilhar os valores dos vizinhos para o ser Por isso é possível estabelecer uma relação com muitas mais pessoas que se fosse necessário aceitar os outros em todos os aspectos das suas personalidades E é por esta razão que a grande cidade constitui um espaço social para as diferenças aceitas no qual os desconhecidos e estranhos se movimentam com maior facilidade que nos círculos sociais fechados das povoações pequenas HansPaul Bahrdt outro dos clássicos da sociologia urbana estabeleceu 1996 1998 que o próprio da grande cidade era a polaridade do público e do privado em comparação com a indistinção desses dois espaços que caracteriza a vida rural As unidades pequenas que favorecem a comunicação e a confiança em que a identidade se estabiliza implicam também restrições que limitam o desen volvimento do indivíduo A urbanidade pelo contrário promete precisamente a emancipação em relação às sujeições sociais A ausência de um sistema social que predetermine as relações dos indivíduos é pressuposto necessário para que elas se possam consolidar na sua individualidade A cidade é o espaço onde são possíveis encontros com outras pessoas sem que isso conduza necessariamente à abolição 46 das fronteiras da intimidade Poder continuar anônimo é uma condição de liber dade individual O anonimato das grandes cidades dá ao sujeito a possibilidade de começar a vida de novo pois ninguém conhece completamente ninguém e do mesmo modo ninguém é absolutamente obrigado pelo passado Abstraindo a sua própria biografia o indivíduo pode reconstruir a sua identidade e decidir por si próprio que aspecto da sua personalidade irá mostrar ou ocultar aos outros Go ffman 1973 Neste sentido podemos afirmar que por efeito da urbanização dessa configuração de espaços públicos urbanos surge para os indivíduos uma verdadeira vida privada A liberdade individual é negativamente possibilitada não só pela ausência da sujeição social própria das comunidades pequenas mas também porque o mercado inaugura possibilidades para o desenvolvimento de um modo de vida individu alizado Uma conexão deste tipo tinha sido estabelecida por Max Weber entre o mercado contraposto à economia fechada de sobrevivência e a cidadania como associação voluntária dos indivíduos que se emancipam da sua pertença a senhores comunidades ou classes e se dotam de autogoverno 1956 929 Simmel relaciona este modo de vida com a economia que funciona na grande cidade que é uma eco nomia de mercado em que todas as diferenças qualitativas se reduzem a um valor quantitativo e a produção é produção para o mercado isto é para um consumidor qualquer Só quem não estiver em relação pessoal com os seus concidadãos poderá ter as características indiferença distanciação dos outros que Simmel atribui à grande cidade A integração no mercado de trabalho é uma condição da indepen dência econômica Quem a conseguiu já não precisa estar fortemente integrado na rede informal de relações de parentesco vizinhança e amizade para sobreviver Que tem o princípio de heterogeneidade cívica a ver com a economia de mercado Pois bem no mercado como na grande cidade os contatos são seletivos e estabelecem uma relação entre pessoas que em princípio não se conhecem nem precisam se conhecer Nem é preciso ser amigo do vendedor para lhe comprar a mercadoria nem é necessário confraternizar muito com os vizinhos O mercado da cidade é um caso característico do que Bahrdt designava por integração in completa 1998 86 que torna possíveis os contatos entre desconhecidos põe em relação os estranhos e não exige que se suprima essa estranheza Isso resulta de em cada interação só intervir um aspecto da personalidade Ao contrário das relações totais da vida rural onde cada um se encontra com o seu vizinho da mesma maneira em funções diferentes como cliente familiar companheiro de trabalho e de ócio as relações na grande cidade são funcionais e segmentares Na sua maior parte as relações se estabelecem por causa de uma única função como cliente mas não como amigo como familiar com outro com o qual é melhor não ter negócios comuns Está contido nisto o princípio de separação das esferas sociais central nos processos de modernização 47 O espaço público da cidade que torna possível a individualização e não suprime a heterogeneidade oferece um panorama de inusitada variedade prin cipalmente quando comparado com outras formas de vida Simmel começa a sua sociologia da cidade precisamente com uma descrição das impressões sensí veis que a grande cidade deixa no espectador o contínuo amontoamento de imagens em mudança a rapidez com que nos afastamos do que vamos vendo o caráter inesperado das impressões que nos impõem 1993 192 A cidade é descrita como um espaço em que nos assalta uma grande quantidade de impres sões breves intensas em mudança e diferentes tanto mais quanto maiores o número e a densidade dos habitantes Uma grande cidade é um espaço em que há uma grande quantidade de impressões que só podem ser suportadas mercê da distância atitude que é fundamental compreender para poder entender em que consiste a cultura urbana que pressupõe a capacidade de viver com mais seres humanos que os pessoalmente conhecidos A individualização das formas de vida e das possibilidades oferecidas pelo consumo conduz a uma crescente heterogeneidade Exibemse na cidade com iguais direitos as mais contraditórias formas de vida atingindo a extravagância e o exotismo Pois bem do mesmo modo que para suportar a exuberância de im pressões sensíveis é necessário elevar o limiar de ativação a heterogeneidade social formaliza em nós aquela distância ou relativa indiferença que está na origem da urbanidade e que segundo Simmel constitui um preservador da vida espiritual contra a violência da grande cidade 1993 193 O indivíduo despedaçarseia interiormente se reagisse aos múltiplos contatos que decorrem na grande cidade como o faria num espaço mais restrito onde todos se conhecem Na sua maior parte as normas da grande cidade servem para a manutenção da distância não ter de cumprimentar não se intrometer numa conversa não ter de prestar muita atenção são coisas que tornam suportável a proximidade espacial Imaginemos como seria molesto e até ridículo o comportamento inverso A função dessas regras consiste em refrear as relações não desejadas em proteger a intimidade própria e a alheia Goffman chamou desatenção educada à espécie de ritual informal que organiza as interações difusas do espaço público 1973 e que se gundo a definição de Montesquieu converte a cidade num lugar de relativa e generalizada indiferença As melhores reflexões acerca da natureza da grande cidade tiveram de enfrentar o mito da proximidade que considerava o mal como alienação im pessoalidade e frieza e era incapaz de compreender as vantagens libertadoras e culturais do convívio com estranhos Um dos grandes contributos de Simmel consistiu precisamente em mostrar que o que a crítica conservadora entendia como anonimato alienação desinteresse e decadência era um pressuposto do de senvolvimento individual chamoulhe Blassierheit uma atitude de desinteresse 48 indiferença e insensibilidade dos sentidos perante a contínua estimulação que a cidade e os seus habitantes exercem sobre eles Seria uma espécie de reserva ou indolência que nem se deixa influenciar nem se comove e que até pode chegar a uma ligeira aversão Simmel 1993 197 Poderíamos chamar liberalidade Innerarity 2001 158160 a esta atitude que Stendhal entendeu como a capa cidade de não se enfadar com as manias dos outros Bahrdt chamava a esta ma neira de proceder tolerância resignada que também respeita a individualidade do outro quando não há qualquer esperança de o entender 1998 164 A tole rância urbana deixa cada um ser feliz à sua maneira sem recriminar o seu estra nho modo de comportamento e pressupõe que até no mais raro comportamento deve haver qualquer coisa que o torne compreensível ou quando essa suposição se revela muito difícil decreta que há gente para tudo A liberalidade citadina implica que não se deve doutrinar os outros nem os obrigar a se adaptar podem ser diferentes à sua vontade Se há alguma coisa que define a urbanidade ela será precisamente a capacidade de se relacionar com estranhos sem sentir necessidade de lhes censurar essa estranheza nem de a suprimir Compreensível então que a indiferença favoreça a integração de estranhos Ao mesmo tempo a cidade cria um espaço para a diferenciação dos esti los de vida o que por sua vez é condição da força inovadora da sua cultura O distanciamento que se cultiva na vida urbana não serve somente de proteção é também um pressuposto do desenvolvimento da personalidade pois garante uma cultura produtiva da diferença Talvez seja esta uma das melhores definições da cultura a possibilidade de atuação dos homens em conjunto sem que nada os force a ser idênticos Sennett 1996 563 E será talvez essa diferença consentida que explica a força transformadora da cidade europeia desse lugar em que surgi ram a burguesia a sociedade civil e a comunidade de cidadãos MEDO DA CIDADE É claro que estas características salientes da forma urbana de viver não estão isentas de ambiguidades como também atesta a trágica história das nossas cida des As esperanças emancipatórias da cidade coincidem com o risco de solidão a desproteção e a incerteza acerca do futuro Por isso o elogio da cidade foi sempre acompanhado pela sua mais feroz crítica Foram repetidamente contadas muitas histórias de decadência das cidades No século XIX a mais contada foi a da deca dência dos costumes e da perda da ordem no nomadismo no desenraizamento e no desmedido da grande cidade industrial no século XX a crítica da cidade foi formulada como perda da urbanidade por efeito da construção funcionalista da cidade A tudo isso se misturava também uma velha tradição de desprezo pela ci dade ideologicamente recuperada no século XX por Heidegger Jünger e Spen 49 gler que ecoava a anterior rejeição da civilização por muitos poetas românticos o regresso à vida campestre à maneira de Tolstoi ou a fuga à Gauguin para junto das tribos primitivas Nas suas formas mais extremas adotava até o discurso que fazia da cidade o espaço da corrupção e do artifício por oposição a um campo erigido em conservador da pureza ambiental e dos bons costumes Do mesmo modo que o espaço privado da casa e da família não esconde só um convívio harmônico também o espaço público nunca realizou o seu ideal normativo Pensemos por exemplo no ideal de heterogeneidade e tolerância o que em Berlim parecia a Simmel uma indiferença emancipadora era para Engels em Manchester uma hipocrisia segregadora 1970 A cidade impulsiona uma individualização positiva enquanto inaugura a divisão do trabalho e a diferen ciação das possibilidades de consumo mas também negativa na medida em que desenraíza os indivíduos das suas tradições e regulações sociais A mais célebre versão desta parte negativa foi formulada em 1938 por Louis Wirth a cidade como isolamento massificação segregação e desigualdade social 1974 Esta crítica foi escrita a seguir à grande depressão do início dos anos 30 depois da experiência da grande criminalidade de Chicago centro na época da sociologia norteamericana e cidade que nas primeiras décadas do século XX experimentara uma forte imigração A questão da integração social foi precisamente uma das grandes ocupações da escola sociológica de Chicago Sociólogos como Burgess e Park descreveram a ambivalência da urbanização em toda a sua crueza a cidade é um espaço de individualização ao qual devemos a maior produtividade econô mica e cultural mas é também um cenário em que marcaram encontro todas as patologias da sociedade moderna Para que a urbanidade se realize tem de haver integração social sem a qual a tolerância estará sempre a um passo de se transfor mar em preconceito e segregação O caso norteamericano é especialmente ilustrativo de uma polarização ideológica mais geral O conservadorismo adota ali a forma com todas as res salvas que tivermos de notar de aversão à cidade Os republicanos são os que melhor herdaram o profundo ceticismo sobre as possibilidades da vida urbana tão fortemente enraizado naquela cultura e principalmente nos meios mais tra dicionalistas Todo o projeto norteamericano a utopia de uma comunidade humana renovada por via da ruptura com o passado europeu apresenta logo de começo feições antiurbanas As raízes desse medo à cultura urbana são muito variadas Podemos pesquisálas na história das comunidades puritanas da Nova Inglaterra ou no romantismo à Rousseau que alimentava o conservadorismo dos pioneiros Em qualquer caso é coisa que reaparece mais de uma vez no cenário da discussão pública e nas práticas de governo como uma característica identitária Thomas Jefferson um dos primeiros presidentes dos Estados Unidos praticou uma política fiscal que privilegiava os agricultores em relação aos co 50 merciantes a fim de assegurar a autossuficiência do país Defendeu a compra de territórios a oeste do Mississippi com o objetivo de garantir a sobrevivência da sociedade agrária A sua política acerca dos aborígenes fora pensada para os transformar em granjeiros e desse modo fazer deles bons americanos Jefferson estava convencido de que só a produção agrária e a vida em pequenas comunida des assegurariam a democracia na América Quando esteve em Paris não deixou de apreciar os encantos da capital francesa mas a sua estada ali também o levou à convicção de que a vida na cidade é uma pestilência para a moral a saúde e a liberdade do homem O ceticismo dos norteamericanos em relação às grandes cidades têm se mantido obstinadamente ao longo dos tempos A cidade de Boston foi concebida por John Winthrop e Cotton Mather como uma antítese de Londres O movi mento religioso de 1730 conhecido pelo nome de Great Awakening revelouse precisamente contra a decadência das cidades que o clero já não podia dominar por causa do aumento do número dos seus habitantes Este ideal de sociedade como uma comunidade manejável e governável está na origem da colonização do Oeste que representava a possibilidade de romper com o passado pôr terra de permeio e recomeçar de novo a possibilidade de escapar à corrupção Por isso quando em 1893 declarou que a colonização do território terminara o que o historiador Frederick Jackson esboçou foi uma imagem pessimista da decadência do país O amplo espaço que era uma garantia de liberdade e democracia estava transformado num bem escasso Desapareciam a partir de então as possibilidades de colonizar e começava a era da densificação isto é do crescimento e da mistura O antagonismo ideológico também se traduz no combate aos imaginários urbanos pois a ideia de cidade sintetiza muito bem o conceito de sociedade que está em jogo O medo conservador à cidade se torna visível na rejeição do outro seja ele representado pelos bêbados irlandeses que destoavam da moral puritana de Boston no começo do século XVIII ou pelos negros portorique nhos católicos e judeus que Nixon via se apinharem na cidade de New York interrogandose ironias da história se para ela não teria chegado a hora da destruição A antipatia pela cidade surge sempre da sensação de ela representar algo de estranho misto ameaçador e incontível E a tudo isso se junta agora um novo fato na era da globalização os grandes centros de comércio do mundo como New York Londres Tokyo ou Frankfurt são realidades extraterritoriais que atuam mais entre si que com o resto dos seus países e sobre as quais é já muito escasso o poder dos governos nacionais A vida urbana é evidentemente tão ambivalente como a cidade Uma cidade deve oferecer ordem e segurança mas também deve permitir uma certa irregularidade As críticas àquela outra face da urbanidade anonimato indife rença isolamento caos têm razão quanto ao que denunciam mas não quando 51 desconhecem que aquilo que criticam é ao mesmo tempo um pressuposto das esperanças que desde sempre estiveram ligadas à vida citadina que é um lugar onde se pode viver uma vida livre dos pesados constrangimentos da vida rural e recomeçar a vida sem o peso acabrunhante da biografia pessoal um lugar de espe rança As possibilidades libertadoras da vida urbana estão ligadas a essa cultura de liberalidade complexidade hibridação diversidade emancipação comunicação e hospitalidade A cidade constituiu sempre um lugar de surpresas e de polifonia em comparação com o espaço homogêneo e regulável que alguns imaginam po der ainda encontrar numa idealizada vida rural Os seres humanos impõem exigências contraditórias à cidade A cidade tem de ser pátria e máquina lugar de anonimato e de identificação deve proteger e dar possibilidades deve ser espaço de indiferença e de reconhecimento Numa cidade não é preciso ter uma vaca para beber leite nem ir à fonte para beber água não é preciso vigiar o fogo nem tratar pessoalmente das crianças e dos velhos A grande cidade é um lugar onde se organiza a responsabilidade um lugar de ano nimato e de liberdade perante os constrangimentos sociais Mas também quere mos que ela seja um lugar de identificação e reconhecimento Tudo isso contém uma ameaça perder os vínculos ficar isolado destruir os pressupostos naturais da vida Isto é assim porque não há maneira de se oferecer uma imagem da ci dade que não seja contraditória A urbanidade tem de ser pensada em categorias contraditórias e realizase no movimento das suas contradições entre a ordem e o caos entre o público e o privado entre a indiferença e o compromisso cívico entre alienação e identificação AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS No seu célebre ensaio sobre a cidade Simmel associava a urbanidade a uma determinada forma da cidade Esta imagem contém três elementos formais cen tralidade isto é uma articulação urbanística e funcional entre centro e periferia contraposição ao campo do qual ela se distinguiria com clareza mistura fun cional e social ou seja uma justa posição de habitações lojas empresas cafés lugares de ócio pobres e ricos novos e velhos num espaço limitado Gostaria de me apoiar nestas três características para analisar a questão de saber se as atuais transformações urbanas implicam ou não o fim da cidade pelo menos na forma em que até agora a temos conhecido No ano de 1966 houve em Bremen um congresso subordinado ao título O desaparecimento das cidades Não se estava naturalmente a pensar num desaparecimento físico mas num processo estrutural que a longo prazo modi ficaria as cidades espacial social e funcionalmente de tal maneira que o nosso velho conceito europeu de cidade acabaria por se revelar inadequado a essa nova 52 configuração Do ponto de vista espacial a suburbanização provocaria uma ur banização difusa e desconcentrada de modo que a tradicional relação da cidade com o campo circundante se tomaria irreconhecível do ponto de vista social à nova estrutura espacial corresponderia uma polarização das populações bem diferenciadas segundo os níveis de rendimento funcionalmente os núcleos das cidades perdem significado Há já muitos anos que as cidades vêm passando por um processo de cres cimento que não satisfaz os critérios de integração social espacial e cultural e que parece converter a cidade tradicional numa coisa obsoleta Dizem os especialistas que dentro de algumas dezenas de anos não haverá ninguém que viva num espaço rural a forma urbana será universal É evidente que isso só significaria um triunfo da cidade se nós déssemos este nome a qualquer aglomerado de edifícios O que isto nos apresenta é a questão de saber se representa um triunfo ou uma dissolu ção uma evolução caótica sem nenhuma exigência de organização do espaço edi ficado Se a própria ideia de espaço público surgiu com a cidade o fim da cidade será também o fim da possibilidade desse espaço É claro que a suburbanização não é propriamente um modo de vida urbano A cidade que era uma forma de convivência espacialmente e socialmente concentrada e que tinha dado provas de ser uma fórmula com relativo êxito transformouse num modelo imprestável Estamos a caminhar para um mundo periurbanizado de cidades deficientes no qual a cidade se dissolve numa aglomeração trivial e a metrópole se torna o círcu lo em cujo interior ocorrem as deslocações Comecemos por examinar a questão numa perspectiva morfológica Nós as sociamos a forma da cidade europeia a um núcleo histórico com edifícios baixos com exceção da igreja ou de alguns edifícios públicos praças centrais de utili dade pública bairros mistos no tocante à função e ao nível econômico limites nítidos entre a cidade e o exterior e uma edificação densa Esta densidade tem três dimensões física a relação entre o espaço edificado e a superfície da cidade de povoamento número de habitantes por unidade de área e social frequência dos contatos Na cidade do século XIX estas três dimensões estavam estreitamente associadas Uma cidade densamente construída era uma cidade densamente ha bitada em que havia densas relações comunicativas Esta coincidência factual de espessura física de habitantes e social é um dos motivos pelos quais ainda hoje nós continuamos a associar a urbanidade à cidade compacta do século XIX Em contraste com ela a forma da global city com a qual todas tendem a parecer Marcuse e van Kempen 1999 Sassen 2001 definese pela concentra ção de torres de escritórios num bairro central de negócios pela fragmentação e pela urbanização difusa Perdeuse aquela cidade espessa plural e mestiça que era o centro político econômico e cultural da sociedade O devir histórico modifi cou a forma da cidade europeia e em especial dois dos seus elementos a densida 53 de e a centralidade A modificação da forma da cidade tem origem na deslocação para a periferia da população da indústria e do comércio que anteriormente coexistiam num núcleo compacto Como notou Bahrdt 1996 222 o centro da cidade europeia perde valor como lugar clássico do espaço público A periferia ganha em poder atrativo No respeitante à população a suburbanização é impulsionada fundamen talmente pelas classes médias cujas aspirações de habitação parecem conduzir à figura das moradias alinhadas Alastra o ideal de uma vida em harmonia com a natureza mas sem se ter de renunciar às conquistas da vida urbana o que já estava é certo nos projetos de cidades utópicas dos primeiros socialistas e tam bém noutros mais pragmáticos Deste ponto de vista não podemos deixar de notar que este processo e outros semelhantes pressupõem a importação de mo delos norteamericanos de crescimento urbano Ocorreu na Europa meio século depois de nos Estados Unidos uma descentralização das instalações urbanas e industriais por efeito da qual dois terços dos postos de trabalho e das habitações estão hoje fora dos centros históricos O que aconteceu às atividades econômicas foi análogo a isso O comércio foi historicamente origem e agente central do processo de construção da cida de Por volta de 1900 os mercados se transformaram nos centros comerciais da cidade nas galerias e nos armazéns Os centros das cidades puderam suportar esse salto qualitativo mas não o que se verificou a partir dos anos de 1970 A nova transformação estrutural do comércio provocou grandes concentrações que tiveram como resultado os shoppingmalls parques temáticos centros de lazer e centros de entretenimento Nos arrabaldes foram criados centros comerciais com uma oferta tão variada que até oferece a sensação de se estar no centro da cidade Alguns desses centros são verdadeiros simulacros de cidades Os mais modernos já não são meros centros comerciais mas lugares de lazer onde também se pode fazer compras Os centros das cidades não podem competir com eles nem em superfície nem em acessibilidade Também a indústria abandonou gradualmente as cidades deslocandose para os polígonos industriais da cintura exterior onde igualmente se encontram centros de serviços parques tecnológicos business dis tricts espaços de congressos e hotéis de preferência perto de um aeroporto Em muitas cidades como Amsterdam no centro urbano há apenas pequenos escri tórios os pontos de venda estão fora da cidade em complexos de arquitetura pósmoderna Nessas Instant Cities se pode encontrar tudo que é necessário a uma cidade de serviços Que forma resulta deste processo de descentralização Fundamental mente um modelo de urbanização de baixa densidade um arquipélago urbano sem cidade uma sucessão aleatória de aglomerados Os espaços periurbanos já não são propriamente espaços periféricos antes dissolveram a centralidade tra 54 dicional da cidade na medida em que por sua vez construíram centralidades alternativas Desaparecida a forma tradicional da cidade europeia parece não haver já a possibilidade de um espaço urbano unificador Temse a impressão de que os anteriores dispositivos de unificação da sociedade se inverteram sob a aparência de uma urbanização generalizada Los Angeles pode ser a imagem ex trema de uma dispersão que se tornou a realidade ordinária das grandes cidades contemporâneas O processo de dissolução da cidade tradicional já iniciado em fins do século XIX ganhou aceleração ao longo do século XX Os planejadores urbanos suprimem a distinção entre o campo e a cidade com a ideia da cidadejardim por exemplo e aceleram o processo de diferenciação entre as funções urbanas do trabalho da habitação e do lazer é o que diz a Carta de Atenas o que pressupõe uma tendência contrária à densidade e mistura da cidade compacta Com a crise da cidade industrial as tendências centrífugas parecem corroer a velha cidade e a cidade urbana se transforma numa malha de instalações Atualmente a racionali dade econômica e as facilidades da técnica dão às funções urbanas a possibilidade de expansão em todas as direções O que noutros tempos exigia uma sede central para estar ao alcance dos trabalhadores e dos clientes não está agora submetido a nenhuma exigência de localização A cidade se dissolve na mesma proporção em que a mobilidade aumenta O que neste processo mais atrai a nossa atenção é a perda da contraposição entre a cidade e o campo que caracterizava as velhas implantações urbanas quan do a cidade era uma ilha de civilização no meio da natureza agora é impossível distinguir a cidade e o campo nas modernas paisagens urbanizadas nas nossas entre cidades Sieverts 1998 espaços que nem são campo nem cidade nem centro nem periferia e nos quais vivem cada vez mais pessoas A cidade atual se caracteriza pelo crescimento na sua periferia de uma urbanização frouxa cuja fronteira é impossível assinalar não há ruptura entre a cidade e o campo nem uma frente cujo avanço pudéssemos apreciar mas um tecido urbano ou pe riurbano como chamamos simplesmente a uma coisa indeterminada que se encontra em redor da cidade É o que nos Estados Unidos se chama urban sprawl a indicar que a urbanização se prolonga para fora de toda e qualquer noção de limite espacial e se organiza de um modo diferente Esta expressão significa que o processo já não se situa no universo dos subúrbios do período industrial É esta uma das causas de nas sociedades intensamente urbanizadas ter praticamente de saparecido a diferença dos modos de vida no campo e na cidade A cidade já não é o lugar específico e exclusivo do modo de vida urbano Uma das principais transformações urbanas é a perda do centro Periurba nização significa que a cidade se expande em volta do seu centro até perder todos os vínculos que a ele a ligavam Na cidade préindustrial viver no centro era um 55 sinal de distinção social O centro simbolizava o poder político concentravamse nele a população o trabalho e o comércio Nas cidades atuais o centro perde habitantes ou recuperaos como imigrantes postos de trabalho comércio fun ções de tempos livres A obsolescência da centralidade administrativa se traduz por exemplo em o centro de muitas das cidades norteamericanas não ser um lugar de identificação para a população mas um Central Business District que só tem utilidade comercial e no qual a residência e a cultura não desempenham qualquer papel A causa profunda de tudo isto está em que as sociedades modernas já não precisam da forma de centralidade espacial Innerarity 2001 113 O desapa recimento do centro ou pelo menos das funções que até há pouco lhe estavam cometidas resulta de o poder das redes ser tão considerável e a sua ubiquidade tão completa que de futuro nenhum lugar de implantação estará por princípio privilegiado perante os outros As redes de comunicação são cada vez mais in diferentes à geografia incluindo à geografia urbana Os centros de produção de gestão e de decisão podem ficar na cidade ou ir para fora dela Foucault se referia a esta nova configuração quando descrevia a nova fisionomia da cidade mediante o conceito de heterotropia como um espaço sem forma ao que Deleuze apli cou a imagem do rizoma configuração sem centro Nas civilizações antigas e este antigo é bastante recente o poder estava associado às concentrações num mesmo lugar de todos os instrumentos de do minação de influência ou de organização Foi esta concepção monumental do poder que se tornou caduca A crise da monumentalidade tradicional aquela que segundo Bataille se eleva como diques erguidos contra a multidão a lhe impor silêncio 1974 171 se manifesta no fato de haver cada vez mais edifí cios públicos parecidos com uma qualquer construção utilitária com a modesta arquitetura dos novos lugares públicos como se não soubéssemos ou não quisés semos exprimir a ideia da majestade da vida pública A densificação das redes tem também como efeito a relativa perda de função da metrópole Já não se pode edificar uma capital no velho estilo Uma capital da Europa por exemplo seria arquitetonicamente inconcebível A esta circunstância se deve o fato de a Comissão ter a sede em Bruxelas o Parlamento em Strasbourg o Tribunal no Luxemburgo e de o Conselho se reunir em Bir mingham Hannover Maastricht ou Corfu Por esse motivo podemos supor que Bruxelas nunca será um centro no estilo das velhas capitais europeias Nada o mostra melhor que o malogro das tentativas de fundação de macrocapitais pelos regimes totalitários do século passado Já não parece possível sequer estabelecer centros aos quais fossem atribuídas as funções que couberam a capitais moder nas como Ottawa Ankara Canberra ou Washington Uma sociedade reticular é uma sociedade tendencialmente descapitalizada O valor simbólico da capital 56 ainda parece forte mas podemos questionar se ela resistirá ao esgotamento da sua antiga função administrativa E até podemos pensar se haverá capitais no fim do século XXI A ideia de centralidade política e simbólica está a definhar Os lugares centrais perderam funcionalidade mas também perderam atrativos para a de monstração de presença e domínio Na maior parte dos casos a presença no centro resulta simplesmente do desejo de visibilidade O centro pode ser tão móvel como o seu representante Nas democracias atuais a presença efetiva do presidente é uma presença nos meios de comunicação sem territorialidade Um chefe de estado pode viajar sem que o acusem de desertar do seu posto o centro se desloca com ele Nunca mais haverá uma fuite à Varennes a célebre fuga de Luís XVI em 1791 Esta transformação do centro é tão radical que torna inúteis os esforços para o reabilitar Com a reconstrução estética do edificado antigo não se recupe ra a força integradora da cidade porque as metrópoles o seu significado a sua função e a sua vitalidade não podem ser recriados artificialmente De qualquer modo o centro de uma metrópole pode ser restaurado mas isso não é o mes mo que recuperar o seu antigo significado e inserila num dinamismo vivo O mais que se pode fazer é museificar a cidade encenar isoladamente algumas das suas funções perdidas com sorte por vezes ou caricaturando o centro urba no para o consumo A museificação da cidade consiste precisamente em que os centros históricos são hoje atrações turísticas Os turistas que visitam os centros das velhas cidades europeias não os encontram na sua vitalidade funcional mas como redutos museológicos Enquanto a população e os assuntos econômicos e administrativos partem da cidade o núcleo histórico se transforma em museu e destino de passeios do turismo internacional O centro da cidade se tornou um objeto de nostalgia Segundo as estatísticas um terço dos turistas visita a cidade histórica o velho centro isto é uma relíquia do seu passado O turista metropo litano procura nos vestígios arquitetônicos das capitais históricas a representação simbólica de algo comum que não se pode exprimir nos atuais espaços urbanos Do ponto de vista do estilo de vida as atuais transformações urbanas ten dem a fragmentar segundo critérios de homogeneidade A dissolução da cidade se realiza na tendência para a segregação social e funcional para a homogeneização de grupos segundo os proventos econômicos e o estilo de vida para o fracio namento social da cidade Configuramse desse modo unidades homogêneas e diferenciadas sem relação entre si onde dificilmente se realiza essa coexistência dos diferentes dos estranhos e desconhecidos num espaço não estruturado hie rarquicamente São formas de habitar que refletem ao contrário do modelo de convivência entre diferentes próprio da cidade clássica uma busca do semelhante em lugares homogêneos Quando os núcleos das cidades se enchem de grupos 57 problemáticos as classes médias e altas descobrem ambientes de vizinhança se melhantes aos seus nos arredores para onde se mudam em busca de homogenei dade social numa vida em círculos sociais mais restritos protegidos por elevados preços e até por barreiras físicas e sistemas de vigilância Há deste modo uma especialização funcional do espaço pelo que a cidade é vista como uma justaposição de elementos mais ou menos independentes que obedecem a normas ou regras específicas A ideia de um bairro vivo e plural a que todos os planos políticos aludem não passa já de uma nostálgica ilusão O urbano é cada vez menos sinônimo de cidade de valor urbano de pertença a uma mesma comunidade Esta fragmentação tornase manifesta por exemplo na ruptura da unida de temporal A diferenciação de várias zonas temporais da cidade faz perderse o ritmo de uma cidade como um todo o seu cadenciamento temporal público As tendências centrífugas a especialização das funções e dos lugares conduzem a uma fragmentação da vida já desprovida de centro estruturador Com a inter dependência global aumenta o número de profissionais cuja estrutura temporal se desligou completamente do lugar onde se encontram Poucos sabem em que cidade vivem propriamente pois onde se mora não se trabalha e onde se trabalha não se passa o tempo livre Até a residência se desdobra cada vez mais numa para os dias de trabalho e outra para os finsdesemana Os que vivem numa cidade não coincidem com os que a utilizam e nessa diferença desaparece pouco a pou co o cidadão Quando se mora num lugar se trabalha noutro e se faz as compras num terceiro já não existe o cidadão como habitante de um espaço público no qual eram discutidos e resolvidos os conflitos entre a vida a economia a política e a cultura Esse espaço público se fragmentou em clientelas diversas que que rem satisfazer interesses específicos um deseja morar num lugar tranquilo outro pretende um mercado de trabalho que seja flexível outro possibilidades de fazer compras e de se divertir outro enfim pede vias de comunicações rápidas Outra das manifestações da fragmentação urbana é a etnificação dos seus es paços Surgem bairros com uma grande homogeneidade étnica como Chinatown ou Little Italy em New York e noutras cidades como o bairro turco de Berlim Kreuzberg o Spitalfields de Londres onde se concentra a comunidade bengalesa ou os bairros de Sarcelles nos arredores de Paris e de Lê Panier em Marselha ha bitados principalmente por norteafricanos Vários estudos sobre os encravamentos étnicos asseguram que eles são configurados para manter as condições de confiança segurança previsibilidade e um sentido de convicções compartilhadas contra as incertezas da vida pública Whyte 1943 Gans 1962 O fenômeno da segregação não tem origem só num deliberado propósito de exclusão social cada grupo ocupa na cidade um território diferente para facilitar a integração dos indivíduos Quando estes encontram na cidade um nicho à sua medida surge um espaço de familiari 58 dade que protege da anomia Mas essa integração nem é plena nem é propriamente urbana pois não configura uma relação com os diferentes A atual realidade da ci dade segregada deve hoje ser entendida mais como paisagem da desigualdade social que como mosaico de culturas diferentes Paralelamente a este processo desencadeiase outro para as classes médias e altas gentryfication geralmente para garantir a sua segurança em vizinhan ças homogêneas Estes espaços regulados tendem a constituir uma cidade na cidade Selie 2002 51 O resultado final é uma extensão do espaço priva damente organizado à custa do espaço público São as gated communities nas quais se afirma sem má consciência uma urbanidade discriminatória a retirada defensiva de uma parte da cidade perante outra uma maneira de se colocar fora da sociedade de se subtrair às regras comuns se apropriando coletivamente do espaço Diversos autores têm assinalado o carácter autodestrutivo dessas ilhas de uniformidade comunitária O perigo que se esconde no trato com os estranhos é o típico caso de profecia que se confirma a si própria A visão do estranho se mistura com a sensação de medo e de insegurança o que começa como suspeita acaba por se tornar uma evidência e certeza comprovada Bauman 2000 127 O medo aos de fora cresce na mesma proporção em que os bairros com grande homogeneidade étnica se separam do resto da cidade A chamada à ordem e ao direito é mais forte quando grupos isolados se separam claramente dos demais Sennett 1996 194 Apesar da sua aparência pacificadora a separação promove exatamente o contrário insegurança civil e social Sem a capacidade unificadora dos espaços urbanos a distância é vivida como rejeição e alimenta a sensação de não pertencer à mesma sociedade Com a atual fragmentação a cidade parece ter perdido essa capacidade de dar corpo à sociedade aproximando os elementos que a compõem e mostrando tanto a sua diversidade como a sua interdependência Se a urbanidade significa alguma coisa essa coisa é precisamente a capacidade de viver com os diferentes e de que as diferenças não pareçam ameaçadoras A cidade é mais que outros estabelecimentos humanos o lugar dos descobrimentos e das surpresas tanto agradáveis como desagradáveis Hannerz 1992 173 Mas com a crescente seletividade social a vida nos espaços públicos perde surpresas e imprevistos e é cada vez mais inverossímil experimentar a pluralidade da cidade em toda a sua extensão Dáse uma redução da dissonância cognitiva Hiussermann e Siebel 2000 uma diminuição da experiência do encontro espontâneo com outros seres humanos O encapsulamento em casa no bairro homogêneo ou no automóvel empobrece o nosso mundo de experiências não planificadas Como forma espe cífica de vida a cultura urbana perde deste modo a sua base social Em suma todo este processo parece conduzir a uma privatização do espaço público ou talvez melhor ao aumento dos âmbitos que de acordo com a pola 59 rização que segundo Bahrdt definia a essência da cidade não são privados nem públicos Os espaços são públicos no sentido em que não são privados mas não são em absoluto públicos em referência à criação de uma forma de vida coletiva Há espaços que parecem comuns mas que não são verdadeiramente públicos É um desaparecimento do espaço público no sentido tradicional da expressão isto é um espaço no qual se exprima e represente a coisa pública como o faz a cidade monumental com a sua arquitetura fechada e organizada em redor de lugares simbólicos do poder Mas também necessitamos de espaço para o público isto é da cidade que torna possível a vida em comum de lugares como a rua os pas seios as praças os cafés os parques os museus as salas de espetáculos Quando desaparecem os espaços de vida comum desaparecem também as formas de socia bilidade que reuniam as diversas partes componentes da sociedade O que aconteceu foi uma verdadeira privatização da cidade das urbani zações dos serviços da segurança O espaço público desaparece sob o domínio privado tanto no extremo do mais exclusivo como no do mais excluidor Por um lado há os bairros de exclusão e sem lei por outro os espaços comerciais ou recreativos de acesso restrito e as comunidades cercadas com os seus sistemas de vigilância e segurança Poderíamos concluir que o atual espaço público são as vias de trânsito meros lugares de passagem simples instrumentos da deslocação A NOVA URBANIDADE O problema que hoje enfrentamos consiste em como pensar a cidade quando temos redes em vez de vizinhança quando o espaço homogêneo e estável é apenas um casolimite no seio de um espaço global de multiplicidades locais interligadas quando há já muito tempo o debate público se efetua num espaço virtual quando as ruas e as praças deixaram de ser os principais lugares de encon tro e encenação A questão consiste em saber se o espaço público como espaço de experiência humana intersubjetiva essencial à democracia necessita de um tipo de espaço físico segundo o modelo grego medieval renascentista e burguês ou se essa antiga relação entre civilização e urbanidade se pode realizar fora dos espaços da cidade clássica europeia A crítica da cidade sempre lamentou alguma perda no século XIX era a decadência da ordem e dos costumes hoje é a privatização do espaço público e o desaparecimento do espírito de cidadania As queixas pela perda da urbanidade e o apelo aos políticos para que detenham essa deterioração tem uma certa parecença com as velhas críticas conservadoras à cidade Naquele caso preconizavase o re gresso ao campo e à pequena cidade o atual discurso sobre o desaparecimento da urbanidade pretende conservar a grande cidade mas com uma lógica pessimista muito semelhante em ambos os casos se faz pressão para que alguma coisa seja 60 feita a fim de conservar um passado melhor perante um desenvolvimento da socie dade considerado ameaçador Todas essas histórias são verdadeiras mas esquecem que tais perdas são frequentemente transformações que trazem consigo não pou cos ganhos e que também correspondem ao mesmo desejo de emancipação agora com outra forma do qual surgiram as cidades Essas visões nostálgicas da cidade para cujas recuperações tais críticas apelam não costumam se deter um pouco para considerar se não haverá também bons motivos para o desaparecimento gradual da cidade europeia De outro modo não se poderia explicar por que motivo os seres humanos não opuseram muita resistência a essa evolução E também não se deve esquecer que a cidade do passado não estava tão integrada nem equilibrada como a nostalgia tende a fazernos crer A transformação da cidade tradicional também tem a sua lógica e os seus bons motivos Não convém esquecer que a cidade compacta do século XIX devia a sua espessura à pobreza e aos transportes deficientes Quem não atender a isto estará a elaborar uma utopia retrospectiva Pensar hoje as condições de possibilidade da urbanidade exigirá provavel mente que o façamos fora da tradicional contraposição cidadecampo que tem cada vez menos sentido Em ambos esses espaços há formas de vida urbana e de vida provinciana Os habitantes da cidade que se deslocam ao campo continuam a ser citadinos porque no fundo há cidade onde houver possibilidades de eman cipação Nos apelos à defesa da forma da cidade europeia há uma valorização excessiva da configuração material da cidade como esquecendo que restaurar o aspecto dela não é o mesmo que manter a sua qualidade específica A urbanidade é mais que a forma da cidade é um modo de vida uma atitude uma cultura cívi ca que talvez se possa realizar noutro cenário e que provavelmente já não poderá realizarse senão noutro cenário Não quero sugerir com isto que o urbanismo está isento de toda a res ponsabilidade quando se tem de articular o espaço público Não é indiferente a forma como são configurados os espaços urbanos mas também não devemos esquecer que a urbanidade não pode ser edificada nem simulada e não surge de um dia para o outro A forma urbana física por si só não pode substituir as prá ticas que lhe estão associadas Não faz sentido pretender reconstruir um passado mitificado Mais interessante que a nostalgia é recordar o que é que a cidade europeia representou e pode continuar a representar sob uma forma diferente A sua dimensão integradora e democrática não se mantém viva transformandoa em museu está intimamente relacionada com a configuração de espaços com partilhados em que o diferente e específico remete para implicações mais amplas âmbitos civilizadores que não amadurecem quando se tornam mais idênticos a si próprios mas sim na medida em que se articulam com o diferente deles Nas atuais circunstâncias ainda se pode falar de integração social urbani dade ou espaço público Creio que sim mas sob condição de distinguir os valores 61 de urbanidade da velha representação que temos da cidade europeia A urbanida de cidadania civilização é mais qualquer coisa que a forma da cidade europeia e mais até que uma forma urbana de viver As esperanças de libertação realização de si e integração têm de libertarse por sua vez da forma tradicional da cidade europeia Os valores que foram cultivados com especial intensidade em Londres Viena Paris Berlim Madrid ou Bilbao podem atualmente ser vividos naqueles sistemas reticulares para onde parecem apontar as futuras estruturas de povoa mento O projeto de uma vida urbana se deslocalizou e a cidade se transformou num valor simbólico a forma tradicional da cidade europeia é hoje simplesmen te uma metáfora cujo conteúdo se realiza nas democracias que funcionam nos mercados justos nos espaços globais humanizados onde quer que seja possível o convívio entre diferentes no horizonte de um mundo verdadeiramente comum Como pensar então a nova urbanidade Häussermann e Siebel 2001 na cidade desmaterializada do futuro Mitchell 1 995 2001 Quando Sim mel escreveu as suas célebres considerações a modernidade estava reservada para as grandes cidades Atualmente as características daquela forma de vida urbana cujo lugar próprio era a cidade europeia podem ser encontradas tanto nos habi tantes do campo como nos da cidade É provável que estejamos assistindo a uma universalização da forma urbana de viver que dá a cada um a possibilidade de se apresentar ao mesmo tempo de modos muito diversos A urbanidade como forma de vida pode ser realizada em qualquer lugar O que fica da cidade é o valor ubiquitário da urbanidade O exercício dos valores da urbanidade já não está condicionado pela cidade como seu lugar exclusivo Não é que a urbanida de tenha desaparecido o que acontece é que já não se realiza em nenhum lugar exclusivo Já não está ligada nem se produz em nenhum lugar concreto mas no carácter dos seres humanos De fato quando definiu o modo de comportamento típico das grandes cidades Simmel estava a falar mais da mentalidade moderna que dos habitantes da cidade As propriedades da urbanidade que as grandes cidades reclamam dos seus cidadãos são as mesmas que nas sociedades modernas são exigidas de qualquer identidade uma capacidade de suportar e gerir a insegu rança a diferença a contradição a ambiguidade e a estranheza Quando não havia automóveis telecomunicações ou meios de informação a densidade espacial da grande cidade era necessária para se levar a bom termo as grandes inovações econômicas políticas e culturais que a ela devemos Todos os que quisessem participar nessa grande oportunidade teriam de estar presentes Mas isto se tornou supérfluo Quando se abandona o modelo centroperiferia quando o centro está em toda a parte a implantação local muda de estatuto cada ponto é um centro nas múltiplas intersecções da rede Cada ponto local implica a rede global reciprocamente esta não é nada sem a multiplicidade dos lugares singulares As sociedades modernas não necessitam de centralidade espacial É 62 importante compreender isto para conceber o novo espaço público que se nos abre para lá do antigo paradigma arquitetônico e nos convida a pensar a cidade de outra maneira A emancipação da natureza ou da comunidade o autogover no e a integração social são objetivos que já não requerem a forma da cidade a opinião política se realiza fundamentalmente pelos meios de comunicação e não nas praças e nas ruas a organização democrática já não é propriedade exclusiva das cidades é um princípio de organização dos estados com a globalização o mercado já não é um lugar urbano a diferença entre o privado e o público existe igualmente no campo fora da cidade também se pode viver subtraído ao poder da natureza Esta perda da especificidade política econômica social e civilizadora da cidade é o motivo pelo qual desapareceu a forma física das cidades nas atuais aglomerações urbanas mas ela explica também a impossibilidade de se restaurar a urbanidade por meio de uma intervenção planificadora É certo que a menor densidade de povoamento faz com que as cidades sejam cada vez menos aqueles espaços em que mercê das interações involuntá rias motivadas pela proximidade se cultiva uma mentalidade que configura um espaço para a heterogeneidade no acanhado espaço social As cidades já não são pela sua mera composição espacial aqueles estabelecimentos educativos que Simmel descrevia Com a urbanização de toda a sociedade a urbanidade esse modo de vida tão útil para a integração dos estranhos tem de ser interiorizada por cada indivíduo já não pode ser deixada apenas nas mãos dos urbanistas e tem de ser confiada às diversas instâncias educativas se realmente desejamos que o nosso comportamento evolua de acordo com os valores que fizeram das cidades aqueles espaços de civilização que tornaram possível a passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna REFERÊNCIAS BAHRDT HansPaul Himmliche Plannungsfeshler Essays zu Kultur und Gesellschaft beck Mün chen 1996 Die moderne Stadt Soziologische überlegungen zum Städtebau Leske Budrich Opladen 1998 BATAILLE Georges Architecture em Œuvres Complètes I Gallimard Paris 1974 BAUMAN Zygmunt Liquid modernity Polity Press Cambridge 2000 BRAUDEL Fernand Civilisation matérielle Économie et capitalisme Armand Colin Paris 1979 DESCARTES René Œuvres et lettres Gallimard Paris 1937 ENGELS Friedrich Über die Unwelt der arbeitenden Klasse em Schriften ed Ulrich Conrads Fun damente Gütersloh 1970 GANS Herbert The Urban Villagers Group and Class in the Life of Italian Americans Free Press Glencoe 1962 Goffman Erwing La mise em scène de la vie quotidienne Minuit Paris 1973 HÄUSSERMANN Hartmut e SIEBEL Walter Neue Urbanität Suhkamp Frankfurt 1987 Soziologie des Wohnens Eine Einf6uhrung in Wandel und Aussdifferenzierung des Woh nens juventa München 2000 HANNERZ Ulf Cultural Complexity Columbia University Press New York 1992 63 INNERARITY Daniel Ètica de la hospitalidad Península Barcelona 2001 LEFORT Claude Le travail de l œuvre Machiavel Gallimard Paris 1986 LOFLAND Lyn A World of Strangers Order and Action in Urban Public Space Aldine New York 1973 MARCUSE Peter e KEMPEN Ronald van eds Globalizing Cities Is there a New Spatial Order Blackwell Oxford 1999 MITCHELL William City of Bits Space place and the infobahn MIT Press Cambridge Massa chusettes 1995 Etopía vida urbana Jim pero no la que nosotros conocemos G Gili Barcelona 2001 POCOCK John G A The Machiavellian Moment Florentine Political Thought and the Atlantic Republican Tradition Princeton University Press 2003 SASSEN Saskia The Global City New York London Tokyo Princeton University Press 2003 SENNETT Richard The Uses of Disorder Personal Identity and City Life Faber Faber London 1996 SIEVERTS Thomas Zwischenstadt Vieweg BraunschweigWiesbaden 1998 SIMMEL Georg Die Grosstädte und das Geistesleben em Das Individuum und die Freiheit Fischer Frankfurt 1993 pp 192204 WEBER Max Wirtschaft und Gesellschaft II Kiepenheuer Witsch KölnBerlin 1956 WHYTE William Foote Steet Corner Society The Social Structure of an Italian Slum University of Chicago Press 1943 WIRTH Louis Urbanität als Lebensform em U Herlyned Stadtund Sozialstruktur Nym phenburger Verlagsanstalt München 1974 pp 4266 64 ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO E DESIGUALDADE URBANA12 David J Mourrasse13 Na medida em que o mundo continua urbanizandose megarregiões tem surgido e continuado a expandir Nessas regiões metropolitanas como cidade de Nova York Área da Baia da Califórnia Londres na Inglaterra e outras te mos visto crescimento populacional tremendo ao lado de uma vibrante atividade econômica Essas regiões produzem trabalhos e oportunidades que atraem novos residentes a procura de uma melhor existência e subsistência Residentes que se assentaram nessas áreas em gerações anteriores estabeleceram economias baseadas em manufaturas ou varejo com grande fornecimento de habitações a preços aces síveis Os recémchegados são recebidos com uma economia do conhecimento com inúmeras oportunidades de emprego para mãodeobra altamente qualifi cada Hospitais e universidades são os empregadores locais mais significativos nessas regiões orientadas pelo conhecimento em vez de fábricas ou lojas de de partamentos A oferta de moradias acessíveis nessas regiões é muito menor já que a demanda para residir ou apenas possuir uma casa nessas áreas é bastante alta Essas dinâmicas exacerbam a desigualdade Elas colocam as populações de baixa renda com habilidades formais limitadas ou educação em uma posição ain da mais vulnerável De fato essas populações correm o risco de desalojamento Esta é a base para a gentrificação Em circunstâncias gentrificantes comunidades de baixa renda têm oportunidades residenciais limitadas Uma vez que sua única opção residencial expira eles são forçados a se mudar para não apenas mudar de residência mas deixar a área completamente A gentrificação é literalmente so bre o movimento de populações mais ricas em uma área deslocando uma popu lação anterior Mas a realidade da gentrificação se manifesta em um nível comer cial e cultural também Maurrasse 2006 A natureza das empresas que atendem 12 Texto traduzido do inglês para o português por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Felipe da Veiga Dias 13 David Jeffrey Maurrasse é pesquisador do Earth Institute Ele é o presidente e fundador da Marga Inc uma empresa de consultoria que presta consultoria e pesquisa para fortalecer a filantropia e parcerias intersetoriais ino vadoras para abordar algumas das preocupações sociais mais prementes da atualidade Ele atua como Professor Adjunto Associado na Escola de Relações Públicas e Internacionais ministrando um curso intitulado Estratégia Parcerias Comunitárias e Filantropia Ele publicou vários livros incluindo Beyond the Campus 2001 Stra tegic Public Private Partnerships 2013 e outros Seu próximo livro Filantropia e sociedade explorará como a filantropia estratégica pode incluir as perspectivas e a participação das comunidades de beneficiários 65 a população anterior também se muda em situações de gentrificação De fato as pequenas empresas também se deslocam diante do aumento dos valores imobili ários Mudanças demográficas e atividades comerciais também mudam a cultura 1 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE GENTRIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO 11 O SURGIMENTO E DESCRIÇÃO DA GENTRIFICAÇÃO DESDE 1964 Definição de gentrificação como um assunto relevante para a renovação urbana tanto a conceituação quanto a natureza da gentrificação têm evoluído ao longo do tempo e não há consenso sobre sua definição Smith 1996 O soció logo britânico Glass 1964 referiuse ao conceito de gentrificação ao descrever os fenômenos dos bairros da classe trabalhadora de Londres experimentando au mentos nas populações de classe média Glass 1974 ilustrou e ampliou ainda mais a definição de gentrificação argumentando que o processo de gentrificação incluía a renovação urbana os residentes mudando de propriedades alugadas para residir em casa própria aumento do preço da habitação e deslocamento da classe trabalhadora Smith 1982 também afirmou que a gentrificação foi o pro cesso pelo qual bairros residenciais da classe trabalhadora foram reabilitados por compradores de casas de classe média senhorios e desenvolvedores profissionais Ley 1996 chegou a considerar a renovação e o redesenvolvimento de locais não residenciais como parte da gentrificação além dos locais residenciais De ambas as perspectivas econômica e demográfica Smith 1998 forneceu outra defini ção de gentrificação que é o processo pelo qual os bairros urbanos centrais que sofreram desinvestimentos e declínio econômico experimentam uma reversão reinvestimento e migração interna de uma população de classe média média e alta Kennedy e Leonard 2001 definiram a gentrificação como o processo de mudança de vizinhança que resulta na substituição de residentes de renda mais baixa por aqueles de renda mais alta no relatório da Brookings Institution sobre Lidando com a Mudança de Vizinhança Uma Cartilha sobre Gentrificação e escolhas políticas Mais recentemente os esforços para definir a gentrificação parecem mudar da descrição do resultado ou processo de gentrificação para identificar as carac terísticas mais importantes do fenômeno Anthropologist Perez 2004 definiu a gentrificação de uma maneira compreensiva que abrange muitas características amplamente aceitas da gentrificação Um processo econômico e social por meio do qual o capital privado empresas imobiliárias incorporadoras e proprietários e arrendatários individuais reinvestem em bairros fiscalmente 66 negligenciados por meio da reabilitação de moradias conversões de loft e a construção de novo estoque de habitação Ao contrário da renovação urbana a gentrificação é um processo gradual ocorrendo um edifício ou bloco de cada vez reconfigurando lentamente a paisagem de vizinhança de consumo e residência deslocando moradores pobres e da classe trabalhadora incapazes de viver em bairros revitalizados com aluguéis crescentes impostos sobre a proprie dade e novas empresas que atendem a uma clientela de luxo Shaw 2008 também argumentou que a gentrificação é uma reestrutu ração generalizada de classe média ao lugar envolvendo toda a transformação de bairros de baixo status em playgrounds de classe média alta Davidson e Lees 2005 resumiram as características da gentrificação contemporânea da seguinte forma 1 reinvestimento de capital 2 renovação social do local pela entrada de grupos de alta renda 3 mudança de paisagem e 4 deslocamento direto ou indireto de grupos de baixa renda Além disso Maurrasse 2006 apontou que a gentrificação muitas vezes tem sido abordada em grande parte no contexto da habitação e o relativo acesso a unidades residenciais acessíveis No entanto a gen trificação tem muitas dimensões interrelacionadas e afeta os bairros em vários níveis Como sugerido por Maurrasse 2006 as dimensões incluem imóveis residenciais desenvolvimento comercial aspectos interpessoais e culturais TRÊS ONDAS DE GENTRIFICAÇÃO E SURTO DE ESTUDOS DE CASOS GLOBAIS As primeiras ondas de gentrificação tendem a ser esporádicas e lideradas pelo Estado antes da recessão econômica global no final de 1973 A Segunda onda é conhecida como a ancoragem da gentrificação Ela durou do final dos anos 70 até o final dos anos 80 e foi caracterizada pela expansão da gentrificação em cidades menores e não globais A gentrificação da Terceira Onda ou pósre cessão começou a partir do início dos anos 90 à medida que a gentrificação con tinua com uma escala maior de capital e muitas vezes com o apoio do Estado Hackworth e Smith 2001 Além disso com base no modelo de Hackworth e Smith Lees e Ley 2008 acrescentaram que algumas cidades americanas estão experimentando a quarta onda de gentrificação que é caracterizada por uma financeirização intensificada da habitação combinada com a consolidação de po líticas prógentrificação e políticas urbanas polarizadas Surto de estudos de casos globais desde o final dos anos 90 e início dos anos 2000 a gentrificação se tornou global em quase todas as grandes cidades do mundo e chamou a atenção de pesquisadores globais Por exemplo estu dos de casos relevantes para a gentrificação incluem Londres Carpenter e Lees 1995 Paris Glasgow Nova York Freeman e Braconi 2004 Toronto Caul field 1994 Filadélfia Beauregard 1990 Xangai He 2007 Pequim Zheng e Kahn 2013 e etc Van 1994 Beauregard 1990 67 12 RAZÕES PARA OS INTERESSES DE PESQUISA EM GENTRIFICAÇÃO De acordo com Hamnett 1991 há principalmente 5 razões para a ques tão de que tanta atenção tem sido dedicada ao assunto da gentrificação Essas ex plicações estão listadas em ordem decrescente de importância 1 a gentrificação representa um dos principais campos de batalha teóricos e ideológicos da geogra fia urbana ou mesmo da geografia humana como um todo 2 está nos limites da reestruturação metropolitana contemporânea 3 A questão central está na polí tica e nos debates políticas a respeito dos deslocamentos relacionados à gentrifi cação 4 representa um grande desafio para as teorias tradicionais de localização residencial e estrutura urbana 5 fornece assuntos convenientes e interessantes para estudos de casos pontuais baseados localmente 13 A DISCUSSÃO SOBRE AS CAUSAS DA GENTRIFICAÇÃO DE 1979 A 2000 A gentrificação é indiscutivelmente um processo caótico que não é ade quado para análise binária ou linear Beauregard 1986 Freeman 2001 De acordo com Hamnett 1991 o surgimento da gentrificação depende das três condições a seguir a existência de um conjunto potencial de gentrificadores uma oferta de habitação no centro da cidade e uma preferência cultural pela vida urbana O debate sobre as causas da gentrificação tem sido os principais esforços de pesquisa em gentrificação durante os anos 80 Como Lees 1994 indicou nos esforços de contabilizar as cidades gentrificantes as duas principais corren tes teóricas se localizam nos campos da economia política e da análise cultu ral pósmoderna A primeira vertente é a análise neomarxista da reestruturação econômica urbana e concentrase no lado da produção ou da oferta dos bairros gentrificados Smith 1979 1996 desenvolveu o conceito de rent gap lacuna de renda como um prérequisito para a gentrificação e argumentou que o retor no do capital produtivo dos subúrbios é o fator determinante da gentrificação e não o movimento de novos habitantes Ley 1987 criticou a teoria de Smith por sua falta de evidência empírica através da análise de dados concretos A segunda vertente é uma teoria da reestruturação social urbana pósindustrial que tenta explicar a gentrificação da perspectiva da existência e das escolhas dos gentrifica dores em outras palavras o lado do consumo ou da demanda Lees 1994 Smith e Williams 1986 Warde 1991 Outras explicações da gentrificação vêm da ecologia social da teoria da es colha cultural neoclássica da divisão de gênero e outras A ecologia social propõe 68 que as cidades têm estágios natural e inevitável do desenvolvimento e declínio formiga portanto apoiar a inevitabilidade da gentrificação e neutralidade da política de governo Shaw 2008 A teoria da escolha cultural neoclássica supõe que a mudança urbana é o resultado de constelações de decisões individuais do consumidor e requer que as preferências individuais mudem em uníssono inter nacionalmente ibid Como um ramo da teoria do consumo a explicação da gentrificação na perspectiva da divisão de gênero vem principalmente do traba lho de Bondi 1991 Warde 1991 e Butler e Hamnett 1994 Eles exploraram a correlação entre a gentrificação e os papéis alterados das mulheres na família e na sociedade e o crescimento das mulheres trabalhadoras 14 GENTRIFICAÇÃO E TENDÊNCIAS SOCIAIS GERAIS Gentrificação e desenvolvimento urbano Smith 2002 argumentou que a gentrificação que inicialmente era esporádica pitoresca e localmente anómala nos mercados imobiliários havia se tornado a estratégia urbana global com o pano de fundo do urbanismo neoliberal ou a chamada globalização Como uma forma de reurbanização a gentrificação desempenha um papel importante no desenvolvimento urbano e na reconstrução social e espacial portanto o processo de gentrificação foi direcionado e intervido pelos governos nacionais e locais Os governos podem regular diretamente e controlar o processo de gentrificação no lado do consumo ou da produção ou ambos Sassen 1991 considerou a gentri ficação como um dos aspectos mais importantes das cidades globais Gentrificação e desigualdade Smith 1996 usou revanchistas um mo vimento político que se formou na França no final do século XIX como uma metáfora da gentrificação no sentido político de que os brancos recuperam os centros urbanos expulsando as minorias e ou moradores de baixa renda Seu ponto de vista tem sido apoiado pela maioria dos estudiosos neste campo Os go vernos podem usar o termo revitalização do bairro para defender que a gentrifi cação pode reduzir a segregação social nos bairros pobres No entanto a maioria dos estudos chegou à conclusão oposta de que a gentrificação poderia realmente deteriorar a igualdade social e aumentar a segregação social ou piorar ainda mais a discriminação racial Walks e August 2008 Goldberg 1998 15 EFEITOS DA GENTRIFICAÇÃO E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS A PARTIR DE 2000 Desde o século 21 existem vários livros e livros que resumem de forma abrangente os aspectos centrais e as discussões sobre a gentrificação Lees et al 2010 Lees et al 2013 Smith e Williams 2013 e etc As disputas teóricas sobre 69 as causas da gentrificação gradualmente se assentaram e a fronteira de pesquisa mudou de perguntar o que leva à gentrificação para descobrir qual é o impacto da gentrificação e como lidar com as políticas correspondentes Particularmente para os moradores de baixa renda que são forçados a sair os governos devem ser responsáveis por aliviar ou compensar sua perda na gentrificação e reduzir a desi gualdade social causada pela gentrificação Porter e Shaw 2013 Em termos da importância da intervenção política Newman e Wyly 2006 forneceram evidências sobre a polarização de classes ou mercados habi tacionais urbanos em Nova York e criticaram que a intervenção no mercado o principal amortecedor contra o deslocamento dos pobres induzido pela gentri ficação estava sendo desafiado por defensores da gentrificação e desmantelados pelos formuladores de políticas Wyly e Hammel 2001 sugeriram que a gentrificação mudou o contex to do centro da cidade de tal forma que influenciou a formação da política de habitação pública Eles também apontaram que o foco dos EUA foi em como o ressurgimento da gentrificação pósrecessão foi ajudado pelos governos através do financiamento habitacional e da assistência habitacional de baixa renda mas as políticas estavam se tornando neoliberais como mostra a agenda neoliberal do HUD que inicia e fortalece a gentrificação Maurrasse 2006 pediu a consideração do governo de comunidades de baixa renda ao tomar decisões de alto nível sobre revitalização para resolver o pa radoxo do desenvolvimento urbano de que os moradores de baixa renda sofrem com as forças do mercado desenfreadas como o aumento do preço das casas e dos alugueis maior risco de deslocamento de casas e etc A vulnerabilidade das comunidades de baixa renda é altamente aparente nas situações de gentrificação porque essas populações carecem de opções devido ao acesso limitado a recursos financeiros e políticos Elas correm o risco de serem deslocadas e o contexto local se concentra cada vez menos em suas necessidades por causa do encolhimento do grupo e de sua declinante capacidade de serem ouvidos Portanto sob essa circunstância é necessário e urgente introduzir e pro mover a noção de desenvolvimento equitativo que considere continuamente as necessidades e benefícios das comunidades de baixa renda Como os mercados gentrificadores não podem fornecer automaticamente assistência social especial ou ajudar populações de baixa renda são necessárias intervenções do governo ou de organizações sociais para abordar as preocupações dessas populações desfa vorecidas No entanto como sugerido por Lees 2008 tanto na Europa como na América do Norte em alguns círculos políticos a gentrificação levará a co munidades menos segregadas e mais sustentáveis apesar de poucas evidências e do acirrado debate acadêmico sobre o assunto Portanto é muito urgente deixar 70 claro ao governo e à sociedade que a gentrificação está longe do crescimento in clusivo daí a necessidade de estratégias sociais e políticas intencionais em busca do desenvolvimento eqüitativo 2 A VARIEDADE DE ABORDAGENS PARA O DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO E INCLUSÃO SOCIAL Ao preocuparse com o aumento da desigualdade social o desenvolvimen to eqüitativo está se tornando mais enfatizado pelos formuladores de políticas e estudiosos como uma solução potencial importante O desenvolvimento eqüi tativo é definido por Treuhaft 2016 em seu relatório Desenvolvimento Eqüi tativo O caminho para um AllIn Pittsburgh O desenvolvimento eqüitativo é uma estratégia positiva de desenvolvimento que garante que todos participem e se beneficiem da transformação econômica da região especialmente residentes de baixa renda comunidades de cor imigrantes e outros que correm o risco de serem deixados para trás Requer um foco intencional na eliminação das desi gualdades raciais e barreiras e em fazer investimentos responsáveis e catalisadores para assegurar que os residentes de menor renda 1 vivam em vizinhanças sau dáveis seguras e ricas em oportunidades que reflitam sua cultura e não sejam deslocadas deles 2 conectarse a oportunidades econômicas e de propriedade e 3 ter voz e influência nas decisões que moldam suas vizinhanças Em um relatório feito em conjunto pelo Instituto Hass e Centro de Inclu são Social Curren et al 2015 o desenvolvimento equitativo é definido a partir da perspectiva da qualidade de vida Os resultados de qualidade de vida como habitação a preços acessíveis educação de qualidade emprego assalariado am bientes saudáveis e transporte são equitativamente experimentados pelas pessoas que vivem e trabalham atualmente em um bairro bem como por novas pessoas que se mudam para lá Kennedy e Leonard 2001 definiram o desenvolvimento equitativo como a criação e manutenção de comunidades economicamente e socialmente diver sas que são estáveis a longo prazo por meio de meios que geram um mínimo de custos de transição que são injustamente impostos aos residentes de baixa renda Um conceito relacionado ao desenvolvimento equitativo é a inclusão so cial Segundo o Banco Mundial 2018 a inclusão social é o processo de me lhorar os termos em que indivíduos e grupos participam da sociedade melho rando a capacidade oportunidade e dignidade dos desfavorecidos com base em sua identidade No relatório Inclusão Social para os Estados Unidos escrito por 71 Boushey et al 2017 a inclusão social incorpora simultaneamente múltiplas dimensões de bemestar É alcançado quando todos têm a oportunidade e os re cursos necessários para participar plenamente das atividades econômicas sociais e culturais que são consideradas a norma da sociedade Além disso o Conselho Australiano de Inclusão Social 2012 indicou que estar incluído socialmente significa que as pessoas têm os recursos oportunidades e capacidades de que necessitam para Aprender participar na educação e forma ção Trabalhar participar de emprego trabalho não remunerado ou voluntário incluindo responsabilidades familiares e de cuidadores Envolverse conectarse com as pessoas usar os serviços locais e participar de atividades locais culturais cívicas e recreativas e ter voz influencie as decisões que os afetam Das várias definições de desenvolvimento equitativo e de inclusão social não é difícil reconhecer que ambos os conceitos enfatizam a importância de aju dar as populações vulneráveis a alcançar os recursos e oportunidades públicos iguais às suas contrapartes privilegiadas A noção de inclusão social parece ser mais ampla do que o desenvolvimento equitativo porque a inclusão social não se refere apenas às dimensões econômica e social da igualdade mas também aos aspectos culturais e políticos Por outro lado a noção de desenvolvimento equi tativo é uma estratégia que se concentra em políticas e esforços específicos que podem melhorar a igualdade no futuro enquanto a inclusão social pode ser con siderada como um alvo ou ideia que foi projetada para a sociedade alcançar 21 HABITAÇÃO HABITAÇÃO PÚBLICA E ESTOQUE Historicamente um caminho para a habitação a preços acessíveis para pes soas de baixa renda habitações públicas é frequentemente sob escrutínio Nos últimos anos os esforços para desmantelar a habitação pública estão em anda mento Esses esforços incluem a demolição com ou sem redesenvolvimento e a disposição o que significa que unidades habitacionais são vendidas ou con vertidas para outros usos Goetz 2013 Desde a década de 1980 a privatização surgiu como a principal tendência de transformação socioeconômica para muitos países enquanto a privatização da habitação pública é um dos principais aspectos desse processo Os proponentes da privatização da habitação pública priorizam os objetivos de melhorar a eficiência do mercado e liberar o ônus do governo No entanto de acordo com análise abrangente de Forrest Murie 2014 da priva tização da habitação pública na GrãBretanha A longa tendência da habitação social britânica para se tornar um setor de habitação de bemestar está relaciona da com evidências de crescente polarização social e segregação 72 Enquanto alguns consideram as políticas de habitação pública fora de moda remanescente do keynesianismo ou do Estado de bemestar social do New Deal o desenvolvimento de moradias públicas ainda pode ser útil para preser var a diversidade demográfica abordar o desenvolvimento equitativo e suprimir a polarização social No entanto o número de unidades habitacionais públicas ainda é insuficiente para ajudar todos ou a maioria dos moradores de baixa ren da Por exemplo a Autoridade de Habitação de Nova York NYCHA é a maior autoridade de habitação pública dos EUA Sua missão é aumentar as oportuni dades para os novaiorquinos de renda baixa e moderada oferecendo moradias seguras e acessíveis e facilitando o acesso a serviços sociais e comunitários O NYCHA fornece 326 conjuntos habitacionais públicos para mais de 400000 residências de baixa renda de Nova York e emite subsídio de assistência de aluguel para 235000 residentes No entanto esse número ainda está longe de cobrir toda a população total de Nova York na pobreza que é mais de 1600000 calculada a partir do censo de 2017 Ainda NYCHA está enfrentando críticas significati vas sobre a qualidade de suas unidades habitacionais Tanto o número limitado de unidades disponíveis como a qualidade pintura calor aparelhos segurança etc desta caixa são motivos de preocupação Além disso o desenvolvimento habitacional a preços acessíveis referese à habitação alugada ou vendida a preços abaixo do mercado e fornecida apenas para famílias de baixa renda Suas maiores fontes de recursos são o Crédito Fiscal de Habitação de Baixa Renda LIHTC que utiliza o crédito do imposto de renda federal No entanto como o orçamento do HUD não conseguiu acompanhar a taxa de crescimento da população pobre essa lacuna crescente deve ser preenchi da Organizações filantrópicas e sem fins lucrativos intervieram para mitigar essas limitações Mas os recursos necessários para fornecer moradia e oportunidades ade quadas para populações de baixa renda excedem em muito esses esforços adicionais A Confiança de Equidade na Parceria Habitacional Housing Partnership Equity Trust HPET é um esforço nãogovernamental para apoiar e comple mentar o desenvolvimento habitacional público Foi lançado como um fundo de investimento imobiliário social com um investimento de US 100 milhões do Citi Morgan Stanley e outros gigantes comerciais A HPET concorre di retamente com os compradores com fins lucrativos no mercado imobiliário e trabalha para reforçar o estoque de residências para famílias com renda baixa ou moderada FINANCIAMENTO HABITACIONAL Como sugerido por Freeman e Schuetz 2016 as políticas mais ampla mente utilizadas o zoneamento inclusivo local e as leis estaduais de compartilha 73 mento justo fair share produziram números relativamente pequenos de unida des acessíveis e portanto é improvável que mitiguem substancialmente os efeitos do aumento dos custos de habitação Políticas mais eficazes para desenvolver e preservar moradias populares particularmente em bairros de alta oportunidade exigirão maior financiamento público e privado e apoio político O Voucher da Escolha da Habitação Housing Choice Voucher HCV é a principal fonte federal para financiar a habitação acessível O HCV administrado localmente pode subsidiar famílias de baixa renda a alugar casas particulares no mercado Recentemente o HUD propôs alterar as regras do HCV para permitir que os beneficiários de vouchers acessem bairros de alta qualidade Freeman Schuetz 2016 De acordo com o estudo de Galvez 2010 apesar de seu resul tado geralmente positivo o HCV ainda parece menos eficaz do que o programa LIHTC em permitir que famílias de baixa renda acessem bairros suburbanos de baixa pobreza Um Land Trust é uma forma alternativa de proteger a acessibilidade do alojamento e a diversidade da comunidade a nível local Por exemplo a Dudley Street Neighborhood Initiative Iniciativa do Bairro Rua Dudley uma entidade organizadora e organizadora sem fins lucrativos de base comunitária estabelecida em Boston forneceu com sucesso mais de 226 unidades de moradia permanen temente acessíveis na comunidade usando seu modelo testado pelo tempo Neste modelo a entidade fiduciária sem fins lucrativos possui a terra e a aluga para pro prietários de edifícios Os compradores podem comprar unidades habitacionais a preços com desconto e seu patrimônio nas propriedades é limitado a seus paga mentos iniciais com subseqüentes ganhos de valor modestos Transações futuras de seu patrimônio são restritas a um preço acessível PLANEJAMENTO E CAPITAL PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL A insuficiência de moradias populares também pode ser atribuída à fra ca capacidade do governo local no planejamento regional Segundo o relatório de Belsky et al 2013 página 65 o governo poderia criar Comissões de De senvolvimento Urbano e ou fundos de planejamento regional para iniciativas participativas a fim de abordar a frágil capacidade de planejamento regional de governança e investimento espacial Alguns estados podem considerar a adoção de regras de planejamento fle xíveis para comunidades com baixas taxas de acessibilidade por exemplo o Mas sachusetts 40B Lei de Licenças Abrangentes Comprehensive Permit Act que permite aos desenvolvedores anular o zoneamento local em áreas onde menos 74 de 10 do estoque residencial é acessível Desde que foi promulgada em 1969 estudos mostram que 40B responderam por 60 de todas as novas unidades acessíveis no estado Heudorfer et al 2007 22 DESENVOLVIMENTO COMERCIAL O crescimento econômico poderia desempenhar um papel central na pro moção da inclusão e da equidade se aproveitado para o benefício da baixa ren da e de outras populações historicamente vulneráveis A expansão econômica poderia trazer emprego e renda para populações de baixa renda O crescimento econômico pode aumentar as bases tributárias e portanto mais financiamento público para apoiar bens e serviços públicos que são necessários para apoiar as po pulações de baixa renda Mas estes não são processos automáticos Como os re cursos alcançam populações de baixa renda depende da formulação de políticas vontade política e esforços deliberados para garantir que a expansão econômica traga benefícios maiores possíveis INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO FINANCIAMENTO DE INCREMENTO FISCAL Os incentivos ao desenvolvimento econômico continuam sendo uma parte essencial dos esforços locais e estatais de políticas de desenvolvimento econômico Como ferramenta mais utilizada para promover o desenvolvimento econômico o Financiamento de Incentivos Fiscais Tax Increment Financing TIF é adota do para financiar o desenvolvimento local como infraestrutura em um distrito especificamente designado e os fundos normalmente em forma de títulos serão pagos por impostos de propriedade em alguns casos impostos sobre vendas incrementos coletados a partir do aumento do valor das propriedades dentro do distrito Em outras palavras os governos locais usam o TIF para destinar a receita do imposto sobre a propriedade a partir de aumentos nos valores avaliados dentro de um distrito designado da TIF O TIF é amplamente utilizado para projetos de redesenvolvimento co munitário e portanto desempenha um papel importante no desenvolvimento urbano equitativo Especificamente a maioria dos estudos de avaliação sobre TIF chegam à conclusão de que existe associação positiva entre a adoção de TIFs e o subsequente crescimento nos valores de propriedades residenciais resultados mais mistos para outras propriedades apesar de pouco ter sido provado se o crescimento é suficiente para cobrir as despesas e fazer o autofinanciamento do TIF Mais importante ainda o TIF ajuda a equilibrar a disparidade geográfica do crescimento econômico melhorando a infraestrutura e estimulando a revitaliza ção da comunidade apenas em certas áreas economicamente arruinadas 75 FERRAMENTAS DE ESTABILIZAÇÃO COMERCIAL Como indicado em um relatório da PolicyLink 2002 as ferramentas de Estabilização Comercial ajudam as comunidades a melhorar a força econômica de seus distritos comerciais vizinhos para reter residentes e atrair capital para me lhor atender às necessidades dos moradores e resistir às pressões de gentrificação Os elementos comuns da Estabilização Comercial incluem assistência de negócios direcionada investimento de capital ruas e calçadas diretrizes de design atração de negócios melhoria de fachadas e desenvolvimento comercial controlado pela comunidade os quais poderiam ser usados juntos ou independentemente Todos esses esforços de Estabilização Comercial têm que ser projetados e conduzidos por vários grupos de atores e idealmente uma organização poderia ser responsável na coordenação do processo Especificamente os residentes ou seus representantes devem participar na elaboração implementação e avaliação de frases das ferramentas de Estabilização Comercial pois precisam identificar suas necessi dades e visão de desenvolvimento comercial e garantir que os objetivos de desen volvimento sejam alcançados da maneira correta que eles desejam O governo local também pode contribuir através de vários apoios financeiros e melhoria de infra estrutura Os comerciantes locais devem ser envolvidos como uma das principais apostas no distrito comercial da vizinhança e podem fornecer ajuda valiosa com sua profunda compreensão do mercado e das necessidades locais 23 EMPREGO Uma vez que certas indústrias mais antigas da economia deixaram cidades de grandes centros urbanos comunidades de cor e residentes de baixa renda que originalmente trabalharam nessas indústrias enfrentaram inúmeras barreiras Como as forças de mercado não conseguem fornecer aos grupos desfavorecidos o mesmo nível de acesso a empregos e renda as agências governamentais organi zações sem fins lucrativos e comunidades devem trabalhar juntas para reduzir ou eliminar as barreiras econômicas e sociais que impedem que os grupos desfavore cidos realizem seus potenciais Enquanto as pessoas diferem em suas capacidades nunca há uma desculpa para deixar as populações vulneráveis fora do mercado de trabalho É responsabilidade e missão do governo e das organizações sociais garantir a inclusão social e a equidade USO DO FUNDO FEDERAL E INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO LOCAL PARA CRIAR MAIS EMPREGOS Um dos maiores fundos federais usados para prestar assistência a famí lias de baixa renda na crise econômica é o Fundo de Emergência de Assistência 76 Temporária para Famílias Necessitadas Temporary Assistance for Needy Fami lies TANF EF De acordo com Pavetti e LowerBasch 2011 o Fundo de Emergência do TANF colocou mais de 260000 adultos e jovens de baixa renda em empregos remunerados durante o período de recessão quando o desemprego era alto Os fundos da TANF EF foram utilizados para criar oportunidades de emprego principalmente das seguintes formas criação de empregos temporários como assistência infantil expandir o emprego no setor privado incentivando e subsidiando pequenas empresas que têm dificuldade de contratar ou intensificar a recessão subsidiar o salário de candidatos a TANF prontos para o trabalho e alterar os incentivos do empregador para contratálos e etc Muitos governos locais também usam o Abatimento do Imposto de Pro priedade para atrair as empresas que prometem trazer oportunidades adicionais de emprego para as comunidades locais Dalehite Mikesell e Zorn 2005 usam a frase stand alone property tax abatement programs ou SAPTAPsfique em pé programas independentes de redução de impostos prediais para caracterizar programas que 1 permitem uma redução total ou parcial da responsabilidade tributária sobre a propriedade para e ou parcelas de varejo 2 impor um limite de tempo para a redução 3 ter um propósito declarado além do alívio de altos impostos sobre a propriedade e 4 não precisam ser usados em conjunto com outros programas de desenvolvimento econômico estaduais ou locais O objetivo declarado da maioria dos SAPTAPs é o aumento do emprego ou da renda gerada na jurisdição que os oferece Wassmer 2009 Ao incentivar novos investimentos a redução de impostos aumentará ou manterá o emprego básico na comunidade incentivará o redesenvolvimento de áreas deterioradas eou estimulará o investimento em áreas específicas de uma comunidade Portanto a redução de impostos é um dos principais incentivos disponíveis ao governo local para promover o desenvolvimento econômico ABORDAGENS DE EMPREGO E PROGRAMAS PARA AJUDAR PESSOAS DE BAIXA RENDA A SEREM EMPREGADAS Segundo o relatório Abordagens e Programas de Emprego Inovador para Famílias de Baixa Renda do Instituto Urbano Martinson e Holcomb 2007 os programas de emprego poderiam ser categorizados em quatro classes todas com forte desenho e serviço pelo menos em escala moderada de aplicação implemen tação constante e resultados positivos A primeira é a preparação para o emprego com foco no serviço que inclui intervenções direcionadas especiais como o serviço de saúde mental para ajudar as pessoas de baixa renda a superar certas barreiras a serem empregadas 77 A segunda é a experiência baseada no emprego que inclui o uso de fun dos públicos para subsidiar o pagamento de salários dos empregadores por um período específico de tempo treinamento de trabalho temporário corretagem e outros serviços de apoio que são fornecidos por agências temporárias A terceira e provavelmente a mais sustentável e eficaz é o desenvolvi mento de habilidades que poderia ter como alvo os beneficiários da TANF As sistência Temporária para Famílias Necessitadas e os trabalhadores com baixos salários Os programas baseados em indivíduos são frequentemente servidos para o propósito de educação geral e incluem especificamente mudanças de instrução e currículo para habilidades básicas e educação póssecundária e auxílio financei ro Os programas baseados no empregador como iniciativas setoriais ou baseadas na indústria são mais orientadas para o trabalho e enfatizam o aprender fazendo A quarta categoria de programas de emprego é a renda e o apoio ao traba lho Ela pretende ajudar as famílias trabalhadoras a manter o emprego para pagar as contas Por exemplo a assistência pósemprego poderia ajudar os trabalhadores a acessar os apoios financiados com recursos públicos como o crédito do imposto de renda As estratégias de construção de ativos incentivam os trabalhadores a acumular recursos financeiros e a investilos no desenvolvimento da carreira Além disso iniciativas inovadoras estão reconsiderando como estabelecer não apenas empregos mas também empregos com salários e benefícios e oportu nidades de progresso na carreira Por exemplo o Banco Federal de Empréstimo Imobiliário de São Francisco Federal Home Loan Bank de San Francisco criou o Fundo de Emprego de Qualidade Quality Jobs Fund QJF qualityjobsfund org que é um Fundo de Doações Recomendadas de US 100 milhões alojado na Fundação Novo Mundo New World Foundation em Nova York Esse es forço está investindo em organizações intermediárias para expandir o capital em pequenas empresas locais permitindolhes criar empregos de alta qualidade em indústrias em crescimento para populações de baixa renda 24 EMPREENDEDORISMO A equidade empresarial é a segunda maior fonte de riqueza familiar após o capital próprio O empreendedorismo poderia oferecer um veículo para a au tosuficiência econômica a mobilidade e o desenvolvimento do bairro Laney 2013 Porque o empreendedorismo pode criar oportunidades de emprego que geralmente são preenchidas localmente e ampliar a base tributária local o que poderia melhorar o serviço público local por sua vez Mais importante ainda o empreendedorismo tem um efeito de transbordamento significativo sobre as atividades comerciais e sociais locais e portanto poderia promover a segurança 78 econômica para o bairro No entanto o empreendedorismo não deve ser consi derado como a rota primária para famílias de baixa renda alcançarem o empo deramento econômico porque é inerentemente arriscado e os custos relevantes podem ser intoleráveis para os grupos de baixa renda Ainda existem algumas barreiras enfrentadas por trabalhadores autônomos em áreas de baixa renda como a pesquisa de Kugler et al 2017 mostra que pro porções relativamente altas de trabalhadores autônomos em áreas de baixa renda são pessoas de cor negros e hispânicos e não têm mais do que o ensino médio em relação a trabalhadores autônomos em outras áreas As empresas em áreas de baixa renda têm menos funcionários têm uma folha de pagamento média menor e são mais propensas a não ter funcionários remunerados em relação aos negócios em outras áreas e etc PROGRAMAS DE EMPREENDEDORISMO FEDERAL No início dos anos 90 o Departamento do Trabalho dos EUA Depart ment of Labor DOL financiou dois programas de demonstração de trabalho autônomo e ambos provaram ser eficazes Kugler et al 2017 O objetivo desses programas de demonstração era descobrir se era viável promover o reemprego de trabalhadores desempregados ou cidadãos de baixa renda por meio da criação de pequenos negócios Desde 1993 o congresso autorizou os estados a estabe lecer programas de assistência autônoma selfemployment assistance SEA de acordo com as condições locais De acordo com a pesquisa do Instituto Aspen 2008 havia centenas de programas de microempresas nos EUA e 60 deles são financiados pelo governo federal Entre os programas federais 37 são patrocina dos pela Small Business Administration SBA GOVERNOS LOCAIS USO DE FUNDOS DE EMPRÉSTIMOS ROTATIVOS E PROGRAMAS DE TREINAMENTO PARA MELHORAR O EMPREENDEDORISMO LOCAL Um Fundo de Empréstimo Rotativo Revolving Loan Fund RLF é um conjunto de fundos do setor público e privado que emitem empréstimos de baixo custo e reciclam dinheiro à medida que os empréstimos são pagos O RLF oferece empréstimos a taxas inferiores às do mercado para ajudar pequenas empresas lo cais que tenham dificuldade em obter recursos financeiros de bancos tradicionais Os RLFs possuem fontes de várias agências e fundações federais Por exemplo em 2010 existem 146 fundos de Instituições Financeiras de Desenvolvimento Comunitário e seu valor total é de US 55 bilhões Como sugerido pelo De partamento de Agricultura 1996 os RLF são atraentes porque em princípio eles 79 são autorenováveis tornam o crédito mais disponível são uma maneira barata de fornecer assistência de crédito emprestar a tomadores de alto risco usar efetivamente seus recursos limitados e proporcionam benefícios às comunidades locais que excedem o custo da assistência Em contraste com os programas de treinamento profissional os Programas de Treinamento Profissional financiados por governos estaduais ou locais são projetados para subsidiar os custos de treinamento dos negócios locais A maio ria dos programas de treinamento personalizados financiados pelo Estado tem como gruposalvo de trabalhadores que são empregados por uma empresa em particular eles atendem a uma gama mais ampla de trainees estagiários que são menos desfavorecidos em comparação com os estagiários de programas federais de treinamento Isso significa que os programas estaduais de treinamento são vis tos mais como uma ferramenta para o desenvolvimento econômico do que como um investimento em capital humano FACULDADE COMUNITÁRIA COMMUNITY COLLEGE PODERIA DESEMPENHAR UM PAPEL IMPORTANTE Como indicado por McKay et al 2014 existem mais de 1200 faculdades comunitárias nos Estados Unidos que oferecem cursos de educação e treinamen to para empreendedores atuais e futuros As faculdades comunitárias são mais adequadas para a implementação de iniciativas de empreendedorismo de baixa renda do que a maioria das universidades de quatro anos e outras instituições de ensino porque 1 as faculdades comunitárias são mais acessíveis e equipadas para oferecer educação profissional e treinamento de habilidades aos estudantes de baixa renda 2 as faculdades comunitárias podem personalizar programas espe cíficos de acordo com as condições sociais e econômicas locais e as necessidades locais 3 as faculdades comunitárias têm conexões melhores e mais amplas com empresas locais bemsucedidas e governos locais o que potencialmente poderia ser favorável para potenciais empreendedores Por exemplo a Associação Nacional de Empreendedorismo de Colégio Comunitário National Association for Community College Entrepreneurship NACCE é uma organização membro de mais de 300 faculdades comunitárias que representam quase 2000 funcionários Presidentes educadores administra dores e diretores de centro estão focados em estimular o empreendedorismo em sua comunidade e em seu campus Os objetivos estratégicos do NACCE in cluem liderança de pensamento que é ampliar e influenciar o comprometimento das faculdadescomunitárias com uma abordagem empreendedora na operação fornecer informações e plataforma para promover o compartilhamento de co nhecimento e rastreamento de resultados para as faculdades comunitárias e re 80 conhecer e celebrar as melhores práticas Podese ver que mais e mais faculdades comunitárias estão cientes de sua capacidade e responsabilidade de fomentar o empreendedorismo local e aderir ao NACCE é apenas uma das várias estratégias e esforços que estão empreendendo 3 CASOS EXEMPLOS DE ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR AS OPORTUNIDADES PARA POPULAÇÕES DE MENOR RENDA Caso 1 Bay Area of California Estado e Desafios do Desenvolvimento Equitativo na Área da Baía 1 Diversificando a composição racial Figura 1 Composição racial étnica São FranciscoOaklandFremont CA Metro Area Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 A tendência de desenvolvimento da composição racial na área da baía é consistente com a tendência nacional dos EUA em que se espera que as pessoas de cor se tornem a maioria da população em torno de 2044 Com a crescente proporção de asiáticos e latinos em 2050 esperase que a população da área da baía seja quase igualmente dominada por latinos asiáticos e brancos portanto o bemestar social e econômico das pessoas de cor é ainda mais crítico para lidar com questões de crescimento equitativo e prosperidade geral 81 2 Aumentar a desigualdade de renda e ampliar o hiato de renda racial Figura 2 Desigualdade de renda índice de Gini São FranciscoOaklandFremont CA Metro Area Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 O Índice de Gini14 para a Área Metropolitana de San Francisco tem au mentado desde 1980 apesar de o Índice de Gini da Área da Baía ter sido mantido no mesmo nível da desigualdade de renda nacional Figura 3 Participação de trabalhadores que ganham pelo menos US 15 hora por raça etnia São FranciscoOaklandFremont CA Metro Area Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Pode ser visto na Figura 2 acima que a menor diferença de renda entre dife rentes grupos raciais está aumentando Em 1980 89 dos trabalhadores brancos podiam ganhar pelo menos US 15 por hora e era 79 por trabalhador de cor enquanto em 2015 o número foi aumentado para 91 para trabalhadores bran cos enquanto a proporção de trabalhadores de cor diminuiu para 76 14 NT O Índice de Gini que pode ser conhecido como Coeficiente de Gini é um instrumento matemático utilizado para medir a desigualdade social de um determinado de uma região país unidade federativa ou município 82 3 Nível médio de encargos de habitação mas sério proprietário de casa racial Figura 4 Carga habitacional por posse classificado San FranciscoOaklandFremont Área metropolitana do CA 2015 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Figura 5 Porcentagem de domicílios ocupados pelo proprietário por raça etnia San FranciscoOaklandFremont Área metropolitana do CA 2015 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Embora o nível de carga domiciliar da Área da Baía seja mais ou menos clas sificado na posição intermediária do espectro em comparação com outras regiões americanas o desequilíbrio racial significativo na propriedade imobiliária na Área da Baía nunca deve ser ignorado A habitação é o maior gasto individual para a maioria das famílias especialmente para aqueles de baixa renda ou pessoas de cor portanto o desequilíbrio na propriedade de casas pode asseverar a desigualdade através da redução dos recursos e despesas dos grupos desfavorecidos de pessoas 83 ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO HABITAÇÃO ACESSÍVEL COMO A PRIORIDADE MÁXIMA A cidade de São Francisco tornou a acessibilidade de moradias uma das principais prioridades A atenção à acessibilidade da habitação é aparente na es trutura das agências habitacionais da cidade O Gabinete de Habitação do Prefei to e o Escritório de Desenvolvimento Comunitário do Prefeito são responsáveis pela administração dos fundos de habitação e do Subsídio de Desenvolvimento Comunitário Community Development Block Grants CDBG nos bairros incluindo fundos comunitários de reabilitação de moradias respectivamente Outros departamentos oficiais relevantes à habitação incluem o Departamento de Planejamento o Conselho de Estabilização de Aluguel a autoridade habitacional de São Francisco e a agência de redesenvolvimento de São Francisco A cidade também fez inovações significativas em programas e iniciativas habitacionais de baixo custo como o Programa Melhores Bairros que inclui a identificação de locais adequados para o desenvolvimento de moradias Política Habitacional In clusiva que exige um mínimo de 10 de moradias populares em novos projetos de desenvolvimento habitacional Além disso para os projetos de planejamento de São Francisco 6 de 18 residências e bairros são relevantes Devido às pressões da redução do apoio financeiro federal para a demanda crescente de moradias populares para o desenvolvimento habitacional de taxa de mercado em São Francisco organizações nãogovernamentais como corpo rações estabelecidas pela comunidade fundações e outras organizações sem fins lucrativos desempenham papéis mais importantes o inevitável desenvolvimento equitativo O HUD iniciou um programa denominado Demonstração de As sistência ao Locatário Rental Assistance Demonstration RAD em 2012 para permitir que as cidades transferissem voluntariamente suas moradias públicas para operadores privados São Francisco transferiu 100 de sua habitação pú blica em uma forma de privatização com características San Franciscanas que proíbe empreendimentos prólucro possuírem totalmente as habitações públicas mas exigiam que os novos proprietários de habitação pública fossem pelo menos parcialmente sem fins lucrativos Portanto as corporações de desenvolvimento de moradias com fins lucrativos e entidades sem fins lucrativos como agências de desenvolvimento econômico e fundações moldaram o desenvolvimento eqüi tativo da habitação acessível e da diversidade da comunidade de São Francisco Por exemplo a Corporação de Desenvolvimento Habitacional de São Francisco the San Francisco Housing Development Corporation SFHDC formada em 1988 por residentes de San Francisco que estavam interessados em combater o desalojamento generalizado dos anos 60 e 70 já desenvolveu 400 casas acessíveis e 755 em desenvolvimento atualmente Além de seu principal negócio no desenvolvimento de moradias populares o SFHDC também está 84 envolvido em capacitação financeira serviços de apoio à comunidade e desenvol vimento local Para a corporação de desenvolvimento nos bairros por exemplo a Tenderloin Neighborhood Development Corporation TNDC Corporação de Desenvolvimento de Bairro de Tenderloin é a vanguarda de São Francisco na promoção de oportunidades e recursos equitativos A TNDC oferece residências e serviços a preços acessíveis para mais de 4100 moradores de baixa renda em seis bairros da região da baía Para resolver o dilema entre desenvolvimento eco nômico de vizinhança e capital residencial a TNDC estabeleceu uma abordagem simse para novos projetos de desenvolvimento novos projetos são bemvindos se puderem reduzir os efeitos negativos sobre os moradores do bairro e garantir que os moradores compartilhem os benefícios das mudanças do bairro Além dos desenvolvedores de moradias populares com fins lucrativos ou sem fins lucrativos várias fundações também participaram ativamente do proces so de desenvolvimento investindo em desenvolvedores ou empresas de investi mento envolvidas no negócio de moradias populares Por exemplo a Fundação São Francisco que é uma das maiores fundações comunitárias em termos de do ações e ativos está investindo milhões de dólares em moradias populares na área da baía A Fundação recentemente fez um Investimento Relacionado ao Progra ma PRI de US 1 milhão na Corporação de Apoio a Iniciativas Locais LISC que recebe financiamento de bancos corporações e agências governamentais e investe para fornecer financiamento empréstimos subvenções e capital próprio e assistência técnica e administrativa a parceiros locais e desenvolvedores Caso 2 Londres Inglaterra Estado e Desafios do Desenvolvimento Equitativo em Londres 1 Diversificação mas ainda composição racial dominada por brancos 85 Figura 6 Composição racial étnica Londres Inglaterra Fonte de dados Censo do Reino Unido 1991 2001 2011 A composição racial de Londres é menos diversificada do que as cidades americanas Apesar da mesma tendência de diminuir gradualmente a proporção de brancos a população de Londres ainda é dominada pelo grupo branco No entanto a porcentagem crescente de grupos asiáticos e brancos ainda pode trazer desafios consideráveis para o desenvolvimento equitativo étnico em Londres 2 Aumentar continuamente a desigualdade de renda com uma dimen são racial 2001 2007 2012 Figura 7 Distribuição de renda das alas Londres Inglaterra Fonte de dados London DataStore Na figura 7 acima o eixo horizontal é o intervalo de renda e o eixo verti cal é o número de alas em Londres no nível de renda média Podese ver que a distribuição de renda em diferentes alas em Londres está crescendo e se tornou mais distorcida o que significa que mais alas em Londres estão em intervalos de renda relativamente baixa Além do desequilíbrio seccional geográfico ou admi nistrativo na renda as minorias em Londres também estão atrasadas em termos de crescimento da renda De acordo com o relatório do think tank Resolution Foundation15 as minorias étnicas no Reino Unido sempre estiveram num estado de pior padrão de vida do que suas contrapartes brancas 3 Residência racial desequilibrada mas aluguel social relativamente efetivo De acordo com o relatório do Censo do Reino Unido sobre Tendências na Habitação 2013 a proporção na ocupação dos proprietários de brancos dimi nuiu entre 1991 e 2011 de 593 para 545 mas no mesmo período a ocupa ção dos proprietários caiu em mais significativamente 581 em 1991 para 495 por cento em 2011 Com o aumento do número de lares negros o aluguel privado 15 A Resolution Foundation é um think tank britânico independente estabelecido em 2005 Seu objetivo declarado é melhorar o padrão de vida das famílias de baixa e média renda httpswwwresolutionfoundationorg 86 aumentou mais de 400 de 1991 para 2011 mas com um crescimento relativa mente menor na taxa de compra de imóveis A taxa de aquisição de casa para a etnia negra ainda é significativamente menor do que suas contrapartes brancas ou asiá ticas No entanto como pode ser visto na tabela a seguir os programas de aluguel social em Londres são relativamente bemsucedidos e ajudaram a fornecer moradia para os grupos vulneráveis como deficientes ou desempregados em Londres Tabela 1 Atividade Econômica por Posse Londres 2011 Fonte Relatório do Censo do Reino Unido Trends in Housing Tenure 2013 HABITAÇÃO A PREÇOS ACESSÍVEIS A cidade de Londres está tentando incorporar mais voz dos cidadãos no desenvolvimento de sua estratégia geral de moradia A abrangente Estratégia de Habitação de Londres é elaborada pelo gabinete do prefeito e em seguida pu blicada como um esboço para consulta pública em 2017 A visão e prioridades principais incluem os seguintes pontos construção de mais casas para os lon drinos entrega de casas genuinamente acessíveis casas de alta qualidade e bair ros inclusivos um acordo mais justo para locatários e arrendatários privados e combater a falta de moradia e ajudar os que dormem mal Especificamente para oferecer moradias acessíveis os principais estão comprometidos com uma meta estratégica de longo prazo para metade dos empreendimentos habitacio nais ser acessível principalmente através da institucionalização do sistema de planejamento para garantir a proporção de moradias populares tipicamente 35 em cada zona habitacional Novos projetos de desenvolvimento e inves 87 timento de 315 bilhões para apoiar 90000 entradas a preços acessíveis em 2021 Como uma das peçaschave da London Housing Strategy Estratégia Ha bitacional de Londres o Affordable Homes Program201621 Programa de casas acessíveis 201621 é composto por três produtos principais o London Affordable Rent Alugueis Acessíveis de Londres aloca casas alugadas de baixo custo a residentes de baixa renda o London Living Rent Bolsa Sustento de Lon dres ajuda os londrinos com rendimentos médios a economizar Um depósito para comprar sua primeira casa e a London Shared Ownership Propriedade Compartilhada de Londres entrega a propriedade da casa para aqueles que não podem comprar casas usando o modelo de propriedade compartilhada Outras organizações também investirão em novas casas acessíveis Os subsídios serão fornecidos pelos conselhos e associações habitacionais por meio de recibos de direito à compra pagamentos em dinheiro de desenvolvedores e subsídio cru zado de vendas Os promotores de habitação privada também são encorajados a adotar o modelo Build to Rent construir para alugar em vez do principal modelo Buy to Let Comprar para Deixar no mercado para constituir mais oferta de habitação Entre as organizações sem fins lucrativos associações habitacionais independen tes e beneficentes e conselhos locais são as principais entidades que oferecem moradias populares para pessoas de baixa renda Como o grupo das 15 maiores associações habitacionais de Londres o G15 defende economicamente o inves timento em moradias populares e avalia o impacto das políticas de habitação e bemestar do governo De acordo com um estudo recente do G15 as associações habitacionais responderam às condições econômicas recentes e ao novo clima de financiamento por serem mais inovadoras na forma como financiam novas moradias a preços acessíveis No entanto o investimento do governo ainda é fundamental e sustenta a entrega de casas a preços acessíveis O G320 que é o grupo de 320 associações habitacionais menores também poderia ajudar no desenvolvimento e gerenciamento ou até mesmo assumir a propriedade de pequenos projetos de desenvolvimento No nível da comunidade o prefeito de Londres está apoiando o novo Centro de Habitação de Londres liderado pela comunidade para fornecer orientação sobre moradia orientação rede e apoio prático para a comunidade Caso 3 New York City Estado e desafios do desenvolvimento equitativo na cidade de Nova York 88 1 diversificação intensiva da composição racial Figura 8 Composição racial étnica New York City NY Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 A tendência de desenvolvimento da composição racial na cidade de Nova York também é consistente com a tendência nacional apesar de a porcentagem de população branca diminuir mais lentamente em comparação com a área da baía No entanto latinos negros e asiáticos como os principais grupos minori tários ainda contribuem para mais de 60 da população total de Nova York em 2015 Devido à diversidade racial e inclusão de NYC o desenvolvimento equi tativo em termos de equidade racial está se tornando um desafio cada vez mais difícil para a cidade 2 Aumentando drasticamente a desigualdade de renda e aumentando a diferença de renda racial 89 Figura 9 Desigualdade de renda índice de Gini New York City NY Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Figura 10 Participação de trabalhadores que ganham pelo menos US 15hora por raçaetnia Nova York NY Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Comparado com a área da baía a situação em Nova York é ainda pior Ín dice de Gini de NYC foi significativamente maior do que o nível médio nacional e ainda está aumentando A diferença entre as ações16 dos Brancos e das Pessoas de Cor ganhando pelo menos 15hora aumentou de 7 em 1980 para 16 em 2015 o que significa que em Nova York a proporção de pessoas negras que não podem arcar com as necessidades básicas da família aumentou significativamente enquanto para pessoas brancas esta proporção permanece relativamente estável 3 Alto nível de sobrecarga habitacional com uma propriedade extre mamente desigual Figura 11 Carga habitacional por posse classificado New York City NY 16 Ações no sentido de ganhos financeiros 90 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Figura 12 Porcentagem de lares ocupados pelo proprietário por raça etnia New York City NY 2015 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Do ponto de vista da sobrecarga imobiliária e da aquisição de imóveis a cidade de Nova York também é mais desigual em comparação com a área da baía portanto os esforços de desenvolvimento equitativo são mais urgentemente necessários em Nova York Além da alta carga imobiliária e das baixas taxas de aquisição de imóveis em Nova York a casa própria em Nova York é extremamen te desigual de modo que apenas 155 dos latinos em média são proprietários de domicílios enquanto a proporção de suas contrapartes de brancos e asiáticos é tão alta quanto 418 e 398 relativamente em 2015 GOVERNO DOMINOU A HABITAÇÃO ACESSÍVEL A cidade de Nova York estabeleceu um plano abrangente de habitação de 10 anos chamado Housing New York Nova York Habitações e destinou US 82 bilhões para subsidiar moradias populares O plano Nova York Habitações inclui vários programas que abrangem todo o espectro de acessibilidade de mo radias desde a promoção de bairros diversificados e habitáveis preservando a qualidade econômica de moradias existentes até a construção de novas moradias acessíveis e a promoção de residências para idosos semteto e de apoio Em pri meiro lugar a equidade é enfatizada como um dos principais princípios para o planejamento da cidade de Nova York Como afirmam os princípios de plane jamento municipal a cidade usa políticas e ferramentas de zoneamento para melhorar o acesso de todos os novaiorquinos a moradias populares alimentos saudáveis e frescos qualidade em espaços abertos e outros serviços essenciais da vizinhança O Conselho da Cidade de Nova York modificou o Zoneamento para o texto de qualidade e acessibilidade em 2016 para atualizar as regras de 91 zoneamento desatualizadas para ser adequado para design residencial moderno e construção de habitação a preços acessíveis Além dos programas existentes de IH Voluntário de NYC Inclusionary Housing Habitação Inclusiva do R10 adotado em 1987 e do IHDA ado tado em 2005 os programas de Habitação Inclusiva Obrigatória Mandatory Inclusionary Housing MIH foram lançados em 2016 para tornar a moradia acessível obrigatória e foi considerada política mais forte e flexível do país O MIH combina subsídios da cidade e investimentos nos bairros e a Comissão de Planejamento da Cidade de Nova York e a Prefeitura determinam a porcentagem de reservas de habitação a preços acessíveis baseandose nos níveis de renda da área quando a nova capacidade habitacional é aprovada Além do papel dominante desempenhado pelo governo da cidade há tam bém muitas organizações sem fins lucrativos ou associações ajudando a construir habitações acessíveis e desempenhando funções suplementares como resumir fatos coletar informações e realizar campanhas para promover habitação e de senvolvimento econômico equitativo em nível de distrito ou bairro O Comitê da Quinta Avenida Fifth Avenue Committee FAC uma organização comu nitária sem fins lucrativos que trabalha na construção de moradias populares e no treinamento de moradores para ter negócios cooperativos nos bairros iniciou uma campanha junto a outras organizações da cidade de Nova York para incen tivar os proprietários a não deslocar inquilinos e exigirem o desenvolvimento de moradias a preços acessíveis incluído no desenvolvimento habitacional de taxa de mercado A Associação para o Desenvolvimento de Vizinhança e Moradia ANHD Association for Neighborhood and Housing Development é a orga nização guardachuva de 100 grupos de habitação econômica e desenvolvimento econômico sem fins lucrativos atendendo a residentes com renda baixa e mode rada em todos os cinco distritos de Nova York A ANHD lançou a Equitable Economic Development Initiative Iniciativa de Desenvolvimento Econômico Equitativo examinando todos os bairros de Nova York em busca de sua opinião sobre as oportunidades econômicas ameaçadas A ANHD também iniciou uma campanha para enfatizar os tipos de empregos criados pelo desenvolvimento eco nômico para garantir que empregos decentes sejam criados para aqueles que são deixados de fora SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES EM ESTRATÉGIAS PARA ESTRATÉGIAS HABITACIONAIS ACESSÍVEIS Em primeiro lugar todas estas três cidades enfatizam a importância da acessibilidade da habitação A promoção da diversidade de áreas residenciais ou 92 habitações inclusivas é também uma das principais perspectivas dos esforços das cidades para melhorar a habitação a preços acessíveis Além disso os governos das três cidades usaram abordagens semelhantes para lidar com moradias populares Do lado da oferta enquanto a confiança das três cidades nas soluções de mercado aumentou e a habitação mais acessível é for necida pelo setor privado a habitação acessível é produzida principalmente pelo sistema de ordenamento do território que requer uma percentagem mínima de habitação a preços acessíveis quando a capacidade de desenvolvimento da taxa de mercado é aprovada Isso poderia ser chamado de soluções baseadas em projetos no lado da oferta Do lado da demanda os aluguéis ou vouchers subsidiados são a principal forma de apoio habitacional a preços acessíveis pelo governo ou a abordagem baseada em inquilinos Para Londres e Nova York uma grande porcentagem dos recursos da ci dade foi usada para ajudar as famílias de renda mediana a maioria das quais estão dentro da força de trabalho convencional Marom e Carmon 2015 Lon dres publicou várias estratégias sobre desenvolvimento social e econômico e os cidadãos parecem estar mais envolvidos nesse processo de elaboração de estra tégias Além disso Londres também superou suas cidades parceiras em termos de compartilhamento de informações e utilização de tecnologia da informação Londres não só publicou seus relatórios de política do governo bem organizados e informações relevantes para os inquilinos online mas também planeja criar um portal de propriedade online chamado Casas para os londrinos Homes for Londoners para fornecer recursos de arrendamento em Londres Embora entidades sem fins lucrativos sejam um dos fatoreschave que mol dam a moradia acessível para todas as três cidades elas são mais influentes na área da baía porque todas as moradias públicas privatizadas são hospedadas por enti dades sem fins lucrativos em alguma extensão As corporações de desenvolvimen to de bairro sem fins lucrativos da Bay Area também estão ativamente engajadas no desenvolvimento e arrendamento de moradias acessíveis CONCLUSÕES Embora numerosas políticas tenham sido instituídas e várias organizações estejam discutindo e desenvolvendo estratégias para maior acessibilidade muitas questões permanecem Como essas grandes cidades continuam a atrair capital empreendimentos residenciais e comerciais e residentes de renda mais alta elas são desafiadas a equilibrar o crescimento econômico com políticas para incenti var maior acessibilidade Esforços genuínos para expandir o acesso às moradias populares teriam que intencional e substancialmente promover alguma forma de 93 crescimento equitativo Dado o papel significativo da raça na limitação do acesso a opções de moradia de qualidade o caminho para o crescimento equitativo de veria incluir uma ênfase na equidade racial Além disso a equidade para comunidades de renda historicamente baixa e vulneráveis transcende a acessibilidade da moradia O acesso a empregos de qualidade educação transporte assistência médica ar limpo e outros fatores são condições importantes para as populações vulneráveis Portanto a amplitu de das estratégias públicas e nãogovernamentais necessárias para promover um crescimento equitativo supera de longe qualquer iniciativa já implementada Os formuladores de políticas em todos os níveis devem considerar seriamente como organizar e garantir um capital maior para permitir abordagens mais abrangentes para garantir a equidade em todos os contextos Isso é especialmente verdadeiro em áreas onde a falta de acessibilidade atingiu níveis de crise como na Bay Area em Londres e na cidade de Nova York A magnitude do desafio requer uma polí tica mais substancial e melhor financiada Além disso as circunstâncias acabam por transcender o setor público Polí tica deve liderar o caminho No entanto recursos entre setores são necessários Os governos locais e organizações sem fins lucrativos com base na comunidade pode realizar somente tanto Desenvolvedores privados devem aumentar seu compro misso com a acessibilidade Instituições âncoras que perduram em comunidades tais como instituições de ensino superior instituições de saúde organizações filan trópicas várias corporações privadas comprometidas localmente e outras devem preencher alguns dos vazios criados pela desigualdade Estratégias intencionais para aproveitar coletivamente os recursos dessas diversas entidades ajudariam a gerar um pensamento inovador sobre equidade Essas instituições têm interesse no futuro de suas localidades e regiões já que suas perspectivas são interdependentes com o ambiente ao redor As instituições não podem funcionar efetivamente se os funcio nários não puderem viver razoavelmente próximos por exemplo Embora a liderança e a responsabilidade institucionais sejam importantes também é crucial lembrar que as populações mais afetadas pela desigualdade trazem grande sabedoria para nossa compreensão do efeito e das soluções para a desigualdade persistente É crucial incluir as vozes das populações historicamen te marginalizadas na concepção e implementação de estratégias equitativas As experiências vividas de populações de baixa renda e comunidades de cor devem desempenhar um papel essencial na pavimentação dos caminhos equitativos do futuro REFERÊNCIAS BEAUREGARD RA 1986 The chaos and complexity of gentrification The gentrification of 94 the city pp35550 BEAUREGARD RA 1990 Trajectories of neighborhood change the case of gentrifica tion Environment and planning A 227 pp855874 BELSKY ES DuBroff N McCue D Harris C McCartney S and Molinsky J 2013 Advancing inclusive and sustainable urban development Correcting planning failures and connecting communities to capital Joint 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Economics 411 pp128 97 O MUSEU DAS REMOÇÕES DA VILA AUTÓDROMO LUTA POLÍTICO AFETIVA PELA RECONSTRUÇÃO DA VIDA DOS GRUPOS ATINGIDOS PELAS REMOÇÕES OLÍMPICAS DO RIO DE JANEIRO Diana Bogado17 Daniela Petti18 O presente artigo tem como proposta apresentar o Museu das Remoções da Vila Autódromo como parte da luta pelo direito à cidade e à vida articulada pelo movimento social urbano do Rio de Janeiro às vésperas dos megaeventos esportivos Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 O Museu das Remoções é um museu social construído coletivamente pela comunidade Vila Autódromo a partir da realização do projeto de extensão do curso de Arquitetura e Urbanismo da universidade Anhanguera O objetivo deste museu ao ser criado é apoiar a resistência à remoção integral da Vila Autódromo e denunciar as consequências políticas sociais subjetivas e simbólicas da mercan tilização do território do Rio de Janeiro Neste contexto o referido museu apresentase como parte da luta afetiva e criativa que busca a regenaração da vida dos indivíduos atingidos pela remoção quase integral da Vila Autódromo levada a cabo pela prefeitura municipal do Rio de Janeiro de 2014 a 2016 A resistência que deu origem a este museu social pretende realizar a denúncia global da referida política remocionista a reestru turação da vida dos moradores atingidos pelas remoções assim como apoiar as comunidades que lutam pelo direito à moradia em diferentes partes do mundo19 17 Diana Bogado é ativista arquiteta e urbanista Doutora pela na Universidade de Sevilha com a tese intitulada Museu das Remoções da Vila Autódromo Potência de resistência criativa e afetiva como resposta socicultural ao Rio de Janeiro dos megaeventos e pesquisadora pósdoutoral vinculada ao Departamento de Museologia Social da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa e ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra coordenou como professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Anhanguera Niterói o projeto de extensão universitária que deu origem ao Museu das Remoções 18 Daniela Petti é antropóloga Doutoranda em Antropologia Social PPGASUFRJ Mestre em Sociologia e An tropologia PPGSAUFRJ Graduada em Ciências Sociais pela Fundação Getulio Vargas CPDOCFGVRio e ativista pelo direito à habitação 19 Este artigo possui fragmentos e ideias já apresentadas na tese de doutorado de Diana Bogado complementadas 98 INTRODUÇÃO A preparação do Rio de Janeiro neoliberal20se intensifica na realização dos megaeventos esportivos Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 sendo responsável por uma alteração socioterritorial significativa na cidade O período contextualizase com o momento histórico de implantação do empreendedoris mo urbano em diversas metrópoles do mundo Harvey 2005 2011 Tratase de uma nova forma de gestão que assume as características do mercado global na era das finanças Arantes 2000 das quais destacamse a rapidez das negociações e a soberania dos interesses privados no redesenho do espaço urbano Aguilera e Naredo 2009 O empreendedorismo urbano é o fenômeno que caracteriza a influência das ideias neoliberais na política urbana Harvey 1996 Harvey identificou o momento de passagem do administrativismo para o empreendedorismo urbano ao analisar as mudanças que estavam ocorrendo nas cidades americanas na déca da de 1970 tanto nos seus ambientes como nas referidas gestões institucionais Estas mudanças permanecem até os dias atuais tendo chegado nas metrópoles dos países periféricos na década 1990 como ocorreu com o Rio de Janeiro21 O empreendedorismo urbano sugere que a gestão da cidade se estabeleça nos mol des de uma gestão empresarial o que altera significativamente a condução da política urbana que passa a submeter a reconfiguração territorial aos processos de valorização do capital de forma altamente veloz A base do empreendedoris mo é a formação de alianças políticas e de classe o que significa que este modelo ultrapassa processos meramente administrativos da gestão Harvey 1996 p 52 A preparação da cidade neoliberal não foge às regras reproduzidas pelo sis tema coloca os interesses empresariais à frente dos interesses coletivos o projeto que emerge com a implantação da estrutura neoliberal carrega consigo a reto mada do poder pelas classes dominantes Harvey 2005 Guy Debord 1969 descreve o fenômeno como espetacularização urbana Lefebvre 1973 comple menta que esta transformação socioterritorial consiste na sobreposição do espa com reflexões trazidas pela antropóloga Daniela Petti As autoras apresentam reflexões de três anos de militância conjunta pelo direito à habitação no Rio de Janeiro tendo vivenciado juntas a imersão na Vila Autódromo durante as olimpíadas hospedadas na casa da Dona Maria Penha trabalham como cogestoras do Museu das Remoções junto aos demais apoiadores e moradores da Vila Autódromo desde a sua criação 20 O neoliberalismo surge no direcionamento do pensamento políticoeconômico entre as décadas de 19701980 Harvey 2005 21 A neoliberalização de cidades se coloca em curso no Brasil com a implementação do planejamento estratégico no Rio de Janeiro pelo exprefeito César Maia 19931996 O Planejamento estratégico adotado no primeiro mandato do exprefeito Cesar Maia também foi modelo a ser seguido nas Olimpíadas Rio 2016 na ocasião o exprefeito Eduardo Paes assinou um acordo de cooperação entre Rio de Janeiro e Barcelona cuja intenção era basearse no modelo implantado na Barcelonaolímpica para reafirmar a orientação do Rio de Janeiro para o turismo e para o consumo Consentino 2015 O que de fato ocorreu 99 ço concebido sobre o espaço vivido Esta perspectiva entiende que el espacio es producido respondiendo a las reglas imperantes de acumulación capitalista adecuándose a las reglas del mercado En la etapa neoliberal se hace aún más recalcitrante la condición de mercancía del espacio Lefevbre 1973 Harvey 1985 Franquesa 2007 apud Makhlouf 2016 A concepção mercadológica de gestão urbanística converte o território em um ativo financeiro e desconsidera as políticas de inclusão social Harvey 2016 Rolnik 2016 O resultado é a violação do direito à cidade o qual inclui diversos direitos como o de moradia e o de informação Rolnik 2016 Santos 2013 Nesse contexto Harvey complementa que os megaeventos emergem como o cerne da cidade transformada em ativo financeiro marcada com códigos de barras e exposta nas gôndolas dos mercados mundiais Harvey 201622 No caso do Rio de Janeiro às vésperas das Olimpíadas Rio 2016 a Prefei tura removeu arbitrariamente inúmeras favelas com a finalidade de desencadear processos de valorização imobiliária em diversas partes da cidade Segundo da dos 22059 famílias23 foram removidas nos anos que antecederam o megaevento Territórios antes ocupados por populações de baixa renda tornaramse espaços modelos produtos de um urbanismo burocrático Jacobs 2013 ou mercadó filo Mascarenhas 2016 O objetivo desse texto é descrever e refletir sobre o caso de remoção da favela Vila Autódromo situada na Zona Oeste da cidade brasileira do Rio de Janeiro uma favela que foi quase integralmente removida na qual vinte famí lias conseguiram resistir e permanecer morando no local Trazemos para debate como a remoção de favelas inserese nos dias atuais como uma estratégia dentre outras intenções institucionais para controle das populações marginais assim como para a regulação de condutas destes indivíduos ao ponto de fazer parte das tecnologias de governo para a gestão da vida em territórios urbanos A partir da descrição do cenário de remoção narramos também a emergência do Museu das Remoções24 museu comunitário como ferramenta da resistência popular e forma de reabitar a vida em meio à devastação A metodologia utilizada se desdobra na realização de observação direta e participante Becker 1993 tanto do cotidiano dos moradores durante o proces 22 Anotações da autora da aula proferida pelo professor David Harvey na Praça da Cinelândia Rio de Janeiro em Setembro de 2016 23 Disponível em httpolimpiadasuolcombrnoticiasredacao20160721olegadodasremocoesnoriovio lenciadividasepovonamaodemiliciashtm Acesso em dez 2017 24 Ressaltase que o referido projeto de extensão universitária da Universidade Anhanguera coordenado pela ar quiteta e urbanista Diana Bogado foi desenhado no âmbito do ativismo de resistência à remoção da comunidade Vila Autódromo no qual os moradores foram protagonistas da luta e das ideias que desenharam este museu em conjunto com os ativistas Diana Bogado Daniela Petti autoras deste artigo Luiza de Andrade Thainã de Me deiros Alexandre Magalhães Mário Chagas entre outros cocriadores e cogestores do Museu das Remoções 100 so de remoção como das atividades do Museu das Remoções oficinas de me mória por exemplo Além disso em diversos momentos ao longo desses anos conversas livres e entrevistas direcionadas foram realizadas com diferentes mora dores Vale ressaltar que ambas as autoras lutaram junto à comunidade pelo di reito à permanência da Vila Autódromo e são consideradas pelos moradores ati vistas e apoiadoras da resistência popular o que tem seus impactos na prática da pesquisa A identidade de apoiadoras da causa coletiva facilita nosso trânsito nos espaços observados bem como as negociações para a realização de entrevistas Mais do que isso o fato de sermos também cocriadoras e cogestores do Museu das Remoções na medida em que participamos tanto de sua gênese como dos trabalhos que se seguem até o presente momento 2018 dois anos posteriores de sua criação nos dá acesso privilegiado a informações Devido à intensa inserção e participação das autoras nas práticas políticas de seus interlocutores em muitos momentos do texto é utilizado o discurso direto O museu foi criado a partir da realização de um projeto participativo entre a universidade e a comunidade que apresentase como possibilidade de inclu são da população na construção da cidade uma vez que questiona de modo propositivo as determinações da prefeitura sobre o território urbano As propos tas participativas se contrapõem à prática do planejamento urbano autoritário própria do empreendedorismo urbano que não possui canais de diálogo com a população O método participativo é aberto sua aplicação é estratégica e não programática Montañés 2009 as ferramentas metodológicas apontam para a construção conjunta de soluções que visam à transformação social Desta forma a construção do Museu das Remoções consiste na própria demanda dos morado res da Vila Autódromo e reivindica a inclusão na produção da cidade A REMOÇÃO DA VILA AUTÓDROMO E A GESTÃO ESTATAL DAS POSSIBILIDADES DE VIDA A terra coberta por entulhos resquícios das casas demolidas que se mistu ram com os materiais acumulados com o passar do tempo Tijolos pedras blocos de cimento ao lado por sobre e mesclados com vergalhões ferros distorcidos e fios desencapados A poeira que se espacializa em diversas camadas do território incomoda os olhos e quase invisibiliza as formas que perduram em meio à devas tação Barulho ensurdecedor das máquinas que se articula aos corpos dos homens que cumprem as ordens de cima Quebra rola cai e junto ao pedaço da casa que se desfaz histórias destroçadas A sensação o sentir múltiplo dos cheiros ruídos da paisagem transformada trazendo o gosto amargo da expulsão forçada Esse é o cenário que marcava o território da Vila Autódromo quando lá chegamos em 2015 Localizada ao norte da Barra da Tijuca na Zona Oeste do 101 Rio de Janeiro a Vila Autódromo constituída enquanto comunidade desde os anos 1970 quando era composta por grupos de pescadores passou a ser alvo dos interesses do Estado e do poder econômico quando foi anunciada a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 201625 Apesar de os moradores possuírem a garantia legal de concessão real do uso da terra por 99 anos e mais 99 anos renováveis26 a ameaça da remoção se intensifica em 2013 ano marcado pelas primeiras reuniões com a prefeitura que justifica a necessidade de expulsão das 700 famílias pela obra de construção do Parque Olímpico no terreno ocupa do pela Vila Autódromo27 Após as primeiras reuniões entre a prefeitura e os moradores ocasiões em que os mesmos foram informados sobre a intenção estatal de remover parte da comunidade os funcionários do governo passam a se fazer mais presentes na localidade travando inicialmente contato com famílias específicas para apre sentar o empreendimento do condomínio do Programa de Habitação Federal Minha Casa Minha Vida PMCMV28 para onde os moradores que aceitassem negociar seriam realocados A presença dos agentes administrativos da prefeitura no cotidiano dos moradores não se expressa apenas nas pressões para o aceite das negociações com a prefeitura mas também nas incontáveis ocasiões nas quais os funcionários marcavam as paredes das casas a serem demolidas29 fotografando e medindo os espaços internos e cadastrando moradores sem informálos sobre o real objetivo do procedimento Sandra Maria moradora da Vila Autódromo des de os anos 1990 e mãe de três filhas disse que a marca do Estado na casa é forte a pessoa olha pra marcação e percebe um fim já determinado a casa vai sair Nos encontros cotidianos entre moradores e funcionários era comum a prática do ter ror psicológico por parte dos últimos que diziam a muitos moradores é melhor aceitar o apartamento senão vai ficar sem nada é melhor negociar ou vai pra rua No caso das remoções realizadas no Rio de Janeiro impera toda sorte de dispositivos de exce ção Entre os inúmeros mecanismos mobilizados pelos agentes públicos para lidar com as pes soas nestas situações de erradicação destacamse as práticas de pressões diárias tais como aque las feitas por estes agentes não adianta chamar ninguém para ajudar a gente virá derrubar 25 Os relatos dos moradores revelam que a remoção da favela sempre existiu na forma de ameaça ou rumor ao longo dos últimos anos mesmo antes da chegada dos megaeventos à cidade Esse dado reforça a insegurança da posse da terra que marca o cotidiano dos moradores de favelas no Rio de Janeiro 26 Nas décadas de 1980 e 1990 os moradores recebem a garantia da concessão real do uso assim como documentos que atestam a posse da terra 27 A Zona Oeste do Rio de Janeiro funciona como frente de expansão do mercado na cidade Azevedo e Faulhaber 2015 Rolnik 2016 Essa expansão se intensifica com a chegada dos megaeventos fazendo da Zona Oeste a grande centralidade urbana onde são construídos diversos equipamentos e estruturas olímpicas 28 Pesquisas demonstram como o PMCMV foi utilizado como ferramenta governamental para viabilizar desloca mentos forçados no Rio de Janeiro durante os últimos anos Amore Shimbo Rufino 2015 29 Durante os processos de remoção a prefeitura marca com tinta as casas a serem demolidas por meio do desenho de um número e da assinatura SMH referente à Secretaria Municipal de Habitação Esse foi um procedimento recorrente nos inúmeros casos de remoção durante o período de tempo entre 2009 e 2014 no qual foram removi das quase 22 mil famílias na cidade Azevedo e Faulhaber 2015 102 de qualquer maneira há um imenso esforço de fazer com que os próprios moradores entrem em conflito entre si através da manipulação da informação sobre a situação local limitando em alguns casos sua articulação contra o despejo Bogado e Magalhães 2016 não paginado A demolição das primeiras casas da comunidade junto ao terror psicológi co engendram um cenário comparado por muitos moradores as cenas da guerra na Síria Em muitos casos os tratores não demoliam as casas por inteiro mas apenas as descaracterizavam produzindo buracos nas paredes desfazendo algu mas partes da construção e não outras e deixando os entulhos que se formavam acumularem por sobre a terra A descaracterização de determinadas construções muitas vezes impactava as casas vizinhas servindo como instrumento de pressão para o morador que ainda não aceitara negociar com a prefeitura A presença dos tratores os buracos espalhados em paredes e muros o entulho e poeira que se multiplicavam aos poucos contribuíam para a formação de um cenário de escom bros de aspecto assombroso comparado ao de uma guerra Tais transformações socioespaciais executadas de forma avassaladora na Vila Autódromo são parte do processo de mercantilização da cidade que em al guns contextos é mais devastador que outros Garnier 2014 descreve estas reor ganizações socioterritoriais como fenômeno da reconquista urbana Para o autor assistimos a uma limpeza étnica uma operação de retirada da população pobre e outros indivíduos indesejados de áreas da cidade para dar o lugar destes a outros que podem consumir abrindo espaço à reprodução do capital Garnier 2014 Sendo assim estas práticas estariam a serviço da consolidação do controle estatal sobre estas populações e no caso do Rio de Janeiro alterando não somente a circulação e localização des tas no espaço da cidade mas também incrementando a acumulação de capital imobiliário Se estas situações por um lado podem nos esclarecer os pontos de incidência dos mecanismos de poder sua construção e reconstrução cotidiana por outro também nos apresentam a possibi lidade de verificar como se elaboram diversificadas estratégias de resistência à sua efetivação Bogado e Magalhães 2016 não paginado Neste contexto comunitário as ações de resistência dos moradores30 eram alvo de muita repressão pelo aparato estatal A presença da polícia e da guarda municipal tornouse uma constante na localidade Em diversas ocasiões muitos moradores foram feridos em confrontos Dona Penha uma de nossas principais interlocutoras e liderança da comunidade teve o nariz quebrado pela guarda municipal na ocasião em que os moradores tentavam impedir a demolição de uma casa Ao se referir às estratégias para execução dos despejos e remoções a mo radora Sandra Maria explica que existe um passo a passo pra remover que se repete em todos os casos de remoção de favelas O passo a passo pra remover 30 Os moradores da Vila Autódromo elaboraram diversas formas de resistência à remoção dentre elas as barricadas os protestos as vigílias os cercos às casas para evitar a demolição dentre outras 103 consiste em um conjunto de práticas técnicas e táticas de governo que contro lam populações e regulam condutas A casa como objeto das assinaturas do Esta do Das 2007 a desinformação que atesta a ilegibilidade Das 2004 das ações estatais a destruição que cria o cenário da guerra a violação das garantias legais de posse da terra bem como a utilização de leis e políticas públicas para viabilizar a expulsão das famílias do local consistem em algumas das táticas constitutivas da governamentalidade Foucault 1979 engendrada em um contexto de violên cia Assim como Foucault entendemos o Estado não como um a priori universal mas a partir de suas práticas e discursividades articuladas em suas margens Das 2004 Apreender as formas de governo das populações na contemporaneidade nos faz compreender que a guerra não é a ruptura algo que se desenrola nos in tervalos do cotidiano A guerra é justamente o motor da produção da ordem na medida em que a exceção é tornada regra especialmente para os habitantes das favelas e periferias urbanas A produção socioespacial das periferias urbanas representa uma das fratu ras mais importantes em um sistema que tende ao caos Zibechi 2011 p 18 O cotidiano destes espaços é marcado pela prática do habitar forma de ser estar e viver que faz alusão à vida e abrange a complexidade do ser humano nas dimen sões do desejo do corpo da sua multifuncionalidade e da subjetividade em contraposição ao habitatLefebvre 2001 A predominância do aspecto do vivido amplia as possibilidades da exis tência e produz uma dinâmica cotidiana que foge ao controle dos poderosos Zibechi 2011 p 20 uma vez que se opõe a tendência de homogeneização e estandardização da vida promovida pelo capital Lefebvre 2001 Este cotidiano fruto da atuação autônoma dos sujeitos sociais Souza 2006 com capacidade de resiliência e reapropriação faz emergir um novo cenário geopolítico decisivo Davis 2007 próprio da sociologia das emergências Sousa Santos 2004 O conflito que emerge da luta pela sobrevivência nas favelas derivada do enfrentamento dos mecanismos biopolíticos de controle utilizados pelo poder público Zibechi 2011 p 16 cria uma dinâmica autônoma comunitária Este urbanismo insurgente é capaz de desestabilizar a ordem normalizada Miraftab 2009 e por isto é respondido pelo governo com táticas violentas de regulação Na Vila Autódromo não apenas o terror psicológico como o barulho o entulho a poeira e as ocasiões de corte de serviços básicos como a luz e a água desestruturam as possibilidades de vida dos moradores Essa produção contínua da morte tendo como alvo as condições mínimas de vida foi denominada por Mbembe 2016 necropolítica O necropoder se constitui na medida em que a morte estrutura as formas de governo e as possibilidades do poder sendo a morte aqui entendida como essa impossibilidade de exercer a vida A guerra infraestru 104 tural Mbembe 2016 realizada na Vila Autódromo teve como alvo as condições e estruturas básicas de existência tanto em termos materiais como emocionais O adoecimento de muitos moradores e a sensação de incerteza expressa por exemplo na afirmação de Sandra Maria segundo a qual a gente ia dormir sem saber o que seria de amanhã demonstram como a vida tem sido cada vez mais objeto da gestão e regulação governamentais Ao cunhar uma ontologia biopolítica da habitabilidade Gonzalo Mendio la 2016 se baseia na relação entre habitante e lugar habitado como uma forma de estar no mundo que se projeta sobre a produção de subjetividades para ressal tar a dimensão espacial do viver Gonzalo 2017 p 226 O inabitável se produz na medida em que a vida exposta é desprovida de cuidado e em que a vulnera bilidade e a precariedade constitutivas de toda vida Butler 200631 se exacerbam sob circunstâncias de violência A destruição que subtrai o espaço do sujeito articulase à expulsão como prática de produção do inabitável O controle dos movimentos mobilidade governamentalizada e a contenção do espaço consti tuem a tática da expulsão capturando corpos e espaços Gonzalo 2017 p 229 Inspirado na ideia do fazer viver deixar morrer dispositivo sobre o qual se baseia a biopolítica foucaultiana Foucault 2008 Gonzalo formula o fazer deixarmorrer reconfigurado que em contextos de violência permite que os governos arranquem a vida minando suas possibilidades Gonzalo 2017 A produção do inabitável na Vila Autódromo desfez relações sociais e de afetivida de desestabilizou subjetividades causando dor sofrimento e desenraizamento para a população local Muitos trabalhos sobre remoções de favelas já refletiram sobre as práticas estatais nas margens dentre as quais os ilegalismos articulados a outras táticas fa zem emergir o deslocamento forçado como uma das formas de governo que pro duz cidade Bogado 2017 Magalhães 2013 Petti 2016 Silva 2016 Interessa aqui pensar como esses contextos nos dão pistas para a compreensão das formas pelas quais os governos e o poder econômico estabelecem fronteiras entre vidas passíveis de serem vividas e vidas indignas ou seja da produção estatal do valor e do desvalor da vida Agamben 2007 em contextos urbanos Significa dizer que o estudo dos conflitos urbanos cujas práticas políticas se centram nas condições mínimas e estruturas básicas da vida pode nos levar a uma reflexão crítica sobre a distribuição desigual das possibilidades de vida e morte no território urbano Em última instância é possível investigar os limi 31 Para Butler os sujeitos são marcados por correlatividades Isso significa que a precariedade da vida e a vulnerabili dade dos sujeitos têm caráter ontológico na medida em que o eu não existe sem o outro No entanto sob determi nadas circunstâncias materiais a precariedade se exacerba deixando claro que a distribuição das possibilidades de vida e do reconhecimento de uma vida enquanto vida humana e digna de ser vivida se dá de maneira desigual 105 tes produzidos continuamente pela gestão estatal dos corpos e dos espaços que condicionam o reconhecimento do estatuto de humano aos viventes32 Os deslo camentos forçados ou como diz Gutierres 2016 os processos de desabitação são em termos analíticos boas configurações para provocar a pergunta como se produz o fazer viver na precariedade Para entender as chamadas geografias do terror Garzón 2008 marcadas pelo uso do horror e da guerra como táticas de governo tornase necessário en tender o espaço não como mero cenário das vivências mas como parte constituti va e ativa da experiência Garzón 2008 p186 O espaço participa da produção cotidiana das relações sociais e das subjetividades Se por um lado a produção do inabitável devasta as vidas o poder que se exerce pela destruição abre um campo de possibilidades para a resistência a essa configuração Analisar os repertórios de mobilização e resistência elaborados pelos moradores entendendoos como estratégias de refazimento da vida é o tema da próxima seção REABITAR A VIDA EM MEIO À DESTRUIÇÃO O MUSEU DAS REMOÇÕES Muitas são as formas de resistência engendradas pelas populações periféri cas em contextos de violência O acionamento de repertórios clássicos relativos à construção de denúncias públicas pelo uso do vocabulário da luta por direitos que se materializa em manifestações embates na justiça e utilização da imprensa para ter voz consiste em apenas um dentre os diversos modos de resistir às formas de gestão e regulação governamentais Como afirma Sandra Maria moradora da comunidade a própria construção da estrutura da Vila Autódromo como os sumidouros feitos pelos moradores ao longo dos anos é uma forma de luta Teixeira 2018 O Museu das Remoções surge articulando a linguagem da arte e a gra mática dos direitos como um instrumento de luta e resistência ao mesmo tem po que como um caminho para refazer e reabitar a vida em meio à devastação O Museu das Remoções fundamentase na museologia social que tem como princípio a vida a defesa da vida antes de tudo conforme explicamBogado e Chagas 2017 Esta vida de que tratamos referese àquela que se realiza na con cretude dos dias de todos os dias da presença dos corpos dos movimentos e enfrentamentos dados no cotidiano da resistência Tratase da vida carregada de 32 Esse debate dialoga com a questão do racismo de estado proposta por Foucault 2005 como ponto de inflexão da sobreposição das formas de governo biopoliticas e soberanas fazer viver deixar morrer Se Agamben 2007 define a vida vivida nos limites da existência como vida nua Butler 2006 pensa a problemática em termos de vidas precárias que sob dadas circunstâncias materiais possibilitam a desrealização dos sujeitos 106 compromissos éticos políticos e poéticos A Museologia Social que fundamenta os museus comunitários serve não apenas à preservação de coisas objetos e arte fatos mas à valorização da vida em sociedade em todas as suas esferas Bogado e Chagas 2017 O Museu da Vila Autódromo nasceu do desejo coletivo de moradores e apoiadores de registrar as práticas sociais da comunidade que existiam antes da devastação do lugar levada a cabo pelo estado e da necessidade de comunicar a violência gerada pelo processo de remoção Durante o ano de 2016 surgiu a vontade de criar um museu social que desse visibilidade aos danos subjetivos e materiais provocados pela remoção das favelas e que ecoasse no mundo o grito da memória popular A memória de que falamos está no campo das relações e das lutas abran ge afetos representações e direitos assim como devires e compromissos Bo gado e Chagas 2017 A narrativa oficial das Olimpíadas Rio 2016 apresenta memórias e vitórias hegemônicas relacionadas ao poder do Estado A narrativa apresentada pelo Museu das Remoções trata de outras lutas apresenta o olhar popular outra face da memória das olimpíadas a memória que denuncia a vio lência travada contra os afetados pelo projeto olímpico implantado no Rio de Janeiro Partimos da memória dos excluídos e removidos da cidade olímpica e insistimos em preservar e comunicar a memória da Vila Autódromo Bogado e Chagas 2017 O Museu das Remoções começa a ser pensado a partir do entendimento de que a aniquilação do lugar o desaparecimento de suas estruturas espaciais e a dispersão populacional provocada pela remoção carrega consigo a desapropria ção territorial a desintegração social e o apagamento da história local Garnier 2014 A relação entre o espaço e a memória do lugar desintegrase com a demo lição das casas levadas a cabo pela política urbana fundamentada no avanço do processo global de descivilização Garnier 2014 O Museu das Remoções é um projeto que brotou como as flores num campo de guerra como os girassóis da Vila Em meio aos escombros nasce um museu a céu aberto que tem a missão de semear regar e multiplicar a história de resistência e luta que está sendo dia após dia cultivada no solo fértil da Vila AutódromoNathália Macena moradora da Vila Autódromo em entrevista às autoras 2016 Os moradores e apoiadores percebem que trazer à tona a memória social da comunidade por meio de oficinas brincadeiras narrativas orais fotos entre vistas vídeos e objetos colocados no território ou em exposição torna possível reconstruir em parte a história a memória a integração e reapropriação do lu gar que havia sido destruído pela prefeitura O Museu das Remoções em suas funções museais de preservação comunicação e pesquisa pretende reconstruir a relação entre o espaço e a memória da comunidade mas pretende além disto re 107 generar os vínculos e reafirmar os afetos existentes no cotidiano da comunidade O Museu foi construído em três etapas Na primeira etapa houve a con cepção do projeto com reuniões entre militantes e moradores A partir daí deci diuse trabalhar com a proposta de Museu de Território ou de museu de percurso segundo a qual a própria comunidade e seu território são um museu a céu aberto Na segunda etapa desenvolveuse dinâmicas de diálogo e oficinas de resga te da memória local com a participação de moradores exmoradores militantes e alunos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhanguera Nesta etapa também foi realizada uma oficina de reconhecimento do lugar conduzida pelos moradores com devir pela comunidade abrangendo a área da comunidade e par te da área desapropriada e incorporada ao Parque Olímpico Coletamos restos de equipamentos urbanos e escombros de edificações demolidas que foram incorpo rados ao acervo do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro33 Também foram produzidos e coletados registros orais fotográficos audiovisuais gráficos e elabora ção de um mapa feito em conjunto pela comunidade e pelos alunos de arquitetura elaborado a partir dos relatos dos moradores de suas vivências e memórias Na terceira etapa foi desenvolvida a primeira exposição do Museu das Re moções com a criação de sete esculturas elaboradas pelos alunos de Arquitetura e Urbanismo a partir dos materiais registrados nas oficinas de memória O Museu foi inaugurado oficialmente no dia 18 de maio de 2016 Dia Internacional dos Museus com a presença de moradores ativistas e da imprensa independente na cional e internacional Os moradores apresentaram as setes esculturas construídas com os escombros e entulhos das casas demolidas O Museu é aqui compreendi do como uma ferramenta inserida na políticas do lugar descrita por Escobar 2015 e Garzón 2008 como ações mobilizadas desde práticas que controver tem lógicas homogeneizantes do espaço Sandra Maria e outros moradores sempre associam em suas narrativas o processo de remoção e as ameaças de expulsão passadas ao desenvolvimento do bairro da Barra da Tijuca que segundo a moradora teria ficado valoriza do demais pra gente morar A valorização do bairro traz consigo os shoppin gs condomínios de alto padrão assim como o desmatamento e a expulsão de populações que ali residiam há décadas O conflito entre os moradores da Vila Autódromo e a prefeitura também se trata de um embate entre modos de existir e de habitar o território em última instância entre modos de conceber o mundo de habitar a vida que são elaborados ao longo da história a partir da articulação 33 A exposição permanente sobre resistência popular na história do Brasil abriga as peças Bomba sapo medidor de eletricidade azulejo de piscina dentre outros objetos recolhidos em meio aos escombros da Vila Autódromo Estas peças compõem o acervo do Museu das Remoções acolhido pelo Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro 108 entre os viventes e o território Neste sentido a luta da Vila Autódromo é uma luta ontológica na me dida em que os modos de existir no território se confrontam Escobar 2015 O Museu das Remoções ao preservar partes das casas e estruturas comunitárias demolidas em acervo bem como ao registrar a violência seguida de resistência por meio de fotografias documentos mapas etc reconstrói o modo de existir no território cultivado pelos moradores ao longo de décadas Mais do que isso ao resgatar as práticas sociais e políticas dos moradores este Museu reconstrói laços e relações bem como subjetividades que sofreram tentativas incessantes de apagamento por parte do Estado Em 2015 o apoio popular à luta da Vila Autódromo se intensifica Mora dores e apoiadores começam a realizar os chamados ocupas na Vila Autódro mo Os ocupas consistem em ocasiões em que a Vila recebia diversos apoia dores e exmoradores para realização de atividades culturais artísticas e políticas como exposições exibição de filmes festas debates teatro atividades circenses etc Em uma das oficinas de memória do Museu das Remoções Dona Penha comenta sobre os ocupas Jesus tava mandando anjos para nos apoiar porque era só uma perda atrás da outra uma perda atrás da outra os vizinhos o comércio tava acabando A gente tava ocupando esse território como ele tava a prefeitura devastava e a gente ocupava Ao mesmo tempo que o espaço tava devastado tinha muita alegria com os ocupas como se a gente afirmasse que ia ficar aqui Dona Penha em oficina de memória NESSA MESMA OFICINA SANDRA MARIA COMPLEMENTA Tudo sendo destruído tudo ficando feio quebrado e vinham os ocupas trazendo alegria trazendo a vida trazendo a beleza era um movimento que girava contra aquela destruição Quando o ocupa acabava a gente se sentia forte Sandra Maria em oficina de memória Segundo Sandra é desse movimento cultural que nasce em 2016 o Museu das Remoções Apesar de termos vivenciado muitos ocupas na Vila não nos era de todo clara a estreita relação entre a arte e a resistência expressas por essas atividades e o nascimento do Museu No entanto no decorrer das oficinas de memória percebemos que os moradores associam a criação do Museu ao am biente de efervescência cultural e política que permitia segundo os mesmos que a gente vivesse a destruição com felicidade O Museu era nossa resposta em um momento em que queriam remover nossa memória diz Sandra sempre que se refere ao lema do Museu das Remoções Memória não se remove A moradora costuma dizer que apagar a memória de um povo é uma das maiores violências possíveis Em um debate realizado no aniversário de dois anos do Museu em 18 de Maio de 2018 Sandra comenta que muitos moradores que negociaram com a 109 prefeitura o faziam com o objetivo de sair da Vila e refazer a vida Para a mora dora porém é impossível refazer a vida sem memória pois não dá pra continuar a viver quando se percebe que os laços afetivos e a sua história foram esquecidos A articulação de moradores e apoiadores em torno dos ocupas e do Museu das Remoções demonstra que o território da Vila Autódromo é produzido não apenas pelas tecnologias da destruição mas também por um esforço contínuo de reabitar a vida expresso nas ações de resistência que deixam suas marcas no espaço e nos sujeitos que permitem a reterritorialização e a reconstrução Não somente no espaço mas também no nível do corpo podem ser entrevistos os im pactos do poder Muitos moradores adoeceram ou faleceram durante o processo de remoção Os corpos adoecidos também funcionam como margem do Estado Das e Poole 2004 ou seja onde os governos também fazem sentir suas ações e truculências além disso expressamse entretanto como ponto chave da ação política quando se entrelaçam para formar o cordão de isolamento humano em torno das casas se justapõem para montar as barricadas ou quando sentem a potência da arte e se revigoram para seguir resistindo Inspirado em diálogos com Nietzsche Deleuze e Spinoza Feldman 1991 afirma que o corpo é um ponto de intersecção de distintas forças práticas polí ticas que se constitui apenas na troca e no estabelecimento de relações A troca as relações historiciza o sujeito na medida em que o corpo assume diferentes formas Feldman 1991 p177 O autor comenta dessa vez dialogando com Foucault que agência não se trata do que o sujeito faz na história mas sim de como o sujeito age a partir do que a história o poder faz no corpo Feldman 1991 178 É muito comum nos relatos dos moradores a ênfase na dissolução dos laços de vizinhança como parte do vasto repertório das técnicas de destrui ção Ao desfazer as relações afetivas que se configuravam no espaço da comuni dade o Estado desistoriciza34 os sujeitos desestruturando subjetividades tendo em vista que o eu só se faz a partir do outro O resgate da memória produzido pelas ferramentas da museologia social como diz Sandra Maria é a condição de possibilidade para refazer a vida após tanto sofrimento a garantia de que as vidas não cairão no esquecimento sucumbindo às tentativas estatais de apagamento Os moradores da Vila agem na história na medida em que refazem reformulam e reabitam a vida devastada por meio do resgate e registro da história da comu nidade As narrativas sobre a história são fruto de trabalhos sociais contínuos de en quadramento Butler 2015 Os moradores sempre dizem que uma das importân 34 Nota dos organizadores No conflito de narrativas que ocorre nos territórios urbanos brasileiros a narrativa he gemônica imposta pelo Estado há uma supressão da historicidade das populações vulneráveis com o intuito de eliminar a alteridade constituída por essas populações 110 cias do Museu das Remoções é contar uma história sobre a remoção da comunidade diferente do que é narrado pela prefeitura É de extrema centralidade para muitos por exemplo que as pessoas compreendam que as casas construídas para as 20 famílias que resistiram até o fim na comunidade foram conquistadas e arrancadas com muita luta e não dadas de presente pela prefeitura Para muitos moradores contar essa história é da ordem do necessário Por outro lado o silêncio é agenciado por outros que só conseguem seguir com o duro trabalho de fazer a vida congelan do a narrativa da remoção Das 1999 Em uma oficina de memória Dona Penha preocupada com o bemestar de uma outra moradora no espaço afirma dona Denise não gosta muito de ficar falando sobre a remoção né Mas ela pode falar das memórias boas que tem da comunidade antes disso tudo Seja pelo silêncio seja pelo resgate e afirmação da memória os moradores da Vila Autódromo resistem ao insistirem em permanecer vivos ao persistirem existindo E desta persistência nasce espontaneamente o Museu das Remoções no seio de uma luta que foi travada pela superação do medo pela inconformação com as violações levadas a cabo no território da Vila Autódromo mas sobretudo pela união dos moradores e apoiadores da comunidade que quase que por instinto permaneceram unidos em meio ao caos da remoção quase integral da comunidade CONCLUSÃO Como visto a reconfiguração territorial do Rio de Janeiro às vésperas dos megaeventos recaiu sobre as classes desfavorecidas uma vez que o espaço urba no foi reorganizado a partir dos interesses imobiliários e as remoções de favelas foram uma prática constante Os indivíduos não desejados foram retirados das áreas valorizadas e enviados às regiões distantes precárias e pouco estruturadas Ao contrário dos modos de vida das periferias o modelo de cidade mercadoló gico propõe possibilidades limitadas de sociabilidade cujo padrão de referência é o habitat que reduz a experiência da vida às funções metabólicas as quais devem ser supridas através do consumo Lefebvre 1976 2001 Esta redução da existência acentuase ainda mais no modelo de vida destinado às periferias cujas estruturas urbanas reservam condições ainda mais escassas muitas vezes até indignas à vida das classes baixas No contexto das chamadas remoções olímpicas a Vila Autódromo foi a única favela que conseguiu resistir à tentativa de remoção integral levada a cabo pela prefeitura o Museu das Remoções é um elemento central da luta de resis tência e de denúncia da política remocionista35 ele surge em um momento no 35 Nota dos organizadores As autoras se referem por política remocionista às políticas urbanas que banalizam a 111 qual moradores e apoiadores unidos por laços já sólidos não se conformam em assistir o território da comunidade desconfigurado espoliado e despossuído A necessidade de reapropriação era unânime na ocasião Cabe acrescentar que este museu apresentase como ferramenta de contestação do poder em primeiro lugar porque contraria o plano neoliberal para o território de supressão completa da Vila Autódromo e abertura de espaço para valorização do solo em segundo lugar porque denuncia a violência do Estado contra as favelas e contraria a tentativa de silenciamento da Vila Autódromo e demais excluídos da cidade olímpica e em terceiro lugar porque pratica estratégias de luta que podemos chamar de resis tências biopolíticas conforme descreve Naback 2015 uma vez que atuam nas esferas da subjetividade e forjamse em equivalência às estratégias das remoções biopolíticas instrumentalizadas pelo Estado Naback 2015 Reforçamos que apesar das violações na ocasião de concepção do Museu das Remoções a Vila Autódromo pulsava e festejava sua resistência nas campa nhas manifestações e barricadas realizadas era anunciado que a Vila não era o território e nem as casas da comunidade também não era o que havia restado delas nos escombros a Vila Autódromo era e é os nossos corpos as nossas his tórias individuais e coletivas a nossa memória coletiva e local e tudo o que cada um destes elementos carrega sobre a comunidade utilizamos aqui o discurso direto por nos considerarmos parte desta comunidade de pessoas que lutaram junto à Vila Autódromo pela sua permanência Durante o processo de remoções o psicológico dos moradores ficou consi deravelmente abalado pelas táticas biopolíticas das remoções cujas respostas de resistência com ações diversificadas espontâneas e afetivas atuavam também na regeneração emocional ao longo do processo da luta o apoio recíproco de apoia dores e moradores uns aos outros e o sentimento de coletividade e união que cada ação de resistência aportava à comunidade também atuava nas esferas subjetivas e psicológicas dos indivíduos Na ocasião de construção do Museu das Remoções era compartilhada a necessidade de comunicar a alegria e o amor presentes no cotidiano ingredientes decisivos na luta pela permanência da Vila Autódromo estes elementos funcio naram como ferramentas de reversão do medo de regeneração psicológica e de recuperação da esperança dos moradores e apoiadores nos momentos mais duros Tais sentimentos seguiam vivos e precisavam ser materializados e mostrados A Vila Autódromo precisava reterritorializar e se reapropriar daquele espaço des configurado e assim o fez As comemorações os momentos de sociabilidade a cumplicidade a soli remoção de populações vulneráveis que vem tomando força no Brasil na última década 112 dariedade e o carinho existente entre moradores e apoiadores são produtos dos modos de habitar que possibilitam recriações de uso reapropriações criativas e tudo o que provém da dança dos corpos que habitam como poeta Lefebvre 2001 o espaço da comunidade É a poesia e a inspiração da poesia que permite a fuga ao controle e à opressão do Estado que adentram o campo do vivido E na poética do habitar criativamente o espaço da Vila Autódromo os corpos espontâneos irracionais próprios da sociologia das emergências Sousa Santos 2004 contrariam o comportamento padronizado e estandardizado que o habitat reserva para a cidade neoliberal Na dança da reapropriação territorial poética da cidade improvisada no compasso das dimensões cotidianas subjetivas e simbólicas a Vila Autódromo tece suas estratégias criativas de resiliência recompõe parcialmente as rupturas emocionais provocadas pelas remoções e rearticula as forças comunitárias para a luta incessante de resistência e para a denúncia da violência sofrida nasce o Museu das Remoções As oficinas de memória os ocupas as vigílias as barricadas as manifes tações as exposições e todas as formas de resistência foram operadas em ações práticas mas também fortaleceram elementos do campo da imaterialidade da subjetividade e da espontaneidade próprios do habitar O habitar representa transgressão à proposta hegemônica do habitat porque nele é possível toda a natureza de ações que fogem ao campo da racionalidade No seio do vivido foram regadas as flores que nasceram dos escombros e deram origem ao Museu con forme demonstra a fala da moradora Nathália Macena mencionada Na trajetória de luta sociopolítica ficou gradativamente mais evidente mente para a comunidade o poder do valor comunitário do habitar e dos vín culos e o entendimento de que o valor de uso está acima do valor de troca oferecido nos subornos feitos pela prefeitura às famílias Para a resistência não há receita há poesia A Vila Autódromo pôde resistir à tentativa de sua remoção integral por que os sujeitos dotados de dignidade e autonomia Scott 1990 Souza 2006 optaram renunciar à sedução do capital expressa em subornos e inverter a lógica do valor de troca Transcendendoa ao colocar o valor de uso presente no habi tar acima das ofertas e ameaças oferecidas pelo estado Neste sentido habitar como um poeta Lefebvre 1973 Heidegger 2005 se estende ao resistir como um poeta e desta luta poética no seio de um espaço subjetivo emerge um Mu seu que também é transgressor porque propõe a descolonização das teorias do planejamento ao produzir um cotidiano criativo contrahegemônico Miraftab 2004 2009 imerso em coragem para se opor à narrativa oficial e em afeto para manter viva a Vila Autódromo e a sua memória 113 REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Homo saccer I O poder soberano e a vida nua Belo Horizonte Editora UFMG 2007 AGUILERA F y NAREDO J Interés y contexto del tema tratado Economía poder y mega proyectos Madrid Cromoimagen SL 2009 AMORE Caio SHIMBO Lúcia RUFINO Maria Beatriz Minha Casa e a Cidade avalia ção do programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros Rio de Janeiro Letra Capital 2015 ARANTES P A arquitetura na era digital Financeira 2000 AZEVEDO Lena AZEVEDO E FAULHABER Lucas SMH 2016 Remoções no Rio de Janeiro Olímpico Rio de Janeiro Editorial Mórula 2015 BOGADO Diana Movimento Okupa Resistência e autonomia na ocupação de imóveis nas áreas urbanas centrais Dissertação de meestrado defendida na Universidade Federal Fluminen se Niterói 2011 O Museu das Remoções da Vila Autódromo Potência de resistência criativa e afetiva como resposta sociocultural ao Rio de Janeiro dos megaeventos Tese de doutorado defendida na Universidade de Sevilha obtenção de mérito Cum LaudeSevilha 2017 BOGADO E MAGALHÃES Memória não se remove a luta dos moradores da Vila Autó dromo para continuar reexistindo 2016 BUTLER Judith Quadros de guerra Quando a vida é passível de luto Civilização Brasileira 2015 Vida precária el poder del duelo y la violência Buenos Aires Paidós 2006 CHAGAS M e BOGADO D Memória das Olimpíadas múltiplosolhares organizados no âmbito do projeto reservação da Memóriadas Olimpíadas processos e ações Casa de Rui Bar bosa Rio deJaneiro 2017 CONSENTINO R Barra da Tijuca e o Projeto Olímpico A cidade do Capital Dissertação deMestrado defendida no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional IPPUR daUniversidade Federal do Rio de Janeiro 2015 DAS Veena Fronteiras violência e o trabalho do tempo alguns temas wittgensteinianos Revista Brasileira de Ciências Sociais vol14 n40 pp3142 1999 The Signature of the State The Paradox of Illegibility In Life and Words violence and the descent into the ordinary BerkeleyLos Angeles University California Press 2007 DAS Veena POOLE Deborah Anthropology in the margins of the State Santa Fé School of American Research Press 2004 DEBORD G A sociedade do espetáculo Rio de Janeiro Ed Contraponto 1969 ESCOBAR Arturo Territorios de diferencia la ontología política de los derechos al territorio Desenvolvimento e Meio Ambiente v 35 p 89100 dez 2015 FOUCAULT Michel Em Defesa da Sociedade São Paulo Martins Fontes 2005 Nascimento da Biopolítica curso dado no Collège de France 19781979 São Paulo Martins Fontes 2008 Segurança Território População São Paulo Martins Fontes 2008 GARNIER JP Marsella 2013 el urbanismo como arma de destrucción masiva GeocritiQ 10 de enero de 2014 nº 24 GARZÓN M A Retando las geografias de terror estratégias culturales para la construcción del lugar Nuevos Nónadas n 28 p 183193 abril 2008 GONZALO Ignacio Mendiola De la biopolítica a la necropolítica la vida expuesta a la muer te Eikasia Revista de Filosofia n75 maio 2017 El dispositivo de la captura espacios y cuerpos bajo el signo de la excepcionalidade Athenea Digital n161 marzo 2016 114 GUTTERRES Anelise O rumor e o terror na construção de territórios de vulnerabilidade na Zona Portuária do Rio de Janeiro Mana vol22 no1 Rio de Janeiro Apr 2016 P 179209 HARVEY David The urbanization of capital Oxford Basil Blackwell 1985 From Space to Place and Back Again Reflections on The Condition of Postmodernity in BIRD J et al Eds Mapping the Futures Local Cultures Global Change Routledge Londres 1992 Do gerenciamento ao empresariamento a Transformação da administração urbana no capitalismo tardio In Espaço Debate São Paulo Núcleo de Estudos Regionais e Ur banos nº 36 1996 A produção capitalista do espaço São Paulo Annablume 2005 A condição pósmoderna São Paulo Loyola 2011 JACOBS Jane Morte e vida de grandes cidades São Paulo Martins Fontes 1961 LEFEBVRE Henri Espaço e Política 1973 La révolution urbaine Paris Gallimard 1976 The production of space Oxford Blackwell 1991 O direito à cidade São Paulo Ed Centauro moraes 2001 MAGALHÃES Alexandre Transformações no problema favela e reatualização da remoção no Rio de Janeiro Tese de Doutorado Instituto de Estudos Sociais e Políticos Universidade do Estado do Rio de Janeiro 2013 MAKHLOUF Muna Conexiones entre la Barcelona postolímpica y el Rio preolímpico a través de la resistencia a planes urbanísticos In CUNHA N FREIRE L MACHADI MARTINS M VEIGA F org Antropologia do conflito urbano Conexões RioBarcelona Rio de Janeiro Lamparina Le metro CNPq 2016 MASSEY D World City London Potety Press 2007 MASCARENHAS Gilmar 2016 p52 Revista USP São Paulo n 108 p 4956 Jan a mar 2016 MBEMBE Achille Necropolítica Arte Ensaios Revista do PPGAVEBAUFRJ n 32 dezembro 2016 MIRAFTAB Faranak Invited and Invented Spaces of Participation Neoliberal Citizenship and Feminists Expanded Notion of Politics In Wagadu Vol 1 Spring 2004 Insurgent planning situating radical planning in the global south Planning Theory 2009 MONTAÑÉS SERRANO Manuel Metodología y técnica participativa Teoría y práctica de una estrategia de investigación participativa Barcelona Editorial UOC 2009 NABACK Clarissa Remoções Biopolíticas O Habitar e a Resistência da Vila Au tódromo Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa do Departamento de PósGraduação em Direito do de Direito da PUC Rio de Janeiro 2015 PETTI Daniela Não tem preço ninguém esquece sua vida assim uma etnografia sobre a luta contra as remoções de favelas no Rio de Janeiro Trabalho de Conclusão de Curso ba charelado em Ciências Sociais Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas FGV 2016 ROLNIK Raquel A Guerra dos Lugares A colonização da terra e da moradia na era das fi nanças Ed Boitempo 2016 SANTOS Milton Por uma outra globalização Do pensamento único à consciência universal Rio de Janeiro Record 2013 SCOTT James C Domination and the Arts of Resistance Yale University 1990 SILVA Marcela Münch de Oliveira e Vila autódromo um território em disputa A luta por direitos desde sujeitos fronteiriços e práticas insurgentes Dissertação Mestrado em Direito Constitucional Universidade Federal Fluminense 2016 115 SOUZA M Mudar a cidade uma introdução crítica ao planejamento e a gestão urbanos Rio de Janeiro 4ª ed Bertrand Brasil 2006 SOUSA SANTOS Boaventura O futuro do Fórum Social Mundial o trabalho da tradução Revista del Observatorio Social de América Latina 15 7790 2004 Para descolonizar Occidente Más allá del pensamiento abismal 2010 ZIBECHI R Dispersar el poder Buenos Aires Tinta Limón 2006 Territorios em resistência Cartografía política de las periferias urbanas latinoameri canas Málaga 2011 116 INSEGURANÇA GLOBALIZADA O CAMPO E O BANOPTICON36 Didier Bigo37 INTRODUÇÃO Os discursos que os Estados Unidos e seus aliados mais próximos38promo veram alegando necessidade de globalizar a segurança assumiram uma inten sidade e alcance sem precedentes Eles se justificam por meio da propagação da ideia de uma insegurança global atribuída ao desenvolvimento de ameaças de destruição em massa supostamente provindas de organizações terroristas ou outros tipos de organização criminosa e os governos que as apoiam Essa globa lização tem o objetivo de tornar as fronteiras nacionais efetivamente obsoletas e obrigar outros atores na arena internacional a colaborar Ao mesmo tempo torna obsoleta a distinção convencional entre a constelação de guerra defesa ordem internacional e estratégia e outra constelação de crime segurança interna ordem pública e investigações policiais Exacerbando essa tendência ainda mais está o fato de que desde 11 de se tembro há uma especulação frenética pelo mundo político ocidental e entre seus especialistas em segurança quanto ao como as relações entre defesa e segurança interna devem ser alinhadas no contexto da insegurança global 36 Esta é uma versão modificada de estudos publicados pela primeira vez em Solomon John Sakai Naoki 2005 Translation Philosophy and Colonial Difference Traces a multilingual series of cultural Theory 4 Quero agradecer a todo o grupo de Cultures Conflits especialmente Jean Paul Hanon pelos seus comentários e su gestões que contribuíram com as ideias formativas deste artigo Também quero agradecer Anastassia Tsoukala e Miriam Perier assim como Diana Davies por sua ajuda e comentários a respeito do processo de edição Este tex to portanto intitulado originalmente como Globalized inSecurity the Field and the Banopticon publicado no livro deBIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Christian BONELLI Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006foi traduzido do inglês para o português por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Fernando de Oliveira Lúcio 37 Didier Bigo é professor do Kings College London Department of War estudos de guerra e professor de pesquisa no SciencesPo Paris é o diretor do Centro de Estudos de Conflitos Liberdade e Segurança CCLS e editor da revista trimestral da French Cultures et Conflits publicada pela CCLS e lHarmattan foi o fundador e coedi tor com Rob Walker da International Political Sociology uma das revistas da International Studies Association publicada pela Oxford University Press é coeditor da Sociologia Política Internacional International Political Sociology e da Liberdade e Segurança Liberty and Security ambas coleções da Routledge além disso é responsável pelo KCL WP da FP7 SOURCE em Londres e coordenador da ANR UTIC em Paris Suas áreas de interesse são segurança e liberdade identificadores biométricos e bancos de dados políticas antiterroristas na Europa após 11 de setembro de 2001 convergência da segurança interna e segurança externa migrantes e refugiados na Europa estudos de segurança crítica e Sociologia Política Internacional 38 O macartismo foi um fenômeno exclusivamente norteamericano A generalização das medidas de estado de emergência permanente foi restrita à Irlanda do Norte apenas e não afetou a sociedade britânica Essas duas lógicas no entanto estão agora se desenvolvendo ao nível da geografia mundial e estão se aprofundando para idealmente alcançar e incluir a todos os indivíduos 117 Na minha opinião é essa convergência entre defesa e segurança interna em redes interconectadas ou em um campo de profissionais da gestão do descon forto que está no cerne das transformações no que diz respeito ao policiamento global O campo emergente da gestão do desconforto explica por outro lado a formação de redes policiais ao nível global assim como a polarização de funções militares de combate e por outro lado a transformação a criminalização e a judicialização da noção de guerra Para além disso esse campo da gestão do des conforto também é responsável por como um tipo de dispositif Banopticon está estabelecido em relação a esse estado de desconforto Essa forma de governamen talidade do desconforto ou Ban é caracterizada por três critérios práticas de ex cepcionalismo atos de perfilamento e contenção de estrangeiros e um imperativo normativo de mobilidade Dados esses termos é possível usar as terminologias de uma cumplicidade global de dominação de construção de um Império e uma mudança em dire ção um novo fascismo suave de um adeus à democracia e o advento de um mundo secularizado e globalizado que justifique a preeminência de um projeto ocidental neocolonial em nome de exportar liberdade e combater o mal Existe na prática uma única estratégia que unifica diferentes grupos de profissionais no nível transicional quer sejam agentes da polícia do exército ou dos serviços de inteligência com uma política comum de policiamento e partilhando os in teresses da elite dos diferentes profissionais da política e busca mudar o regime existente cercear liberdades civis e submeter todos os indivíduos ao seu controle e vigilância Será que 1984 de George Orwell de fato previu 2004 Acho que não Ainda que presenciemos práticas não liberais e mesmo que a tentação de usar o argumento de um momento excepcional correlacionado ao advento da violência política transnacional de organizações clandestinas a fim de justificar violações de direitos humanos básicos e a extensão da vigilância seja muito forte ainda estamos em regimes liberais No próximo argumento mostrarei que estamos longe de uma cumplici dade global enquanto estratégia unificada Heterogeneidade interesses diversos anda de mãos dadas com a globalização Homogeneização vista como uma es tratégia cuidadosamente planejada contra as liberdades civis por uma elite global bem como a crença no seu sucesso é certamente uma característica comum do discurso de algumas ONGs e acadêmicos radicais assim como Noam Chomsky Porém eles não nos fornecem um retrato fidedigno das transformações em curso Minha análise difere da deles no sentido de que para mim a combinação de des conforto e o dispositivo Banopticon não produz uma estratégia unificada mas é antes um efeito dos múltiplos conflitos anônimos que no entanto contribuem com a globalização da dominação Eu desenvolverei então os dois instrumentos 118 de análise supramencionados o campo dos profissionais da gestão do desconfor to e o BanOpticon A TRANSNACIONALIZAÇÃO DA INSEGURANÇA O LOCAL DOS PROFISSIONAIS DA INSEGURANÇA NA GOVERNAMENTALIDADE DO DESCONFORTO ALÉM DO ESTADO Na abordagem dos processos de insecuritização que eu proponho aqui será importante evitar a tendência reinante a opinião popular do campo fre quentemente reproduzida pelos seus mais ferrenhos oponentes Isto comumente envolve atribuir uma gama coerente de crenças aos profissionais envolvidos no campo uma abordagem que eu evito a fim de não unificar gratuitamente os seus interesses divergentes ao analisálos erroneamente como aliados voluntários ou cúmplices A PRODUÇÃO DE UMA VERDADE TRANSNACIONAL Ao contrário é importante diferenciar claramente entre os pontos de vista de várias partes quanto ao modo priorizar ameaças Essas ameaças podem incluir terrorismo guerra crime organizado e a assim chamada invasão migratória ou colonização reversa enquanto ao mesmo tempo eles indicam a correlação entre várias profissões que podem incluir profissões de policiamento urbano policia mento criminal policiamento antiterrorista alfandegário controle imigratório inteligência contraespionagem tecnologia da informação sistemas de vigilância a longa distância e detecção de atividades humanas manutenção da ordem resta belecimento da ordem pacificação proteção combate urbano e ação psicológica Essas profissões não partilham a mesma lógica de experiência ou prática e não convergem organizadamente em uma única função sob a rubrica de segurança Em vez disso ambas são heterogêneas e estão em competição entre si Como veremos isso é verdade mesmo que as diferenciações mapeadas pela ideia quase mítica da fronteira nacional impermeável controlada pelo Estado tendam a desaparecer dados os efeitos da transnacionalização A transnaciona lização difere da homogeneização Ela corresponde em vez disso à continuação dos conflitos e à diferenciação em outro nível Três eventoschave estão ocorrendo agora que levou vários séculos para que essas profissões se diferenciassem em primeiro lugar uma desdiferenciação das atividades profissionais como resultado dessa configuração um aumento nos conflitos para redefinir os sistemas que classificam os conflitos sociais e culturais como ameaças à segurança e uma redefinição prática de sistemas de conhecimento 119 e knowhow que conectam as agências de segurança pública e privada que decla ram possuir uma verdade fundada em dados numéricos e estatísticas tecnolo gias de biométrica e perfis sociais de potencial comportamento perigoso aplicada aos casos de pessoas que sintam elas mesmas os efeitos da insecuritização vivendo num estado de desconforto Tais gestores profissionais do desconforto então afirmam pela autoridade das estatísticas ter a capacidade de classificar e priorizar as ameaças de determinar o que exatamente constitui a segurança Aqui destaquemos que esse assim chamado aumento do conceito é na verda de reduzido à correlação entre gerra crime e migração e não inclui a perda de emprego acidentes de carro ou boa saúde esta mesma abruptamente tornada insegura à medida que os benefícios sociais são desmantelados todos elementos considerados ao contrário riscos normais A segurança é então conceitualmen te reduzida a tecnologias de vigilância extração de informação coerção contra vulnerabilidades sociais e estatais em suma a um tipo de sobrevivência genera lizada contra ameaças vindas de setores diferentes mas a segurança é desconecta da de garantias humanas legais e sociais e proteção dos indivíduos Finalmente essa autoridade da estatística que advém das suas rotinas tecnológicas de coletar e categorizar dados permite que esses profissionais esta beleçam um campo de segurança no qual se reconhecem como mutuamente competentes enquanto se encontram em competição uns com os outros pelo monopólio do conhecimento legítimo sobre o que constitui um desconforto le gítimo um risco real Na produção desse regime da verdade e a batalha para estabelecer as causas legítimas do medo do desconforto da dúvida e da incerteza os profissionais da insegurança têm a estratégia de ultrapassar as fronteiras nacionais e formar alianças profissionais corporativistas para reforçar a credibilidade das suas asser ções e ganhar os conflitos internos nos seus respectivos campos nacionais39 Os profissionais dessas organizações em particular os serviços de inteligência retiram recursos de conhecimento e poder simbólico dessa transnacionalização No fim esses recursos podem lhes fornecer os meios para criticar abertamente os políticos 39 Para citar apenas um exemplo o ST Departamento de Inteligência Doméstica e contraespionagem francês equivalente ao MI55 britânico tentou provar sua força contra o DGSE encarregado da inteligência estrangeira equivalente ao MI6 britânico a respeito de informações sobre grupos terroristas no norte da África para realizar uma troca de serviços entre agentes engajados na guerra ao terrorismo e os engajados em contraespionagem Isso aconteceu para proporcionarlhe conhecimento e capacidade de atuar no exterior em modos nos quais estava impedido de atuar no interior O resultado foi o estabelecimento de ligações entre os serviços de inteligência da Tunísia de Marrocos da Argélia e da Síria que estavam opostos ao perfilamento racialnacionalcultural realizado pelas agências francesas com as quais elas vinham colaborando O DST Serviço de Inteligência de Contraes pionagem pôs alguns membros da oposição aos governos desses países que estavam vivendo na França sob vigilância boatos sugerem até mesmo que tenham sofrido tentativas de assassinato Em compensação o DST adquiriu informações mais precisas que o DGSE e usou essa rede transnacional para reforçar a própria posição interna Nos EUA as animosidades intranacionais tiveram impacto sobre a política de oposição no exterior como no caso do Afeganistão e de organizações clandestinas como a Al Qaeda nos anos 90 120 e as estratégias políticas dos seus respectivos países40 Isso explica como assim como já vimos quando o Presidente dos Estados Unidos invoca uma ameaça ele só tem credibilidade se não tiver sido contradito pela intelligence community co munidade de inteligência Se sua declaração se revelar infundada a credibilidade da sua recusa a revelar fontes para a sua afirmação supostamente baseada em razões de segurança nacional é posta sob séria dúvida41 Caso os profissionais da política e da insegurança venham a se confrontar diretamente manter esse tipo de conhecimento secreto já não é considerado prova de uma verdade oculta aces sível apenas aos políticos Ao contrário suscita dúvida sobre a possibilidade de eles sequer terem acesso a essa verdade e pode criar na população uma crença de que a verdade dos políticos poderia muito bem ser uma representação errônea ou uma completa falsidade Assim frequentemente a única alternativa que resta aos políticos é usar a arma do carisma para tornar sua opinião mais convincente Eles precisam então bancar um nível inflado de confiança pública e exigir que o elei torado mantenha uma fé quase religiosa no seu julgamento enquanto grupos de cidadãos se tornam ainda mais céticos quanto à informação à qual têm acesso42 REGIME TRANSNACIONAL DA VERDADE E TEORIA DO ESTADO SOBERANIA A noção de Estado concebida pela teoria das relações internacionais não pode se adaptar ao resultado dessas tensões criadas por ligações burocráticas transnacionais entre profissionais da política juízes polícia agências de inteli gência e o exército Ao contrário do que se afirma na principal corrente de escri tores céticorealistas sobre relações internacionais uma vez que essas burocracias diferenciadas com suas respectivas posições existam tornase impossível retornar a um interesse nacional ou assumir uma convergência nacionalista de interesses que permita a todos os partidos se unir em torno de um único governo Ao contrário essas burocracias diferenciadas são na verdade forjadas no crisol das redes internacionais e autonomizam diferentes setores políticos expressamente pelo propósito de assegurar que excedam o domínio dos políticos profissionais 40 Veja a contribuição de BONELLI Laurent Hidden in plain sight intelligence exception and suspicion after 11 September 2001 In Bigo Didier Tsoukala Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Christian Bonelli Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 41 Veja a declaração do antigo diretor da CIA George Tenet em 11 de Fevereiro de 2003 Testemunhando em frente ao Congresso ele contradisse a afirmação de George Bush televisionada no dia anterior em Cincinatti a respeito de informações sobre armas de destruição em massa no Iraque Mas ele foi obrigado a pedir demissão no ano seguinte 42 Na minha opinião essa dinâmica do campo é uma explicação mais efetiva que as teorias que enfatizam a in fluência fundamentalista de seitas religiosas os comportamentos messiânicos de líderes nacionais ocidentais como Tony Blair George Bush José Aznar ou Silvio Berlusconi 121 Essa tendência é particularmente aguda na arena europeia que se organizou so bretudo dentro dos limites do Estadonação Nos últimos trinta anos na Europa novas organizações surgiram leiase redes e grupos informais que transcendem as fronteiras nacionais e localizam os espaços de tomada de decisão política43 Apenas o trabalho sociológico sobre a transnacionalização das burocracias policial e militar foi capaz de mostrar que já não é viável manter a noção clássica do Estado Essa dispensa é especialmente evidente nos segmentos privatizados desses setores incluindo profissionais da gestão do desconforto e atores cuja pro fissão envolve avaliação de riscos e acompanhamento de assuntos de cobertura de seguro44 Esses trabalhos sociológicos identificam um campo transversal de processos de insecuritização pelos quais um certo número de profissionais de instituições públicas com domínios internos à nação tais como a polícia ou externos à nação tais como o exército ocupam as posições dominantes Ao manter essas posições eles excluem discursos alternativos e tornam virtualmen te impossível a resistência da parte dos nãoprofissionais O campo está assim estabelecida entre esses profissionais com regras do jogo específicas e regras que pressupõem um modo particular de socialização ou habitus Esse habitus é herdado das respectivas trajetórias profissionais e posições sociais mas não está claramente definido seguindo o exemplo de fronteiras nacionais Em termos muito simples já não podemos distinguir entre uma ordem in terna reinando graças à polícia pela posse do monopólio da violência legítima e uma ordem anárquica internacional mantida por um equilíbrio de poderes nacio nais frente aos exércitos e alianças diplomáticas Na prática o Estado já não é o deus Janus de duas faces com o qual estamos familiarizados desde a Antiguidade Posta em dúvida está a relevância de se ver uma separação rígida entre cenas internas e ex ternas tão fundamental à escola realista de Raymond Aron A logística de adminis trações estatais é completamente tênue O status da territorialidade estatal está sob 43 Entre os primeiros a perceber essa ligação Susan Strange a situou em dois contextos as economias políticas de gestão de crédito e mesmo a produção industrial e a política do conhecimento Porém ela não estendeu sua decla ração à segurança pensando que no setor de segurança da política ainda que apenas neste setor em virtude da soberania os profissionais ainda estavam em posição de tomar decisões E se ela concordava como outros que profissionais não eleitos do setor bancário tomam decisões no lugar dos profissionais da política ela ainda assim recusavase a acreditar que o mesmo ocorria no exército e na polícia cujas conexões profissionais ela não via e que ela continuava a imaginar como subordinados aos políticos nacionais Veja Strange S 1996 The Retreat of the State The Diffusion of Power in the World Economy Cambridge Cambridge University Press 44 Anderson M 1989 Policing the World Interpol and the Politics of International Police CoOperation Oxford New York Clarendon PressOxford University Press Anderson M Den Boer M Cullen P et al 1996 Poli cing the European Union Oxford Oxford University Press Bigo D 1996 Polices en Réseaux Lexpérience européenne Paris Presses Sciences Po Bigo D 2000 Liaison officers in Europe new actors in the European security field in J Sheptycki D Bigo Brodeur et al Issues in Transnational Policing London Routledge 67 100 Nogala D 1996 Le marché privé de la sécurité analyse dune évolution internationale Cahiers de la sécurité intérieure 24 6587 Deflem M 2000 Bureaucratization and Social Control Historical Foundations of International Police Cooperation Law and Society Review 343 87109 Neocleous M 2000 The Fabri cation of Social Order A Critical Theory of Police Power London Pluto Press Walker N 1994 European Integration and European Policing in M Anderson M Den Boer eds Policing across National Boundaries London Pinter Publishers 92114 122 discussão assim como as capacidades estatais para vigilância territorial e controle sobre esse mesmo território Mais além das questões da capacidade estatal de vigi lância e controle a equivalência entre sociedade nação e Estado é simbolicamente posta em dúvida Aqueles que governam já não se apoiam na retórica da soberania cidadania e a raison dEtatrazão de Estadocom a mesma performatividade A habilidade dos políticos de gerir é posta em questão assim como a correspondên cia entre suas crenças e as situações reais Essa forma de crise política sugere que o Estado poderia estar desatualizado não mais relevante e que e que ele é de fato mais apropriadamente visto no reino do ritual A suspeita inicialmente aplicada a políticos nos antigos regimes comunistas tornouse na verdade uma proprie dade geral de todos os tipos de arenas da vida política nas democracias ocidentais A dominação foi dissociada da forma territorial do Estado e suas classes políticas tradicionais Isso significa que a dominação não é menos poderosa senão que ela assume agora novas formas a transnacionalização das burocracias da vigilância e dos turnos de controle em sistemas de responsabilização entre empresas e políticos no que tange à definição de trabalho e às formas que sua redistribuição deve assu mir e os novos estilos de vida transicionais e culturas profissionais Porém à medida que encontram o transnacional essas formas apenas se somam à inalcançabilidade do Estado territorial como este foi classicamente definido por Hobbes e Max We ber e esse encontro pode de fato comprometer as bases da legitimidade que as classes políticas tradicionais ainda não conseguem efetivamente abandonar45 Pa ralelamente ao ascenso de um mundo essencialmente corporativo uma vez que se admita que o Estado já não é um ator unitário essa transnacionalização deixou seu impacto sobre todo o conjunto de burocracias e agentes que compõem o Estado Essa transnacionalização não afetou simplesmente as entidades privadas ONGs e movimentos de protesto afetou sobretudo atores comumente considerados enti dades públicas A transnacionalização das burocracias criou uma socialização e um rol de interesses profissionais diferenciados que adquirem prioridade em relação a solidariedades nacionais O CAMPO DOS PROFISSIONAIS DA GESTÃO DO DESCONFORTO OS RISCOS DO CONHECIMENTO Dado que este campo de profissionais existe há muito tempo é surpre endente que nunca tenha se tornado objeto de análise Por que esse ponto cego 45 Anderson M 1996 Frontiers Territory and State Formation in the Modern World Cambridge Polity Press Bigo D 1996 Security Borders and the State in J Sweedler S Allen eds Border Regions in Functional Transition Berlin Institute for Regional Studies 6379 Walker N 1994 European Integration and European Policing in M Anderson M Den Boer eds Policing across National Boundaries London Pinter Publishers 92114 123 ainda permanece sendo que essa exerce um papel tão central nas relações de dominação Isto se deve sem dúvida em grande parte à percepção comum do exército e da polícia como os executores obedientes e serventes zelosos do Estado uma narrativa igualmente encontrada no discurso interno desses profissionais e no discurso crítico sobre o aparato repressivo do Estado Além disso a composição do conhecimento disciplinar nas ciências sociais em particular a insistência de que a ciência política apenas tange a assuntos domésticos e que as relações internacionais são completamente autônomas em relação aos assuntos domésticos obscureceu as relações entre os profissionais As disciplinas vêm mostrando a tendência a dividir o campo em dois universos sociais inteiramente exclusivos idealizados como o mundo da polícia e o mundo do exército Isso acaba por desvalorizar de uma só vez todas as instituições interme diárias como a polícia militar os guardas de fronteira e os agentes alfandegários A estruturação do conhecimento acadêmico bloqueou a análise ao reproduzir o mapeamento das fronteiras do Estado em divisões organizacionais O resultado é que entidades separadas por fronteiras são criadas um domínio interno e exter no dividido de forma a que aquele controlado de acordo com o contrato social e o monopólio da violência se oponha ao sistema internacional antiteticamente anárquico deste e um horizonte hobbesiano expandido a um nível internacional postulando a possibilidade de guerra entre cada Estado e os demais Uma divisão correspondente se mantém entre polícia e os sistemas de justiça nacionais vistos como parte do domínio interno e o exército e a diplomacia considerados exter nos a este domínio O simples fato de descrever as ações policiais transpondo fronteiras como eu fiz antes em meu livro enfraquece a distinção entre as categorias de compre ensão tradicional que dependem da separação radical entre o interior e o exte rior46 Descrições de atividades militares dentro de um contexto doméstico ou a vigilância da internet por agências de inteligência os desenvolvimentos da justiça criminal ao nível internacional têm o mesmo efeito47 RBJ Walker mostrou em outras ocasiões como essa oposição interiorexterior serve tanto como limite da imaginação política quanto como fonte da sua coerência48 Como sublinha Ethan 46 Bigo D Polices en Réseaux op cit 47 Esses estudos foram conduzidos pelo por equipe do Centro sobre Conflitos e a rede ELISE Ver httpwww conflitsorg 48 RBJ A leitura de Walker sobre este ponto em InsideOutside dentrofora é particularmente importante porque nos lembra de até que ponto a grade analítica que diferencia entre o interior e o exterior a que nossas análises se encaixam de forma tão intuitiva é o produto do pensamento do Estado a lógica das disciplinas acadêmicas e as práticas e lucros simbólicos estabelecidos por essa diferenciação Ele mostra que uma concepção diferente da política em termos de fluxo e campo nos permite reunir categorias de práticas que haviam sido designadas para um espaço de dentro ou de fora em detrimento da análise e diferenciar essas práticas de outra forma Minha 124 Nadelmann em sua pioneira análise dos agentes DEA que conduzem o trabalho fora dos EUA Este livro representa o primeiro engajamento significativo de duas disciplinas acadêmicas política externa dos EUA e justiça criminal que tiveram tão pouco em comum uma com a outra A ampla maioria dos estudiosos da justiça criminal não estendeu suas atenções além das fronteiras de suas nações Entre estudantes da política externa dos EUA quase nenhum prestou muita atenção ao tema do crime e da imposição da lei 49 Agora outros trabalhos incluindo o meu deram um passo à frente alguns diriam um passo longe demais ao reconsiderar as linhas tradicionalmente estabe lecidas como fronteiras legítimas do conhecimento acadêmico Temos nos preocu pado especialmente em promover a sociologia política das relações internacionais que reintroduz fenômenos internacionais tornandoos fatos sociais diariamente normais e banais Quando desconstruímos a dicotomia entre o conhecimento interno e o externo a fronteira entre os mundos da polícia e do exército parece ser mais permeável Podemos assim considerar todas as agências intermediárias como as polícias com status militar guardas de fronteira agentes alfandegários ou agentes imigratórios para melhor entender as ligações que esses agentes estabele cem entre si e como os efeitos das suas posições têm implicações em suas respectivas narrativas Além disso desconstruir essa dicotomia nos permite entender como um continuum semântico é construído com a luta contra o terrorismo de um lado e a recepção dos refugiados do outro A desconstrução das fronteiras entre diferentes disciplinas do conhecimento permitiu que emergisse um campo coerente da aná lise uma configuração dotada de regras próprias e de uma coerência própria o campo dos profissionais da gestão do desconforto Esse campo se torna inteligível onde antes se viam apenas matérias marginais confinadas por disciplinas que se ig noravam mutuamente e se construíam em oposição umas às outras ou na melhor das hipóteses na intersecção entre diferentes campos Tais novos campos de inteli gibilidade incluem o trabalho da polícia além das fronteiras a justiça internacional condenando crimes militares ou a construção da imagem do inimigo interno pelos serviços de inteligência a tal ponto que seu perfilamento se aplique a certos grupos de habitantes estrangeiros dentro do próprio país Com essa teoria do campo dos profissionais da gestão do desconforto po dese assim ultrapassar a linha habitual traçada pelas ciências sociais entre inter no e externo entre problemas que repousam sobre termos de defesa e problemas da polícia e entre problemas de segurança nacional e problemas de ordem pú análise é fortemente grata a esse trabalho Ver Walker RBJ 1993 InsideOutside International Relations as Political Theory Cambridge Cambridge University Press 49 Nadelmann EA 1993 Cops across Borders The Internationalization of US Criminal Law Enforcement Uni versity Park PA Pennsylvania State University Press For a more detailed and critical analysis see Bigo D 1995 Compterendu de louvrage de Nadelmann Revue française de science politique 3 167173 125 blica Essa hipótese realmente reúne o exército assim como a polícia e todos os outros profissionais da gestão de ameaças nos seus próprios termos de figuração nas palavras de Norbert Elias ou habitus para usar o termo de Pierre Bourdieu Depois de ter hesitado através da extensão de vários artigos sobre como ex pressar precisamente essa hipótese interpenetração entre setores fusão de diferen tes universos sociais prefiro agora falar em termos de desdiferenciação dos temas da segurança interna e externa50 Essa desdiferenciação entre segurança interna e externa nos permite de fato relembrar o caráter social e historicamente construí do do processo de diferenciação em termos de sóciogênese do Estado Ocidental como delineado por Norbert Elias ou Charles Tilly Isso nos permite pensar o cam po da segurança como um campo que cruza o interno e o externo um novo espaço gerador de conflitos entre profissionais de segurança que produz interesses comuns um programa idêntico de verdade e novas formas de conhecimento Para compreender este campo como ele se estabelece dentro de um espaço transnacional da gestão do desconforto em sociedades de risco é necessário per formar a sua genealogia destacar as semelhanças que são consistentes ao longo do espaço e estabelecer o que é significativo sobre as diferenças que são tão pro fissionais quanto geográficas Um benefício dessa abordagem é mostrar como a cooperação policial está ligada à questão do controle das fronteiras à imigração à luta contra o terrorismo à relações com as forças armadas e às relações tran satlânticas poderíamos até mesmo incluir as relações entre a gestão privada e a pública da segurança sob este aspecto da coerção policial É importante não criar o problema acadêmico de uma torre de mármore ao considerar as organizações chamadas polícia nacional como objetos autocontidos que determinam a defini ção de polícia hoje Hoje em dia fazer o trabalho de policiamento constitui cada vez menos uma questão nacional e consiste cada vez menos em uma atividade restrita a organizações públicas conhecidas pelos nomes oficiais de forças policiais nacionais51 O POLICIAMENTO EM REDES POLICIAMENTO A DISTÂNCIA As atividades de policiamento se tornaram mais extensivas Atividades po liciais são formadas de conexões entre diferentes instituições e funcionam em re 50 Já explorei em outros contextos a interpenetração entre os respectivos setores que se interseccionam entre vários universos sociais a perda de marcas de referência e as fronteiras dos atores a confusão de identidades Veja por exemplo Bigo D 2001 Internal and External Securityies The Möbius Ribbon in M Jacobson D Albert Y Lapid eds Identities Borders Orders Rethinking International Relations Theory Minneapolis University of Minnesota Press 160184 51 Devido a limitações de espaço não listo as colaborações práticas entre diferentes forças policiais ao nível euro peu Muitos trabalhos anteriores já fizeram isso a minha prioridade é antes sugerir como entender as implicações metodológicas e teóricas da colaboração na polícia europeia pode beneficiar a nossa análise 126 des Sua formação também ocorre à medida que elas assumem um novo e amplo espectro de atividades e o projetam muito além das fronteiras nacionais Estas implementações geográficas de redes desterritorializam as atividades policiais em termos de missão e instituições e agora incluem o próprio judiciário com a liga ção entre a Eurojust e a Europol Essas atividades de policiamento em parti cular as dedicadas à vigilância e à manutenção da ordem pública agora ocorrem a distância além das fronteiras nacionais como com os detetives especializados em hooligans nas partidas internacionais de futebol ou pelos protestos e mani festações antiglobalização Mas isso também ocorre além das atividades policiais tradicionais e alcança as relações internacionais A prática de ignorar fronteiras por meio do policiamento da segurança interna também ocorre pelo envio ao exterior de conselheiros de segurança interna nos consulados que emitem vistos permitindo que pessoas entrem no Espaço de Schengen52 Isso afeta as linhas aéreas que em vez de polícia recebem a tarefa de verificar passaportes e contratar guardas de segurança privada e treinar o seu pessoal para realizar essas tarefas de controle Ela chega mesmo a transformar o papel dos exércitos em suas tarefas pacificadoras e reconstrucionistas como agora elas também recebem a missão de supervisionar atividades criminais potenciais que poderiam afetar a segurança interna Finalmente isso cria ligações com as agências de inteligência ao partilhar alguns dos mesmos bancos de dados Todas essas atividades participam no que se conhece como interrogatórios de segurança interna no exterior nos quais a vigilância se projeta sobre espaços estados e pessoas vistas como um perigo e uma ameaça à segurança nacional e à ordem pública Essa tendência a operar além das fronteiras nacionais ocorre não apenas por meio das atividades ligadas ao sistema Schengen de vigilância e às ações toma das nesse arcabouço pelo informante de cada Estadomembro Ela também ex cede as fronteiras reais da União Europeia quando cria demandas sobre os países candidatos à União Europeia como aquelas que se impuseram sobre os dez novos paísesmembros em 2004 ou quando se estende ao círculo de amigos da União Europeia ao condicionar o auxílio econômico à permissão de ter atividades poli ciais e imigratórias dentro de cada um desses países Ao mesmo tempo essas atividades policiais estão elas próprias sofrendo uma redefinição cujo efeito é o alargamento do espectro de um modo particular Seria patentemente equivocado concluir que essas atividades são principalmente orientadas ao crime ou a ações antiterror apesar da retórica A principal atividade 52 NT O Espaço de Schengen é criado pelo Acordo de Schengen o qual estipula a livre circulação de pessoas entre os países europeus signatários não se confunde com a União Europeia O nome Acordo de Schengen faz alusão à região luxemburguesa situada às margens do rio Mosela que fica próxima à tríplice fronteira entre Alemanha França e Luxemburgo onde já ocorria livre circulação 127 consiste antes em manter os estrangeiros mais pobres a distância por meio de con trole do fluxo de populações móveis Quinze anos de retórica intensiva criaram a crença em que pobreza crime e populações móveis estão intrinsecamente ligados mas a correlação entre crime estrangeiridade e pobreza é totalmente falsa53 O termo segurança interna agora usado para designar a segurança ao nível europeu é uma medida desses dois novos tipos de alcance Por um lado o alcance é geográfico com a dimensão da cooperação europeia e transatlântica por outro o alcance advém do papel e das obrigações das várias agências de in segurança O alcance geográfico e a redefinição de esferas de competência impli cados por ele vêm sendo objeto de numerosos comentários A dimensão real das mudanças ocorridas ao nível diário porém foi mal calculado devido à crença no discurso da suspensão de controles dentro da UE e a sua localização na fronteira externa da UE que supostamente cria liberdade de circulação para todos dentro da UE Na verdade devese enfatizar que controles foram descentralizados e mo dernizados mas não foram de forma alguma eliminados os controles permane cem dentro embora de modo aleatório na fronteira externa e mesmo fora Tanto os profissionais da insegurança quanto os políticos permaneceram em silêncio quanto à questão de como as atividades ligadas ao controle do fluxo transnacio nal de pessoas expandiram seu alcance Ao adicionar estas tarefas às tarefas tradi cionais do combate ao crime e assim proceder por uma extensão da definição de segurança esses atores fortaleceram sua posição institucional A consequência dessa extensão da definição de segurança interna ao nível Europeu é que ela clas sifica fenômenos extremamente distintos no mesmo continuum a luta contra o terrorismo as drogas o crime organizado a criminalidade transfronteiriça a imigração ilegal e para controlar mais ainda o movimento transnacional de pessoas seja na forma de migrantes refugiados ou outros cruzadores de fronteiras e mais amplamente ainda de qualquer cidadão que não corresponda à imagem social a priori que se tem da sua identidade nacional ex a primeira geração de filhos de imigrantes minorias O controle é assim ampliado para além dos parâmetros das medidas convencionais de controle do crime e o policiamento dos estrangeiros para também incluir o controle de pessoas que vivam em zonas rotuladas como de risco54 onde os habitantes são submetidos a vigilância por corresponder a um tipo de identidade ou comportamento ligado a predisposições consideradas como riscos 53 Tournier P 1997 La délinquance des étrangers en France analyse des statistiques pénales in S Palidda ed Délit dimmigration Brussels European Commission 133162 Tsoukala A 2005 Looking at Migrants as Enemies in D Bigo E Guild eds Controlling Frontiers Free Movement into and within Europe Aldershot Ashgate 161192 Wacquant L 1999 Des ennemis commodes Actes de la recherche en sciences sociales 129 6367 Dal Lago A 1999 NonPersone Lesclusione dei migranti in una società globale Milano Feltri nelli 54 Por exemplo os banlieues subúrbios franceses desfavorecidos ou centros urbanos em declínio 128 Este novo alcance de atividades permite uma nova lógica mais individua lizada da vigilância Seu novo alcance privilegia os ministros do interior e os mi nistros da justiça a ponto de esses ministros em particular terem percebido como combinar a nova lógica da vigilância ao nível da colaboração policial europeia por meio da forma de uma rede de relações entre servidores civis que lhes permite entender a situação além das fronteiras nacionais Isso possibilita a emergência de um corpo de expertise sobre assuntos extraterritoriais permitindo que vejamos ministros encarregados da segurança interna sendo internacionalizados Esse al cance se desenvolve da mesma forma que para alfândegas e ocorre em detrimento dos ministros sociais Ministro do Trabalho etc ou ministros especializados ministro dos assuntos europeus etc E esse alcance chega a ponto de impactar os domínios do ministro do interior e os ministros orientados aos assuntos inter nacionais assuntos estrangeiros e defesa Os vários ministros do interior então tomam iniciativas que abordam assuntos políticos estrangeiros a ponto de poder dizer que é para prevenir repercussões nos assuntos de segurança interna Vários trabalhos recentemente chamaram nossa atenção aos modos como os sistemas nacionais de polícia são estruturados em diferentes redes e se inspi ram em recursos internacionais de acordo com suas respectivas especialidades profissionais incluindo o tráfico de drogas o terrorismo a manutenção da or dem e as torcidas de futebol Essa diferenciação de especialidade significa que a polícia portanto não forma uma só rede única e homogênea Estaríamos mais bem servidos pensando em um arquipélago do policiamento ou um mosaico que preserva a unidade da polícia nacional da polícia militar do controle de alfândega da imigração dos consulados e mesmo dos serviços de inteligência e do exército da mesma forma como por exemplo essa polícia internacional opera atualmente nos Bálcãs Esses arquipélagos são estruturados além das suas atividades comuns seguindo as linhas da identificação cultural ex franceses britânicos alemães ou europeus do norte e do sul profissão ex polícia polícia com status militar agentes alfandegários nível organizacional ex nacional lo cal municipal missão ex inteligência controle de fronteiras polícia criminal conhecimento percepções de ameaças e de uma hierarquia de adversários e ino vação tecnológica sistemas informáticos vigilância eletrônica oficiais informan tes que sejam cruciais na gestão e na troca de informações entre agências Por muito tempo o campo da insegurança foi estruturado por meio de trocas transnacionais de informação e a rotinização de processos que lidem com informação de inteligência Seria ingenuidade ver esse fenômeno como um simples efeito da globalização As polícias nacionais vêm sendo transformadas em uma rede desde que foram criadas como instituições Ao contrário da polí cia judiciária e da criminal a prerrogativa da polícia de inteligência sempre foi conduzida independentemente das fronteiras territoriais e sempre se focou nas 129 identidades das pessoas sejam elas reais ou fictícias independentemente das suas origens ou locais de residência Desde o fim do século XIX a colaboração policial vem sendo muito ativa contra osas subversivosas Mas não há dúvida de que a ideia de europeização causou um aprofundamento das relações além das capacidades anteriores da Interpol desde o fim dos anos 1970 com a criação dos clubes de Berna e Trevi As ideias de movimento livre e controle de fronteiras aparecem com força total ao nível europeu nos anos 1980 As categorias legais de fronteira soberania e policiamento foram comprometidas por cinco transforma ções principais a distinção entre as fronteiras internas e externas da UE a criação das zonas de detenção do aeroporto internacional para imediatamente enviar de volta estrangeiros que não tenham os documentos certos para entrar no campo Schengen a tentativa de impor o termo refugiado econômico e de redefinir quem é refugiado com a decorrente diminuição das admissões concedidas a pes soas que busquem o direito ao asilo o uso do termo imigrante em vez do termo estrangeiro com a decorrente inclusão de alguns nacionais na classificação de estrangeiros suspeitos a relativização do termo estrangeiro oposto a nacional a fim de fortalecer a distinção entre membros da comunidade e Nacionais de um Terceiro País como nãomembros Mas devido à inabilidade de fincar e manter fronteiras como defendido pela retórica da segurança cada organização cada país separadamente ou em colaboração com outros tenta deslocar o locus do controle de volta à origem para bloquear e dissuadir a vontade de viajar no país de orgiem e para deslocar o ônus de controlar o movimento e o crime para outra polícia55 Essas mudanças causaram uma profunda disjunção entre o discurso sobre a segurança interna europeia e as práticas realmente levadas a cabo As fronteiras externas às vezes são de fato lugares arbitrários mas em circunstância nenhuma representam uma barreira eletrônica de segurança efetiva Fronteiras terrenas são muito facilmente rompidas e frequentemente a polícia permite que os candidatos entrem e contanto que esteja claro que não têm nenhuma intenção de permane cer no país não verificam sua identidade e até lhes explicam como chegar ao país vizinho Cf França e Reino Unido em relação a Sangatte De fato os controles de fronteira dentro da Europa não estão desmantelados como prometido pela retórica de livre movimento e seus freios e contrapesos O controle está privatiza do delegado a companhias aéreas e aeroportos que por sua vez subcontratam o trabalho a empresas de segurança56 O Controle é às vezes também mantido 55 Bigo D 1998 Europe passoire et Europe forteresse La sécuritisationhumanitarisation de limmigration in A Rea L Balbo eds Immigration et racisme en Europe Bruxelles Complexe 8094 56 Lahave G 1998 Immigration and the State The Devolution and Provision of Immigration Control in the EU Journal of Ethnic and Migration Studies 244 675694 Guiraudon V 2001 Denationalizing control analy sing state responses to constraints on migration control in V Guiraudon C Joppke Controlling a new migration 130 devido ao simples deslocamento de alguns quilômetros A maior medida do con trole é exercida por meio dos vistos e os controles nos consulados dos países de origem dos passageiros A articulação do SIS Serviço Secreto de Inteligência do Reino Unido e as práticas de controle da estrutura para alocação de vistos guiam as decisões táticas na guerra contra fraudes de documentos falsos e influenciam o processo de confecção de documentos induplicáveis usando tecnologias além das impressões digitais como fotografias numéricas reconhecimento facial ou de retina e outras técnicas biomédicas Essas tecnologias permitindo que a polícia discipline e puna além das fronteiras por meio da colaboração entre agências de segurança estão multiplicando uma tendência que polariza a profissão de poli ciamento Em geral dois tipos de policiamento aparecem dentro dos parâmetros da instituição da polícia nacional o primeiro emprega pessoal não qualificado ou minimamente qualificado que está no entanto presente e visível ao nível local como auxiliar da polícia do município do governo local ou outra O segundo tipo assume uma abordagem oposta ao empregar algumas pessoas altamente qua lificadas que estão em contato próximo com outras agências de segurança e con trole social caracterizadas por discrição e distância57 No que definem como uma relação osmótica entre esferas governamentais de alto escalão e atores privados estratégicos esses indivíduos tomam por sua a missão de prevenir o crime agindo sobre as condições de modo próativo prevendo onde o crime pode ocorrer e quem pode criálo Seu trabalho consiste em fazer análises prospectivas baseadas em conhecimento estatístico correlações hipotéticas e supostas tendências de pois prever um futuro considerando a pior das hipóteses e agindo para prevenila Esses profissionais creem ser mais profissionais e competentes que os outros e sua ambição é recolher com base em dados gerados informações abertamente dispo níveis dados socialcientíficos e as técnicas de operações de inteligência policial Esse sonho de uma comunidade epistêmica consensual conhecedora do futuro e definidora da linha do presente a partir desse conhecimento reversível persegue o imaginário desses profissionais que policiam transformações sociais a distância uma distância geográfica e uma temporal pilotada por essa lógica de previsão que funde ciência e ficção Esta perspectiva os põe em um espaço virtual do qual eles podem supervisionar tudo ao mesmo tempo que são tão discretos que não são eles mesmos vistos Nós também já não vemos aqueles que levam a cabo as ações do imaginário o alto número de policiais juízes e guardas prisionais A gestão populacional opera menos como uma prática enraizada de pastoreio que world London Routledge pages 121149 Guiraudon V 2002 Les compagnies de transport dans le contrôle migratoire à distance Cultures Conflits 45 124147 57 Estou em dívida com Laurant Bonelli por chamar minha atenção para o modo como esses dois tipos de controle estão polariados uma vez que percebamos isso é impossível ver a polícia nacional como uma profissão única e independente Vejam Monjardet D 1996 Ce Que Fait La Police Sociologie De La Force Publique Paris La Découverte 131 uma prática nômade que acompanha a migração sazonal de populações criada como efeito de tal lógica próativa Vigilância a distância significa trabalhar para controlar o movimento de populações para dentro e para fora Ela ocorre por meio de travas e mecanismos de exclusão como vistos controles estabelecidos pelas companhias aéreas depor tações e readmissões Além de restringir a liberdade de movimento ela ainda cria espaços penitenciários apesar de estes normalmente não poderem ser categoriza dos como tal na França na Grécia por exemplo os centros de detenção em ae roportos são chamados zonas de espera58 Já que seu policiamento descentralizado é delegado aos consulados localizados no país de origem do viajante esse modo de controle é muito menos visível que a polícia operando nas linhas de frente do controle de fronteiras A recusa a emitir um visto se torna a primeira arma da polícia e assim sendo se torna o local de grandes arbitrariedades em termos de tomadas de decisão A prática policial é dirigida à vigilância de estrangeiros pertencentes a minorias étnicas pobres e estende seu alcance além dos limites anteriores de investigação criminal por meio de ações próativas que capacitam a polícia a localizar grupos supostamente predispostos à criminalidade de acordo com o conhecimento sociológico O perfil dos culpados muda ele já não advém de uma suposta criminalidade mas de uma suposta indesejabilidade Prisões que confinam os culpados são menos significativas neste dispositif que os novos espaços penitenciários como os campos de contenção que repro duzem as mesmas condições carcerárias das prisões mas sem o julgamento de culpa O relaxamento da vigilância sobre a maioria dos indivíduos vista como pesada demais e totalizante demais beneficia a colheita global de informação e a perseguição dos grupos mais móveis as diásporas migrantes e se o argumento valer turistas Eu apliquei a noção de campo a esses profissionais engajados em segu rança interna para descrever os arquipélagos institucionais dentro dos quais eles trabalham seja no setor privado ou no público Em nome da segurança esses profissionais manuseiam tecnologias de controle e vigilância cujo objetivo é nos dizer quem e o que deveria inspirar desconforto em vez do que é inevitável CAMPO E REDES Como analisei em meu livro Polices en réseaux Lexpérience européenne assim como em vários artigos um campo deve ser definido em termos de quatro 58 See the 1996 23 issue of Cultures Conflits Circuler enfermer éloigner Zones dattente et centres de réten tion des démocraties occidentales Veja httpwwwconflitsorg para todas as edições do jornal 132 dimensões Primeiro o campo como um campo de força ou um campo magnéti co um campo de atração que polariza em torno dos riscos específicos dos agentes envolvidos segundo o campo como um campo de conflito ou um campo de batalha que nos capacita para entender as atividades colonizadoras de vários agentes as retiradas defensivas dos outros e os vários tipos de algoritmo tático que organizam conflitos burocráticos terceiro o campo enquanto campo de do minação face a face com outro campo o campo enquanto um posicionamento dentro de um espaço político e social mais amplo que permite a possibilidade de declarações que façam declarações de verdade baseados em conhecimento e knowhow e quarto o campo como um campo transversal cuja trajetória re configura universos sociais outrora autônomos e move as fronteiras desses reinos anteriores para que os incluam total ou parcialmente no novo campo Exempli ficando isso no caso da segurança está uma mudança que reconfigura algumas profissões policiais e militares assim como as profissões intermediárias que se guem a desdiferenciação de seguranças internas e externas por meio das práticas de violência e tecnologias de identificação e vigilância Se formos tentar uma definição preliminar do campo dos profissionais da insegurança ou de modo mais geral da gestão do desconforto começaríamos dizendo que o campo depende menos da real possibilidade de usar a força como nos relatos sociológicos clássicos de Hobbes ou Weber nos quais o campo seria definido puramente como uma função de coerção Ele depende antes da capaci dade dos agentes de produzir declarações sobre o desconforto e apresentar solu ções para facilitar a gestão do desconforto Ele também depende da capacidade das pessoas e técnicas de conduzir sua pesquisa a um nível rotineiro neste corpo de declarações que se desenrola para desenvolver correlações perfis e classificar aqueles que devem ser identificados e postos sob vigilância59 O desconforto pode suscitar temores riscos e a percepção de ameaças não intencionais Mas ao mes mo tempo agências usam sua capacidade analítica para antropomorfizar o perigo e constroem uma visão do inimigo às vezes causando intencionalmente ou não uma polarização social que estende ou reestrutura as alianças políticas O proces so de insecuritização repousa então nas habilidades rotineiras de agentes para gerir e controlar a vida de acordo com as palavras de Foucault atravessando as condições materiais concretas que estabelecem O CAMPO COMO UM CAMPO DE FORÇAS Se o campo da insegurança funciona como um campo de forças exercen do suas pressões sobre os agentes engajados nele é porque combina com uma 59 Veja os gráficos no apêndice 133 certa homogeneidade encontrada nos interesses burocráticos desses agentes seus modos semelhantes de definir o inimigo potencial e de acumular conhecimento sobre esse inimigo por meio de diversas tecnologias e rotinas Ele costuma ho mogeneizar os modos desses agentes de considerar uma gama limitada de tipos antropomorfizados para definir uma focalização partilhada por todos aqueles que se inspiram no campo60 Para entender as posições e discursos que situam esses agentes é necessário correlacionálos com sua socialização profissional e suas posições de autoridade em termos de seus papéis como portavozes das instituições legítimas dentro do campo dos profissionais da insegurança ou da gestão do desconforto O CAMPO ENQUANTO UM CAMPO DE CONFLITOS Campo de forças o campo da insegurança também funciona como um campo de conflitos dentro do qual os agentes se situam com os recursos e os objetivos diferenciados que estruturam suas posições Nesse sentido o campo da insegurança é um campo de conflitos para conservar ou transformar a configuração das forças do próprio campo61 Se esses conflitos correrem entre esses atores se essas competições acontecerem é porque de fato elas têm os mesmos interesses o mesmo senso do jogo e têm a mesma percepção do que está em risco Mas a fim de evitar estereótipos é necessário não presumir uma correspon dência automática entre posições e certos tipos de discurso A percepção dentro desses pequenos grupos do que está em risco pode ser afetada por dinâmicas tais como comportamentos interpessoais ou estratégias multiposicionais Além 60 Por exemplo se o imigrante costuma existir como o adversário comum da polícia do exército e dos políticos isso não é porque ele é designado como tal pelo consenso global Essa aparente convergência é na verdade efeito de diferentes modos de insegurança que convergem para tornálo inteligível como um sujeito de segurança para a polícia quanto ao crime ao terrorismo às drogas para o exército quanto à subversão zonas cinza para a imprensa economicamente por meio do desemprego demograficamente por meio da taxa de natalidade e o medo da mistura étnicoracial etc O discurso sobre assimilação tornase ele mesmo uma linha de segurança contanto que esteja preocupado coma integração de pessoas e não com o seu desenvolvimento interessado em precluir a futura oposição Essa mudança na imigração não é simplesmente uma mudança de percepção discurso ou política pública Sobretudo deriva de práticas concretas relacionadas a transformações de conhecimento prá tico know how e tecnologias Se quisermos analisar tais transformações no conhecimento precisamos primeiro reconectálas às reais práticas em vez de voltarmonos primeiro para racionalizações de segunda ordem que os agentes leram retroativamente nas suas práticas Em outras palavras precisamos observar as relações faceaface nas quais o impacto das tecnologias realmente usadas conta mais que as representações percepções e discursos que agentes atribuem a seus respectivos papéis Veja Dal Lago A NonPersone op cit Palidda S 2000 Poli zia Postmoderna Etnografia del nuovo controllo sociale Milano Feltrinelli Palidda S 1997 La construction sociale de la déviance et de la criminalité parmi les immigrés Le cas italien in S Palidda Délit dimmigration op cit 231266 Butterwegge C 1996 Mass Media Immigrants and Racism in Germany A Contribution to an Ongoing Debate Communications 2 203220 Tsoukala A 1997 Le contrôle de limmigration en Grèce dans les années quatrevingtdix Cultures Conflits 2627 5172 Huysmans J 1995 Migrants as a secu rity problem dangers of securitizing societal issues in R Miles D Thränhardt eds Migration and European Integration The Dynamics of Inclusion and Exclusion London Pinter 5372 Wacquant L Des ennemis com modes op cit Heisler MO 2006 The transnational nexus of security and migration to be published Bigo D 2002 Security and immigration toward a critique of the of unease Alternatives 27 6392 61 Bourdieu P Wacquant L 1992 Réponses Pour Une Anthropologie Réflexive Paris Seuil 78 134 disso a análise das diferenças entre posições não devem nos deixar esquecer que as táticas da colonização burocrática não avançam passo a passo e localmente por aumento incremental elas podem pular para outras atividades por exemplo desde a ameaça de terrorismo até desastres naturais em nome da velocidade e da disciplina Tal é o caso mesmo se for necessário acreditar pragmaticamente na proximidade dessas atividades por meio da construção de pontes semânticas dentro do continuum de riscos ameaças e insegurança62 O fundamental é que qualquer ação realizada por um agente para deslocar a economia de forças a seu favor tem repercussões em todos os outros atores como um todo Esses conflitos são fundamentais para entender a economia interna do campo e os processos de formação e alcance que a caracterizam No caso específico do campo in segurança o campo é determinado pelos conflitos entre polícia intermediá rios e agências militares sobre os limites e definição do termo segurança e em meio à privatização das diferentes ameaças assim como a definição do que não é uma ameaça mas apenas um risco ou mesmo uma oportunidade A questão central relevante à definição de segurança é assim saber quem está autorizado ou a quem é delegado o poder simbólico de designar exatamente quais são as ameaças A esse respeito é impossível avaliar o significado de ameaças julgando exclusivamente com base manifesta nas próprias declarações Para qualificar isso precisamos prestar atenção a quem está na posição de enunciação e às posições de autoridade dos próprios enunciadores ao mesmo tempo em que consideramos seus interesses pessoais políticos e institucionais dentro do campo Sem dúvidas é fácil demais definir definitivamente as forças centrífugas que compelem a polícia e o exército a partilhar os mesmos interesses as mesmas regras e a mesma visão do que está em risco ou seja quais são as ameaças emer gentes Apesar do atual estado do campo poderseiam imaginar forças centrí petas que operariam para levar o campo da insegurança a desviarse novamente ao longo do limite das atividades internas e externas ou mesmo pulverizálo em diferentes arranjos enquanto se mantêm as mesmas categorias por exemplo uma divisão guiada pela lógica das tecnologias Se as transformações de confli tos não tivessem um impacto direto e determinante no campo da segurança a chance de um reavivamento da ameaça militar da Rússia à China por remota que seja poderia ser imediatamente interpretada como extremamente perigosa e poderia reintroduzir um racha que traria de volta uma divisão do trabalho ante rior entre polícia e exército debilitando a tendência a partilhar recursos Mas na 62 Podemos aqui também mencionar o trabalho de Graham Allison sobre o segundo e o terceiro modelos e também o trabalho sociológico de Bourdeieu O trabalho de Allison é uma análise mais detalhada dos mecanismos de conflito e permite uma melhor compreensão da fluidez das posições de sujeitoVeja Allison GT Zelikow P 1999 Essence of Decision Explaining the Cuban Missile Crisis New York Longman Veja principalmente as competições que ocorrem em torno das fronteiras fluidas e das missões abertas que caracterizam as atividades colonizadoras das agências 135 verdade a extensão das ditas missões humanitárias ou a manutenção da ordem nos países não ocidentais ameaça acelerar os efeitos do campo ao fundir ainda mais o policiamento a inteligência e as atividades militares63 O 11 de setembro claramente exerceu um papel na produção de uma convergência entre posições tomadas quanto à segurança interna e à externa Mas essa convergência também revalorizou os esforços militares e legitimou o fato de que a guerra ao terroris mo não devia mais ser conduzida sob a égide da polícia Sobretudo sublinhou como os efeitos do campo foram propagados em ambas as direções a do aumento para incluir novas geografias64 e a funcional com a vontade de mobilizar e estender a todos os profissionais da gestão do des conforto o papel de vigilância antiterrorista65 O CAMPO COMO CAMPO DE DOMINAÇÃO O campo da insegurança também funciona como um campo de domi nação em relação a outros campos sociais incluindo às vezes o campo dos pro fissionais da política Ele costuma monopolizar o poder de definir as ameaças legitimamente reconhecidas crime organizado global terrorismo global guerra 63 Veja a contribuição de OLSSON Christian Military interventions and the concept of the political bringing the political back into the interactions between external forces and local societies In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Christian Bonel li Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 64 A colaboração transatlântica no antiterrorismo novas alianças e o reavivamento de uma OTAN diferente 65 Para dar um exemplo ao nível europeu a exacerbação dos conflitos ao nível nacional levou os atores neles envol vidos a pressionar os contatos internacionais a triunfar nacionalmente De modo a entender a europeização desse fenômeno e seu impacto precisamos ver como as alianças feitas além das fronteiras nacionais para promover uma certa concepção ou estilo de polícia dentro dessas fronteiras exerce força no processo mais agregado de europeização A polícia nacional francesa mais especificamente os seus serviços envolvidos com a luta antiter rorista foram capazes de usar a europeização como uma oportunidade de reforçar seu poder e em alguns casos libertarse dos domínios clássicos da contraespionagem As conexões são passadas do serviço central com uma tentativa de ser o único interlocutor da agência internacional Por outro lado a chegada tardia dos gendarmes for mou conexões ao nível local aproveitandose assim das suas forças estacionadas nas fronteiras e usou o trunfo transfronteiriço trabalhando com a polícia dos Länder países opostas elas próprias ao BKA Escritório Fede ral Alemão de Polícia Criminal trabalhando com a polícia francesa A historicidade desse contexto é importante Ao contrário do que sugere uma leitura superficial de Allison esses conflitos não são mantidos perpetuamente por uma economia de desejos pessoais ou por seu status estruturalmente inerente às burocracias mas pela relação dinâmica que emerge das suas trajetórias e conhecimentos recíprocos conhecimento prático e tecnologias que empregam A dinâmica de conflitos assume a configuração específica do campo que costuma recompor o proces so de insecuritização reconciliando o exército e a polícia e assim a modificação de sua distância relativa O que é necessário é persuadir os políticos de que conflitos sobre orçamentos missões e legitimidade são as áreas mais frutíferas para a gestão de ameaças transnacionais Aqui os fatores determinantes são as trajetórias das agências particularmente as que formam novas redes a partir de agências anteriormente desconexas Esse é o caso das gen darmerias que conectam os mundos policial e militar ou os juízes que conectam o mundo policial e o judiciário ou alternativamente o caso dos agentes alfandegários na guerra às guerras que criam pontes entre a polícia e os vários imperativos econômicos que privilegiam a livre circulação de bens Os interesses dessas agências interme diárias em ligar esses dois tipos de universo são opostos aos interesses das agências mais tradicionais e dentro das últimas aos interesses daqueles que tem tudo a perder como aqueles dedicados à contenção no exército e à segurança pública na polícia Assim a posição dos atores e ainda mais as suas trajetórias costumam determinar as posições que adotam os tipos de registro discursivo que eles usam e os tipos de retórica que eles mobilizam para seu conflito tornandoos praticamente cegos às suas reais semelhanças e interesses comuns 136 ao terror etc Isso quer dizer que os agentes do campo lutam pela autoridade de impor a sua definição de quem e o que inspira medo Na competição entre o campo dos profissionais da política e o campo dos profissionais da insegurança existem espaços indeterminados nos quais cada agente é obrigado a negociar e nos quais transações em conjunto operam no sentido forte do termo66 O campo como acabo de descrever essencialmente abarca as burocracias públi cas mas também inclui burocracias privadas negócios intermediários políticos e agrupamentos que funcionam para desenvolver uma mentalidade orientada à segurança na esfera pública Nosso entendimento desses atores privados é ainda incompleto mas há cada vez mais trabalho convincente disponível que nos ajuda a compreender a ligação complexa entre essas entidades e as burocracias públi cas67 O campo da segurança exerce a sua força ou capacidade de atração por seu poder de impor aos outros agentes por meio da crença que os integrantes do campo possuem enquanto especialistas o conhecimento suplementar e segre dos que apenas profissionais podem ter Essa crença é reafirmada pelo trabalho rotineiro diário tecnologias e a troca e partilha de informação como uma certa abordagem à mudança social riscos ameaças e inimigos que é constantemente invocada e reconfirmada O campo da insegurança é assim no seio do cam po do poder como um campo burocrático composto de especialistas que têm a capacidade de afirmar que sabem mais que os outros mesmo que os outros sejam os profissionais da política incluindo os chefes de Estado Nesse campo os agentes sejam governamentais ou não governamentais entram em conflitos com o objetivo de estabelecer uma esfera específica de práticas68 por meio das várias instituições de leis regras normas e o conhecimento rotineiro diário de quais regras e resoluções de tal estabelecimento são permitidos ou proibidos Mesmo que profissionais nacionais da política ainda exerçam um papelchave na estruturação de questões de segurança por causa do seu envolvimento diário no estabelecimento das práticas de segurança as agências e escritórios que compõem o mundo da segurança são talvez os únicos agentes capazes de afirmar com al 66 Sobre a ideia de uma transação conjunta veja Dobry M 1992 Sociologie des crises politiquesParis Presses de la FNSP Ao nível nacional o conflito entre o Conselho e a Comissão no retrato do terceiro pilar pilar de Justiça e Assuntos Domésticos da UE também reflete ocasionalmente esses conflitos Por ora essa abordagem das re lações entre os diferentes campos não está suficientemente analisada A pesquisa de Bourdieu sobre uma taxa de conversão do cpital por meio de um campo do Estado é pouco convincente e está limitada por sua dependência no pensammento da naçãoEstado O trabalho de Dobry é sem dúvida o mais pertinente e apropriado para analisar essas dinâmicas transnacionais de dominação mas seria necessário tomar a análise além do seu atual domínio de mobilização multissetorial Ambas as análises contribuem com a nossa análise mostrando o quão inatingível é a imagem da política conduzida pelos governos nacionais em oposição uns aos outros sob um guardachuva euro peu Esse tipo de análise nos força a questionar a autonomia dos atores mais poderosos no campo da segurança que são atores políticos no mesmo sentido que os banqueiros analisados por Susan Strange Sua análise por sua vez nos incita a refletir sobre as capacidades limitadas do plano de segurança definido como local e assumidas por políticos profissionais 67 Ocqueteau F 1998 Polices privées sécurité privée Déviance et Société 3 7299 Nogala D Le marché privé op cit 68 Operações que podem consistir em classificação categorização filtragem exclusão perfilamento ou cercamento 137 gum grau de sucesso a sua definição do que inspira desconforto Apesar de ser com certeza verdade que todas essas agências têm interesse em manter os termos que os atores políticos usam para rotular e retratar as ques tões elas encobrem e investem essas definições com as suas próprias significâncias e práticas A esse respeito os conflitos atuais entre agências operam em conjunto com o conflito que cada agência assume para ser reconhecida por políticos que ainda conservam o poder de abolir ou reformálas ou seja a segurança doméstica restruturando o equilíbrio burocrático de poder entre FBI CIA departamen to de Estado Departamento de Defesa Pentágono e guardas de fronteira ou o esforço para homogeneizar a avaliação de uma lista de terroristas e as relações conflituosas entre o segundo e o terceiro pilares com Europol Frontex Eurojust EACPO de um lado e Sitcen e o coordenador Antiterrorista de Vries de outro Esse conflito também ocorre em conjunto com o conflito para excluir outros ato res igrejas organizações Cruz Vermelha mídias alternativas desqualificando seus pontos de vista a respeito da definição de ameaças e das políticas públicas que almejem prevenir as ameaças69 OS EFEITOS DO CAMPO Os oito seguintes efeitos do campo da segurança nos permitem identificar os efeitos de dominação do campo Primeiro os sistemas de representação de agentes que anteriormente não compartilhavam esses sistemas convergem devido a seus interesses compartilhados em entrar nos conflitos para definir e priorizar as ameaças emergentes Segundo profissionais no campo da insegurança classifi cam toda transformação social global que afeta a sociedade à qual os políticos são incapazes de responder sob a denominação de ameaça cuja consequência final é definir um inimigo Essa convergência ocorre mesmo se a experiência imediata dos agentes os tiver levado a privilegiar os seus próprios papéis suas próprias mis sões específicas pelas quais eles entraram em competição em primeiro lugar cri me organizado global versus terrorismo global Terceiro agências de segurança reconhecem de um ponto de vista prático que qualquer perspectiva mesmo as de diferentes nações ou profissões pode estabilizar ou desestabilizar todo o corpo de relações que a agência mantém com os outros Assim cada agência integra o seu reconhecimento prático entre as suas estratégias Quarto algumas agências de segurança que anteriormente apareciam como marginais aos mundos da polícia e 69 Veja a contribuição de TSOUKALA Anastassia Defining the terrorist threat in the postSeptember 11 era In Bigo Didier Tsoukala Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLS SON Christian Bonelli Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHar mattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 138 do exército agora modificam suas imagens e parecem com ou sem razão estar no centro do dispositif de vigilância e controle agências como as alfândegas as de imigração a guarda nacional a polícia com status militar Quinto profissionais de política favorecem uma alocação diferenciada de missões e orçamentos que beneficia essas agências intermediárias e diminui a autoridade de agências mais tradicionais Sexto contatos e redes internacionais na economia do orçamento de conflitos nacionais ou regionais tornamse necessários Sétimo o conhecimento e knowhow na gestão do desconforto têm uma influência determinante em como as práticas de violência são resolvidas Oitavo tal gestão acontece a distância por meio de tecnologias voltadas a esse uso O CAMPO DA INSEGURANÇA COMO UM CAMPO TRANSVERSAL O problema não é portanto seguir uma concepção estática de fronteiras que nós imaginaríamos estabelecida de uma vez por todas mas adotar uma concepção dinâmica de fronteiras na qual as próprias fronteiras estejam em movimento Nessa abordagem o maior risco é definir precisamente em que consistiria tal concepção dinâmica Fronteiras são concreções de conflitos de poder em um espaço específico frequentemente materializado dentro de um território A fórmula de Michel Foucher vai além da moldura exclusiva da fron teira nacional para tocar o conceito de fronteiras sociais nas quais o espaço não está diretamente correlacionado a uma visão unidimensional do território70 Fronteiras são de fato às vezes instituições existentes no mundo material tais como as fronteiras físicas dos estados ou fronteiras adjudicadas pela relação ju rídica que regula a diferenciação entre o interior e o exterior Às vezes porém a propriedade da fluidez é mais importante que a sua existência material se o campo estiver em formação e não estiver suficientemente estabelecido para tornar proibitivos os custos de entrada A materialização das fronteiras por lei ou por normas profissionais está assim frequentemente atrasada em relação à realidade das fronteiras de um campo estruturado pelo conflito e as relações de atração A materialização das fronteiras legitima e consagra um momento particular no qual ela estava no interesse de todos os atores no modo preciso que resultou nessa materialização Esse espaço de tempo significa que é extre mamente difícil rastrear empiricamente as fronteiras do campo examinandoo somente do ponto de vista de suas características institucionais já que elas inevitavelmente remontam a um momento na verdade anterior às relações de força que ocasionaram a materialização desse momento 70 Foucher M 1991 Fronts et frontières Un tour du monde géopolitique Paris Fayard 139 A transversalidade do campo é um termo que nos permite limitar o espaço além das fronteiras nacionais que caracteriza as relações entre agentes essencial mente públicos do campo sem pressupor a existência de outro nível de demar cação como a União Europeia a ideia de Europa num sentido mais amplo ou o Mundo Ocidental71 Seguindo a noção de transversalidade podemos integrar a ideia de glocalidade trazida por empresas de gestão japonesas para marcar os mesmos produtos com propagandas diferentes elaboradas para pessoas locais e que James Rosenau popularizou para mostrar que muitos fenômenos conectam o global e o local A glocalidade e a transversalidade nos permitem entender que o campo da insegurança é empregado em um nível irredutível seja ao campo político nacional ou a um nível entre duas nações ou mesmo ao nível europeu O Estado aqui não é o espaço da conversibilidade ou moeda universal por modos diferentes do capital social Bourdieu aqui estava errado e não foi cuidadoso o suficiente com os caracteres transnacionais e transversais do processo de globa lização Além do Estado a noção do campo transversal da insegurança torna possível a análise de um espaço que é de fato social e político mas transcende a divisão internoexterno ou nacionalinternacional imposta pelo estado de espíri to territorial Esse espaço social ou esse campo de insegurança é empiricamen te construído como resultado das posições diferenciadas de diferentes agentes de segurança polícia nacional polícia local controle alfandegário serviços de con trole de fronteiras agências de inteligência exércitos etc em diferentes países europeus a centralidade da polícia francesa a diversidade da polícia britânica o federalismo alemão as tradições polonesas específicas etc Então é efetivamen te definido pelo lugar que essas agências ocupam enquanto atores nacionais mas também pelas redes transnacionais de relações que elas formaram em um espaço maior que os seus próprios cuja propriedade de definição cíclica é sua tendência a ampliarse incessantemente devido a sua recusa a reconhecer fronteiras quer sejam geográficas ou culturais 72 Por essas razões quando se descreve e analisa o campo da insegurança não basta apenas reconstruir o conhecimento prático dos respectivos atores por meio de entrevistas ou apenas inventariar as agências que criam esse knowhow 71 Sobre as relações entre a estrutura da UE e deu status de estado veja Caporaso JA 1989 The Elusive State In ternational and Comparative Perspectives Newbury Park Sage Publications Kleinman M 2002 A European Welfare State European Union Social Policy in Context New York Palgrave Convencionalmente cada vez que a fronteira é repensada ela é concebida em outro nível como uma entidade mais global limitando o espaço Ao contrário disso proponho pensar na natureza transversal da fronteira como um estado de não fechamento como a topologia da faixa de Möbius Veja Bigo D Internal and External Securityies op cit Balibar E 2003 LEurope lAmérique la guerre Réflexions sur la médiation européenne Paris La Découverte 72 Não é uma questão de uma série de campos autônomos racionais mas de um campo no qual por exemplo as decisões estratégicas do BKA têm impacto nas instituições alemãs do BG5 mas também no PJ francês ou no DIA italiano por uma série de mediações como as que descrevi Veja Bigo D 1998 Sécurité intérieure implications pour la défense Research Report DAS French Ministry of Defence 140 Porque ao fazêlo presumese que ao adicionar os atores burocráticos e políticos dos Estadosmembros da União Europeia supostamente parceiros naturais para essas relações temos uma estrutura lógica Essa estrutura é na verdade dada pelo fato de que os Estadosnação estão naturalizados como a arena onde todas as relações de insegurança são nego ciadas e onde os efeitos da insegurança devem ser compreendidos por meio da análise das interações desses membros julgando sua semelhança e diferenças face ao outro membro de acordo com uma cultura nacional ou critério de especificidade O meu método consiste em vez disso em descrever as rela ções derivadas de práticas de vigilância de controle etc e não de culturas supostamente nacionais Essas práticas que derivam sua agência do fato de es tar inseridas em ou transversais a várias organizações e instituições devem ser determinadas por meio de redes profissionais que estão inscritas em um espaço social além das fronteiras das culturas dos estados nacionais Esse campo além das fronteiras do Estado cria então formas de colaboração e competição que se estabelecem entre agências que tinham anteriormente pouco contato umas com as outras exércitos agências de inteligência polícia militar controle de frontei ras controle alfandegário polícia judiciária segurança civil o sistema de justiça Isso compele a polícia a estender parte de suas operações além das fronteiras do Estado e ali permanecer como demonstra o policiamento nas missões da ONU no Kosovo ou mesmo agora no Afeganistão De modo semelhante o campo compele o exército a se interessar cada vez mais pelo que ocorre dentro das fron teiras nacionais como demonstram os grampos telefônicos o monitoramento das atividades transfronteiriças e agora a detenção de intrusos inimigos dentro do território nacional73 O estímulo é ainda maior para as agências que medeiam dois domínios serviços de inteligência polícia com status militar ou escritórios alfandegários ou de migração ao forçálos a reestruturar suas missões em função da assim chamada nova ameaça global a qual varia ela própria no tempo crime organizado global Estados falidos ou agora a guerra ao terror O efeitocampo field effect traz novos sistemas de interação entre as agên cias ao reestruturar suas fronteiras de acordo com suas missões preparando o terreno para a eventual competição orçamentária e brincando com seus papéis dentro da função geral de coerção ou mais especificamente a gestão das ameaças Ele leva à privatização de certas formas de insegurança sobretudo sobre indi víduos mas também sobre questões locais ou comunitárias e às vezes chegando 73 Veja a contribuição de GUITTET EmmanuelPierre Military activities within national boundaries the French case In Bigo Didier Tsoukala Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET Emma nuelPierre OLSSON Christian Bonelli Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Ga mes Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 141 mesmo à privatização das atividades militares e leva agências públicas a se con centrar nas formas de insegurança que se estendem entre os domínios interno e externo Ele pode mudar em raras ocasiões o senso geral de prioridades Ele faz o domínio do policiamento privilegiar o crime organizado e o terrorismo em vez de prevenção ou policiamento comunitário e faz o mundo militar alocar mais discursos públicos e às vezes recursos às assim chamadas ameaças transversais74 e à sua prevenção que às questões anteriores de contenção e proliferação O campo contemporâneo da insegurança ao nível europeu pode então ser des crito como um certo universo que produz um conhecimento específico confron ta agentes sociais existentes em diferentes posições institucionais Neste campo encontramos representantes de problemas de segurança não só entre os agentes instalados no território que esperaríamos como a polícia ou a polícia com status militar agentes alfandegários funcionários de alto escalão dos ministérios do interior das relações exteriores ou dos departamentos de defesa também en contramos políticos que se especializam nesses problemas Estrategistas militares aderem a este campo e entram em conflitos que modificam a complexa economia das relações entre as antigas agências de segurança interna polícia polícia com status militar alfândega imigração e serviços de asilo por mais tangencialmente que seja O novo alcance do exército dos correlatos militares com uma tendência geral em por ênfase estratégica na segurança interna enquanto se perde o interesse em questões mais classicamente relacionadas à defesa Esses profissionais da in segurança vêm tradicionalmente dos domínios da polícia alfandegários e polícia com status militar mas mais recentemente vem tendendo a vir de novos cam pos advogados diplomatas oficiais do exército e gestores de empresas que traba lham na produção de materiais usados por essas administrações políticos espe cializados em assuntos relacionados à defesa membros de grupos relacionados a esses meios e por último mas não menos importantes acadêmicos especializados em estudos de segurança75 Assim os agentes do campo da insegurança apesar da sua aparente diversidade podem ser definidos como profissionais da gestão da ameaça ou do desconforto produtores do poderconhecimento sobre o dualismo segurançainsegurança Ainda assim o que é essencial é não nomear exaustivamente esses agentes mas discernir e analisar o que mantém juntas essas diferentes partes constituin 74 Terrorismo crime organizado com o desenvolvimento da biométrica enormes bancos de dados de vigilância mudança em aeroportos guerra tradicional construção do Estado e reconstrução da democracia 75 Reconheço aqui a crítica de Ole Waever e Barry Buzan Eles argumentaram que o campo da segurança como eu definira em Polices en réseaux estava limitado demais e enfatizava demais as relações entre agências essen cialmente burocráticas criando assim um ponto fixo Consequentemente argumentavam eles era necessário afastarse do campo semântico criado por pontos de referência que explicitamente citavam a segurança e estender a análise para que inclua atores privados 142 tes o que as faz entrar em competição por um grupo de riscos que nunca antes haviam reconhecido quando eram indiferentes uns aos outros É por isso que minha pesquisa tratou das práticas e relações entre quatro termos conceituais anteriormente desconexos segurança interna segurança externa guerra e con flito e crime e delinquência na tentativa de pensar as relações entre a polícia e o exército o crime e a guerra mundos superiores e submundos as agências responsáveis pela vigilância e seus alvos e tecnologias Aqui é necessário amarrar trabalhos anteriores sobre essas questões a fim de mostrar como o espaço narrati vo dos agentes que acabo de discutir mediante ameaças são retraduzidos por um lado em um espaço de posições sociais por intermédio das suas posições sociais e institucionais particulares ou habitus e por outro por meio de um dispositif transversal que conecta as suas práticas Mas o que está imediatamente em ques tão aqui é entender como os efeitos práticos do campo entram em operação Falar do campo da insegurança exige que vamos além do inventório das agências que se suspeita de participação na função da coerção Exige que ques tionemos imediatamente as características limites e efeitos do campo Empirica mente é necessário descrever os efeitos do campo dando exemplos e mostrando como eles atuam quer isso ocorra em termo de polarização diferenciação desdobramento involução ou mesmo esvaziamento76 Precisamos de fato estabelecer os limites e oportunidades que o campo dá aos agentes efeitos que são visíveis e entender as suas relações menos visíveis tanto dentro quanto fora do campo Esses efeitos do campo rastrearão os limites do campo em contornos aproximados limites que nunca são dados mas dependem da configuração particular de um dado momento de um conflito dentro do campo e entre esse campo específico e outros campos e determinará os efeitos da dominação en tre os campos no que tange a verdade das normas contestadas ou seja a verdade sobre as armas de destruição em massa e a competição pela última palavra entre os profissionais da política e os profissionais da insegurança O DISPOSITIF BANOPTICON A gama de efeitos do campo que mencionei acima não provém somente dos processos e relações entre os agentes do campo É também resultado das suas relações com outros campos Essas relações são formadas pelo dispositif que per 76 A dinâmica do campo da segurança constuma aumentarse constantemente mas pode com certeza também diminuir É possível dessecurizar Um problema que resulta assim é o das lacunas criadas no espaço ou as diferenças em pressão que o refluxo dessas estruturas cria O espaço não é homogêneo nas fronteiras do campo Isso é verdadeiro tanto em termos de atividades e geográficos Em vez de assemelharse a uma esfera o campo assemelhase à topologia de uma gruyère francesa Eu devo essa ideia ao estudo apresentado por John Crowley a Jon Solomon na escola militar de SaintCyr Coëquidan sobre as formas da segurança contemporânea e a própria terminologia inglesa Essa topologia da lacuna ou gruyère deveria der conectada à ideia do laço de Möbius 143 corre instituições e não são redutíveis à lógica dessas instituições ou mesmo aos habitus dos seus agentes no sentido que Bourdieu deu ao termo Michel Foucault fala do dispositif da sexualidade e do dispositif da prisão Sabemos muito bem que o seu pensamento sobre a prisão foi inspirado pela ima gem de Jeremy Bentham do panopticon devido ao fato de que ele representava simultaneamente a arquitetura o discurso campo da racionalidade e do projeto estratégico ao mesmo tempo que incorporava a vontade de conhecimento cien tífico77 Muitas discussões sobre o uso foucaultiano de Bentham têm duas vias criticam a leitura parcial de Bentham por Foucault ao mesmo tempo que nos lembra de que o número de prisões de fato construídas segundo o modelo de Bentham foi bem pequeno e que a prisão mudou de função durante o período clássico como no caso da instituição dos escravos de galé quando não estavam em navios Mas respondendo a essa crítica é essencial reconhecer que o dispositif não se manifesta em uma única instituição da prisão É antes transversal Requer heterogeneidade diversidade Não é a função da prisão enquanto espaço fechado punitivo que é crucial mas antes o fato de que a prisão concentra em um espaço específico os mecanismos de controle e vigilância que estão pulverizados pela so ciedade como fábricas quartéis e escolas No trabalho de Foucault o panopticon é útil porque não apenas nos permite entender a prisão como o faz no trabalho de Bentham mas também serve como um modo de compreender como a socie dade como um todo funciona Se o programa de insegurança chefiado por alguns agentes é sem dúvida uma estratégia programática de uma escalada generalizada de vigilância a um nível que é ao mesmo tempo tão globalizado e individualizado quanto possível não é de modo algum o diagrama dos efeitos do poder e da resistência Se o dis positif do panóptico existe no sentido foucaultiano é de um modo fragmentado 77 A ideia de campo transveral ou rede deve ser conectada à noção foucaultiana de dispositif Como primeiro ex plicado e depois repetido por Foucault Le jeu de Michel Foucault Ornicar July 1977 10 and Dits et Ecrits III 299 translated by Grosrichard A as The Confession of the Flesh in C Gordon ed PowerKnowledge Selected Interviews and Other Writings 19721977 New York Harvester Press 1980 194195 um dispositif é primeiramente uma coleção completamente heterogênea de discursos instituições formas arquitetônicas decisões regulatórias leis medidas administrativas declarações científicas proposições concisas filosóficas e morais o dito tanto quanto o não dito Tais são os elementos desse aparato O aparato em si é o sistema de rela ções que pode ser estabelecido entre esses elementos Em segundo lugar o que estou tentando identificar nesse aparato é precisamente a natureza da conexão que pode existir entre esses elementos heterogêneos Assim um discurso particular pode figurar em um momento como o programa de uma instituição e em outro pode funcionar como um meio de justificar ou mascarar uma prática que permanece ela própria silenciosa ou como uma rein terpretação secundária dessa prática abrindo para ela um novo campo de racionalidade Em suma entre esses elementos discursivos ou não discursivos há um tipo de interação de mudanças de posição e modificações de função que podem também variar muito amplamente Em terceiro lugar eu entendo pelo termo aparato um tipo de digase formação que tem como sua principal função em um dado momento histórico a de responder a uma necessidade urgente O aparato tem assim uma função estratégica dominante há um primeiro momento que é a influência prevalente de um objetivo estratégico Depois o aparato como tal é construído e habilitado para continuar em existência contanto que seja o local de um duplo processo Por um lado há um processo de hiper determinação funcional por outro há um processo eterno de elaboração estratégica Rejeito aqui a tradução de dispositif como aparelho ou aparato para evitar uma althusserização de Foucault 144 e heterogêneo e não há nenhuma manifestação centralizada dele ao contrário das várias afirmações de dominação imperial norteamericana que se tem pro mulgado desde onze de setembro Se os seus efeitos persistem o senso de império ao qual se sujeita corresponde mais ao uso feito por Hardt e Negri do termo império no qual os vários processos políticos das coalizões estatais manobras de grandes corporações e os efeitos das pesquisas de opinião que empiricizam o desconforto da destruição em massa convergem em direção ao fortalecimento da informática e da biomédica enquanto modos de vigilância que se concen tram nos movimentos transfronteiriços de indivíduos Esse diagrama não é um panopticon transposto a um nível global é o que chamamos combinando o termo ban de Jean Luc Nancy refigurado por Giorgio Agamben e o termo opticon do modo como o usa foucault um banopticon78 Essa formulação do Banopticon nos permite entender como uma rede de práticas heterogêneas e transversais funciona e faz sentido enquanto forma de insegurança ao nível transnacional Permitenos analisar a coleção de corpos heterogêneos de discursos sobre ameaças imigração inimigo interno quinta coluna imigrante muçulma nos radicais versus bons muçulmanos exclusão versus integração etc de insti tuições agências públicas governos organizações internacionais ONGs etc de estruturas arquitetônicas centros de detenção zonas de espera e as pistas de trânsito em aeroportos da área de Schengen redes integradas de videocâmera em algumas cidades redes eletrônicas munidas de instalações de segurança e vídeo vigilância de leis de terrorismo crime organizado imigração trabalho clan destino refugiados ou para acelerar os procedimentos de justiça e para restringir os direitos dos direitos do réu e de medidas administrativas regulação dos sem papéis acordos negociados entre agências governamentais face a políticas de deportaçãorepatriação aviões comuns especialmente designados para deporta ção com custos divididos entre diferentes polícias nacionais etc Ela nos permite entender que a vigilância de todos não é um objetivo atual mas a vigilância de um pequeno número de pessoas que estão presas no imperativo de mobilidade enquanto a maioria é normalizada é definitivamente a principal tendência do policiamento da era global Eu gostaria de esmiuçar aqui três dimensões desse Banopticon para ex pressar como o controle e a vigilância de certos grupos minoritários acontece a distância Essa vigilância da minoria perfilada como indesejada é na minha opinião a função estratégica do diagrama uma função oposta à vigilância da 78 Esse tempo Ban que vem do alemão antigo tanto significa a exclusão realizada pela comunidade quanto serve como a insígnia da soberania É o que é excluído da soberania no alto como dispensa do comando e o que é ex cluído debaixo como discriminação rejeição repulsa e banimento René Girads já chamou nossa atenção a esse efeito emparelhador do soberano absoluto introduzido pelo ban Giorgio Agamben desenvolveu o ban exten sivamente na sua análise do homo sace mas continuou a insistir na dimensão de soberania e menos na exclusão e menos ainda na normalização 145 população inteira ou o Pan o que é apenas o sonho de alguns agentes do poder mesmo que a retórica pósonze de setembro articule uma informação total79 O Banopticon é então caracterizado pelo excepcionalismo do poder re gras de emergência e sua tendência a tornarse permanentes pelo modo como exclui certos grupos em nome do seu potencial futuro comportamento perfila mento e pelo modo como normaliza os não excluídos por meio de sua produção de imperativos normativos o mais importante dos quais é o livre movimento as assim chamadas quatro liberdades de circulação da UE que tangem bens capital informação serviços e pessoas Esse banopticon é empregado a um nível que sobrepuja a naçãoEstado e força os governos a fortalecer sua colaboração em espaços mais ou menos globa lizados tanto físicos quanto virtuais às vezes globais ou ocidentalizados e ainda mais frequentemente europeizados Os efeitos do poder e da resistência já não es tão assim contidos pela matriz política da relação entre Estado e sociedade Eles transpõem o limite de representações inscritas dentro do Estadonação desco nectam as relações diretas entre Estado e indivíduos dentro e entre o exterior do Estadonação em sua relação com outros Estados como um universo diferente EXCEPCIONALISMO DENTRO DO LIBERALISMO Falar no excepcionalismo do poder é referirse à relação entre a produção jurídica de leis especiais e os seus efeitos simbólicos legitimizantes estado de emergência medidas excepcionais e derrogatórias rotinas administrativas emiti das de legislação especial anterior e também como os dominados de um tem po e lugar específico são socializados pelos seus governantes para acreditar que estão decidindo que tipo de poder dominante é aceitável ou não Essa relação como conhecemos está longe de ser estável e longe de ser um dado permanente A distinção entre os governantes e os governados é um efeito ao macronível das relações moleculares de poder e resistência O liberalismo tentou legitimar a sua própria dominação com a ideia de separação dos poderes por meio da qual o poder deve limitarse a si mesmo especialmente por meio de freios e contrapesos com o efeito de que a população enfim consente ativamente em ser cúmplice da própria dominação e confiar na justiça e nos advogados para sua liberdade Retratado desse modo o liberalismo é o contrário do excepcionalismo O libera lismo é visto como o oposto de um pensar soberano ou uma razão de Estado Ainda assim entre as definições do excepcionalismo enquanto suspensão da lei ou rompimento da normalidade há espaço para outras visões do excepciona 79 Veja o Total Information Awareness Programme rebatizado como Terrorist Information Awareness Programme 146 lismo que combinam exceção tanto com liberalismo quando com o dispositif rotinizado das tecnologias de controle e vigilância A exceção funciona de mãos dadas com o liberalismo e dá a chave para entender seu funcionamento normal assim que passamos a evitar ver a exceção como apenas um caso de leis especiais Ainda assim uma das primeiras questões do presente é o status dessas leis especiais e os poderes excepcionais dos quais elas se encarregam Não me parece que elas suspendam cada lei apenas derrogam das legislações normalizadas algumas das quais são leis especiais com as quais nos acostumamos a viver Mas elas instalam no seio do nosso tempo presente a ideia de que estamos vivendo em um estado de emergência permanente ou em um estado de exceção permanen te Sua mera existência não reconfigura a existência de normas rotinizadas É a norma que define a exceção ou a exceção que define a norma Giorgio Agamben fortemente influenciado por Carl Schmitt invoca a possibilidade de que exercer a soberania signifique a possibilidade de estar ao mesmo tempo dentro e fora da ordem jurídica dada a possibilidade de que o poder soberano consiga proclamar um estado exceção Ausnahme assim suspendendo a validade da sua própria ordem jurídica80 A exceção é então mais interessante que a norma uma vez que ela define o limite que permite o estabelecimento da interioridade ou seja envolver o ex terior como escreve Blanchot Esse processo de interiorização permite à sobera nia ou exceção delimitar tanto o espaço quanto o objeto aos quais se aplica Mas para que isso aconteça é necessário que o soberano dependure esse espaço se exteriorize a fim de estabelecer os limites da inclusão O paradoxo assim nos remete às famosas mãos desenhadas em nanquim por Escher que se desenham um a outra Ao pensar a contingência da linha desenhada é necessário pensar não apenas em termos de interior e exterior mas também em termos do metanível que permite a contingência do traçado da fronteira entre interior e exterior É a isso que se poderia chamar hierarquia interseccional ou o efeito da au toorganização onde o instituidor e o instituído da linha são mutuamente cons titutivos A figura topológica que representa essa coprodução da instituição na qual o instituído depende do instituidor mas esse instituidor é ele próprio ins tituído pelo instituído é a mesma figura que aquela que nos permite entender a indeterminação objetiva das fronteiras e que faz a diferenciação entre interno e externo uma diferença intersubjetiva a figura do laço ou da faixa Möbius81 Essa figura sugere uma topologia que impede a linha traçada de um círculo de 80 Agamben G 1998 Homo Sacer Sovereign Power and Bare Life Stanford Stanford University Press 15 81 Bigo D 2000 When Two Become One Internal and External Securitizations in Europe in M Kelstrup MC Williams eds International Relations Theory and the Politics of European Integration Power Security and Community London Routledge 171205 147 simplesmente extirpar o sagrado do profano o interno do externo o instituidor do instituído Já não é possível à fronteira ser feita objetiva para sempre dada e inteligível simplesmente porque está inscrita no espaço e no tempo A fron teira depende do olhar dado pelo observador e da sua posição enquanto o seu julgamento do que é interno ou externo variará de acordo com essa posição do mesmo modo que a sua visão do que ele institui ou do que é instituído sobre ele Desse ponto de vista sobre o que é uma fronteira a relação de exceção não é derivada da relação soberana de exclusão é uma relação de exclusão que engendra o sentido de norma e ordem jurídica ao suspender por certo tempo um objeto da ordem jurídica e isso é diferente de uma simples relação de interdição espacial que fabricaria um exterior encapsulandoo em um círculo É essa suspensão das categorias jurídicas e a possibilidade de inventar ou tras novas ao mesmo tempo a fim de preencher a lacuna que criam incerteza e dúvida Incerteza da qual o poder pode se aproveitar na prática para desestabili zar as velhas categorias como o conceito de guerra de prisioneiro de guerra ou de refugiado redefinindoas contra seu significado jurídico anterior ao mudar suas relações por meio uma infusão de uma nova categoria isto é o combatente inimigo Assim contanto que o governo dos EUA continue a invocar a diferen ça no que concerne às regras aplicadas a prisioneiros de guerra entre a guerra ao terrorismo e a guerra ele exerce uma forma extrema de excepcionalismo que suspende a ordem jurídica e a reconfigura estabelecendo novas categorias que devem ser definidas e que ocupam um espaço anteriormente preenchido por outro conceito Esse processo persiste contanto que continue a redefinir o pacto proteção ao recusarse a aplicálo a estrangeiros radicados no seu solo como fez historicamente com os internos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial ou quando seu poder se afirma além do seu próprio território legítimo enviando mísseis para executar terroristas no Iêmen enquanto apresenta essa ação como uma operação de polícia internacional e uma decisão executiva da justiça Essa forma específica de excepcionalismo que se pode designar como práticas antili berais no seio do liberalismo parece ser uma das características contemporâneas do Banopticon EXCLUSÃO E GOVERNAMENTALIDADE PRÓATIVA A segunda característica essencial do Banopticon é sua habilidade de cons truir categorias de pessoas excluídas conectadas à gestão da vida O ban é uma condição limite da relação política82 Como um de quatro informantes de uma 82 Agamben sugere que substituamos o cisma entre homem e cidadão com uma distinção entre a mera vida e as múltiplas formas de vida abstratamente recodificadas em identidades jurídicosociais o eleitor o empregado o 148 agência de inteligência explicou se os meios de comunicação e a política judicial exageram o fenômeno a fim de tranquilizar os bons cidadãos e conter os outros eles estão na prática operando ao nível tático que pode ser modulado de acordo com a opinião pública Em contraste é estratégico coletar informações sobre a parte de uma sociedade que já não vive sob as mesmas regras com as mesmas normas do mainstream Longe do holofote alvejando os anormais um remo delamento do policiamento e da vigilância está ocorrendo capaz de ampliar seu escopo pelo uso de teconologias intensivas de biométrica e bancos de dados com partilhados Lá além do simulacro de uma política de proximidade designada para tranquilizar os bons cidadãos e a tolerância zero projetada para conter o resto o conhecimento dos outros o que é de longe o recurso mais significativo na gestão de multidões é adquirido Misturando arquivos do domínio público se guridade social impostos e o domínio privado seguros fornecedores de crédito supermercados com arquivos policiais é impossível classificar e organizar dentre os elementos para formular o que e quem deve ser alvo de interrogatório De acordo com esses especialistas policiais e criminais esses processos impedem que a máquina repressiva se congestione ao mesmo tempo que lhe permitem evitar passar uma imagem negativa que poderia invocar um senso de opressão mal sendo contida O objetivo da normalização e gestão dos riscos sociais não devem ser vistos puramente como responsabilidade da polícia esses especialistas dizem Sua distribuição por todo o conjunto de sistemas de gestão de riscos deve ser reconhecida seguros empresas de investigadores particulares megalojas de varejo e instituições públicas de bemestar social Esse programa de gestão de risco e normalização é baseado nos ideais de escolha racional e no uso de técnicas jornalista etc Ele sugere repensar a política do ponto de vista da experiência dos campos de concentração repen sar os dois lados opostos do poder soberano e da biopolítica o fato de adjudicar a morte e o fato de direcionar a vida ao qual se havia oposto Foucault Ele crê que o poder contemporâneo está fundado na dissociação de formas de vida e na vontade de restaurar o homem a sua mera vida isolada de sua forma codificada ao radicalizar a exclusão por excepcionalismo soberano Mas essa tese se afasta de uma situaçãolimite e assim exagera as capa cidades do poder e confunde seu sonho programático com o diagrama de forças e resistências Formas de vida estão constantemente em processo reemergir mesmo nos mais desesperados dos casos Formas de resistência semre existem como transcrições que parodiam o poder mesmo nos casos em que ele parece aplicarse de modo unilateral James Scott mostrou a resistência dos escravos e poderseia demonstrar resistência contínua da parte dos refugiados contra a vontade de tornálos nada além de corpos dóceis mal conseguindo protegerse Veja Scott JC 1990 Domination and the Arts of Resistance Hidden Transcripts New Haven Yale University Press Sua vontade individual apesar de seu desnudamento não pode ser reduzida à vontade dos Estados mesmo a despeito dessas pressões governamentais Exemplos em zonas de espera de aeroportos internacionais e em centros de de tenção mostram o quanto a administração é desviada de seu curso confundida aprisionada por suas capacidades de negar multiplas identidades Os refugiados são meros visitantes ilegais aos olhos dos governos e dos gestores profissionais do desconforto mas aos próprios olhos são cidadãos de múltiplos Estados ou cidadãos do mundo Veja Hammar T 1985 European Immigration Policy A Comparative Study Cambridge Cambridge University Press A habilidade de resistir incluindo a resistência que ocorre em um espaço como uma prisão ou um campo leva os profissionais a tentar evitar essas situações e gerir de uma localização superior que não é simplesmente anterior no espaço mas também no tempo O filme Minority Report em que a polícia é capaz de intervir antes mesmo de o crime ser cometido por um conhecimento antecipado do futuro é o sonho dessa polícia próativa Minority Report de Philip K Dick é mais sutil que o filme e tece feroz crítica a essa visão polical O filme dilui de certa forma essa crítica 149 próativas de gestão para prever movimentos de indivíduos Está disseminado por toda a sociedade e encoraja as pessoas a colaborar como no caso de contratos de segurança local ou de colaborações entre a polícia e os educadores ou como ocorre na Itália onde as visões convergentes de comitês de bairro autoridades municipais e polícia se combinam para culpar os imigrantes83 As unidades básicas que conduzem análise próativa não será limitada à po lícia mas variará para ocasionalmente incluir o exército e os oficiais alfandegários e para ser ligados aos seguros organizações sociais e de crédito escolas prefei turas organizações tributárias e organizações de se seguridade social consulados e criminólogos contanto que sejam orientados para a ação Todo esse esforço para coletar informações e para proliferar dados que são agora tecnologicamente possíveis busca sobretudo pôr a lógica da proatividade no lugar das outras duas lógicas repressão e prevenção84 A lógica repressiva pura inevitavelmente inter 83 Palidda S 1997 op cit 84 Para dar apenas um exemplo de tecnologias operativas ao nível europeu múltiplos bancos de dados são estabe lecidos para permitir o perfilamento dos riscos associados com certos indivíduos Em se tratando de crime além do banco de dados já não tão atualizado da Interpol o sistema Sirene facilita a rápida circulação de documen tos judiciários e a troca de informações Desde o Tratado de Amsterdã e a reunião de Tampere a justiça vem acompanhando o caminhar de outras agências de segurança e fez a mesma coisa a distância por meio das redes A rede Sirene que passa informações sobre procedimentos e decisões criminais entre Estados empossa juízes intermediários A criação do Eurojust e o esquecimento do corpus juris provocam desequilíbrio entre os juízes de instrução e os de acusação que são capazes de usar recursos da UE e os advogados dos suspeitos que estão confinados dentro de um limite nacional e não têm acesso a essa informação Ainda assim esse ponto é conside rado secundário à causa de velocidade e eficiência O sistema Schengen de informação gere dossiers individuais e funciona como um arquivo que impede imigrantes ilegais de retornar à UE Não é muito eficaz na gestão da criminalidade Na verdade a Schengen constantemente amplia sua esfera de aplicação sob a obrigação de vistos uniformes que funciona como uma norma não apenas na UE mas também ao nível do GATT Da mesma forma generalizamse em todos os paísesas possibilidades excepcionais de controle de identidade em zonas até vinte quilômetros da fronteira As autoridades policiais em questão mal contestam que a Schengen institui uma polícia imigratória que essa é a sua prioridade ainda que há apenas quatro anos tenha havido grande resistência em uti lizála e que não há foco na relação entre crime e pessoas desaparecidas Essa conexão que o ISI estabelece entre arquivos criminais e arquivos de estrangeiros a respeito de estrangeiros reafirma a suspeita contra eles e concentra a atenção em pequenos crimes ou pequenas ilegalidades ao mesmo tempo que comete sérias ofensas policiais e alfandegárias Certamente essas técnicas se reforçam mutuamente e interseccionam bases de inteligência mas pouco facilitam a elaboração de perfis De fato sob Schengen há bancos de dados mais sofisticados para analisar grupos que ofereçam risco ao contrário de manter seus movimentos sob vigilância O banco de dados da Eurodac contém impressões digitais de refugiados escaneadas digitalmente assim como uma explicação dos motivos dados por eles e as razões pelas quais lhes foi negada a entrada A tarefa é prevenir aplicações múltiplas mas também identificar as narrativas estereotípicas dos refugiados Em paralelo com a Eurodac uma rede securizada está sendo desenvolvida para abordar FAD documentos falsos e autênticos na sigla em inglês que funcionarão a base de intercâmbio de informações a respeito de falsos documentos A ideia é inverter a prática atual e atribuir o ônus da prova à pessoa que apresenta o documento No norte da Europa a firma norteamericana Printrack International está oferecendo seus serviços que habilitam o rastreamento e a identificação automática de pessoas que estejam atravessando fronteiras seja por cartões com impressões digitais escaneadas digitalmente em portos e aeroportos ou leitora de retina O objetivo é controlar as identidades da maneira mais invisível possível devido ao fato de que esta sociedade de indivíduos não gosta de ser afetada ou arrefecida quando controlada mas se eles não registrarem o ato de controle não protestam Podese portanto pensar em generalizar no futuro o sistema em aeroportos No presente a ligação entre cartão drédito e informação está sob investigação serão os mesmos cartões que contém essas informações alguns dos quais serão legíveis apenas pela polícia e não pelo portador O perfilamento feito para os arquivos da Europol costumam tornar mais refinada e precisa a vigilância em vez estender o seu alcance geral A Europol registra pessoas que sejam capazes de seguir adiante no seu potencial de cometer um crime Diferentemente dos bancos de dados da Europol cujos tópicos dependem de criminosos que sejam fugitivos efetivos da justiça os arquivos da Europol contêm criminosos procurados suspeitos que não entraram ainda no sistema de inquérito jurídico listas de possíveis informantes possíveis testemunhas que possam dar seus relatos sobre su visinho ou colega vítimas ou pessoas suscetíveis de ser vítimas Tratase aqui de reconstruir as trajetórias individuais ou sociais marcando territórios ou fronteiras entre populações em risco e 150 vém tarde demais e é direcionada ao indivíduo enquanto os policiais são os bombeiros do crime a outra é uma lógica estrutural preventiva que diminui as raízes da violência que segundo a polícia não é mais efetiva que uma cortina de fumaça ou uma reforma impossível de implementar sem mudar também os re gimes políticos ou econômicos A lógica da próatividade objetiva agir antes que uma ofensa seja cometida coletando informações orientadas à ação repressiva e prevendo o comportamento de indivíduos ou grupos perigosos A prevenção é portanto sempre munida de uma dimensão virtual coerciva O jogo já não é omitir um ato em si mas sinalizar que uma ofensa possa talvez ser cometida por um indivíduo ou um grupo que potencialmente represente um risco A prio ridade agora já não são as sanções mas a regulação A questão é menos a conde nação de um indivíduo que a contenção dos outros mas ela consiste sobretudo em gerir o movimento e o fluxo gerir grupos de pessoas de antemão analisando seu potencial futuro de modo a normalizálo A NORMALIZAÇÃO E O IMPERATIVO DO LIVRE MOVIMENTO Nas sociedades contemporâneas a normalização ocorre sobretudo por meio a do imperativo do livre movimento de pessoas principalmente na União Europeia ou no espaço de Schengen que é diferente do espaço norteamericano do NAFTA ao reconhecer explicitamente esse imperativo b a combinação de três elementos uma conexão entre velocidade e movimento o direito ao movi mento e a liberdade de se mover em escala global É a essa normalização que Zyg munt Bauman se refere quando invoca a nova lógica da exclusão entre aqueles que são livres para circular e aqueles que estão confinados no local Na verdade como nos alerta ele em Globalização as consequências humanas a globalização pode ser analisada como uma compressão espaçotemporal que modifica os mo dos como as pessoas vêm e vão85 outras analisando e decidindo quem é perigoso Aqui estamos no seio da lógica próativa 85 A globalização divide tanto quanto une divide à medida que une sendo as causas da divisão idênticas às que promovem a uniformidade do globo Lado a lado com as dimensões planetárias dos negócios da finança do comércio e do fluxo de informações dáse partida em um processo de localização definidor do espaço Entre eles os dois processos intimamente interconectados diferenciam agudamente as condições existenciais de populações inteiras e de vários segmentos de uma das populações O que aparece como globalização para alguns significa localização para outros sinalizando uma nova liberdade para alguns recai sobre muitos outros como uma sina indesejada e cruel A mobilidade sobe à categoria do maior entre os valores cobiçados e a liberdade de moverse perpetuamente uma mercadoria escassa e mal distribuída tornase rapidamente o principal fator de estratificação dos nossos tempos modernos tardios ou pósmodernos Todos estamos querendo ou não por desígnio ou inércia em movimento alguns de nós tornamse total e verdadeiramente globais alguns estão presos a sua localidade uma situação não agradável nem suportável no mundo onde os globais dão o tom e elaboram as regras do jogo da vida Ser local em um mundo globalizado é um sinal de privação social e degradação Os desconfortos da existência localizada somamse ao fato de que com espaços públicos afastados além dos alcances da vida localizada as localidades estão perdendo sua capacidade de geração e negociação de significado e estão cada vez mais dependentes de ações atribuidoras e interpretadoras de sentido que não controlam isso pelos sonhosconsolações comunitaristas dos intelectuais globalizados Parte integral dos processos globalizantes é a segregação separação e exclusão espacial Bauman Z 1998 Globalization The 151 Mas em contraste com a afirmação de Bauman precisamos distinguir mais precisamente entre movimento e ser livre e ver como a metonímia se esta belece por meio dessa fusão de circulaçãoliberdade tanto para diminuir a noção de liberdade e provocar desequilíbrio entre as noções de segurança e liberdade Zygmunt Bauman parece considerarse um beneficiário da liberdade dos ricos e propositor de maior mobilidade para os mais pobres não vendo nem o modo como esse imperativo de mobilidade se impõe nem o dispositifapenas para os pobres mas parece negligenciar suas consideráveis dimensões normativas e pro dutivas onde as duas são completamente indissociáveis O poder não é apenas repressivo Induz e produz modelos de comportamento Os discursos sobre livre movimento são centrais Eles normalizam a maioria e permitem que a vigilância seja concentrada numa minoria CONCLUSÃO Em conclusão esse dispositif cuja função estratégica é o controle e a vigi lância de certos grupos seletos de pessoas segregadas da maioria e que depende do campo dos profissionais da gestão do desconforto é efetivamente composto como um dispositif de a discursos ou seja narrativas policiais exército ins tituições alfandegárias e judiciais sobre o livre movimento a ameaça terrorista crime organizado internacional as ligações entre esses fenômenos e a imigração minorias e agora refugiados b instalações arquitetônicas específicas como os centros para separação de estrangeiros as zonas de detenção dentro de aeroportos internacionais os centros de retenção para deportação de pessoas que entraram em um território ilegalmente os centros de recepção de refugiados ou centros de asilo como os de Sangatte ou Lampedusa onde os prisioneiros que aguardam ação administrativa são consignados c decisões regulatórias como aquelas que determinam aos advogados ou aos pais do detento acesso a lugares que na práti ca invalidam o direito ao livre acesso d medidas administrativas de inspiração tanto arbitrária quanto humanitária como o fato de se manter pessoas nas zonas de detenção do aeroporto internacional Charles de Gaulle em um canil próximo normalmente usado pelos gendarmes para seus cães a fim de que não pareces sem tão numerosos nos quartos lotados do hotel nos quais eles são normalmente detidos e discursos científicos sobre as razões por trás da migração e do asilo declarações sobre a sua relação com a individualização e a transnacionalização da violência e proposições filosóficas e morais sobre os migrantes ilegais falsos refugiados ou filhos pequenos de pais imigrantes Human Consequences New York Columbia University Press 23 152 Esse dispositif já não é o panopticon descrito por Bentham É um banop ticon Ele já não depende da imobilização dos corpos sob o olhar analítico do observador mas dos perfis que sinalizam diferenças do excepcionalismo quanto às normas e da rapidez com que se evacua O dispositif parece uma montagem virtual transformação de todas as posições dos indivíduos no processo do fluxo De uma imagem inicial o imigrante o jovem do gueto a uma imagem final terrorista traficante todos os passos da transformação são reconstituídos virtu almente Assim esse dispositif canaliza fluxos em vez de dissecar corpos Como o dispositif panopticon esse dispositivo banopticon de transformação produz um conhecimento bem como declarações sobre ameaças e sobre segurança que reforçam a crença em uma capacidade de desencriptar mesmo antes do próprio indivíduo quais serão suas trajetórias e itinerários Esse dispositif depende do controle do movimento mais que o controle de estoques em um território Ele depende do monitoramento do futuro como no romance de Philip K Dick Minority Report em vez de interrogar o presente de acordo com o passado ofi cial É uma gestão a distância no espaço e no tempo dos anormais Onde ante riormente haviam sido designados locais de residência às pessoas elas agora são alocadas em zonas de espera e recebem identidades que nem são vividas como tal Uma cor de pele um sotaque uma atitude e se está confinado extraído das assas não marcadas e se necessário evacuado O policiamento é assim uma tarefa da margem de limpeza e só deve ocuparse minimamente com normas Essas novas lógicas de controle e vigilância não são necessariamente muito mais efetivas mais racionais A vantagem para as massas não marcadas é que elas têm a impressão de ser livres para benefício da instituição e já que o controle só atinge alguns é mais econômico Apenas o controle do crime é menos efetivo que antes em consequência desses a priori Sua esfera de aplicação permanece frágil e sujeita a resistência Não há dúvida de que precisamos realizar pesquisas mais detalhadas sobre a conexão entre as práticas dos profissionais de segurança e os sistemas de justi ficação das suas atividades ao mesmo tempo que ponderamos sobre como são formulados os procedimentos de alegação de verdade e como são localizados os centros de sua produção questões das quais os intelectuais não estão de maneira nenhuma excluídos É também importante entender as relações entre a transna cionalização a globalização das práticas das agências de insegurança e das dos seus alvos para pôlos em relação com na medida em que se pode o processo específico de Europeização Esse processo é conduzido mais ou menos nas dife rentes arenas políticas por sistemas de justificação da construção e prioridade do desconforto que correspondem a cada cultura nacional e profissional mas dos quais emerge a necessidade de uma organização como a Europol agir como um 153 tipo de bolsa de valores de ameaças temores e desconfortos e da sua gestão Essa institucionalização cria em troca uma transfiguração das ameaças ao darlhes a qualidade de ser global e então mais perigoso É finalmente necessário reco nectar as questões da construção de um espaço de liberdade segurança e justiça com as questões da construção de uma sociedade além do seu status enquanto Estado nacional apresentando o problema de como sua identidade é mapeada e entender como a convergência dos desconfortos orbitando a figura do migrante extracomunitário pobre diz muito sobre como o liberalismo funciona em uma sociedade de risco De fato como Foucault nos lembra se concordamos em ver no liberalismo uma nova arte de governar e governar uns aos outros não uma nova doutrina econômica ou judicial se no fim ele é realmente uma técnica de governamentalidade que almeja consumir liberdades e em virtude disso as gere e organiza então as condições de possibilidade para aceder à liberdade de pendem da manipulação dos interesses que envolvem as estratégias de segurança destinadas a afugentar os perigos inerentes à manufatura da liberdade onde as limitações controles mecanismos ou vigilância que se revelam em técnicas dis ciplinares encarregadas de se dedicar ao comportamento dos indivíduos desse ponto sobre a ideia de que viver perigosamente deve ser visto como a verdadeira moeda do liberalismo86 APÊNDICE 86 Entrevista com D Deleule and FP Adorno Lhéritage intellectuel de Foucault Cités 2000 2 95 107 154 REFERÊNCIAS AGAMBEN G 1998 Homo Sacer Sovereign Power and Bare Life Stanford Stanford Uni versity Press BAUMAN Z 1999 On Globalization Or Globalization for Some Localization for Some Others Thesis Eleven 54 3749 BIGO D 1996 Polices en réseaux Lexpérience européenne Paris Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques BIGO D 2000 When Two Becomes One Internal and External Securitizations in Europe in M Kelstrup MC Williams eds International Relations Theory and the Politics of Euro pean Integration London Routledge 171205 BIGO D 2001 The Moebius Ribbon of Internal and External Security in M Albert D Jacobson Y Lapid eds Identities Borders Orders Minneapolis University of Minnesota Press 91116 BIGO D 2002 Security and Immigration Towards a Governmentality of Unease Alterna tivesCultures Conflits 6392 BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Chri stian BONELLI Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Pa ris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 DAL LAGO A 1999 NonPersone Lesclusione dei migranti in una società globale Milano Feltrinelli FOUCAULT M Gordon C 1980 PowerKnowledge Selected Interviews and Other Wri tings 19721977 Hassocks Harvester Press GIRARD R Williams JG 1996 The Girard Reader New York Crossroad HUYSMANS J 1995 Migrants as a Security Problem Dangers of Securitizing Societal Issues in R Miles D Thränhardt eds Migration and European Integration The Dynamics of Inclusion and Exclusion London Pinter 5372 NADELMANN EA 1993 Cops across Borders The Internationalization of US Criminal Law Enforcement University Park Pennsylvania State University Press 155 NEOCLEOUS M 2000 The Fabrication of Social Order A Critical Theory of Police Power London Pluto Press SCOTT JC 1990 Domination and the Arts of Resistance Hidden Transcripts New Ha ven Yale University Press SHEPTYCKI JWE 2002 In Search of Transnational Policing Towards A Sociology of Global Policing Advances in Criminology Aldershot Ashgate TSOUKALA A 2005 Looking at Migrants as Enemies in D Bigo E Guild eds Control ling Frontiers Free Movement into and within Europe Aldershot Ashgate 161192 WACQUANT L 1999 Des ennemis commodes Actes de la recherche en sciences so ciales 129 6367 WALKER N 2002 Sovereignty in Transition Oxford Hart WALKER RBJ 1993 InsideOutside International Relations as Political Theory Cambri dge and New York Cambridge University Press 156 PADRÕES DE VIDA UMA BREVE HISTÓRIA DE CORPOS ESQUEMÁTICOS87 Grégoire Chamayou88 1 Na sua Teoria do Dérive de 1956 Guy Debord descreveu um mapa de Paris elaborado por um sociólogo urbano que descreve todos os movimentos feitos no espaço de um ano por um estudante que vive no 16º Distrito Seu itinerário ob servou ele forma um pequeno triângulo sem desvios significativos os três ápices dos quais são a Escola de Ciências Políticas sua residência e a de seu professor de piano89 Rotas tomadas durante um ano por uma aluna que vive no 16º Distrito de ParisPaul Henry 87 O Texto aqui apresentado tem origem no estudo intitulado Avantpropos sur les sociétés de ciblage une breve histoire des corps schématiques publicado no periódico Jefklak em setembro de 2015 e disponível em https wwwjefklakorgwordpresswpcontentuploads201509Corpsschematiquespdf que foi reeditado em uma versão em inglês httpsthefunambulistnethistorythefunambulistpapers57schematicbodiesnotesonapa tternsgenealogybygregoirechamayou portanto essa traduçãopara o português que foi realizada por Felipe da Veiga Dias tem como referência esses dois trabalhos do autor 88 Grégoire Chamayou é pesquisador em filosofia no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França Chamayou é o autor de Les Corps vils Expérimenter sur les êtres humains aux XVIIIe siècle et XIXe siècle Corpos vis experimentando seres humanos nos séculos XVIII e XIX 2008 Manhunts A Philosophical History 2012 Teoria do Drone 2015 e La Société ingouvernable Une généalogie du libéralisme autoritaire A sociedade ingovernável Uma genealogia do liberalismo autoritário 2018 89 Guy Debord Theory of the dérive The Situationist International Anthology ed Ken Knabb Bureau of Public Secrets Berkeley 1981 p 50 157 Chombart de Lauwe 195290 A objetivação cartográfica de uma forma de vida foi tomada como ponto de partida para uma crítica poética e política da vida cotidiana Essa foi uma crítica de sua estreiteza de suas rotinas da redução do mundo da vida que elas articulam Debord concluiu Tais dados exemplos de uma poesia moderna capaz de provocar reações emocionais agudas neste caso particular indignação com o fato de que a vida de qualquer pessoa pode ser tão pateticamente limitada serão sem dúvida úteis no desenvolvimento de derivas91 2 Hoje os designers de São Francisco se oferecem para vender jóias estranhas Eles são pequenos medalhões geométricos parecendo teias de ara nha ou estruturas cristalinas Seus padrões são realmente aqueles de suas rotas Meshu um novo tipo de negócio de ourives pequenos usa os dados de geolo calização coletados pelo seu smartphone para extrair o mapa esquemático de suas peregrinações A visualização de seus dados cronospaciais gera um gráfico que pode servir como modelo para esculpir seu pingente personalizado em metal ou madeira O mapa de rota de um indivíduo em São Francisco convertido em pingente por Meshu92 A história espacializada de suas viagens portanto tornase um sinal enig mático que você pode usar como ornamento É também um emblema personali zado a expressão de uma nova arte de retratos 3 Como objetos culturais esses gráficos podem ser comparados a um de seus precursores o retrato da silhueta desenvolvido no final do século XVIII Com a invenção de Johann Kaspar Lavater de uma máquina certa e conveniente 90 Paul Henry Chombart de Lauwe Paris et lagglomération parisienne Volume 1 Presses universitaires de Fran ce Paris 1952 p 106 91 3 Debord op cit 92 httpthecreatorsprojectvicecomblogturnyourfoursquarecheckindataintojewelry 158 para desenhar silhueta tais retratos se tornaram objetos populares uma tendên cia que trazia novos códigos estéticos para a apresentação de si mesmo mas tam bém novos suportes para um conhecimento antropológico que afirmava decifrar personalidades o estudo dos contornos da cabeça de alguém Retrato da silhueta de Lavater93 O perfil cronospacial tem em comum com o antigo perfil skiagraphique94 a multiplicidade de seus usos A diferença claro é que o traço se afasta do con torno morfológico do corpo para se concentrar nas linhas imaginárias de seus movimentos O perfil deve a partir de então ser entendido em sentido metafó rico não se refere mais à forma estática de um corpo mas à forma dinâmica de suas trajetórias95 Esse é o tipo de corpos esquemáticos que formam o tópico da minha investigação 4 Desde o século XIX os paleontólogos traçaram uma distinção esclare cedora entre fósseis de corpos e traços fósseis quando mencionamos gravuras moldes contraimpressões escreve Alcide dOrbigny em 1849 falamos apenas de traços orgânicos de partes sólidas de animais enterrados nos estratos mas há outros fósseis deixados por corpos vivos em sedimentos ainda não consolidados e esses têm menos a ver com essas partes sólidas de corpos do que com seus hábitos vitais e fisiológicos São gravuras de passos de animais sulcos caneluras rolos 93 Johann Caspar Lavater Lart de connaitre les hommes par la physionomie Prudhomme Paris 1806 frontispice 94 O presente termo francês skiagraphique é originário do grego para a arte de desenharescrever sombras 95 Isso é claro não significa que a lógica da identificação biométrica desapareceria a fim de ser substituída por esse outro modo de representação longe disso 159 deixados pelos órgãos móveis de animais que andam e nadam96 Edward Hitch cock nomeou esses fósseis de ichnites Em alemão eles também são chamados de Lebenspurren traços de vida ou Vestígios fósseis da vida Pegadas fósseis encontradas em Gill Massachusetts no século XIX97 Enquanto a moldagem de um corpo morto prisioneiro do barro fornece a réplica de um sólido com seus volumes e texturas uma série de pegadas encon tradas no solo fornece apenas uma explicação de seus movimentos Neste último caso a impressão não foi simultânea mas sucessiva O traço de uma atividade é uma precipitação de eventos sucessivos na simultaneidade de um espaço sua so lidificação durável no plano de uma superfície de inscrição É a imagem de uma duração espacializada 5 Em 1790 Kant escreveu Toda forma dos objetos dos sentidos é figura ou peça Neste último caso é um jogo de figuras no espaço a saber pantomima e dança ou o mero jogo de sensações no tempo A forma de uma dança ou mais geralmente de um movimento percebido não é a de uma coisa com seus contornos fixos a forma de um vaso É um jogo de figuras que só pode autenticamente aparecer em uma dupla diferença de espaço e tempo 96 Alcide d Orbigny Cours élémentaire de paléontologie et de géologie stratigraphiques Premier volume Masson Paris 1849 p 27 97 Edward Hitchcock Elementary Geology New York Ivison and Phinney 1855 p 187 160 Duas folhas ilustrando notações de passos de dança no século XVIII98 Durante a mesma época os sistemas de notação coreográfica foram inven tados Nos tratados correspondentes uma dança tomava o aspecto de sentenças onduladas escritas em uma linguagem simbólica estranha Dentro do espaço da folha essas sentenças evoluíram sob o eixo horizontal cronológico da partitura musical O layout do jogo de formas não era mais uma mera conta tornarase um roteiro que apenas transcrevia a atividade para melhor conduzila na prática 6 Na década de 1910 dois discípulos de Taylor Lilian e Frank B Gil breth desenvolveram um aparelho que chamaram de chronocyclegraph Depois de terem afixado pequenos bulbos elétricos na mão de um trabalhador eles tiravam longas fotos de exposição enquanto executava sua tarefa Assim eles obtiveram a imagem de um caminho contínuo de um ciclo de movimentos aparecendo em linhas brancas na emulsão fotográfica 98 Kellom Tomlinson The art of dancing explained by reading and figures 1735 Cf httpearlydanceorgcon tent6477minuet 161 Lilian and Frank Gilbreth Motion Efficiency Study c 191499 Acredito explicou um jovem engenheiro entusiasta um bom método para ilustrar como um modelo de movimento ajuda a pessoa a visualizar é com parálo com a esteira deixada por um transatlântico100 Quais são as várias técni cas que estou descrevendo em comum é que cada um nos apresenta um meio de capturar trilhas ou então adicionar efeitos de trilha mais ou menos duradouros a atividades que não necessariamente os geram espontaneamente101 Neste caso específico a tarefa de extrair a trajetória é realizada por meios fotográficos ou mais precisamente por uma cronofotografia tratando a fonte de luz como uma tinta espaçotemporal os processos cronofotográficos consti tuem trilhas como DidiHuberman diria por permitindo que o movimento do celular apareça por uma presença prolongada em vários pontos da imagem que assim assumem a aparência de simultaneidade102 O invisível é assim visível No entanto é igualmente verdade que esse pro cesso de visualização atinge uma operação concomitante de invisibilização ou apagamento Na fotografia de Gilbreth o corpo do trabalhador é borrado em uma espécie de auréola no fundo O corpo literalmente desaparece atrás das li nhas de seu gesto Do corpo evanescente apenas o fóssil brilhante de seu movi mento passado permanece Michel Foucault mostrou que a disciplina dos séculos XVIII e XIX estava 99 Fotografia do Museu Nacional de História Americana Behring Center Divisão de Trabalho e Coleta Industrial 100 Gilbreth Op cit p 207 101 cf Georges DidiHuberman Phalènes Éditions de Minuit Paris 2013 102 Caroline Chik Limage paradoxale Fixité et mouvement Presses Universitaires du Septentrion Villeneuve dAscq 2011 p 90 162 mobilizando uma espécie de esquema anátomocronológico de comportamen to103 Mas esse não é mais exatamente o caso aqui Se o esquema ainda é em certo sentido cronológico e até cronospacial não é mais anatômico Do corpo vivo do trabalhador resta apenas a órbita do movimento104 Órbita é uma metáfora instrutiva uma mudança por assim dizer de uma anatomia para uma microastronomia do gesto produtivo onde o brilho das pe quenas lâmpadas teria substituído o brilho das estrelas embora para um estudo bem diferente Essas órbitas não devem apenas ser visualizadas mas também modeladas para melhor serem transformadas Se se analisa a trajetória dos gestos é para simplificálos livrálos de seus desvios inúteis é o princípio da eliminação do desperdício105 A modelização é um prelúdio à padronização através de uma comparação gráficos ou modelos mostrando os caminhos de diferentes operado res fazendo o mesmo tipo de trabalho é possível deduzir o método mais eficiente e tornálo um padrão106 O método etimologicamente é o caminho a seguir O padrão é o caminho mais curto o mais econômico107 Os Gilbreths também esculpem esses modelos de movimento em três di mensões com fio e o usam para ensinar o caminho do movimento aos operado res O gesto do trabalhador reconstruído em laboratório volta a entrar na oficina de uma forma modificada desta vez como um fio condutor ao qual os corpos produtivos devem conformar sua dança 7 Em meados da década de 1960 um membro da Academia de Ciências da URSS Alfred Yarbus publicou um livro que renovou profundamente o es tudo da visão108 Para seus experimentos ele usou uma máquina sofisticada um pouco parecida com o dispositivo no qual coloca o queixo em um consultório oftalmológico exceto neste caso equipado com câmeras Tendo gravado os mi cromovimentos dos olhos ele pôde refazer o rumo rápido que os olhos de um sujeito seguem inconscientemente ao olhar para uma pintura Esses desenhos com seus solavancos e seus pontos fixos se parecem muito com as fotografias de Gilbreth Eles também são mapas de gestos mas de gestos oculares em que o objeto de visualização nada mais é do que a própria ação de ver109 103 Michel Foucault Discipline and Punish The Birth of the Prison New York Vintage Books 1995 104 Gilbreth Op cit p 46 105 17 Idem p 130 106 18 Ibid p 91 107 O padrão não é apenas o melhor itinerário de gestos em termos de produtividade para uma determinada ativida de mas também uma norma transferível Ao consultar uma espécie de inventário geral de gestos eficientes pode se em uma lógica de protobenchmarking exportar de um ofício ofício ou profissão para outro os segmentos de gestos mais econômicos Ibid p 92 108 Alfred Yarbus Eye Movements and vision Plenum press New York 1967 109 A este respeito veja o trabalho do artista Julien Prévieux Esthétique des statistiques in Isabelle Bruno 163 Alfred Yarbus traços do movimento dos olhos de um sujeito olhando para uma foto110 Atualmente as tecnologias de rastreamento ocular são mobilizadas pela pesquisa de marketing Na era da economia da atenção a visão do usuário é meticulosamente examinada para melhor capturálo Os heatmaps de rastre amento ocular são produzidos para realizar testes de usabilidade e escolher a rota de design mais eficiente para um determinado projeto de design gráfico Análise de mapa de calor de rastreamento ocular do olhar de um sujeito em uma página da Web111 Emmanuel Didier Julien Prévieux dir Statactivisme Comment lutter avec des nombres ZonesLa Découverte Paris 2014 httpwwwprevieuxnethtmltextesstatacthtml 110 Yarbus Op cit p 174 111 httpblognormalmodescomblog20090928eyetrackingheatmapgalleryapreviewdiscussionofuiconsi derations 164 Este método de análise aplicase ao design de páginas web à embalagem de produtos mas também à própria arquitetura dos espaços de varejo Atualmente algumas lojas conectam o vídeo de sua câmera de vigilância aos sinais de telefone captados pela rede WiFi para refazer o movimento de seus clientes112 Dentro do espaço físico da loja o cliente é um olho mas um olho com pernas Graças aos dados comportamentais coletados o espaço pode ser reorganizado para otimizar a captura de atenção Captura de tela aparelho de rastreamento de clientes em uma loja113 Apesar da semelhança entre esses gráficos e os de Gilbreth a relação de normatividade aqui não é a mesma A relação salarial é estruturada por uma re lação de restrição que fundamentalmente dá à norma o aspecto de um comando mesmo que também seja implementado por outros meios Na esfera mercantil é imediatamente através de medidas mais laterais que um esquema de atividade é prescrito aos corpos Nesse caso a estratégia consiste em redesenhar o espaço de visibilidade para orientar e magnetizar a mobilidade ocular e corporal de acordo com rotas de navegação préestabelecidas Esta normatividade procede de acordo com as táticas de captura através do design 8 No início da década de 1960 os etologistas americanos começaram a usar novos transmissores de rádio para estudar os movimentos dos animais sel 112 Veja Stephanie Clifford Quentin Hardy Big Data Hits Real Life New York Times July 14 2013 httpwww nytimescom20130715businessattentionshopperstoresaretrackingyourcellhtmlpagewantedallr0 113 Screenshot from the video Big Data Hits Real Life by Erica Berenstein New York Times Jul 14 2013 http wwwnytimescomvideobusiness100000002206849bigdatahitsreallifehtml 165 vagens Estes dispositivos fixados em corpos de coelhos de cauda de algodão ou veados de cauda branca permitiram que suas posições fossem conhecidas e seus itinerários pudessem ser retratados114 Para abordar a massa de dados rapidamen te produzidos por esses sistemas de rastreamento de rádio os cientistas projeta ram um programa capaz de converter automaticamente esses dados em mapas Mapa dos movimentos da Lebre 201 entre os dias 3 e 5 de maio de 1964115 O surgimento de tecnologias de telemetria também inspirou outras discipli nas Em 1964 em Harvard dois psicólogos comportamentais Ralph Schwitzge bel e seu irmão gêmeo Robert desenvolveram um sistema de supervisão com portamental com um transceptor de pulso Esse dispositivo testado em jovens delinquentes prefigurou a pulseira eletrônica adotada mais tarde pelo sistema pe nal O sonho deles era substituir as antigas técnicas de encarceramento por novas tecnologias de controle operando em um ambiente aberto Para esse fim eles ima ginaram um pequeno dispositivo vestível capaz de registrar e transmitir vários da dos comportamentais sem fio incluindo a posição geográfica do sujeito bem como seu pulso ondas cerebrais consumo de álcool ou outros fatos fisiológicos116 Se esse sensor de dedo eletrônico detectasse um comportamento de risco o indivíduo poderia ser localizado e se necessário submetido a uma intervenção preventiva 114 Veja por exemplo John R Tester Dwain W Warner and William W Cochran A RadioTracking System for Studying Movements of Deer in The Journal of Wildlife Management Vol 28 No 1 Jan 1964 pp 4245 115 Donald B Siniff and John R Tester Biotelemetry BioScience Vol 15 No 2 Feb 1965 pp 104108 p 107 116 Anthropotelemetry Dr Schwitzgebels Machine Harvard Law Review Vol 80 No 2 Dec 1966 pp 403 421 p 409 166 Mas o que também motivou profundamente essa invenção teve a ver com a libido sciendi117 Através da coleta remota automatizada de dados comporta mentais a pulseira eletrônica permitiria às ciências comportamentais acessar con tinuamente uma massa de informações detalhadas sobre a vida cotidiana Não poderia o psicólogo imitar o etologista e ter sua própria rede de colares de trans ponders colocados nos corpos de animais humanos Esta arte de medição remota de comportamentos humanos foi denominada antropotelemetria A tarefa de coletar dados comportamentais que seriam confiados a senso res especiais é atualmente amplamente realizada pelos próprios indivíduos que autodocumentam sua própria atividade em um contexto de rastreabilidade ge neralizada Tom MacWright é engenheiro de sistemas de informação geográfica Ele também é um corredor amador Ele criou recentemente um aplicativo que permite visualizar suas rotas de corrida na cidade bem como suas flutuações de batimento cardíaco durante o esforço Visualização de dados das rotas de corrida e da frequência cardíaca de Tom MacWright A aceleração de pulso é representada pelas variações de intensidade da cor azul118 Este mapa ilustra um princípio importante a fusão de dados referese a dados coletados de fontes heterogêneas que estão fundidas ao mesmo corpo es 117 Libido sciendi desejo de saber 118 httpwwwmacwrightorgrunning 167 quemático cronológico A única condição é que essas informações devem ter sido referenciadas antecipadamente de acordo com as coordenadas espaçotemporais 9 Ainda na década de 1960 um movimento inovador na geografia huma na comprometeuse a revolucionar sua disciplina era o projeto da cronogeografia ou do tempogeografia A ideia fundamental era que se poderia dar conta das vidas humanas tratandoas como caminhos dentro do espaçotempo Isso implicou en tre outras coisas a invenção de novos tipos de mapas que articulariam o tempo com o espaço Torsten Hägerstrand um dos fundadores dessa metodologia resu miu seu postulado da seguinte forma No tempoespaço o indivíduo descreve um caminho o conceito de caminho da vida ou caminho como o caminho do dia a semana caminho etc pode ser facilmente mostrado graficamente se concordar mos em colapsar um espaço tridimensional em uma planície bidimensional e usar uma direção perpendicular para representar o tempo119 A ilustração a seguir é uma primeira instância desse tipo de representação ainda em um estado rudimentar Um fio é enrolado em torno de bastões verticais que foram martelados em um mapa tridimensional representando o itinerário de um indivíduo durante um determinado período Um modelo de simulação geográfica por tempo de programas de atividades individuais120 Atualmente esse tipo de representação cartográfica foi integrada a podero sos sistemas de dados geográficos usados para pesquisa de análise geovisual 119 Torsten Hägerstrand What about people in regional science Papers of the Regional Science Association Volume 24 1 1970 pp 621 p 10 120 B Lenntorp A TimeGeographic Simulation Model of Individual Activity Programmes in T Carlstein D Parkes and N Thrift Eds Human activity and time geography London Edward Arnold 1978 pp 162180 168 Visualizando caminhos de espaçotempo e atividades individuais com o ArcGIS121 Como assinala Mark Monmonier esse tipo de objeto é fundamentalmen te mapeamento em vez de mapas porque a cartografia não se limita a mapas estáticos impressos em papel ou exibidos em telas de computador Nas novas cartografias de vigilância os mapas observados são menos importantes que os sistemas de dados espaciais que armazenam e integram fatos sobre onde vivemos e trabalhamos122 As ferramentas da cronogeografia concebidas na década de 1960 foram concebidas principalmente como ferramentas dos planejadores urbanos e sociais geralmente associadas a agendas políticas reformistas Hoje em dia funções mui to menos benevolentes estão sendo cada vez mais atribuídas a elas O postulado fundamental da geografia do tempo segundo o qual as biografias individuais podem ser rastreadas como trajetórias de vida no tempoespaço está em vias de se tornar a base epistemológica de outros tipos de práticas de poder 10 Em 2010 as mais altas autoridades da comunidade de inteligência dos EUA estabeleceram os princípios de um novo paradigma Era a doutrina Ac tivity Based Intelligence ABI desenvolvida sob a égide da irmã siamesa mas 121 Captura de tela do gráfico cronoespacial obtida através do módulo de visualização 3D ArcScene do software ArcGIS da ESRI httpwebutkedusshawNSFProjectWebsitepagesactivitieshtm 122 Mark Monmonier Spying with Maps Surveillance Technologies and the Future of Privacy University of Chicago Press Chicago 2004 p 1 169 ainda desconhecida da NSA a National Geospatial Intelligence Agency NGA Os teóricos da inteligência descrevem essa mudança como a conversão para uma nova filosofia um novo método de conhecimento Derek Gregory descrevea com perspicácia como uma espécie de ritmálise militarizada até mesmo uma geometria temporal armada baseada no uso de programas que fundem e visualizam dados geoespaciais temporais e de inteli gência de múltiplas fontes combinando o onde o quando e o que como uma matriz tridimensional que replica os diagramas padrão de tempogeografia de senvolvidos pelo geógrafo sueco Torsten Hägerstrand nos anos 1960 e 1970123 Como conclui Gregory consiste em rastrear múltiplos indivíduos através de diferentes redes sociais para estabelecer um padrão de vida consistente com o paradigma da inteligência baseada em atividades que forma o núcleo da contrain surgência contemporânea124 Essa metodologia baseiase entre outras coisas no uso de mineração de dados aplicada a trajetórias de movimentos para descobrir dentro de sortimentos gigantescos de caminhos padrões periódicos ou assinaturas correspondentes a segmentos característicos de hábitos Além de rastrear itinerários singulares o objetivo aqui é extrair progressivamente esquemas típicos de atividade Rotas regulares engrossam progressivamente na tela como caminhos frequentemente tomados por um bando cavando seus sulcos na grama de um campo A figura a seguir é um mapa produzido por um módulo de Inteligência Baseada em Atividades concebido por engenheiros da Lockheed Martin e testado em viagens de táxi em uma cidade americana 123 Derek Gregory Lines of descent Open democracy 8 novembre 2011 httpwwwopendemocracynetder ekgregorylinesofdescent 124 Derek Gregory From a view to a kill drones and late modern war Theory culture and society 28 6 2011 pp 188215 p 195 e 208 170 Links de rede e nós detectados e em um conjunto de dados de rastreamento de cabine125 O que funciona com viagens de táxi pode é claro ser aplicado em outros objetos como por exemplo rotas de pedestres em uma aldeia iraquiana monito rada pela câmera de um drone Bairro perto de Al Mahmudiyah no Iraque onde a maioria dos transportes é a pé Caminhos pedestres simulados foram explorados para descobrir redes126 11 Originalmente a cronogeografia nasceu da recusa da predominância de métodos estatísticos nas ciências sociais Se descrevermos a realidade social principalmente por meio de agregados de grandes números como os dados por um censo consideramos a população composta de indivíduos em vez de indi víduos lamentou Hägerstrand127 Os agregados estatísticos como PIB ou grupos de renda não nos dão acesso a um conhecimento primário sobre indivíduos concretos mas apenas de forma indireta a seres estatísticos que são reconstruídos como frações de um número global A cronogeografia ao contrário afirma representar os indivíduos como eles existem de maneira contínua como pontos físicos afetados por trajetórias espa çotemporais A convicção era que entre o trabalho do biógrafo e o do estatístico há uma zona crepuscular a ser explorada uma área onde a noção fundamental é que as pessoas mantêm sua identidade ao longo do tempo e onde o com portamento agregado não pode escapar esses fatos128 Em outras palavras como Nigel Thrift colocou a cronogeografia começa a partir da premissa metodológica 125 Ray RimeyJim Record Dan Keefe Levi Kennedy Chris Cramer Network Exploitation Using WAMI Tracks Defense Transformation and NetCentric Systems 2728 April 2011 Orlando 126 Idem 127 Hägertsrand Op cit p 9 128 Idem p 9 171 da indivisibilidade do ser humano129 O que foi então proposto para a ciência social foi reconstruir agregados de dados começando da granularidade indivisível dos indivíduos cuja corporeidade vivida poderia então ser esquematicamente representada por caminhos rastreáveis e mensuráveis no espaçotempo É surpreendente que para expressar essa ideia Hägerstrand tenha usado o mesmo vocabulário que Gilles Deleuze mobilizaria vinte anos depois para de finir o que ele chamou de sociedades de controle Não nos encontramos mais lidando com o par massaindivíduo Os indivíduos tornaramse dividuais e mas sas amostras dados mercados ou bancos130 Por um lado havia sociedades dis ciplinares estruturadas em torno de uma relação entre o indivíduo e a massa por outro lado sociedades de controle articuladas pela dupla de dividuais e bancos de dados Por um lado instituições de confinamento por outro lado processos de controle operando em ambientes abertos Por um lado as assinaturas e nume ração administrativa tomadas como marcos da individualidade por outro lado códigos e senhas como condições de acesso Hägerstrand e Deleuze tomaram emprestada essa distinção conceitual en tre individualidade e dividualidade de algumas reflexões sobre a forma que o pintor Paul Klee desenvolveu durante os anos entre guerras Segundo seu ponto de vista esse par de noções poderia ser esquematizado da seguinte maneira 129 Nigel Thrift An introduction to time geography Institute of British geographers London 1977 p 6 130 Gilles Deleuze Postscript on the Societies of Control in journal OCTOBER 59 Winter 1992 MIT Press Cambridge 37 172 Dividual 1 e individual 2 de acordo com Klee131 O indivíduo é ilustrado por uma figura linear uma forma de um corpo em movimento figura 2 É definido negativamente como algo do qual nada pode ser cortado sem destruir o todo sem tornálo irreconhecível Nesse sentido o in divíduo é primeiro algo indivisível dividilo seria mutilálo destruir sua unidade orgânica constitutiva O divino ao contrário é definido por sua divisibilidade Divida ou corte as linhas na figura 1 corte uma ou algumas delas e o padrão ainda não desaparecerá Ele permanecerá apesar de sua partição Essa é em resu mo a diferença entre o padrão de uma tapeçaria cujos ritmos são repetitivos e o desenho da forma orgânica de um corpo Por sua vez o que Deleuze diz no final da década de 1990 mas desta vez como um diagnóstico histórico e político é que estamos mudando de 2 para 1 ou seja que antigos mecanismos de poder centrados na individualidade eram em parte sendo substituído por novos cujo objeto seria o dividual Por ora nossa pergunta é a seguinte o que acontece com o prognóstico de Deleuze quando o postulado básico da cronogeografia principalmente a amar ração de uma agregação de dados a caminhos cronospaciais individualmente in dexados tornase tão prevalente a ponto de servir como base operacional efetiva para toda uma série de práticas de poder O que então obtemos é à primeira vista algo diferente do individual pelo contrário encontramos as individualidades cronogeográficas consideradas ambas como objetos de conhecimento e de intervenção Como Derek Gregory mostrou os usos contemporâneos de vários meios eletrônicos de identificação rastreamento e localização de alvos equivalem de fato a uma operação de produção técnica de indivíduos como artefatos e algoritmos132 Se isso certamente implica um certo modo de individuação a questão seria então caracterizála conceitualmente No entanto uma das dificuldades para fazêlo é que ele dificilmente se encaixa na ca tegoria de individualização disciplinar lembrada por Deleuze em seu Postscript As tecnologias em questão certamente se concentram na busca de assina turas isto é segundo o filósofo um dos sinais favoritos na semiótica política da disciplina mas também se espalham hoje em ambientes abertos como os aparatos de controle Eles se concentram nas individualidades concebidas como unidades cronoespaciais indivisíveis mas para constituílas elas também mo bilizam material individual agregado em bancos de dados e tratado de maneira 131 Formal analysis of 19353 Grid dance Paul Klee Notebooks Volume 2 The nature of nature Lund Hum phries London 1973 p 284 These explanatory figures have in fact been compiled by the editor of the volume Jürg Spiller 132 httpgeographicalimaginationscomtagglenngreenwald 173 algorítmica Esse conjunto duplo de características faz com que elas se encaixem mal no modelo de Deleuze Eles não correspondem nem à individualização da disciplina nem à dividualização do controle Para entender o que estamos lidando aqui acho que podemos nos referir a uma terceira figura também encontrada no trabalho de Klee Dança da grade de Klee133 Dividual e individual não estão necessariamente em oposição eles também po dem ser combinados Esta terceira figura ilustra um caso de síntese individualindivi dual134 Tal síntese acontece quando certas atividades produzem formas estruturais muito definidas que podem se tornar observáveis individualmente135 isto é quando os caracteres estruturais são unidos ritmicamente em um todo individual136 O fio dividual ondulado em que foi cortado na figura individual linear que igualmente delineia seu contorno externo aparece então como uma grade de dança O objeto correspondente de poder aqui não é o indivíduo tomado como um elemento em uma massa nem o indivíduo aparecendo com um código em um banco de dados mas algo mais uma individualidade padronizada que é teci da a partir de dividualidades estatísticas e cortadas em um fio de atividades reti culares contra as quais progressivamente silhuetas no tempo como uma unidade perceptível distinta nos olhos da máquina A produção dessa forma de individualidade não pertence nem à discipli na nem ao controle mas a outra coisa a segmentação em seus procedimentos 133 Klee op cit p 285 134 Idem p 63 135 Idid p 247 136 Idid p 234 174 mais contemporâneos cujas características formais são hoje compartilhadas entre campos tão diversos quanto o policiamento o reconhecimento militar e o marke ting Pode bem ser por falar nisso que estamos entrando em sociedadesalvo 12 Para os promotores militares dessas metodologias a esperança inicial era de acordo com uma metodologia de Inteligência Vigilância e Reconheci mento ISR herdada da Guerra Fria ser capaz de modelar assinaturas compor tamentais associadas a padrões de vida terroristas Mas essa ambição enfrenta pelo menos um problema epistemológico fundamental Em um contexto mar cado por uma escassez de dados significativos e uma baixa relação sinalruído ou seja onde o elemento ruim parecem e agem da mesma maneira que os elementos bons não se pode obter padrões de vida não ambíguos que permitam uma identificação positiva137 Especialistas em inteligência estão cientes dessa dificuldade Hoje eles re tratam o paradigma da Inteligência Baseada em Atividades como uma tentativa de superar esse obstáculo Essa metodologia eles insistem é focada em entender entidades que não têm assinaturas em qualquer fenomenologia de sensor úni co138 Nos discursos sobre método que eles escrevem o problema assume for mulações quase metafísicas O mistério é o seguinte como descobrir desconhe cido desconhecidos139 Um desconhecido conhecido é um indivíduo cuja iden tidade singular é desconhecida mas cujos atributos perceptíveis correspondem a um tipo conhecido Um desconhecido desconhecido é aquele que escapa tanto de uma identificação singular quanto de uma genérica não se sabe quem ele é ignorância de seu nome ou rosto nem o que ele é seu perfil de atividade não corresponde aos inventariados A solução imaginada então está de certo modo já contida nos termos da pergunta para identificar formas desconhecidas logicamente já se possui um inventário de formas conhecidas A ideia é portanto identificar o típico para identificar o atípico É preciso desenvolver padrões de vida para identificar quais atividades são normais e quais são anormais140 Dentro de tal modelo por acumular trilhas ao longo do tempo podese por exemplo modelar os padrões de movimento dos pedestres e detectar ano 137 Veja também Jeff Jonas and Jim Harper Effective Counterterrorism and the Limited Role of Predictive Data Mining Policy Analysis Cato Institute December 11 2006 httpwwwcatoorgsitescatoorgfilespubspdf pa584pdf584 138 Mark Phillips A brief overview of ABI and Human Domain Analytics Trajectory Magazine 2012 http trajectorymagazinecomwebexclusivesitem1369humandomainanalyticshtml 139 Idem 140 From data to decisions III IBM Center for the Business of Government November 2013 p 32 httpwww govexeccommediagbcdocspdfsedit111213cc1pdf 175 malias de tendências comportamentais aprendidas141 Por exemplo uma vez que os itinerários normais de alguém transportando uma bandeja de refeição em uma cantina foram identificados podese ao contrário ver o surgimento de uma certa quantidade de trajetórias aberrantes Modelando caminhos normais e detectando comportamentos anormais em uma cantina142 Além desses tipos de estudos de teste conduzidos em espaços fechados o objetivo é implantar essas metodologias de classificação comportamental dentro de programas de detecção de anomalias em larga escala 141 Kevin Streib Matt Nedrich Karthik Sankaranarayanan James W Davis Interactive Visualization and Behavior Analysis for Video Surveillance SIAM Data Mining International Conference on datamining Columbus Ohio 2010 142 RichardO Lane KeithD Copsey Conference Paper Track anomaly detection with rhythm of life and bulk activity modeling Information Fusion FUSION 2012 15th International Conference 176 DETECÇÃO DE ANOMALIA ATRAVÉS DE ASSINATURAS DE COMPORTAMENTO143 A racionalidade que ordena tal trabalho de detecção depende de uma di visão normativa uma certa concepção do que é normalidade Mas do ponto de vista filosófico devese notar que a noção de padrões ou formas normais de vida não se baseia aqui ao contrário por exemplo no discurso da moral transcen dente em qualquer imperativo específico deve ser ou normativo Estas são em certo sentido normatividades sem norma Sua noção do normal é na verdade estritamente empírica é aprendida pela máquina com base em uma análise de frequências e repetições em determinados conjuntos de atividades É então uma discrepância com esses padrões de regularidade uma anomalia em vez de uma anormalidade que acionará o alerta vermelhoalaranjado na tela do analista Mas uma das questões clássicas com tal concepção de normalidade é que como Georges Canguilhem explicou nós teríamos necessariamente de tratar como anormal isto é acreditamos patológico todo indivíduo anormal todo portador de anomalias cada indivíduo aberrante em relação a um tipo especí fico estatisticamente definido144 Embora uma discrepância singular possa ser interpretada de várias maneiras por exemplo como uma falha ou como uma 143 Brett Borghetti Anomaly Detection Through Behavior Signatures ISRCS Briefing 10 Aug 2010 144 Georges Canguilhem Knowledge of Life Fordham university Press New York 2008 p 127 177 tentativa como uma falha ou como uma aventura um aparato paranoico ime diatamente tende a sinalizála como uma ameaça potencial145 ALERTA De uma maneira bastante irônica é dentro das próprias sociedades cuja ide ologia dominante considera sagrada a liberdade individual de seguir seu próprio modo de vida que a singularidade de tal rota logo acaba sendo automaticamente sinalizada como suspeita Devese notar no entanto que isto não é devido neste caso à predominância de uma lógica de padronização ou uniformização Ao usar esses padrões cronoespaciais para filtrar comportamentos esses dispositivos não têm uma trajetória de modelo específica que procuram impor nas várias vidas que monitoram Sua normatividade sem norma é animada por outro objetivo outro tipo de apetite devorador detectar discrepâncias para adquirir alvos e isso em um modo de pensar em que como alvos desconhecidos é o desconhecido que se torna alvo Outra maneira de colocar isso é que em tais regimes de conheci mento e poder um alvo potencial aparece fundamentalmente como um desvio REFERÊNCIAS Anthropotelemetry Dr Schwitzgebels Machine Harvard Law Review Vol 80 No 2 Dec 1966 pp 403421 p 409 BERENSTEIN Erica New York Times Jul 14 2013 httpwwwnytimescomvideobusi ness100000002206849bigdatahitsreallifehtml BORGHETTI Brett Anomaly Detection Through Behavior Signatures ISRCS Briefing 10 Aug 2010 CANGUILHEM Georges Knowledge of Life Fordham university Press New York 2008 CHIK Caroline Limage paradoxale Fixité et mouvement Presses Universitaires du Septen trion Villeneuve dAscq 2011 p 90 CLIFFORD Stephanie HARDY Quentin Big Data Hits Real Life New York Times July 14 2013 httpwwwnytimescom20130715businessattentionshopperstoresaretrack ingyourcellhtmlpagewantedallr0 DEBORD Guy Theory of the dérive The Situationist International Anthology ed Ken Knabb Bureau of Public Secrets Berkeley 1981 p 50 DELEUZE Gilles Postscript on the Societies of Control in journal OCTOBER 59 Win ter 1992 MIT Press Cambridge 37 DIDIHUBERMAN Georges Phalènes Éditions de Minuit Paris 2013 FOUCAULT Michel Discipline and Punish The Birth of the Prison New York Vintage Books 1995 GREGORY Derek From a view to a kill drones and late modern war Theory culture and society 28 6 2011 pp 188215 p 195 e 208 GREGORY Derek Lines of descent Open democracy 8 novembre 2011 httpwwwopen democracynetderekgregorylinesofdescent HÄGERSTRAND Torsten What about people in regional science Papers of the Regional 145 Idem p 125 178 Science Association Volume 24 1 1970 pp 621 p 10 HITCHCOCK Edward Elementary Geology New York Ivison and Phinney 1855 p 187 IBM Center for the Business of Government From data to decisions III November 2013 p 32 httpwwwgovexeccommediagbcdocspdfsedit111213cc1pdf JONAS Jeff HARPER Jim Effective Counterterrorism and the Limited Role of Predictive Data Mining Policy Analysis Cato Institute December 11 2006 httpwwwcatoorgsites catoorgfilespubspdfpa584pdf584 KLEE Paul Notebooks Volume 2 The nature of nature Lund Humphries London 1973 p 284 These explanatory figures have in fact been compiled by the editor of the volume Jürg Spiller LANE Richard O COPSEY KeithD Conference Paper Track anomaly detection with rhythm of life and bulk activity modeling Information Fusion FUSION 2012 15th Inter national Conference LAUWE Paul Henry Chombart de Paris et lagglomération parisienne Volume 1 Presses universitaires de France Paris 1952 p 106 LAVATER Johann Caspar Lart de connaitre les hommes par la physionomie Prudhomme Paris 1806 frontispice LENNTORP B A TimeGeographic Simulation Model of Individual Activity Pro grammes in CARLSTEIN T PARKES D e THRIFT N Eds Human activity and time geography London Edward Arnold 1978 pp 162180 MONMONIER Mark Spying with Maps Surveillance Technologies and the Future of Pri vacy University of Chicago Press Chicago 2004 p 1 ORBIGNY Alcide d Cours élémentaire de paléontologie et de géologie stratigraphiques Premier volume Masson Paris 1849 p 27 PHILLIPS Mark A brief overview of ABI and Human Domain Analytics Trajectory Maga zine 2012 httptrajectorymagazinecomwebexclusivesitem1369humandomainanalyt icshtml PRÉVIEUX Julien Esthétique des statistiques in BRUNO Isabelle DIDIER Emmanuel PRÉVIEUX Julien dir Statactivisme Comment lutter avec des nombres ZonesLa Décou verte Paris 2014 httpwwwprevieuxnethtmltextesstatacthtml RIMEY Ray RECORD Jim KEEFE Dan KENNEDY Levi CRAMER Chris Network Exploitation Using WAMI Tracks Defense Transformation and NetCentric Systems 2728 April 2011 Orlando SINIFF Donald B TESTER John R Biotelemetry BioScience Vol 15 No 2 Feb 1965 pp 104108 p 107 STREIB Kevin NEDRICH Matt DAVIS Karthik Sankaranarayanan James W Interactive Visualization and Behavior Analysis for Video Surveillance SIAM Data Mining International Conference on datamining Columbus Ohio 2010 TESTER John R WARNER Dwain W COCHRAN William W A RadioTracking Sys tem for Studying Movements of Deer in The Journal of Wildlife Management Vol 28 No 1 Jan 1964 pp 4245 THRIFT Nigel An introduction to time geography Institute of British geographers London 1977 p 6 TOMLINSON Kellom The art of dancing explained by reading and figures 1735 Cf http earlydanceorgcontent6477minuet YARBUS Alfred Eye Movements and vision Plenum press New York 1967 179 QUE CIDADE É ESSA Guilherme Boulos146 Exemplo de Segregação da Cidade do Capital Paraisópolis e Morumbi SP A vida nas grandes cidades brasileiras costuma ser definida por meio de termos mais ou menos comuns caos violência congestionamento falta de planejamento contraste social e por aí vai De fato as chamadas metrópoles no Brasil e em outras partes do mundo tornaramse símbolos do desenvolvimento caótico e da desigualdade social O caos está por toda parte na quantidade de automóveis que cada vez se mo vem menos em meio a tanto congestionamento na violência característica da barbárie que opõe na maioria dos casos pobres contra pobres no crescimento populacional urbano sem limites que transformou por exemplo a região metro politana de São Paulo num amontoado de mais de 20 milhões de habitantes São muitos os sintomas do caos 146 Guilherme Castro Boulos é um professor ativista político e escritor brasileiro Graduouse em filosofia pela Fa culdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo FFLCHUSP Especializouse em Psicologia Clínica pela PUCSP tema O Lugar da Razão na Psicanálise É mestre em psiquiatria 2017 pela Faculdade de Medicina da USP dissertação Estudo sobre a variação de sintomas depressivos relacionada à participação coletiva em ocupações de semteto em São Paulo Foi também professor da rede pública de ensino da Faculdade de Mauá e da Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo é membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto sendo reconhecido como uma das principais lideranças da esquerda no Brasil 180 Mas é preciso lembrar que este caos obedece a uma lógica embora seja uma lógica profundamente irracional e voltada aos interesses de uma minoria Ao conhecermos um pouco sobre como as cidades chegaram a ser o que são hoje vemos melhor quem ganha e quem perde com o caos COMO AS CIDADES SE DESENVOLVERAM Há mais ou menos 70 anos atrás em 1940 as duas maiores cidades brasi leiras São Paulo e Rio de Janeiro tinham pouco mais que 1 milhão de habitantes cada uma A maior parte da população ainda vivia no campo e a industrialização que foi o que atraiu milhões de trabalhadores para as cidades ainda estava em seu início no país Os trabalhadores urbanos já viviam mal em cortiços cômodos de aluguel e nas chamadas vilas operárias que eram conjuntos de casas que as empresas ofe reciam aos empregados que pagavam com parte de seu salário E já naquela época os trabalhadores faziam luta por melhores condições de moradia A primeira grande luta conhecida em relação a essa questão foi entre 1917 e 19 com a formação da Liga dos inquilinos contra despejos e o valor dos aluguéis Os semteto buscaram organizar uma greve de aluguéis Entre 1945 e 47 também ocorreram grandes movimentos em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro com as mesmas reivindicações Mas naquele período havia uma grande diferença em relação à cidade de hoje A periferia praticamente não existia Os trabalhadores moravam em bairros centrais próximos do local de trabalho e também próximos das casas dos ricos Com o crescimento da população a burguesia desenvolveu um projeto para matar dois coelhos numa paulada só jogando os trabalhadores para regiões distantes eles tiraram os pobres do seu convívio e ainda criaram um negócio milionário Como se deu isso Veremos este processo a partir do exemplo de São Paulo sobre o qual foram feitos importantes estudos como os de Lucio Kowarick Raquel Rolnik e Eder Sa der De todo modo o processo de formação da periferia em São Paulo tem muitas semelhanças com o de outras grandes cidades do Brasil e da América Latina Como vimos até 1940 os trabalhadores moravam nos bairros centrais A periferia não existia Eram chácaras e fazendas só mato Nesta época cerca de 75 dos imóveis de São Paulo eram habitados por inquilinos isto é casas de aluguel nos bairros centrais da cidade Os grandes proprietários de terrenos e casas entraram em ação Com o apoio do governo fizeram o que chamaram de uma limpeza no centro de 181 moliram cortiços despejaram favelas e aumentaram o valor dos aluguéis que se tornou inviável para maior parte dos trabalhadores Ao mesmo tempo abriram loteamentos clandestinos em áreas distantes onde não havia nada para vender os lotes aos trabalhadores Sem ter outra alternativa os trabalhadores compravam estes lotes tendo ainda que usar os finais de semana para construir suas casas com as próprias mãos Tanto para comprar o lote como para construir muitos tinham que se en dividar Além disso foram jogados em lugares com infraestrutura precária água eletricidade asfalto e sem qualquer serviço público saúde creche escola etc Para possibilitar que os trabalhadores chegassem ao trabalho o governo que deixava os proprietários e loteadores agirem livremente chegava depois com infraestrutura básica como estradas e linhas de ônibus Afinal os patrões precisavam ter seus empregados na empresa para explorálos e lucrar Mas o melhor ainda estava por vir Os proprietários utilizaram uma malandra gem que os fez ganhar ainda mais Ao abrir os novos loteamentos deixavam sempre uma grande área vazia entre o local do loteamento e o centro da cidade Grandes pedaços de terra no meio do caminho que ficavam ali sem serem loteados Por exemplo faziam um loteamento onde hoje é o Campo Limpo na zona sul de São Paulo E deixavam imensas áreas vazias no Butantã Vila Sônia Morumbi e outros bairros que ligam o centro ao Campo Limpo Mas por quê A resposta veio com o tempo Depois do loteamento clandestino o gover no pressionado pelos proprietários levava uma estrada uma linha de ônibus rede de água e de energia elétrica até a região Mas para que toda esta estrutura chegasse até o bairro mais distante precisaria passar pelos bairros que estão no caminho Isto é a estrada que vai ao Campo Limpo passa pelo Butantã assim como a rede de água e eletricidade E daí Ora com todos estes benefícios os terrenos deixados vazios no meio do caminho se valorizavam muito e os proprietários podiam loteálos a um preço muito maior O nome desta malandragem é especulação imobiliária Os especuladores deixavam e ainda deixam os terrenos vazios esperando o melhor momento para vendêlos a preços elevados Enquanto isso os trabalhadores são jogados ao sofrimento em regiões distantes e sem nada Assim formaramse as periferias urbanas Quem ganhou e quem perdeu com isso Os donos de terra especuladores e loteadores ganharam de 3 maneiras principais 1 Venda de lotes Os proprietários muitas vezes grileiros de terras pú blicas pegavam grandes áreas que eram rurais e loteavam como terre 182 no urbano que tem um valor muito mais alto Assim transformaram terra em ouro e ganharam milhões em cima das suadas economias dos trabalhadores 2 Valorização de terrenos intermediários As áreas que ficavam no meio do caminho dos novos loteamentos foram vendidas mais tarde a pre ços inacreditáveis Exatamente por isso não puderam ser habitadas por trabalhadores São os chamados bairros de classe média ou da própria burguesia 3 Valorização das áreas centrais Ao tirar os pobres e demolir as casas mais antigas e precárias das regiões centrais da cidade o valor dos imó veis destes bairros subiu muito O trabalhador deixou de poder pagar um aluguel no centro que virou propriedade exclusiva dos ricos Nesta história toda os trabalhadores só perderam Foram expulsos das me lhores áreas jogados em regiões sem estrutura e distantes do local de trabalho A partir daí começou a se definir de modo claro a separação da cidade dos ricos com a cidade dos pobres De um lado os bairros centrais de outro a periferia A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA HOJE Quem pensa que essa história toda acabou e que hoje a situação é outra está muito enganado Daquele período pra cá a situação só se agravou e a especulação imobiliária se tornou ainda mais forte E o que é pior tem cada vez mais o apoio do Estado que deveria garantir condições de vida digna aos trabalhadores urbanos Não precisa de muito discurso para saber que os pobres continuam mo rando nas periferias E em periferias cada vez mais distantes Basta ter olhos pra 183 ver Retomando o exemplo de São Paulo os loteamentos clandestinos da década de 1970 ocorreram em bairros como o Campo Limpo hoje o Campo Limpo vem se tornando um bairro mais caro e os trabalhadores estão sendo jogados para outras cidades Taboão da Serra Embu Itapecerica da Serra e sabese lá onde mais O mesmo ocorreu na zona leste da cidade com bairros como Vila Matilde ou Penha e atualmente com Itaquera A especulação leva as periferias para ainda mais longe O fato é que o capital imobiliário os donos de terra e as grandes cons trutoras nunca foram tão poderosos no Brasil como nos dias de hoje Basta observarmos os dados da valorização dos imóveis nas grandes cidades e do cresci mento dos empreendimentos imobiliários no país todo Dados que tomamos das próprias instituições do mercado imobiliário como o Creci Conselho Regional dos Corretores de Imóveis e o Secovi Sindicato da Habitação e Condomínios Tomemos o caso da capital federal Brasília tem liderado as pesquisas de valorização da terra e dos imóveis entre as cidades brasileiras Em 2007 quem pretendia comprar uma casa na Asa Norte bairro valorizado da capital pagava nada menos que R4000 por metro quadrado Muito caro não é Para os espe culadores não Em 2010 este valor já havia subido para mais de R9000 por metro Mais que o dobro Em 3 anos No Rio de Janeiro a situação não é diferente Um apartamento no Leblon ou em Ipanema não sai por menos que R16950 por metro quadrado Para que se tenha uma ideia do que isso significa quase 60 mil cariocas tornaramse milionários isto é passaram a ter mais de R1 milhão simplesmente por terem imóveis em regiões valorizadas Não precisamos pensar muito para saber que estes novos milionários não vivem na Rocinha ou nos bairros pobres da zona oeste da cidade Em São Paulo os números são assustadores Uma casa localizada no Jar dim Europa pode ser vendida a R17900 por metro quadrado Mais o valor médio do aluguel na cidade cresceu 146 só em 2010 E esta valorização não atinge apenas bairros da elite como o Jardim Europa O metro quadrado em Perus está em R4540 e R3730 no Campo Limpo que é o distrito com maior concentração de favelas da cidade Alguém poderia questionar que esta valorização na periferia é boa para os trabalhadores que poderiam com isso aumentar seu patrimônio Mas isso quase nunca é verdade porque a maior parte das casas em bairros periféricos é irregular não tem escritura A valorização pelo contrário torna os trabalhadores destas regiões alvo constante de despejos que visam a construção de novos empreen dimentos Sem falar no aumento dos aluguéis que expulsa os inquilinos para regiões mais periféricas 184 As cidades são um grande negócio para os capitalistas Sem pensar em quem está no caminho a burguesia investe e lucra com o espaço de vida de 85 dos brasileiros O investimento imobiliário em São Paulo chegou a atingir até 270 de valorização em 2010 rentabilidade maior que qualquer aplicação financeira do país Como no período que vimos de formação das periferias ga nham com a especulação aqueles que já tem muito e perdem os trabalhadores Citamos 3 grandes cidades brasileiras Mas esta realidade pode ser vista em todos os centros urbanos do país Poderíamos citar Belo Horizonte Recife ou Salvador que tiveram uma valorização igualmente absurda Dentre muitas outras cidades Isto se mostra numa pesquisa feita pelo instituto Global PropertyGuide que apontou o Brasil como o líder mundial da especulação imobiliária em 2010 com uma média de 335 de valorização Não é por acaso que nosso país está também entre os líderes mundiais da desigualdade social Este monte de números serve para mostrar que os donos de terra e emprei teiros nunca ganharam tanto Mas paremos um pouco para entender como isso ocorre e as consequências desta situação A ALIANÇA ENTRE ESTADO E CAPITAL IMOBILIÁRIO Como se deu este crescimento tão grande dos empreendimentos imobiliá rios no Brasil nos últimos anos De onde vem tanto dinheiro Como pode um pedaço de terra que era vendido por 10 passar a valer 20 no outro dia Será mágica Vamos analisar estas questões O crescimento do mercado imobiliário e da especulação tem vários mo tivos Um deles é o crescimento do crédito o aumento dos financiamentos para que a classe média possa comprar imóveis Se por um lado isso pode ser visto como algo bom por possibilitar a uma parte dos trabalhadores o acesso a mais produtos por outro lado cria um endividamento eterno com prestações a serem pagas até o fim da vida Vimos o que aconteceu nos Estados Unidos os trabalhadores financiaram casas não conseguiram arcar com as dívidas e acaba ram despejados e sem teto Outro motivo desta explosão especulativa foi a concentração das empresas imobiliárias em pouquíssimas mãos Nos últimos anos várias construtoras se fundiram criando um monopólio As grandes construtoras muitas delas contro ladas já por capital estrangeiro ao venderem ações na Bolsa de Valores tiveram condições financeiras de comprar muita terra nas cidades brasileiras Boa parte das áreas urbanas vazias pertence hoje a essas poucas empresas 185 Tendo o controle das terras tornaramse ao mesmo tempo construtores e especuladores Passaram a ganhar duplamente na valorização especulativa dos terrenos e na construção dos imóveis Puderam impor livremente seus preços Mas nenhum destes fatores teria sido possível sem a principal razão da for ça do capital imobiliário no país sua aliança com o Estado brasileiro em todos os níveis desde as prefeituras e câmaras de vereadores até o governo federal Esta aliança não é nova Os donos de terra sempre tiveram muito poder na política brasileira É só lembrar dos coronéis latifundiários no campo ou da forma como cresceram as cidades Na formação das periferias o papel do Estado foi decisivo tanto ao permitir os loteamentos clandestinos quanto ao levar sob medida a infraestrutura que valorizou as áreas dos especuladores De lá pra cá esta aliança só se fortaleceu Os donos de terragrandes em preiteiros construíram com os políticos que governam o Estado um esquema em que todos ganham menos é claro o povo trabalhador Funciona assim os polí ticos precisam de dinheiro para financiar suas milionárias campanhas eleitorais e permanecerem no poder Os empreiteiros precisam de favores dos governos para lucrarem mais e mais Fácil de resolver Os empreiteiros financiam as campanhas eleitorais e os políticos ao se elegerem devolvem o presente com todos os favo res que o capital imobiliário precisa Que favores são esses Vamos listar apenas alguns principais 1 Dar dinheiro público aos empreiteiros A contratação de obras públi cas rodovias pontes avenidas casas etc muitas vezes superfatura das é uma festa para as empreiteiras Ganham demais com isso Vimos que o Minha Casa Minha Vida despejou de uma vez só R33 bilhões na mão de empreiteiros 2 Levar infraestrutura para áreas da especulação Neste método bastante conhecido o Estado leva uma série de melhorias para regiões onde os grandes empreiteiros que financiaram a campanha do governan te têm terrenos Assim estes terrenos se valorizam e garantem lucros maiores 3 Despejos e remoções de comunidades Quando os trabalhadores insis tem em morar em lugares valorizados através de ocupações antigas os capitalistas pressionam o Estado para despejar a comunidade Sempre que consegue vencer a resistência dos moradores o Estado despeja E quando muito oferece conjuntos habitacionais nas áreas mais perifé ricas Logo após o despejo frequentemente começam a ser erguidas torres de condomínios luxuosos na região 4 Mudanças na legislação Existem no Brasil leis que regulam o uso 186 do solo urbano como o Estatuto das Cidades e os Planos Diretores Quando estas leis entram em conflito com o interesse do capital são frequentemente ajustadas Um terreno destinado para moradia po pular vira do dia pra noite área comercial ou residencial de alto pa drão conforme o interesse em jogo Publicado no Jornal Folha de São Paulo Assim os governantes mostram que sabem retribuir favores Até porque haverá sempre a próxima eleição E para garantir seus interesses os empreiteiros não brincam em serviço São de longe os maiores financiadores de campanhas eleitorais do país segundo dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral É assustador Mais da metade exatamente 54 dos deputados federais e se nadores eleitos em 2010 receberam doações de grandes construtoras As mais ge nerosas foram a Camargo Corrêa que triplicou suas doações em relação a 2006 chegando a R80 milhões e a Andrade Gutierrez com R58 milhões As grandes empreiteiras sozinhas representaram 25 de todos os gastos com campanha eleitoral no Brasil E isto só em doações registradas sem contar o famoso e gordo Caixa 2 E para não ter risco de perder financiam todos os lados da disputa Foram elas as maiores doadoras tanto da campanha presidencial de Dilma Roussef PT como da de seu adversário José Serra PSDB Não interessa o partido apenas o retorno de quem ganhar E este retorno é sempre certo Houve um caso escandaloso em 2011 de uma empreiteira de Maringá PR que aumentou em 12 vezes seus contratos 187 com o governo federal após ter dado generosas doações a políticos que vieram a ocupar cargos importantes no governo 12 vezes Não podemos esquecer que essas retribuições são feitas sempre com di nheiro público Assim tendo os políticos de plantão a favor de seus interesses e as terras va zias em suas mãos os especuladores e empreiteiros tornamse os verdadeiros donos das cidades Abocanham dinheiro público mudam leis determinam despejos e lucram sem qualquer limite Moldam a cidade de acordo com seus interesses e pre judicam os trabalhadores em nome de seus lucros Esta é a cidade em que vivemos A CIDADE DO CAPITAL A consequência de tudo isto é um modelo de cidade profundamente de sigual e opressor É a Cidade do Capital Muitos estudiosos críticos pensaram e escreveram sobre a forma como o capitalismo desenvolveu as cidades Por isso vamos apontar aqui somente uma das características fundamentais deste modelo urbano a segregação causada pelo domínio dos interesses privados A Cidade do Capital é segregada Palavra difícil mas que todo trabalha dor urbano já viveu na pele Segregada quer dizer separada dividida Quantos trabalhadores já não sofreram abordagens humilhantes da polícia ao estarem em bairros ricos Quantas vezes não vimos no noticiário moradores de rua sendo espancados ou mortos no centro de alguma cidade O nome disso é segregação É como se na cidade existissem duas cidades a dos ricos e a dos pobres E cada vez mais separadas Já vimos como a especulação imobiliária fez surgir as periferias As periferias são para eles verdadeiros depósitos de pobres O que a burguesia sempre quis e hoje as cidades permitem é que os pobres se matem entre si longe dos olhos deles e sem incomodálos Para isso constroem muros Já se espalharam por todas as grandes cidades brasileiras os tais condomínios fechados que são torres de apartamentos lu xuosos cercadas por altos muros com cerca elétrica e seguranças armados Ali pobre só entra pelo elevador de serviço e sempre muito vigiado pelas câmeras de segurança No Rio de Janeiro o governo criou um sistema de segregação ainda mais escancarado Passou a erguer muros em torno das favelas sem a autorização dos moradores separandoos do resto da cidade Tática que faz lembrar os campos de concentração erguidos pelos nazistas no século passado Em Curitiba um shopping center entrou com pedido na justiça para po der barrar a entrada de jovens da periferia vestidos no estilo hip hop O argu 188 mento dos empresários era que os jovens poderiam constranger os clientes Este tipo de situação ocorre todos os dias ainda que sem ordem judicial em vários shoppings e mercados do país Em São Paulo a prefeitura de José Serra construiu em 2005 na região da famosa Avenida Paulista as rampas antimendigo São rampas de concreto no meio da calçada para evitar que moradores de rua possam dormir por ali Na mesma linha vários condomínios de bairros burgueses criaram também a lixeira anticatador fechando com cadeados as lixeiras de suas calçadas para evitar que os trabalhadores da reciclagem circulem em suas ruas No momento em que escrevo este texto um grupo de comerciantes e mo radores de um bairro da classe média paulistana organizou um abaixoassinado para tentar impedir a instalação de um albergue da prefeitura no bairro Pouco tampo antes um grupo de moradores de Higienópolis o bairro da burguesia tradicional de São Paulo havia pressionado o governo para impedir a instalação de uma estação de metrô nas redondezas A alegação deles era que o metrô traria gente diferenciada isto é trabalhadores para seu convívio Por aí vai Estas ações segregadoras não são exceção Representam a lógica nua e crua da Cidade do Capital as cidades devem servir para dar lucro mesmo que seja às custas de imensas perdas sociais para a maioria dos seus habitantes O capitalismo transforma tudo em mercadoria inclusive o espaço em que as pessoas vivem Como segregar valoriza eles segregam O interesse pri vado está acima de tudo e impede que nesta lógica social a organização do espaço seja racional e igualitária Acaba por produzir as cidades caóticas em que vivemos Tomemos o exemplo do trânsito caótico das metrópoles que é assunto diário dos jornais A cada dia se bate um novo recorde de congestionamento To dos reclamam mas poucos se perguntam o porquê Em São Paulo o número de automóveis da cidade atingiu em 2011 a marca de 7 milhões No Rio de Janeiro chegou a 2 milhões Ora como se espera que as ruas estejam livres Por mais avenidas túneis e pontes que façam não resolverão a situação O motivo é evidente as grandes montadoras querem vender mais e mais carros Lucram com o aumento do con gestionamento até porque seus executivos têm helicópteros E para atender aos grandes empresários do ramo o Estado deixa de investir verdadeiramente em transporte público especialmente trens e metrô que seriam a solução real para os congestionamentos É mais uma vez o interesse privado na frente do interesse social E mais uma vez o Estado a serviço dos capitalistas O papel do Estado na conservação de 189 uma cidade segregada é fundamental Basta analisarmos a diferença no forneci mento de serviços públicos no centro e nas periferias Já vimos alguns dados sobre essa questão no capítulo 1 Vejamos outros mais agora Em Belém 69 das famílias mais pobres que vivem com me nos que 3 salários mínimos moradores das periferias não têm fornecimento adequado de serviços água esgoto energia elétrica coleta de lixo etc O mesmo não ocorre nos bairros onde vivem aqueles que tem renda maior que 10 salários neste caso o número é de 5 Em Fortaleza essa diferença é de 77 a 3 Em Belo Horizonte de 67 a 2 E assim por diante em todas as cidades brasileiras A Prefeitura de São Paulo disponibiliza alguns mapas que dispensam qual quer comentário Vejam a diferença entre coleta adequada de lixo no centro e na periferia da cidade As bolas maiores mostram as regiões onde o serviço é mais precário Este outro mapa mostra as regiões onde há maior carência de creches na cidade 190 As regiões mais escuras mostram aonde falta muito as mais claras onde quase não falta A própria política habitacional dos governos como já vimos no caso do Minha Casa Minha Vida amplia ainda mais esta segregação A lógica é despejar os mais pobres que ainda vivem em regiões valorizadas e jogálos em conjuntos habitacionais no fundão das cidades Este último mapa mostra a localização dos conjuntos da CDHU Companhia Habitacional de Desenvolvimento Urbano e da Cohab na cidade de São Paulo As regiões mais escuras é claro são aquelas em que foram construídos os empreendimentos para os trabalhadores morarem 191 Como se isso não bastasse para manter os pobres sob controle nas perife rias o Estado tem se servido cada vez mais de uma gestão militar da cidade O único serviço público que funciona bem na periferia é a polícia para oprimir humilhar e exterminar trabalhadores Nos bairros periféricos em especial nas favelas a polícia age de acordo com uma lei de exceção um estado de sítio invade as casas que julga suspeitas sem necessidade de mandado judicial e a qualquer hora do dia ou da noite bate e humilha antes de perguntar julga e executa a pena de morte sempre que quiser e sem qualquer punição Os jovens e negros são as principais vítimas dos abusos e do extermínio policial A mesma polícia que diz Sim senhor ao arrogante filho de banqueiro do outro lado do muro Quando a polícia não dá conta chamam o Exército como no caso do Rio de Janeiro Para eles a favela é um território inimigo contra o qual tem de se fazer guerra Assim os tanques entraram no Complexo do Alemão em 2011 Mesmo lugar onde em 2007 a polícia exterminou pelo menos 19 moradores numa ação militar Um dos mortos foi uma criança de 13 anos de idade Depois vão na televisão e dizem que os mortos eram traficantes Pronto está resolvido O Estado extermina livremente os pobres com o argumento de que são bandidos traficantes ou seja lá o que mais A burguesia aplaude a mídia fala bem e uma parte dos trabalhadores fica confusa sem perceber que o próximo pode ser ele Foi o que ocorreu num bairro da periferia de Osasco SP em setembro de 2011 Um trabalhador teve sua casa invadida pela Rota tropa da Polícia Militar de São Paulo e foi executado porque pensaram que fosse um bandido Uma pa rente sua após o assassinato declarou na televisão que ele admirava e defendia a Rota Até que chegou o dia em que foi morto por ela Esta é a segregação da Cidade do Capital É uma segregação de classe ricos e pobres cada um de um lado Para uns a cidade dos shoppings dos condomí nios fechados e das belas avenidas Para outros a cidade da polícia violenta das moradias precárias onde falta tudo 192 DESAFIANDO A CIDADE SKATE ESPORTE VANDALISMO Guilherme Michelotto Böes147 INTRODUÇÃO O skate tem uma profunda estética de apresentarse como contemporâneo esporte que danifica os aspectos das cidades e seus espaços públicos Carregan do esses estigmas da destruição dos espaços públicos e suas estruturas convencio nais as ruas das cidades apresentam as diversas formas de estar em um contexto urbano desde modos de vida identitários a diferenças culturais no amplo terri tório da cidade Dentre as possibilidades de se ver a relação com espaço público importa encontrar modelos de produção das identidades urbanas nos espaços culturais que moldam a constituição da cidade Esta revela forma particular de distinção social no âmbito da fragmentação social urbana Assume conotação de verdadeira instituição que avalia os desempenhos de quem a compõe Aponta os potenciais de quem a utiliza criminaliza e incapacita aqueles tidos como resíduos em sua organização A dimensão cultural que emerge pelos influxos da modernidade tardia aca ba por descontinuar uma visão de cidade planificada racionalizada e herméti ca espaço de ordenação e alienação das experiências cotidianas HAYWARD YONG 2004 Diversamente as cidades estabelecem fenômenos de identidade social em seus espaços públicos Nelas significados são contestados e todo tipo de resistência ocorrem FERRELL 1996 Partindo dessas perspectivas pretendemos levantar os questionamentos da problemática de poder sobre a cultura urbana do skate Em essência ver a cidade a partir de sua existência cotidiana é encontrar modelo de sentido na produção de identidades para a constituição das formas de sociabilidade O espaço mudan do em suas formas presentes aponta e selecionam comportamentos que seriam próprios do sistema No qual seria como aponta Milton Santos 2014 objetos 147 Doutor em Ciências Sociais PUCRS Mestre em Ciências Criminais e Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Pesquisador do Instituto de Criminologia e Alteridade ICA Integrante do GPESCPUCRS Pesquisa sobre as configurações dos espaços urbanos e suas influências nas culturas contemporâneas as referências teóricas para os estudos são Antropologia Sociologia Urbana Criminologia e Controle Social 193 que estariam próprios da ciência e não da experiência O espaço como objeto destinado mercantil e não movido por sua relação social Essa possibilidade de contestação de vandalismo ao espaço da cidade são forças da própria cultura em forjar as relações humanas permitindo o exercício de criatividade Evitando a totalização do espaço da cidade Atualmente o processo cultural da cidade passa por essa exposição corpo ral uma espetacularização do consumo na cidade A mercantilização dos espaços é sua estetização culturalização e comportamento A lógica é o corpo enquanto consumo cultural Se os Situacionistas lutaram contra esses cenários de degrada ção cultural surfistas e skatistas promoveram a alternativa de experiências nos espaços da cidade É a partir desse acompanhamento das realidades culturais que se transformaram e formaram os espaços na cidade como composição de flâneur contemporâneo Eles constituem os precedentes que colocam a história da sociedade sobre a construção do tempo entre a formação dos grupos sociais e seus setores de poder A moderna imaginação de uma esfera pública parte dos processos culturais e políticos A cultura urbana nesses espaços é a possibilidade que a converge em suas formas e conflitos nos espaços contemporâneos São os conjuntos nos quais o homem realiza sua vida e produz o espaço para si mesmo SANTOS 2014 Nesses espaços os grupos urbanos consideram o conjunto de seus sistemas e ações da interação à abertura do espaço público como essencial resultado dessa interação que propiciam às culturas a imagem de personalidade e na cidade entre a multiplicidade e diversidade as situações de seus processos culturais e coletivos se inventam e negociam como progresso da formação das práticas cotidianas e nos objetos que situam a vida cotidiana o signo que simboliza sua redefinição de pertencer a determinado espaço e na crença de liberdade do movimento em suas relações sociais Entre as perspectivas dos modelos de administração dos espaços públicos sofrem e apresentam em constantes transformações diante do espaço social na presença da sociedade Essas transformações não estão afetando tão somente as estruturas políticas mas também seus modelos jurídicos para o controle social Assim como os skatistas visam uma apropriação temporária dos espaços Esses espaços são postos como a dominação territorial pela sua subcultura Dian te dessas perguntas as respostas dos gestores públicos em associar o uso de skate como vandalismo para isso constroem pistas públicas A gestão dos espaços pú blicos está diretamente vinculada pela teoria subcultural o vandalismo está nos significados diários utilizados pelo discurso público e as políticas públicas Esses argumentos diários retratam cada subcultura transgressiva como mal máfia hiperativo primitivo selvagem Assim essa fundamentação aponta que o signi 194 ficado do humano desviante na cultura está em os diferentes desvios sociais que representam específicos problemas e soluções Ferrell 2001 O skate no contexto de seu envolvimento com as cidades parte de pers pectivas de atos transgressivos em ambientes privados e públicos nos espaços das regiões metropolitanas O skate na simbolização de movimento e liberdade dos espaços proporciona o processo de decifrar enigmas da sua cultura se postar e relacionar com a corporeidade da cidade contemporânea A representação nor mativa dos espaços das cidades entre proibição de uso e classificação de seu uso apresenta uma expansão dos controles alternativos sobre pessoas e culturas Por tanto skatistas infringem normas para produzirem obstáculos transformarem a própria cultura da cidade em processo de resistência aos valores da ordem social A análise dessas práticas culturais e sociais ao modo que segrega os espaços para o consumo não se trata necessariamente do esvaziamento do sentido des ses espaços urbanos ou o esvaziamento do uso de apropriação política dos lugares mas a sua qualificação como espaço público148 A natureza da cidade é seus espaços A cidade é criação que possibilitou a expansão de integração de diversas formas de sociabilidade As relações nas esfe ras públicas é integralizarse com os diversos ritmos dos espaços públicos Nessas perspectivas o skate é uma significante cultura engajada com a interação social produzida por esses espaços O skate como esporte constrói profissionais que para manterem suas car reiras como esportistas realizam diversas manobras em ambientes urbanos e pri vados Mas nessas complexidades sociais o skate também produz adeptos que desafiam as manobras produzidas no âmbito esportivo e realizam manobras nos ambientes públicos como ato de pertencimento cultural e social e provavelmente skatistas são definidos como um grupo de jovens que promovem atos ilícitos nos espaços das cidades Isso é reforçado com estigma estéticos corporais disponíveis em atividades criminosas ou atos que reforçam essas identidades Já que o con sumo de álcool ou drogas ilícitas o vandalismo de andar de skate é instado para cultura juvenil Portanto nesse artigo consideramos o momento em que skatistas estão reafirmando diversos códigos que reduzidos pela arquitetura da cidade e dos espaços urbanos como aspectos de construção da experiência diante a exclusão espacial que a sociedade intenta como locais de poder Nesse caso o ambiente urbano é a possibilidade de se apresentar aos skatistas como pertencimento social e cultural contra as técnicas de dominação de sua cultura Isso pode considerar 148 LEITE Rogério Proença Contrausos da cidade lugares e espaço público na experiência contemporânea Cam pinas SP UNICAMP 2007 195 que a cultura do skate emerge como forma de resistência a hegemonia cultural e a imposição de formas de condutas em seus praticantes o estilo de vida dissimu lado e as condições de regulamentadas para andar de skate SKATE MARGINAL Para que possamos compreender essa questão do skate como estilo subcul tural nos espaços das cidades ou no subespaço de experiência vamos apresentar alguns dados sobre o skate a partir de análises empíricas A seguir aponto algumas dinâmicas de sua cultura No Brasil há um programa de televisão que acompanha diversos grupos de skatistas nos picos149 Esse programa passa com exclusividade no canal por assinatura Off Chamado de Programa Olho de Peixe150 ele acompanha prin cipalmente skatistas brasileiros em diversos locais do mundo fazendo com que a divulgação do skate esteja disponível para skatistas e simpatizantes Um dos principais meios de gravação desse programa é a exploração da cidade Os ska tistas não são filmados exclusivamente e principalmente em pistas destinadas para a prática do skate Os videomakers e fotógrafos acompanham os skatistas no diaadia contando sobre os principais locais nas cidades em que a prática de skate pode ser explorada Ao assistir a esse programa e com a interpretação feita por Snyder 2011 é possível observar que a questão de classe seja da favela da classe média tra balhadora ou da pobreza urbana não é um fator determinante para despertar o talento do skate ou o suporte familiar A tecnologia do mundo moderno tem um impacto sobre a juventude que ao acessar um vídeo fotografia ou ao observar o skatista na rua tem acesso às oportunidades para construir carreira como skatista Podemos considerar que esse é o momento em que os skatistas estão rea firmando diversos códigos nos espaços urbanos A ascensão de uma prática sub cultural nos espaços da cidade mostra como as autoridades e as políticas públicas estão mais interessadas em intervir nas subculturas para estigmatizar seus com portamentos e lugares A situação estética pessoal não é mais um componente objetivo de sua subcultura mas sim se tratam de ações e locais de pertencimento que os definem como indesejáveis O skate era considerado um esporte artístico nos anos de 195060 algo como uma breve demonstração de equilíbrio e habilidades em uma quadra plana Mas foi no final de 1960 durante um período de baixa das ondas no Oceano Pa 149 Pico é o lugar local próprio ou explorado para a prática do skate 150 httpwwwprogramaolhodepeixecomsite 196 cífico151 que os surfistas apreensivos com a falta de ondas para surfar começaram a andar de skate simulando as manobras que realizavam na água Mas essa troca só foi possível com a fabricação do poliuretano em escala industrial O poliuretano já era conhecido desde a Segunda Guerra Mundial na prá tica da substituição da borracha Foi durante um período como empregado em uma fábrica desse material nos EUA que Frank Nashworthy desenvolveu o ureta no para a fabricação de rodas de skate já que sua utilização melhorava a aderência da roda em relação ao solo Essa modificação possibilitou as manobras radicais e o deslocamento entre diversas ruas das cidades o que aproximou aquela juventude facilitando o seu deslocamento entre cada ponto dos espaços das cidades oportu nizando estar no espaço urbano como se estivesse surfando no mar Esse domínio da técnica material permitiu que a cultura de skate evoluísse em seu ambiente cultural construindo uma rede de vizinhança de simultaneida de de pessoas de coisas de acontecimentos e de locomoção rápida inventado os espaços de possibilidades aos esculpirem as ruas com segurança e prazeres com o skate se afluindo diante da técnica do progresso dos corpos e das matérias que se relacionam com a rede viária e como alternativa de transporte e lazer na cidade contemporânea O sul pobre da Dogtown apresentou a criação de encontros nas ruas des truindo os vínculos de uma sociedade padronizada ao constituir suas próprias ideias de proximidade e vizinhança apresentandose como base de uma apro ximação social e espacial Esses jovens criaram uma nova interpretação para a prática cultural do skate ao usarem espaços degradados da cidade Venice Beach A relação como sujeitos sociais nesses espaços marginais e abandonados criaram uma proximidade diante da distância que os espaços produziram pelos zonea mentos das cidades A movimentação nesses espaços ocorre como sinal de liberdade domínio e apropriação com a possibilidade de dispor os seus corpos sociais em uma radica lidade segura e para além de uma cultura artística de andar de skate A condução dessa cultura em sua técnica dá origem a uma passagem de cidade moderna para contemporânea É uma cultura de caos de romper com uma ordem social e com os padrões dos espaços sociais da cidade entre sua reinvindicação pública e privada Em decorrência de uma crise hídrica que atingiu a Califórnia combinada com um período de mar flat152 para o surf o governo californiano decretou que 151 Oceano que banha a Costa Oeste do EUA 152 Gíria que significa mar sem ondas para o surf ondas pequenas 197 as pessoas não enchessem as piscinas de suas casas Como a maioria desses cida dãos de classe média californiana estavam em período de férias eles foram viajar deixando as piscinas vazias em suas casas Isso pode significar que o movimento da cultura do skate dentro dos espaços das cidades sinalizou uma transformação desses espaços que se tornavam ineficientes e estagnados para os seus usos surgin do uma significativa libertação da criatividade cultural e uma tentativa de romper com a mercantilização dos espaços e a divisão de classes Tony Alva um dos skatistas de Dogtown em entrevista à Spin Magazi ne153 trás a memória que a juventude pobre daquela localidade estava determina da a mostrar suas habilidades Criados entre o mar e as ruas da cidade eles come çaram a imaginar o surf em suas ruas em cada ponto de sua localidade Estavam a descobrir suas habilidades como surfistas na negociação com os aspectos das modificações urbanas nas ruas das cidades Eles promoviam um movimento que não se importava com as barreiras invisíveis que os espaços urbanos das cidades apresentam Nessa mesma entrevista ele conta que exploravam as piscinas vazias dos quintais de classe médiaalta nas localidades de BelAir Malibu com uma ousa dia que misturava aventura e transgressão Deslocavamse nas ruas dessas regiões com seus skates procurando por casas vazias já que a maioria dos seus moradores saíra de férias ou as casas estavam para alugar Havia a adrenalina de pular as cercas e encontrar piscinas vazias ou às vezes com a necessidade de usar uma bomba de sucção para esvazialas Com isso eles se envolveram num significativo espaço de apropriação cultural e de classe e conforme o documentário Dogtown ambos os skatistas afirmavam que também havia a adrenalina produzida pela possibilidade de serem descobertos e pegos pela polícia ao invadirem as casas para andar nas piscinas Isso tudo é reforçado pela separação social imaginária da cidade tal como descrita pelo processo de gentrification quefaz com que acontracultura dos jovens da Dogtown invada essas piscinas e simulem manobras mais radicais na prática do skate Somado ao nivelamento que o projeto urbano desenvolveu para a criação de praças públicas com quadras poliesportivas o skate não tinha espaço próprio para sua prática criouse uma encosta inclinada em 15 pés na qual os skatistas se imaginavam em uma enorme onda limpa e cristalina possibilitando momentos de apresentar um estilo de surf como o dos surfistas australianos esse estilo que a Califórnia surfista tanto prestigiava Isso mostra uma pista pública que se moldou pela arquitetura da cidade com skatistas desenvolvendo seus estilos de andar de skate e usando esse espaço de forma contrária ao que foi inicialmente pensado 153 Disponível em BEATO 1999 httpwwwangelfirecomcaalva3spinhtml Acesso em julho 2015 198 Podemos notar que em cada aspecto da formação dos espaços disponíveis os skatistas encontram novas formas e possibilidades de fazer uso desses lugares Com isso eles então iniciaram a negociação cultural com os espaços públicos e privados organizandose em uma rede informal de skatistas em busca de piscinas vazias andando pelos becos das cidades para uma satisfação comum FERRELL 2001 BEATO 1999 No documentário154 sobre esse movimento de skatistas há muita informa ção sobre suas concepções de sociedade e indústria do skate Se dos anos 50 aos 60 o skate era uma cultura alternativa associada ao uso de skooters155 na qual o ato de andar sobre esse objeto de madeira que deslizava sobre rodas era uma demons tração de equilíbrio artístico em 1965 esse andar de skate retratava uma diversão familiar se apresentando como ginástica rítmica sobre rodas Nos anos de 1960 as scooters começaram a ser chamadas de sidewalk sur fing o que podemos traduzir para surf em calçadas No final dessa década o skate já estava ligado e influenciado pela cultura do surf sendo a extensão da praia e o mar para o asfalto e a cidade No início de 1970 com a evolução da tecnologia sobre as rodas de poliuretano o skate se tornou mais vertical com a facilidade e adrenalina de andar nas piscinas vazias ou descer as ruas realizando as manobras semelhantes a que se faziam no mar com pranchas de surf e que consolidaram o skate como esporte e sua identificação subcultural através dos Zboys Essas breves referências à história do skate mostram que a tecnologia e a cultura estão sempre interligadas na invenção das atividades nos espaços de socialização mesmo quan do são impostos limites espaciais Essa identificação subcultural é a manifestação de como esses skatistas uti lizavam as ruas da cidade e as invasões de piscinas nas casas de Santa Mônica O propósito das invasões não era a transgressão mas sim a socialização entre eles Mas como a sua iconografia está incrementada nessa manifestação subcultural da juventude faz com que a vida skatista seja uma constante transgressão Podese considerar que a subcultura do skate emerge como forma de resis tência à hegemonia cultural e à imposição de formas de condutas dos seus prati cantes do estilo de vida dissimulado e das condições regulamentadas para andar de skate O resultado é o conflito da invasão dos espaços pelos skatistas para que a subcultura seja desenvolvida de forma imaginativa e os lugares de uma forma ilícita com significado espacial FERRELL 2001 154 Dogtown and ZBoys 2001 155 Na pesquisa de Brandão 2011 o mesmo atesta que scooters eram caixas de madeiras laranjas fixadas em rodas que serviam como meio de locomoção entre jovens estadunidenses no início do século XX Podemos entender as scooter como patinetes 199 A cultura o espaço e a cidade estão conectados nesses processos de visibili dade social Sua base histórica reside no processo de globalização e fragmentação dos fenômenos culturais urbanos no qual as concepções sobre o papel da cultura nos espaços das cidades contemporâneas são conjuntos de relações em multipli cação de espaços e de proximidade corporal A troca cotidiana a socialização esteve afastada da composição de Venice Rompendo com a cultura de surf como padrão de ligação entre cidade cidadão e corpo foi com o skate que a cidade acabou por estabelecer uma conexão entre suas ideias de fluidez de dimensão pública de seus espaços e de pertencimento social de uma parcela da juventude daquela localidade Se no surf o mar se en volvia com movimentos de liberdade e pertencimento cultural foram as piscinas ruas e diques vazios que proporcionaram primeiramente a exposição do corpo em movimento da dimensão pública e cotidiana na cidade e depois a adrenalina como onda Essa onda era saber que a polícia podia chegar a qualquer momento e deter esses skatistas algo como que perceber que a transgressão tornava mais prazerosa a ação de andar de skate Os skatistas se encontravam no limite rom piam com a ordem e estabeleciase o caos Por isso que o skate no espaço urbano da cidade está na aparição de sua afirmação na dinâmica dos espaços que se trans formam e na reinvenção entre o corpo e o seu movimento Skate é crime e vai continuar sendo Ele é Rock n Roll não é modinha é destroyer e radical Se tiver que criminalizar como fizeram em São Paulo que seja Assim Funeralterminou nossa conversa O sentimento que apresenta o jo vem skatista entrevistado mostra que a resistência à indústria cultural está presen te no grupo skatista não somente pelos visuais mas pelas posições anárquicas Eles não querem que a sociedade molde neles os padrões culturais midiáticos não se veem como um produto a ser idolatrado Isso reflete que as injunções proibitivas das atividades nos espaços públicos das cidades sobre as subculturas estão diretamente relacionadas com a teoria da formação das classes perigosas A formação das subculturas com a estratificação social é um misto de mo ralismo com descrição sem omitir a teoria Uma abordagem maior dessa filosofia tem início entre os anos 1950 e 1960 com os trabalhos de Albert Cohen e Ri chard Cloward no campo da delinquência e Gresham Sykes e Erving Goffman estudos sobre as instituições totalitárias FERRELL HAYWARD YOUNG 2008 Esses estudos apontam para as características que a subcultura tem na sua organização entre a circulação do legal e ilegal e nos processos de significação cultural que atuam e existem nas sociedades capitalistas Mencionamos esses trabalhos surgidos nos anos 50 como os pressupostos das respostas aos problemas das minorias marginalizadas em suas estéticas cultu rais em que condicionam o delito como uma opção coletiva do grupo subcul 200 tural A delinquência é resposta e solução cultural compartilhada para os pro blemas criados pela estrutura social As políticas públicas se envolvem entorno do policiamento e do controle dos espaços públicos que está direcionado para a formação cultural que se manifesta nos diversos níveis de interação comunitária fazendo com que a noção de subcultura no desenvolvimento da teoria subcultu ral esteja claramente ligada ao desenvolvimento da noção de cultura como antro pologia cultural e social O comportamento desviante é visto como uma significativa tentativa de resolver os problemas enfrentados por um grupo isolado ou marginalizado é necessário portanto explorar e compre ender as experiências subjetivas dos membros subculturais Cultura neste sentido antropológi co das inovações que as pessoas têm desenvolvido em confrontar coletivamente os problemas da vida cotidianaFERRELL HAYWARD YOUNG 2008 p 34 traduzimos Não estamos tomando por objetivo mostrar as definições de delinquente ou do que seria delito e muito menos caracterizar a subcultura do skate como processo de associação para violação da norma social Estamos mostrando que ao tentar estabilizar e legitimar cientificamente a figura do skatista através das teo rias da criminalidade se quer consolidar a imagem do seu comportamento como status típico e como na imagem de modelo padrão skatista jovem de nossa socie dade com comportamento transgressor Algo como skate é crime e todo skatista comete transgressão à norma Portanto os modelos subculturais são comunicados por seus comporta mentos e representam a reação de minorias desfavorecidas e a tentativa por parte delas de se orientarem dentro da sociedade não obstante as reduzidas pos sibilidades legítimas de agir de que dispõem BARATTA 2002 p 70 A for mação dos espaços das cidades e a construção da cidade tardomoderna apontam o skate como invenção cultural articulada entre seus atos conflituosos com os modelos jurídicos contemporâneos de controle O crime não está somente na definição dada pelo Estado mas também na própria imposição normativa sobre os atos culturais Nos contestados significados desses espaços produzem as determinações históricas dos indivíduos A representação de cidade na sociedade existe involucra em sua história determinada Seus interesses estão em permitir o conhecimento técnico e específico reproduzidos para reconheceremse em cada uma das suas formações e além de sua movimentação e ocupação através de e na cidade Um espaço sem possibilidade de sua previsibilidade de preenchimento é algo que não supre as expectativas da sociedade e não tem a possibilidade de prepararmonos para o que está preenchendo esse espaço o hábito não regular sem correspondên cia com a experiência esperada nas passagens de espaço e tempo O espaço representado na cidade é a própria instituição cultural da ciência arte e tecnologia Sua simbolização é produtiva e criativa da cultura como um 201 todo como uma emergência de cumulação das invenções e conquistas que vali dam a interação humana e a vida Esse espaço da cidade adquire para a investi gação etnográfica não a qualificação de sua estrutura social mas o espaço como invenção do procedimento do outro nos termos e sentidos da imagem cultural Já que espaço é a totalidade que a sociedade lhe deu como função e for ma de representar os processos passados e presentes que representam as relações sociais essa estrutura manifesta o processo e suas funções nas ações da cidade Já que a utilização do território pelo povo cria o espaço SANTOS 1977 o espaço é o controle seja mascarado ou efetivo sobre a ação consciente da cultura O controle sobre o ambiente o espaço as culturas os cidadãos são os problemas que criamos como ordem moral e exigimos de nossos governos como uma necessidade de construir uma sociedade que se aperfeiçoa como técnica e co nhecimento na manutenção de controle Fora que tipo eu não acho ruim essa história de skate é coisa de malo queiro Na real eu não vejo o skate como coisa de maloqueiro Mas eu acho que o skate é MARGINAL Com essas palavras Funeraldefine o skate O Skate um sentimento de extrapolar a raiva no qual o brigar com alguém que se sente incomodado com a presença do skate na rua é uma ação necessária para se extra polar o sentimento Funeral lembra que pixar o local é a mesma ação de andar de skate Pixar isso é marginal tipo é skate Skate é marginal e é maloqueiro fodase Não se trata de uma tentativa de compreender ou aprofundar o sistema de normas sociais o sistema penal ou sua função na sociedade democrática Antes disso focase no refletir sobre a concepção da subcultura na sociedade e seus va lores de socialização reconhecendo que a tendência de controle do skate em sua forma subcultural é mais uma tentativa de apresentar o uso do skate no espaço ur bano como uma ameaça ao desenvolvimento da cidade Esse uso do controle dos espaços tem produzido a antítese do resultado pretendido e que ignora a relação do skate com o espaço urbano Diante disso não devemos basear exclusivamente o skate na teoria subcultural pois ficaríamos limitados ao processo descritivo de seus níveis econômicos e suas condições no processo de criminalização de suas condutas sociais ignorando a história que os moldou nos espaços das cidades Devemos estar atentos ao processo que descreve o skate como marginal da mesma maneira apontada por Snyder 2011 ao realizar a pesquisa sobre os skatistas como prática subcultural e o paradoxo que o controle social produz na tentativa de dissimular a existência dessa cultura nos espaços das cidades O skate se torna cultura de resistência nos espaços públicos urbanos Ferrell 2001 aponta a manifestação do skate como prática contracultural uma posição que queremos estabelecer na qual o skate também pode ser visto 202 como uma forma de deslocamento contrária ao uso de automóvel ou do uso de skate nas praças e locais públicos trazendo uma forma diferente de utilização dos espaços da cidade Apresenta as ruas como uma forma de exclusão política dentro dos signos que servem para codificar a possibilidade de uso do espaço cultural As formas de uso desses espaços são codificadas para que eles tenham vigilância e controle rigoroso sobre as gestões de risco e o consumo se qualificando e co dificando a previsibilidade ordenada em tal espaço tal qual Funeral apontou na relação de skate com pixo Os skatistas teriam essa possibilidade de interagir com as condições de dis ponibilidade das ruas atualmente e questionariam se devemos realmente apontar o skate como hobby juvenil Não como hobby mas como a constituição da ima gem transgressiva com que a mídia tenta retratar os skatistas na identificação do marginal no espaço público O skate analisado por Ferrell 2001 aponta para a possibilidade de realizar a construção da identidade cultural alternativa já que ao se lançarem na rua os skatistas encontram diversas contraculturas e subculturas que podem vir a ter uma similaridade em sua vida diária tais como os punks moradores de rua e pichado res No entanto reconhecese que algumas ações dos skatistas tem uma profunda ligação subcultural visto que certas placas signs fazem com que se apresentem a proibição de andar de skate em determinados locais Esses signos implicam na reconfiguração do espaço público criando uma batalha cultural nas formas de uso desses espaços Como consequência os skatistas invadem os espaços para manter a subcultura do estilo na forma imaginativa de reforço dos lugares na forma ilícita de significação espacial Isso permite que o processo cultural que define o skate como ato criminal esteja no próprio discurso de autoridade Ambos discursos designam e definem o contexto da cultura nas cidades nesse processo de globalização A percepção desses significados culturais é retratada no diálogo com Fune ral Ele lembra que o skate é arte Skate é destruição como em um famoso slogan Skate and destroyer156 Isso quer dizer que o skate é muito além de um esporte ou de uma técnica Skate é uma atitude anti autoridade um movimento que define o skatista como ele mesmo no significado de música arte e das formas de se vestir e de permanecer na cultura urbana do século XXI CONCLUSÕES Ao separar as formas particulares que definem as práticas culturais de resis tências em oposição aos processos de poder a atividade cultural é a continuação 156 httpwwwskateanddestroycom Acesso em janeiro 2016 203 da oposição à ordem da cultura e a destruição da ordem pela arte O funcio namento dos espaços públicos pela interferência das culturas urbanas apresenta as práticas transgressoras como arte de compreensão dos significados da cultura urbana e aqui o skate tem uma profunda missão a partir daquilo que Adorno 2001 p 215 reduziu em uma expressão A missão da arte é hoje introduzir o caos na ordem a maneira de ser original diante dos espaços que intentam incorporar condutas padronizadas para um bom funcionamento da cidade do espaço Representar a arte contra a ordem da cidade é a tarefa do skate que se opõe a onda conservadora que se sobrepõe sobre a cultura urbana O skate é crime marginal e de maloqueiro O skatista não está mais produzindo o lado trabalha dorda cultura de consumo no sentido em que precisa aumentar sua capacidade de produção para os agentes da lei Ser skatista é ser reprimido perante essa ordem como no vídeo disponível na web no qual policiais da Prefeitura de São Paulo reprimem os skatistas que estão andando em uma praça No vídeo157 é possível ouvir um agente da lei proferir a seguinte frase Você não trabalha porra ne nhuma você é um vagabundo que fica andando de skate seu arrombado Andar de skate não tem nenhuma outra relação com a conservação do habitar a praça que não seja com sua arte de neutralização neutralizar a cultura o espaço e o habitar É por isso que o skate constrói e destrói Ele é a arte de sua maneira que resiste em monetizar e mercantilizar os reais espaços urbanos A insurgência nesses espaços é a livre exposição que assume a verdadeira expressão de ser autêntico e criativo em sua experiência urbana contemporânea na qual fixam os limites de vida uma e colaboram assim na destruição da arte que é a sua salvação ADORNO 2001 p 66 Andar de skate em um lugar significa diversas vezes destruir esse local estragálo Skatistas relatam que já andaram em locais onde quebraram paredes seja com as marcas de andar seja para conseguir moldar a parede ou o obstáculo para a prática do skate Me deu pena disse um skatista Querendo ou não eu destruí o local mas é uma consequência daquilo que se faz É a consequência do processo de andar de skate Burne Funeralfazem uma comparação com a pessoa que dirige um carro sob influência de álcool e estraga uma mureta ou o guard rail da estrada O questionamento deles foi cobrase o dano do motorista ocasionado por seu ato A questão também seria se ao conturbar o trânsito as pessoas proferem a mesma raiva ou pedem as mesmas providências das autoridades para reprimir o motorista 157 httpsyoutubeePZ1bGUdXtE Acesso em janeiro 2016 204 Os skatistas têm consciência de que seus atos vão deixar marcas ou danos em locais que não são destinados à sua prática mas eles não negam esse ato pois fica claro ali que tu destruiu o lugar Esse é o ponto que Burnconsiderou como paradoxal pois ao quebrar o local nós também vai lá e constrói sic Só que por outro lado eu te digo o skatista é muito mais criativo que muita gente Sabe Sim eu sei Parece que essa destruição criativa de Bakunin está incorporada na forma anárquica do skate A paixão pela destruição como vimos e questiona mos anteriormente Essa destruição é a arte de romper a ordem para qualificar o espaço urbano como espaço público O skate possibilitou recolocar o espaço público como experiência na arti culação entre as ruas os espaços e as cidades em convergentes sentidos de inter pretação de suas práticas e políticas culturais nos espaços públicos contemporâ neos O skate portanto não está posto nesse contexto atual como uma cultura que tem tradição ou geografia específica O skate já está constituído como um elemento cultural que se envolve amplamente com a cidade pois implica em relações com a sociedade o espaço a sociabilidade a matéria necessária para prá tica dessa cultura Compreender o skate em seus aspectos universais é me colocar no ambiente investigado para discutir a objetividade relativa de pertencer a essa cultura urbana e a relação que ela produz sobre a questão de igualdade cultural Bem como abordar a relatividade cultural das relações entre as variadas cul turas urbanas contemporâneas em seus pontos de vistas ao que diz respeito ao pertencimento cultural social Ou como aponta Ferrell 2001 os conflitos que desenrolam nos conflitos urbanos em suas controvérsias aos proporem novos mecanismos de controle social demonstram que culturas movimentos culturais coletivos se unem em estratégias com práticas espontâneas para a libertação dos espaços públicos Ou simplesmente a destruição desses espaços ordeiros REFERÊNCIAS ADORNO Theodor Mínima moralia Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 2001 BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução á sociologia do direito penal 3 ed Tradução de Juarez Cirino dos Santos Rio de Janeiro Revan Instituto Carioca de Criminologia 2002 BEATO G The Lords of dogtown SPIN magazine March 1999 Disponível em http wwwangelfirecomcaalva3spinhtml BRANDÃO Leonardo A cidade e a tribo skatista juventude cotidiano e práticas corporais na história cultural Dourados Ed UFGD 2011 BORDEN Iain A performative critique of the city the urban practice of skateboarding 195898 In The city cultures reader Malcon Miles Tim Hall e Iain Borden eds Londres Routledge 2000 FERRELL Jeff Tearing down the streets adventures in urban anarchy New York Palagrave 2001 205 FERRELL Jeff Crime of styles urban graffiti and the politics of criminality Boston North eastern University Press 1996 FERRELL Jeff HAYWARD Keith YOUNG Jock Cultural criminology an invitation Lon dres SAGE 2008 HAYWARD Keith YOUNG Jock Cultural criminology some notes on the script Theoreti cal Criminology vol 8 3 pp 259273 2004 LEITE Rogerio Proença Contrausos da cidade lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea 2ª ed Campinas Editora UNICAMP Aracaju Editora UFS 2007 SANTOS Milton A natureza do espaço Técnica e tempo razão e emoção 4ed São Paulo Edusp 2014 SANTOS Milton Sociedade e espaço A formação social como teoria e como método Bo letim Paulista de Geografia 1977 pp 8199 SNYDER Gregory J The city and the subculture career professional street skateboarding in LA Ethnography SAGE journal Disponível em httpethsagepubcomcontentear ly201110261466138111413501fullpdfhtml Acesso em dezembro de 2011 206 GEOGRAFIAS INSURGENTES NOTAS ETNOGRÁFICAS SOBRE INTERVENÇÕES VISUAIS NAS CIDADES BIOPOLÍTICAS158 Guilhermo Aderaldo159 CIDADE VISUALIDADE E IMAGINÁRIOS INSURGENTES é verdade que o mundo é o que vemos e que contudo precisamos aprender a vêlo Ponty 2014 16 Reconhecidamente polifônicos e pluriétnicos os espaços urbanos con temporâneos são igualmente caracterizados pela presença de uma visualidade160 específica a qual decorre entre outras coisas do contato entre percepções de mundo marcadas por experiências sociais profundamente diversas e assimétricas Tal visualidade há muito se expressa por meio da presença de tags graffitis pi chações marcas publicitárias entre outras expressões responsáveis por tingir as fronteiras que recortam a paisagem segregada das metrópoles Contudo nos últimos anos mediante o desenvolvimento e a populariza ção das tecnologias comunicativas a disputa simbólica relacionada à produção de imagens nas e sobre as cidades e seus cenários biopolíticos Foucault 2010 1997 parece ter alcançado um novo patamar estimulando inclusive o desen volvimento de formas renovadas de associativismo e engajamento político por 158 Uma versão prévia deste artigo foi publicada sob o título Territórios mobilidades e estéticas insurgentes Refle tindo sobre práticas e representações coletivas de realizadores visuais nas metrópoles contemporâneas na revista Cadernos de Arte e Antropologia Vol 6 Nº 2 disponível em httpsjournalsopeneditionorgcadernosaa1272 Acesso em 25072018 Agradeço especialmente à comissão editorial da revista pela autorização para sua re publicação com modificações nesta coletânea e também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP pelo financiamento das pesquisas de doutorado Processo Nº 2009501532 e pósdoutorado Processo Nº 2014042438 que dão lugar à reflexão que segue 159 Guilhermo Aderaldo realizou estágio de pósdoutorado na USP e na Universidad de Buenos Aires UBA é Dou tor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo USP e mestre na mesma área pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp também é membro do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade GEAC USP é autor do livro Reinventando a cidade uma etnografia das lutas simbólicas entre coletivos culturais vídeoativistas nas periferias de São Paulo Annablume 2017 e um dos organizadores do livro Práticas conflitos espaços pesquisas em antropologia da cidade GrammaFapesp 2019 Suas pesquisas versam sobre os temas antropologia urbana antropologia das mobilidades e práticas culturais juvenis Email guiadeymail com 160 Compreendo por visualidade um processo amplo e complexo o qual como lembram Marques e Campos 2017 6 envolve não somente a percepção visual do mundo mas também as competências criativas por meio das quais a própria realidade passa a ser alvo de disputas entre grupos sociais separados por posições reconheci damente assimétricas 207 parte sobretudo de jovens que apesar do perfil bastante heterogêneo encon tramse similarmente interessados no aperfeiçoamento de dispositivos e modelos de manifestação pública voltados à expansão das possibilidades acerca do que é dizível e visível a respeito das desigualdades sociais urbanas bem como do modo de interpretálas Tais atores valendose de uma profunda capacidade reflexiva costumam lan çar mão da combinação de recursos visuais diversos com a finalidade de confronta rem certo imaginário maniqueísta que segundo Stephen Graham 2016 2011 consiste em demonizar as cidades como ambientes essencialmente ameaçadores ao transformar a diferença num outro e esse outro em alvo constante de suspeição e violência alimentando sonhos de fronteiras permanentes e onipresentes Tratam assim de transformar as lógicas de poder que constituem as cidades em estruturas visíveis estimulando o surgimento das condições necessárias para a produção de novas ancoragens subjetivas para o abrigo da experiência urbana Buscando adensar a reflexão sobre tal problemática tratarei no decorrer destas páginas de demonstrar que a supracitada visibilidade longe de corres ponder a um simples recurso ilustrativo consiste numa ferramenta política fun damental para núcleos sociais subalternizados uma vez que como afirma Butler 2017 2015 a viabilidade das vidas dos sujeitos vinculados a esses grupos de pende da legitimação de sua presença nos espaços públicos Ou seja o acesso às esferas de aparição é o que notabiliza determinadas reclamações concernentes ao direito a serem reconhecidos e a poderem levar uma vida passível de ser digna mente vivida e protegida Sem perder de vista as ideias defendidas pelo filósofo franco argelino Ja cques Rancière 1997 2005 2000 evito distinguir as noções de estética e política dado que se tratam de dimensões mutualmente constituintes já que toda luta política envolve ao mesmo tempo uma disputa em torno da partilha do sensível Rancière 2005 2000 Tomo então como plano de referência esta complexa relação entre por um lado 1 a popularização do acesso às tecnologias comunicativas e por outro 2 as novas formas de associativismo urbano com o propósito de ainda que brevemente perscrutar as ações e relações desenvolvidas por três experiências de ativismo cultural que acompanhei no decorrer de duas pesquisas etnográficas recentes realizadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro161 Começo apresentando o caso da rede de comunicadores populares inti tulada Coletivo de Vídeo Popular CVP para em seguida refletir em tópi 161 Refirome aqui mais especificamente às minhas pesquisas de doutorado e de pósdoutorado atualmente em curso 208 cos específicos sobre algumas das práticas realizadas pelos coletivos Projetação e Imargem Por fim me encaminho para as considerações finais onde buscarei sistematizar algumas reflexões a respeito das novas formas de intervenção estética e política que vem ganhando cada vez mais espaço nas grandes cidades globais e mais especificamente nas metrópoles latinoamericanas COLETIVO DE VÍDEO POPULAR CVP Pesquisei o Coletivo de Vídeo Popular também conhecido como rede do vídeo popular ou simplesmente CVP durante minha investigação de doutorado realizada entre os anos de 2009 e 2013162 Esta rede que teve como um de seus principais desafios a tarefa de desen volver um sistema autônomo de comunicação e trocas entre áreas e populações marginalizadas de São Paulo havia sido formada no ano de 2007 a partir da iniciativa de um grupo de jovens realizadores os quais já vinham se associando de maneira independente em torno de coletivos dedicados ao uso político de dispositivos audiovisuais163 Boa parte desses realizadores havia aprendido a operar tais ferramentas co municativas logo após passarem por diferentes oficinas e cursos voltados à chamada educação audiovisual popular Cirello 2010 os quais costumavam ser ministra dos sobretudo por ONGs em favelas e áreas periféricas da capital paulista164 Todavia meu interesse em investigar a rede CVP deuse na medida em que pude constatar que a mesma havia nascido como uma espécie de desdobramento de um conflito que envolveu de um lado seus jovens integrantes e de outro um conjunto de ONGs entre outras instituições responsáveis pelo oferecimento dos mencionados cursos de educação audiovisual a populações marginalizadas Em linhas gerais a principal controvérsia responsável pelo litígio surgiu 162 Ver Aderaldo 2016 2017 163 Tais coletivos em linhas gerais podem ser definidos como pequenos núcleos geralmente sem formalização jurídica formados por poucos integrantes quase sempre vizinhos ou amigos que além de produzirem vídeos também costumam atuar exibindo filmes próprios ou produzidos por outros coletivos em diversos espaços mar ginalizados ou subutilizados da cidade 164 Na primeira década dos anos 2000 mediante o advento da tecnologia digital e o consequente barateamento e por tabilidade dos meios de produção audiovisual diversas instituições assumiram a responsabilidade de formar em cursos e oficinas voltados à produção de vídeos populações ligadas a regiões periféricas em todo o Brasil sob a justificativa de oferecelas a oportunidade para que pudessem construir suas próprias representações a respeito dos ambientes sociais que as circundam confrontando assim as narrativas hegemônicas sobre o problema da de sigualdade Em um mapeamento feito em 2010 Cirello 2010 registrou 113 instituições dedicadas a este trabalho no país até aquele momento O volume crescente dessas organizações por sua vez deu margem à consolidação de uma trama institucional que envolveu empresas baseadas no princípio da chamada responsabilidade so cial as quais financiavam parte destes trabalhos com base em certos benefícios fiscais garantidos por subsídios públicos além de toda uma rede de festivais voltados principal ou exclusivamente a moradores de favelas e periferias como o Cinecufa Festival da ONG Central Única de Favelas e o Festival Visões Periféricas no Rio de Janeiro ou o Festival Cine Favela em São Paulo 209 quando alguns dos jovens que haviam passado por essas experiências de forma ção sobretudo àqueles com maior capital escolar ou histórico de engajamento em movimentos de luta popular passaram a sentir a necessidade de adota rem um distanciamento crítico em relação às instituições do chamado terceiro setor pelo fato de notarem que a linguagem administrativa e pautada pelo princípio da chamada responsabilidade social normalmente utilizada nesses ambientes institucionais acabava reforçando certos estigmas sociais ao invés de combatêlos Não raro as regiões periféricas da cidade eram traduzidas nos termos dos projetos sociais vinculados às ONGs de maneira isolada como se se tratassem de áreas geográficas fixas marcadas por uma situação de carência e vulnerabi lidade sendo que suas populações comumente acabavam descomplexificadas e reduzidas à simples condição de vítimas à espera de ajuda Tal representação e sua linguagem moral bastante eficaz na busca de financiadores externos tendia assim a fixar aqueles que eram percebidos como públicoalvo das instituições num certo imobilismo político e geográfi co amarrandoos ao mesmo tempo numa espécie de prisão identitária Agier 2011 2009 2013 relacionada a identificações rígidas e opacas como jovens de periferia ou jovens de projeto Caracterizações que amiúde legitimavam processos de evidente subalternização e exploração laboral Era o caso por exemplo de situações onde após adquirirem uma certa ex pertise técnica no tocante à produção audiovisual os jovens acabavam sendo sub contratados por uma determinada organização recebendo quando recebiam valores muito abaixo do mercado e sem nenhum tipo de registro profissional para realizarem campanhas publicitárias sendo que posteriormente a mesma instituição obtinha renome e reconhecimento justamente pelo fato de dar as oportunidades aos jovens da periferia Tal lógica de subalternização se assemelhava àquela que servia para vin cular as marcas de determinadas empresas que patrocinavam algumas oficinas de educação audiovisual buscando o selo de empresas socialmente respon sáveis à suposta qualificação desses jovens Sobre isso faço uso da reflexão de Daniel Fagundes membro do coletivo Núcleo de Comunicação Alternativa NCA165 que também era um dos coletivos integrantes da rede do vídeo po pular quando durante uma conversa a respeito de sua trajetória disseme as seguintes palavras Os caras principalmente dessas oficinas de vídeo vieram com essa coisa de que todo mundo já falou de favela e agora eles estavam trazendo essa ideia de que dariam o direito de a gente 165 Para mais informações ver httpncanaredeblogspotcombr Acessado em 27072018 210 falar Mas eles vendem sabe Era isso eles vendiam a oficina Eles tinham a aquisição dos equipamentos e a gente tinha o olhar que depois virava uma propaganda para as próprias instituições não é Eu era aquele menininho que vinha com o carimbo do Itaú da Camargo Correia e eles iam carimbando porque depois a gente virava dado para as próprias propagandas dessas empresas onde eles diziam imita Olha o Itaú apoia o jovem da quebrada que saiu com a câmera na mão Daniel Fagundes Entrevista ao autor Grifos meus Em grande medida portanto a decepção de jovens como Daniel se devia ao fato dos mesmos entenderem que apesar de terem mais e melhores condições para produzirem imagens sobre a cidade e suas desigualdades isso não neces sariamente implicava numa ampliação das condições para a alteração de um imaginário que insistia em essencializar a noção de periferia reforçando uma série de estereótipos vinculados às populações subalternizadas Algo que me foi revelado de forma particularmente elucidativa por Fernando Solidade que na época da pesquisa também integrava o coletivo NCA ao dizer que Foi discutindo a questão sobre o imaginário e não as imagens que a gente começou a notar a importância da nossa produção referência às produções audiovisuais dos coletivos vincula dos ao CVP Foi a hora que a gente começou a ficar puto com as ONGs porque elas vinham com esse papinho bonitinho de que os jovens agora fazem suas próprias imagens os jovens agora contam sua própria história como se alguma chave no processo histórico estivesse sendo mudada Concordo que tem mudança a vida é dinâmica só que as ONGs se colocam muito como os protagonistas dessa cena Esse discurso nós possibilitamos que os jovens da periferia pudessem contar sua história estão vendo o que a gente fez começou a irritar A gente come çou a ficar muito decepcionados e nos questionar mas que porcaria de imaginário a gente está mudando Fernando Solidade entrevista ao autor grifos meus Foi portanto esse sentimento de desamparo e de falta de representativi dade pública que reforçou certos vínculos de solidariedade e simultaneamente encorajou jovens como Daniel e Fernando a se engajarem em torno do CVP que conforme adiantei era uma associação informal responsável por por um lado 1 conectar uma série de coletivos que como o NCA vinham se dedicando à realização independente de vídeos politicamente comprometidos na cidade e por outro demonstravase capaz de 2 aproximar por meio da conexão estabele cida esses coletivos diversas regiões e populações marginalizadas que a despeito de sua descontinuidade espacial possuíam entre si fortes vínculos simbólicos e políticos Entre 2009 e 2012 a rede foi contemplada por um financiamento pú blico voltado ao fomento de iniciativas culturais desenvolvidas por grupos não hegemônicos166 e com os recursos obtidos a associação pôde produzir várias 166 Refirome ao Programa de Valorização às Iniciativas Culturais VAI Uma lei municipal N 13540 que des tacase por privilegiar o financiamento de atividades culturais produzidas por agrupamentos não formalizados juridicamente o que significa que as verbas do programa são repassadas diretamente aos coletivos contemplados sem a necessidade de intermediários ONGs empresas etc através de um dos membros que se inscreve na con dição de proponente O uso desses subsídios que posteriormente devem constar em uma prestação de contas ao município pode ser alocado de muitas maneiras como na aquisição de equipamentos comprovadamente essenciais para a execução do projeto Mais informações em httpprogramavaiblogspotcombr Acessado em 211 ações das quais destaco as três mais importantes que foram 1 a elaboração de uma publicação semestral intitulada Revista Vídeo Popular 2 a organização de pacotes de DVDs produzidos pelos membros da rede e separados por linhas temáticas os quais eram gratuitamente distribuídos juntamente com a revista em albergues escolas públicas bibliotecas comunitárias associações de bairro universidades sedes de movimentos sociais entre outros lugares e 3 a estru turação de um circuito de exibição e debate de filmes em áreas marginalizadas da capital paulista Durante três anos o acompanhamento etnográfico desta rede frequen tando suas reuniões e eventos participando das listas de discussão na internet e acompanhando de modo mais detido as atividades de alguns dos coletivos que a integravam permitiume perceber que o esforço por construírem pontes comunicativas que fossem capazes de interligar uma série de áreas e populações marcadas por intensos processos de precarização sóciourbana em São Paulo tra zia para além do desejo de promover uma interlocução mais alargada entre essas populações também um esforço de ressignificação da própria noção de perife ria e consequentemente da própria forma de conceber e representar a cidade Isso porque a produção audiovisual coletiva assim como as trocas diálogos e manifestações viabilizados pela organização reticular do CVP foi mostrando a es ses interlocutores o fato de que a periferia que pretendiam abordar não poderia ser resumida aos limites de um ambiente geográfico fixo posto que se tratava de um processo que ia além dos limites da materialidade dos espaços normalmente designados como periféricos Da forma como pensavam e buscavam trabalhar nos seus vídeos textos e discussões mais do que um ambiente geográfico a periferia poderia e deve ria ser caracterizada como uma experiência social urbana definida por um tipo de mobilidade decorrente do acesso desigual a direitos Em outras palavras nos termos utilizados pelos integrantes da rede CVP tal categoria deveria ser interpre tada como uma experiência passível de ocupar o centro dada sua dinâmica itinerante Deste modo falar em periferia na perspectiva destes atores ne cessariamente implicava em discutir o próprio modelo urbanístico hegemônico pondo a nu as lógicas necropolíticas Mbembe 2018 2003 ancoradas nas suas dinâmicas de gestão socioespaciais 27072018 212 Capa da Revista do Vídeo Popular N 5 Ao contrário de buscarem gerar comunicação entre os termos centro e periferia demarcados por uma fronteira supostamente fixa e estável portanto o interesse dos atores vinculados à rede do vídeo popular caracterizouse pela tentativa de utilização da linguagem audiovisual como um modo de questionar as forças que produzem e administram as hierarquias responsáveis pela manutenção e pelo controle desses espaços liminares Posição que em grande medida conver ge com aquela partilhada pelo segundo caso a ser examinado no tópico seguinte relacionado à experiência do coletivo carioca Projetação cujas ações foram acom panhadas no âmbito de uma investigação de pósdoutorado ainda em curso COLETIVO PROJETAÇÃO Formado durante as manifestações multitudinárias que ficaram conhe cidas no Brasil e no exterior como jornadas de junho no ano de 2013167 e contando com a colaboração de diversos integrantes moradores de diferentes áreas do Rio de Janeiro com níveis de formação profissões idades e perfis muito 167 Sobre essas manifestações que pararam as ruas do país durante vários dias no mês de junho de 2013 já há um considerável acúmulo de bibliografia Todavia vale destacar que um interessante artigo sobre o modo como ferra mentas tecnológicas e comunicativas foram usadas nas supracitadas mobilizações foi publicado por Hamburger 2016 213 heterogêneos o coletivo Projetação caracterizase pelo uso de dispositivos como notebooks caixas de som e projetores com a finalidade de fazerem grandes pro jeções contendo mensagens de cunho político em diferentes suportes físicos pré dios veículos fachadas de instituições praças etc principalmente na capital carioca e municípios adjacentes Seus integrantes também costumam promover atos debates e exibições em espaços públicos de filmes dedicados a temáticas políticas com o objetivo de trazerem à visibilidade o modo como uma série de problemas que afetam de maneira muito direta a vida da população encontramse relacionados com me canismos de produção de um modelo urbanístico acentuadamente individualista e excludente Contando com mais de vinte e seis mil seguidores em sua página na rede social Facebook o coletivo arrecadou por meio de uma campanha de Crowdfun ding em 2014168 o equivalente a vinte mil reais Valores que foram destinados à compra de uma série de equipamentos como caixas de som com tecnologia bluetooth sem fios projetores computadores gerador de energia além de uma bicicleta adaptada para o transporte desses equipamentos Debate sobre o filme À queima roupa sobre o tema da violência policial na Praça São Salvador LaranjeirasRio de Janeiro organizado pelo Coletivo Projetação Créditos Guilhermo Aderaldo 168 O vídeo da campanha produzido pelos integrantes do coletivo pode ser visto no seguinte endereço httpswww youtubecomwatchvE0DlSaolyA Acessado em 27072018 214 Bicicleta adaptada Coletivo Projetação Créditos Guilhermo Aderaldo Protesto contra a Monsanto Créditos Guilhermo Aderaldo 215 O acompanhamento etnográfico de algumas das práticas protagonizadas pelo coletivo a exemplo do que já havia ocorrido no caso da rede CVP conforme mencionei adensou a compreensão da importância que vem sendo adquirida pelo uso das novas tecnologias visuais e comunicativas no tocante às lutas contra certas formas predatórias e urbicidas Graham 2016 2011 de representação das cidades Da mesma maneira tais observações chamaram a atenção para o dinamismo que decorre da capacidade que certos agentes possuem para amarrar por meio do uso de dispositivos de comunicação distintas redes e núcleos de ativismo urbano aparentemente fragmentados Em certa ocasião por exemplo acompanhei o coletivo durante um ato crítico a uma universidade particular localizada na região de Bonsucesso no subúrbio do Rio de Janeiro O protesto se devia ao fato de que representantes da referida instituição haviam se manifestado durante uma reunião na secretaria municipal de transportes contra a construção de uma ciclovia nos arredores do campus sob alegação de que os alunos deixariam de ter lugar para estacionarem seus automóveis particulares Para a ação além de mim compareceram à sede da universidade apenas quatro pessoas mas a postagem das fotografias contendo as projeções feitas no lo cal com uma série de críticas à universidade somada ao uso de hashtags marcando redes de ciclo ativistas coletivos de mídia jornalistas politicamente engajados na causa da mobilidade urbana além de defensores de direitos humanos fez com que as imagens disparassem por diversos caminhos gerando assunto para blogs e outras postagens que seguiram sendo replicadas No dia seguinte em outra reunião na secretaria de transportes a uni versidade voltou atrás em sua posição e se colocou favorável à construção da ciclovia Apesar de não ter sido possível saber até que ponto a atuação do Projetação impactou nesta mudança de posição por parte da instituição fato é que o caso evidenciou o modo como a rede costuma ser utilizada por esses interlocutores Tal prática mostrase capaz de notabilizar uma diversidade de embates sim bólicos e políticos localizados em torno das diferentes formas de interpretar e traduzir os sentidos por trás da topografia e arquitetura excludente que caracte rizam a atual paisagem do Rio de Janeiro Num contexto marcado pela recente preparação de um ambiente urbano voltado a receber dois megaeventos esportivos globais Copa do Mundo e Olim píadas as sucessivas gestões políticas responsáveis pela administração municipal da capital carioca vinham e ainda seguem recrudescendo cada vez mais os mo dos de tratar as populações das favelas e áreas periféricas tentando investir na 216 imagem de uma cidade pacificada unida em torno do combate à violência169 Desta forma muitos esforços e recursos se voltaram a uma tentativa de fortalecer fronteiras através da construção de muros sistemas de controle e vigi lância eletrônica além de outras barreiras menos visíveis mas igualmente efi cazes como por exemplo a interrupção de certas linhas de ônibus que ligavam as áreas mais pobres nas zonas norte e oeste da cidade às regiões mais abastadas concentradas na área sul visando delimitar o campo de circulação das populações menos privilegiadas Tais formas de contenção física por sua vez têm sido significativamente legitimadas por um sistema simbólico de contenção articulado principalmente por setores hegemônicos da imprensa como bem mostrou o geógrafo Rogério Haesbaert numa recente pesquisa na qual o autor fez um recorte onde no perí odo de um ano comparou o modo pelo qual os dois jornais impressos de maior circulação e voltados a distintos públicos no Rio de Janeiro cobriram as notícias envolvendo favelas na cidade Uma das constatações às quais foi possível chegar com a análise do material consultado pelo pesquisador foi o fato de que a cobertura geográfica em um e outro caso variava consideravelmente de acordo com o público e os interesses re presentados por cada diário O jornal O Globo por exemplo prioriza claramente as notícias e conflitos ocorridos nas favelas da zona sul e do centro da cidade áreas reconhecidamente mais privilegiadas onde se localiza a maior parte de seu público leitor Já O Dia periódico voltado a um público de perfil mais po pular se caracteriza por uma cobertura mais abrangente dos casos relacionados às favelas da cidade Ao se direcionarem a públicos de classes sociais distintas e que tendem a se concentrar em áreas diferentes do município portanto os jornais analisados acabam elaborando duas representações cartográficas visivelmente distintas do espaço urbano carioca170 Desta forma como conclui o autor ao ocultar uma parte expressiva da vida metropolitana a mídia hegemônica acaba por estimular uma visão do urbano segmentada privilegiando certos espaços e negligenciando ou tros como se fosse promovida uma contenção que invisibiliza simbolicamente e contribui para depreciar ainda mais as áreas mais pobres da cidade O Globo ao invisibilizar ou minimi zar as ocorrências em boa parte do espaço urbano pode trazer também sérias implicações no direcionamento das políticas públicas Enquanto principal jornal diário formador de opinião no Rio de Janeiro especialmente em relação às classes mais favorecidas e influentes ele de 169 Sobre as políticas destinadas à chamada pacificação urbana e seus desdobramentos ver por exemplo Haes baert 2014 De Tommasi e Velazco 2013 e Telles 2015 Ver também um recente dossiê sobre o tema Pa cifications urbaines publicado pela revista francesa LHomme 2016 cujo sumário pode ser consultado no seguinte endereço httpswwwcairninforevuelhomme20163htm Acessado em 29072018 170 No texto Haesbaert 2014 263 inclusive produz dois mapas que corresponderiam às cartografias relacionadas à cobertura que cada um dos diários faz dos conflitos urbanos na cidade 217 alguma forma direciona o olhar do Estado para aquilo que midiaticamente é produzido e veiculado como sendo a informação o problema eou o espaço mais relevante da cidade Se a representação das questões básicas privilegia ou aparece vinculada apenas a algumas áreas é para elas naturalmente que se dirigirá de forma prioritária a ação do Estado Haesbaert 2014 265 São por conseguinte essas representações hegemônicas sobre os espaços urbanos e os efeitos de poder que se desdobram de sua aceitação irrefletida por parte principalmente dos setores médios e altos da população que se tornam a principal matéria prima para as intervenções produzidas pelo Projetação assim como por outros coletivos e agentes com os quais estes mantêm relações contínu as de afinidade e trocas171 Deste modo é possível dizer que a presença em algumas das atividades performativas organizadas pelo coletivo em distintas situações parece de certa forma confirmar a reflexão tecida por Vera Pallamin quando esta autora a partir de um diálogo com a obra do filósofo Jacques Rancière coloca o seguinte argu mento a performance enquanto uma maneira de produção de cultura urbana pode ser também um meio eficaz pelo qual embates simbólicos são veiculados concretizados ou postos à prova no espaço público Suas linguagens ampliam as possibilidades e meios estéticos de verificação das partilhas do sensível e do que estas significam no plano do político Esta verificação ao mesmo tempo estética e política tem por base a observação do princípio da igualdade e sua presença nas formas de sociabilidade permitindo ou não a participação naquilo que é co mum Os movimentos dissensuais que enfrentam a atualização deste princípio são aqueles que configuram o motor do político rearticulando formas de ação e percepção preestabelecidas Pallamin 2015 158 É o que acontece quando para trazer alguns outros exemplos o coletivo Projetação decide projetar sobre um prédio caracterizado pela residência de po pulações de camadas médias e altas na zona sul do Rio de Janeiro uma mensa gem com os dizeres A PM mata pobre todo dia seguida por uma animação que vai listando os nomes de uma série de moradores de favelas que haviam sido mortos por ações repressivas da polícia militar da cidade172 Também podemos perceber essa tentativa de verificação do princípio de igualdade na produção e regulação dos espaços urbanos quando o mesmo cole tivo projeta sobre uma viatura policial a frase Todo favelado é um perseguido político como é possível ver na imagem apresentada abaixo 171 Alguns outros exemplos de coletivos e atores que vem se destacando pelo modo como se valem de recursos visuais com o objetivo de interpelarem a paisagem segregada da cidade são o coletivo Mariachi assim como os artistas visuais Alex Frechette e Tavarez Vandal pseudônimo adotado pelo autor cuja verdadeira identidade não é revelada publicamente pelo mesmo 172 Um vídeo desta ação produzido e postado pelos integrantes do Coletivo Projetacão pode ser visto em https wwwfacebookcomplataformaprojetacaovideos639392196114731 Acessado em 26072018 218 Intervenção do Coletivo Projetação Créditos Coletivo Projetação Algo da mesma natureza dissidente pode ser igualmente percebido quando refletimos sobre o terceiro caso a ser analisado neste artigo Refirome ao projeto Cartograffiti promovido pelo coletivo paulistano Imargem CARTOGRAFFITI E O COLETIVO IMARGEM Banhada pela represa Billings e conhecida pelo fato de ser uma das áreas mais populosas e pobres de São Paulo figurando entre os dez piores índices de desenvolvimento humano IDH da capital paulista173 a região do Gra jaú também se destaca no roteiro da arte urbana da metrópole pois dali saíram alguns dos artistas mais conhecidos do país Nos muros do distrito podem ser encontrados graffitis de nomes de expressão nacional e global como Alexandre Orion Enivo entre outros174 Do Grajaú também surgiram músicos importantes do atual cenário fono gráfico brasileiro como o rapper Criolo E foi ali na mesma região que nasceu o 173 Ver http fotos estadao com br galerias cidades idh os 20 melhores e os 20 piores distritos de sao paulo 24925 Acessado em 27072018 174 Ver httpwwwbrasilpostcombr20150817grafitepichacaograjaun8001398html Acessado em 27072018 219 coletivo Imargem formado inicialmente pelos irmãos Mauro e Wellington Néri Dois artistas e arte educadores locais175 O Imargem costuma ser descrito por seus idealizadores como um mo vimento e têm como uma de suas principais propostas a realização de ações estéticas que sejam capazes de colocar a rigidez do binômio centroperiferia sob perspectiva crítica criando desta forma uma paisagem relacional que ao evitar essencializações seja capaz de revelar as próprias contradições que constituem a capital paulista Nesta parte abordarei uma das intervenções visuais produzidas por alguns dos integrantes deste coletivo chamada de Cartograffiti176 Entre os anos de 2012 e 2015 o projeto Cartograffiti viabilizado pela conquista de um financiamento público obtido junto à Secretaria de Cultura do município de São Paulo177 teve como objetivo conectar simbolicamente as áreas localizadas no extremo sul da cidade particularmente o Grajaú ao centro da vida política social e cultural da urbe paulistana Tratavase de 21 intervenções de graffiti realizadas por diferentes artistas urbanos convidados por Mauro Néri as quais se localizariam em pontos estra tégicos que posteriormente se transformariam em referências pontos para o trajeto de um ônibus aberto ao público A ideia do projeto portanto seria a de produzir uma percepção itineran terelacional do espaço urbano que fosse capaz de estimular os visitantes a um tipo de experiência sensorial responsável por fazêlos a partir do contato com as obras graffitis enxergarem e perspectivarem criticamente a própria cidade assim como a problemática rigidez da divisão centroperiferia Ocorre que apesar de estarem sendo financiados com recursos obtidos junto a um edital promovido pela Secretaria de Cultura do município durante a execução das intervenções paradoxalmente muitos dos graffitis realizados no contexto do projeto foram seguidas vezes apagados por funcionários terceiriza dos do setor de zeladoria urbana da mesma prefeitura que os havia subsidiado 175 Vale mencionar que Mauro Néri formouse em artes plásticas na Itália País onde viveu após conseguir um financiamento inicial obtido através do contato com uma ONG católica chamada Centro de Convivência Santa Dorotéia Embora criado por Mauro e seu irmão Wellington Néri o Imargem congrega uma rede de colabora dores oriundos de diversas regiões e com variadas trajetórias origens sociais e níveis de formação Os mesmos são chamados de agentes marginais nos termos do coletivo e se organizam eventualmente com o propósito de realizarem intervenções colaborativas em múltiplas regiões da cidade de São Paulo O coletivo também pro tagonizou um dos episódios de uma série de filmes intitulada Rua realizada pela cineasta Tata Amaral Outras informações sobre o coletivo Imargem podem ser obtidas diretamente no site do grupo em httpimagemdamar gemblogspotcombr Acessado em 27052018 Já sobre a participação dos mesmos na série Rua é possível assistir ao vídeo completo em httpswwwyoutubecomwatchvMPpyix3kQtw Acessado em 27072018 176 Ver httpprojetocartograffitiblogspotcombr Acessado em 27072018 177 RefiromeaquiaoeditalArtenaCidadecujasinformaçõesdetalhadaspodemserconsultadasnose guintesitehttpwwwprefeituraspgovbrcidadesecretariasculturanoticiasp7835Acessa doem27072018 220 Isso por sua vez ao invés de simplesmente dar espaço à reclamação dos artistas junto ao poder público gerou uma verdadeira disputa narrativa e visual em distintas partes da cidade na medida em que os mesmos passaram a integrar os apagamentos chamados por eles de apagões à própria obra Pouco a pouco os graffitis que iam sendo apagados pela tinta cinza utiliza da pelos funcionários da prefeitura foram dando lugar a frases como Prefeitura paga e apaga ou simplesmente Apagaram a arte da cidade178 As frases então tornavamse pontos do itinerário do ônibus vinculado ao projeto tal qual ocorreria com os graffitis que deveriam figurar em seus lugares e por meio delas os artistas acabaram evidenciando a existência de tendências con flituosas envolvendo princípios e percepções distintos e divergentes em relação à representação e às formas de gestão espacial da cidade dentro do próprio poder público Se por um lado a secretaria de cultura parecia apostar numa ideia de espaço público caracterizada pela percepção positiva do conflito entre formas estéticas variadas por outro outras secretarias não pareciam partilhar da mesma posição buscando uniformizar a paisagem urbana sobretudo nas áreas mais centrais e com maior visibilidade179 Em 2015 um tempo após ter sido finalizada a série de intervenções aca bou se desdobrando num documentário180 e numa exposição realizada no Centro Cultural São Paulo CCSP além de ter alimentado uma variedade de debates relacionados ao tema do direito à cidade os quais foram organizados em dis tintas regiões da metrópole 178 Ainda sobre as praticas de apagamento de graffitis por parte de funcionários da prefeitura de São Paulo recen temente os diretores Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo realizaram um documentário intitulado Cida de Cinza cujo trailer pode ser visto no seguinte endereço httpswwwyoutubecomwatchv7NpppZaGfJo Acessado em 29072018 179 Cabe dizer que tais problemas se agravaram consideravelmente durante a gestão do prefeito João Dória PSDB entre 2017 e 2018 uma vez que o mesmo teve como uma de suas principais bandeiras o combate às pichações em um polêmico projeto de zeladoria urbana denominado de Cidade Linda No período mencionado após ser detido enquanto refazia um de seus graffitis que havia sido apagado apesar de possuir autorização legal Mauro Néri tornouse novamente um dos principais símbolos da arbitrariedade da administração municipal No entanto ironicamente após dialogo com o prefeito o mesmo aceitou participar da produção de um edital de arte urbana elaborado pela mesma gestão que havia sido responsável por sua detenção o que despertou conflitos e revolta por parte de outros artistas 180 Ver httpsvimeocom141747076 Acessado em 27072018 221 Frase escrita pelos integrantes do Imargem em muro apagado por agentes da prefeitura Créditos Coletivo Imargem Exposição Cartograffiti Centro Cultural São Paulo Créditos Guilhermo Aderaldo 222 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS O contato com parte da literatura acadêmica recente cujos autores vem se dedicando à investigação de fenômenos situados na fronteira que relaciona as di mensões da estética e da política nos espaços urbanos como é o caso de Campos 2011 Caldeira 2012 Pereira 2012 2015 Aderaldo 2016 2017a 2017b Castells 2013 Mesquita 2011 2015 Di Giovanni 2015 a 2015 b e Palla min 2015 nos ajuda a compreender o fato de que nos últimos anos interesses de natureza política tem cada vez mais se fundido com formas estéticas atreladas ao desejo de ocupar e ressignificar espaços temporalidades e ao mesmo tempo alargar o alcance daquilo que é dizívelperceptível nas e sobre as cidades atuais Tais práticas e formas de associativismo parecem evidenciar a emergência de novos campos para ações reivindicativas alocados na confluência localizada entre de um lado o desgaste dos modelos tradicionais de engajamento e repre sentação política Mesquita 2011 Castells 2013 Di Giovanni 2015a 2015b Butler 2017 2015 Reguillo 2017 e de outro a crise do chamado campo artístico autônomo Canclini 2012181 Foi buscando pistas para compreender algumas facetas desses processos que me esforcei por aproximar os três exemplos aqui reunidos bem como suas respectivas formas de confrontação de referenciais normativos do espaçotempo urbano por meio da manipulação tática De Certeau 1994 1980 e imagina tiva Appadurai 2005 1996 de recursos estéticoscomunicacionais Ao promover esta justaposição de experiências meu objetivo foi tentar evidenciar os modos pelos quais o desenvolvimento e a popularização do acesso às novas tecnologias comunicativas num momento de significativas transforma ções políticas e sociais do país vem estimulando modalidades de engajamento e interação bastante particulares nas metrópoles brasileiras Consideradas as especificidades de cada caso cabe notar a existência de al gumas regularidades entre eles pois todos os exemplos em certa medida parecem deixar claro o modo como a ampliação do acesso às novas mídias têm contribu ído para a concretização de práticas que tem se revelado capazes de combinar os efeitos desterritorializadores relacionados à popularização dessas ferramentas 181 Para Canclini 2012 vivemos o momento da hegemonia de uma arte pósautônoma ou seja um referencial ar tístico mobilizado pela intersecção do sistema de arte junto a outros campos de enunciação Nas palavras do autor o termo arte pósautônoma busca definir o processo das ultimas décadas no qual aumentam os desloca mentos das práticas artísticas baseadas em objetos a práticas baseadas em contextos até chegar a inserir as obras nos meios de comunicação espaços urbanos redes digitais e formas de participação social onde parece diluirse a diferença estética p 24 Ainda segundo Canclini 2012 2425 mais do que os esforços dos artistas ou dos críticos em romper a couraça são as novas posições atribuídas ao que chamamos arte que estão arrancandoa de sua experiência paradoxal de encapsulaçãotransgressão 223 tecnológicas na medida em que as mesmas estimulam contatos não determi nados pelos limites espaciais com processos reterritorializadores os quais se voltam à iniciativas de desenvolvimento de referenciais simbólicos num espaço em movimento no e pelo movimento Haesbaert 2010 279280 É justamente o que parece ocorrer quando por exemplo o CVP por meio do uso do vídeo relaciona uma ocupação urbana promovida por distintos movimentos de luta por moradia na região central de São Paulo e uma favela em alguma das pontas desta mesma metrópole denominando como periferia a experiência de contiguidade política e narrativa existente entre esses universos Da mesma forma é o que vemos quando os integrantes do Projetação desconectam as imagens de moradores de favelas assassinados pela polícia militar carioca do registro direto de suas comunidades de origem e as inserem em faixadas de prédios reconhecidamente habitados pelas camadas médias e altas da cidade onde predomina o ordenamento urbano mantido pela lógica privada e individualista que alimenta o sistema segregador e punitivo dominante Igualmente o projeto Cartograffiti na medida em que aposta no desen volvimento de uma cartografia itinerante de São Paulo modulada pela conexão entre os pontos ligados pelos graffitis e também pelo registro de seus apagamen tos elabora uma narrativa que compreende o território para além da dicotomia estanque centroperiferia A intervenção visual produzida pelo coletivo Imargem parece assim evidenciar a existência de um urbanismo excludente responsável por criar zonas de visibilidade e invisibilidade que nos impedem de perceber a cidade policêntrica que marca as mobilidades dos artistas vinculados ao projeto assim como de muitas pessoas que cruzam cotidianamente a cidade No fundo são as próprias fronteiras e seus mecanismos de regulação e con trole que parecem estar servindo de matéria prima para as práticas criativas e insurgentes desses atores Ao apostarem em intervenções visuais que nos levam a refletir mais detidamente sobre a dimensão relacional dos territórios os mes mos não apenas usam a cidade como painelcenário para suas atividades artísti cas mas também e sobretudo parecem estar se valendo dessas atividades com o propósito de abrirem espaço para a reinvenção de outras formas de perceber e interpretar o que entendemos como cidade Mais ou menos à maneira do per sonagem Marco Pólo que ao descrever a cidade imaginária de Olinda no famoso livro As Cidades Invisíveis do escritor italiano Ítalo Calvino diz Quem vai a a Olinda com uma lente de aumento e procura com atenção pode encontrar em algum lugar um ponto não maior do que a cabeça de um alfinete que um pouco ampliado mostra em seu interior telhados antenas clarabóias jardins tanques faixas através das ruas quiosques nas praças pistas para as corridas de cavalos Aquele ponto não permanece imóvel depois de um ano já está grande como um limão depois como um cogumelo depois como um prato de sopa E eis que se tor na uma cidade de tamanho natural contida na primeira cidade uma nova cidade que abre espaço em meio à primeira e impelea para fora Calvino 1972 1990 119 224 Logo é possível dizer que tais práticas e representações antes de qualquer coisa revelam o desejo por um urbanismo que estimule o surgimento e conserve a existência de mundos plurais e não hierarquizados Modelo utópico que incita à imaginação e leva a um movimento constante de busca por uma cidade que seja o lugar de todos os lugares REFERÊNCIAS ADERALDO Guilhermo 2017 a Reinventando a cidade uma etnografia das lutas simbólicas entre coletivos culturais vídeoativistas nas periferias de São Paulo São Paulo EdAnnablume Fapesp 2016 Entre imagens e imaginários estética e política nas intervenções visuaisaudio visuais de coletivos culturais paulistanos In Kowarick Lúcio Frúgoli Jr Heitor Org Plu ralidade urbana em São Paulo vulnerabilidade marginalidade ativismos sociais 1edSão Paulo Editora 34 v 1 p 5579 2017 b Territórios mobilidades e estéticas insurgentes Refletindo sobre práticas e representações coletivas de realizadores visuais nas metrópoles contemporâneas Cadernos de Arte e Antropologia 6 2 3148 AGIERMichel 2011 2009AntropologiadacidadelugaressituaçõesmovimentosSãoPaulo TerceiroNome 2013 La condition cosmopolite lanthropologie à lépreuve du piège identitaire Paris Éditions La Decouverte APPADURAI Arjun 2005 1996 Après le colonialisme les consequences culturelles de la globa lisation Paris Petit Bibliotèque Payot BUTLER Judith 2017 2015 Cuerpos aliados y lucha política hacia uma teoria performativa de la asemblea Ciudad Autonoma de Buenos Aires Ed Paidós CALDEIRA Teresa Pires do Rio 2012 Inscrição e circulação novas visibilidades e configu rações do espaço público em São Paulo InNovos estudos CEBRAP São Paulo N 94 pp 3167 Nov CALVINO Ítalo 1972 1990 As cidades invisíveis São Paulo Ed Cia das Letras CAMPOS Ricardo 2011 Identidade imagem e representação na metrópole in CAM POS R ANDREA B e SPINELLI L Orgs Uma cidade de imagens Produções e consumos visuais no meio urbano Lisboa Ed Mundos sociais pp 1530 CANCLINI Néstor Garcia 2012 A sociedade sem relato antropologia e estética da imi nência São Paulo Ed Edusp CASTELLSManuel 2013Redesdeindignaçãoeesperançamovimentossociaisnaeradainterne tRiodeJaneiro Zahar CIRELLO Moira 2010 Educação audiovisual popular no Brasil Panorama 1990 2009 Tese de doutorado Comunicações Universidade de São Paulo DECERTEAUMichel 1994 1980AinvençãodocotidianoVol1ArtesdefazerRiodeJaneiro Vozes DE TOMMASI Lívia e VELAZCO Daniela 2013 A produção de um novo regime discur sivo sobre as favelas cariocas e as muitas bases do empreendedorismo de base comunitária In Revista Instituto de Estudos Brasileiros São Paulo n 56 pp 1542 jun 2013 DI GIOVANNI Júlia Ruiz 2015a Cadernos do outro mundo o Fórum Social Mundial em Porto Alegre São Paulo Ed HumanitasFAPESP 2015b Artes de abrir espaço Apontamentos para a análise de práticas em trânsito entre arte e ativismo in Cadernos de Arte e Antropologia Vol 4 No 2 1 1327 225 GRAHAM Stephen 2016 2011 Cidades Sitiadas o novo urbanismo militar São Paulo Ed Boitempo HAESBAERTRogério 2010Omitodadesterritorializaçãodofimdosterritóriosàmultiterrito rialidade Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2014 Viver no limite território e multitransterritorialidade em tempos de inseguran ça e contenção Rio de Janeiro Ed Bertrand Brasil HAMBURGER Esther 2016 Saímos do Facebook In Kowarick Lúcio Frúgoli Jr Heitor Org Pluralidade urbana em São Paulo vulnerabilidade marginalidade ativismos sociais 1ed São Paulo Editora 34 v 1 p 293320 MBEMBE Achille 2018 2003 Necropolítica biopoder soberania estado de exceção política da morte São Paulo n1 MESQUITA André 2011 Insurgências Poéticas arte ativista e ação coletiva São Paulo An nablume 2015 Esperar não é saber a arte entre o silêncio e a evidência São Paulo Ed Do autor PALLAMIN Vera 2015 Arte cultura e cidade aspectos estéticopolíticos contemporâneos São Paulo Ed Annablume PEREIRA Alexandre Barbosa 2012 Quem não é visto não é lembrado sociabilidade es crita visibilidade e memória na São Paulo da pichação Cadernos de Arte e Antropologia Vol 1 No 2 1 5569 2015 Escritas dissonantes escolarização letramentos novas tecnologias e práticas culturais juvenis inHorizontes antropológicos Porto Alegre v 21 n 44 p 81107 dez PONTY Merleau 2014 O visível e o invisível São Paulo Perspectiva REGUILLO Rossana 2017 Paisajes Insurrectos Ed Moelmo Ebook Kindle TELLESVera da Silva 2015 Cidade produção de espaços formas de controle e confli tos Revista de Ciências Sociais Fortaleza Vol 46 n 1 pp 1541 226 REGIME DE VERDADE HEGEMÔNICA NA JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS URBANOS EM PORTO ALEGRE OCUPAÇÃO LANCEIROS NEGROS NA LUTA CONTRA DISCURSOS BIOPOLÍTICOS DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL URBANA Henrique Mioranza Koppe Pereira182 Diogo Silveira dos Santos183 NARRATIVAS URBANAS JUDICIALIZADAS DISPUTA POR TERRITORIALIDADE Com o objetivo de contribuir à temática deste livro Cidade como máqui na biopolítica o estudo aqui trazido por um dos organizadores dessa obra está estritamente ligado aos conflitos urbanos e propagação de discursos autoritários que incidem de forma opressiva sobre populações vulneráveis Ao seguir questio nando digressões teóricas sobre a lógica de soberania estatal observada pela teoria Biopolítica com marco teórico referenciado principalmente em Foucault e outros autores pertinentes observar situações concretas vividas por populações em rela ção direta com o poder Estatal é fundamental para compreender os fenômenos de governamentalidade que se tem imputado nas cidades No presente estudo se analisara a atuação do judiciário sobre demandas geradas por populações citadinas segregadas que clamam ao Estado auxílio ime diato para que tenham uma moradia que atenda minimamente as garantias cons 182 PósDoutor em Ciências Criminais pela PUCRS com projeto desenvolvido sobre Biopolítica e Gentrificação Urbana Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC2014 na linha de pesquisa de Diversidade Políticas Públicas com tese focada em políticas públicas de saúde urbana e direito constitucional nas cidades brasileiras Mestre em direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS2008 com linha de pesquisa direcionada em sociedade novos direitos e transnacionalização Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul 2005 Atualmente atua como pesquisador independente e participa como pesquisador colaborador Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq Criminologia Cultura Punitiva e Crítica Filosófica vinculado à PUCRS Email para contato henriquekoppegmailcom 183 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS 2011 é Advo gado atua na área de Direito Público colaborou na assessoria jurídica de processos relacionados à pauta habita cional na cidade de Porto Alegre 20162017 no caso da Ocupação Lanceiros Negros Possui Especialização em Direito do Estado Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2017 227 titucionais Para isso apresentase o caso da Ocupação Urbana Lanceiros Negros firmada no centro de Porto Alegre em novembro de 2015 e a atuação realizada pelo judiciário sobre as demandas dessa população Esse estudo tem um caráter de denúncia para demonstrar como os discursos biopolíticos são utilizados dia riamente pelo judiciário para suprimir as demandas sociais a partir de seus julga dos O próprio judiciário manifesta que tais demandas deveriam ser tratadas no executivo todavia não podem se escusar de julgálas mesmo que provisoriamen te principalmente diante a omissão dos demais poderes competentes Ao mesmo tempo percebese os conflitos discursivos dentro da própria instância judicial que se contradiz frequentemente como se a disputa entre narrativas autoritárias e democráticas transbordassem os gabinetes judiciais através de seus despachos e sentenças Dessa forma decidiuse realizar esse trabalho sobre um caso específico para que se possa extrair discussões que passam desapercebidos sobre a atuação dos tribunais ao se observar um grande volume de demandas Estudar diretamente como os tribunais vêm julgando propicia detectar as decisões que atentam con tra os direitos humanos e as garantias constitucionais assim como evidencia os discursos autoritários e segregacionistas que ainda imperam entre os desembar gadores e reforçam uma atuação negligente e insuficiente por parte das políticas públicas e da atuação dos demais poderes Quando o judiciário apresenta uma atuação condescendente com o despreparo das políticas públicas e da ineficiência do Estado quanto ao atendimento das garantias constitucionais destinadas às po pulações carentes dáse o fenômeno biopolítico de governabilidade dos corpos e da vida perpetuase o status quo da opressão social e em especial da segregação espacial em solo urbano Para isso se realizará o estudo hermenêutico dos julga dos sobre o caso inserindose em todo o andamento processual realizado até o final do processo judicial Os autores Dardot e Laval apontam que em meados de 1980 Foucault já começava a se interessar cada vez mais pelas técnicas de si exercidas sobre si mes mo pelos indivíduos através dos discursos biopolíticos de constituição de sub jetividade para controle dos corpos Dessa forma o termo governamentalidade 184 que expressava as diversas formas pelas quais são exercidas as atividades de 184 Foucault elabora o conceito de governamentalidade descrevendoo como um conjunto constituído pelas instituições procedimentos análises e reflexões cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder que tem por alvo a população por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança Em segundo lugar por governamentalidade entendo a tendência a linha de força em todo Ocidente para a preeminência desse tipo de governo que pode mos chamar de governo sobre os outros soberania disciplina e que trouxe por um lado o desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específicos de governo e por outro lado o desenvolvimento de toda uma série de saberes Enfim por governamentalidade creio que se deveria entender o processo ou antes o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado administra tivo viuse pouco a pouco governamentalizado FOUCAULT Michel Segurança Território e População São 228 governo ou seja formas diversas de conduzir as condutas é ampliado Portanto governar é conduzir a conduta humana o que caracteriza a biopolítica porém o termo conduta passa a carregar uma nova faceta que engloba não só a perspectiva de para com o outro isto é a condução de outros homens e mulheres mas também uma perspectiva de para consigo mesmoDARDOT LAVAL 2016 p18 Assim teremos um aprimoramento das concepções a partir da aproxima ção entre técnicas de dominação que são exercidas sobre o outro e técnicas de autogoverno que são exercidas sobre si mesmo Porém ainda é necessário esclarecer como que através de discursos biopo líticos uma narrativa hegemônica poderá suprimir outras narrativas imputan doas como não verdadeiras ou formas de vida que não devem ser promovidas pelo soberano e portanto serem deixadas à morte Foucault em seu seminário do dia 28 de janeiro de 1976 2010 5571 deixa claro que a narrativa discursiva viabiliza a construção de uma verdade para o exercício da soberania sobre povos como a narrativa que colonizadores impões sobre os colonizados a fim de subju gálos e transformar seus modos de vida para adequarse às formas de exploração Portanto às narrativas que não estiverem de acordo com as normas normalizado ras serão excluídas da verdade hegemônica por incorrerem em discordância com o poder e a depender dos efeitos que resultarem nos interesses soberanos poderão então essas narrativas serem perseguidas Essa análise é feita em termos binários o corpo social não é composto por uma pirâmide de ordens ou por uma hierarquia não constitui um organismo coerente e unitário mas é com posto por dois conjuntos não só perfeitamente distintos mas também opostos E essa relação e oposição existente entre esses dois conjuntos que constituem o corpo social e que trabalham o Estado é de fato uma relação de guerra de guerra permanente pois o Estado nada mais é que a maneira mesma pela qual continua a travarse essa guerraFOUCAULT 2010 p7374 Essa citação corrobora a compreensão que o Estado como soberano não tem como pressuposto pacificar os conflitos entre os corpos sociais mas viabilizar a perpetuação da guerra dentro das normas estabelecidas o que viabiliza a supressão das narrativas que contradizerem os discursos hegemôni cos pois elas desafiariam as normas e as formas de vida impostas Mas o que poderiam essas narrativas contra hegemônicas apresentar que ameaçariam as estruturas soberanas A resposta é elas poderiam propagar discursos que es timulariam a outras formas de vida que contradizem às necessidades do mer cado Neoliberal e dos demais fluxos de poder existentes nos núcleos urbanos Nesse sentido se pretende demonstrar aqui que o judiciário brasileiro nesse caso específico em Porto Alegre tem construído pretensas verdades hegemôni cas em suas retóricas judiciais que suprimem a narrativa de populações vulne Paulo Martins Fontes 2008 p 143144 229 ráveis que ao adentrar em instâncias judiciais são silenciadas por estruturas processuais que impedem o repercutir das vozes oprimidas e impõem uma verdade processual vencedora O poder soberano é exercido pelo Estado que age como um pivô do mercado global moderno ao aderir às estruturas neoliberais que se constituem ao longo do século XX assim o Estado não se apresenta para limitar nem para corrigir o mercado concorrencial mas para desenvolvêlo por intermédio de estruturas jurídicas O que permite ao mercado a imposição de uma narrativa institucional e soberana assim como instrumentaliza normas que definirão o padrão de conduta desejado conduta normal Essa reestruturação do Estado e do Liberalismo para um Estado Neoliberal não se dá por acaso o seu momento fundador se dá no Colóquio Walter Lippmann no dia 26 de agosto de 1938 DARDOT LAVAL 2016 p71 em que se discute a necessidade de estruturar o Estado como resposta para inibir as consequências de um liberalismo não intervencionista que ao final do século XIX e ao longo do século XX deram origem às narrativas que culminaram nas revoluções anticapitalistas Essa explanação sobre como os discursos biopolíticos realizam um traba lho de constituição de uma narrativa hegemônica que se propõe como verdade corrobora no presente estudo a reflexão sobre a narrativa judicial como uma estratégia biopolítica que governa os corpos que podem ou não viver na cidade A imposição judicial é a espada do soberano que recai sobre o cidadão e os procedimentos processuais são a forma de firmar legalidade nos atos do Estado dos quais se resultarão uma Verdade uma revelação que negará as demais nar rativas colocandoas como narrativas não verdadeiras impuras injustas que não devem ser promovidas nem propagadas e até mesmo serem perseguidas A Ocupação Lanceiros Negros era formada por 70 famílias que integrava na cidade de Porto Alegre o Movimento de Lutas nos Bairros Vilas e Favelas MLB Pessoas oriundas dos bairros periféricos em comum identificadas pela situação de precariedade habitacional em uma escala que vai desde o risco permanente de desalojamento decorrente da pressão financeira dos aluguéis até a completa ausência de habitação Grupos familiares integrados não só por adultos em situação de vida laboral ativa mas também por bebês crianças adolescentes e idosos Havia também embora em pequeno número indígenas e estrangeiros cuja situação de transitoriedade territorial é usualmente aproveitada como justi ficante para a omissão estatal quanto ao atendimento por uma política pública de moradia No dia 14 de novembro de 2015 essas famílias ocuparam o prédio locali zado na Rua General Andrade de Neves nº 352 no centro da cidade de Porto Alegre O prédio é de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul e estava sem 230 uso há quase uma década sem qualquer menção de projeto ou atividade para o cumprimento da função social Essa edificação que já serviu de sede do Minis tério Público após uma década fechado passou a servir clandestinamente como local de acolhimento para essas famílias carentes proporcionando um ambiente seguro organizado salubre com luz água refeitório até que essas pessoas pos sam ser incluídas em alguma política pública de moradia concreta Ou até que eventualmente tivessem condições de voltar à sua residência com isso a popu lação de forma precária fazia uso daquelas instalações como uma forma de vive sobreviver no ambiente urbano portoalegrense sempre à margem da efetividade ao direito fundamental de moradia disposto na Constituição Federal Todas as famílias da ocupação foram cadastradas no atendimento do Sis tema Único de Saúde SUS e estão sendo atendidas por postos de saúde da região Além disso as crianças e adolescentes estão matriculadas na rede pública de ensino e contam com o apoio de sindicatos coletivos e demais madrinhas e padrinhos da Ocupação Lanceiros Negros A localização geográfica da ocupação foi um marco o coração do centro histórico de Porto Alegre a duas quadras do Palácio Piratini sede do Governo do Estado e a poucas quadras do Paço munici pal Uma afronta à rígida territorialidade excludente das metrópoles brasileiras185 Nesse contexto a cidade de Porto Alegre foi marcada por um histórico de remo ção em massa das populações pobres das regiões centrais para as margens Em especial durante o Regime Militar quando ocorreram as remoções forçadas de milhares de famílias para o extremo sul do território do município na região que viria a constituir o bairro da Restinga hoje símbolo da resistência e da luta social Como fazia todas as manhãs Antônio Miguel de Almeida juntou os apetrechos de engraxar sapatos o colocou na caixa de madeira e partiu da Vila Ilhota no Bairro Cidade Baixa em Porto Alegre onde morava com a mãe irmão tios e primos rumo à rua Lima e Silva Era fevereiro de 1967 e ele tinha dez anos Cinco décadas depois a memória de Antônio mantém intactas as horas que se seguiram depois de mais um dia de trabalho lustrando os calçados dos comerciantes da região Quando voltei a nossa casa não estava mais lá só a marca no terreno Fiquei olhando cho rando e perguntando para os vizinhos se minha mãe tinha fugido e me deixado Um senhor me pegou e disse Não a casa de vocês já foi para a Restinga E a nossa vai amanhã tu fica com nós Amanhã tu vai junto recorda A partir daquele momento Antônio passou a fazer parte da história que originou o primeiro núcleo de moradores da Capital construído à força numa intervenção institucional promovida pelo regime militar e cujo lema era Remover para Promover Naquele ano quase mil famílias foram retiradas de outras vilas da área central da cidade e levadas para a região inóspita que viria a se tornar o bairro Restinga um dos maiores de Porto Alegre 185 No Brasil a produção de habitação em áreas centrais entrou no debate a partir dos anos 1990 quando movi mentos sociais de luta por moradia adotaram a estratégia de ocupação dos prédios vazios ou ociosos no centro de algumas cidades Em São Paulo as primeiras ocupações organizadas por movimentos populares de moradia se deram em 1997 COMARU Francisco Em defesa da habitação social nas áreas centrais Le Monde Diplomatique Brasil ano 6 nº 62 setembro de 2012 pág 36 231 Enquanto seguia no caminhão com outros vizinhos em direção ao extremo sul Antônio permanecia assombrado com a remoção inesperada da casa para o desconhecido Lembro das ruas acabando na Hípica Só tinha um corredor com mato para todos os lados Não era lugar para morar Na mudança com os meus vizinhos tive vontade de me atirar do caminhão porque achei que estavam me roubando Só me acalmei quando vi minha mãe e meus parentes numas cabanas improvisadas com restos de madeira Ficamos dois dias dormindo embaixo delas até reconstruírem a nossa casa O chão era cheio de espinhos rosetas e a gente estava sempre com os pés machucados Também tinha muito maricá Olhava para todos os lados e não tinha água luz Não tinha nada Só pensava como é que nós vamos comer e beber aqui Antes da mudança repentina Antônio a família e os vizinhos moravam na Vila Ilhota comunidade formada por escravos foragidos ou libertos e exmoradores do interior Na época a comunidade encravada na área central de Porto Alegre tinha duas ruas e dezenas de becos em meio aos antigos arroios Dilúvio e Cascatinha A partir de 12 de fevereiro de 1967 ela e as vilas Marítimos Santa Luzia e Dona Teodora consideradas as mais pobres da Capital na época deixariam de existir em menos de cinco anos Sairiam das áreas alagadiças da zona central para as terras espinhentas de uma cidade em plena expansão imobiliária e territorial Funcionários do Departamento Municipal de Habitação DEMHAB acompanhados de mais de 50 policiais militares começaram naquela data a remover os moradores e as centenas de ca sebres de madeira para as glebas da Restinga compradas pela prefeitura no ano anterior Cada família teve direito a um terreno de 8x25 metros no núcleo controlável um dos nomes dados pelo governo para identificar o novo vilarejo erguido pelo regime militar Foi a forma encon trada para formalizar o projeto Renascença que abriria novas ruas praças e avenidas como a Erico Verissimo em partes dos bairros Cidade Baixa e Menino Deus186 O nascimento da Ocupação Lanceiros Negros reacendeu o debate sobre a democratização do acesso à moradia na região central Diversos meios de comu nicação repercutiram Foram veiculadas matérias por vários meios de comunica ção e o Coletivo Catarse realizou a produção de um documentário com o intuito de mostrar a resistência dos moradores e de seus apoiadores perante a postura do Estado do Rio Grande do Sul que desejava reaver a posse do imóvel público sem qualquer destinação social187 DUELO DE NARRATIVAS VENCIDOS CONTRA VENCEDORES Antes de adentrarmos no debate sobre o conflito urbano referente à ocu pação LanceirosNegros lembrase que as estruturas políticas serão o palco de dis cussão Narrativa essa que dará sentido à política que por sua vez terá o poder de definir quem viverá e quem morrerá Agamben 2002 ao observar sobre a reflexão aristotélica de que o homem seria um animal político o autor propõe 186 ZERO HORA Do espinho ao asfalto a Restinga nasceu há 50 anos como um loteamento para abrigar mora dores desalojados de vilas pobres da área central de Porto Alegre Cresceu tornandose um dos maiores bairros da Capital constituindo uma espécie de cidade dentro da cidade Reportagem Especial veiculada em dezembro de 2017 Texto de Aline Custódio Disponível em httpsespeciaiszhclicrbscombrespeciaisrestingaareporta gemhtml Acessado em 20052018 187 Disponível em httpcoletivocatarsecombrhomelanceirosnegrosestaovivos e também em canal do youtu be httpsyoutubeY97fhAH7Cyc 232 que o humano depende da política para viver Com isso podese dizer que é a política que possibilita que o indivíduo deixe para trás a sua condição anima lesca e passe a ser considerado por si mesmo como serhumano e como tal tenha o direito de viver Desta forma ao se remeter à figura do soberano existente a partir do exercício da política definirá quem são os sujeitos animais a quem se concederão o status humano Por isso os discursos que estabelecerão os critérios de inclusãoexclusão de humanidade indicarão as narrativas justas ou injustas para humanizar e desumanizar narrativas essas que terão o poder de definir a verdade A de se ressaltar que até aqui já fica clara a existência de duas narrativas discursi vas diferentes uma hegemônica que se assenta ao lado do poder e movimentará o poder deliberativo sobre humanizardesumanizar e outra uma narrativa não hegemônica que não parte de um locus discursivo de poder e se encontra à mercê da decisão do soberano Em poucas palavras e com o intuito de contextualizar a presente aborda gem dáse a devida importância ao como se transmitirão as retóricas discursivas que contarão a história dos vencedores e dos vencidos dos merecedoresnão me recedores dos que têm direitonão têm direito a partir de uma ou mais narrativas Retóricas essas que imputam aos sujeitos a obrigatoriedade de ser ou seja uma obrigatoriedade existencial que delimita o sujeito a uma forma de vida específica que é estabelecida como uma norma exterior ao sujeito heteronomia que têm o poder de controlar os espaços urbanos e a vida que nele se desenvolve Sendo assim se a política é o palco de discussão das narrativas o judiciário será a estru tura de imposição das retóricas hegemônicas sobre a vida A construção de uma narrativa que se propõe falsamente como verdadeira para subjugar os sujeitos e delimitar o direito de circularpermanecer contraria mente aos princípios constitucionais e normas internacionais de direitos huma nos nos espaços urbanos é fundamental para construir a legitimidade do exercí cio de poder do soberano autoritário sobre os seus súditos portanto não há uma legitimidade na narrativa em si deve ser construída para justificar o sofrimento imputado às populações como vem ocorrendo nos núcleos urbanos brasileiros Para reforçar esse contexto de observação podese trazer uma reflexão de Deleuze que pode auxiliar a compreensão desse sentido Postulado da subordinação o poder encarnado no aparelho de Estado estaria subordinado a um modo de produção tal como a uma infraestrutura Talvez seja possível fazer corresponder os grandes regimes punitivos a sistemas de produção os mecanismos disciplinares especial mente não são separáveis do crescimento demográfico do século XVIII e o crescimento de uma produção que visa a aumentar o rendimento a compor as forças a extrair dos corpos toda a força útil Mas é difícil ver aí uma determinação econômica em última instância mesmo se dotarmos a superstrutura de uma capacidade de reação ou de ação de retorno Toda economia a oficina por exemplo ou a fábrica pressupões esses mecanismos de poder agindo de dentro sobre os corpos e as almas agindo no interior do campo econômico sobre as forças produtivas e as relações de produçãoDELEUZE 1998 p36 233 O autor demonstra aqui as estruturas Biopolíticas que permeiam os discur sos emanados pelo Estado como soberano que incidem sobre os corpos viventes como lógica de controle e imposição de forma de vida Essa imposição se dá por intermédio da constituição de uma narrativa de subjetividade uma estratégia discursiva que dirá ao sujeito o como deve ser como deve se portar como é certo viver uma narrativa que se coloca como verdade uma verdade total no sentido de verdade totalitária que de forma maniqueísta refutará as narrativas que se contraporem a ela MBEMBE 2018 Ao direcionar o olhar para o espaço público tanto físico como virtual vislumbrase a pluralidade de narrativas ou seja falas que se mostram a favor e outras contrárias aos discursos emanados pelo Estado e as estruturas de poder biopolítico assim como se encontrarão narrativas étnicas de gênero de formas de vida diversas que podem ou não serem absorvidas pelos discursos biopolíticos Todavia ingenuamente podese pensar que a presença mesmo que apenas vir tual do trânsito de narrativas plurais representaria a concretização de um espaço democrático Porém um atendo observador perceberá que a diversidade não ne cessariamente resulta em um diálogo entre alteridades como expões Franco de Sá a comunicação com o diferente a compreensão do estranho a tolerância e a abertura diante de outros modos de vida surgem aqui como a base que sustenta as democracias liberais con temporâneas Contudo o modo como uma tal comunicação se concretiza o modo como os cidadãos das democracias liberais são hoje educados numa escola da comunicação mostra que a comunicação se exerce entre propostas opiniões vivências e princípios que não podem deixar de se considerar quer como válidas no plano privado quer e este é o ponto decisivo como inválidas e inaceitáveis no plano público Por outras palavras uma tal comunicação mostra que se pensa implicitamente a discussão como um diálogo de surdos privandoa da publicidade da eficácia pública que qualquer discussão genuína não pode deixar de requerer Ela mostra enfim que se pensa uma relação sem relação uma comunidade sem acção recíproca E tal implica confessar o cepticismo e o relativismo na base da própria tolerância camuflados pela imitação de um diálogo que não é mais do que a simultaneidade cacofônica de um conjunto de monólogos fechados sobre si mesmos FRANCO DE SÁ 2004 p41 Portanto em um contexto de conexão em rede que possibilita encontrar a pluralidade de narrativas isso não quer dizer que haja comunicação e aceitação entre elas o que leva a crer na possibilidade de domínio de uma narrativa sobre a outra e questionarse como isso refletirá na constituição das subjetividades dos sujeitos envolvidos nesse processo comunicativo e principalmente na relação entre si para com outros e com o soberano Podese dizer o mesmo dos debates apresentados pelos magistrados nas instâncias judiciais sobre esse caso de conflito urbano como se verá adiante os discursos são plurais e contraditórios visto que são todos emanados pelo mesmo órgão estatal Porém a pluralidade discursiva é devida aos corpos de magistrados ou seja diferentes juízes que apresentam em seus fundamentos e decisões posicionamentos diferentes ora opressores contra a população vulnerável ora favorável ao cumprimento de normas constitucionais Por isso se chama atenção ao conceito de narrativashegemônicas pois essas 234 se utilizarão das estruturas biopolíticas para disseminar sua retórica discursiva como normas normalizadoras ou seja estabelecerão os parâmetros de normali dade normais que introduzirão na subjetividade dos indivíduos submetidos ao poder soberano os padrões de conduta ser existência psíquico cultural enfim a forma de vida que é exigida pelo poder Ainda nesse sentido o conceito de bio política de Foucault apresentado no seminário É preciso defender a sociedade 2006 p 293 redefine a estrutura de se observar o poder soberano dos séculos XVIII e XIX em que a soberania se dava no direito do soberano em decidir en tre deixar viver e fazer morrer os sujeitos governados Nesse período histórico as possibilidades de controle que o soberano exercia sobre os corpos e as vidas dos sujeitos eram limitadas pelo poder físico do soberano em matar os indesejados executandoos de alguma maneira àqueles a que se oportunizavam o deixar viver seguiriam o seu curso de vida por conta própria seja por não serem caçados ou porque interessava ao soberano que vivessem Foucault insiste claramente que o exercício do poder soberano sobre a vida somente se dá através do direitopoder de matar visto que não há soberano que possua o poder de dar vida mas somente poder de retirála o soberano só marca o seu poder sobre a vida pela morte ou seja direito de matar FOUCAULT 1988 p 1258 Todavia a forma de exer cício da soberania sobre a vida desde o final do século XIX e ao longo do século XX se transforma remodelandose para uma também lógica binária de inclusão exclusão decidir entre fazer viver e deixar morrer ou seja o poder soberano define quem terá acesso as estruturas promovedoras de vida e quem será segregado e deixado para a morte FOUCAULT 2002 As reflexões que aqui se propõem partem desse pressuposto de mudança de exercício de soberania sobre os corpos É importante esclarecer que quando Foucault fala de biopolítica não está se referindo a uma política da vida mas de práticas de governo que possi bilitam o controle dos corpos e das populações Explicase ainda que o controle do corpo traduz o literal corpo do sujeito da sua carne e de sua subjetividade enquanto existência A noção de vida situase no centro da cena não só como objeto de tematização das ciências biológicas mas também como um espaço pri vilegiado para garantir a governabilidade e a gestão das populações nas sociedades modernas CAPONI 2016 p 236 Para exercer a governabilidade das popula ções colonizadas a racionalidade soberana vertical cria estruturas de interrelação que implícita ou explicitamente nega tudo o que pode ameaçar as estruturas de poder de forma que degrada a forma de vida que o soberano deseja promover sobre os sujeitos que controla Nesse sentido esclarecese que a promoção da vida não será apenas para um tipo de sujeito incluído mas será principalmente da forma que esse sujeito vive que deverá estar de acordo com as normas discursivas narrativas hegemônicas que propagam a verdade uma verdade que irá lhe render a benção da vida de uma boa vida uma vida de sucesso ser uma pessoa de bem 235 ser aceito na salvação ser sujeito de direito CONFLITO JUDICIAL E LUTA COTIDIANA OCUPAÇÃO URBANA LANCEIROS NEGROS AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE Nº00111501924401 Embora tenha existido uma tentativa de diálogo com representantes do Governo durante uma reunião na Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Hu manos realizada no dia 16 de novembro de 2015 no mesmo dia em que realizou promessas de que seriam estabelecidas continuidades nas negociações o Estado do Rio Grande do Sul declinou seu posicionamento ao protocolar a ação de rein tegração de posse do prédio público O pedido de reintegração de posse foi acolhido pela 7ª Vara da Fazen da Pública do Foro Central de Porto Alegre e a decisão judicial concedeu me dida liminar para ser cumprida no prazo de 72h determinando que em caso de não cumprimento da decisão fosse requerido o uso da força pública para cumprimento da medida conforme trecho da decisão extraída do processo nº 00111501924401 Desta maneira estando a ação amparada por elementos suficientes devidamente instruída no que respeita aos limites da tutela liminar é que defiro o pedido liminar para o fim de de terminar a reintegração de posse do bem objeto deste litígio Para cumprimento concedo aos ocupantes do imóvel o prazo de 72 horas para que providenciem em sua retirada do local com o transporte de seus bens pessoais Caso o prazo acima não seja obedecido procedase à reinte gração de posse do autor requerendose se necessário o uso de força pública para cumprimento da medidaAo mesmo tempo deve a parte autora providenciar para que outras pessoas não venham a ocupar o bem devendo oa Sra Oficiala de Justiça nominar todos os ocupantes por oca sião da intimação para desocupação Expeçase portanto mandado de intimação para desocu pação no prazo de 72 horas de identificação dos ocupantes e reintegração de posse caso não seja o bem desocupado voluntariamente Intimemse Após citese grifo do pesquisador 188 O Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas MLB recorreu da medida liminar através do Agravo de instrumento nº 70067673970 pleitean do a reforma da decisão a fim de que o cumprimento da reintegração de posse fosse condicionado à prévia apresentação de alternativa concreta de realocação das famílias sob pena de haver literal despejo dos moradores nas ruas de Porto 188 Eis a primeira verdade emitida pelo judiciário existem elementos suficientes para atuar ou seja iniciase a persecução contra os sujeitos que integram a ocupação seus corpos e suas vidas estão sob a ameaça do Estado que supostamente deveria os proteger 236 Alegre em momento que coincidia com a chegada do frio inverno gaúcho o qual atinge habitualmente temperaturas inferiores a 0ºc Ainda assim foi nega do provimento ao agravo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul189 que refutou os pedidos de suspensão da reintegração de posse mantendo a decisão de primeira instância que determinou a imediata desocupação do imóvel Na decisão o magistrado discursa que O direito de moradia e a função social da pro priedade tais institutos jurídicos não podem ser vistos de maneira absoluta o que poderia justificar abusos de direito por parte de alguns em detrimento do interesse público da coletividade Nessa narrativa imposta pelo magistrado estabelecese como não absoluto direitos constitucionais demandados pelos ocupantes e ao mesmo tempo declara que absoluto é aquilo que se defende ao expulsálos de lá Portanto questionase o que protege a narrativa do magistrado a pro priedade o bem público Não é possível detectar com clareza mas certo que não protege a constituição tão pouco a vida e que aquela população não é bem vinda ali Ainda alerta com irônica preocupação que o risco de dano irreparável no caso a integridade física dos ocupantes somente poderá haver desde que esses se opunham fisicamente à ordem judicial além dos atos necessários de parte da força pública O discurso biopolítico é evidente na fala do magistrado que impõe a docilidade na conduta dos ocupantes e os condena ao flagelo físico anteci padamente e na medida de sua força de resistir ao poder de polícia A narra tiva da decisão é flagrantemente autoritária e antidemocrática que revestida de procedimentos legais toma para si a hegemonia da legalidade para oprimir populações No momento seguinte a essa decisão judicial foi interposto Recurso Es pecial requerendo a reforma do acórdão proferido pela 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul justificando que o cumprimento da medida liminar poderia acarretar danos irreparáveis aos ocupantes no que diz respeito a integridade física à moradia e a dignidade humana Ainda foi inter posto Recurso Extraordinário com fundamentos de admissibilidade oriundos do 189 Ementa AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE MOVIMENTO DE LUTA NOS BAIRROS VILAS E FAVELAS MLB IMÓVEL INVADIDO DE PROPRIEDADE DO ESTA DO DO RIO GRANDE DO SUL INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA PROCESSUAL Tratandose de área pública mostrase inadmissível a sua ocupação sem a devida autorização permissão ou concessão da respectiva Administração Não há decisão pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitu cionalidade acerca de inconstitucionalidade de norma infraconstitucional Código de Processo Civil pertinente a ação de reintegração de posse e tampouco há elementos suficientes para impor reconhecimento disto em recurso contra decisão liminar de inconstitucionalidade ou inconvencionalidade material da lide em apreço O direito de moradia e a função social da propriedade tais institutos jurídicos não podem ser vistos de maneira absoluta o que poderia justificar abusos de direito por parte de alguns em detrimento do interesse público da coletividade Finalmente o risco de dano irreparável no caso a integridade física dos ocupantes somente poderá haver desde que esses se opunham fisicamente à ordem judicial além dos atos necessários de parte da força pública Decisão liminar de reintegração de posse mantida NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRU MENTO Agravo de Instrumento Nº 70067673970 Décima Nona Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS Relator Eduardo João Lima Costa Julgado em 07042016 Data de Julgamento 07042016 Publicação Diário da Justiça do dia 18042016 RIO GRANDE DO SUL 2016 237 Novo Código de Processo Civil que versam sobre a repercussão geral que deve se extrair da questão constitucional debatida neste caso O recurso buscava a solu ção adequada ao impasse em torno da ocupação pugnando por uma decisão que resguarde o direito fundamental à moradia O conflito que se estabelece aqui para a sociedade e a comunidade jurí dica é em torno do dever do Estado de assegurar o acesso à habitação digna às pessoas e seu posicionamento de desalojálas em ato reintegratório de posse para reaver o bem imóvel pertencente ao poder público ocupado em decorrência da situação extrema de ausência do acesso à moradia É interessante que os discursos para justificar a importância de reaver a posse desse prédio não vão além do feti chismo jurídico porém a compreensão biopolítica possibilita evidenciar que esse fetiche possui uma raiz de controle territorial e de corpos assim como é por esse fetiche o Estado possui mecanismos legais para remover os corpos indesejáveis daquele espaço urbano Ademais em razão da pendência de admissibilidade do Recurso Especial e o perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional o MLB protocolou um pedido de tutela de urgência cautelar com fundamentos também no NCPC buscando conceder efeito suspensivo ao recurso de especial interposto pugnando pela imediata suspensão da decisão que determinou a desocupação e a reintegra ção de posse de imóvel em razão do iminente o cumprimento da ordem judicial de reintegração de posse confirmado pelo tenentecoronel Mario Ykeda titular do Comando de Policiamento da Capital CPC programado para iniciar a par tir das seis horas da manhã do dia 24 de maio de 2016 Na noite do dia 23 de maio de 2016 ao mesmo tempo em que o MLB postulava a suspensão da decisão que determinou a desocupação do prédio uma operação da Brigada Militar começou a ser montada com bloqueios policiais em todos os acessos ao prédio disputado Com um forte aparato formado por dezenas de policias do Batalhão de Choque cavalaria viaturas e motocicletas a Brigada Militar impediu diversos moradores apoiadores e manifestantes de entrarem na Ocupação Durante toda a madrugada as 70 famílias moradoras conviveram com a tensão de que polícia poderia iniciar a reintegração de posse a qualquer momen to Mas no início da manhã a assessoria jurídica da Ocupação informou que o Desembargador de plantão no Tribunal de Justiça Jorge Luis DallAgnol deferiu o pedido apresentado pelo MLB pela imediata suspensão da decisão que deter minou a desocupação e a reintegração do imóvel Nos fundamentos de sua decisão o juiz citou como jurisprudência uma decisão do Ministro Ricardo Lewandowski a Ação Cautelar nº 4085 que orienta que devem ser observados os riscos de conflitos sociais em litígios de natureza 238 habitacional principalmente quando a decisão judicial é levada a efeito por força policial vejamos como é cediço a jurisdição é atividade estatal que tem como escopo principal a pacificação de conflitos sociais garantindo os direitos que os atores sociais já não podem mais defendêlos ou tutelálos individualmente Na hipótese a retomada da posse pode ser vista como fator de exacerbação do litígio em questão em especial quando o cumprimento da ordem judicial é levada a efeito por força policial desacompanhada de maiores cuidados com o destino dos evictos Nesse contexto considerando as informações trazidas aos autos de que é iminente o cumprimento de mandado de reintegração de posse agendado para o dia 1712016 para a retirada de mais de 10000 dez mil pessoas sem a apresentação dos meios para a efetivação da remoção como caminhões e depósitos sem qualquer indicação de como será realizado o reassentamento das famílias e tendo em conta o risco considerável de conflitos sociais exem plificados por episódios recentes como a desocupação da área do Pinheirinho em São José dos CamposSP bem como a de um antigo prédio na Avenida São João em São PauloSP entendo que o imediato cumprimento da decisão poderá catalisar conflitos latentes ensejando viola ções aos fundamentais daqueles atingidos por ela Portanto neste exame perfunctório do caso próprio das ações de natureza cautelar entendo presentes os requisitos necessários à concessão da medida de urgência pleiteada Isso posto defiro o pedido liminar para atribuir efeito sus pensivo ao recurso extraordinário suspendendo os efeitos do acórdão recorrido até julgamento dessa ação cautelar Determino em consequência a suspensão da ordem de reintegração de posse agendada para 1712016 Comuniquese com urgência ao Tribunal de Justiça do Esta do de São Paulo Publiquese Brasília 13 de janeiro de 2016 Ministro Ricardo Lewandowski Presidente AC 4085 MC Relator a Min DIAS TOFFOLI julgado em 13012016 publi cado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe010 DIVULG 20012016 PUBLIC 01022016 BRASIL 2016 A citada jurisprudência servindo de orientação ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para exarar a suspensão da reintegração de posse do prédio ocupado pelos Lanceiros Negros resguardou a característica excepcionalíssima dos moradores de ocupações brasileiras que resistem de forma combativa à afronta aos direitos constitucionais e aos diversos Pactos Internacionais dos quais o Brasil é signatário Essa decisão marca o primeiro conflito discursivo dentro das retóricas judiciais no caso da Ocupação Lanceiros Negros pois o de sembargador não apenas freou a força policial contra a população mas trouxe a consciência discursiva das narrativas das ocupações urbanas no Brasil que tem sofrido vilipêndios autoritários por parte do Estado com suporte jurispruden cial do Supremo Tribunal Federal STF A suspensão da ordem liminar de reintegração de posse abriu um novo capítulo no processo Instaurouse inédita rodada de negociação com a re messa do caso ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania CE JUSC espaço criado pela Justiça estadual e destinado à resolução dos litígios pela via da conciliação Houve a criação pela CorregedoriaGeral de Justiça em conformidade com as Deliberações do Comitê Interinstitucional sobre Conflitos Fundiários Urbanos de Regime de Exceção na modalidade jurisdição compartilhada a contar de 01062016 e pelo prazo de um ano para promover a conciliação 239 entre as partes nos processos que versem sobre conflito fundiário urbano co letivo edital nº 0372016CGJ O que ensejou a remessa pelo Juízo de ori gem dos autos do presente processo ao CEJUSC onde restou instaurada mesa de mediação com audiências realizadas ao longo dos meses de junho a agosto de 2016 Em decorrência do processo de negociação estabelecido no CEJUSC houve a instauração pelo Poder Executivo Municipal de Porto Alegre Portaria n 3042016 de Grupo de Trabalho voltado a elaborar proposta de colabo ração com o Estado na resolução conciliada da ocupação principalmente no que diz respeito à garantia de realocação digna das famílias após sua saída do imóvel do Estado O referido Grupo de Trabalho teve um cronograma de reu niões cumprido ao longo dos meses de setembro outubro e novembro sem contudo poder chegar a um encaminhamento conclusivo em razão do silêncio do estado até então acerca da possibilidade de construção de um projeto con junto com o município Diante da rejeição dos recursos interpostos e desconstituição do efeito suspensivo por decisão da Vicepresidência do TJRS houve o restabelecimen to da ordem liminar reintegratória do imóvel que num primeiro momento só não foi imediatamente cumprida graças à intervenção da Defensoria Pública e Ministério Público Estadual ambos manifestando preocupação com as con sequências da desocupação quanto ao acesso das famílias à rede de assistência social disponibilizada no Centro Histórico local onde está situada a Ocupação A Procuradoria Geral do Estado PGE viabilizou então um novo espa ço de diálogo paralelo ao processo em seu Centro de Conciliação e Mediação onde foi possível pela primeira vez desde que teve início o litígio promover um encontro entre as representações da Ocupação autoridades municipais e o representante do órgão de governo responsável pela política habitacional na esfera estadual Essa rodada de conciliação teve contudo uma margem de ne gociação estreita Para todos os efeitos o Estado buscou naquele meio a forma menos gravosa de dar fim à ocupação Houve visivelmente uma preocupação com o potencial impacto midiático de uma nova tentativa de desocupação for çada mediante uso da força policial Por outro lado vêse que essa preocupa ção com a redução de danos não esteve vinculada a um efetivo comprometi mento com a pauta do movimento A prioridade sempre foi reduzir os danos para a imagem do gestor público de plantão Esgotado o espaço de mediação da PGE retomouse o andamento do processo judicial reintegratório culminando na fatídica decisão da Juíza Aline Santos Guaranha àquela altura titular da 7ª Vara da Fazenda Pública em 12 de junho de 2017 240 Expeçase mandado de reintegração da posse do imóvel tal como determinado na decisão de fls 9698 ficando autorizado o uso da força policial caso necessário Ainda determino que Oficial de Justiça contate o Procurador do Estado tal como postulado à fl 254 item c con forme já consta na decisão de fls 267 Dada a excepcionalidade da medida que envolve imóvel situado no centro da Capital onde há muito movimento durante semana autorizo o cumpri mento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente se necessário evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade Oficiese aos órgãos já referidos nas decisões de fls 9698 140 e 140 verso e 267 1 à Brigada Militar e ao Corpo de Bombeiros solicitando acompanhamento para cumprimento da ordem 2 diante da possibilidade de presença de menores no local oficiese outrossim ao Conselho Tutelar para acompanhar o cumprimento da medida Conforme já mencionado na decisão de fl 172 compete à parte autora o fornecimento dos meios necessários para cumpri mento Cumprase com urgência190 Dessa vez a ordem judicial foi cumprida pela Tropa de Choque da Briga da Militar a Polícia Militar do estado do Rio Grande do Sul durante a noite culminando em uma violenta desocupação amplamente reportada pela mídia O prédio que desde novembro de 2015 abrigava a Ocupação Lanceiros Negros na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves foi alvo de uma reintegração de posse na noite desta quartafeira Para cumprir a decisão judicial a Brigada Militar utilizou gás lacrimogêneo spray de pimenta e bombas de efeito moral A ação policial se iniciou por volta das 19h horário em que uma audiência pública sobre a ocu pação era realizada no plenarinho da Assembleia Legislativa Os policiais tentaram derrubar a porta do prédio no Centro Histórico mas não conseguiram Amarraram então uma corrente na porta para arrancála com o uso de uma viatura Eram cerca de 19h30min quando policiais ingressaram na construção Um morador da ocupação que se identificou como Douglas conta que mulheres e crianças passaram mal por conta do cheiro de gás das bombas lançadas no momento que manifestantes tentavam impedir a ação Titular do Comando de Policiamento da Capital CPC o coronel Jefferson Jacques afirma que a utilização da força em casos como esse se dá conforme a resistência apresentada pelos manifestantes Foi uma resistência acima do nível que esperávamos Acreditávamos que fosse haver resis tência mas passível de negociação Os ânimos se acirraram não houve recurso e tivemos de empregar o uso da força disse o oficial acrescentando que poucas pessoas foram detidas Os advogados que representam os moradores da ocupação ligada ao Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas MLB fizeram um recurso para suspender a ação No final da noite a magistrada plantonista indeferiu o pedido Na saída do prédio um homem de origem indígena gritava A minha família passava fome e desde que eu coloquei meus pés aqui eu fui acolhido E o governo faz o que por nós Nos joga na rua Em nota o governo do Estado afirma que o local será reintegrado e ocupado pela Defesa Civil e por setores da Casa Civil Ressalta também que foram feitas sucessivas mediações e esgo 190 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Sétima Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre Processo n 11501924401 Decisão proferia pela Juíza Aline Santos Gua ranha Disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico n 6048 em 13062017 241 tadas todas as alternativas de resolução consensual de conflito ao longo de um ano e meio191 A decisão que determinou a reintegração promoveu uma singular inversão de valores e desconsiderou as argumentações constitucionais defendidas anterior mente ao autorizar o despejo das famílias no período noturno com o propósito de evitar transtornos ao trânsito Este fato somado à violência decorrente da ação militar desencadeada não passou desapercebido mesmo pelos setores mais conservadores da imprensa gaúcha A forma como ocorreu a reintegração de posse do prédio do Estado onde funcionava a Ocu pação Lanceiros Negros na noite de quartafeira 14 em Porto Alegre descumpre princípios constitucionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente segundo o comentarista da Rádio Gaúcha Claudio Brito Em seu espaço diário no programa Gaúcha Hoje desta quintafeira 15 Brito questionou a situação a que as crianças que moravam no prédio ocupado foram expostas Me perdoem os que assim determinaram e que assim fizeram mas não poderia ter aconteci do às 19h30min num local onde havia crianças que ficaram largas horas na calçada no frio esperando que houvesse a remoção para o local que o Estado determinou É dever do Estado em relação às crianças a proteção integral E ela não se dá com bomba de gás às 19h30min afirmou Brito não contestou a necessidade da realização da reintegração de posse de um imóvel perten cente ao Estado mas sim as circunstâncias em que esta ocorreu Além disso ele também cita a Constituição Federal para questionar o horário escolhido para realização da desocupação O artigo 5º inciso XI da Constituição Federal afirma que a casa é asilo inviolável do indiví duo ninguém nela podendo penetrar sem autorização do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou ainda para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial disse192 No dia 21 de junho de 2018 um ano após a reintegração o poder judici ário emite sentença193 e o edifício onde existia a ocupação Lanceiros Negros per manece fechado lacrado sem destinação alguma até hoje A sentença prolatada pelo Juiz Gilberto Schäfer reconhece a obrigatoriedade constitucional de que os bens públicos estão sujeitos a cumprir função social e que o Governo do Estado tem obrigação em promover serviços públicos às populações vulneráveis e afirma As pessoas vulneráveis não podem ficar indefinidamente em cadastros ou depen der apenas da caridade de parentes ou de pessoas de bom coração Todavia sua tardia decisão julga procedente a ação de reintegração de posse o que define a 191 ZERO HORA BM cumpre reintegração de posse em prédio que abriga a Ocupação Lanceiros Negros em Porto Alegre Notícia veiculada em 14062017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscombrportoalegre noticia201706bmcumprereintegracaodeposseempredioqueabrigaaocupacaolanceirosnegrosempor toalegre9816507html Acessada em 18042018 192 ZERO HORA Claudio Brito A proteção das crianças não se dá com bomba de gás Notícia veiculada em 15062017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscombrportoalegrenoticia201706claudiobritoaprote caodascriancasnaosedacombombadegas9816877html Acessado em 18042018 193 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Sétima Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre Processo n 11501924401 Decisão proferia pelo Juiz Gilberto Schäfer Disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico n 6294 em 28062018 242 legalidade dos atos opressores do Estado contra a Ocupação Lanceiros Negros e ainda condena ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R120000 E assim termina a trajetória processual da Ocupação na justiça brasileira Narrativa final a Ocupação não possuía direito ocupar o espaço urbano foi expulsa e condenada por tentar viver na cidade O JUDICIÁRIO COMO AGENTE MANTENEDOR DA EXCLUSÃO SOCIAL CONFLITO DE DISCURSOS NO INTERIOR DO ÓRGÃO JULGADOR A judicialização da ocupação Lanceiros Negros trouxe à tona a dura insen sibilidade do Poder Judiciário para com as pautas sociais Explicitou a bem da verdade uma instituição que ainda está longe de incorporar na plenitude o pa pel garantidor dos direitos fundamentais sociais preconizados pela Constituição Federal vigente desde 1988 A solução final encontrada pelo sistema de justiça para a ocupação culminando no violento despejo deflagrado na noite de 14 de junho de 2017 revelou ao fim a fragilidade da própria democracia brasileira cujo Estado de Direito não está de fato acessível a todos como bem observou a jornalista e cronista Eliane Brum Em Porto Alegre a Polícia Militar do governador José Sartori PMDB promoveu uma ação de guerra contra 70 famílias da Ocupação Lanceiros Negros que há um ano e sete meses ocu pavam um prédio público abandonado por uma década Escolheu fazer isso numa noite fria e com a cidade esvaziada por um feriado prolongado Esta última violência de Estado tem uma particularidade que ajuda a iluminar a deformação de nossa democracia que se infiltra em todos os territórios simbólicos com efeitos de catástrofe no plano concreto A PM cumpria uma reintegração de posse da juíza Aline Santos Guaranha na qual ela explicita em que condições o despejo das famílias deve ser feito o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente se necessário evitando ao máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e o funcionamento habitual da cidade Que a vida humana de homens mulheres e crianças seja ameaçada e que sejam jogados nas ruas geladas durante a noite não é um problema O que importa é que o trânsito de carros continue fluindo e que o funcionamento da cidade que pertence apenas a alguns pelo que se deduz não seja perturbado por gritos e desespero de crianças aterrorizadas O mais importante não é a integridade da vida humana mas a reintegração de posse de um bem que o Estado deixou abandonado sem nenhum uso social e público194 A judicialização da ocupação se deu pela via da ação de reintegração de posse No CPC1973 lembrando que a ação foi ajuizada ainda na vigência desse 194 BRUM Eliane A Lava Jato como purgação e maldição para refundar a democracia é preciso bem mais do que combater a corrupção é preciso produzir justiça e memória dos crimes contra a vida humana cometidos pelo Estado Coluna veiculada na edição digital do jornal El País em 26062017 Disponível em httpsbrasilelpais combrasil20170626opinion1498488947331660html Acessado em 18042018 243 Código a Ação de Reintegração de Posse integra o rol das Ações Possessórias no Livro dos Procedimentos Especiais arts 924 ao 928 Trecho normativo con cebido exclusivamente para tutelar a defesa do direito privado e digase alheio à realidade dos conflitos fundiários urbanos O Novo CPC nesse aspecto revela maior sensibilidade ao dispor tratamento especial para os casos de ação possessó ria em que figure no polo passivo grande número de pessoas assegurando por exemplo citação pessoal e intimação do MP e Defensoria Pública para compor o processo nos casos em que houver pessoas em situação de hipossuficiência econô mica art 554 1 além de dispor que deve haver audiência de mediação como condicionante legal para o prosseguimento do processo de reintegração O processo da ocupação Lanceiros Negros é emblemático porque revela a forma como o Estado enquanto não garantidor de direitos fundamentais trata as demandas habitacionais como demandas de natureza de Direito Privado A destacar por parte da PGE a opção pela propositura de ação de reintegração de posse E por parte da Justiça Estadual o pronto reconhecimento da hipótese de incidência da reintegração liminar do art 928 do CPC pela qual basta a petição inicial estar devidamente instruída leiase basta provar a posse e o esbulho para o juiz deferir sem possibilitar ouvir a narrativa das populações definidas proces sualmente como o réu a expedição do mandado liminar de reintegração Essa es tratégia discursiva dos órgão judiciais são muito além de um mero reducionismo é uma forma de supressão de narrativa como forma de governamentalidade bio política que impede o devido debate de questões constitucionais que poderiam dirimir demandas sociais habitacionais A questão que se apresenta é a seguinte considerando o contexto de notó ria omissão do Estado em assegurar o acesso universal da população à moradia considerando que o déficit habitacional submete os desprovidos de moradia a uma situação severa de vulnerabilidade em especial em se tratando de pessoas desalojadas dentro do espaço urbano das metrópoles considerando ainda que a Constituição Federal consagra o princípio da função social da propriedade urba na art 182 2º pode o Estado pela via da ação reintegratória de posse desa lojar pessoas ocupantes de prédio público ao qual não é conferido qualquer uso sem ao menos assegurar a realocação destas pessoas em habitações que preen cham os padrões básicos da garantia da dignidade humana Eis questionamentos da narrativa vencida que não foi ouvida pela instância judicial A repercussão geral da matéria é flagrante tendo em vista que o pleito por acesso à moradia está presente em todos os entes federados havendo a constante repetição de casos semelhantes em que a reintegração de posse dos bens imóveis urbanos do Estado frequentemente desconsidera i a análise da inexistência de efetiva destinação social destes imóveis como fator determinante da ocupação por pessoas desprovidas de habitação ii a possibilidade de se conferir ao imóvel 244 sem uso destinação voltada às políticas de garantia do acesso à moradia dentro do contexto social de ocupação como forma de provocação do Estado a suprir omissão de garantia de habitação às pessoas que não são alcançadascontempla das pelos programas tradicionais de financiamento de moradia ou que se encon tram em situação de miserabilidade que inviabiliza a vinculaçãoquitação destes programas de financiamento iii o dever do Estado de assegurar previamente ao ato reintegratório a realocação das famílias desalojadas em habitações dignas para sua subsistência básica Ao proceder dessa forma o judiciário opera como dispositivo de controle biopolítico e não mais como lugar de solução de confli tos nem de cumprimento de normas constitucionais tão pouco como órgão de promoção de justiça e de democracia Portanto mesmo estando presentes elementos suficientes ao acolhimento do litígio no espaço do Direito Público e mesmo após três décadas de vigência do regime constitucional do Estado Democrático de Direito persiste a judiciali zação dos conflitos fundiários urbanos sob a lógica restrita do direito privado E a perpetuação dessa lógica não se dá ao acaso por isso que s aponta as estratégias biopolíticas de supressão de narrativa das populações vencidas como lógica de governamentalidade dos corpos A guerra contra as populações continua FOU CAULT 2010 p7374 a ser travada nos territórios urbanos o judiciário é um dos campos de batalha em que se tornam legais os atos contra a população Os juízes podem estar divergindo entre si mas por enquanto as políticas autocráticas e segregacionistas ainda prevalecem na democracia brasileira do século XXI Proposta a ação reintegratória pelo Estado em nenhum momento o Ju diciário se dispôs a acolher sequer a discussão sobre o cabimento de uma ação dessa natureza para tratar de uma questão cujo cerne é o direito fundamental à moradia as políticas públicas a ele associadas e em última instância a omissão do Estado enquanto garantidor do acesso universal à habitação Não há nas deci sões proferidas tanto na primeira quanto na segunda instância qualquer determi nação ou encaminhamento relacionado à judicialização da questão habitacional enquanto tema de direito público SIMON 2007 Mesmo no CEJUSC ambiente teoricamente voltado à conciliação dos li tígios atuando sob regime de exceção voltado à conciliação nos processos que tratem de conflitos fundiários urbanos houve uma abordagem restritiva do pro cesso buscando apenas a forma mais ágil de se proceder à desocupação O Judi ciário apresenta às ocupações um espaço de nãoacolhimento de supressão de narrativa um corredor polonês no qual as pessoas são reprimidas e lançadas ao desalojamento como único fim possível Para que regressem às periferias de onde jamais deveriam ter saído Assistir às audiências conciliatórias do CEJUSC é em essência uma aula de sociologia da opressão de como o Estado instrumen taliza o Direito como arma de seu Poder Policial de manutenção dos excluídos 245 na sua condição de nãocidadãos apátridas desterrados nas periferias de nossas metrópoles Sobre a responsabilidade do Poder Judiciário no agravamento da desigualdade social brasileira cabe referir a seguinte análise feita por Luís Felipe Miguel professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Em seu conjunto o Poder Judiciário atua como avalista da desigualdade e das relações vigentes de dominação o que corresponde aliás à posição do direito como código da violência pú blica organizada como escreveu Poulantzas O que chama atenção do Brasil é que o Judiciário ocupa a posição de ponta de lança da luta de classes cumprindo papel crucial na produção aplicação e em particular legitimação das medidas que implicam retrocessos para a classe trabalhadora e outros grupos em posição su balterna O que permitiu isso foram mudanças ocorridas nas últimas décadas e saudadas em geral como avanços Desde a promulgação da Constituição de 1988 observadores da política brasileira têm falado do crescente protagonismo do Poder Judiciário A Carta constitucional garantiu prerrogativas estendidas e propiciou mudanças de comportamento dos agentes levando aos fenômenos pa ralelos da judicialização da política que faz as disputas passarem a ser resolvidas nos tribunais e do ativismo judiciário pelo qual o poder relativiza sua caracterização tradicional como iner te avoca a si a iniciativa da ação e toma decisões que seriam do Legislativo ou do Executivo Outra inovação da Constituição foi a enorme ampliação do âmbito de atuação do Ministério Público órgão vinculado ao Poder Executivo mas que cumpre funções judiciárias O papel do Judiciário na canalização das disputas e a crença disseminada de que os tribunais são capazes em algum grau de aplicar a lei tal como ela está formulada fazem nascer uma sensação de abandono quando deparamos com uma situação de arbitrariedade judicial indis farçada A quem vamos recorrer quando até a Justiça é injusta É a realidade de um país que passou de uma democracia formal limitada para uma democracia menos que formal cujas instituições não se preocupam mais em disfarçar sua tendenciosidade em favor dos poderosos Como instituição política que é o Poder Judiciário é sensível à correlação de forças na socieda de É a resistência contra os retrocessos o aumento na mobilização social o protesto contra as arbitrariedades e a desobediência civil que podem restaurar o funcionamento mínimo de uma justiça burguesa que ainda que sem perder o qualificativo burguesa possa aspirar ao nome de justiça195 Sob essa conjuntura o sistema de justiça resiste em acolher os conflitos fundiários urbanos no campo do direito público Algo necessário para que se dê efetividade à tutela do Estatuto das Cidades e demais normativas relativas ao campo do direito habitacional garantindo às ocupações sua legitimação enquan to atos reivindicatórios promovidos por cidadãos em estado de vulnerabilidade habitacional com propósito de obter do Estado a efetivação das políticas públicas indispensáveis ao direito fundamental à moradia Embora a Judicialização não se preste a substituir a luta política sua atu ação complementar é de grande importância para a concretização das pautas so 195 MIGUEL Luis Felipe Poder Judiciário a ponta de lança da luta de classes Le Monde Diplomatique Brasil Ano 11 número 128 março de 2018 Pág 45 Disponível em httpsdiplomatiqueorgbrpoderjudiciariopontade lancadalutadeclasses Acessado em 18042018 246 ciais O direito como espaço de cobrança do povo frente ao Estado em lugar do direito como mero mantenedor do status quo de opressão e do Estado policial eis o desafio que se põe às assessorias jurídicas dos movimentos sociais CANO TILHO 2010SIMON 2007 No contexto temporal atual especificamente de enfraquecimento dos espaços institucionais que tradicionalmente acolhiam as pautas sociais sindicatos partidos políticos de esquerda e entidades pastorais de base da Igreja Católica ressurge o protagonismo dos movimentos sociais concebidos em torno de pautas específicas E o desafio da legitimação destes mo vimentos enquanto instituições representativas dos excluídosSANTOS 2002 onde a ocupação social dos espaços é o instrumento reivindicatório possível não podendo ser caracterizado como esbulho possessório a legitimar a reintegração de posse sob pena de se conferir à ação reintegratória uma finalidade inibitória do exercício do direito político de reivindicação hipótese jamais prevista na norma processual que regulamenta referido instrumento No caso da ocupação Lanceiros Negros há a convergência de pessoasfa mílias em estado de vulnerabilidade habitacional em torno do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas MLB enquanto entidade que se propõe a de fender a cobrança de políticas públicas que assegurem a universalização do acesso à moradia digna na região metropolitana de Porto Alegre Sobre essa questão cumpre referir importante decisão proferida no processo que opôs o Departa mento Municipal de Habitação de Porto Alegre DEMHAB e alguns dos prin cipais movimentos por moradia que atuam na cidade Uma ação de reintegração de posse ironicamente196 proposta pelo órgão encarregado de cuidar das políticas públicas de habitação contra as organizações coletivas que ocuparam sua sede administrativa a fim de pressionarem pela acolhida das pautas de enfrentamento da estagnação e precarização dos programas habitacionais de responsabilidade do município Decisão proferida pela Juíza Karla Aveline de Oliveira da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre processo n 00111600924787 demonstra que o judiciário brasileiro tem total clareza da discussão que envolve esse conflito e mais importante a denúncia de que o ju diciário tem se portado como dispositivo de controle não decorre da postura da totalidade dos magistrados197 Do pedido liminar Da leitura fria e isolada do artigo 561 do NCPC de início poderseia concluir pelo deferimento do pedido liminar afinal constituise fato incontroverso que a au 196 Apear da ironia dada a essa realidade fica evidente que o DEMHAB integra às estruturas de controle populacio nal ao subverter a sua finalidade declarada evidencia seu propósito biopolítico que é catalogar e identificar as populações dissidentes a serem perseguidas pelo poder de polícia e pelos órgãos judiciais 197 Aqui delongase a examinar a decisão pois esta é de extrema relevância para o tema em questão visto que possibilita demonstrar que a crítica que aqui se imputa ao judiciário não é generalista mas voltada aos órgãos e magistrados que trabalham contra as demandas sociais habitacionais e afastam as reflexões sobre a responsabili dade Estatal e os direitos constitucionais desses debates judiciais 247 tarquia detém a posse e propriedade do bem imóvel Ademais como dito traduzse em fato público e notório que diversos movimentos sociais ocupam o saguão do imóvel em questão desde o dia 14072016 Contudo tenho que sob a simplista ótica processual deduzida na peça inicial não se pode visualizar por completo o fenômeno que se apresenta Repito os movimentos sociais não têm qualquer intenção explícita ou fugidia de se apossar do bem público sede da autarquia autora Na verdade o ajuizamento da presente ação possessória ainda que se trate de mecanismo processual colocado à disposição da autora para a proteção dos seus alegados direitos apresenta um falso problema pois desde o início jamais se tratou de simples questão possessória198 Desse ponto de vista o aforamento da presente ação assinala antes de mais nada a dificuldade que a autarquia apresenta de lidar com as questões que lhe são afetas ultrapassando etapas salutares e construtivas de aproximação empatia e flexibilização de postura na medida em que ao ajuizar a presente ação menos de vinte e quatro horas da ocupa ção deixou de aproveitar a oportunidade de construir espaço de diálogo e entendimento com parcela significativa da sociedade Como resta evidente os movimentos almejaram criar um fato político tendente a chamar a atenção do Município para direito coletivo não o direito de determinada família ou indivíduo mas de toda a coletividade de cidadãos pobres marginaliza dos e invisíveis A intenção sempre foi a de ampliar a visão sobre aqueles que não são atendidos adequadamente pelas políticas públicas municipais na área da habitação199 Com idêntico olhar no sentido de que singelo pedido de reintegração de posse em ação posses sória está absolutamente divorciado do real conflito existente por trás das ocupações transcrevo trecho de recente declaração de voto vencedor nº 31637 da lavra do Revisor Magalhães Cou to por ocasião do julgamento do AI nº22432322520158260000 comarca de São Paulo TJSP em que se negou a concessão de ordem de reintegração de posse nas escolas públicas do Estado de São Paulo ocupadas por estudantes secundaristas em arremate a questão não pode ser resolvida pela judicialização na via possessória mas pelos canais institucionais próprios ao diálogo entre as diversas visões do problema próprios aliás daqueles envolvidos na relevante política pública da educação Aliás é preciso ter coragem de se dizer que o ajuizamento dessa ação além de sua evidente impropriedade técnica consti tuise verdadeira irresponsabilidade e irracionalidade porque não se resolve com repressão um legítimo movimento de professores e alunos Não será portanto com essa postura de crimi nalizar e Satanizar os movimentos sociais e reivindicatórios legítimos que o Estado Brasileiro alcançará os valores abrigados na Constituição Federal a saber a construção de uma sociedade justa ética e pluralista no qual a igualdade entre os homens e a dignidade de todos os cidadãos deixe se ser uma retórica vazia para se concretizar plenamente200 Tratandose de conflito natural em um estado democrático onde de um lado temse a autar quia proprietária e possuidora do bem e de outro inúmeras famílias e movimentos sociais insatisfeitos com a ausência de políticas habitacionais para a população de baixa renda cumpre ao juiz exercer sua função jurisdicional visando otimizar esses direitos e garantindo um espaço que proporcione o debate democrático a respeito dessas carências e das obrigações do Municí pio frente às demandas e a ordem constitucional A Ocupação não quer se apropriar do bem público A Ocupação quer ter voz e vez O direito à moradia vem sendo reconhecido como um direito humano fundamental desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos artigo XXV passando pelos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econô 198 Aqui a magistrada demonstra claramente compreender a existências de duas diferentes narrativas uma autoritária vinda do Estado Policial e outra proveniente de uma demanda social de população vulnerável 199 O discurso da magistrada vai muito além da sensibilização com causas sociais denuncia a omissão estatal em dialogar com a população e adotar postura vertical sobre a problemática social de maneira o conflito possa ser agravado devida a essa forma de atuação 200 Mais uma vez aquele que representa em carne o poder judiciário mostra não estar sozinho em defender a consti tuição a democracia e a vida diante aos conflitos urbanos e aponta jurisprudência absolutamente pertinente para atacar o dogmatismo policialesco 248 micos Sociais e Culturais instituídos pelas Nações Unidas em 1966 e com entrada em vigor em 1976 respectivas ratificações através do Decreto nº 592 de 06 de julho de 1992 e Decreto nº 591 da mesma data Ainda restou expressamente consignado na Constituição da Repúbli ca caput do art 6º que São direitos sociais a educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o transporte o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados na forma desta Constituição Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90 de 2015 E nesse sentido impõese reconhecer a legitimidade dos movimentos populares que repre sentam as pessoas de baixa renda sem acesso à moradia Sabese que cumpre ao município de Porto Alegre em razão da obrigação constitucional dos entes municipais de executar política de desenvolvimento urbano destinada a ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes CF art 182 caput a execução da política urbana com amparo no Estatuto da cidade Lei nº 102572001 entre outras Assim do quadro que se percebe destes autos a omissão da autarquia é que está sendo denunciada e publicizada através da Ocupação201 O Estado brasileiro em todas as instâncias de poder deve estar comprometido com a adoção de medidas que visem assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno exercício dos direitos por ele reconhecidos razão pela qual constitui obrigação a construção de uma legislação instrumentos programas e planos de ação sobre política habitacional de modo a garantir efetivamente esse direito para todos os cidadãos brasileiros Por evidente ressalta NELSON SAULE JÚNIOR essa obrigação não significa que o Estado brasileiro deve prover uma moradia para cada cidadão mas sim que fundamentalmente deve impedir a regressivi dade do direito à moradia impedindo ações e medidas que dificultem ou impossibilitem o exercício desse direito e ainda intervir e regulamentar as atividades do setor privado referen te a política habitacional como a regulamentação do uso e acesso à propriedade imobiliária em especial a urbana de modo que atenda sua função social regulamentar o mercado de terra dispor sobre sistemas de financiamento de habitação de interesse social regulamentar e dispor sobre o uso do solo urbano sobre o direito de construir dispor sobre instrumentos tributários dispor sobre os regimes de locação de concessão de uso para fins de moradia como forma de garantir o acesso de todos ao mercado habitacional em especial para aqueles que não tem esse acesso e aos que vivem em condições precárias de habitabilidade sem uma vida digna Como subscritor de vários dessas convenções e declarações tendo ainda ratificado os pactos acima indicados e consequentemente introduzindo na nossa ordem jurídica o direito à mo radia antes mesmo da Emenda Constitucional nº 26 de 14 de fevereiro de 2000 compete ao Estado em todas as suas expressões de poder a adoção de medidas concretas para sua implementação Portanto patente a responsabilidade do município de Porto Alegre o qual pode recorrer ao parcelamento edificação ou utilização compulsórios da propriedade urbana Estatuto da Cidade art 5º conta com instrumentos tributários para sua implementação art 7º e pode desapropriar em nome da política urbana art 8º e por interesse social Por tudo isso diante das variadas demandas dos movimentos sociais que ocuparam o saguão da sede da autarquia tenho por qualificar o movimento dos ocupantes como manifestação de desobediência civil202 que nas palavras de Antônio Carlos Wolkmer pode ser conceituado como um ato de protesto público e não violento um modo de resistência pacífica à injustiça das leis e das decisões do EstadoWOLKMER 1990 E de fato a ocupação aconteceu de forma pacífica e pública com o objetivo de sensibilizar e angariar apoio dos mais diversos setores da sociedade aliás várias entidades e associações assim 201 Observase que nesta decisão a julgadora compreende claramente a inversão de papel que a autarquia realiza ao oprimir aqueles que deveria acolher 202 A magistrada reconhece diretamente a narrativa emitida pelos movimentos sociais em denunciar a opressão Estatal 249 já procederam Ainda a ocupação se deu modo voluntário com plena consciência de que o ato é correto e justo justificando sua ação por uma incompatibilidade que existe entre a lei que questiona e suas convicções políticomorais e pacífico A desobediênciacivil por sua própria definição implica a particularidade de certos requisitos a urgência da situação objetivada a imperiosidade de dar a conhecer pontos de vista arbitrariamente relegados opressão das mi norias violações constitucionais por parte dos órgãos estatais etc Em razão disso é de reconhecer que o direito de reivindicar o atendimento e realização de direito fundamental à moradia estabelecido pela Constituição da República que em última análise é no que se traduz a Ocupação do DEMAHB situase no campo dos direitos de cida dania e pois constituise em atividade legítima Não se trata contudo de antecipadamente reconhecer sempre a justeza dessas condutasmas de reinterpretálas e contextualizálas compreendendo o campo do direito também como um espaço de conflitos onde reivindica ções sociais podem ser debatidas e decididas à luz de critérios jurídicos que não se resumem à lei Assim em razão de todo o exposto indefiro pedido de reintegração de posse Ainda que encarnando a mobilização pela via da desobediência civil os movimentos sociais devem ser reconhecidos e incorporados ao ordenamento ju rídico enquanto instituições representativas do exercício da cidadania ativa por quem de algum modo esteja submetido à condição de vulnerabilidade preca riedade ou marginalização no que diz respeito ao acesso ao pleno exercício dos direitos fundamentais O espaço de cobrança dos excluídos de resistência pela democracia pela vida e por poder viver no espaço urbano Tratase basicamente de dar liberdade ao povo para colaborar na construção das instituições que em conjunto dão forma àquilo que pretende ser um Estado Democrático de Direito O intuito de se trazer a íntegra do discurso da magistrada não é de lecionar mas de evidenciar o fluxo discursivo pródemocracia próconstituição e em defe sa da vida que existe no judiciário brasileiro Por isso a principal denúncia que se faz nesse estudo não é de que o judiciário brasileiro é autoritário mas que apesar do autoritarismo que ainda reside nos órgãos julgadores o fluxo das narrativas democráticas plurais e constitucionais está acontecendo Apesar dos discursos biopolíticos subverterem as instituições para manter o controle dos territórios e populações com a hegemonia das narrativas jurisprudenciais dogmatistas e poli cialescas as narrativas dos vencidos e segregados nos núcleos urbanos brasileiros têm se acumulado nas jurisprudências atuais Pois são três décadas de democra cia em um país que o autoritarismo marcou violentamente toda a sua formação histórica e o advento da constituição de 88 não foi o suficiente para alterar os discursos presente nos órgãos judiciais Ao encerrar esse texto sobre a atuação do judiciário e órgãos estatais sobre o caso da Ocupação Lanceiros Negros é importante lembrar que se apresentam críticas generalistas de que todos aqueles que atuam nessas instâncias agem con tra as normativas constitucionais e oprimem essas populações Pelo contrário ficou demonstrado como os discursos biopolíticos de opressão proveniente de desembargadores magistrados e demais órgãos Estatais são controversos e que inclusive é refutado dentro do próprio judiciário por aqueles que compreendem 250 as teorias democráticas de gerenciamento de espaço urbano e da importância de uma atuação copartícipe por parte do Estado conjuntamente com as populações segregadas Dessa forma a discussão do caso da Ocupação Lanceiros Negros pos sibilita repensar as narrativas que transitam na prática da epistemologia jurídica brasileira REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Homo sacer o poder soberano e a vida nua v 1 Belo Horizonte UFMG 2002 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional como ciência de direcção núcleo essencial de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade contriguto para a reabili tação da força normativa da constituição social In CANOTILHO J J Direitos fundamen tais sociais São Paulo Saraiva 2010 CAPONI Sandra Michel Foucault desdobramentos Org NALLI Marcos MANSANO Sonia Regina Vargas Belo Horizonte Autêntica Editora 2016 COMARU Francisco Em defesa da habitação social nas áreas centrais Le Monde Diploma tique Brasil ano 6 nº 62 setembro de 2012 CHIGNOLA Sandro Foucault oltre Foucault una política della filosofia Roma DeriveA pprodi 2014 DARDOT Pierre LAVAL Christian Comum ensaio sobre a revolução no século XXI São Paulo Boitempo 2017 DELEUZE Gilles Foucault São Paulo Brasiliense 1998 FRANCO DE SÁ Alexandre Metamorfose do Poder prolegómenos schmittianos a toda a sociedade futura Coimbra Ariadne Editorial 2004 p 41 FOUCAULT Michel É preciso defender a sociedade Curso no Collège de France 1975 1976 Tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira Lisboa Livros do Brasil 2006 História da sexualidade Volume I vontade de saber 13ª Ed Rio de Janeiro Graal 1988 Sociedade punitiva São Paulo Martins Fontes 2002 Segurança Território e População São Paulo Martins Fontes 2008 LEFÈBVRE Henry La presencia y la ausencia Contribucion a la Teoria de las Representacio nes Cidade do México Fondo de Cultura Econômica 1983 O direito à cidade São Paulo Editora Moraes 1991 MBEMBE Achille Necropolítica Sobre el gobierno privado indirecto Santa Cruz de Tene rife Melusina 2011 Necropolítica São Paulo N1 2018 MIGUEL Luis Felipe Poder Judiciário a ponta de lança da luta de classes Le Monde Di plomatique Brasil Ano 11 número 128 março de 2018 Pág 45 Disponível em https diplomatiqueorgbrpoderjudiciariopontadelancadalutadeclasses Acessado em 1804 2018 ROLNIK Raquel O que é cidade São Paulo brasiliense 2004 SANTOS Boaventura de Sousa AVRITZER Leonardo Introdução para ampliar o cânone democrático In SANTOS Boaventura de Sousa Democratizar a democracia os caminhos da democracia participativa Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 251 SIMON Jonathan Governing Through Crime how the war on crime transformed American Democracy and created a Culture oh fear Oxford Oxford University press 2007 SPÓSITO Maria Encarnação Capitalismo e urbanização São Paulo Contexto 2000 Multipolicentralidade urbana Presidente Prudente UNESPGASPERR 1996 SPÓSITO Roberto Bios biopolítica e filosofia Lisboa Edições 70 2010 WEIZMAN Eyal Hollow Land London New Left Books 2007 WOLKMER Antônio Carlos Desobediência civil nas sociedades democráticas Revista Sequ ência estudos jurídicos e políticos v11 n20 1990 252 ENTRE VITIMIZAÇÃO OPRESSIVA E JUSTIÇA EMANCIPATÓRIA ARTICULAÇÕES ENTRE FEMINISMO E JUSTIÇA CRIMINAL203 Ileana Arduino204 CENA PUNITIVA A reflexão sobre a associação entre feminismo e punitivismo deve ser co locada em relação ao contexto mais amplo da questão de segurança com a nova racionalidade política dominante A expressão Governing through crime livremente traduzida como go vernando através do crime cunhada por Jonathan Simon 2011 resulta útil para pensar essa articulação como uma expressão concreta em que os discursos as subjetividades as técnicas de governo estão regidas pela lógica da segurança e da regulação do crime Assim categorias como penalidades garantismo resso cialização segurança junto com debates em torno da figura de juízes e discussões encaixadas no binômio vítimasvitimizadores desbordam os domínios habituais do campo jurídico Se governa com o controle do crime e da quimera do risco zero como epicentro se regulariza a intervenção penal diante as formas mais dis similares de conflito social Não se trata de ampliação da discussão pública avançando sobre domínios do conhecimento que como o jurídicojudicial estão geralmente nas mãos das corporações especializada A discussão diante de formas cada vez mais diversifi cadas de conflito social é enquadrada em uma cena prémoderna e reacionária em que a intervenção punitiva não é colocada em discussão todo conflito é reduzido a uma expressão criminosa é normalizado que vivemos cercados de cri mes e ao mesmo tempo opera a ilusão da ordem agora impelida por um outro perigoso aumentando o crescimento de uma divisão social e cultural entre nós 203 Texto original em espanhol intitulado Entre la victimización opresiva y la justicia emancipatoria Articulaciones entre feminismo y justicia penal publicado no livro de Nijensohn Malena Lorey Isabell Cano Virginia Minici Florencia Arduino Ileana Los feminismos ante el neoliberalismo Ediciones la Cebra Latfem 2018 Pág 5162 tradução para o português feita por Fernanda Martins 204 Ileana Arduino é argentina advogada com orientação em direito penal UBA coordenadora do grupo de traba lho Feminismos e Justiça Penal do INECIP Mestre na Becs Cosecha Roja para jornalistas e editores da América Latina no módulo sobre violência de gênero e crimes de ódio 253 e eles juntamente com os novos níveis de medo e insegurança que causaram a muitos a por favor o ressurgimento de um poder estatal mais repressivo Gar land 2005 p 196ss A concepção do Século XIX de que a intervenção repressiva somente é legítima na medida em que se trate de um recurso excepcional perdeu sentido atualmente a legitimação vem do reconhecimento da condição de vítimacujos contornos se delineiam em oposição à condição de vitimários Exemplos co muns como estar com as vítimas ou com os criminosos ou a aprovação de leis com nomes de vítimas são exemplos desses efeitos Simon sobre o assunto afirma 2011 p 153 Somos vítimas do crime Nós somos os entes queridos das vítimas do crime Em primeiro lugar somos nós que vivemos com medo de sermos vitimados pelo crime dos nossos entes queridos Embora não seja a identidade em que a maioria de nós se reconhece nossas práticas sociais e o modo como nossos legisladores elaboram leis são testemunhas disso Ao promulgar leis que im plícita e cada vez mais vezes explicitamente nos consagram como vítimas reais e potenciais os legisladores definiram a vítima do crime como o sujeito político idealizado o sujeito modelo cujas circunstâncias e experiências eles se tornaram sinônimo do bem comum Nesse sentido a reflexão sobre o par feminismopunitivismo e suas rela ções deve ser considerada reconhecendo a amplitude do contexto para não cair no deslize de reduzir o problema ao surgimento de demandas feministas ou na redução do feminismo a expressões punitivas quase colocálos em relação sinô nima Desde o feminismo tal como ocorreu com a lucidez esclarecedora no fe minismo afro que se consubstanciou com as reivindicações abolicionistas ad vindas das lutas antirracistas Davis 2005 e Hooks 2004 pp 4950 resulta importante compreender e posicionarse melhor frente às instrumentalizações das demandas contra a violência de gênero a serviço da expansão do aparelho de persecução criminal O GARANTISMO CÚMPLICE Existem certas versões do garantismo que forçam a objeção punitivista sob um sistema de interpretações que desmerecem as demandas mais elementares de justiça e confundem reivindicações de eficácia com inflação penal Ao mesmo tempo costumam invocar argumentos subalternizantes como os da ingenuida de daquelas dispostas como devotas irracionais frente ao sistema de justiça mas nunca como atrizes lúcidas ao assumir taticamente a reivindicação de uma ferra menta hierárquica de conflitos como é o sistema de justiça criminal Esse tratamento das pautas por direitos diante dos casos de violência de gênero desde as mais diversas gravidades é possível quando o campo judicial co 254 loca as partes em posições de suposta simetria negando a existência das múltiplas hierarquias concorrendo sobre os corpos entre as quais o sistema sexogênero ocupa um lugar fundamental Aí as noções dogmáticas de neutralidade e igual dade cumprem o papel de ficções jurídicas que encobrem violências Tratase de invocações do sistema de garantias que contradizendo inclusi ve seu pressuposto básico garantir limites frente ao abuso de poder Ferrajoli 1999 resultam produtoras dessa impunidade seletiva bebendo da tradição não tão distante de considerar a violência interpessoal como um assunto privado de menor envergadura e encobrir opressões legais baseadas no gênero A tarefa se completa com a presciência de toda epistemologia feminista e o desconheci mento sobre os aportes do feminismo em geral com efeitos muito específicos na maneira de visibilizar e compreender A insistência da dogmática jurídica em ignorar os estudos feministas Laur rari 2007 p 77 ss conduz a que situações ressignificadas e redefinidas sob o en tendimento da opressão de gênero e a desnaturalização do que até recentemente era normal continuam a ser negadas como formas relevantes de violência justo por parte do sistema de justiça auxiliado pelas produções acadêmicas205 A crítica que se desdobra em relação ao feminismo quando se encapsula nos confins do punitivismo e se reduz ao fenômeno da inflação penal convive com a indiferença absoluta ao funcionamento concreto dos sistemas de justiça que quando se trata de direitos em que a condição de gênero é relevante operam protegendo o que temos chamado de impunidade seletiva Por outro lado geralmente não há nenhum acompanhamento da justiça garantista quando aquelas que caem no sistema de justiça criminal são as mulhe res em posição de vitimárias Com efeito assim como a neutralidade e a igual dade são invocadas quando elas denunciam para erradicar qualquer dimensão epistemológica que permita ver os conflitos penais sob a perspectiva de gênero quando são denunciadas acontece exatamente o mesmo sistemas penais mais ensaiados frente ao desafio dos estereótipos e nenhuma invocação garantista para acompanhar judicialmente as lutas abolicionistas provenientes do feminismo a criminalização do aborto e o lugar marginal que a questão ocupa na reflexão garantista é um exemplo eloquente 205 Um exemplo dessa relação de indiferença total é fornecido por uma referência de criminologia local quando convidado a comentar sobre um marido espancando sua parceira Eu não acredito que seja uma relação linear vítimavitimário mas um relacionamento muito mais complexo Também não faz sentido remover transitoria mente o marido do lar com o qual além disso ele é estigmatizado Estamos transferindo um conflito pessoal cheio de vínculos e sentimentos para o quadro estigmatizante do crime Estamos convertendo o comportamento de alguém que espancou sua esposa que é algo feio agressivo e desagradável em comportamento crimino soVirgolini 2005 p 254ff O reflexo de Virgolini ignora que no momento em que ele escreveu que o crime de lesão já tinha sido 84 anos previsto no Código Penal 255 CONSTRUIR VÍTIMAS MASCARAR A OPRESSÃO A resposta penal como única intervenção além de ser quase sempre poste rior às violências cujas consequências já foram produzidas é sempre uma inter venção com consequências confortáveis na cena neoliberal na qual a precariedade é instrumental o desejo de segurança individual se mantém de maneira espe cífica e tende a se afirmar em vez de questionar as demandas de autoproteção preventiva e individualista da autoimunização na precarização Lorey 2016 p 96 A crença da responsabilidade individual segundo a qual cada um responde por suas ações e pela extensão de suas capacidades legalmente padronizadas atra vés do homem médio ainda quando constitua uma resposta eficaz considera da caso a caso entendendo por eficaz a sanção em si mesma não diz nada sobre as condições estruturais e coletivas em que esses fatos se produzem A intervenção caso a caso junto com o viés da seletividade penal206alimentam a falsa ideia de que as violências de gênero são atos excepcionais cuja ocorrência se explica pe las patologias que exibem aqueles autores que excepcionalmente são detectados quando não pelas desatenções da vítima culpável ou incauta Madriz 1996 Temos então fatos desviantes aberrantes que através da judicialização obturam a compreensão do fato individual como um sintoma ou emergente de um estado de relações percorrido por hierarquias muito específicas Segato 2003 O dispositivo legal é encapsulado em categorias normativas violência homicídio femicídio fatos sociais E a intervenção limitada à racionalização jurídicojudicial costuma desconectar ou interromper os diálogos que promovem interpelações que ultrapassam a relação vítimavitimário pois como um ato é reconhecido como crime e reduzido à sua conotação legal perde reconhecimento como um conflito social coletivo que é expresso em uma série de relações de po der assimétricas Num sentido mais amplo um ato policial nunca é um mero fato Em uma sociedade em movimento o ato policial é um epicentro Jablonka 2017 p11 Não se trata de limitar a discussão para dar uma resposta afirmativa ou negativa à questão das sanções individuais mas para destacar que o retorno es tritamente punitivo é funcional para a opacidade de todos os quadros e assime trias que sustentar conflitos incluindo aqueles que a lei então reduz à lógica da infração 206 Por seletividade criminal entendese a lacuna existente entre os fatos fornecidos como crimes na lei e os fatos especificamente conhecidos nos quais a lei é efetivamente aplicada É um processo complexo em que operam muitos fatores de seletividade incluindo a operação de hierarquias com base no gênero por meio dos quais casos de violência de gênero são desconsiderados como legalmente relevantes 256 Por outro lado a resposta punitiva desliza confortavelmente quando di rigida a determinados réus mas tem que lidar com todos os tipos de dificulda des quando quem é selecionado ostenta capitais de distintas ordens diante da acusação Essa mesma falta de antecedentes criminais quando o réu se sustenta em outros privilégios é usada para reforçar a retórica do bom homem oprimi do do excesso eou do surto excepcional que se constroem exaltando etiquetas tutelares como a condição de classe caráter profissional a etiqueta do bom pai da família e da opinião favorável da comunidade Essa tarefa geralmente reforça objeções às credenciais que a suposta vítima exibe para ser reconhecida como tal Estes dias quando se obteve conhecimento do caso do estupro seguido de morte de uma menina de 11 anos na cidade de Junín província de Buenos Aires o que se tornou a principal notícia foi a ausência de registro criminal anterior do acusado Isso produziu um hiato explicativo que discursivamente começou a ser preenchido com outros atributos do acusado aqueles que derivam de sua posi ção marginal Nesse cenário o surgimento de demagogias punitivas diminuiu talvez porque o lombrosianismo habitual não pudesse ser implantado embora saibamos há muito que na prisão são identificados apenas os psicopatas os estupradores em série que mutilam bucetas com cacos de vidro ou pedófilos que atacam meninas jovens Porque os condenam o estupro Mas isso que eles prati cam isso é outra coisa sempreDespentes 2016 p30 A condição de reincidente oferece conveniência discursiva um guia de leitura que embora pudesse estar lá iluminando o fracasso estrutural de inter venções punitivas materializadas em um recinto com certas características supera o aparente fracasso para se tornar um pilar explicativo do próximo crime e do recrudecimento punitivo que virá na sequência O punitivismo é cômodo também com a versão da vítima exigida pelo pa triarcado aquela que com a sua conduta moral e social tenta e sem extrapolar os riscos que o regime de status em razão de gênero consente pode acreditar que de nenhuma maneira colabora com o fato vítimas fracas e vulneráveis Há aí tam bém um script a responder porque se realmente não quiséssemos ser estupradas teríamos preferido morrer ou teríamos conseguido matálos se as vítimas saem do ataque vivas é porque o estupro não as enojou tanto assim Despentes 2016 29 A centralidade do consentimento como um elemento cuja ausência é uma evidência fundamental para provar ofensas sexuais uma exigência que não se apresenta em nenhum outro delito implica para as vítimas uma exibição pro batória que excede em muito as circunstâncias do caso específico e traduz para 257 além dos esforços processuais para limitálo207 em uma revisão exaustiva de suas biografias porque a sobrevivência é sempre uma abertura de suspeita ao compor tamento da vítima Faz alguns dias Rachel Denhollander a jovem advogada que liderou o caso que conduziu à condenação em Michigan de Larry Nassar por abuso sexual de dezenas de meninas quando ele era o treinador de atletismo para os Jogos Olím picos publicou este testemunho Em 29 de agosto de 2016 quando eu apresentei a primeira queixa judicial contra Larry Nassar por abusar sexualmente de mim quando eu tinha 15 anos e optei por tornar pública a história que detalhava o que ele havia feito parecia como um tiro no escuro Eu me preparei da melhor maneira que pude eu trouxe comigo revistas médicas que explicavam como era um verdadeiro exame do assoalho pélvico levei meu histórico médico tinha em mãos os nomes de três especialistas preparados para testemunhar à polícia que o tratamento de Larry não era médico levei outros registros de uma visita médica que documentava que divulguei meu caso de abuso em 2004 meus diários da época e uma carta do promotor distrital do distrito vizinho que co locava as mãos no fogo por mim Eu estava preocupada que se não tivesse uma documentação muito extensa ninguém acreditaria em mim uma preocupação que mais tarde percebi que estava bem fundamentada Denhollander 2018 A resposta punitiva estatal como única intervenção reconduz o conflito a expressões normativas e individualizadoras o fato se reduz ao inquérito uma questão entre vítima e vitimário enfraquecendo a atenção para outras interpela ções que apontam para as condições coletivas de opressão que precederam esse fato e aqueles que tornaram possível além das biografias daqueles diretamente envolvidos208Assim nos avisa Tamar Pitch A noção de opressão referese a uma condição composta fruto de muitos fatores dos quais apenas alguns poderiam ser teorizados como ações intencionais das quais participam dife rentes tipos de sujeitos A vitimização por outro lado referese a uma situação simples que é o resultado de ações precisas e intencionais que individualizam apenas os atores que são objetos de ações vitimizadoras A categoria de opressão é abrangente denota todos os aspectos da identidade e todas as esferas e modos de ação compreende o passado como história coletiva e identifica os atores que carregam o peso de suas próprias restrições A categoria de vitimização por outro lado traduz a história coletiva em biografia individual Pitch 2003 p 145 Nessa linha e seguindo a distinção de Tamar Breu esse lapso da opres são em relação à vítima é consistente com reações mais ligadas a demandas por 207 Regras como as que estão em vigor nos sistemas de common law que consistem em impedir a investigação da história sexual são ridicularizadas nos fatos mas também regem desde que a vítima não abra a porta Nos casos em que o julgamento de reputação ancestral passa por toda a cena e a credibilidade é a chave para dar peso ao teste essa abertura é frequentemente uma alternativa única para fazer avançar uma acusação O mesmo vale para os chamados testes de credibilidade realizados por vítimas de crimes sexuais 208 A exaustiva investigação de Jablonka do feminicídio de Laëtitia Perrais na noite de 18 a 19 de janeiro de 2011 em Pornic na França é eloquente O autor determinado a contar mais do que sua história como vítima diz que ela não conta apenas para sua morte Sua vida também é importante para nós porque a jovem é um fato social In corpora dois fenômenos maiores que ela a vulnerabilidade das crianças e a violência de gênero Esses dramas nos lembram que vivemos em um mundo onde as mulheres não acabam sendo sujeitos de direitos o destaque me pertence Jablonka 2917 p12 258 proteção reativas de controle do que com transformações típicas de lutas pelo reconhecimento Por último esse deslocamento que o punitivismo assegura permite em seguida mais confortavelmente não só a implementação do aparelho punitivo sobre os setores populares que sempre veem seus corpos priorizados quando se trata de ações repressivas mas os próprios protagonistas que distanciados dos atributos de vítima na medida em que não satisfazem os estereótipos de gênero e acima de tudo quando insistem em denunciar a opressão encontram rapida mente a intervenção criminalizadora sobre elas Alguns exemplos 1 A reação punitiva contra a demanda pela autonomia do corpo e a capa cidade gestante através da criminalização do aborto 2 Execução penal de trabalho sexual autônomo 3 A perseguição seletiva dos corpos femininos empobrecidos que se vol tam para os elos mais escravizados das economias ilegalizadas cuja perseguição declarada está satisfeita com a feminização do aprisionamento feminizado en quanto a estrutura financeira não apenas não intervém mas é cada vez mais dependente do fluxo financeiro proveniente da ilegalidade AGORA NÃO NOS CALAMOS MAIS E DEPOIS Assim como o garantismo quando ignora a perspectiva de gênero confun de demandas muito diversas ao vincular vigorosamente o feminismo ao puni tivismo o punitivismo nos reduz a vítimas ou a vitimários em um movimento reificante que se exaure na dimensão individual e juridicamente capturada do conflito e esconde a matriz opressora que permanece intacta garantindo esferas de injustiça Jablonka 2017 p 365 Nestes tempos a dinâmica da reação popular feminista é reeditada a qual tem motivos de sobra para não esperar nada de um aparato judicial deslegitimado precisamente porque é funcional para a impunidade e sua perpetuidade A explosão de escrachos populares ampliada pelo uso de redes sociais e com a renúncia explícita da intervenção estatal como cúmplice ou ineficaz está crescendo É imparável É desejável que seja É apenas um estágio de um pro cesso de várias reviravoltas que envolve a consciência mobilizada através da luta feminista Essas intervenções chocaram além das áreas mais públicas ou visíveis do show business o campo das organizações sociais e políticas O surgimento de fenômenos como nosotras no nos callamos más209 ou basta de abusos no rock 209 NTnosotras no nos callamos más traduzse para o português como Nós não nos calaremos mais porém o 259 explica a passividade cúmplice e a longa história de subestimação das exigências feministas incluindo uma altíssima tolerância com as formas extremas de violên cia de gênero210 Ali onde coexiste a normalidade violenta misógina com empatias éticas ou políticas que implicam repúdio a outras violências ou subordinações o impacto dos escrachos tem também o poder de escalonar a consistência dos espaços cole tivos que os toleram ou consentem O escracho como tem aparecido diz sobre o denunciado mas diz também sobre as solidariedades misóginas que o tem sustentado Em plena maré feminista a ação em todas as luzes é inevitável e na imensa maioria dos casos as reações se esgotam em um misógino pediu sanidade Assim como achamos intolerável iniciar discussões sobre violações falando sobre o comprimento da saia iniciar o debate com o convite para dócil silêncio ou mo derar o tom daquelas que estão denunciando violências é pura cumplicidade de quem descoberto no lado da cumplicidade voluntária ou não com violência eles postulam uma medida de disfarce até disputar a mesma condição das vítimas No nos callamos más é um grito cada vez mais difundido mas acima de tudo precedido por ações e propostas de intervenção feminista que não gozam do mesmo interesse e atenção que as práticas de escracho ou sinalização cuja vio lência é enfatizada fingindo que se trata de intervenções súbitas desconectadas sem historicidade Aponto essas questões porque a impugnação do mecanismo pelo próprio mecanismo sem contextualizar é funcional ao que chamamos aqui de normalidade violenta Não são os escrachos a condição de produção de novas violências são as violências consentidas por um e já não mais toleradas por outras que o precedem como prática Talvez se esgote na reprovação na descarga de raivas contidas na provoca ção do medo no efeito de alerta Isso é um efeito político desejável para os mo vimentos que lutam contra a opressão É uma prática conjuntural de transição dirigida a quem É em si mesma uma ferramenta dúctil para a transformação ou é limitada a um ou outro para dizer com Jablonka desgaste da imensa me cânica da submissão Responde à lógica do linchamento Concordamos com essa lógica acumulamos com ela Pensamos estratégias contra as contraofensivas conservadoras que vêm sob a invocação de insulto e difamação Como resis timos à transferência para a cena judicial patriarcal A promoção do medo de um escracho sucessivo de apontar para a denúncia ou para a exposição é uma oportunidade para que a semântica da opressão adquira centralidade e rompa o sujeito nós no espanhol nosotras referese especificamente ao gênero feminino 210 Para dizêlo com Despentes Muitos desejam explicar que o combate feminista é secundário um esporte de ricos sem pertinência nem urgência É preciso ser um cretino ou alguém asquerosamente desonesto para consi derar uma opressão insuportável e outra cheia de poesia Despentes 2016 p 22 260 cerco do conflito reduzido ao indivíduo centrado na figura da vítimavitimário Ou ainda está passando por tudo sob a lógica da reificação que de uma maneira ou de outra é construída e opera enquanto construímos sem romper o binarismo vítimas e vitimários O feminismo permite enfocar e calibrar uma visão genealógica cada vez mais fina e sensível um escaneamento contra o qual parece não haver volta que leva muito a sério sacudir o que foi naturalizado e encobriu sua visibilidade entre outras coisas pela imposição das mil e uma formas de silêncio Se aquele si no hay justicia hay escrachese não há justiça há escracho for entendido como a inexorável deriva que leva à impunidade anterior o nós não calamos também deve ser entendido até mesmo para desativar seus aspectos mais polêmicos não como consequência da decisão unilateral pessoal e depois abraçadas coletivamente ao contar em primeira pessoa situações de violência que são constitutivas de toda a experiência feminina mas como um produto de tole rância transbordante diante das mais diversas cenas de impunidade que é o que realmente se denuncia Assim as questões não são tanto relacionadas ao desconforto ou não que produz aos outros a experiência de escracho ou denúncia popular mas pelas im plicações que têm para nós em termos de emancipação REFERÊNCIAS DAVIS Angela 2005 Mujeres raza y clase Madrid Akal DESPENTES Virginie 2008 Teoría King Kong Madrid Editorial Melusina DESPENTES Virginie 2016 Teoría King Kong São Paulo n1 edições DENHOLLANDER Rachel 2018 El precio que pagué por denunciar a Larry Nassar publicado en New York Times Edición en español 30 de enero de 2018 disponible en httpswwwnyti mescomes2018 0130rachaeldenhollanderlarry nassarsmidfbespanolsmtypcur FERRAJOLI Luigi 1999 Derechos y Garantías La ley del más débil Madrid Trotta Garland Da vid 2005 La cultura del Control Barcelona Gedisa HOOKS Bell 2004 Mujeres negras Dar forma a la teoría feminista Madrid Traficantes de Sueños JABLONKA Ivan 2017 Laëtitia o el fin de los hombres Madrid Anagrama LARRAURI Elena 2007 Criminología crítica y violencia de género Madrid Trotta LOREY Isabell 2016 Estado de Inseguridad Gobernar la precariedad Madrid Traficantes de sueños MADRIZ Esther 1996 A las niñas buenas no les pasa nada malo Mexico Siglo XXI PITCH Tamar 2003 Responsabilidades limitadas Actores conflictos y justicia penal Buenos Aires Ad Hoc 2003 SEGATO Rita 2003 Las estructuras elementales de la violencia Ensayos sobre género antropología y Derechos Humanos Buenos Aires editorial Prometeo Ediciones Unqui SIMON Jonathan 2011 Gobernar a través del Delito Barcelona Gedisa VIRGOLINI Julio 2005 La polémica Delito o conflicto En Violencia familiar a 10 años de la sanción de la Ley de Violencia familiar Una herramienta eficaz Buenos Aires Editorial Altamira 261 É O TERCEIRO MUNDO LÁ EMBAIXO A VOCAÇÃO COLONIALISTA E A JUSTIÇA CRIMINAL AMERICANA211 James M Doyle212 OS HOMENS BRANCOS O fardo do homem branco conjura instantaneamente um problema real ainda que alguém possa pensar que ele deveria ser alterado para o fardo do homem negro George Orwell em seu ensaio Rudyard Kipling 213 Seria interessante para a ciência observar as mudanças mentais de indivíduos in loco mas Joseph Conrad em Coração das Trevas 214 211 Texto originalmente publicado com o título Its the Third World Down There The Colonialist Vocation and Ame rican Criminal Justice na revista da Escola de Direito de Harvard nº 27 CRCL L Rev 71 1992 tradução para o português feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Lucas Dagostini Gardelin 212 Conselheiro sênior de júrijulgamento Defensores de Roxbury de Boston BA Bachelor of Arts em 1972 pelo Trinity College JD Juris Doctor em 1975 pela Northwestern University School of Law LLM Legum Magister em 1979 pela Georgetown University Law Center Este artigo é uma fração de um projeto muito maior no qual busco examinar as ressonâncias entre o mundo do HomemBranco os subalternos engenheiros e oficiais políticos da era imperialista e a dos profissionais que abarrotam nosso sistema de justiça criminal contemporâneo Eu deveria tornar explícitas aos leitores deste fragmento três coisas que numa versão maior emergiriam mais naturalmente Em primeiro lugar eu neste artigo promovo a crítica do que chamei de Visão do Homem Branco da justiça criminal e pode parecer que ao fazêlo reputome como melhor e mais sábio do que os profissionais que descrevo Nada poderia ser mais distante da verdade Eu mesmo sou branco e passei minha vida profissional inteira defendendo indigentes nas cortes criminais Escolhi a Visão do Homem Branco da justi ça criminal como tópico precisamente porque reconheço que eu mesmo sou suscetível a sofrer dessa visão Em segundo lugar neste artigo valhome de um número de disciplinas e não gostaria que os leitores pensassem que sou um especialista em cada uma delas Eu não sou um psicólogo social um historiador ou um crítico literário sou um defensor público Não fui deliberadamente controverso em meu empréstimo mas os leitores deveriam ter em mente que o critério empregado para a inclusão de uma ideia aqui consiste na sua verdade sob a luz de minha experiência como defensor e não minha maestria sobre outra disciplina Por fim não quero ser compreendido como se estivesse sugerindo que todos no sistema de justiça criminal sempre operam dentro da Visão do Homem Branco Poucas pessoas sempre atuam sob a influência dessa visão algumas jamais o fazem Eu estaria sendo enganador e ingrato caso não nomeasse explicitamente dentro deste último grupo David Niblack Milton Wright e especialmente Margaret VanDeusen Sem seus exemplos contrastantes eu jamais teria enxergado a Visão do Homem Branco em mim mesmo 213 George Orwell Rudyard Kipling in THE COLLECTED ESSAYS JOURNALISM AND LETTERS OF GEORGE ORWELL 193 Sonia Orwell Ian Angus eds 1968 214 JOSEPH CONRAD HEART OF DARKNESS 75 1950 262 Dois livros esmagadoramente bemsucedidos foram publicados em 1987 Bonfire of the Vanities Fogueira das Vaidades na tradução brasileira e Presumed Innocent Inocente Presumido de Scott Turow215 Ambos os livros assim como enchentes de novelas menos ambiciosas memórias profissionais e shows policiais respondem a uma sede aparentemente imbatível do público por contos de tropas de linha que abarrotam as cortes criminais urbanas Ao explorarem essa sociedade Wolfe e Turow empregam enredos notavelmente similares Em cada novela o homem branco em seus trinta anos bemsucedido em seu próprio direito mas não desprovido de dúvidas persegue um caso ex tramarital e coloca a si mesmo numa situação em que é erroneamente acusado de homicídio Sua prisão em ambos os casos resulta numa queda vertiginosa para dentro do sistema de justiça criminal que precisa ser encarado em seus próprios e exóticos termos sem a armadura do status social O caso nas duas tramas inspira um circo midiático e oferece um veículo para enriquecimento político e escandalosa venalidade Os elementos comuns dos dois livros evocam uma preocupação de escri tores antigos como Rudyard Kipling Joseph Conrad George Orwell e Graham Greene que examinaram a experiência dos funcionários coloniais e indagaram o que aconteceria se os homens brancos encarregados de administrar a justi ça colonial caíssem por acidente em suas próprias máquinas e se tornassem objetos do processo e não mais operadores Estando Wolfe e Turow certos os profissionais que integram o sistema de justiça criminal contemporâneo veem seu mundo da mesma maneira com que os colonialistas viam o seu Wolfe e Turow descrevem personagens que não são simples homens brancos como os de Kipling na Índia os de Orwell em Burma ou os de Conrad na África e no Oriente eles são Homens Brancos Esta descoberta não os embaraçaria na verdade é uma identificação de si mesmos na qual eles próprios insistem Sua mensagem para o resto de nós é o grito do prefeito de Nova York em Bonfire o Vanities É o Terceiro Mundo aqui embaixo Você realmente acha que está insulado do Terceiro Mundo216 Ser um Homem Branco neste sentido não é uma questão de raça Há brancos no sistema de justiça criminal que não são Homens Brancos assim como há Afroamericanos que são A despeito da fria evidência estatística de dispari dade no tratamento das raças pelo sistema a maioria de seus Homens Brancos 215 TOM WOLFE BONFIRE OF THE VANITIES 1987 SCOTT TUROW PRESUMED INNOCENT 1987 A despeito da acentuada similaridade nas tramas centrais os dois livros são diferentes em aos menos um quesito fundamental Turow um advogado e antigo procurador escreve do interior da visão profissional da justiça crimi nal Wolfe ao contrário descreve a mesma visão mas criticamente e do exterior 216 WOLFE ObCit p 7 263 negaria com toda a sinceridade qualquer intenção conscientemente racista217 Ao contrário como Edward Said escreveu acerca da versão colonial Ser um Homem Branco era uma ideia e uma realidade Envolvia uma posição racional a respeito de ambos os mundos o branco e nãobranco Significava nas colônias falar de certa forma comportarse de acordo com um código de regras e mesmo sentir certas coisas e não outras218 Os Homens Brancos do sistema de justiça criminal são o objeto deste ar tigo Quero utilizar as ressonâncias entre seu mundo e o dos colonialistas para começar uma investigação e não para encerrar uma Pouco ou nada se aprenderá pela insistência súbita de que os oficiais que administram a justiça na América urbana são exatamente iguais ou igualmente maus aos Homens Brancos co loniais que evocam219 Olhando em retrospecto parece óbvio que os modos de falar comportarse e sentir escolhidos pelo Homem Branco colonial eram em muitos aspectos tragicamente equivocados moralmente indefensáveis histori camente obtusos e pragmaticamente auto sabotadores Quem apelaria hoje a Kipling por conselhos sobre a Índia Quem emularia TE Lawrence para analisar o dilema palestino Este artigo explora se igualmente temos justificativas para apelar aos profissionais do sistema de justiça criminal por descrições da sociedade contemporânea da qual eles fazem parte Espero examinar a perspectiva do Ho mem Branco como uma teoria viajante que pode ter encontrado seu caminho para dentro do sistema de justiça criminal bem como questionar Se pelo fato de se mover de um lugar e tempo para outro uma ideia ou uma teoria ganha ou perde força bem como se uma teoria em um período histórico e em uma cultura nacional específicos tornase completamente diferente para outro período ou situação220 Qualquer comparação entre as carreiras colonial e de justiça criminal re velará continuidade mas também mudança Pretendo usar ambas mas a fim de explorar e não processar Os paralelos entre esses dois grupos são fáceis de se ver Como seus pre decessores coloniais os operadores da justiça criminal escolhem carreiras que parecem prometer rápida autonomia em ambientes exóticos Como os Homens 217 Uma exaustiva revisão das compilações estatísticas levou Norval Morris à seguinte e relutante conclusão Todo o movimento de lei e ordem de que tanto ouvimos é em operação mas não intencionalmente antinegro e antipobre não em plano não em desejo não em intento mas em operação Norval Morris Race and Crime What Evidence Is There That Race Influences Results in the Criminal Justice System 72 JUDICATURE 111 113 1988 Ver também Randall L Kennedy McCleskey v Kemp Race Capital Punishment and the Supreme Court 101 HARV L REV 1388 1988 Charles R Lawrence III The Ego The Id and Equal Protection Recko ning With Unconscious Racism 39 STAN L REV 317 1987 Theodore Chiricos Phillip Jackson Gordon Waldo Inequality in the Imposition of the Criminal Label 19 Soc PROBLEMS 53 1974 218 EDWARD W SAID ORIENTALISM p 227 1979 219 Ainda que tal acusação fosse útil eu não seria a pessoa a construíla Passei 16 anos minha vida profissional inteira defendendo indigentes em cortes criminais Não vejo razão para me sentir eu próprio convencido de que estou livre das imperfeições dos Homens Brancos 220 EDWARD W SAID Travelling Theory reprinted em THE WORLD THE TEXT AND THE CRITIC 226 1983 264 Brancos Coloniais os oficiais da justiça criminal habitualmente descrevem suas vidas com uma retórica de serviço sacrifício carregada de fardos Como os co lonialistas habitam mundos inteiramente masculinos onde parece totalmente impossível encontrar papel para os valores com os quais cresceram Catapultados para ambientes estranhos jovens policiais e advogados como jovens oficiais co loniais começam suas carreiras sozinhos ignorantes e responsáveis221 Nas es tações policiais e cortes descritas por Wolfe e Turow como nos pequenos clubes assombrados de Kipling222 retratados por Orwell e Conrad os Homens Brancos sentemse isolados e vulneráveis Eles estão convencidos de que são ameaçados igualmente por inescrutáveis e malignos nativos e decisores ignorantes e distan tes Acreditam que estão paralisados por legalidades insanas Jovens advogados procuradores assistentes distritais como jovens Comissários assistentes distritais apressadamente apossamse e então defendem com veemência de uma sabedo ria convencional como proteção contra essas ameaças Comprometemse com um código profissional que vê um mundo no qual as pessoas são divididas em vários coletivos Onde poderiam ter visto indivíduos veem ao contrário raças tipos e cores Como os colonialistas antes deles abraçam um rígido binômio de oposição de nossos e deles223 Tanto no sistema de justiça criminal como nas fronteiras do império a ideia impessoal e comunal de ser um Homem Branco impera ela tornase um modo muito concreto de sernomundo um modo de apropriarse da realidade da linguagem e do pensamento224 Profissionais da justiça criminal garantem nossa atenção portanto não em virtude de seus números que não são grandes nem por causa da fascinação pública com seu trabalho refletida pelos programas de televisão mas por sua po sição Encontrar criminosos e punilos de acordo com seus crimes não são os ob jetivos últimos do sistema de justiça criminal Essas tarefas são meros meios para comunicar uma mensagem comportamental uma ideologia de responsabilidade individual faça isso e você será devidamente punido controlese e tudo ficará bem 225 Na atual organização das coisas os oficiais do sistema de justiça criminal compreendem a membrana através da qual essas mensagens de valor individual 221 MICHAEL EDWARDES BOUND TO EXILE 16465 1969 222 GEORGE ORWELL BURMESE DAYS 69 1962 223 SAID ObCit p 227 224 Idem 225 Ver de maneira geral PETER ARNELIA Rethinking the Functions of Criminal Procedure The Warren and Burger Courts Competing Ideologies 72 GEO LJ 185 1983 É claro que essa mensagem comportamental não é o único objetivo do processo criminal nem necessariamente constitui um objetivo adequado Não obstante muitos comentadores mesmo aqueles que a consideram um falso objetivo a reconheceriam como uma questão descritiva que integra a religião comum da justiça criminal americana Vide eg RA DUFF TRIALS AND PUNISHMENTS 1986 RICHARD C BOLDT Restitution Criminal Law and the Ideology of Individuality 77 1 CRIM L CRIMINOLOGY 97980 1986 265 e responsabilidade devem passar a fim de que possam alcançar a sociedade mais ampla226 Casos criminais são iniciados por profissionais perseguidos por profis sionais e resolvidos em barganhas entre profissionais Em adição à transmissão de mensagens de grande alcance os profissionais da justiça criminal são também a fonte primária de informação que vem do front Sem de fato cumprir o trabalho os Homens Brancos foram incumbidos pela mídia a desempenhar um papel específico descrito por Albert Murray como sendo o do DoisDedos LatinoPorco Experto em Swahili um técnico de imagens que preenche os relatórios de vigilância e safári sobre Ghettoland nos EUA e que realiza safáris na zona profunda negra e tórrida do interior da Bola Oito Ele é considerado um especialista em costumes e maneiras da selva americana consolidando seu status superior sobre aquelas pessoas brancas do campo que subsidiam seus relatórios porque estão interessados em ler sobre negros mas se aterrorizam com a mera possibilidade de entrarem na Bola Oito227 O rótulo sardônico de Murray Bola Oito captura com perfeição a visão do Homem Branco do interior da cidade228 Em suas versões Harlem Roxbury o South Bronx e Watts são habitados completamente por negros autossuficien tes distantes dos e inacessíveis para leitores e espectadores dos Homens Bran cos inacessíveis é claro até que a orientação do especialista dos Homens Brancos esteja assegurada229 O discurso público sobre o sistema de justiça criminal não se baseia em análises estatísticas de dados científicos ou diagnósticos minuciosos de casos par 226 O professor DanCohen traça o reconhecimento de que o direito criminal potencialmente incorpora dois grupos de regras regras de decisão endereças a mas tomadas privativamente por oficiais administrando o direito e regras de conduta disseminadas em parte por esses oficiais para o amplo público Ver MEIR DANCOHEN Decision Rules and Conduct Rules On Acoustic Separation in Criminal Law 97 HARV L REv 625 1984 Um segmento da população recebe essas regras com intensidade particular Em dado dia 23 dos homens afroamericanos entre 20 e 29 anos está na prisão em custódia em liberdade vigiada ou em condicional Ou seja praticamente um em cada quatro jovens afroamericanos está sob direto controle dos oficiais da justiça criminal O número de jovens afroamericanos sob controle oficial 609690 é maior do que o número total de todos os homens afroamericanos de todas as idades matriculados em universidades MARK MAUER THE SEN TENCING PROJECT YOUNG BLACK MEN AND THE CRIMINAL JUSTICE SYSTEM A GROWING NATIONAL PROBLEM 1990 No estado de Nova York 24000 afroamericanos estão atualmente encarce rados em instituições penais apenas 23000 estão matriculados em colégios estaduais ou em universidades 282 HARPERS 19 Feb 1991 Esses números dramáticos como são na verdade diminuem o papel desempenhado pelo Homem Branco da justiça criminal como a voz mais imediata da sociedade branca nos guetos urbanos As estatísticas não pretendem incluir homens jovens que são abordados e revistados mas não presos ou presos mas não julgados ou afroamericanos que são convencidos simplesmente por assistirem o que aconteceu com seus irmãos e amigos de que eles próprios são vulneráveis aos caprichos de qualquer um que detenha uma autoriza ção da justiça criminal 227 ALBERT MURRAY THE OMNIAMERICANS 6970 1970 228 Escrevi sobre este tópico em maior detalhe JAMES DOYLE Into the Eight Ball The Colonialists Landscape in American Criminal Justice 19 BC THIRD WORLD LJ 1992 229 Quando a personagem titular de Saul Bellow de The Deans December quer investigar o que para Harper se tornou sua cidade Natal ele vai consultar um defensor públicoeles discutem o terceiro mundo BELLOW Saul THE DEANS DECEMBER p 222 1982 Wolfe dedica Bonfire a seu amigo o promotor assistente Eddie Hayes Virgil para Wolfes Dante que andava entre as chamas apontando para as luzes escandalosas T WOLFE ObCit dedicação As informações que vazam para a sociedade em geral sobre a vida em Roxbury no sul do Bronx ou em Watts têm muito mais probabilidade de aparecer como uma história de crime do que em qualquer outro formato 266 ticulares Na verdade a informação acerca do mundo da justiça criminal é obtida quase que exclusivamente por anedotas por estórias escolhidas pelos participan tes para entreter representar instruir justificar Esses contos sempre chamados de estórias de guerra são a linguagem comum dos corredores dos tribunais e da viatura policial mas seu impacto é sentido a distâncias longínquas Todos se lem bram que Willie Horton foi licenciado230e aterrorizou um casal de Maryland231 Mas quantos eleitores conhecem a porcentagem de prisioneiros que fez algo do gênero Quantos conhecem detalhes específicos sobre como Horton veio a ser liberado Deveríamos confiar na seleção de contos que o sistema dos Homens Brancos nos oferece e no modo com que eles são narrados Ou deveríamos re lembrar a observação feita por TE Lawrence um Homem Branco se alguma vez existiu um de que uma pessoa ganha mais medalhas quando escreve seus próprios despachos232 Essas questões recebem menos atenção dos comentadores legais do que se esperaria mas pode ser em primeiro lugar que o problema não precise de comentários legais Disfunções entre as tropas de linha do sistema são afinal menos propensas a surgir de motins doutrinários ou ideológicos do que das pers pectivas especiais adquiridas durante uma vida nas linhas de frente e dos impac tos da experiência e dos requisitos da ação O problema não são tanto as ideias os funcionários adotam mas as vidas que estes acabam por aderir e suas vidas são melhor examinadas pelo novelista o biógrafo e o roteirista do que pelo escritor de revisão legal 233 Um caminho surpreendentemente bom para se examinar o papel dos Ho mens Brancos talvez seja o de aceitar o convite oferecido com muita frequência nos relatos dos participantes do sistema de justiça criminal presumir que a expe riência do Terceiro Mundo ofereça um precedente para a conduta do sistema de justiça criminal colocar as vidas dos funcionários coloniais e da justiça criminal lado a lado ver no que diferem e no que se igualam Ver em suma o que se pode aprender a partir da experiência colonial A primeira lição que a metáfora do Terceiro Mundo nos ensina é a de que as narrativas de especialistas que dominam o discurso público sobre crime e justiça não são menos parciais do que aqueles que descrevem a experiência dos 230 NT no original furloughed que se refere a trabalhadores em licença 231 Ver eg OWEN THOMAS Easy Answer on Prison Furlough Eludes Dukakis CHRISTIAN SCIENCE MONI TOR Sept 8 1988 p A3 232 TE LAWRENCE Seven pillars of wisdom 492 1973 233 Ver eg RICHARD A POSNER The Depiction of Law in Bonfire of the Vanities 98 YALE LJ 1653 1654 1989 Posner conclui que Bonfire tem um enredo legal personagens legais cenas legais mas não é sobre a lei em nenhum sentido rico e interessante Enquanto Posner concorda que se Bonfire descrevesse com precisão os operadores do sistema jurídico e a natureza da prática jurídica seria interessante o suficiente para envolver o interesse profissional do advogado ele ignora a relevância concreta da representação como feita no romance 267 operadores coloniais A visão da Europa sobre o Terceiro Mundo colonial é uma construção imaginária criada pelos relatórios memórias e retratos ficcionais do que os operadores coloniais experimentaram Em muitos casos esses relatos têm grande poder literário mas permanecem não obstante como relatos da experi ência branca em governar maiorias nãobrancas Enquanto tais são inestimáveis mas enquanto compreensíveis relatos da experiência colonial são desesperada mente incompletos A compreensão do Terceiro Mundo requer um esforço honesto para incluir a experiência dos colonizados juntamente com a do colonizador234 Há questões que podem ser respondidas pela leitura de Kipling ou Lawrence o que os Ho mens Brancos fizeram Por que o fizeram Existem outras e mais importantes questões que ninguém abordaria sem considerar CLR James Chinua Achebe Frantz Fanon George Lamming ou Bob Marley os Homens Brancos tinham o direito de fazer isso Que efeitos isso produziu Ficamos satisfeitos com uma versão do sistema de justiça criminal que in clui a perspectiva de Hill Street Blues mas não as do autor John Edgar Wide man do cineasta Spike Lee ou dos grupos de rap como Public Enemy e Niggas With Attitude As classes subalternas urbanas ouvem a mensagem dos Homens Brancos dirigida a elas como se fosse feita nas ruas e ouvem por acaso a mensa gem dos Homens Brancos sobre eles enquanto ela é transmitida para a socieda de É impossível compreender o mundo da justiça criminal contemporânea sem mensurar a reação dessa audiência geralmente negligenciada Uma segunda lição retirada da experiência colonial deriva rapidamente da primeira a de que embora os relatos dos Homens Brancos sejam tendenciosos e incompletos isso não os torna sem importância Mesmo sendo como geral mente é tão violentamente errada a perspectiva dos Homens Brancos precisa ser entendida A Índia de Kipling não era a Índia era uma construção imaginá ria235 Isso soa óbvio para nós hoje em dia e perceber isso auxilianos a ver que a mesma coisa pode ser dita a respeito do Bronx de Wolfe do Cabrini Green de Turow ou da Los Angeles de Wambaugh236 Ainda pensar a respeito de Kipling nos ensina que seria um tremendo erro simplesmente descartar o Bronx de Wolfe ou o Gueto Genérico da Televisão Ao mesmo tempo em que existia como uma ideia parcial tendenciosa e ficcional da Índia histórica a Índia de Ki pling existia como uma realidade inescapável ela definiu o significado da Índia 234 ALBERT MEMMI The Colonizer and the Colonized IX 1965 A relação colonial que tentei definir acorren tou o colonizador e o colonizado a uma dependência implacável moldou seus respectivos caracteres e ditou sua conduta 235 LEWIS D WURGRAFT The imperial imagination magic and myth in kiplings india XiXXX 1983 236 JOSEPH WAMBAUGH The New Centurions 1970 268 real para gerações de britânicos fundou uma literatura apoiou uma ideologia determinou em grande parte a resposta pública à política colonial britânica e moldou a forma com que os Homens Brancos Coloniais viam a si próprios Le onard Woolf relembrando seus cinco anos de serviço como funcionário colonial no Ceilão admitiu Eu jamais poderia decidir se Kipling havia moldado seus personagens acuradamente a partir da imagem da sociedade AngloIndiana ou se nós estávamos moldando nossos personagens acuradamente a partir da imagem de uma estória de Kipling 237 Qualquer um com esperançar de lidar com os problemas da Índia genuína no período pósKipling teria primeiro de fazer as pazes com a Índia de Ki pling e compreender o papel que os Homens Brancos enaltecidos por Kipling e que viam a Índia a partir de seus olhos desempenhariam na decisão execução e avaliação da política indiana O enorme sucesso dos livros de Wolfe e Turow dos filmes que os suce deram e os inevitáveis rounds de talkshows e comentários que os livros e seus sucessores provocaram tornam certo que o Bronx de Wolfe e o Cabrini Green de Turow criarão uma realidade pública para os guetos que eles pretendem des crever Quando o New York Times pediu os comentários do procurador distrital de Bronx que como todos os demais no sistema havia sido um ávido leitor de Bonfire ele disputou apaixonadamente com Wolfe pelo rótulo aplicado ao Tribunal do Condado de Bronx Este lugar não se chama a fortaleza238 A imagem de Wolfe entretanto já havia se infiltrado em seu próprio vocabulário uma semana antes em um discurso dedicado à construção da memória de seu predecessor o Procurador Distrital disse que esta fortaleza representa o indo mitável espírito do Bronx 239 Um repórter britânico convocado a descrever os arredores de um incêndio ocorrido num clube noturno do Bronx simplesmente incorporou Wolfe A descrição de Tom Wolfe da vizinhança do Bronx em sua novela Bonfire of Vanities aplicase acuradamente à área Disparos de arma de fogo podem ser ouvidos em qualquer noite da semana 240 A possibilidade de alguma versão da visão do Homen Branco ter viajado para esse e outros relatos do sistema de justiça criminal é uma questão urgente por uma razão simples não é o Terceiro Mundo ali O colonialismo foi um sistema malig no mas sua administração era plausivelmente adequada aos seus fins amorais O trabalho do funcionário colonial como Orwell o definiu era o de manter o nativo 237 LEONARD WOOLF Growing 46 1961 238 STEVEN ERLANGER Bonfire in Bronx Wolfe Catches Flak NY TIMES Mar 11 1988 p B4 239 Id 240 LEONARD DOYLE Arson Suspected as 87 Die in New York Disco Blaze The Independent Mar 26 1990 p 1 269 sob controle enquanto os empresários assaltavam seus bolsos241 Mas no sistema de justiça criminal urbano a situação é diferente Primeiro porque o pobre urbano não tem nada em seus bolsos Os funcionários da justiça criminal devem então desempenhar outro papel Os Homens Brancos do sistema de justiça criminal são pagos para administrar a justiça a seus vizinhos e caros cidadãos pessoas que falam a mesma língua professam a mesma religião assistem a mesma televisão prestam os mesmos votos e que de acordo com o princípio auto evidente da sociedade americana são seus iguais e não seus inferiores Sejam nossas razões pragmáticas ou morais a maioria dos americanos afirma que temos um sistema de justiça criminal que serve igualmente para manter a ordem e para expressar nosso comprometimen to com conceitos de igualdade e de dignidade e responsabilidade individuais Mas e se os funcionários da justiça criminal na verdade pensam falam e agem como os Homens Brancos coloniais E se eles empregam estratégias táticas e meios de pensamento com os quais a Europa temporariamente subordinou grande parte do mundo É irrazoável presumir que o povo governado pelos Homens Brancos reagi rá a seus esforços do mesmo modo que os colonizados fizeram com seus dirigentes colonialistas Falar comportarse e sentir como um Homem Branco enquanto se realizava a administração da ordem colonial criou a cidade que Frantz Fanon des creveu dividida entre duas metades separadas comunicadas por uma lógica de terror contraterror violência contraviolência242 1 VOCAÇÃO COMEÇOS DO BURNOUT CASE O Filho do Homem sai em guerra Uma coroa real para ganhar Sua faixa vermelha de sangue se desenrola Quem segue em seu trem Kipling emendando o hino do Bispo Heber em O homem que seria rei243 2 A VOZ BURNTOUTESGOTADA Ali estavam eles e ali estava ele e para onde ele estava indo Quais eram esses casos com os quais ele estava lidando Pedaços de merda Coleção de li 241 ORWELL ObCit p 40 242 FRANTZ FANON THE WRETCHED OF THE EARTH 89 1968 243 RUDYARD KIPLING The Man Who Would Be King in A CHOICE OF KIPLINGS PROSE 76 Craig Raine ed 1987 The Son of Man goes forth to warA kingly crown to gainHis blood red banner streams unfurledWho follows in his train 270 xo244 É deste modo que Larry Kramer o promotor de 30 anos de Bonfire of the Vanities resume sua carreira Na mesma idade Rusty Sabich o promotorprota gonista de Presumed Innocent lamenta seu rebaixamento ao papel de burocrata do bem e do mal245Em relatos contemporâneos do sistema de justiça criminal o profissional são inteligente e razoavelmente feliz simplesmente não existe De acordo com uma tradição tão rígida quanto o teatro Kabuki a miséria reina entre as tropas de linha do sistema e Kramer e Sabich personificam a voz caracterís tica do sistema Cínicos desiludidos desapontados e não reconhecidos os dois homens estão preocupados em transmitir a completa dificuldade da vida nesse sistema Os veteranos do sistema não afirmam ter superado as dificuldades de sua profissão Na verdade eles são abertamente sinceros sobre os custos que suas carreiras tiveram Eles não fazem segredo algum de sua boa vontade em conde nar perjúrio em fabricar evidências a brutalizar suspeitos trair clientes beber e conquistar mulher em abandonar de modo geral os valores que aprenderam na escola Alcoolismo impotência e fracassos domésticos abundam O trocadilho no título Hill Street Blues não é acidental Não há razão para questionar a sin ceridade das lamúrias dos Homens Brancos eles indubitavelmente se sentem tão mal quanto dizem Não importa particularmente se eles têm ou não o direito de se sentir assim agonias injustificadas certamente possuem o mesmo impacto nas performances do que as que são O fato de ser praticamente impossível imaginar um ambiente mais adequado do que as cortes criminais a estocar pessoas cujas circunstâncias sejam imensuravelmente piores do que as dos próprios oficiais apenas aumenta assim o interesse na angústia subjetiva dos Homens Brancos Ao escrever sobre Kipling Orwell percebeu que O fardo do homem branco conjura instantaneamente um problema real ainda que alguém possa pensar que ele deveria ser alterado para o fardo do homem negro246 Os Ho mens Brancos da justiça criminal candidamente admitem que os fardos que sen tem traduzemse rapidamente em problemas para as pessoas em seu entorno e isso transforma seu descontentamento crônico num problema real também Os relatos mais capazes da vida dos funcionários da Bola Oito exploram aspectos de desapontamento humano dor e alienação que podem e devem incitar empatia não importa quão desgraçadas possam ser as atividades dos personagens que os povoam Mesmo o show policial de TV mais perfunctório consegue transmitir algo da infelicidade e confusão prevalentes entre aqueles que aplicam as leis É 244 WOLFE ObCit p 106 245 TUROW ObCit p 4 246 GEORGE ORWELL RUDYARD KIPLING in THE COLLECTED ESSAYS JOURNALISM AND LET TERS OF GEORGE ORWELL 193 Sonia Orwell Ian Angus eds 1968 271 impossível acreditar que esses sentimentos não possuem impacto nas mensagens que a sociedade confia aos funcionários da justiça criminal para que sejam co municadas Ademais há um perigo nesta incansável concentração das frustrações da vida no sistema A convenção de se empregar as vozes amargas e desiludidas de policiais promotores ou defensores ao fim de suas carreiras ao fim de suas amarras tornouse tão entrincheirada que agora é necessário um ato de coragem para lembrar que as carreiras da justiça criminais da mesma forma que começam terminam Uma das primeiras coisas a ser aprendida das carreiras dos Homens Brancos coloniais é a de que esses começos não deveriam ser negligenciados 3 AS DEMANDAS BURNOUT A literatura do serviço colonial é outra fonte de exemplos de Homens Brancos em desintegração os irmãos espirituais dos exaustos policiais pro motores e advogados que seguem as regras batem nos suspeitos enquadram os inocentes e explodem seus próprios cérebros no sistema de justiça criminal O exemplo mais conhecido e espetacular é o de Kurtz chefe da Estação do Interior no Coração das Trevas de Conrad que acaba na insanidade e talvez no canibalismo Kurtz que vai longe demais A avaliação convencional da carreira de Kurtz funda uma tradição a partir da qual os apologistas do sistema de justiça criminal se valem Kurtz nessa avaliação tornouse nativo e age não em virtude de quaisquer necessidades incutidas ou adotadas nele por sua própria comunidade mas porque se contaminou pela natureza brutal do povo que veio salvar247 A afirmação implícita dos funcionários da justiça criminal é a mesma feita pelos críticos que mitigam os feitos de Kurtz Há circunstâncias sob as quais um homem mesmo um bom homem pode ter dificuldade em resistir a tornarse besta novamente248 Os Homens Brancos das histórias da vida da justiça criminal são quase sem exceção bons homens Verdade eles podem estar fazendo coisas deplorá veis de todos os tipos no momento mas as dores são tomadas para enfatizar que os veteranos não foram sempre como aparecem agora Em algum momento de seus catálogos de transgressões e desapontamentos os funcionários da Bola Oito sempre pausam para rememorar seus começos e o entusiasmo e idealismos com que ingressaram em suas carreiras O exdefensor público Randy Bellows por exemplo vê seu início deste jeito 247 JOHN A MCCLURE KIPLING AND CONRAD THE COLONIAL FICTION 133 1981 descrevendo essa visão dos escritos de Conrad não endossandoa 248 BERNARD MEYER JOSEPH CONRAD A PSYCHOANALYTIC BIOGRAPHY 158 1967 272 Eu me tornei um defensor público porque acredito apaixonadamente em nosso sistema de justiça no sistema adversarial Numa grande empresa de direito de interesse público eu raramente tinha a noção de impacto individual eu raramente tinha noção de que havia uma outra pessoa lá fora que estava desesperadamente dependendo de mim E é por isso que eu vim para o PDS Serviço de Defensoria Pública Para valer Para fazer a diferença em vidas individuais E talvez se tivesse sorte para ser capaz de dizer quando terminasse que havia salvo algumas vidas 249 Essa jornada entre dois pontos de um entusiasmo jovial para um cinismo exausto de sabedoria da rua no sentido de se movimentar com desenvoltura nas ruas perigosas traquejo malandragem é o tópico de praticamente todos os relatos de vida no sistema de justiça criminal Novatos ingênuos embarcam com veteranos grisalhos eles sofrem derramam ilusões e o processo culmina numa sabedoria adquirida a duras penas O estado dilapidado do protagonista é o preço pago pelo conhecimento É um preço alto mas compensado uma vez que a carreira do jovem policial defensor ou procurador compreende um Pro gresso do Peregrino uma Educação um Esclarecimento O Dirty Harry de Clint Eastwood o Capitão Furillo de Hill Street Blues o Larry Kramer de Bonfire of Vanities e o Rusty Sabich de Presumed Innocent se confessariam todos eles como homens mais tristes mas também mais sábios Krammer e seus colegas são realmente high on what tough filhos da mãe desenganados que são250 Seus retratos que se apresentam como autocrítica são na verdade afirmações masca radas de autoridade afirmações de autoridade muito abrangentes Policiais promotores juízes e defensores veteranos não ficam preguiçosos cansados ou entediados ficam burnedout estado de colapso mental Ran dy Bellows decide deixar o Serviço de Defensor Público quando explica me encontro burnedout uma síndrome que eu achava que só acometesse outros advogados251 Burnout também ameaça Kramer e Sabich Burnout é trata da como um risco profissional endêmico discutido em comitês dissecado em artigos e o uso do termo é repleto de implicações interessantes O termo é reti rado como muitas outras coisas no âmbito mental da carreira de justiça criminal de uma novela que se passa no Terceiro Mundo A Burnt Out Case de Graham Greene O título de Greene se refere num primeiro momento a um leproso cuja doença consumiu todo tecido capaz de consumir e em efeito consumindo a si própria e então se alastrou ao estado espiritual de Querry o protagonista do li vro que é curado de uma autoabsorção neurótica durante o serviço voluntário em um leprosário 252 249 RANDY BELLOWS Notes of a Public Defender in THE SOCIAL RESPONSIBILITIES OF LAWYERS CASE STUDIES 9798 Philip B Heymann Lance Liebman eds 1988 250 WOLFE ObCit p 361 251 BELLOWS ObCit p 97 252 GRAHAM GREENE A BURNT OUT CASE 1960 273 Ao utilizarem o termo burnout esgotamento como uma abreviação para sua própria condição os profissionais da justiça criminal transmitem três coisas que nenhum termo alternativo ou combinação de termos poderiam ex pressar do mesmo modo Em primeiro lugar a descrição burntout sugere co nhecimento adquirido de um modo diferente do que os termos aparentemente sinônimos experimentado e ficar esperto possam indicar Ao passo que o conhecimento derivado da experiência depende de percepção interpretação e julgamento o obtido através do burning out esgotandose apresentase como o produto físico de um processo orgânico O conhecimento do esgotado como as lesões de um leproso ou o calor de um incêndio não é algo escolhido mas irresistível Se você apenas ficasse o suficiente no sistema de justiça criminal você se esgotaria também o inelutável esclarecimento seria forçado sobre você O segundo ponto é que o contrário também é verdade No curso do esgo tamento você inevitavelmente deve compreender certas mas esse conhecimento é por sua vez apenas alcançável através do esgotamento As lições aprendidas pelos esgotados não podem ser aprendidas pela leitura de experiências de outras pessoas ou pela quantificação delas Se você espera absorver a verdade da justiça da Bola Oito você precisa ir lá precisa experimentar suas propriedades corrosi vas especiais Cientistas sociais podem se considerar atordoados ao provar que a Regra de Miranda253 não teve qualquer efeito visível no reforço da lei254 mas suas estatísticas não representam nenhum desafio ao conhecimento secreto dos esgo tados O capitão Furillo não está interessado em suas estatísticas ele foi feito de modo a compreender de maneira diversa Essa atitude é uma consequência do terceiro elemento especial do termo burnout Burnout esconde uma afirmação não apenas de superioridade prática mas também moral Uma pessoa não pode tornarse esgotada sem primeiro escolher colocarse no caminho do dano carregar fardos correr riscos e absorver feridas No burnout a carreira de justiça criminal é imaginada como uma prova crucial da qual portavozes emergem não como usados cansados sujos ou cínicos mas purificados e possivelmente santificados Se você não escolheu testar a si próprio no fogo você não deveria e de fato não pode contestar as conclusões daqueles que assim o fizeram Seu conhecimento não é apenas errado mas de ordem inferior 253 Miranda v Arizona 384 US 436 1966 254 Ver Michael Wald Richard Ayers David Hess Mark Schantz Charles Whitebread III Project Interrogations in New Haven The Impact of Miranda 76 YALE LJ 1519 1967 JOHN GRIFFITHS RICHARD AYERS A Postscript to the Miranda Project Interrogation of Draft Protesters 77 YALE LJ 300 1967 Richard Medalie Leonard Zeitz Paul Alexander Custodial Police Interrogation in the Nations Capital The Attempt to Imple ment Miranda 66 MICH L REV 1347 1968 Ver também NEAL MILNERTHE COURT AND LOCAL LAW ENFORCEMENT THE IMPACT OF MIRANDA 1971 274 Kipling era também viciado em Esclarecimentos e Educações em seus relatos sobre o serviço imperial Por exemplo em The Enlightenments of Pa gett MP255 Pagett um reformador de mente confusa está visitando seu antigo colega de escola Orde enquanto viaja pela Índia Orde um dos prototípicos Homens Brancos de Kipling é um veterano calejado da experiência indiana Pagett pondera que o nascente Partido do Congresso deve estar causando grande excitação no meio das massas o que acaba por conceder a Orde como Angus Wilson descreve a excepcionalmente fácil oportunidade de produzir testemu nhos e evidências de vários tipos sobre a agricultura as finanças e a indústria indianas somente para refutar com veemência o infeliz comentário de Pagett 256 Para livrarse de Pagett Orde emprega muitas das armas que costumeiramente vemos sendo usadas pelas mãos dos apologistas do sistema de justiça criminal experiência in loco desdém por ilusões uma visão coerente e convencida do povo governado A história destinase a ser uma reivindicação estrondosa da au toridade de especialista do veterano desiludido É claro com cem anos de distân cia os leitores percebem que neste caso Pagett estava certo e Orde e Kipling errados O movimento do Congresso ridicularizado por Orden provouse como a fundação da independência indiana Há mais a ser aprendido da leitura do colonialismo além de saber se Kipling estava errado e se estava Dirty Harry também poderia estar O importante é que eles estão errados da mesma maneira Kipling acredita que num desentendimento entre um recémchegado como Page e um Homem Branco veterano como Orde este último sempre estará certo e aquele sempre errado Para afirmar isso ele emprega uma dinâmi ca familiar aos contos do serviço de justiça criminal em que o jovem advogado idealista ou um policial um repórter um político ou outro civil é sempre uma ameaça a si próprio e a todos que o cercam até que a experiência comprove que o policial esgotado como quem ele discutia sempre estava certo desde o início257 Em ambos os cenários a experiência crua sem mediações traça a diferença entre correto e errado e a assunção principal neles é a de que a quantidade de expe riência é a única diferença Kipling e os cronistas do sistema de justiça criminal escrevem como se a ideologia o julgamento o preconceito e a expectativa não desempenhassem papel algum na absorção e interpretação da experiência Todos que tiveram a mesma experiência em qualquer contexto chegaram às mesmas conclusões Nas colônias e no sistema da Bola Oito os Homens Brancos vete 255 RUDYARD KIPLING The Enlightenment of Pagett MP CONTEMPORARY REVIEW Summer 1890 256 ANGUS WILSON THE STRANGE RIDE OF RUDYARD KIPLING HIS LIFE AND WORKS 115 1977 257 A lógica do esgotamento torna as ideias e motivações do visitante iniciante no sistema Bolaoito totalmente irrelevantes Quando os recémchegados aparecem nos despachos do Homem Branco sobre a vida na justiça criminal eles aparecem como burros ou vítimas Os leitores e telespectadores que possam se sentir inclinados a ficar do lado dos recémchegados são avisados de que correm o risco de se envolver nessas mesmas funções pouco lisonjeiras 275 ranos oferecem aos noviços críticos a mesma resposta você discorda de mim porque não teve a experiência que tive aqui e portanto continua a cultivar ideias equivocadas sentimentos e ideologias que a experiência de esgotamento bur ned out tirou de mim há muito tempo Se você apenas passasse pelas mesmas ex periências certamente compartilharia de minhas opiniões meu cinismo minha desilusão Falaria sentiria e se portaria como eu Kipling seria uma arma perfeita para qualquer um interessado em acertar os Homens Brancos do sistema de justiça criminal na cabeça Kipling está tão desacreditado hoje em dia que o simples fato de identificar suas opiniões com aquelas dos seus sucessores da justiça criminal poderia facilmente ser suficiente para demolir o grupo moderno aos olhos de muitos Mas o reconhecimento da crença na autoridade soberana do Homem Branco esgotado compartilhada por Kipling e os cronistas do sistema de justiça criminal é importante por outro mo tivo Esse reconhecimento oferece acesso aos críticos contemporâneos das visões de Kipling Em particular chama atenção ao crítico mais incisivo à afirmação da era imperialista de que a longa duração da carreira do Homem Branco é uma ga rantia de retidão e de que sua fase terminal é um repositório único de sabedoria Joseph Conrad 4 QUESTIONANDO O ESGOTAMENTO Aos olhos de muitos africanos Conrad é nada mais nada menos que o rematado racista258 Há pouquíssimo nos escritos de Conrad sobre africanos que contradiga esta acusação Não obstante os retratos de Conrad sobre seus colegas coloniais europeus são imensamente mais esclarecedores do que os de Ki pling ou de outros contemporâneos As circunstâncias de Conrad proveramno de uma dupla perspectiva sobre os problemas do imperialismo É bem sabido que ele serviu na marinha mercante britânica no ápice da aventura imperial e que sua família sofreu sob o jugo das autoridades imperiais russas na Polônia Não tão co nhecido mas igualmente significativo é o fato de que sua família também viveu por gerações como nobres agrários numa região da Polônia onde uma pequena minoria de poloneses étnicos dominava grandes massas de camponeses russos259 Conrad seria temperamentalmente resistente à mística do desencantamento em qualquer situação Para Conrad a capacidade de o desencantamento conferir autoridade depende das ilusões que foram vertidas Afinal há algumas ilusões tão 258 CHINUA ACHEBE An Image of Africa Racism in Conrads Heart of Darkness in HOPES AND IMPEDI MENTS SELECTED ESSAYS 1 1988 259 AVROM FLEISHMAN CONRADS POLITICS COMMUNITY AND ANARCHY IN THE FICTION OF JOSEPH CONRAD 4 1967 276 bizarras que o fato de elas terem sido em primeiro lugar capazes de entreter serve contra qualquer confiança especial depositada nos julgamentos dos recentemente desiludidos Mas em virtude do seu contexto Conrad é particularmente severo no que diz respeito às afirmações colonialistas Como Kipling Conrad representa forçosa e simpaticamente os tormentos emocionais e psicológicos da situação do colonialista Ao contrário de Kipling Conrad insiste no fato geralmente esquecido de que é possível tornarse mais triste e mesmo assim não necessariamente mais sábio Kurtz por exemplo pas sou um longo tempo na África e viveu isso com grande intensidade Ele é um caso de esgotamento Aparentemente Ele é uma autoridade em virtude de seu esgotamento Sua solução para o dilema colonial exterminar todos os bru tos260 é merecedora de deferência Na visão de Conrad não Uma leitura atenta de Coração das Trevas refuta a visão convencional de que a mensagem de Conrad é um aviso contra as seduções moralmente debili tadoras das culturas nativas Conrad não enxergou evidência alguma de ataque de uma sociedade agressiva corrosiva e primitiva aos valores do Homem Branco Como Marlow narrador de Conrad e seu alterego coloca isso ao descrever um encontro sangrento entre seu navio e os nativos africanos O que nós posteriormente tratamos como ataque foi na verdade uma tentativa de repulsa A ação foi muito longe de ser agressiva e sequer era defensiva no sentido usual foi empreendida sob o estresse do desespero e era em sua essência puramente protetiva 261 Uma das contribuições mais importantes de Conrad é sua observação de que a coisa realmente peculiar sobre a vida nas colônias não é nenhuma força corruptora dos nativos primitivos trazida por estes para afligir o colonialista a vida nas colônias é diferente porque os colonizados praticamente não possuem poder para afetar a vida interior dos colonizadores A característica saliente da vida branca no Terceiro Mundo era a relativa ausência dos constrangimentos que a sociedade europeia teria imposto John McClure sumariza a descrição de Con rad sobre o efeito que essa liberdade produziu nos colonialistas Todos incluindo Marlow agem de modo irritado irracional até mesmo histérico no Congo Fresleven o capitão que Marlow substitui é um bom exemplo a mais quieta e gentil criatura que já andou sobre duas pernas ele espanca um chefe de vilarejo quase até a morte numa dis puta sobre duas galinhas A reação do companheiro de Marlow matar alguém é típica dos outros colonialistas que Marlow encontra 262 Um visitante nas cortes criminais urbanas rapidamente notará sintomas si milares Juízes e litigantes deixamse constantemente arrebatar por mantras sobre 260 JOSEPH CONRAD HEART OF DARKNESS 128 1950 261 Id p 115 262 MCCLURE ObCit p 13334 277 as mais triviais questões da rotina mecânica Eis aqui o Juiz Kovitsky de Wolfe apelando à rotina do calendário um advogado está dois minutos atrasado Seu queixo estava tão baixo que parecia quase tocar a cadeira Seu esqueleto ossudo e seu nariz afiado projetaramse para fora da toga num ângulo tão baixo que ele parecia um urubu Kramer podia ver suas íris flutuando e se movendo no branco de seus olhos enquanto esquadrinhava a sala e sua coleção horrível de humanidade suas tiradas eram muitas vezes pessoais e designadas a humilhar Onde está o Sr Sonnenberg disse Kovitsky Não houve resposta Então ele disse novamente desta vez como um incrível barítono que pregou cada sílaba nas pa redes de trás e assustou a todos os recémchegados à sala de audiência do Juiz Myron Kovitsky ONDE ESTÁ O SENHOR SONNENBERG A não ser por dois garotinhos e uma garotinha os espectadores congelaram Um a um eles se congratularam Não importava o quão miseráveis eram seus destinos ao menos não haviam chegado a um nível tão baixo como o Senhor Sonnenberg aquele inseto miserável seja lá quem ele fosse 263 Não há nada de injusto sobre o retrato rápido de Wolfe esse tipo de coisa acontece todo o tempo As transações mundanas das salas de audiência oferecem solo fértil para a excentricidade judicial Eu costumava me apresentar diante de um juiz cuja única preocupação com os processos diante dele era a de que a palavra placebo fosse pronunciada com um pesado c Isso poderia ser uma questão aberta entre latinistas mas não consigo imaginar outro contexto em que ela seria aceita como justificativa aos paroxismos de raiva que invariavelmente advinham de pronúncias alternativas Nesta sala de audiência pronunciamos PLAKabo O juiz excêntrico tornouse uma figura tão tradicional nos con tos da vida de audiência quanto Punch nos shows de marionetes No filme And Justice for All por exemplo Jack Warden interpreta um juiz suicida e depressivo que almoça no suporte da janela de sua sala e mantém a ordem brandindo um revólver na mesa Ninguém afirma que essas performances são típicas mas ficou claro que elas não são surpreendentes e caso você se aventure pelo mundo da justiça criminal deve esperar vêlas Quando conto a história do placebo e quando Wolfe retrata os tantras de Kovitsky utilizamos esse tipo de comportamento como uma tonalidade local excêntrica A leitura de Conrad entretanto sugere que isso talvez seja algo mais Conrad reputa como significativo o fato de os brancos coloniais sentiremse livres para habitualmente se entregarem ao tipo de comportamento pelo qual caso rea lizado na Europa seriam esbofeteados Conrad compreendeu que em virtude da licença irrestrita de poderem se comportar como bem entendessem no contexto colonial o estado de Kurtz e seus colegas tem algo a dever aos desejos ambições e ilusões próprias dos Homens Brancos A estranheza da África não poderia ser a 263 WOLFE ObCit p 108 278 única resposta Com efeito Conrad argumenta que a questão O que aconteceu com Kurtz na Estação do Interior não pode ser solucionada sem que primeiro se responda a uma outra questão O que trouxe Kurtz para a Estação do Interior para começo de conversa Ao argumentar assim Conrad antecipa as descober tas clínicas de Octave Mannoni um psicólogo francês que praticava no Mada gascar colonial tratando pacientes tanto malgaxes quanto colonialistas franceses 264 Após muitos tratando os últimos Mannoni convenceuse de que havia uma personalidade colonial passível de ser identificada No entanto Mannoni tam bém concluiu que a personalidade do colono é composta não das características adquiridas durante e após a experiência nas colônias mas de traços já existentes num estado de latência e repressão na psique europeia que a experiência colonial apenas fez com que emergissem e se manifestassem265 Mannoni explica oferecendo uma metáfora A vida social na Europa exerce certa pressão sobre o indivíduo e essa pressão mantém a per sonalidade em uma determinada forma quando é removida entretanto os contornos da per sonalidade mudam e incham assim relevando a existência de pressões internas que até então haviam passado despercebidas A forma assumida por um peixe de profundeza quando trazido à superfície devese é claro às diferenças na pressão mas também à sua própria estrutura ana tômica interna 266 Considerados em conjunto Mannoni e Conrad levantam essa questão aos Homens Brancos que em novelas filmes e programas de televisão incansa velmente insistem que o mundo da Bola Oito reencarna o serviço imperial do corrosivo Terceiro Mundo Por que alguém para começo de conversa escolher servir ali III ATRAÇÕES DO SISTEMA 5 OPÇÕES Uma vez que o público nunca escuta uma voz satisfeita do sistema da Bola Oito pode parecer que a carreira na justiça criminal abocanha os infortunados que ou não possuem escolha ou estão desprovidos de informações cruciais Na verdade o oposto é verdadeiro carreiras na justiça criminal como as do serviço 264 OCTAVE MANNONI PROSPERO AND CALIBAN THE PSYCHOLOGY OF COLONIZATION Pamela Powlesland trans 1990 Vários escritores incluindo Frantz Fanon criticaram as opiniões de Mannoni sobre o complexo de dependências que ele alegou ter observado no povo malgaxe que tratava Ver FRANTZ FANON PEAU NOIRE MASQUES BLANCS 1952 Estou preocupado aqui com a visão de Mannoni dos coloni zadores não dos colonizados Devese notar no entanto que se a crítica de Fanon à teoria do complexo de dependência de Mannoni está correta ela tende a corroborar a versão de Mannoni da psicologia do colonialista encontrando seus temas no próprio Mannoni 265 MANNONI ObCit p 97 266 Id p 9798 279 imperial são produtos de escolha livre e deliberada A infelicidade dos veteranos então simplesmente reivindica a disputa de Santa Teresa de que são vertidas mais lágrimas sobre orações atendidas do que as que não são No nível mais superficial a escolha dos Homens Brancos tem algo em comum com a escolha que cria sua audiência Uma carreira da Bola Oito parece excitante e interessante A audiência preferiria assistir a um show policial do que a um documentário da PBS sobre a contabilidade de dupla entrada de livros simplesmente porque um parece mais divertido que o outro Mas escolher uma carreira é diferente de trocar de canal e os Homens Brancos fazem suas escolhas perante desincentivos poderosos que poderiam manter policiais e advogados prospectivos da busca por carreiras da justiça criminal Isso é particularmente verdadeiro na profissão legal Educação universitária jurídica especialmente a prestigiosa educação universitária jurídica nacional de escritores como Scott Turow e James Kunen ou de substitutos fictícios como Larry Kramer e Rusty Sabich é direcionada à preparação para atuação corporativa em grandes empresas267 Em termos de prestígio e salário a prática criminal ocupa o último lugar da escala As aulas das faculdades de direito são programadas em torno das entrevistas de emprego realizadas pelas grandes empresas nos campi mas os estudantes que buscam por um trabalho na justiça criminal ficam desamparados Mesmo assim optar por uma carreira na justiça criminal não é de modo algum um pulo no escuro Da mesma forma que o serviço colonial o serviço na justiça criminal embora não de modo típico é uma bem conhecida mesmo tradicional carreira alternativa268 Em Bonfire Tom Wolfe descreve a análise retrospectiva de Larry Kramer sobre sua própria decisão Kramer a caminho do trabalho no escritório do Pro curador do Distrito de Bronx encontra seu antigo colega de aula da Faculdade de Direito de Columbia Andy Heller e relembra como ambos viam suas opções profissionais ao fim da graduação Como Kramer se sentiu superior quando Andy o gorducho pequeno e brilhante Andy havia feito a coisa normal notadamente trabalho no Centro para a Angstrom Molner Andy e cen tenas de outros como ele passariam os próximos cinco ou dez anos debruçandose sobre suas mesas conferindo vírgulas citações de documentos e frases em bloco para fechar e fortalecer a ambição de vendedores de hipotecas de fabricantes de anúncios de saúde e beleza árbitros de fusão e aquisição de companhias vendedoras de seguros269 Porque para Kramer ao emergir da longa adolescência da graduação a prática jurídica convencional parece prometer mais do mesmo supervisão cer 267 Ver LEONARD L BAIRD A Survey of the Relevance of Legal Training to Law School Graduates 29 J LEGAL EDUC 264 1978 268 Os homens brancos coloniais da era Kipling não eram exploradores mas funcionários e foram para a Índia por exemplo não em busca do desconhecido mas em busca de um exemplo puro do conhecido Ver MANNONI ObCit p 97 269 WOLFE ObCit p 35 280 rada rotina opressiva permanente servidão aos enigmáticos mestres do capita lismo uma identidade imposta pelas leis imutáveis da vida de classe média a ele e a centenas como ele Kramer não está errado sobre isso a vida de um jovem associado numa grande empresa de advocacia é praticamente tão sombria quanto ele afirma270 Se existem dúvidas se uma carreira na Bola Oito permite que estes homens evitem a escravidão corporativa para sempre ela certamente lhes oferece meios para postergar certas escolhas de carreira No livro Identity Youth and Crisis Erik Erikson observa que toda sociedade mune seus jovens da possibilidade de um moratório psicossocial durante o qual cada jovem adulto através de livre experi mentação de papeis possa achar um nicho em determinada seção de sua socieda de que embora firmemente definida possa parecer unicamente feita para ele 271 Cada sociedade possui específicas moratórias institucionalizadas que po dem ser um tempo para horse stealing272e vision quests273 um tempo para Wan derschaft274 ou work out west275ou down under276 um tempo para a juventude perdida ou vida acadêmica um tempo para autossacrifício ou pegadinhas277 Todas essas moratórias postergam os comprometimentos adultos e a visão pa drão do Homem Branco sobre o serviço da Bola Oito promete a Kramer e seus colegas uma oportunidade de evasão temporária do inferno corporativo por ele descrito como o mundo do American workadaddy pai trabalhador america no278 Parcialmente essa promessa de postergação reflete tradições nas carreiras da justiça criminal Mesmo o recruta policial mais pessimista pode absorver o consolo do ritual de encantamento expresso pelo pode contar meus vinte anos Isso porque para os advogados do sistema a visão do serviço do Bola Oito como uma moratória é uma ferramenta de recrutamento explícita A prática conven cional das grandes empresas é permanente simplesmente não há razão para que você se sujeite à rotina de vida esmagadora como um associado em uma grande 270 Ver eg JAMES B STEWART THE PARTNERS INSIDE AMERICAS MOST POWERFUL LAW FIRMS 1982 Robert L Nelson Ideology Practice and Professional Autonomy Social Values and Client Relationships in the Large Law Firm 37 STAN L REV 503 1985 271 RIK ERIKSON IDENTITY YOUTH AND CRISIS 15556 1968 272 NT Nesse parágrafo o autor se refere a diversas expressões utilizadas pelos ingleses colonizadores nessa primei ra Horse stealing advém da expressão alemã mit jemandem pferde stehlen können que significa literalmente alguém com quem eu possa roubar cavalos o autor aponta propositalmente essa expressão que pode ser utiliza da no sentido de aproveitarextravasaraprontar com amigos 273 NTVision quest referese aos rituais de passagem dos povos ameríndios 274 NTWanderschaft do alemão quer dizer viagens em um sentido de aventurarse em viagens 275 NTwork out west trabalhar oeste à fora referindose à colonização das Américas 276 NTwork down under ao se referir em trabalhar na colonização da Austrália ou Nova Zelândia 277 Id p 156 278 WOLFE ObCit p 33 281 firma a não ser que você planeje permanecer por muito tempo e colher as re compensas da sociedade A prática criminal num escritório de procurador ou de defensor por outro lado é um método aceito para arrebanhar experiência nos julgamentos e construir um fundamento antes de partir para outras coisas279 Por fim a mídia que transmite os despachos do Homem Branco para re crutas em potencial comunica a ideia de que entrar no sistema de justiça criminal não significa sentenciar a si mesmo a ele para sempre Os Homens Brancos que fazem promessas sobre a vida no sistema geralmente escrevem apenas depois de terem passado para outros aparentemente satisfatórios modos de vida James Kunen 280 Seymour Wishman 281 e Randy Bellows 282 escrevem todos de modo inclemente sobre os estresses e as frustrações de defender criminais indigentes mas suas próprias vidas são a evidência de que alguém pode experienciar esses es tresses e depois se dedicar a outras coisas de que você pode de fato transformar as experiências da Bola Oito para sua vantagem Os leitores de Bellows podem esperar assim como Bellows a possibilidade de deixarem o Serviço de Defensoria Público depois de três ou quatro anos e dizer Eu jamais verei a maioria desses clientes novamente Por um breve período de tempo eu to quei suas vidas e eles tocaram a minha Sou grato por isso ter acontecido E sou grato por ter acabado 283 Kramer e seus colegas estão fugindo das constrições das grandes empre sas mas não estão em uma rota infinita e temerária Estão indo para frente em direção a recompensas particulares que o sistema de justiça da Bola Oito parece prometer A aversão ao modo corporativo de vida não é suficiente por si só para explicar como alguém abandona um salário de seis dígitos e o prestígio imediato da prática comercial enquanto aceita a relativa insignificância do serviço civil O sistema criminal oferece algumas compensações extremamente cruciais para atrair seus recrutas Kramer por exemplo completa suas reflexões acerca das escolhas que ele e Heller tomaram descrevendo o caminho que ele mesmo percorreu Ele Kramer abraçaria a vida e se lançaria com a água batendo aos quadris nas vidas dos miseráveis e danados ficaria de pé nas cortes e lutaria mano a mano diante da balança da justiça 284 Eis a visão que Kramer e seus colegas perseguem no sistema de justiça cri minal Onde para começo de conversa eles acharam a ideia de que tal vida existe 279 Ver LISA MCINTYRE THE PUBLIC DEFENDER 1985 James Fishman The Social and Occupational Mo bility of Prosecutors New York City in THE PROSECUTOR 239 William F MacDonald ed 1979 280 JAMES KUNEN How CAN You DEFEND THOSE PEOPLE THE MAKING OF A CRIMINAL LAWYER 1983 281 SEYMOUR WISHMAN CONFESSIONS OF A CRIMINAL DEFENSE LAWYER 1981 282 BELLOWS ObCit 283 Id p 101 284 WOLFE ObCit p 35 282 É impossível separar a substância dessa visão dos veículos que a transmi tem as histórias de guerra dos Homens Brancos predecessores Homens jovens na iminência da escolha de carreira são tão completamente expostos aos contos da vida da justiça criminal que saturam a mídia popular quanto todos os outros Para eles como para o resto de nós é praticamente impossível abrir um jornal ligar uma televisão ou analisar uma resenha de filme sem encontrar alguma re presentação da vida entre as tropas de linha da Bola Oito 285 Essas representações dramáticas da vida no sistema informam suas escolhas Assim como o jovem in glês teria escolhido a Índia de Kipling e ido à Índia um policial prospectivo es colherá a Hill Street do Capitão Furillo e encontrará a si mesmo na Hill Street A visão do Homem Branco está em todo lugar ao passo em que os fatos verídicos da guerra ao crime estão escondidos em Watts Roxbury ou no South Bronx Para que seja possível considerar o porquê de homens jovens escolherem a carreira de justiça criminal fazse necessário o exame não dos fatos mas do mundo que a visão dos Homem Branco a eles promete Para esses propósitos a precisão da visão do Homem Branco não é importante certa ou errada a sua informação de segunda mão é tudo o que está disponível aos recrutas Se suas promessas são eventualmente mantidas é uma questão à parte Por ora o que importa é o que as profissões da Bola Oito vistas de fora parecem inclinadas a proporcionar Essas questões invocam ou eco espectral da experiência colonial À parte tudo o que poderia ser dito contra Kipling ele não pode ser acusado de mascarar as durezas que o serviço imperial implicava Isso porque Kipling demonstra se qualquer ou tra coisa um prazer doentio ao insistir na doença isolamento e desconsideração aos quais se sujeitam seus soldados oficiais e subalternos Não obstante gerações de inteligentes jovens ingleses Orwell por exemplo 286 leram os contos de Kipling e não ficaram minimamente dissuadidos Por que não O fato é que ado lescente não precisam de histórias de sucessos de seus predecessores Ainda que os contos das vidas colonial e da justiça criminal prometam apenas fracasso ao menos parecem prometer fracassos heroicos que valem a pena com significado Para muitos aspirantes morrer jovem num impetuoso carro de polícia parece preferível à morte viva de um associado numa firma de direito corporativo As histórias dos veteranos de guerra servem como um motivo adicional para que os jovens deixem as faculdades de direito e universidades por carreiras nas cortes e na polícia Elas parecem proporcionar um mapa de estradas muito 285 Vários comentaristas pesquisaram as representações de funcionários da justiça criminal na cultura popular Ver eg ANTHONY CHASE Lawyers and Popular Culture A Review of Mass Media Portrayals of American At torneys 1986 AM B FOUND RES J 281 Steven D Stark Perry Mason Meets Sonny Crockett The History of Lawyers and the Police as Television Heroes 42 U MIAMI L REV 229 1987 Paul J Mastrangelo Lawyers and the Law A Filmography 3 LEG REF SERVICES Q 31 Francis Nevins Law Lawyers and Justice in Po pular Fiction and Film HUMAN EDUC 3 May 1984 286 PETER STANSKY WILLIAM ABRAHAMS THE UNKNOWN ORWELL 127 1974 283 útil sobre as armadilhas a serem evitadas Na obra The Uses of Disorder287 Richard Sennett escreve sobre a capacidade dos adolescentes de usarem as experiências dos outros para se isolarem de suas próprias experiências Ao imaginar o significado de uma classe de experiências com antecedência ou distanciamento para vivêlas uma pessoa jovem é liberada de ter de passar pela experiência em si para compre ender seu significado Ela constrói o significado em isolamentoSe a projeção do significado da experiência funciona como um substituto estável então a pessoa de fato adquiriu uma poderosa arma para prevenir qualquer exposição de si mesma em outras palavras ela aprendeu a como se insular com antecedência de experiências que poderiam pressagiar deslocamento e desordem 288 Contos de esgotamento embora com quase certeza aterrorizem muitos recrutas em potencial podem vir a confortar outros Uma vez que os despachos dos Homens Brancos carregam de maneira prévia a própria atitude do Homem Branco esgotado eles parecem permitir a aquisição da sabedoria do esgota mento sem a necessidade de experimentar o fogo Os Homens Brancos velhos tiveram de sofrer porque quando entraram no sistema não sabiam como sentir como falar e como se comportar Novos recrutas equipados antecipadamente com a sabedoria duramente conquistada de seus predecessores não conseguem acreditar que experimentarão as mesmas durezas do mesmo modo Muitos as pectos da mensagem dos Homens Brancos para recrutas em potencial não são produto de desonestidade intencional são parte essencialda mídia que transmite a mensagem Para que logre encontrar qualquer lugar na mídia popular a in formação sobre a vida no sistema criminal de justiça deve entreter informar instruir chocar ou confirmar uma visão existente da realidade Ela deve atrair e segurar uma audiência Quase sempre terá de ser uma história durante a qual algo acontece Albert Murray está correto quando reclama que grande parte do que a América branca pensa que sabe sobre a cena urbana é produto de um novo e muito especial tipo de caçador branco ou um tanto branco que coleta dados em safáris profundos negros e tórridos na zona interior da Bola Oito289 Mas a situação é na verdade ainda pior Ninguém a não ser outros caçadores de dados ao menos lê os dados O que as pessoas leem e assistem são as histórias escolhidas para ilustrar as lições contidas nos dados artigos de destaque acompa nhando o lançamento das inspeções episódios completos em trinta minutos de shows policiais ou entrevistas com policiais em ação apresentados para ilustrar animar e confirmar as descobertas das inspeções Não se trata de uma questão de conspiração ideológica O público fica entediado com algumas coisas e entretido por outras e as companhias da mídia vivem ou morrem caso logrem reconhecer 287 RICHARD SENNETT THE USES OF DISORDER PERSONAL IDENTITY AND CITY LIFE 20 1970 288 Id p 20 289 MURRAY ObCit 284 a diferença290 As leis férreas do acesso à mídia tornam muito improvável que um Homem Branco em potencial seja bem informado sobre os enervantes dias de espera no tráfego da corte sobre oficializar nos julgamentos de condenação ou sobre embaralhar papéis no motor do veículo da divisão A preferência dos Homens Brancos por histórias de guerra complementa a ânsia da mídia por contar histórias e as duas tendências definem a informação usada pelos recrutas na escolha de uma carreira 6 IDENTIDADE Mannoni observou em seus pacientes colonialistas um dilema similar ao de Larry Kramer No mundo consolidado e estratificado da França metropolitana os colonialistas haviam sido posicionados de forma segura sobre o esquálido desespero dos camponeses e dos pobres rurais mas de forma igualmente segura abaixo de uma porção substancial da população branca Essa inferioridade po dia ser o resultado de estigma de classe ou de obstáculos financeiros mas de qualquer maneira isso era uma peça fundamental da realidade social Optar por uma carreira como um clérigo ou um burocrata menor demandava na França a admissão de tudo o que a inferioridade implicava e em efeito a condenação de alguém para viver uma vida respondendo aos outros seguindo suas ordens acei tando sua disciplina e admitindo sua superioridade Do lado oposto a vida nas colônias vista da Europa oferecia uma imediata e compreensível superioridade Simplesmente pela virtude de ser branco uma pessoa tornavase parte de uma elite restrita e onipotente que governava sobre uma vasta maioria nãobranca Mannoni conclui que a vida colonial é simplesmente um substituto àqueles que ainda se encontram obscuramente atraídos por um mundo sem homens isso é para aqueles que falharam no esforço necessário de adaptar imagens infantis à realidade adulta291 O modelo de Mannoni para esses colonos foi o Próspero de Shakespeare ostensivamente um homem em exílio mas um homem para qual o ambiente do exílio criou um contexto no qual seu poder não era nada menos que mágico292 290 Como Neil Postman coloca O entretenimento é a supraideologia de todo discurso na televisão NEIL POST MAN AMUSING OURSELVES TO DEATH PUBLIC DISCOURSE IN THE AGE OF TELEVISION 87 1989 Ver generally JOHN B THOMPSON IDEOLOGY AND MODERN CULTURE 1990 JULIE SALA MON THE DEVILS CANDY BONFIRE OF THE VANITIES GOES TO HOLLYWOOD 1991 exami nando essas forças no trabalho durante as filmagens de Bonfire 72 MANNONI ObCit p 108 291 MANNONI ObCit p 108 292 Próspero pareceu a muitos outros comentaristas simbolizar perfeitamente o colonialista Ver eg PHILIP MA SON PROSPEROS MAGIC SOME THOUGHTS ON RACE AND CLASS 1962 GEORGE LAMMING THE PLEASURES OF EXILE 1960 RUDYARD KIPLING HOW SHAKESPEARE CAME TO WRITE THE TEMPEST 1916 Trevor P Griffiths This Islands Mine Caliban and Colonialism 13 THE YEAR BOOK OF ENGLISH STUDIES 159 80 1983 285 Definida nestes termos frios a metáfora parece adequada como descrição apenas de homens como Kurtz homens em cujas vidas como Alan Sandison pontua o embarque do self em sua conquista cognitiva voraz para superar a outridade do mundo encontra expressão física na ideia imperial293 Mesmo nas frontei ras coloniais nem todos eram como Kurtz assim como nem todos no sistema de justiça criminal são como Dirty Harry Solitários selvagens ensaiando suas fantasias de onipotência com total desconsideração pelo mundo circundante são considerados aberrações em ambos os casos Mannoni não questionaria esse fato Ele aponta que o impulso por trás da realização da vocação colonial é sempre uma questão de comprometerse com o desejo de um mundo sem homens294 Mannoni admitiria que muitas pessoas irão se comprometer e que pessoas dife rentes firmarão diferentes compromissos O trabalho de Mannoni é importante porque ajuda a esclarecer duas res postas costumeiras quase reflexivas ao colonialismo que podem obscurecer seu significado contemporâneo A primeira é a tendência de encarar o colonialismo exclusivamente como um sistema de exploração econômica Mannoni insiste que os Europeus no Terceiro Mundo não estavam apenas explorando suas possibili dades comerciais estavam também explorando suas possibilidades psicológicas Aqui Mannoni contribui para a compreensão do pessoal do sistema de justiça criminal da Bola Oito Não é necessário aceitar Mannoni em seu extremo ou aceitar uma empresa como o pesadelo de Kramer a Angstrom Molner na condição de única definição possível de realidade adulta para enxergar que os colonialistas de Mannoni e Homens Brancos como Kramer são conduzidos a suas carreiras pela mesma atração debaixo de seu superficial exotismo comparti lhado os dois ambientes parecem inusitadamente promissores como locais para se moldar a identidade própria de um indivíduo bem como para escapar das inaceitáveis definições que a sociedade de outro modo imporia Kurtz e Dirty Harry Callahan são exceções não em virtude dos impulsos que os movem Man noni vê esses impulsos como típicos na verdade eles são extremistas porque recusamse a se comprometer em cumprir esses impulsos típicos Mannoni também aborda a tendência de se pensar a ideologia imperial como um conjunto de doutrinas e políticas que não tiveram origens próprias Os estudos de Mannoni indicam que algo na visão de mundo imperial apelou aos colonialistas Ele acredita que eles a aceitaram e não que ela foi sobre eles impos ta Mannoni baseou seus escritos em patologias de indivíduos e é importante re lembrar a cautela de Erik Erikson de que podemos apontar similaridades apenas 293 ALAN SANDISON THE WHEEL OF EMPIRE 62 1967 294 MANNONI ObCit p 108 286 provisórias tentativas entre as crises do indivíduo e o comportamento de grupo com o propósito de indicar que em dado período história eles se encontram em obscuro contato um com o outro295 Compreender os compromissos por baixo das vocações dos profissionais da justiça criminal que parecem mais são que Dirty Harry não responderá com autoridade toda e qualquer questão sobre os modos com que eles falam sentem e se comportam No entanto reconhecer que esses compromissos estão tomando lugar fornece um primeiro passo indispensável Se aceitarmos a verdade da observação de Erikson de que a instituição social guar diã da identidade é o que nomeamos por ideologia296 tornase possível pensar a ideologia tanto como um efeito quanto como uma causa Algum tipo de ideo logia atrai o Homem Branco que escolhe a carreira de justiça criminal Estando ele dentro do sistema entretanto essa ideologia pode precisar de modificação mesmo substituição se deve servir moldar e sustentar sua identidade enquanto ele persegue essa carreira Algumas ideologias serão melhores que outras para esses propósitos A diferença reside no ajuste entre os contornos da ideologia e as necessidades da identidade em desenvolvimento Podemos identificar forças atrás da vocação do Homem Branco que o predisponham a uma posição ideológica ou que implantem aversão a outra 7 REGRAS DOS MENINOS Numa área de vida a promessa do sistema da Bola Oito de postergar o comprometimento adulto é particularmente clara a versão do Homem Branco do sistema de justiça criminal proporciona apenas uma brusca aproximação ao mundo sem homens de Mannoni mas chega perto de alcançar um mundo sem mulheres É difícil ignorar o impressionante foco da justiça criminal do Homem Branco em questões de masculinidade e identidade individual Essa visão ima gina um mundo do qual as mulheres jamais participam inteiramente e no qual raramente aparecem a não ser em papéis estilizados que simbolizam vários pon tos de referência na jornada em busca da maturidade masculina Para um homem jovem que pretende criar um intervalo entre escapar da casa da mãe e desaparecer na de sua esposa uma carreira que atrase esse último momento exerce uma forte atração A viatura de polícia a sala de audiência e o escritório parecem todos oferecer aos Homens Brancos uma fuga das mulheres e das ambivalências e am biguidades da vida doméstica O ambiente da Bola Oito assim como o militar é prenhe em suportes de gênero o cuspir o amaldiçoar as gírias roughan 295 ERIKSON ObCit p 172 Por outra cautela no mesmo ponto ver GERALD PLATT FRED WEINSTEIN PSYCHOANALYTIC SOCIOLOGY 1973 296 ERIKSON ObCit p 133 287 dtumble297 que os bemcriados jovens profissionais que compõem o sistema jamais teriam utilizado em casa298 O relato de Tom Wolfe sobre Larry Kramer e seus colegas numa conversa é um bom exemplo Qual é Larry disse Andriutti diga a verdade No fundo você não gostaria de ser italiano ou irlandês Sim responde Kramer porque assim eu não saberia o que estava acontecendo neste maldito lugar Caughey começou a rir Bom não deixe que Ahab veja esses sapatos Larry ou ele terá uma crise de Jeanette e fará um maldito memorando Não ele vai con vocar a droga de uma conferência de imprensa Essa sempre é uma aposta segura E assim mais um maldito dia no maldito bureau de homicídios do maldito Escritório do Procurador Distrital do Bronx estava pronto para um maldito começo299 Presumed Innocent materializa as preocupações dos Homens Brancos sobre o gênero com uma profundidade quase cômica A esposa de Rusty Sabich é uma caricatura da mãe préedípica que incansavelmente arrasta Sabich aos gravames e obrigações do lar e da família Sua amante por outro lado sexualmente voraz e traiçoeira é uma mãe edípica que trai Sabich ao dormir com pelos menos dois de seus exemplos de pais profissionais enquanto conspira para que ele ganhe uma promoção merecida300 Se isso não fosse suficiente a esposa assassina a amante e deixa que Sabich tome a culpa uma culpa inextrincavelmente associada em sua mente como o estupro homossexual e interracial que ele prevê na prisão301 Quando se encontra fora da Bola Oito o Larry Kramer de Bonfire passa por si tuações similares Em primeiro lugar ele é sufocado numa minúscula colônia de formigas do West Side com sua esposa e seu filho e então arruína sua carreira profissional ao alugar de forma ilegal um ninho do amor onde pretendia sedu zir uma integrante do júri As asserções da Bola Oito em fornecer um santuário contra esse tipo de problema são plausíveis o suficiente para que sobrevivam A verdade é que as mulheres estão realmente subrepresentadas no sistema de justiça criminal mas uma subrepresentação ainda mais drástica ocorre em relatos ficcionais e auto biográficos do sistema de justiça criminal Nessas versões as mulheres aparecem apenas como inconvenientes tentadoras ou donzelas em perigo Mesmo as atri zes geralmente descritas como personificações da nova mulher profissional de Hollywood não constituem exceção a essas convenções No período de dois anos Cher uma defensora pública em Suspect teve seu caso vencido e sua vida salva 297 Expressão que remete ao sentido de homens durões mal encarados barulhentos desordeiros entre outras se mânticas de masculinidade violenta 298 Donald J Mrozek The Habit of Victory The American Military and the Cult of Manliness in MANLINESS AND MORALITY MIDDLECLASS MASCULINITY IN BRITAIN AND AMERICA 18001940 p 220 JA Mangan James Walvis eds 1987 299 WOLFE ObCit p 103 300 Ver NANCY CHODOROW THE REPRODUCTION OF MOTHERING PSYCHOANALYSIS AND THE SOCIOLOGY OF GENDER 1978 301 TUROW ObCit p 230 288 por um membro homem do júri Ellen Barkin uma procuradoraadvogada dis trital assistente em The Big Easy teve sua frigidez curada e sua vida salva por um policial homem e Glenn Close uma advogada de defesa em Jagged Edge apai xonouse por seu cliente homem e teve de ser salva Nos relatos da vida da justiça criminal que atraem os Homens Brancos principiantes essas criaturas fêmeas perturbadoras geralmente só servem para estragar as coisas Seymour Wishman no seu autobiográfico Confessions of a Criminal Defense Lawyer aborda o proble ma no tom preciso de um fanático por baseball de 12 anos de idade que protesta contra o pedido da mãe para que inclua sua irmã mais jovem no time A luta por poder e controle tão central para muitas das competições nas salas de tribunal po deria ser vista como um campo de batalha em que homens lutam com seus próprios problemas não resolvidos de machismo e tais problemas eram projetados no adversário mesmo se e especialmente se o adversário era uma mulher Eu lembro de ter provocado uma promotora que tomou ao longo do julgamento minhas objeções como ataques pessoais Enquanto me dirigia ao júri nas minhas conclusões caminhei para a mesa em que ela estava e a centímetros de distância de sua face insisti veementemente de que ela teria de explicar adequadamente cer tas inconsistências Eu venci e embora não houvesse um jeito de saber com certeza caso ela não fosse uma mulher teria conseguido evitar ficar tão envolvida pessoalmente Advogadas feministas poderiam ter sido piores do que essa mulher afobada tantas vezes rígida e frágil para agarrar as oportunidades inusitadas 302 As mulheres civis não são melhores Nenhum drama de justiça criminal está completo sem pelo menos uma cena em que um Homem Branco esgotado tenta convencer uma esposa ou uma amante ou na natureza das coisas uma ex esposa ou uma examante da crucial importância moral da sua carreira na Bola Oito As mulheres não são convencidas A esposa do defensor público Randy Bellows nem ao menos consegue ir ao escritório dele sem ficar enjoada com as histórias de guerra que povoam os corredores Barb começou a se questionar se o homem com quem se casara não estava involuntariamente servindo ao mal Ele certamente não estava servindo à justiça Quanto mais ouvia mais de primida ficava mais convencida de que não se tratava em absoluto de Atticus Finch Isso era simplesmente ruim Talvez mesmo imoral certamente amoral 303 Não obstante os recrutas ao lerem o relato de Wishman podem encon trar conforto ao saber que quando uma fêmea ocasional aparece nas cortes sua presença é tão incongruente que pode ser facilmente vencida Mesmo as sim páticas séries de televisão The Trials of Rosie ONeil e Cagney and Lacey embora retratem suas heroínas defensoras públicas e policiais como profissionais capazes salientam a variedade de formas em que é difícil ser uma policial ou uma defensora Num mundo como o de Wishman qualquer tendência a valorizar 302 WISHMAN ObCit p 3839 303 BELLOWS ObCit p 72 Larry Kramer de Bonfire tem uma reação semelhante ao seu papel de promotor Sua própria esposa A ideia dela de se defender foi dizer Larry tem tantas pessoas de cor para prender que ele não tem tempo para tratálas como indivíduos WOLFE ObCit p 236 289 relacionamentos lidar com diferenças ou tentar reconciliação tendências geral mente identificadas como femininas 304 conduz a uma deficiência evolutiva no patamar daquela que extinguiu os dinossauros Eu não conheci muitos advogados criminais que eram ao mesmo tempo mulheres e compe tentes Poucos advogados criminais eram mulheres e a maior parte das que eu conhecia parecia inclinada a se envolver emocionalmente com seus clientes ou a se tornar habitualmente vítima das doses massivas de sexismo infligidas por juízes advogados pessoal da corte e até mesmo por seus clientes O duro mundo da corte criminal parecia ser aos olhos de seus participantes um mundo de homens em que o distanciamento necessário e a agressividade dos advogados possuíam um espesso aspecto macho305 A visão de justiça da Bola Oito sugere que em seu interior a confusão sobre como se aproximar de mulheres não importará e que a complexa ambi valência das relações adultas entre homens e mulheres os comprometimen tos obrigações ansiedades e prazeres podem ser evitados Essa situação pare ce adequada aos Homens Brancos que representam esse sistema Mulheres são bemvindas somente quando contribuem para o avanço do protagonista em sua jornada rumo à identidade Em Presumed Innocent a amante de Rusty Sabich Carolyn o traiu aban donou o ridicularizou e o conduziu direto para a terapia Mas assim que ela é assassinada ele é designado para investigar e processar seu caso Sabich estuda as fotografias do corpo de Carolyn na cena do crime e ela está amarrada nua sua face macabra E então o pior de tudo quando a sujeira é removida do baú de tesouro começa a surgir algo dentro de mim livre de vergonha ou mesmo medo uma bolha de algo leve o suficiente para que eu reconheça isso como satisfação Carolyn Polhemus aquela torre de graça e fortaleza está deitada aqui diante do meu campo de visão com um olhar que ela nunca teve em vida Eu finalmente vejo agora Ela quer minha piedade Ela precisa da minha ajuda306 A satisfação de Sabich advém do fato de que o devorar de sua mãe edípica entrou no sistema de justiça onde ele tem o poder de reimaginála como uma donzela em perigo Agora Sabich pode trabalhar O capítulo final de Presumed Innocent leva o nome de Closing Argument Sabich foi absolvido do assassinato de sua amante e ele argumenta agora em tom de aceitação agridoce que as coi sas foram restauradas a um facsímile de como elas deveriam ter sido 304 Ver CAROL GILLIGAN IN A DIFFERENT VOICE A PSYCHOLOOICAL THEORY AND WOMENS DE VELOPMENT 1982 explorando as diferentes maneiras pelas quais homens e mulheres respondem a proble mas morais Se essas tendências são de fato femininas é uma questão debatida Catherine MacKinnon por exemplo argumenta que a voz alternativa que Gilligan descreve é simplesmente a voz dos impotentes sob condições de desigualdade Catherine MacKinnon Feminist Discourse Moral Values and the LawA Conversa tion 34 BUFFALO L REV 11 1985 Embora eu não tenha nenhuma esperança de resolver essa questão aqui acredito que o modelo de Gilligan permanece útil como contraste Para uma indicação de como uma jurisprudên cia feminista pode inspirar um tipo diferente de prática legal ver PHYLLIS GOLDFARB A Theory Practice Spiral The Ethics of Feminism and Clinical Education 75 MINN L REv 1599 1991 argumentando pelo reconhecimento de semelhanças metodológicas fundamentais entre educação clínica e jurisprudência feminista 305 WISHMAN ObCit p 3839 306 TUROW ObCit p 29 290 Mas vale a penar mesmo que por um momento examinar o que foi restau rado A amante de Sabich está morta Sua esposa a verdadeira assassina e seu fi lho vivem agora numa cidade distante e ele não os visita a não ser que o trabalho permita Sua figura profissional paterna o antigo promotor de justiça rastejou em busca de perdão e arranjou a promoção de Sabich como o novo promotor de justiça Esta não seria a ideia de final feliz para todos mas é a de Sabich No fim de um livro explicitamente estruturado como um julgamentoporordália essa é a sabedoria que ele alcança no fim Essa é a vida com o nãoessencial e o falso esgotados Sabich está livre de qualquer reivindicação emocional adulta Os funcionários colonialistas tiveram a mesma tendência de encarar as mulheres com alarme Era sabedoria popular entre os contemporâneos de Ki pling o fato de que a Índia e as relações com indianos tomaram um rumo dra mático para pior quando a política e a higiene tornaram possível que os ingleses se juntassem às suas esposas no subcontinente Em Burmese Days o relato de Orwell sobre a vida imperial o protagonista é conduzido por uma memsahib uma mulher branca de alta sociedade para um fútil e ingênuo namoro que transforma sua habitual infelicidade numa miséria histérica ao fim ele acaba se suicidando307 Para os colonialistas a separação entre homens e mulheres evitou muitos problemas Mas a separação dos comprometimentos domésticos não é um fim em si mesmo Liberdade frente as demandas das mulheres é apenas um dos aspectos do objetivo central dos Homens Brancos A leitura dos contos da justiça criminal dos Homens Brancos quando se têm em mente os colonialistas torna claro que para ambos os grupos de homens a ausência de mulheres não apenas ajuda a separar os homens das mulheres também ajuda a separar os homens dos garotos Afinal de contas Masculinidade não é apenas diferente da feminilidade mas também da infância e da adolescência308 8 AUTONOMIA O mundo sem mulheres materializado nos contos do Homem Branco en coraja o Homem Branco em potencial a ter esperança de que poderá se concen trar em se tornar um homem entre homens A busca por esse projeto demanda um grau de independência e a atração mais significativa apresentada pela Bola Oito aos seus recrutas é a de inusitada e imediata autonomia Ela não promete a autonomia absoluta como a fronteira imperial fazia todos no sistema de justiça 307 ORWELL ObCit p ver DENNIS KINCAID BRITISH SOCIAL LIFE IN INDIA 1938 308 MROZEK ObCit p 221 291 criminal possuem o chefe identificável dentro de 200 milhas Na verdade uma das convenções mais vigorosas do drama da justiça criminal é a de que esses chefes são sem exceção idiotas covardes irritantes e metidos Embora o Dirty Harry Callaghan de Clint Eastwood seja eternamente amaldiçoado por políticos imbecis e pelos segundos em comando na delegacia no original Deputy Chiefs cargo inferior somente ao de xerife os Homens Brancos em potencial notarão que Harry sempre triunfa sobre eles no fim Mais precisamente dramas da vida policial ou da corte deixam claro a potenciais recrutas que Dirty Harry somente se encontra sob o controle de seus supervisores quando está na presença deles uma circunstância que raramente se concretiza A maioria das decisões feitas por qualquer um que trabalhe no sistema de justiça criminal é invisível apenas uma pequena fração das abordagens e revistas policiais as negociações entre acusado res e defensores e escolhas de táticas realizadas diariamente na sala do tribunal nunca são vistas e mesmo revistas por qualquer um a não ser os participantes di retos Enviar novos oficiais de distrito para afundar ou nadar em distantes arredo res do império era uma política empenhada do Escritório Colonial Britânico309 O envio de defensores promotores e policiais inexperientes à ação após algumas semanas de treinamento superficial é uma questão de necessidade financeira para os burocratas da justiça criminal A não ser que façam algo terrivelmente emba raçoso os funcionários da justiça criminal estão por assim dizer praticamente por conta própria310 Assim que os recrutas ingressam no sistema o sentimento de que estão sozinhos ignorantes e responsáveis311 pode ser avassalador e aterrorizante Mas para um recruta que esteja enxergando o sistema por meio dos contos do Homem Branco esses sentimentos de isolamento são difíceis de prever Muitas pessoas vão reconhecer em si mesmas uma necessidade de supervisão e os contos dos Homens Brancos da justiça criminal irão intimidar essas pessoas elas encon trarão outro trabalho As pessoas que não estão dissuadidas entretanto são for temente atraídas pela ausência de constrangimentos e relativamente tranquilas com a falta de suporte A questão então não diz respeito a como a autonomia oferecida pelo siste ma de justiça criminal pode ser comparada com a oferecida pela Fronteira Afegã retratada por Kipling mas sim a como as carreiras da justiça criminal são com paradas com as opções alternativas disponíveis As apáticas características do sis tema criminal apresentam um frio contraste com a supervisão intensa constante 309 Ver EDWARDES ObCit p16465 310 Ver AJ Reiss Discretionary Justice in HANDBOOK OF CRIMINOLOGY Daniel Glaser ed 1974 Joseph Goldstein Police Discretion Not to Invoke the Criminal Process Low Visibility Decisions in the Administration of Justice 69 YALE LJ 543 1960 311 EDWARDES ObCit p 16465 292 e opressiva numa grande empresa Então quando David Heilbroner apresentase para trabalhar como Advogado Assistente Distrital Assistente de Procurador312 ele e seus colegas são cumprimentados desta maneira Este é o único escritório de direito na cidade de Nova York o supervisor disse em que vocês entram como parceiros Aplausos e gritos de entusiasmo encheram a sala Vocês serão advogados assistentes distritais Apenas o Sr Morgenthau é o Advogado Distrital Procurador Todos os outros são mais ou menos iguais313 A supervisão que a maior parte das carreiras implicaria aos Homens Bran cos carrega uma inconfortável semelhança com a supervisão patriarcal à qual eles foram na infância e na adolescência sujeitos O papel de um parceiro supervi sor numa empresa de advocacia parece não ser mais do que a sustentação por um longo longo período do mesmo ranking de status inferior que os Homens Brancos experimentaram até então Do outro lado a sucessão de sargentos emi nentes que proporcionam um tipo de centro moral para o Hill Street Blues é algo avuncular não paternal Os sargentos demonstram uma autoridade que parece ser livre das rivalidades ambivalências e tensões sexuais presentes numa relação paifilho de verdade O papel do sargento é principalmente o de ajudar o novo recruta de forma dura e severa mas com um coração de ouro durante sua iniciação para um novo modo de vida e de auxiliálo a lograr a separação de sua infância e adolescência A ausência de supervisores no sistema de justiça criminal é reforçada por um aparentemente inesgotável suprimento de camaradas como se vê nos filmes de policialcamarada Ademais o potencial do sistema para camaradagem pa rece prometer aos filhos da burguesia um passaporte fácil através das linhas de classe Em Presumed Innocent Rusty Sabich regozijase com a amizade conferida a ele por Lipranzer e Kenneally dois policiais durões e ele sente uma especial afeição pessoal por Morgan Hobberly um informante negro que morreu após ajudálo em seu caso mais célebre 314 Em Bonfire Larry Kramer está preocupado com o fato de que ele parece estar angariando a aceitação de Martin e Goldberg os policiais designados à investigação do caso central do livro 315 Os contos do Terceiro Mundo é claro apresentam um infindável catálogo de relações similares Quando TE Lawrence é aceito como um igual ao menos de acordo com a opinião de Lawrence por Auda Abu Tayi o salteador beduíno 312 NT A função de Advogado Distrital desemprenhada nos Estados Unidos é comparável à dos Procuradores Públi cos brasileiros explicase essa correlação para uma melhor compreensão do contexto debatido pelo texto quando aplicada a uma observação dos Homens Brancos e Funcionários públicos da justiça no Brasil Essa observação é pertinente para análise dos discursos de procuradores públicos em sua esmagadora maioria homens brancos que impõem narrativa de protagonismo nacional em extrema evidência no panorama político brasileiro atualmente 313 DAVID HEILBRONER ROUGH JUSTICE 18 1990 314 TUROW ObCit p 189 315 WOLFE ObCit p 189 293 ou quando o portavoz de Kipling Orde é tratado como pai pelos ferozes Le ões do Punjab o mesmo sonho tornase realidade a sensível demasiadamente instruída admissão do Homem Branco à masculinidade é ratificada por um pri mitivo que em virtude de representar a essência destilada de masculinidade é o árbitro mais qualificado Os jovens Homens Brancos podem não fazer uma conexão explícita entre por exemplo a relação de Lawrence e Auda e seus pró prios prospectos de aceitação pelos homens de verdade sejam eles policiais ou criminosos do sistema de justiça criminal há muitos ancestrais em comum por exemplo Ishmael e Queequeeq Huck e Jim Deerslayer e Chinagcook Prince Hal e Falstaff316que permitem a assunção de uma herança direta e exclusiva Ainda assim uma vez lidas as memórias dos defensores públicos James Kunen e Randy Bellows é suficientemente fácil imaginálos indo à corte com o Seven Pillars of Wisdom de Lawrence em suas pastas do mesmo jeito que Lawrence via jou pela Arábia com Morte dArtur em seus alforjes317 A ideia de Larry Kramer ser aceito como igual por dois policiais de Nova York é tão plausível quanto a plena aceitação de um Lawrence loiro e de olhos azuis como um Beduíno Mas a Bola Oito como as fronteiras imperiais oferece um ambiente em que essa caracterís tica fantasia de desejo de alguém que gostaria de pensar que tudo é possível de que alguém pode ir para qualquer lugar e ser qualquer coisa318 parece possível de ser sustentada Mesmo o desejo de conexão com seus camaradas não é entretanto tão fundamental à vocação dos Homens Brancos quanto sua relação específica com a maior parte dos membros do público geral A Bola Oito como o Terceiro Mundo colonial oferece um vasto suprimento de nativos a governar A divisão do poder no sistema de justiça criminal não é tão friamente discrepante como era a divisão entre colonizador e colonizado mas o domínio do sistema crimi nal de justiça abriga muitas pessoas que em decorrência da pobreza da falta de educação do vício classe ou raça possuem uma habilidade muito limitada para controlar as ações dos funcionários Todo show policial rotineiro torna isso bas tante claro ao mostrar como suspeitos são tratados informantes são ameaçados e como os profissionais da justiça criminal conseguem o que querem 319 O lado da aplicação da lei do sistema de justiça criminal oferece uma atração adicional para o Homem Branco se a situação assim o demandar ou se o Homem Branco 316 MARTIN GREEN DREAMS OF ADVENTURE DEEDS OF EMPIRE 1979 317 TE LAWRENCE THE SELECTED LETTERS 24 n1 Malcolm Brown ed 1989 Ver também JOHN MACK A PRINCE OF OUR DISORDER THE LIFE OF TE LAWRENCE 1987 318 EDWARD W SAID Introduction to RUDYARD KIPLING KiM 44 1987 319 Como Joseph Goldstein apontou na sociedade americana a prisão e acusação representam uma cerimônia de degradação do status GOLDSTEIN ObCit p 590 Esse desequilíbrio no poder surge de várias maneiras inesperadas também Ele se esconde por exemplo mesmo no relacionamento entre advogados de defesa e seus clientes 294 em comando assim o desejar qualquer um especialmente qualquer um que seja negro ou pobre mas em última análise qualquer um pode ser preso e rebaixado a um status de nativo Na verdade o reconhecimento desse fato está no coração de ambos os livros Bonfire e Presumed Innocent Os protagonistas de am bos começam como pilares aparentemente invulneráveis da comunidade e são imediatamente transformados pela acusação e pela prisão em um tipo totalmente distinto de pessoa intensamente vulnerável impotente e exposto Esses são os benefícios que a visão do Homem Branco da carreira da justi ça criminal anuncia como compensação por seus salários miseráveis e seu baixo status profissional Eles são conferidos a qualquer um que simplesmente faça a es colha antes mesmo de fazer qualquer coisa Estão implícitos no status da justiça criminal do Homem Branco A visão do Homem Branco do serviço da Bola Oito oferece um salário estável e a consequente liberdade frente às agudas preocupa ções financeiras um mundo totalmente de homens e a consequente liberdade frente às ambivalências e exigências da vida doméstica autonomia rápida e a consequente liberdade frente às definições dos outros um suprimento de cama radas e a consequente liberdade frente o medo de isolamento e superioridade automática sobre uma porção substancial das pessoas que serão encontradas no dia a dia Esse status foi alcançado com suficiente facilidade no mundo imperial e não está facilmente disponível para os atuais americanos de classe média fora do sistema de justiça criminal 9 AVENTURAS Por ter dissipado as várias distrações da vida de workadaddy a visão do Homem Branco do mundo da justiça criminal gera um lugar quase único na sociedade moderna que eficientemente costura os vários elementos da clássica aventura de cavalaria320 Como a aventura toda história de guerra narra uma se paração da vida cotidiana descreve uma imersão em ambientes exóticos e amea çadores movese coerentemente em direção a um objetivo específico está repleta de propósitos idealistas e altruístas e culmina num teste final de masculinidade O aparente exotismo do sistema de justiça criminal urbano oferece ao jovem Homem Branco uma importante arma social Larry Kramer reconhece isso ao contemplar suas chances de seduzir uma linda integrante do júri Os membros do júri de primeira viagem nas cortes criminais tinham um jeito de se deixa rem intoxicar pelo romance a voltagem crua do mundo cruel que eles agora enxergavam 320 Ver MARK GIROUARD THE RETURN TO CAMELOT CHIVALRY AND THE ENGLISH GENTLEMAN 1981 John A MacKenzie The Imperial Pioneer and Hunter and the British Masculine Stereotype in Late Victorian and Edwardian Times in MANGAN WALVIN ObCit p 176 descrevendo a prática rituais e significado social da caça na cultura britânica 295 de camarote e as jovens mulheres se tornaram as mais inebriadas de todos eles Para elas os defensores não eram lanche321 tudo menos isso Eles eram desesperados E esses casos não eram porcaria Eram dramas frios da cidade de bilhões de pés E aqueles com a coragem de lidar com os desesperados de lutar com eles controlálos eram homens de verdade mesmo um funcionário da corte com um tubo de gordura de dez centímetros caindo sobre seu cinto Mas quem era mais másculo do que um jovem promotor que permanecia a não mais que dez passos do acusado com nada entre eles a não o ar fino e que arremessava as acusações do Povo em seus dentes322 Uma das coisas legais sobre o ar de perigo que Kramer descreve é a de que ele é quase completamente falso Você estaria em perigo se tivesse saído para ma tar um dragão e você estaria em perigo se fosse o único Inglês na fronteira Afegã mas você não está em perigo se é o promotor numa audiência criminal Mesmo os policiais os únicos trabalhadores da justiça criminal detentores de uma quase plausível reclamação de que sua profissão é perigosa são estatisticamente me nos suscetíveis a ferimentos do que muitos trabalhadores industriais e mesmo esses ferimentos decorrem com maior frequência de acidentes de carros do que das ações de desesperados323 Ademais o ambiente propositalmente exótico do sistema de justiça criminal não apenas oferece relativa segurança contra o perigo físico mas também contra a exposição das próprias e vergonhosas inadequações dos Homens Brancos John McClure levantou a questão de que os agentes co loniais e aqui eu incluiria não apenas os soldados e os administradores mas também os jornalistas antropólogos e outros brancos em atuação no Terceiro Mundo desfrutavam em suas viagens do luxo de conhecer sem a dor de ser conhecido 324 A memória de TE Lawrence Seven Pillars of Wisdom é um bom exemplo O livro é um imenso compêndio do que Lawrence sabia ou ao menos pensava saber sobre os árabes mas não sugere que os árabes sabiam qualquer coisa a respeito de Lawrence a não ser o que ele queria que soubessem As histórias de guerra da justiça criminal compartilham dessa promessa de segurança e Presumed Innocent oferece um exemplo típico Sabich e o Detetive Lipranzer estão visitan do um projeto de habitação popular uma zona de guerra uma terra em que não há futuro um lugar em que havia pouco sentido de causa e efeito Mas os dois brancos têm acesso seguro a esse lugar infernal porque enquanto sobem as escadas Lipranzer deixa seu distintivo à mostra porque não quer ser confun 321 NT No original chows que é uma expressão referente a comida no sentido usado pelo autor da citação a expres são chows com semântica depreciativa das personagens envolvidas 322 WOLFE ObCit p 126 323 ROBERT M FOGELSON BIG CITY POLICE 1977 324 MCCLURE ObCit p 49 ver eg WISHMAN ObCit p 100 Com pouco estímulo os clientes descre veriam suas vidas como lúgubres apaixonadas por detalhes vidas desesperadas e cheias de violência drogas e sexo 296 dido com um homem branco qualquer325 O distintivo de Lipranzer serve como passaporte e talismã Sabemos como Rusty Sabich quer se apresentar a Morgan Hobberly seu informante negro mas não nos é dada qualquer indicação de que Hobberly possa estar um pouco cético sobre essa apresentação As reminiscências de Randy Bellows e James Kunen estão repletas de intuições sobre a psicologia e a moralidade de seus clientes indulgentes mas não há evidência de que os dois advogados estivessem preocupados com a possibilidade de um processo de avalia ção recíproca estivesse tomando lugar Ambos estavam dispostos a conceber que os réus indigentes poderiam desconfiar de conselhos genericamente apontados mas nenhum deles sugere que no que lhes dizia respeito as dúvidas dos réus po deriam ser algo pessoal 326 Em certo sentido o sistema de justiça criminal é uma indústria cujo propósito fundamental é definir e excluir outro de vários tipos De forma errada ou correta a ideologia da justiça criminal americana vê os criminosos como uma variedade especial de pessoas diferentes das normais possuidoras de todas as características que uma pessoa possui327 Todo conto de investigação ou lide criminal desenvolvese em direção ao objetivo de conferir status especiais às pessoas alguém é incluído na comunidade como um de nós ou expulso e formalmente rotulado como um outro 328 Quando eles descrevem sua busca por esse objetivo os historiadores do sistema de justiça criminal são viciados a uma retórica que explicitamente evoca a imagem de uma batalha cavalheiresca Joseph Wambaugh por exemplo deificou um policial derrotado numa novela e mais tarde uma série de televisão chama da The Blue Knight O advogado do réu é sempre o campeão do acusado329 e a revista da Associação Nacional de Advogados de Defesa Criminal na realidade se chama The Champion A metáfora do combate por procuração é penetrante e os advogados en volvidos manifestam uma persistente necessidade de atribuir aos seus clientes propriedades que os tornariam merecedores de um campeão da cavalaria Este é o ponto por exemplo da conversão da depravada examante de Rusty Sabich em donzela em perigo É também o ponto da reconstrução feita por Larry Kramer 325 TUROW ObCit p 359 326 BELLOWS ObCit KUNEN ObCit 327 JOHN GRIFFITHS Ideology in Criminal Procedure or a Third Model of the Criminal Process 79 YALE LJ 359 37879 1970 328 Essa segurança também aumenta o poder de uma das estratégias tradicionais usadas na definição da própria identidade a de proclamar uma identidade negativa encontrando alguém para contrastar com o próprio eu emergente ERIKSON ObCit LARRY KRAMER por exemplo é capaz de se contrastar com Andy Heller e sua prosaica escolha de Angstrom Molner O expromotor David Heilbroner enfaticamente não é advogado de Assistência Jurídica de Nova York Defensores públicos como Kunen e Bellows passam boa parte do tempo apontando que por sua vez não são Larry Kramer ou David Heilbroner 329 GRIFFITHS ObCit p 36869 297 de seu informante o Rei do Crack da Avenida Evergreen em um facsímile de um estudante de Lawrenceville contemplando os Poetas do Lago330 Na visão de Kramer essa transformação não é apenas uma questão de persuadir jurados ou reforçar a reputação de alguém na sala de julgamento Você sentiu que precisava higienizálo para você Você precisava acreditar que o que você estava fazendo com essa pessoa expressamente tentando usálo para levar outra pessoa para a cela era não apenas eficaz mas certo Esse verme esse germe esse punk esse antigo babaca era agora seu camarada seu companheiro na luta do bem contra o mal e você mesmo quis acredi tar que uma luz brilhava em torno desse organismo desse antigo verme debaixo da pedra agora um elevado e uma juventude incompreendida Ele sabia disso mas Roland Auburn era diferente331 A prática criminal oferece aos jovens Homens Brancos uma oportunidade incomparável de engajamento em combates estilizados em nome dessas figuras desencarnadas Oferece uma oportunidade para experimentar o que Erikson des creve como alguma correspondência fortemente sentido entre o mundo interior das ideias e maldades e o mundo social com seus objetivos e perigos 332 Claro essa é uma batalha apenas num sentido especial e na verdade é o exato oposto das tradições do combate cavalheiresco No sistema de justiça criminal os com batentes propriamente ditos não são feridos na batalha os acusados e as vítimas que eles defendem pagam o verdadeiro preço 333 O que quer que explique a imagem cavalheiresca os Homens Brancos geralmente são forçados a no fim entrar em acordo com o real impacto de seu trabalho Em seu livro de memórias Rough Justice David Heilbroner conta a his tória de um acusado que ele condenou e que depois cometeu suicídio 330 WOLFE ObCit p 410411 Ver também WILLIAM H SIMON The Ideology of Advocacy Procedural Justi ce and Professional Ethics 1978 Wis L REv 29 94113 argumentando que a criação de clientes artificiais é o requisito lógico de uma certa ideologia positivista da advocacia 331 WOLFE ObCit p Ill 332 ERIKSON ObCit p 18788 333 Esse desapego pode ser um produto da posição social dos profissionais de justiça criminal que servem como portavozes de seus colegas Caracteristicamente os homens brancos que escrevem sobre o sistema de justiça criminal são em certa medida homens à parte homens que não fazem parte do sistema mas homens que optaram por fazer parte dele Esse fato está diretamente dentro da tradição dos homens brancos que escreveram sobre o serviço imperial Kipling escreveu sobre os Soldiers ThreeSoldados três de baixa vida mas da perspectiva de um homem de escola pública que se tornou jornalista Orwell serviu na polícia da Birmânia mas sabia desde a infância que queria ser escritor e não escreveu sobre suas experiências na Birmânia até voltar à Inglaterra STANSKY ABRAMS ObCit Alguns excelentes exemplos aparecem entre os portavozes do sistema de jus tiça criminal Considere Donald Graham descendente da família Meyer e agora editor hereditário do Washington Post oferecendo suas memórias de serviço como patrulheiro da Polícia Metropolitana nas páginas do OpEd Opposite Editorial Page oposto à página editorial espaço jornalístico destinado às colunas ou comentários de opiniões que se encontram na página oposta à página editorial Ver Donald Graham Ten Years Later A Ride in Scout 148 WASH POST Aug 17 1990 pp A25 Joseph Wambaugh se baseou em sua própria experiência po licial ao escrever The New Centurions 1970 The Blue Knight 1972 e The Choirboys 1975 mas Wambaugh nunca foi um policial típico ou médio de Los Angeles já que possui diplomas avançados em ciências sociais Scott Turow publicou One L 1977 e James Kunen publicou The Strawberry Statement 1972 antes de iniciar o serviço de justiça criminal que levava respectivamente a Presumed Innocent e How Can Defend That People Esse grupo particular de homens brancos o grupo que ouvimos com mais frequência é retirado do elemento em que George Orwell se localizou e seus colegas coloniais eles não são zangões da classe trabalhadora mas os amortecedores da burguesia GEORGE ORWELL THE ROAD TO WIGAN PIER 126 1965 298 Antes de ser preso ele estava pronto para embarcar em uma nova carreira como eletricista com a esperança de melhorar sua condição Agora com uma condenação mentirosa diante dele esses sonhos foram destruídos Eu tive de parar por um minuto e considerar o efeito podero sos que minhas decisões tinham nas vidas dos outros Era vagamente nauseante saber que dia após dia minhas energias eram direcionadas a promover a punição 334 Em Confessions of a Criminal Defense Lawyer Seymour Wishman conta a história oposta Ele conhece uma vítima de estupro uma enfermeira que ele interrogou em nome de um acusado Assim que eu cheguei em casa uma coisa ficou clara a raiva da enfermeira me aterrorizou Não que estivesse esperando que ela me agredisse fisicamente mas eu estava aterrorizado pela pessoa que ela viu aterrorizado com o fato de que eu pudesse ser visto desse jeito aterrori zado com o fato que eu pudesse ser essa pessoa335 Os advogados estão unidos ao apresentar esses momentos como epifanias fulgurantes de clímax Cada homem usa a história para explicar o motivo de ter deixado o serviço da Bola Oito cada um vê sua descoberta da humanidade de testemunhas opostas com significado Cada um espera convencer os leitores da novidade de sua descoberta Os leitores estão mais propensos a se convencer de que os dois Homens Brancos não fizeram suas descobertas a não ser no fim de suas carreiras Para os leitores o significado residirá nos anos que cada homem perdeu perseguindo imagens fantasmagóricas de combate cavalheiresco e nas centenas de acusados e testemunhas que ficaram no caminho IV OS DESAPONTAMENTOS DA BOLA OITO Eu não descrevo as atrações oferecidas pela visão do Homem Branco do sistema de justiça criminal para atacar os homens cujas atrações os levaram a construir carreiras na justiça criminal Por que se sentir superior a homens que buscaram independência excitação e idealismo em suas carreiras Deveriam ter buscado em contrário subordinação tédio e ganho financeiro Fáceis assunções de superioridade sobre os Homens Brancos da Bola Oito convidam o criticismo cogente que George Orwell fez em sua avaliação ambivalente de Kipling É pelo fato de identificar a si mesmo com a classe oficial que ele possui uma coisa que as pessoas esclarecidas raramente ou nunca possuem e que é um senso de responsabilidade A classe média de esquerda odeia tanto Kipling por isso quanto por sua crueldade e vulgaridade 336 A maioria dos Homens Brancos da Bola Oito sente que seus esforços irão melhorar a vida na Bola Oito Eles podem estar errados a respeito disso mas a motivação não é por si inferior a uma mais determinação mais elegante de 334 HEILBRONER ObCit 335 WISHMAN ObCit 336 ORWELL ObCit p 18687 299 lamentar as condições da Bola Oito à distância Ao menos os Homens Brancos tentaram fazer algo Ademais os Homens Brancos do sistema de justiça criminal não são necessariamente anomalias as atrações que eles seguiram para dentro do sistema de justiça criminal refletem desejos que todos sentiram Os Homens Brancos no sistema de justiça criminal ou no Terceiro Mundo simplesmente as querem mais e estão dispostos a sacrificar mais com o propósito de alcançálas Reconhecer essas coisas é essencial para compreender o esgotamento e para avaliar sua afirmação de que é um distintivo de autoridade experiente A visão convencional do Homem Branco esgotado que é o guia para o submundo da justiça criminal urbana é a de que a importância dele deriva do que ele passou ele é interessante em virtude das incompreensões sobre a vida urbana que deixou para trás Na verdade o que é diferente e significativo na voz do Homem Branco é o que permanece o sonho obstinadamente persistente de um mundo de ideal autonomia O Homem Branco da justiça criminal sempre se dirige a nós no momento em que ele reconhece esse sonho como inalcançável um momento com o qual todos são familiares O fato de que todos nós compartilhamos dessa experiência que faz do Homem Branco da justiça criminal uma figura cativante mesmo para pessoas que abandonaram há um bom tempo a esperança de uma autonomia romântica em favor de uma existência workadaddy O sonho do Homem Branco é inalcançável Mas ele não é inalcançável por causa da natureza selvagem do povo que ele é forçado a governar assim como o sonho de Kurtz não era inalcançável por causa do povo que ele governava Nem é inalcançável em virtude das regras constitucionais e regulamentos que as cortes impõem assim como o descontentamento dos Homens Brancos coloniais não era causado pelos esforços bastante frágeis de Londres para controlar seu poder A ambição do Ho mem Branco é inalcançável e os Homens Brancos estão desapontados porque a vida adulta não confere tal completa autonomia a ninguém Kipling de todas as pessoas entendeu esse truísmo e o fez centro de uma de suas estórias mais bemsucedidas The Man Who Would Be King337 A estória revela o conto de dois Homens Brancos prototípicos Dravot e Carnehan que inseridos numa vida cada mais dominada e limitada por regras partem com o intento de se tornarem Reis do Kafiristan Dois dos mais simpáticos trapaceiros da história da ficção picaresca eles na verdade alcançam seu objetivo em parte por sorte em parte por coragem e perseverança Mas o reinado de Dravot como reideus é temporário Quando ele exagera ao casarse com uma humana e assim contradizendo seu status como deus os monges locais erguemse em rebelião e ele é morto Carnehan escapa e é visto na praça do mercado delirando em virtude do 337 RUDYARD KIPLING The Man Who Would Be King in A CHOICE OF KIPLINGS PROSE Craig Raine ed 1987 300 sol e cantando o hino que serve como epígrafe para essa seção Na versão original de Bishop Heber o hino começa O Filho de Deus marcha para a guerra Uma coroa dourada a ganhar338 Kipling corrige as palavras para O Filho do Homem marcha para a guerra indicando seu reconhecimento de que quando os filhos do homem esforçamse por alcançar prerrogativas reais eles ultrapassam os limites não importando quão compreensível seja a necessidade de tornarse rei ou quão atraente sejam os homens que a buscam A aventura de Dravot e Carnehan bus cada nos lugares isolados do Terceiro Mundo é uma com que facilmente se pode criar empatia e ninguém a trataria mais simpaticamente do que Kipling No fim esses fatores apenas compõem a agudeza da história Kipling insiste quase contra a sua vontade que a aventura está condenada pela natureza da existência mortal E se esses temas na justiça criminal sobrevivessem depois de os Homens Brancos terem entrado no sistema Eles possuem o mesmo poder para moldar o pensamento dos Homens Brancos na Bola Oito que a vocação dos colonialistas exerceu no Terceiro Mundo Eles influenciam seu caráter e suas percepções e comportamentos Eles afetam fundamentalmente as mensagens do sistema para a grande sociedade para a qual os profissionais são praticamente a fonte exclusive Quero tentar ilustrar o po tencial de distorção dessas forças ao oferecer dois exemplos de reações profissionais a questões que à primeira vista parecem exclusivamente políticas e ideológicas mas que podem dever muito e igualmente à biografia e à filosofia Um exemplo a controvérsia a redor do caso Miranda v Arizona é pequeno e discreto O segundo o debate sobre os dois modelos de procedimento criminal de Herbert Packer é compreensivo e penetrante A MIRANDA VS ARIZONA No caso Miranda v Arizona339 a Suprema Corte definiu que encontran dose um suspeito em custódia a polícia deve tentar dissipar a inerentemente coercitiva atmosfera da detenção policial informandoo acerca de seu direito de permanecer calado de seu direito à assistência por um advogado e por fim de seu direito de ter caso não disponha de recursos suficientes um advogado de signado a assistilo Estudos empíricos sobre o impacto de Miranda começaram logo depois de a decisão ter sido anunciada e mostram geralmente que Miranda tem no máximo ou no mínimo dependendo do seu ponto de vista um im pacto bastante marginal nas taxas de condenação340 Alguns atribuem esse fato à 338 H AUGUSTINE SMITH HYMNAL FOR AMERICAN YOUTH 149 1919 339 384 US 436 1966 340 Ver eg Michael Wald Richard Ayers David Hess Mark Schantz Charles Whitebread III Project Interro gations in New Haven The Impact of Miranda 76 YALE LJ 1519 1967 John Griffiths Richard Ayers A Postscript to the Miranda Project Interrogation of Draft Protesters 77 YALE LJ 300 1967 Richard Medalie Leonard Zeitz Paul Alexander Custodial Police Interrogation in the Nations Capital The Attempt to Imple 301 melhoria do profissionalismo policial outros a uma cultura de perjúrio policial outros à possibilidade de as advertências de Miranda nunca terem demonstrado para começo de conversa qualquer impacto nos suspeitos Seja qual for a razão o fato de que Miranda apresenta um obstáculo muito frágil à condenação não é surpresa para ninguém que seja regularmente ativo no sistema de justiça criminal Mas essa mesma conclusão chocaria o público em geral que confia nos e depen de de despachos do Homem Branco do front Nos contos dos Homens Brancos sobre a vida da justiça criminal suspeitos sarcásticos são sempre liberados em virtude de detalhes técnicos para que possam matar novamente Ainda mais impressionante que a frequência com que essas estórias ocorrem é a intensidade com que são relatadas As piores pessoas imagináveis são liberadas em virtude das mais triviais omissões cometidas pelo policial mais bemintencionado que já nasceu e esse processo resulta numa vingança de sangue coagulado contra nossa vaga e confusa sociedade Num episódio de Hill Street Blues por exemplo uma defensora públi ca ganha a liberação do cliente em uma tecnicalidade inspirada em Miranda apenas para que esse mesmo cliente assassine seu melhor amigo outro defensor público Sem suporte estatístico essas anedotas são o suficiente para convencer grandes números de juízes conservadores comentaristas e políticos que continu am a empregar uma tremenda fatia de energia contra Miranda como se ela fosse o real problema Eles parecem ter também convencido o público geral de que a regra de Miranda implementada pela supervisão judicial injustamente ata as mãos da polícia Mas se as estatísticas estiverem certas e Miranda for extrema mente ineficiente qual o motivo para todo esse furor A reação pública pode ser explicada pelo fato de o público absorver mais os contos dos Homens Brancos do que as estatísticas Parte saudável da direção e intensidade dos próprios comentários dos Homens Brancos à Miranda pode ser explicada como uma reação não à substância da norma constitucional anunciada pela Corte mas à ideia de própria supervisão Por terem escolhido uma carreira em virtude da autonomia que ela prometia os Homens Brancos da justiça cri minal tendem a reagir histericamente contra qualquer esforço para cercear essa autonomia ainda que os efeitos das limitações sejam em grande parte ilusórios Essa foi a explicação da reação dos Homens Brancos coloniais aos gestos patéticos em direção a uma responsabilidade legal que raramente foram a eles solicitados Em Burmese Days Orwell retrata Westfield um oficial da Polícia Imperial de Burma tomando uma posição muito familiar ment Miranda 66 MICH L REV 1347 1968 Ver também NEAL MILNER THE COURT AND LOCAL LAW ENFORCEMENT THE IMPACT OF MIRANDA 1971 302 Inútil velho amigo disse Westfield Inútil demais O que você pode fazer com toda essa fita vermelha atando suas mãos Os mendigos dos nativos conhecem a lei melhor do que nós Insultam você na sua cara e então fogem no momento em que você bate neles Você não pode fazer se não se impor com firmeza Isso é tudo o que a lei e ordem fizeram por nós A ruína do Império Indiano por causa de legalidade excessiva era um tema recorrente para Westfield De acordo com ele nada salva uma rebelião massiva e o consequente reino da lei marcial po deria salvar o Império da ruína Todo esse mascar papel e envio de memorando Burocratas de escritório são os verdadeiros governantes desse país agora 341 Quando Westfield diz isso no contexto colonial seus motivos parecem transparentemente óbvios para nós agora Ele quer sua autoridade sobre os na tivos e liberdade da fiscalização dos burocratas muitos de nós questionariam se o fato de ele desejar essa prerrogativa significa que eles são de fato necessários a qualquer função governamental Sabendo o que sabemos sobre os colonialistas e sua vocação o máximo que poderíamos dizer é que essa autoridade autônoma é necessária para a felicidade pessoal de Westfield Seria ridículo usar esse exemplo como razão para ignorar completamente qualquer informação oferecida de primeira mão pelos Homens Brancos sobre o impacto de Miranda Mas tendose em mente o exemplo de Westfield parece no mínimo imprudente falhar em levar a vocação dos Homens Brancos em conta ao determinar o peso dos contos dos Homens Brancos sobre Miranda possam ter Talvez uma grande parte da veemência do ataque dos Homens Brancos contra Miranda pode ser explicada através de uma observação feita por um preciso e simpático observador da polícia Isso porque as pessoas que escolheram a polícia como sua carreira assumindo que ela consiste na luta contra as forças do mal e tendose em mente que eles serão livres para fazer em qualquer encontro específico seu próprio julgamento exigido pelas circunstancias precisam ver cada restrição reguladora e qualquer esforço de escrutínio como uma mudança fundamental nas condições de seu emprego 342 Compreender a ânsia por aventura e autonomia que animou a jornada dos Homens Brancos ajudanos a entender o motivo tanto para os Homens Brancos da justiça criminal quanto para seus precursores coloniais regulações inofensivas assim como as nocivas são frustrantes irritantes e ilegítimas B O MODELO DE FAMÍLIA VS O MODELO DE BATALHA Um segundo exemplo do impacto potencial da vocação dos Homens Bran cos é dado pelo esforço mais famoso em desenvolver uma análise compreensiva da ideologia do processo penal americano o ensaio de Herbert Packer chamado 341 ORWELL ObCit p 32 342 EGON BITTNER ASPECTS OF POLICE WORK 375 1990 303 Dois Modelos de Processo Criminal de 1964343 Neste exemplo os Homens Brancos aparecem em outro papel carregando mensagens da grande sociedade para a audiência especificamente visada da Bola Oito O artigo de Packer foi enormemente ambicioso ele prometeu realizar nada menos do que uma descri ção do inteiro espectro de escolha normativa que é ao menos em teoria aberto para definir a forma do processo criminal 344 A mais incríveis das afirmações de Packer de que ele teria identificado com sucesso os dois modelos distintos na ideologia do processo criminal que devem formar geralmente com algum com promisso a base para as estratégias do sistema foi efetivamente aniquilada por John Griffiths num artigo publicado no Yale Law Journal em 1970345 Griffiths demonstrou que o Dois Modelos de Processo Criminal de Packer não discutiu dois modelos de jeito algum Griffiths definiu que o Modelo de Controle do Cri me e o Modelo do Devido Processo eram apenas glosas diferentes de um modelo único unificado e penetrante de modelo de processo criminal Griffiths chamou esse modelo de Modelo de Batalha Packer consistentemente retrata o processo criminal como uma luta uma guerra estilizada entre duas forças opostas cujos interesses são implacavelmente hostis o Indivíduo em particu lar o indivíduo acusado e o Estado Seus dois Modelos não são nada mais que derivações alter nativas daquela concepção de profunda e irreconciliável desarmonia de interesses Como uma ou outra parte de um processo destinado a resolver disputas entre irreconciliáveis deve vencer em todos os casos a questão crucial para o procedimento penal assim transmitida é a que se refere a qual tendência deve se afirmar nas normas É aí que os Modelos de Packer diferem 346 Griffiths argumenta que Parker embora não soubesse o que estava fazen do descreveu com eficiência a ideologia o rol de crenças assunções categorias de compreensão e similares que afetam e determinam a estrutura da percepção 347 do sistema de justiça criminal Griffiths prova a abrangência da ideologia do Modelo de Batalha e então demonstrar que trabalhando o Homem Branco tanto como promotor e aderente das políticas de Controle do Crime quanto como de fensor e aderente das proteções do Devido Processo é no Modelo de Batalha que 343 Herbert L Packer Two Models of Criminal Process 113 U PA L REV 1 1964 A peça também aparece em HERBERT L PACKER THE LIMITS OF THE CRIMINAL SANCTION 1968 As citações aqui serão para o livro doravante referido como LIMITS 344 Id p 2 Packer argumentou que as muitas ideologias potenciais do sistema de justiça criminal poderiam ser descritas como um espectro entre dois polos o Modelo de Controle do Crime de um lado e o Modelo de Devido Processo do outro O Modelo de Controle do Crime considera a repressão do crime como de longe a função mais importante do sistema de justiça criminal Sua característica distintiva segundo Packer é a preocupação com a eficiência Id p 159 No outro extremo o Modelo de Devido Processo está mais preocupado com o conceito de primazia do indivíduo e o conceito complementar de limitação do poder oficial Id p 165 Para os aderentes ao modelo de processo devido o modelo de controle de crimes parece uma correia transportadora movendose inexoravelmente em direção a uma condenação Para os adeptos do modelo de controle do crime o modelo de processo devido parece uma pista de obstáculos lançando incessantemente barreiras ao bom funcionamento das autoridades policiais Id p 163 345 Griffiths ObCit 346 Id p 367 347 Id p 359 n 1 304 ele acredita O método de comprovação de Griffiths é tão interessante quanto as proposições que ele conclama Griffiths ilumina os contornos do Modelo de Batalha ao empregálos em outra instituição na sociedade que ocasionalmente inflige punições a ofensores por suas ofensas mas que é não obstante construído sob a premissa fundamental de interesse e amor348 Griffiths encontra essa instituição na família e descreve em certa medida qual forma um Modelo de Família de procedimento criminal tomaria Griffiths estava escrevendo antes do surgimento do que explicitamen te afirmou representar uma jurisprudência feminista mas o Modelo de Família contém muito do que se poderia chamar de feminista O Modelo de Família de Griffiths por exemplo acomoda preocupações como a preservação dos relaciona mentos e a importância do cuidado que Carol Gilligan em In a Different Voice identifica como temas centras no desenvolvimento moral das mulheres jovens349 A sua instituição demandaria uma série de mudanças fundamentais no modo com que o processo criminal é visto O fato básico sobre a punição em famílias é o de que um pai e uma criança possuem muito mais para fazer um com o outro do que obediência dissuasão e punição e qualquer processo entre eles refletirá o completo alcance de sua relação e as preocupações que daí decorrem350 Griffiths não afirmou que o Modelo de Família existe no mundo real mas ressaltou um momento na história recente em que um facsímile seu se realizou o movimento de reforma da corte juvenil da primeira metade deste século351 As doutrinas des se movimento de reforma demandavam que o jovem fosse pensado mais como a criança do que como o acusado e que a corte deveria solucionar casos de delinquência pela promoção dos melhores interesses da criança352 Conforme Griffiths notou Assim procedendo as regras procedurais feitas apenas para equalizar o equilíbrio entre o Estado e o acusado não teriam lugar uma vez que o Estado não teria interesse diverso do da criança353Deste modo as novas cortes juvenis reformadas eram operadas por um processo informal destituído das proteções procedurais à disposição dos acusados adultos que logo foi reconheci do como um retumbante fracasso Nas palavras de Griffiths foi um processo de pressa rotina aglomeração arbitrariedade às vezes de miséria e mesmo de brutalidade354 348 Id p 372 349 GILLIGAN ObCit Ver ANN SCALES The Emergence of Feminist Jurisprudence An Essay 95 YALE LJ 1373 1986 350 GRIFFITHS ObCit p 373 351 Id p 399404 Ver também MARTHA MINOW MAKING ALL THE DIFFERENCE INCLUSION EXCLU SION AND AMERICAN LAW 25054 1990 352 GRIFFITHS ObCit p 399 353 Id p 400 Ver In GAULT 387 US 1 1967 354 GRIFFITHS ObCit p 400 305 Quando Charles Silberman analisou o caos presente nas cortes juvenis em seu livro Criminal Justice Criminal Violence ele intitulou seu capítulo Juvenile Justice How Could It Have Happened When We Were So Sincere355 Griffiths provê a resposta à questão de Silberman argumentando que o movimento de re forma da corte juvenil foi uma ideia imposta artificialmente sobre um substrato inalterado do Modelo de Batalha 356 O exemplo da experiência da corte juvenil ilustra duas coisas Em primeiro lugar quando a grande sociedade decide usar as cortes criminais para comunicar uma mensagem ela deve contar com a coope ração dos mensageiros do sistema suas tropas de linha Em segundo há algumas mensagens e a metáfora da Família é uma que as tropas de linha não podem ou não irão transmitir Para que se possa apreciar completamente a profundeza e a extensão da resistência do Modelo de Batalha às tentativas de reforma do Mo delo de Família é crucial considerar o porquê de a cultura do sistema de justiça criminal ser tão inerentemente inóspito para as premissas morais e éticas de um Modelo de Família do processo Por qual motivo os profissionais da justiça crimi nal que operavam as cortes juvenis falharam em implementar o redirecionamento explicitamente ideológico do movimento de reforma da corte juvenil O cerne de uma explicação é encontrado nas atrações que levaram os ope radores do processo às suas carreiras dividido em grande medida por eles com seus precursores colonialistas Para operar um Modelo de Família é necessária a maturidade para integrar aspectos das éticas masculina e feminina357 Foi incrivelmente otimista esperar que homens que haviam escolhido um mundo to talmente masculino de aventura adotassem um Modelo de Família Considerese a reação de Randy Bellows o antigo defensor público à atual Corte Juvenil do Distrito de Columbia uma corte bem mais formal e com consciência normativa do que a visão original do movimento de reforma da corte juvenil Eu não gostava da Corte Juvenil Os clientes adultos eram simples Eles precisavam sair da prisão Meus clientes juvenis precisavam de muito muito mais Eles precisavam de pais e mães que se importassem com eles Eles precisavam de amigos que não os levariam para o mau caminho Eles precisavam de disciplina e aconselhamento e de aprendizagem de leitura e outras mil e uma coisas que eu não poderia oferecer a eles Eu não havia sido treinado para ser um assistente social358 Em certo sentido família é para começo de conversa justamente o que esses homens queriam evitar Não se pode pedir a pessoas que estimam as atrações 355 CHARLES SILBERMAN CRIMINAL VIOLENCE CRIMINAL JUSTICE 1978 356 GRIFFITHS ObCit p 400 Um destino semelhante pode aguardar a atual moda de policiamento comunitá rio Ver BOB COHN A Peoples Cop Ruffles His Macho Men NEWSWEEK Aug 27 1990 p 38 357 LLIGAN ObCit argumentando que a capacidade de integrar a ética do cuidado e a ética dos direitos sina liza maturidade e desenvolvimento moral pessoal 358 BELLOWS ObCit p 8687 Para uma visão de como a quadra juvenil em que Bellows praticava se tornou típica do Modelo de Batalha ver DC SUP CT JUVENILE AND FAMILY COURT RULES 1988 306 de definir a si próprias pela definição de outros que admitam em grande me dida que o outro é na verdade o mesmo e que o outro e o self são finalmente reconciliáveis359 De modo que os Homens Brancos da justiça criminal como seus ancestrais colonialistas almejam autonomia idealismo e o reconhecimento de que são homens entre homens ao ponto de que ao buscarem o status dos Homens Brancos sua lealdade pertencerá ao Modelo de Batalha De forma simi lar eles serão hostis às reivindicações para que respeitem diferenças individuais reconheçam a humanidade compartilhada e valorizem relacionamentos que a abordagem feminista que Griffiths delineia acabaria por impor Os colonialistas buscaram um tipo de Modelo de Família mas o modelo que seguiram não era o de Griffiths ou o de Carol Gilligan A família dos colonialistas era o patriar cado da ficção Vitoriana que mascarava os anseios autoritários na retórica da benevolência360 A família deles é como a de Próspero uma família em que o pai possuía poder mágico absoluto sobre seus dependentes Próspero afirma va possuir motivos benevolentes o santo comissário distrital de Kipling Orde professava o mesmo Assim como o Procurador Distrital do Bronx em Bonfire Conforme ele explica o Bronx para Larry Kramer Nós somos como um pequeno grupo de cowboys conduzindo um rebanho Com um rebanho o melhor que você pode esperar é que consiga mantêlo inteiro ele fez um grande gesto de círculo com suas mãos sob controle e que não perca muitos ao longo do caminho Oh chegará o dia e talvez chegue muito cedo em que as pessoas ali embaixo terão seus próprios líderes Mas agora eles precisam de nós e nós temos de fazer a coisa certa com eles 361 O projeto do Procurador Distrital é igual ao de Lorde Jim Ele quer que ambos substituam e nutram os líderes naturais da comunidade sujeitada 362 Consideradas as forças por trás de sua vocação seria idiota esperar qualquer outra coisa dele Os Homens Brancos da justiça criminal vão para um lugar visto por eles como exótico e isolado Uma vez lá se os interesses entram em conflito eles buscam o interesse de Crusoe não o de Friday o de Próspero e não o de Caliban o dos Homens Brancos de Kipling não o dos Punjabis o de Lorde Jim e não o dos Malaios Os Homens Brancos estão preocupados em sustentar suas próprias posições de autonomia e poder V CONCLUSÃO O PREÇO DO ESGOTAMENTO Conrad viu algo a ser respeitado na vocação do Homem Branco impe rial Equilibrou seus retratos do megalomaníaco Kurtz com sua longa e simpá 359 BARBARA JOHNSON A WORLD OF DIFFERENCE 189 1987 360 MCCLURE ObCit p 107 361 WOLFE ObCit p 488 362 McCLuRE ObCit p 129 307 tica análise de Lorde Jim 363 Jim é levado para o mar e depois para o Terceiro Mundo pela ética da ficção de aventuras de garoto Quando ele abandona um navio repleto de peregrinos indefesos no Oceano Índico e perde a licença de seu companheiro em desgraça recusase a abandonar a autoimagem e visão de mundo que guardam pouca semelhança com a verdade da experiência 364 Um homem de intenções benignas ele escolhe modelos heroicos o marinheiro e o governante paternal para enfatizar a santidade do serviço comunal 365 Como John McClure destaca mesmo seus defeitos são atraentes sua teimosa recusa em comprometer seu ideal heroico de conduta faz dele uma pessoa excepcional não importa o que pensemos sobre a qualidade de seu ideal366 Tampouco há qual quer horrivelmente errada com o conteúdo de seu ideal como Albert Guerard nota há muitas situações em que o romantismo infantil pode ser preferível ao realismo cínico367 Kipling iria assim tão longe e de fato no The Man Who Would Be King ele vai Mas como sempre Conrad procura mais fundo Jim repara sua desgraça ao estabelecer a si próprio como o governante patriarcal de Patusan na costa da Malásia Sua superioridade é garantida pelo fato de que todos que ele conhece são nativos e essa primazia do Homem Branco restaura sua confiança ao protegêlo da complexidade do mundo europeu Quando esse mundo se intromete entre tanto a superioridade de Jim é perdida no momento em que falha em proteger seu rebanho das depredações de um salteador branco Como resultado Dain Wa ris o príncipe malaio e herdeiro natural ao trono de Patusan é morto Quando Dain Waris é morto Jim se apresenta para execução no trono do pai de Dain e aceita ser morto em expiação Como Jim Dravot e Carnehan pagam com suas vidas por sua tentativa desgraçada de viver seus sonhos de aventura no Kafiristão Os Homens Brancos da justiça criminal também pagam um preço embora ele não seja tão espetacular Seu preço está na dura experiência no desapontamen to na desconsideração Se os enxergarmos com os olhos de Kipling entretanto talvez sejamos tentados a reagir com nada mais do que um encolher de ombros melancólico Mas Conrad salienta algo que Kipling não apontou Conrad insiste que não foram apenas os Homens Brancos que pagaram o preço por sua inútil busca de sonhos adolescentes Conrad é sensível ao custo terrível que caiu sobre as comunidades tradi cionais cuja liderança os Homens Brancos suplantaram durante suas aventuras 363 JOSEPH CONRAD Lord JIM 1986 364 MCCLURE ObCit p 126 365 Id p 122 366 Id p 121 367 ALBERT GUERARD CONRAD THE NOVELIST 161 1967 308 As depredações de Kurtz entre seus seguidores equivalem a genocídio O herói mais benigno de Lorde Jim causa a morte do líder natural da comunidade malaia Esses temas de Conrad que são grandemente expandidos se nos guiam como deveriam guiar para novelistas póscoloniais como Chinua Achebe368 levantam questões para o nosso próprio tempo Qual é o efeito por exemplo numa coesa e tradicional comunidade urbana negra como a Homewood de John Edgar Wideman quando os Homens Brancos do sistema de justiça criminal perseguem sua versão análoga da vocação colonialista às custas da comunidade369 A leitura de Conrad nos faz recordar de que um preço também foi pago pelas sociedades europeias que permitiram os sonhos dos Homens Brancos e concederam a esses homens o monopólio das comunicações entre as sociedades metropolitanas e seus povos dominados Mensagens das capitais imperiais eram distorcidas pela fala sentimento e comportamento dos Homens Brancos nas colônias e as relações com os povos dominados eram desnecessária e destrutivamente inflamadas As in formações das quais as capitais imperiais dependiam e cuja retirada das fronteiras do império foi incumbida aos Homens Brancos eram geralmente tão distorcidas por estes que decisões tragicamente equivocadas eram nelas baseadas As comunidades tradicionais aleijadas de Conrad foram capazes de realizar um tipo de retribuição Em Lord Jim é o pai Doramin o representante vinga tivo de uma tradição demolida e não Dain a mais esperançosa corporificação de um futuro esclarecido e sintético que finalmente põe fim à aventura colonial de Jim370 Esse reconhecimento também tem um sentido em termos contem porâneos A ação de Bonfire é iniciada pelas atividades do Reverendo Bacon um ativista negro geralmente identificado com o Reverendo Al Sharpton O Reve rendo Bacon persegue o protagonista branco o corretor de empréstimos Sher man McCoy pelo simples expediente de insistir em alto e bom tom que o sistema de justiça criminal e seus Homens Brancos se aplicam à acusação de McCoy nos mesmos termos com que se aplicariam a um residente negro do Bronx em iguais circunstâncias No caso de McCoy o Reverendo Bacon obtém sucesso em reque rer que os Homens Brancos da justiça criminal sigam o processo da justiça crimi nal que eles praticam todos os dias Fazendo isso ele expõe esse processo como uma paródia grotesca da justiça criminal que os Homens Brancos ritualmente esposam Muitas recensões de Bonfire caracterizam Bacon como um vilão Quando Próspero governava sua ilha deserta em The Tempest ele perseguiu seu próprio sonho de onipotência confinando Caliban e adotando a atitude de 368 CHINUA ACHEBE THINGS FALL APART 1958 ANTHILLS OF THE SAVANNAH 1987 369 JOHN WIDEMAN HIDING PLACE 1981 DAMBALLAH 1981 SENT FOR YOU YESTERDAY 1983 370 MCCLURE ObCit p 130 309 um pai rígido controlando Caliban para o bem público e ostensivamente para o seu próprio Como os Homens Brancos coloniais e como seus sucessores no sistema de justiça criminal Próspero considerou Caliban ingrato por seus esfor ços civilizatórios Mas Caliban enxergava a piada Ele fala a Próspero Você me ensinou a falarE meu ganho nisso reside No fato de saber como amaldiçoar371 Em Bacon e em Sharpton ouvimos a voz de Caliban e o lugar para procurar os Prósperos que os ensinaram a como amaldiçoar está entre os representantes do sistema de justiça criminal Pode ser que os Bacons e os Sharptons se diri jam aos seus tutores na única língua que esperam que eles possam compreender Como à luz da lição da era imperialista poderíamos esperar que fizessem outra coisa A busca pelo sonho imperialista dentro da Bola Oito ameaça recriar a cida de que Frantz Fanon denunciou uma lógica de terror contraterror violência contraviolência começa a ganhar espaço Sem dúvida essas são questões de correspondência e ressonância não de identidade e são impossíveis de ser cali bradas ou quantificadas Mas ao menos isso parece ser verdadeiro para mim nós prestamos demasiada atenção aos charmes exóticos e superficiais através dos quais os relatórios dos Homens Brancos coloniais e da justiça criminal nos entretêm e pouquíssima às características mais negras que eles também compartilham372 REFERÊNCIAS AJ REISS Discretionary Justice in Handbook of Criminology Daniel Glaser ed 1974 ALAN SANDISON The Wheel Of Empire 1967 ALBERT GUERARD Conrad The Novelist 1967 ALBERT MEMMI The Colonizer and the Colonized IX 1965 ALBERT MURRAY The OmniAmericans 1970 ANGUS WILSON The Strange Ride Of Rudyard Kipling His Life And Works 1977 ANN SCALES The Emergence Of 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Of The Savannah 1987 CHINUA ACHEBE Things Fall Apart 1958 DAVID HEILBRONER Rough Justice 1990 DENNIS KINCAID British Social Life In India 1938 DONALD J MROZEK The Habit Of Victory The American Military And The Cult Of Manliness in Manliness And Morality MiddleClass Masculinity In Britain And America 18001940 JA Man gan James Walvis eds 1987 EDWARD W SAID Introduction to Rudyard Kipling 1987 EDWARD W SAID Orientalism 1979 EDWARD W SAID Travelling Theory reprinted em The World The Text And The Critic 1983 EGON BITTNER Aspects Of Police Work 1990 FRANCIS NEVINS Law Lawyers And Justice In Popular Fiction And Film HUMAN EDUC May 1984 FRANTZ FANON Peau Noire Masques Blancs 1952 FRANTZ FANON The Wretched Of The Earth 1968 GEORGE LAMMING The Pleasures Of Exile 1960 GEORGE ORWELL Burmese Days 1962 GEORGE ORWELL RUDYARD KIPLING in The Collected Essays Journalism And Letters Of George Orwell Sonia Orwell Ian Angus eds 1968 GEORGE ORWELL Rudyard Kipling in The collected essays journalism and 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fronteira temporal instável esses con flitos sugerem que os espaços públicos das cidades continuam a ser um terreno urbano incerto um espaço fronteiriço onde controle e insubordinação colidem tal qual aqueles que resistem ao destino manifesto de colonização cultural lutam e recuam sistematicamente379 Enquanto essas batalhas são claramente desconectadas por suas peculiari dades e naturezas locais afinal há uma grande distância entre fazer música em 373 Este texto que se apresenta é um trecho do livro Tearing Down The Streets por esse motivo optouse por deixar o título em inglês para que o leitor possa absorver o máximo da escrita do original O trabalho faz parte de uma pesquisa etnográfica em que o autor realiza a experiência etnográfica para escrever suas percepções dos espaços públicos urbanos a partir de uma concepção anarquista O texto foi traduzido para o português por Guilherme Michelotto Böes e Carlos Böes de Oliveira 374 Jeff Ferrell é atualmente Professor de Sociologia na Texas Christian University EUA e Professor Visitante de Criminologia na Universidade de Kent Reino Unido Ele é o autor dos livros Crimes of Style Tearing Down the Streets Empire of Scrounge e com Keith Hayward e Jock Young Cultural Criminology An Invitation vencedor do Prêmio de Livros Distintos de 2009 da American Society of Criminologys Division of International Crimino logy é o coeditor dos livros Cultural Criminology Ethnography at the Edge Making Trouble Cultural Crimino logy Unleashed e Cultural Criminology Theories of Crime Jeff Ferrell é o atualmente editor e fundador da série de livros Alternative Criminology da New York University Press e um dos editores fundadores da revista Crime Media Culture An International Journal vencedora do prêmio Charlesworth de melhor revista da Association of Learned and Professional Society Publishers em 2006 Em 1998 recebeu o prêmio Criminologista Crítico do Ano da Divisão de Criminologia Crítica da Sociedade Americana de Criminologia 375 NT Famosa rua no Estado de Arizona Estados Unidos 376 NT Cidade no Estado de Arizona a sudoeste de Tempe 377 NT Região na Califórnia que compreende entre as cidades de São Francisco Oakland e São José 378 NT Espaço cultural do underground de Denver onde grafiteiros moradores de rua excluídos etc ocuparam O Towering Inferno é o nome dado a um prédio de sete andares do início do século XX abandonado onde uma vez uma fábrica de refino de farinha se estabelecia 379 Murray Melbin Night as Frontier New York Free Press 1987 314 uma esquina de Flagstaff e dançar em Trafalgar Square380 elas são claramente conectadas pelas identidades e ideologias de seus participantes Como visto ao longo destes conflitos autoridades políticas e econômicas repetidamente estabe lecem seus controles do espaço público na proclamação da necessidade do desen volvimento econômico e revitalização urbana fazem referência às ideologias de senso comum sobre restauração da civilidade urbana e comunidade excludente e exibem uma paixão pobremente maquiada por regulação da ordem e con trole elitista de cima para baixo No outro lado da rua aqueles que resistem a autoridade não compartilham apenas um do gosto empírico por insubordinação anárquica mas também estratégias fundamentadas no campo cultural anárquico do façavocêmesmo DIY381 e ação direta Além disso é possível perceber em muitos casos um entendimento sofisticado da história anarquista e de sua teoria Talvez o mais significante para uma politica alternativa de rua aqueles que resistem a extinção dos espaços públicos abrangem diferenças pessoais e situacio nais através da complexidade inclusiva de suas próprias identidades de vanguarda e contracultura382 Juntos eles criam um submundo informalmente integrado em que operadores de microradio atuam como defensores dos semtetos os skatistas punks se transformam em ativistas políticos BASE jumpers383 tornamse video grafistas ilícitos grafiteiros transmitem rádio piratas e ciclistas da Massa Crítica ocupam as ruas por um dia ressignificandoas Claro como um ocupante de longa data deste submundo ecleticamente insubordinado eu felizmente tentei incorporar a mesma sensibilidade espacial transversal perambulando através de minha vida anárquica no meio de intersecções de identidades de grafiteiro ar tista de rua ativista da Massa Crítica pedestre e comunicador de rádio pirata Todas essas identidades todos esses conflitos sobre o espaço público e sig nificado público por sua vez fortalecidos por oposições mais profundas tão fundamentais como complexas inclusão versus privilégio anarquia versus autori dade emergência versus ordem Enquanto os últimos programas de ação de au toridade espacial são feitos Enquanto cada vez mais padrões de exclusividades e privilégios são codificados e estabelecidos nos espaços das cidades habitantes de ruas e ativistas de ruas regularmente movemse para desvendarem essa ordem espacial emergente Ao fazêlo eles reinventam as dinâmicas políticas essenciais dentro dos espaços da vida cotidiana lançando o desafio anarquista diante a face das forças legais e econômicas inventando resistências práticas às estruturas de 380 Praça localizada em Londres 381 Do It Yourself 382 NT Destacamos da tradução diferences through the inclusive complexity of their own undergroung identi ties 383 NT Building Antenna Span Earth BASE Sigla de onde os paraquedistas fazem queda livre Prédio B Antena A Ponte S e Terra E Earth quer se referir à cliff Penhasco 315 controle em expansão minando os quadros da autoridade espacial com momen tos de inovação e espontaneidade confrontando as comunidades de privilégios e exclusão com o peripatético festival dos oprimidos Neste requisito pensar sobre os proprietários corporativos constantemente fazendo campanha contra as pes soas de rua e os Gutter Punks384 sobre suas enormes SUVS passando por cima de bicicletas sobre a Flour Mill Lofts385 usurpando o Towering Inferno sobre a FCC386 e a Associação Nacional de Radialistas atacando as estações de microra dios estou tentado a conjurar outra oposição fundamental caracterizar o que está acontecendo nas ruas como bem uma legítima guerra de classes Enquanto os Wobblies387 sem dúvida concordariam eu suspeito que Mbanno KantakoTracy JamesRobert F Williams Mildred Jones e Napoleon Williams chamariam de outra coisa talvez uma guerra racial ou genocídio cultural Então com tanto em jogo na luta pelo espaço público outras oposições fundamentais questões fundamentais também surgem Quem por exemplo está destruindo as ruas Funcionários da justiça criminal líderes de negócios e os empreendedores certamente apontariam para as pessoas nas ruas grafiteiros ciclistas da Massa Crítica BASE jumpers e operadores de rádios pirata como aqueles responsáveis por destruírem a vida na cidade maculam virtudes cívicas debilitando a comunidade urbana e colocando a baixo a segurança das ruas e calçadas Membros do Reclaim the Streets388 militantes da bicicleta e ativistas dos sem tetos sugeririam em vez disso que desenvolvedores urbanos planejadores da cidade e residentes de bairros gentrificados389 destroem a possibilidade de vida comunitária nas ruas por criação de um mundo claustrofóbico de habitação superfaturada autoestradas lotadas e espaço público super regulado Eles advo gariam em resposta literalmente destruindo as ruas como elas agora existem e especialmente com o que elas estão se tornando e reconstruindoas ao longo 384 NT Os Gutter Punks ou Punk de sarjeta na tradução são pessoas que usam cabelos espetados ou dreadlocks tatuam seus rostos perfuram os narizes e ficam sentados nas ruas das cidades Em sua maioria vagam de cidade a cidade pedindo esmolas ou fazendo serviços de biscate São pessoas que vivem desempregados voluntariamente httpsenwikipediaorgwikiGutterpunk 385 NT Bairro histórico de Denver onde funcionou o moinho de farinha Apartamentos em edifícios de luxo 386 NT Federal Communications Commission Comissão Federal de Comunicações Órgão regulador da área de telecomunicação e radiofusão dos Estados Unidos 387 NT Organização sindical httpswwwiwworghistory Muito antes da liquidez moderna do capitalismo tardio de volta ao período do capitalismo industrial de porcas e parafusos por exemplo um grupo mais claro e corajosamente engajado no confronto direto à economia predatória do capitalismo os Wobblies mais formal mente conhecidos como os Trabalhadores Industriais do Mundo De fato os Wobblies eram conhecidos por sua capacidade de organizar os trabalhadores itinerantes e marginais por sua dedicação em dirigir a ação econômica e por sua facilidade de inversão subversiva dos símbolos e de recodificação criativa HAYWARD Keith FERRELL Jeff Possibilidades insurgentes as políticas da criminologia cultural Sistema Penal Violência vol 4 n 2 Porto Alegre julhodezembro 2012 Pp 2062018 388 Movimento anárquico que busca mostrar os efeitos da cultura automobilística sobre as cidades e a sociedade 389 A gentrificação é um processo de renovação e reconstrução que está ligada ao influxo de pessoas de classe média a áreas deterioradas Este processo frequentemente realoca os residentes mais pobres ao tornar a área cara de mais 316 das linhas dos espaços abertos ciclovias e moradia a preços acessíveis Gutter punks e skatistas punks também argumentariam que aqueles que julgam sentar dormir ou andar de skate nas ruas um ato ilegal efetivamente são aqueles que acabam com a vitalidade das ruas Operadores de rádios pirata e músicos de ruas nos lembrariam que a existência das ruas não se reduz apenas ao espaço físico mas traduzse em éter disputado do espaço sonoro e comunicativo apontariam portanto para o papel dos governos locais e da FCC no fechamento cacofônico da cidade390 E falando dessa cacofonia como deve uma cidade soar afinal Como de veria parecer Se a noção de espaço cultural oferece qualquer coisa de uso é o entendimento que inevitavelmente nós imbuímos o espaço urbano nós o ocu pamos com significado e emoção com eflorescências da beleza e humanidade De quem então e de que tipo Tal questão parece residir no coração de quem nós somos como residentes de uma cidade como membros de uma comunida de urbana Questões de significado beleza e emoção podem claramente serem respondidas teologicamente ou epistemologicamente Mas especialmente nas experiências compartilhadas da cidade elas também devem serem respondidas espacialmente Portanto uma derradeira questão uma questão que parafraseando a in fame especulação de Brecht sobre a moralidade de possuir bancos ou roubálos nos leva ao cerne da batalha sobre o espaço urbano Qual o pior crime proibir o espaço público ou abrir o espaço público para os forasdalei391 TERRITÓRIO OCUPADO Enquanto os zeladores das cidades trabalham para proibir o espaço público aberto deixando as ruas exclusivamente a circulação de carros e consumidores a economia política de suas operações dificilmente poderiam ser mais obvias Em todos os casos avaliados nos capítulos anteriores vemos o papel essencial dos donos de comércios no centro da cidade associações de comerciantes departa mento de desenvolvimento econômico agências de turismo grupos comerciais e empreendimentos urbanos de altos custos orquestrarem campanhas contra aque les que politicamente são marginalizados e pobres Vemos tais campanhas ope 390 Como Keith argumenta em referência aos espaços públicos urbanos mas tais espaços nunca podem serem assumidos nós sempre temos que responder a pergunta de Harvey na imagem de quem a cidade é feita A esfera pública é sempre quase auto evidentemente marcado por traços de suas historicidade e espacialidade KEITH Michel Streets SensibilityNegotiating the Political by Articulating the Spatial IN Andy Merrifield amd Erik Swyngedouw editors The Urbanization of Injustice New York New York University Press 1997 páginas 13760 391 Ver FERRELL Jeff Crimes of Style Urban Graffiti and the Politics of Criminality Boston Northeastern Univer sity Press 1997 páginas 178186 317 rando para limpeza dos espaços culturais da cidade para puxar a descarga desta malcheirosa carnificina humana e a sua irritante estática extra que interfere na promoção da escala de consumo e o aprimoramento dos negócios e valores das propriedades E vemos os prefeitos das cidades comprados e vendidos os con selhos municipais subservientes os órgãos locais da justiça criminal até mesmo os burocratas federais apoiando tais campanhas com novos estatutos e estratégias agressivas para a sua implementação Nestas campanhas a força bruta nunca está longe a brutalidade imediata dessa justiça contemporânea nas ruas é tão aparente quanto aos arranjos de poder que as subscrevem Novamente considere os casos vistos nos capítulos anterio res uma coleção que evidentemente incorpora apenas uma pequena fração das degradações diárias das ruas Somente nessas coleções os policiais da cidade de Nova Iorque cerceiam prendem e tiram as pessoas de ruas flagradas ou jogando lixo no chão ou cometendo outros crimes à qualidade de vida autoridades da cidade de Tempe e outras cidades proíbem quem se senta na calçada ou anda de skate sobre ela Os policiais de São Francisco interrompem e fecham as reuniões dos Food Not Bombs392 removem os ciclistas da Massa Crítica de suas bicicletas levandoos ao chão pela força prendendoos coletes das forçastarefas multi jurisdicionais equipes armadas da SWAT393 atacam estações de rádios uma atrás da outra confiscando equipamentos e informações E isso sem mencionar a agressão passiva de inúmeros novos controles de ambiente todos aqueles arbus tos espinhosos e gramados irritantes os antigos bairros coagidos a entrar em uma ruína cultural e as intermináveis levas de prisões diárias por impedir o tráfego grafitar acampar em espaço público mendicância e invasão Assim o que quer que esteja ocorrendo uma coisa é clara a atual proi bição de espaços abertos na cidade anuncia uma expansão do controle legal e cultural para os cantos mais distantes mais marginalizados da vida pública um alargamento da rede e uma restrição da malha de tal forma que a própria exis tência de comunidades de ruas alternativas tornase criminosa394 De fato revela o funcionamento de uma guerra de classes de uma guerra racial em outras pa lavras uma guerra literalmente territorial que codifica as desigualdades raciais e de classe no espaço de experiência da vida cotidiana contra os excluídos e ex cêntricos impondo e reforçando uma longa história de escandalosas injustiças 392 NT Coletivo independente que serve comidas veganas e vegetarianas a outras pessoas de forma gratuita Esse movimento global e voluntário busca no comércio local comidas em boas condições que serão descartadas Com isso promovem a manifestação politica de que há comida em abundância no mundo e que a fome pode ser com batida a partir da racionalização e redução do custo para sua produção Ver wwwfoodnotbombsnet 393 NT Grupo especializado da polícia americana para combate similar ao nosso GOE e BOPE 394 Ver COHEN Stanley The Punitive City Notes on the Dispersal of Social Control Contemporary Crises 3 1979 339363 Stuart Henry editors Social Control Aspects of Nonstate Justice Aldershot UK Dartmouth 1994 Jeff Ferrell Review of Social Control Social Pathology 2 n 1 1996 4247 318 sociais395 E neste sentido espaços públicos abertos que foram censurados ao uso comum representam um território ocupado uma vez aberto ou pelo menos menos assentado estes territórios agora estão dominados por um exército de po liciais e construtores invadidos por uma horda feliz de residentes da Flour Mills Loft e consumidores de luxo que os seguem como um rebanho atrás da falange da lei do desenvolvimento e de todas as políticas de exclusão que varrem as ruas Esse território ocupado esta apropriação política e econômica da cidade contem porânea não poderia ser mais óbvia do que uma bandeira nazista agitandose no alto da Torre Eiffel Ou poderia Na verdade ao menos se você viva na rua ou leia um livro como este aqui talvez você não fosse capaz de perceber nada sobre isso Primeira mente porque você pode se encontrar completamente e prazerosamente perdido nas indulgências precisas e préplanejadas dos espaços fechados das cidades de tal modo que você nem se incomodaria em procurar Centros reestruturados bair ros residenciais gentrificados a certeza de ondas de rádios aprovadas da cidade o interior isolado do automóvel todos eles constituem o espaço cultural em que relações de poder e controle são produzidas e reproduzidas mas não categori camente nem descaradamente A contenção das pessoas e suas identidades com esses espaços a constituição de suas escolhas ao redor de agendas de obediência e consumo surgem dentro de uma dinâmica sutil em que tais escolhas são co mercializadas como apropriadas e desejáveis dentro de um modo de vida mais atraente Para muitos tais espaços não são intimidantes mas convidativos até sedutores eles os atraem e muitas vezes ironicamente apropriando higieni zando embrulhandoos para revender a própria cultura urbana sabores locais originalidade excitação urbana deslocando eles Afinal por mais estranho que pareça para um anarquista punk como eu as pessoas de fato pagam pelos privilégios de entrar na Disneylândia e não apenas na original mas nos recintos urbanos Disneificados Disneyfied da cidade recém plastificada Levada ao pé da letra dois momentos nos primeiros dias de punk Belsen Was a Gas do The Sex Pistols umaode a um dos campos de extermínio nazista e a incorporação da suástica costurada na roupa punk constituem uma grosseira insensibilidade à história humana Tomado como comentário cultural constituem algo mais perturbador a sugestão nas palavras de Greil Marcus é que nos livros de história ao contrário o fascismo venceu a segunda guerra que o Reino Unido contemporâneo é uma paródia do fascismo no Estado de BemEstar social onde as pessoas não tem liberdades para fazerem suas próprias 395 Ver FERRELL Jeff Trying To Make Us a Parking Lot Petit Apartheid Cultural Space and the Public Nego tiation of Ethnicity in Dragan Milovanovic and Katheryn Russell editors Petit Apartheid in Criminal Justice Durham NC Carolina Academic Press 2001 p 5567 319 escolhes de vidas pior ainda onde ninguém tinha o desejo de fazêlo396 E se esse era o caso da Bretanha de 1970 os EUA em 2000 parecem mais um Estado Disney paródia do fascismo um lugar onde pessoas voluntariamente vão para campos de concentração urbanos embelezados definidos por regulação vigilância e entretenimento programado Em The Punitive City esse brilhante ensaio de 1979 sobre controle social Stan Cohen pergunta quão isolada e confinada tem que ser uma instituição antes de tornarse uma prisão e não digamos uma instalação residencial comunitária Hoje uma paráfrase O quão redesenhado tem que ser Belsen o quão sofisticado e divertido antes que alguém perceba que é um campo de extermínio Nesse mesmo ensaio Cohen notou que com a cidade punitiva tentativas são feitas para incrementar a visibilidade ao menos a teatricalidade do con trole social aqui na nossa comunidade397 Embora ao mesmo tempo uma distinta contradinamica no controle social contemporâneo sugere um segundo fator que inibe a nossa percepção de fechamento e clausura da higienizada se gurança do espaço público Quando realizado de maneira eficaz o fechamento espacial não aumenta a visibilidade do controle social ao longo do tempo mas o diminui deixando pouco ou nada para se notar No primeiro capítulo desse livro eu invoquei Engels e sua noção de que problemas sociais deslocavamse como uma forma de descrever o estado policial da pósmodernidade que aborda as injustiças pastoreando e escondendo suas vítimas apagandoos tanto quanto seus significados subversivos através da relocação física e simbólica E isso é pre cisamente o que os capítulos subsequentes confirmaram na ocupação da cidade outsiders e suas culturas são expurgados desaparecidos tornados invisíveis e inaudíveis Não surpreende que as autoridades políticas e econômicas se satisfaçam em mudar seus problemas para outro lugar escondendo os semteto para apagando grafiteiros e seus escritos de lugares públicos silenciando estações de microrádio e regulando os músicos de rua eliminando a injustiça apenas na superfície da cidade Tais estratégias refletem não apenas um fracasso de humanidade e von tade política por parte deles não apenas uma hipoteca míope do futuro contra a lucratividade do presente mas refletem também uma economia política maior do capitalismo tardio Cada vez mais a economia corporativa não vende somente bens de consumo mas estilos de vida e a ilusão de satisfação em incorporarse a 396 MARCUS Greil Liptick Traces A secret history of the Twentieth Century Cambridge MA Havard University Press 1989 p 118 Para ver mais sobre graffiti feito na parede do Britains Buckstone Browne Animal Research Establishment a few years later Death Camp Animal Belsen IN Jill Posener Spray It Loud London Pando ra 1982 page 71 397 COHEN The punitive city páginas 344 360 Ver também COHEN Stanley Folk Devils and Moral Panics Lon don Macgibbon and Kee 19721980 GARFINKEL Harold Conditions of Successful Degration Ceremonies American Journal of Sociology 61 1956 420424 320 determinados estilos de vida e a economia urbana opera da mesma forma ven dendo ecos imaginários da cultura urbana através da autenticidade fraudulenta de distritos históricos e dos Flour Mill Lofts Campanhas políticas e iniciati vas de justiça criminal funcionam de maneira similar oferecendo não soluções honestas mas sim mitologias baratas de segurança construções simbólicas do bem comum Portanto os espaços culturais essenciais a esta economia política dirigida pela imagem são geridos da mesma maneira através de um policiamento da percepção uma remoção de intrusos desagradáveis uma codificação subre pugnante do controle social destes arbustos espinhosos que separam os prédios edifícios repintados e a ausência de qualquer distúrbio perceptível Mas por tudo isso vale a pena lembrar que verdadeiras batalhas estão sen do travadas nessa superficial irrealidade da imagem e percepção Como o pesqui sador Michael Keith argumenta podemos entender melhor a política da cidade rejeitando qualquer oposição simplista entre o real e o imaginado ou espaços metafóricos de identidade398 Como visto nos capítulos anteriores mesmo as batalhas mais pósmodernas de espaços culturais permanecem fundamentadas nesses mesmos espaços incorporados na sensualidade vivida de pessoas e lugares De fato o policiamento da imagem e da percepção tem importância justamente porque399 a política e a economia não se transformaram em abstrações flutuan tes mas permaneceram práticas fundamentadas na vida cotidiana disputadas no domínio das esquinas das ruas calçadas rádios e edifícios abandonados Como aqueles que procuram fechar o espaço público e aqueles que buscam libertálo sabem as ruas ainda importam e importam o suficiente para serem redefinidas como imagem e ideologia As ideologias que subscrevem o fechamento do espaço público funcio nam da mesma maneira que os distritos comerciais do centro a mudança dos problemas sociais para outros lugares e as imagens excludentes de comunidade introduzidas no primeiro capítulo ofuscando o funcionamento do controle so cial e distraindo a atenção da ocupação do território urbano A tese janelas que bradas promulgada por Wilson e Kelling nos anos 80 por exemplo a tese de que janelas quebradas pichações e outros pequenos problemas de alguma forma promovem formas sérias de criminalidade e afetam o senso de comunidade ra pidamente se tornou a base para a repressão agressiva ao graffiti mendigagem vadiagem e outros crimes de qualidade de vida em Nova York e em outros lu gares400 É claro que esta é uma criminologia incrivelmente ruim quaisquer que 398 Keith Street Sensibility página 139 399 NT Destaque no original 400 Ver WILSON James Q KELLING George The police and neighborhood safety broken windows Atlantic Monthly 127 1982 2938 ver MILLER D W Poking holes in the theory of Broken Windows The Chron icle of Higher Education 47 n 22 February 9 2001 A14A16 321 sejam suas orientações particulares a maioria dos criminologistas concordam que o crime não origina nas janelas quebradas mas de uma mistura entre desigual dade econômica valores culturais discordantes marginalização subcultural e da exagerada reação e represália oficial Pior janelas quebradas é uma demagogia muito eficiente atribuindo a culpa pelo crime de rua não à pobreza e à margina lização mas aos pobres e marginalizados Particularmente desonesta ela por sua vez justifica a remoção de tais grupos dos espaços que ocupam e em um truque vigarista esconde a gentrificação nesses espaços janelas reparadas pichações removidas dentro de uma ideologia de prevenção ao crime e comunidade restaurada De acordo com essa mesma orientação ideológica há ainda outro fator importante na restauração comunitária nas ruas e calçadas da cidade civilida de De fato o conceito de civilidade parece funcionar como uma espécie de narrativa mestre para aqueles que fecham o espaço público desordenado eles consistentemente escondem suas operações revanchistas por trás dessa noção va zia e hipócrita Autoridades locais como Rod Keeling chefe da associação de negócios da Comunidade de Downtown Tempe argumentam que as iniciativas direcionadas aos semtetos realmente mudaram a civilidade das ruas401 Auto ridades nacionais concordam Um grande402 estudioso da ordem social como George W Bush salientara em seu discurso de posse que a civilidade não é uma tática ou um sentimento É a escolha determinada da confiança sobre o cinismo da comunidade sobre o caos A socióloga Sharon Zukin observa que ao longo de muitas campanhas atuais para fechamento e limpeza dos espaços públicos o denominador comum é civilidade Os projetos urbanos tentam usar a estética visual para evocar uma ordem cívica desaparecida associada a uma classe média igualmente desaparecida ou pelo menos transformada Eles usam a civilidade por sua vez para evocar uma homogeneidade social desaparecida403 Uma hegemonia social desaparecida também Quer dizer sejamos hones tos quanto os poderosos e privilegiados discursam sobre restaurar a civilidade e a comunidade é muito difícil quebrar o código deste discurso Ao falar de civi lidade eles se referem a ordem ausência de convulsão e inquietação um mundo em que os marginalizados silenciosamente vão para uma boa noite de injustiça Ao falar em restaurar tal civilidade e as comunidades que as sustentam eles men 401 Citado em JONES Melissa L Ambassador to homeless The Arizona Republic April 5 1999 pages B1 B2 citação página B2 402 NT Aspas acrescentada para captar a ironia do autor 403 ZUKIN Sharon Cultural strategies of economic development and hegemony of vision in Merrifield and Swyngedouw The urbanization of injustice páginas 223243 citação páginas 235236 Zukin oferece aqui uma detalhada descrição da inoperância das comunidades planejadas como uma nostálgica celebração na Disney ver capítulo um desse livro 322 cionam uma época em que os jovens sabiam seus lugares e sabiam que isso não estava incomodando os consumidores pagantes enquanto desciam a rua uma época em que pouquíssimas minorias se atreviam mostrar seus rostos e culturas em plena luz do dia Agora conhecendo a história dos Wobblies o movimento pelos direitos civis os protestos antiguerra e os motins dos zootsuits404 não está claro se tal época sequer existiu Como é frequentemente o caso a nostalgia pode ser principalmente por um tempo o que nunca aconteceu No entanto o que é importante e revelador não é a exatidão desse anseio mas seu afeto e as falsidades fundamentais suas referências em relação à ordem ao consenso e à comunidade A ironia é importante também Como visto nos capítulos anteriores progra mas destinados a policiar espaços culturais restaurar civilidade e comunidade em tais espaços na verdade reforçam padrões de desigualdade espacial e econô mica apartheid étnico e abuso em nível de rua que não são apenas incivilizados mas obscenos405 Quanta civilidade existe em uma revista pessoal realizada por policiais ou em um ataque da SWAT Hoje em dia o quanto de comunidade é oferecido aos desabrigados Os Wobblies sempre disseram que a caridade é a aspersão de colônia nos montes do capitalismo uma aspersão destinada a mascarar o perpétuo cheiro de injustiça e desigualdade406 As invocações da civilidade e da comunidade são a co lônia barata de hoje borrifada sobre as acumulações fétidas de injustiça espacial e reclusão pública que moldam cada vez mais a cidade contemporânea Perfuma dos dessa maneira os espaços reconquistados da cidade passam a ser ocupados pelos privilegiados e poderosos não apenas fisicamente mas ideológica e per ceptivamente seus significados excludentes mascarados por trás de mitologias de segurança e desenvolvimento Eles passam a existir como especulações culturais definidas por um conjunto decididamente falso de imperativos culturais E assim este livro407 considero minha vocação garantir que o odor oleoso da arrogância e da injustiça sobreponhase por este perfume para que as pessoas sintam o fedor e reflitam sobre a sua fonte Esse chamado pode ser realizado de maneira humanista fornecendo um fórum publicado para ideias e experiências anarquistas músicos de rua punks gutters punks ativistas da Massa Crítica operadores de microrradio e outros que são geralmente dispensados de um enten dimento aceitável sobre o espaço público Também pode ser realizado de forma 404 NT Traje muito usado na década de 40 pelos homens das comunidades latinas afroamericanas italianas ameri canas e filipinoamericanas 405 Ver Ferrell Theyre Trying to Make Us a Parking Lot 406 Industrial Worker July 11 1913 página 2 Da mesma forma ver Industrial Worker October 10 1912 página 4 Os políticos não importa o seu nome não cheiram tão bem A politician no matter what his name dont smell so sweet 407 NT And thus this book 323 mais agressiva Completando um livro anterior escrevi em um rascunho do últi mo capítulo que devemos fazer com que as autoridades saibam que são tolos pe rigosos408Vendo isso o editor escreveu na margem Você não pode dizer isso Mas eu posso e fiz e vou novamente podemos começar a dissipar a colônia de civilidade e comunidade desdobrando impiedosamente as contradições que aqueles com a autoridade não são capazes de administrar expondo mentiras ba ratas e os manifestos absurdos que eles divulgam como senso comum e a política pública em relação ao espaço da cidade Embora eu deixe principalmente para o leitor lembrar esses absurdos dos capítulos anteriores alguns destaques devem ser repetidos Convênios em co munidades planejadas proíbem a bandeira dos EUA ditam a cor da pintura da casa e do cascalho decorativo e assim obrigam uma espécie de canteiro de flores Belsen409 As injunções das gangues civis proíbem os alvos de escalar cercas ficar perto de latas de cerveja ou uns aos outros ou aparecer em público Funcionários públicos e o jornal diário em Phoenix definem a falta de moradia como um pro blema de paisagismo e imagem As autoridades em Tempe confinam os artistas de rua à áreas de entretenimento específicas da cidade proíbem as pessoas de sentarem na calçada minam a cena de rua pulsante e a cultura abundante mente exposta Em San Franscisco a administração do prefeito argumentando que a Massa Crítica é a causa do congestionamento do tráfego tenta fechar um acordo com os líderes de uma organização sem liderança e um supervisor da cidade preocupado com uma sociedade desordenada onde vale tudo propõem proibir a que as pessoas fiquem paradas nas esquinas das ruas A Associação Na cional de Emissoras afirma que devido ao crescimento da microrradio milhares de pessoas não poderão ouvir a estação de rádio de sua cidade A FCC apoia esta preocupação com ataques armados contra estações de microrradio E em Denver Jill Crow se muda para uma cobertura de 900 metros quadrados no Flour Mills Lofts que é completamente higienizada e privatizada porque ela deseja uma ex periência mais cultural e por Deus porque ela está interessada na diversidade e preocupandose com a igualdade Tolos perigosos de fato Mas é claro que não basta limpar o perfume li vrarse das seduções de privilégio civilidade comunidade Se Marx tivesse sido um anarquista ele poderia dizer da seguinte maneira os escritores só expuseram as contradições o ponto é recuperar as ruas libertar o território ocupado e abrir a cidade410 408 Ver FERRELL Crime of Style páginas 191192 409 NT O canteiro BergenBelsen Museu de flores em homenagem a vítimas da Alemanha Nazista 410 Ver Karl Marx Teses sobre Feuerbach decimaprimeira tese Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes a questão porém é transformálo In Robert C Tucker editors The MarxEngels Read ers New York WW Norton 1972 página 109 NT As Teses sobre Feuerbach está disponível em português 324 CIDADE ABERTA Em 1945 na época em que os Aliados estavam libertando Belsen Roberto Rossellini decidiu fazer um filme Liberto de seus deveres de produção cinema tográfica sob os fascistas Rossellini começou a documentar os abusos que Roma e seus cidadãos tinham sofrido sob os fascistas italianos e seus companheiros nazistas e ao mesmo tempo documentar a resiliência da resistência cotidiana à ocupação fascista Filmando um pouco além do alcance do exército alemão em retirada filmando cenas na rua nas margens da cidade apenas411 alguns dias antes empregando uma mistura de profissionais cinematográficos e cidadãos comuns Rossellini fez um filme que inaugurou uma nova onda de cineastas412 neorrealis tas do pósguerra E reconhecendo o assunto e as circunstâncias de seu cinema ele intitulou seu filme Roma Citta Aperta ou em seu título em inglês Open City413 Anarquistas e outros que lutam para libertar o espaço público hoje em dia fazem o mesmo filme Encenando cenas em meio a um exército de policiais e desenvolvedores embora infelizmente não recuando eles trabalham para criar uma nova onda de urbanismo libertador para celebrar as possibilidades de uma cidade aberta e uma comunidade urbana eclética e como Rossellini eles enga jam cidadãos comuns a irem com eles para as ruas a fim de enfrentar o tema e a as circunstâncias de seus esforços Da mesma forma que as cenas gráficas de Open City e a violência semido cumentais414 de destruição em tempo de guerra chocaram o público ocidental mas também lhes ensinaram um novo vocabulário acerca do realismo cinemato gráfico as cenas de destruição criativa praticadas pelos anarquistas nas lutas de hoje causa perturbação naqueles que se deparam com elas mas ao mesmo tem po começam a lhes ensinar um novo vocabulário político Que os conflitos con temporâneos sobre o espaço público oferecem muitas dessas cenas foi esclarecido nos capítulos anteriores cujos apontamentos se juntam em uma verdadeira ladai nha de destruição perturbação e ilegalidade Pessoas desabrigadas violam as leis de vadiagem e transgressão cometendo ao longo do caminho inúmeros crimes de qualidade de vida enquanto seus partidários encenam protestos ilegais em seu nome Os artistas de rua performam sem permissão415 vagando416 para fora httpwwwdominiopublicogovbrdownloadtextoma000081pdf 411 shooting scenes in city streets offlimits only a few days before 412 Filmmaking 413 Roberto Rossellini Open City Roma Citta Aperta 1945 Uberto Arato photographer 414 Semidocumentary secenes 415 Play without permits 416 Wander 325 de suas áreas de entretenimento atrapalhando417 o fluxo ordenado do tráfego na calçada Os punks vestem418camisetas com os dizeres Destroy Everything419 e os skaters punks tomam conta de piscinas e manobram sobre os corrimãos420 enquanto os BASE jumpers comandam pontes e torres de rádio em sua ascen são à ilegalidade A Massa Crítica impede o tráfego nas ruas e as intersecções de cortiça Os ativistas do Reclaim the Streets danificam automóveis desabilitam máquinas de construção usam britadeiras421 no pavimento e organizam festas ilegais de rua Os operadores do microrrádio interferem nas ondas sonoras com sons ilegais da mesma maneira que o HipHop e vagabundos rabiscam422 vagões de carga e muralhas da cidade com imagens ilegais Esta ladainha confirma a trajetória sugerida no capítulo um uma trajetó ria anarquista irregular que correndo do passado para o presente continua a se conformar ao contorno da paixão pela destruição de Bakunin Não admira que os defensores da civilidade forçada estejam chocados Seus adversários nas ruas parecem alheios à civilidade exigida dos cidadãos comuns parecem respeitar a majestade da lei tão pouco quanto a santidade da propriedade privada parecem satisfeitos em abraçar a expatriação desafiadora dos Wobblies Nós não somos cidadãos indesejáveis Nós não somos sequer cidadãos423 Respondida em par te ao longo dos capítulos anteriores a questão no entanto surge de novo que tipo de política poderia animar muito menos justificar um apetite tão voraz por destruição424 A tipologia de vandalismo de Stan Cohen começa a sugerir uma resposta Como observado brevemente no capítulo um Cohen acha entre as várias formas de destruição ilegal de propriedade um significado particular o vandalismo ideológico Como Cohen argumenta aqueles que estão nos recantos da margi nalidade425 utilizam regularmente esse vandalismo como uma tática consciente para desafiar simbolicamente um ou outro dos acordos existentes do poder ex cludente Mais amplamente argumenta Cohen o vandalismo ideológico muitas vezes desafia o próprio conteúdo das regras Nesse sentido esse vandalismo não se limita a danificar prédios ou quebrar janelas viola a ideia e a prática da pro priedade e do privilégio e além disso profana as estruturas da vida cotidiana que 417 Disrupt 418 Punk sport 419 NT Destrua tudo 420 Grind 421 NT Jackhammer 422 NT inscribe 423 Industrial Worker October 24 1912 página 2 424 Guns n Rose Appetite for Destruction Los Angeles Geffen 1987 425 NT Disenfranchised margins 326 se tornaram tão culturalmente codificadas que alcançam o status do sagrado Este relato sobrevandalismo ideológico é claro assim como descreve precisamente o projeto em andamento dos situacionistas e outros anarquistas Cohen menciona também o Ludismo e Comuna de Paris uma revolução sobre e contra a vida co tidiana E da mesma forma descreve bem o vandalismo da Massa Crítica e dos ativistas Reclaim the Streets dos operadores de rádio pirata e grafiteiros uma ruptura e destruição não apenas no tráfego de automóveis ou nas ondas sonoras comerciais mas nos pressupostos que os sustentam426 Sob essa luz Cohen termina sua consideração de vandalismo com a noção de que a sociedade cria seu próprio vandalismo Visto sob esta ótica o vanda lismo liberatório dos ativistas Reclaim the Streets e os operadores de rádio piratas surge pelo menos em parte dos controles espaciais cercados e projetados para evitálos como o situacionista gostavam de dizer e escrever nas paredes de Paris a sociedade que abole toda aventura torna a abolição a sua própria e única aven tura possível E preso a essa dinâmica política o vandalismo intencionalmente ideológico desse tipo não poderia ser mais diferente do vandalismo descuidado mal direcionado frequentemente atribuído a crianças em idade escolar e de rua Ou talvez os dois não pudessem ser mais parecidos Após um exame minucioso a quebra de janelas destas crianças descuidadas nas escolas parece em muitos casos simbolizar uma incipiente insurreição contra o encarceramento autoritário que hoje em dia passa pela educação Da mesma forma a rejeição estereotipada de grafiteiros de hiphop como cachorros insensatos marcando seus territórios enquanto os vândalos operando em um nível na cadeia animal não muito dis tante daquele que observamos em animais inferiores desmorona diante de sua anarquia infinitamente criativa427 Afinal a sociedade cria seu próprio vandalis mo em mais de uma maneira e os ataques anarquistas aos arranjos sociais não operam apenas no nível das grandes pedaladas da Massa Crítica e das ações do Reclaim the Streets mas dentro dos muitos pequenos momentos da vida coti diana E de qualquer maneira quem se importa Quem se importa em encontrar a melhor distinção entre vandalismo ideológico e nãoideológico porque poderíamos lembrar tudo é apenas violência contra a propriedade e as leis que a protegem não contra as pessoas Olhando novamente para o vandalismo vio lento e destrutivo dos lutadores anarquistas de rua um padrão óbvio emerge ninguém está se machucando E não é só essa destruição que visa em quase todos 426 COHEN Stanley Property Destruction Motives and Meanings in Colin Ward editors Vandalism New York Van Nostrand Reinhold 1973 paginas 2353 citação página 39 427 Cohen Property Destruction página 53 e ver página 40 Viceprefeito de Denver Bill Roberts citado em FERREL Crime of styles página 136 ver David F Greenberg Deliquency and the Age Structure of Society Contemporary Crises 1 1977 189223 327 os casos corrimãos de shopping calçadas ruas cheias de carros ondas de rádio corporativas regulamentações governamentais e outros alvos distantes da pro priedade no sentido de uma pequena cabana ou camisa velha de alguém é que a destruição lançada por esses grupos visa diretamente restaurar a humanidade as relações humanas e as comunidades humanas não destruílas Sugere que uma maneira de desenredar as confluências desumanas da propriedade e das pessoas confrontar a confusão do consumo com a comunidade desmantelar a hierar quia da mercantilização pela qual a lei e a propriedade estão acima das pessoas e lugares é destruir assiduamente a primeira enquanto afirma a segunda Mais de um comentarista notou que em um esforço para capturar o autor dos ata ques ecocriminosos na virada do milênio em casas multimilionárias esculpidas nas preservadas montanhas ao redor de Phoenix as autoridades ofereceram uma recompensa muito acima de qualquer recompensa local jamais oferecida pela apreensão de um estuprador ou assassino em série O vandalismo incendiário e a suculenta recompensa que se destinam a impedilo contam histórias igualmente reveladoras sobre o desequilíbrio de pessoas e propriedades apenas de ângulos diferentes e ambos lembram a foto de um graffiti de rua que vi anos atrás Eu não acredito em nada dizia Eu sinto que eles deveriam queimar o mundo Apenas deixe queimar baby428 Além disso a destruição desencadeada por aqueles que lutam pelo espaço público visa restaurar a humanidade porque tem por objetivo inventar novos espaços em que as relações humanas possam florescer abrir a cidade e respirar a vida para o envolvimento humano voltar a ela A Massa Crítica congestiona os carros Reclaim the Streets viram barricadas nas ruas a conduta desordenada dos músicos de rua e os ativistas semteto criam espaços abertos de interação huma na alternativa e de comunidade à medida que destroem os espaços fechados de lei propriedade e privilégio Todos confirmam a afirmação de Bakunin de que o impulso destrutivo também é um impulso criativo Abrindo espaço para os marginalizados inventando espaço fora da lei eles minam a proibição do espaço público e confrontam as novas marginalizações de seus ocupantes No capítulo introdutório deste livro a Comuna de Paris derrubando429 a Coluna Vendôme Napoleônica foi talvez a mais direta das ações na batalha contínua pelo espaço público livre e igualitário Considerando a política contem porânea e a moralidade da destruição na batalha pelo espaço público o que pode ríamos justificadamente derrubar hoje Que símbolos de desigualdade e império 428 Foto reproduzida em Laurie Taylor The Meaning of the Environment in Ward Vandalism páginas 5463 foto página 57 Ver Julie Cart AntiSprawl Arsons Put Arizonans on Edge Los Angeles Times February 11 2001 página A1 429 NT Pulling down 328 podem satisfazer o apetite criativo pela destruição E sua destruição abre a cidade para novos significados Eu sugeriria os placares dos balneários corporativos os toldos de restaurantes exclusivos os outdoors que anunciam carros e consumo as estátuas de políticos e filantropos que vomitam perfume Podemos ter Ros sellini filmando essa luta destrutiva para criar uma cidade aberta e podemos ter Vilimius Malinauskas nos liderando também Filho de pai lituano enviado pelos soviéticos para a morte na Sibéria Malinauskas está movendo as maciças estátu as de Marx Lenin e Stálin que uma vez se ergueram sobre as praças da cidade na Lituânia para um novo local seu parque temático Leninland Lá segundo Malinauskas as estátuas junto com réplicas de gulags e carruagens de trem de gado ajudarão a sociedade a compreender e aceitar seu passado430 Se tal parque temático emergisse de monumentos públicos retirados nos Estados Unidos isso poderia ajudarnos a entender e internalizar não apenas nosso passado mas esse arquipélago de gulags espaciais em constante expansão do presente E se fôssemos nomeálo em homenagem ao seu arquiteto não que remos chamálo de Leninland mas de Developersland431 ou talvez mais preci samente de Disneylândia432 Outra faceta também o distinguiria uma sensação de diversão e prazer entre as ruínas Quando os comunistas derrubaram a Coluna Vendôme houve poucas recriminações segundo o relato de testemunhas ocu lares em vez disso uma banda musical tocou a Marselhesa para entreter a multi dão e depois fotografias foram tiradas de famílias orgulhosas postadas ao redor dos escombros da Coluna433 Da mesma forma quando os ativistas da Massa Crítica ou ativistas do Reclaim the Streets destroem o autocentrismo cotidiano das ruas quando músicos de ruas BASE jumpers e skate punks violam frontei ras espaciais quando os defensores dos semteto sentam nas calçadas ou servem comida ilegalmente a dinâmica é de brincadeira realização afirmação esponta neidade A destruição da ordem e do privilégio a abertura de espaços fechados não resulta em recriminação mesquinha não na vingança dos oprimidos mas no festival dos oprimidos O filme sempre permanece mais comédia que tragédia Para aqueles que lutam contra o fechamento do espaço público o prazer lúdico constitui tanto os termos de engajamento nos quais eles estão dispostos a lutar quanto o senso de possibilidade a imaginação de uma cidade aberta pela qual eles lutam Festivais sem restrições nas ruas momentos de dança espontânea e música de forma livre servem como subversões sensuais minando a ordem da 430 CONNOLY Kate Cold Thaw Theme Park for Communist Icons Guardian Weekly December 30 1999 January 5 2000 página 17 431 NT Destacamos Termo no original 432 SOLZHENITSYN Alexander The Gulag Archipelago London Collins and Harvill 1974 433 VUILLAUME The Destruction of the Vendome Columm in Stewart Edwards editors The Communards of Paris 1871 Ithaca NY Cornell University Press 1973 páginas 146148 citação página 147 ver página 40 329 vida cotidiana e convidando os transeuntes aos prazeres da insubordinação lúdi ca Ao mesmo tempo sugerem ainda que por algum tempo demonstrem o que mais o que mais a vida cotidiana poderia ser se não fosse interrompida por tais subversões mas definida por elas Nesse sentido os prazeres lúdicos como meios e fins da luta anarquista pelo espaço público são mais do que divertidos Eles são profundamente políticos Mas então quais prazeres não são Consumir pedaços de prazeres pré embalados oferecidos por um parque temático corporativo inutilmente regozi jandose com434 a suave locomoção de andar de carro explorando a excitação sombria do sadomasoquismo por mais diferentes que sejam todos envolvem questões de autoridade privilégio e identidade todos traçam interconexões par ticulares entre poder e jogo e todos portanto constituem atos políticos de pouca importância435 Portanto aqueles que participam do festival dos oprimidos não inventam a política do prazer eles apenas a reinventam Eles criam prazeres que subvertem à passividade atomizada do consumo de massa permanecendo aber tos inclusivos e coletivos pela construção de novas comunidades abertas dentro da casca da velha ordem Como acontece com os BASE jumpers eles compõem festivais de queda livre animações do tipo faça você mesmo passeios de bi cicleta aventuras de skate que recuperam um grau de autonomia e uma inde pendência prazerosa dos controles alienantes da lei do trabalho e do dinheiro E como os Situacionistas eles lutam para reconfigurar a cidade em si como um playground grande aberto e fora da lei sem necessidade de pagamento de taxa Never Work foi o velho slogan Situacionista rabiscado em uma parede de Paris em 1953 rabiscado novamente em faixas e muros em Paris de 1968 reafirmado pelos The Sex Pistols e outros punks preguiçosos436 alguns anos depois Mas se não é para trabalhar então brincar Claro Nossa filosofia subjacente era de experimento e brincadeira escreveu o situacionista Christopher Gray e como acrescenta Greil Marcus brincar com toda a cultura e a própria cidade como campo437 O senso de espontaneidade que os anarquistas valorizam a disorganiza tion438 e as coincidências organizadas nas quais os praticantes da Massa Crítica e outros lutadores de rua prosperam também operam politicamente como um meio para um mundo diferente e como um componente do que esse mundo 434 NT aimlessly enjoying the smooth locomotionof 435 Ver PRESDEE Mike Cultural Criminology and the Carnival of Crime London Routledge 2000 Chuck Berry No Particular Place to Go St Louis to Liverpool Chicago Chess LP1488 1964 436 NT Destaque no original Lazy sods 437 Marcus Lipstick Traces página 171 ver páginas 175 427 Gray citado em Marcus Lipstick Traces página 171 The Sex Pistols Seventeen Never Mind the Bollocks Heres the Sex Pistols London Virgin 1977 438 NT No original 330 diferente pode se tornar Performada na verdadeira política da rua a espon taneidade sugere não uma pura desordem absoluta mas uma subversão um subterfúgio uma farsa interior sobre a tênue tensão entre estrutura e emergên cia O traço na disorganization revela isso ao contrário da desorganização a disorganization sugere um pequeno grau de planejamento e previsão mas apenas o suficiente para engendrar condições condutivas à espontaneidade con dições nas quais o planejamento e a premeditação podem ser abandonados com alegria Vamos apenas organizar a detonação disseram os Situacionistas no capítulo três A explosão livre deve escapar o nosso e qualquer outro controle para sempre439 E mesmo essa organização deve ser notada é realizada com relutância Por mais estranho que pareça em um mundo dominado por poder sedento de burocratas mesquinhos que conseguiram empurrar e passar por cima das pessoas eu sempre encontrei pessoas envolvidas em batalhas anarquistas de rua dispostas a fazer ligações fazer panfletos decorar bicicletas e caso contrário disorgani ze os eventos apenas porque eles querem ver algum inferno espontâneo gerado não porque eles querem ver seu próprio status elevado para líder ou organi zador440 Quando em meio a esse processo disorganized erros são cometidos mas isso não é um problema especialmente se foram erros que poderiam ter sido corrigidos com melhor planejamento mais controle menos participação Afinal a espontaneidade é o ideal o ethos se nunca o absoluto é ver a cidade explodir em um brilho de espaços abertos é sempre mais um prazer e sempre mais im portante do que organizar a detonação A prática da espontaneidade da experimentação e da desorganização lúdi ca se replica nas batalhas pelo espaço cultural contemporâneo unindose a antiga estratégia anarquista de ação direta e a noção de que um processo inclusivo pro priamente desencadeado encontrará sua própria direção progressiva Também começa a definir o que um movimento anarquista para a liberação do espaço público pode significar Como já mencionado os casos coletados neste livro do cumentam um submundo anarquista sutilmente unido441 quando é mantido unido principalmente pelas identidades inclusivas e transversais de seus resi dentes Os operadores do microrradio os defensores dos semteto os ciclistas da Massa Crítica os skatistas punks e outros se cruzam identificamse encontram afiliados oferecem ajuda mútua não porque o Politburo os mova como peões no plano diretor mas na maior parte porque compartilham as mesmas simpatias e antipatias e assim se encontram lutando para libertar os mesmos espaços pú 439 Citado em Marcus Lipstick Traces páginas 179180 440 Ver The Clash Working for the Clampdown StrummerJones London Calling London CBSEpic 1979 441 NT Held together 331 blicos Como os Wobblies assumindo uma luta pela liberdade de expressão nos velhos tempos eles espalham a palavra montam os trilhos e se aglutinam em um momento de resistência desorganizada antes de desaparecer como o monte Nes tor Makhno na Ucrânia Embora a divulgação seja tão simples quanto a leitura dos sinais as estacas dos desenvolvedores desenraizados os sons de um círculo de tambor nos grafites anarquistas e punks nas paredes da cidade também pode exigir442 uma rede de mídia alternativa No entanto aqui novamente a teia da mídia alternativa gira mais em torno da espontaneidade do que da estrutura Como visto anteriormente a xerocracia da Massa Crítica e outros grupos fun ciona como uma manifestação mediada da prática anarquista uma democracia inclusiva do tipo faça você mesmo na qual todos e quaisquer são encoraja dos a produzir imagens lúdicas e circular ideias alternativas E emergindo dessa maneira a mídia do subsolo continua a serviço da rua Repetidamente tenho ficado impressionado com a sofisticação tecnológica e o conhecimento de mídia dos operadores de microrradio pela experiência sem esforço dos participantes da Massa Crítica e dos ativistas semteto que operam câmeras de vídeo compilam documentários em vídeo e sites de programas Eles quase não estão perdidos em um jogo de Carmegeddon no entanto Em vez disso eles estão respondendo ao chamado de Keith para unir a dualidade entre espaços reais e imaginários Trazendo a mídia e as imagens alternativas para suportar os espaços reais da rua elas ajudam a moldar um movimento cultural para refazer os espaços culturais da cidade A desorganização solta desse movimento para a liberação do espaço pú blico oferece inúmeras vantagens Mantém a linha da anarquia recortada e sub versiva a história em desdobramento é em parte secreta de modo que ninguém sabe tudo o que está acontecendo incluindo prefeitos como Willie Brown e até autores de livros sobre anarquia e espaço cultural Assegura como no passado que se forem cometidos erros dentro desse movimento eles tenderão para a inclusão e a desordem evitando assim os erros habituais do movimento social de exclusão e incrustação E por causa dessas vantagens começamos a perceber que um movimento espontâneo e lúdico desse tipo pode causar sérias mudanças na natureza do espaço público e ao fazêlo levar a cidade a novas formas de justiça espacial e comunidade urbana Deus sabe que é uma longa jornada desde os arranjos espaciais atuais até qualquer construção ampla de justiça espacial ou comunidade inclusiva443 mas com cada realização anárquica com cada sessão de calçada proibida desafiada 442 NT Necessitate 443 Ver Kristi S Long e Matthew Nadelhaft editors American Under Construction Boundaries and Identities in Popular Culture New York Garland 1997 332 com sucesso ou área de localização de entretenimento sonoramente violada uma espécie de justiça provisória emerge Subindo em cima da crescente divisão de classes os privilegiados certamente trancaram o melhor das coisas que pos suem os melhores alimentos os maiores SUVs as maiores casas as mais doces vistas privadas de montanhas e mares Cada sucesso anarquista por menor que seja seu escopo sugere que eles também não têm espaço público trancado Su gere ao menos um pouco de justiça espacial com a qual a única coisa que resta para muitas pessoas empurradas para o outro lado da linha divisória uma casa na rua um lugar para ganhar alguns trocados talvez um pouco de conforto os pequenos prazeres da rua também não são apropriados pelos privilegiados Escondidos em suas comunidades fechadas seguros em seus navegadores Lincoln os que estão no topo não são forçados a confrontar os problemas e consequências de seus privilégios Eles podem facilmente viajar para o clube de campo sem passar por uma maquiladora evitar o cheiro do racismo ambiental escolhendo um bairro que nunca tenha sido contaminado com lixo tóxico fazer com que seu planejador de viagem deixe as fábricas da Nike no Vietnã fora do seu itinerário mundial Ganhar algumas batalhas para manter as calçadas de alta qualidade abertas para os desabrigados fazer com que Navigators compartilhem as ruas da Bay Area com bicicletas pelo menos forçará os privilegiados de vez em quando a confrontar suas consequências injustas até encontrar alternativas humanitárias Como detalhado no capítulo um o companheiro de Emma Gold man Ben Reitman foi forçado a passar por uma infinidade de abusos no qual ele foi despido chutado espancado queimado pichado e sexualmente agredido tudo por apoiar a luta de livre discurso dos Wobblies em 1912 contra os controles dos proprietários de empresas e autoridades legais de San Diego Nada tão violen to aqui Mas a defesa bemsucedida do espaço público cria seu próprio desafio um desafio de desigualdade diferença e incerteza para os privilegiados navegarem no caminho de ida e volta de suas exclusões um desvio embora brincalhão atra vés do festival dos oprimidos Claro que isso não é suficiente Ganhar algumas batalhas na calçada for çando algum desconforto espacial na vida dos que estão à vontade são prazeres por si só importantes contrapartidas na luta pelo espaço público e certamente confirmação de que a revolução da vida cotidiana já está e sempre acontecendo Mas e se pudéssemos reunir mais algumas dessas revoltas espaciais criar uma massa crítica de insubordinação pública cotidiana contra a ordem espacial mais ampla E se pudéssemos avançar um pouco mais em direção à justiça espacial se pudéssemos reverter a ocupação revanchista da cidade e em vez disso inventar uma cidade aberta animada por novas comunidades de vida pública A construção especulativa do capítulo anterior de tal comunidade no e em torno do Toewring Inferno reiterado sugere que essa cidade aberta seria definida 333 e certamente animada por configurações ecléticas de marginalidade e diferença Muitos teóricos urbanos hoje concordam e ao concordarem oferecem não apenas uma visão de uma cidade anarquicamente aberta mas uma réplica direta das tendências contemporâneas em direção à homogeneização espacial à adesão pública e à civilidade forçada dentro das comunidades corporativas Construin do a partir da noção de heterotopias de Foucault Edward Soja escreve sobre o potencial humano inerente a espaços heterogêneos de locais e relações espa ços que sendo vividos e construídos socialmente preenchem as lacunas entre identidade individual e coletiva física e história cultural E argumenta Soja na medida em que tais espaços repousam à margem do poder hegemônico eles permitem que a subjetividade radical de alguém seja ativada e praticada em con junção com as subjetividades radicais dos outros São espaços de inclusão e não de exclusão locais onde as subjetividades radicais podem se multiplicar se conec tar e se combinar em comunidades multicêntricas de identidade e resistência444 Como visto em capítulos anteriores Samuel Delany também contrasta a estreita homogeneidade de networking com a generosa diversidade de conta to imprevisto em espaços públicos abertos e Michel Keith argumenta que uma invocação do urbanismo positivamente indesejável tem que ser sobre abrirse para diferença onde a incerteza e a imprevisibilidade forneçam as condições que definem como a novidade chega ao mundo445 O urbanista Kian Tajbakhsh afirma que a promessa da cidade aberta realmente floresce nos espaços híbridos de identidade e escrevendo anos antes sobre ambientes de urbanismo e um novo anarquismo o sociólogo Richard Sennett foi ainda mais direto ao ponto A grande promessa da vida na cidade argumentava ele era o novo tipo de confusão que oferece seus canais para experimentar a diversidade e a desordem que para o pensamento de Sennett mais do que justifica tirar a cidade do controle préplanejado446 Juntas essas perspectivas sobre a cidade aberta lembram a mesma tensão tênue447 incorporada na noção de disorganization uma detonação criativa de identidades urbanas híbridas dentro da política da desordem organizada Eles também sugerem o impensável para aqueles desenvolvedores corporativos e auto 444 SOJA Edward History Geography Modernity in Simon During editors The Cultural Studies Reader London Routledge 1993 páginas 135150 citação página 142143 SOJA Edward W MarginAlia Social Justice and the New Cultural Politics in Merrifield and Swyngedouw The Urbanization of Injustice páginas 180199 citação página 192 NT Textos disponíveis em português 445 DELANY Samuel R Times Square Red Times Square Blue New York New York University Press 1999 Keith Street Sensibility página 143 446 TAJBAKHSH Kian The Promise of The City Space Identity and Politcs in Contemporary Social Thought Berkeley University of California Press 2001 Página 183 SENNETT Richard The Uses of Disorder Personal Identity and City Life New York Norton 1970 Página 108 198 447 NT Delicate tension 334 ridades municipais cuja noção de comunidade e civilidade exigem a aplicação da homogeneidade e a regulação da interação pública comunidades urbanas de fato construídas a partir de diferenças e mantidas juntas pela desordem Em tais comunidades a brincadeira e interação de populações diversas dentro do espaço público não regulamentado e portanto a imprevisibilidade e ambiguidade es senciais da vida na cidade não mais constituem ameaças à comunidade e civili dade mas se tornam a própria definição da vida comunitária aberta e inclusiva Com o passar do tempo essa cacofonia urbana harmoniosa se constrói reverbe ra se alimenta de tal forma que uma ordem suave e interativa surge na vida da cidade uma ordem baseada na contínua desordem do espaço público Deixando de lado a espontaneidade de nossas próprias vidas urbanas criamos entre nós identidades cruzadas e criolas que não são inteiramente nossas448 nós moldamos uma comunidade urbana que se mantém unida não porque seus membros sejam classificados e separados mas porque a partir do contato contínuo nos espaços abertos da cidade eles tornamse o outro449 Essa cacofonia inclusiva e transformadora ecoa as experiências observadas nos capítulos anteriores os artistas de rua e seus ouvintes se unindo dentro da música bairros descobrindo suas diversas identidades nos sons ilegais da mi crorradio ciclistas da Massa Crítica que encontram coragem coletiva e prazeres espontâneos BASE jumpers criando comunidades para aqueles que desorgani zam450 toda essa desordem A teia subterrânea de identidades transversais que constitui o movimento anarquista contemporâneo para a liberação do espaço público e a criação de cidades abertas nos oferece algo mais do que ativismo ofe rece um modelo de trabalho das identidades híbridas e comunidades inclusivas que de fato animariam uma cidade Nesse sentido os operadores de microrradio que atuam como ativistas semteto ou militantes do Black Power grafiteiros que se tornam artistas e defensores da comunidade os participantes da Massa Cri tica que encontram uma causa comum com trabalhadores em greve constituem pioneiros melhor451 personificações de um novo tipo de urbanismo hetero topiano Citando bell hooks Edward Soja escreve sobre abraçar as margens de po der as margens da cidade como locais de abertura e possibilidade radicais452 448 NT creolized identities not entirely our own 449 Ver TIFFT Larry SULLIVAN Larry The Struggle To Be Human Crime Criminology and Anarchism Or kney UK Cienfuegos Press 1980 FERRELL Jeff Anarchist Criminology and Social Justice in Bruce A Arrigo editors Social JusticeCriminal Justice Belmont CAWadsworth 1999 Páginas 93108 WILLIAMS Christopher R ARRIGO Bruce A Anarchaos and Order On the Emergence of Social Justice Theoretical Criminology 5 n 2 2001 223252 450 NT Destacamos para acompanhar a explicação do texto ao contexto de disorganized 451 NT Hell 452 SOJA MarginAlia páginas 191192 ver HOOKS Bell Yearning Race Gender and Cultural Politcs Bos 335 A visão anarquista de uma cidade aberta e os casos de conflito com a população considerados nos capítulos anteriores confirmam seu foco Ao longo das mui tas campanhas contemporâneas para fechar e criminalizar o espaço público um compromisso com a comunidade heterotópica uma abertura para contato con fusão e incerteza tem conseguido perdurar mas principalmente nas margens Perdurou até mesmo prosperou entre aqueles que saíram das estradas saíram das ferrovias saíram das calçadas e ruas presos por vários distúrbios públicos e sônicos E assim como Soja encontramos as sementes de uma cidade aberta entre as mais marginalizadas entre as mais completamente excluídas do território ocupado de hoje Como Jean Genet abraçando sua vida miserável como um mendigo e ladrão uma vida marginalizada pela preferência sexual pobreza e po lítica nós também devemos abraçar e celebrar aqueles nas margens urbanas e como Genet achar que há os sinais mais sórdidos de marginalização tornamse sinais de grandeza e compromisso453 Descobrindo a beleza e a promessa da cidade em suas margens construin do comunidades a partir da desordem do espaço público abraçando as identi dades adulteradas daqueles que cruzam fronteiras urbanas voltamos mais uma vez ao festival dos oprimidos porque se hoje muitos momentos ilicitamente entrelaçados de música de ruas skate BASE jumping ciclismo e microradio prenunciam a cidade aberta assim como o carnaval de celebração pública que surgiu nas ruas de Paris em 1871 Os Situacionistas entenderam que a comuna de Paris criou uma cidade livre de planejamento um campo de momentos visível e barulhenta uma antítese do planejamento uma cidade que foi reduzida a zero e reinventase todos os dias Muito antes dos Situacionistas Peter Kropotkin também entendeu Afirmando em um ensaio de 1880 a criatividade inerente à grande obra de destruição o grande anarquista russo incluía explicitamente o relato em primeira mão de um amigo da Comuna de Paris um relato que sugere o tipo de desordem transformadora que um dia esperamos codificar nos espaços da cidade Eu nunca vou esquecer aqueles deliciosos momentos de libertação Desci do meu quarto su perior no Quartier Latin para me juntar ao imenso clube ao ar livre que enchia as avenidas de Paris de uma ponta à outra Todos falavam sobre assuntos públicos todas as meras preocupa ções pessoais foram esquecidas não se pensava mais em comprar ou vender todos se sentiram prontos corpo e alma para andar em direção ao futuro Os homens da classe média mesmo levados pelo entusiasmo geral viram com alegria um novo mundo aberto Se for necessário fazer uma revolução social disse o autor façao então Puxe todas as coisas em comum esta mos prontos para isso454 ton South End Press 1990 453 GENET Jean The Thiefs Journal New York Grove 1964 Página 19 454 Marcus Lipstick Traces página 147 KROPTKIN Peter Revolutionary Government in Roger Baldwin edi tors Kroptkins Revolutionary Pamphlets New York Dover 1970 Páginas 237 239 NT Texto disponível em português 336 Mas talvez não estejamos prontos para isso talvez não consigamos detonar uma revolução social ou espacial A definição e declaração de Emma Goldman a respeito do anarquismo incluída no capítulo introdutório deste livro merece ser repetida aqui Anarquismo não é uma teoria do futuro É uma força viva nos assuntos de nossa vida constantemente criando novas condições o espírito de revolta em qualquer forma contra tudo que impede o crescimento humano455 Então o anarquismo não oferece nenhum caminho claro para uma cidade aberta apenas a convicção de que o espírito de revolta permanece sempre um prazer que a revolução é de certa forma conquistada assim que você começa a lutar E além disso mesmo que tudo mais falhe mesmo que você não possa dançar com Emma na revolução uma possibilidade permanece Apenas vá embora WALK AWAY456 Juntamente ao relato anarquista de Emma Goldman o primeiro capítulo apresentava um breve relato de minha abordagem para escrever este livro uma abordagem baseada principalmente em andar na cidade e seus espaços E quando não estou andando de bicicleta o que comparado com outras formas de trans portes pode ser pensado como andar em duas rodas essa continua sendo minha orientação para escrever e viver Mais ainda essa aproximação peripatética não apenas como um método para esse livro mas como uma continuidade que em parte define seu assunto Grafiteiros hobos457 artistas de ruas skatistas ativistas do Reclaim the Streets e outros correm pela cidade a pé as vezes sobre bicicletas ou skates às vezes pegando carona em trens de carga carros ou ônibus mas princi palmente caminhando pelo ambiente urbano A prevalência desse envolvimento urbano entre os anarquistas e outros que lutam contra o espaço público sugere algo mais do que a necessidade começa a revelar a importância de caminhar como uma forma prática de anarquia e revolta espacial Como anteriormente argumentado implica que para se mover através do espaçoé necessário às vezes tomálo Em sua forma mais básica caminhar constitui algo como o Zen doAnar quismo talvez o ato mais simples de viver o DIYação direta e engajamento com as políticas espaciais da vida cotidiana Caminhar começa a despir os vestígios de privilégios e pretensões para libertar seus participantes do terrível ônus da propriedade para colocálos em zonas humildes para colocálos no mesmo nível 455 GOLDMAN Emma Anarchism and Other Essays New York Dover 1969 Página 63 456 NT Ir Embora Optamos por deixar no original na tentativa de manter a escrita e experiência etnográfica do autor 457 Trabalhador ambulante 337 daqueles com quem se cruza e se depara Meus velhos amigos HL86 e Rasta68 artistas urbanos e andarilhos urbanos costumam me repreender pela extrava gância de meu transporte e o meu transporte é somente uma bicicleta Muita propriedade para se ter na cidade eles diriam Muito problema algo para atrair atenção indesejada para ser roubada se não trancada algo pra te prender enquan to você quer se movimentar O quanto mais eu deixava minha bicicleta em casa e caminhava com eles indefinidamente pela cidade horas a fio mais eu entendia quanto mais simples a tua locomoção mais cristalino é o teu encontro com a cidade Como um grupo de skatistas punks disseram anteriormente perambu lando em suas jornadas pelo país Menos é mais Figura Walk away The Blanket Stiff published in the Industrial Worker April 23 1910 Fonte httpslibcomorghistoryindustrialworkerspokaneseattle19091930 338 Um também é muito No sul da Itália a passeggiata o passeio noturno informal desorganizado pelos espaços da cidade atende aos moradores da cida de como um momento coletivo de calma e cordialidade um padrão intrincado de pedaladas que une a comunidade Nos Estados Unidos os salões andantes da mesma forma unem as pessoas para festividades intelectuais portáteis partin do do pressuposto de que a credibilidade mental segue os passos da mobilidade corporal458 Na Bay Area em Boston e outras cidades ao redor dos Estados Uni dos a política segue também Pessoas fartas estão ativamente tomando as ruas e calçadas da cidade de volta através do BayPeds Walk San Francisco Walk Boston e outras associações de pedestres que se espelham na missão sobre duas rodas da Massa Crítica459 Ainda até uma solitária caminhada pela cidade tornase quase sempre uma experiência social uma experiência de comunidade gerando encontros inesperados de como se faz democracia um colapso de experiências pessoais e previsibilidade em peripécia coletiva da cidade Caminhantes seguem o fino e o grosso de um texto urbano que eles escrevem sem ser capaz de lêlo diz o teórico cultural Michel de Certeau um texto em forma de fragmentos de trajetórias e alterações do espaço Seus caminhos entrelaçados dão forma aos espaços Eles tecem lugares juntos460 Sozinho ou entrelaçados com outros a trajetória do caminhante leva tam bém a uma etnografia anarquista e epistemologia da vida urbana Passeios Pe ripatético através da cidade promulgam uma política de atenção às pessoas e comunidades da cidade aos sons e sentimentos que preenchem seus espaços de tal forma que esses errantes tornamse Peripatéticos no antigo sentido Aristoté lico aulas de caminhada na percepção e compreensão Ao contrário daqueles que nunca saem do gabinete os acadêmicos de escrivaninha como descrito pelo criminologista Mark Hamm ao contrário dos voyeur totalizantes que de Certeau localiza em cima do World Trade Center ou ainda os milhões trancados dentro de seus velozes carros os que percorrem os espaços das cidades participam das per cepções daqueles que o cercam no acotovelamento de identidades alternativas experienciam do processo de viver a sensualidade dos espaços da cidade461 458 GOODHEARTH Adam Passing Fancy Utne Reader 103February 2001 3134 citação página 31 459 Ver SOJOURNER Anna Walk Bike Summer página 5 460 DE CERTEAU Michel Walking in the city in During The Cultural Studies Reader páginas 151160 citação páginas 153 157 Ver DE CERTEAU Michel The practice of everyday life Berkeley University of California Press 1984 NT Texto disponível em português ROCHON Lisa Walkabout Alternatives Journal 26 n 3 Summer 2000 2122 KEITH Street Sensibility páginas 145146 461 HAMM Mark S Review of Incapacitation Justice Quarterly 13 n 3 1996 525530 de Certeau Walking in the city páginas 151153 Ver Keith Street Sensibility páginas 143144 FERRELL Jeff HAMM Mark S editors Ethnography at the Edge Crime Deviance and Field Research Boston Northeastern University Press 1998 WILLIAMS III Frank P Imagining Criminology An Alternative Paradigm New York Garland 1999 339 E não apenas o ritmo humano e a paz interpessoal que se abre caminhando na vida dos outros como os artistas de ruas é a vulnerabilidade da caminhada para o maior fluxo rítmico da rua De uma maneira anarquista a caminhada existe como um processo DIY que não é para se fazer sozinho mas em vez disso a negociar entre outros entre padrões interligados de movimento social signifi cado cultural e certa surpresa Como tal a caminhada cria uma espécie de vulne rabilidade subversiva uma epistemologia crítica da rua que ao situar as pessoas a pé dentro da complexa humanidade dos espaços da cidade desmente as reivin dicações dos prefeitos e promotores que vivem trancafiados em seus escritórios Dentro daqueles espaços eu descobri ideologias bem empacotadinhas462 no que concerne a relação à conveniência da comunidade corporativa e da civilidade reforçada que deixam de fazer sentido quando passo caminhando por mais uma prisão desnecessária ando junto com uns skatistas punks por uma placa Proi bido andar de skate contorno a pressão de uma SUV me cortando na faixa de pedestres O que é verdade em uma pista de dança ou na revolução de Emma a verdade está na calçada mova seus pés e a sua mente lhe seguirá Como De Certeau sugere andar no espaço urbano dessa forma não é ape nas entendêlo é refazêlo Às vezes quem percorre a cidade com um senso de propósito epistêmico é identificado pelo antigo termo flâneur em referência à tradição de conhecer a cidade vagando pelas suas ruas Mas esse termo antigo car rega um duplo sentido o flâneur como um desobediente desprezível e um via jante urbano sem objetivo E é esse o sentimento que eu felizmente mais abraço Lentamente vagar pela cidade circular pelos espaços abertos e conversar com as pessoas subverte mais que ideologias prontas Caminhar pela cidade confronta o passado e presente dos mecanismos de lei que produzem noções excludentes de vadiagem vagabundo e invasão Abrange os mais sagrados e subversivos slogan dos Situacionistas Nunca Trabalhe Réplica a velha ideia dos Wobbly de sabotagem como uma retirada da eficiência enfraquecendo a força do pâ nico imposto pela vida contemporânea forçando uma desaceleração da linha de montagem urbana Com certeza confirma o prazer da desorganização pessoal E começa a retomar o território ocupado a construir uma cidade aberta a remon tar o espaço público e a comunidade pública como algo a mais e menos que o campo de morte Disneyland Andar pela cidade dessa maneira inflama a revolução da vida cotidiana põe em movimento o festival dos oprimidos tão certamente quanto um passeio da Massa Crítica ou um comício de Reclaim the Streets E se cambaleando você encontrar tempo para um grind no corrimão tag em um vagão de carga sintoni 462 NT neatly packaged ideologies 340 zar em uma estação de rádio local empurrar um sofá para o cruzamento se você tiver em mente que a paixão por destruição é uma paixão criativa também não é um mau caminho sair por aí e acabar com as ruas REFERÊNCIAS BERRY Chuck No Particular Place to Go St Louis to Liverpool Chicago Chess LP1488 1964 CART Julie AntiSprawl Arsons Put Arizonans on Edge Los Angeles Times February 11 2001 COHEN Stanley Property Destruction Motives and Meanings in Colin Ward editors Vanda lism New York Van Nostrand Reinhold 1973 COHEN Stanley The Punitive City Notes on the Dispersal of Social Control Contemporary Crises V3 1979 3 339 httpsdoiorg101007BF00729115 COHEN Stanley Folk Devils and Moral Panics London Macgibbon and Kee 19721980 CONNOLY Kate Cold Thaw Theme Park for Communist Icons Guardian Weekly December 30 1999 January 5 2000 DE CERTEAU Michel Walking in the city in During The Cultural Studies Reader Ed Simon During London Routledge 1993 DE CERTEAU Michel The practice of everyday life Berkeley University of California Press 1984 DELANY Samuel R Times Square Red Times Square Blue New York New York University Press 1999 FERRELL Jeff HAMM Mark S editors Ethnography at the Edge Crime Deviance and Field Research Boston Northeastern University Press 1998 FERRELL Jeff Anarchist Criminology and Social Justice 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duras e infle xibles que crea el hombre Me interesan las curvas sensuales que fluyen libremente Las curvas que encuentro en las montañas de mi país en el discurrir sinuoso de sus ríos en las olas del océano y en el cuerpo de la mujer amada467 Oscar Niemeyer 463 Tradução do espanhol para o português realizada por Carlos Hélder Carvalho Furtado Mendes 464 Pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Este texto forma parte do projeto de investigação DEMOCRIGHTS The Impact of Recent Global Social Movements on Public Awarenness of De mocracy and Human Rights in the European Union A praxiscentred approachDEMOCRIGHTS O impacto dos recentes movimentos sociais globais na conscientização pública da democracia e dos direitos humanos na União Europeia uma abordagem centrada na práxis SFRHBPD1014902014 financiado em uma chamada competitiva internacional pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional FEDER da União Europeia atra vés da Fundação para a Ciência e TecnologiaPortugal Mail sabariegocesucpt 465 Era o melhor dos tempos era o pior dos tempos era a era da sabedoria era a era da loucura era a época da crença era a época da crença era a época da incredulidade era a estação da luz era era a estação das trevas era a prima vera da esperança era o inverno do desespero Charles Dickens um conto de duas cidades 466 As cidades em que todos querem viver devem ser limpas e seguras possuir serviços públicos eficientes ser apoia das por uma economia dinâmica proporcionar estímulo cultural e também fazer o possível para curar as divisões da sociedade de raça classe e etnia Essas não são as cidades em que vivemos Richard Sennett The Open City 467 Não sou atraído pelos ângulos retos ou pelas linhas perfeitas duras e inflexíveis que o homem cria Estou interessado em curvas sensuais que fluem livremente As curvas que encontro nas montanhas do meu país no curso sinuoso de seus rios nas ondas do oceano e no corpo da mulher amada Oscar Niemeyer 343 OS ESPAÇOS DOS LUGARES COMUNS Completouse um quarto de século desde a publicação de Beyond Blade Run ner Urban Control The Ecology of Fear 1992 de Mike Davis reeditado ao final desta década com o subtítulo de La imaginación del desastre 1998 Um livro fun damental para entender as lógicas atuais que regem as cidades mas que paradoxal mente é difícil encontrar em uma escola de Arquitetura um programa de formação especializada em Urbanismo Geografia Sociologia ou qualquer das disciplinas não são poucas que se relacionam com o que poderíamos chamar de a ciência da cidade na esteira de Henri Lefebvre 1978 p 165 Uma ciência da cidade que pouco ou nada tem a ver com o que chamarei ciência cidadã permitame o jogo de palavras No livro editado sempre em editoriais menores quase clandestinos longe dos interesses mercantis fotocopiado aos milhares disponível em versões inte grais hoje na Internet e lido e debatido entre ativistas e movimentos das últimas gerações Davis um açougueiro que trabalhava no mercado municipal de sua cidade para pagar seus estudos em Sociologia e que tinha transitado pelo ativismo das mais diversas causas desafeto dos protocolos acadêmicos e seus rituais an tecipa algumas questões que apenas como hipóteses tem cobrado entidade duas décadas depois De todas a que nos ocupa neste texto é a consagração do medo como forma de governo e a subjetividade subjacente ao seu regime disciplinar Capa da primeira edição de Utopia de Thomas More 1516 Fonte Wikipédia 344 Completamse também cinquenta anos da publicação de um clássico El derecho a la ciudad de Henri Lefebvre reconhecido academicamente excessiva mente lido por gerações de arquitetos urbanistas e encarregados do planejamen to urbano principalmente no âmbito progressista o que não quer dizer que as recomendações e postulados de Lefebvre tenham sido desenvolvidos apesar de ter integrado as bibliografias de múltiplas matérias e programas As doze teses que encerram o livro de Lefebvre constituem o corolário de sua ativa militância no Maio de 68 francês desde as filas do situacionismo através do qual fugirá do dogma formal marxista ortodoxo para levantar a defesa de uma planificação proletária do espaço urbano 1978 p 169 em função de seus interesses de classe Por último é o aniversário também de outro texto fundamental canônico diria O espaço dividido do geógrafo brasileiro Milton Santos 1978 pratica mente desconhecido entre os geógrafos e urbanistas no Norte Santos dedicou sua vida a analisar a configuração do espaço urbano nas grandes cidades do Sul principalmente na África e América Latina no tempo em que estas cresceram ex ponencialmente transformandose em conurbações metropolitanas gigantescas Apesar de publicados em contextos distintos os três livros compartilham uma tese fundamental o espaço é um espaço político de luta política politica mente construído que reproduz as lógicas do capitalismo e seus ciclos produti vos reprodutivos e distributivos gerando desigualdade exclusão e segregação A epígrafe de Dickens com que começo este texto as linhas iniciais de História de duas cidades não é não é por acaso A cidade está ligada à revolução às lutas sociais desde o neolítico De um modo geral poderíamos dizer que a história é a história das cidades que a própria história dos impérios é a história das cidades de Roma a Sevilha e desta a Tenochtitlán de Londres a Soweto de París a El Cairo de Mumbay a Kioto Mishra 2014 apesar do destaque sem fim do Estadonação e a imaginação do nacional Anderson 1991 desde a Paz de Westphalia e a queda do Antigo Regime A cidade é também uma poderosa metáfora filosófica e política Trías 2001 A configuração da cidade industrial reflete a luta de classes Era o melhor dos tempos era o pior dos tempos assim se inicia o romance de Dickens As bonda des do capitalismo para uma classe e suas maldades para outra protagonistas da vida cidadã nos dois últimos séculos não somente no Ocidente As distopias e utopias futuristas na literatura e o cinema tiveram como paradigma a cidade inclusive quando tratam de ilhas Moore 2003 as ilhas são entidades autônomas com um funcionamento próprio em certa medida além de condicionantes e influências externas e embora ligadas entre si é a ilha e não o arquipélago a constante O arquipélago é a busca o rizoma a conexão entre os 345 marcos atomizados a rede Essa insularidade das cidades sua relativa autonomia também seu isolamento tem sido objeto de conflito e tensões na construção dos projetos nacionais E continua sendo Embora os tratados de Santos Lefebvre e inclusive Davis tivessem sido escritos antes que a tecnologia ampliasse as cidades com camadas digitais e inde xasse seus marcos em um sistema reticular global que as hiperconecta em tempo real o arquipélago ou quiçá um reflexo disto permitindonos por um lado incidir no espaço e por outro ser um sujeito da sua construção Existem poderosas constatações acerca do que diferencia um espaço de um lugar humanizado e de como o planejamento a arquitetura Lefebvre 1983 p 247 o urbanismo e a ciência da cidade contribuem para a desumanização isto é para a alienação barreira dos procedimentos do controle que o disciplinam isto é do medo e obviamente do desejo Por lugares comuns entendemos a expressão formal do sentido comum dominante dos consensos que organizam nossa vida cotidiana as crenças as posições ideológicas éticas estéticas inclusive nossa oposição a estas contrárias a estas Na configuração dos lugares comuns incide diretamente a configuração do espaço e viceversa Essa configuração do espaço nossa própria percepção deste no Ocidente começou a se definir com o capitalismo industrial e seus enclosu res468 do espaço comum Como Davis Lefebvre e Santos destacaram distante da concepção de outras culturas e épocas Barfield 2015 p 204 213 de fato como Owen Barfield expôs O mundo que aceitamos como real é um sistema de representações coletivas Barfield 2015 p 49 O espaço e o tempo são categorias básicas da existência humana Sem embargo raramente discutimos seus significados Contudo tendemos a têlos por certos e a outorgalhes determi nações de sentido comum ou autoevidentes Registramos a passagem do tempo em segundos minutos horas dias meses anos décadas séculos e eras como se tudo tivesse lugar na escala temporal objetiva Harvey 2004 p 225 Pensamos por exemplo nas ocupações de praças ocorridas nas principais cidades de todo o mundo em 2011 e os movimentos globais que as protagoniza ram aos que chamo de Recentes Movimentos Sociais Globais Sabariego 2017 Ao ocupar as praças humanizaram os espaços os transformaram em história dotandoos de textualidade de narração e memória de contexto em definitivo Aguiló e Sabariego 2016 transformandoos em lugares de oposição aos meca 468 NT O termo em Inglês enclosurescorresponde literalmente a cercamentos todavia o autor utiliza o termo devida à semântica histórica dos enclosures cercamento das propriedades rurais na transição do feudalismo para o ca pitalismo na Inglaterra como forma de exclusão dos trabalhadores das áreas rurais no período entre o século XVI e XVIII Essa forma de organização espacial que privou os trabalhadores do acesso ao seu meio de subsistência obrigandoos a vender sua mão de obra como pequenos produtores independentes ao capitalismo industrial cres cente na época 346 nismos disciplinares dominantes da cultura hegemônica o caso de Occupy Wall Street é paradigmático Graeber 2013 arrebatandoos do medo ALGORITARISMOS A CULTURA DO MEDO Como aponta David Harvey na terceira parte de La condición de la pos modernidad 2004 p 225 e ss um dos aspectos inequívocos desta é que a organização do espaço se converteu em um problema de caráter cultural sem dúvida porque como já adverte o subtítulo do livro com o giro cultural ocorri do em meados dos anos noventa do século passado Chaney 1994 o papel da cultura passa a ser central e estratégico o que pode atribuído à sua produção como tenho defendido em outro lugar Sabariego 2007 do campo de ação dos antropólogos para invadir outras disciplinas entre estas a arquitetura o urbanis mo e inclusive a geografia estabelecendo a cultura como espaço de desavença e divisão social entre os que sabem e os que não sabem MorenoCaballud 2017 como mecanismo de legitimação da realidade dos sentidos comuns dominantes e os consensos hegemônicos sobre os que impõe suas regras seus marcos nor mativos e sua subjetividade sua razão de mundo Laval e Dardot 2017 o neoliberalismo a competição a lógica de acumulação capitalista e o fetiche do dinheiro como valor central da sociedade a falácia de comunidade em torno do dinheiro integrada por microemprendedores de si mesmos que competem entre si por recursos e traduzem seu valor monetariamente através da possibilidade de consumo de bens e serviços como clausura de uma cidadania passiva e defensiva atomizada A percepção do espaço e a temporalidade está inseparavelmente ligada a nossa experiência e vivência de mundo influenciada por ciclos de produção e reprodução da cidade capitalista as temporalidades e lugares dos cidadãos a vida íntima os espaços públicos e privados etc e toda esta multiplicidade informa e modela de maneira dinâmica e incessante as múltiplas identidades e papéis que assumimos desenvolvemos e projetamos em nossa vida cotidiana e embora toda esta diferença se expresse na percepção não é apenas uma questão cognitiva afeta a nossas decisões aos nossos projetos de vida ao desejo o governo do medo Da vis 1992 tem na incerteza uma poderosa arma de controle As teorias sociais que fundamentam a sociologia contemporânea deram primazia à dimensão temporal sobre a espacial Harvey 2004 p 229 Não obs tante ao final do Séc XIX enquanto estes aparatos analíticos e discursivos esta vam sendo traçados o poeta simbolista francês Charles Baudelaire 1988 enun ciava em Paris seu particular cronicidio através do meio secular de poemas em prosa que compõe sua teoria do Spleen cujo sujeito poético é o homem moderno atomizado perdido na multidão urbana 347 O andarilho solitário e pensativo goza de uma singular embriaguez desta comunhão universal Aquele que se casa facilmente com a multidão experimenta os prazeres febris dos quais serão eternamente privados o egoísta fechado como um cofre e o preguiçoso ensimesmado como um molusco Ele adota como suas todas as profissões todas as alegrias todas as misérias que as circunstâncias lhe apresentem Baudelaire Le Spleen de Paris Les foules XII Multidões Antes de sua formação poética Baruch Spinoza já havia filo sofado sobre esta como sujeito político em colisão com Thomas Hobbes e suas categorias acerca da multidão e o povo Virno 2003 p 30 35 Nos encontramos assim com uma completa superposição de medo e angustia Quando perco o trabalho devo enfrentar um perigo bem definido que suscita um temor específico mas ao mesmo tempo este perigo factual tornase imediatamente uma angustia indeterminada se confunde com uma desorientação mais geral com respeito ao mundo se dissolve na inseguran ça absoluta na qual recai o animal humano enquanto ser que carece de instintos especializados Poderseia argumentar o medo é sempre angustiante o perigo circunscrito remete sempre ao risco geral do estar no mundo Mas se as comunidades materiais velavam ou atenuavam a relação com o mundo sua dissolução expõe este vínculo a plena luz a perda do posto de tra balho a inovação que muda todo o tempo as características das tarefas laborais e a solidão me tropolitana provocam hoje muitos comportamentos que até pouco tempo estavam associados aos temores que advinham quando se estava fora dos muros da cidade Há algo mais O perigo não se define apenas a partir da originária busca por proteção senão e aqui vem o ponto verdadeiramente crucial este se manifesta na maioria das vezes como uma forma específica de proteção O perigo bem observado consiste em uma horripilante estratégia de salvação se se pensa no culto da pequena pátria étnica por exemplo A dialética entre temor e proteção se resolve no último termo na dialética entre formas alternativas de proteção À redobrada prote ção se opõem proteções de segundo grau capazes de atuarem como antídotos frente ao veneno da primeira Desde o ponto de vista histórico e sociológico não é difícil darse conta de que o mal se expressa própria e somente como réplica horrível à periculosidade do mundo como perigosa busca de proteção basta pensar na tendência a se confiar em soberano forte ou de ope reta pouco importa no impulso obsessivo por fazer carreira na xenofobia Poderseia dizer inclusive que somente é verdadeiramente angustiante um certo modo de enfrentar a angustia Repito é decisiva a escolha que se faz entre diversas estratégias de segurança a alternativa entre formas de reparo radicalmente opostas Dali que a propósito é tolice ignorar o tema da segu rança como ainda pior abordálo sem o refletir devidamente sem atentarse em algumas de suas declinações para o autêntico perigo As multidões conectadas Toret 2013 e Rovira 2017 Neste sentido me alinho aqui com alguns autores qualificados como ciberpessimistas Rendueles 2013 e Morozov 2015 entre outros para defender que a tecnologia é a nova exterioridade Harvey 2007 que o capitalismo financeiro regido pelos fluxos do capital Harvey 2013 necessita hoje em dia como desculpa para seu atual pro cesso de acumulação por desapropriação Harvey 2007 p 116 120 Uma ferramenta de controle que acelera nossa incerteza nossa angustia o medo Como podemos saber se os algoritmos utilizados para a predição não refletem os prejuízos de seus autores Por exemplo os delitos normalmente acontecem em áreas pobres e de diversidade racial Seria provável que os algoritmos e sua suposta objetividade validaram ainda mais a criação de perfis criminológicos com viés racista Morozov 2015 p 210 211 Um instrumento que permite hoje prever nossos comportamentos a par tir de uma mineração de dados massivos Big Data Milan e Gutiérrez 2017 348 inclusive incentivar nossos demônios internos469 Os dados constituídos em grande parte por nossas inscrições indeléveis na pele digital da cidade são como um córrego de água cuja corrente nos arrasta a um final incerto em cascata Pa rece que nossa memória está escrita nas nuvens que não a possuímos e que serve a outros interesses Mas os dados nossos córregos na realidade virtual são um correlato de nossas vivências experiências desejos do trabalho duro refletem anseios o conflito as aspirações a violência do sistema estão constituídos por nossa materialidade pela materialidade de nossos sonhos CIDADES ABERTAS CIDADES GLOBAIS DA COCRIAÇÃO À COERÇÃO Cidade aberta Este conceito proposto pelo sociólogo Richard Sennett 2012 e 2018 e que subjaz tangencialmente nas análises de Lefebvre Santos e Davis resume a intenção de romper com as práticas hegemônicas no desenho urbano e a gestão do espaço a partir da participação cidadã coresponsável na cocriação do espaço além do voto de uma ciência cidadã para a cidade que exi giria uma cidadania ativa Para Sennett as diferenças representam um desafio para nossas sociedades e as tendências atuais da política e a tecnopolítica Sabariego 2017 reforçadas pela tecnologia a digitalização e as redes sociais de internet potencializam o tri balismo que somente pode frear a cooperação A ideia de um sistema urbano aberto é que as formas físicas devem consequentemente ganhar uma consequente voz Em termos menos poéticos há interação entre criação física e com portamento social O que chamamos de agência em uma cidade é um colóide dessas duas atividades diferentes Analiticamente afirmase que o grande capitalismo e os poderosos desenvolvedores tendem a favorecer limites e a homogeneidade determinados previsíveis e equilibrados na forma o papel do planejador radical portanto é defender a dissonância No planejamento prático se uma cidade for aberta permitirá adaptações ou acréscimos às cons truções existentes ela encorajará o uso de espaços públicos que não se encaixam perfeitamente como colocar uma praça de cuidados paliativos contra a AIDS no meio de uma rua comer cialSennett 2018470 Zygmunt Bauman analisou a partir de Modernidad y Holocausto 2010 e especialmente em Modernidad Liquida 2003 os procedimentos racionais de erradicação das diferenças subjacentes ao projeto moderno O telos da Moderni 469 Exploramos o Facebook para coletar milhões de perfis de pessoas e construir modelos para explorar o que sabía mos sobre elas e apontar os seus demônios internos Essa foi a base sobre a qual se construiu toda a companhia declarou Christopher Wylie o denunciante do escândalo de CambridgeAnalytica que propiciou o chamado FacebookGate Cf Ingram David e Henderson Peter 2018 A campanha de Trump recopilou dados de 50 milhões de usuários de Facebook Reuters Disponível em httpsesreuterscomarticleentertainmentNews idESKBN1GU0BMOESEN acesso em 12052018 470 The Open City Disponible en httpswwwrichardsennettcomsitesennUploadedResourcesThe20 Open20Citypdf acessado em 11032018 349 dade presente também nos manuais de organização das corporações empresariais Boltanski e Chiapello 2002 que tem acabado invadindo o espaço e as institui ções públicas com o assalto neoliberal a estas nas últimas décadas Além de que o neoliberalismo tem sido capaz de construir um novo marco normativo a partir da utopia da sociedade Mont Pelerin e seus epígonos uma uto pia para a qual não são possíveis alternativas There is No Alternative TINA é o mantra neoliberal de sua realpolitik é nas cidades onde se tem preparado com mais fúria as oscilações de fluxos globais desregulados melhor dizer desterrito rializados e reterritorializados em função dos postulados econômicos vigentes de capital fissurando a preeminência dos Estadosnação neste âmbito ainda que reforçando seu papel como defensores a segurança da propriedade privada e a liberdade de competência e mercado Sassen 2005 p 27 É nesse contexto que vemos um redimensionamento dos quais são os territórios estratégicos que articulam o novo sistema Com o desmembramento parcial ou pelo menos o enfraqueci mento do nacional como unidade espacial devido à privatização e desregulamentação e o con sequente fortalecimento da globalização surgem condições para a ascensão de outras unidades ou escalas espaciais Entre elas estão o subnacional notadamente cidades e regiões regiões transfronteiriças abrangendo duas ou mais entidades subnacionais e entidades supranacionais ou seja mercados globais digitalizados e blocos de livre comércio A dinâmica e os processos territorializados nessas diversas escalas podem em princípio ser regionais nacionais ou globais Saskia Sassen 2005 p 40 defende que o conceito de cidade global enfa tiza a economia em rede os serviços especializados especialmente multimídia e comunicação o que revela que nos encontramos com um novo sistema transfro teiriço que conecta em rede as cidades de diferentes países Para forjar estas cone xões se constitucionaliza a excepcionalidade do Estado que seguindo as teses de Sassenn perde sua hegemonia neste âmbito daí a volta recente da retórica nacio nal popular ante a crise pela via eleitoral embora se vá reforçar suas prerrogativas repressoras e de coerção ante as heterotopías Foucault 1984 aqueles outros es paços que supõem lugares de perturbação contra hegemônicos no continuum dos fluxos do capital reterritorializações Deleuze e Guattari 2002 p 179 194 e inclusive proponho eterritorializações digitais desde a realidade aumentada Para Foucault a heterotopía é uma ciência uma ciência cidadã da cidade poderíamos dizer integrada pelas impugnações à planificação hegemônica do espaço e a incidência biopolítica Foucault 2004 desta sobre os corpos A ideologia da segurança do neoliberalismo e o regime que a caracteriza necessários para salvaguardar a liberdade de mercado e a propriedade privada submetem a população a um regime de insegurança de incerteza A concentração do poder nos agentes mais fortes do Estado e de outras entidades supraestatais que surgem com a ruptura do contrato social incidem diretamente sobre os corpos e os pro jetos de vida sobre as expectativas desejos e horizontes sobre a experiência de um precário presente estabelecendo a competência meritocracia como sistema 350 de disciplina em todos os âmbitos da vida Como descreveu Christian Laval e Pierre Dardot em suas caracterizações da razão do mundo neoliberal Laval e Dardot 2015 cf o quadro 1 é a extensão das lógicas do capitalismo a todos os âmbitos da vida inclusive e especialmente àqueles que sustentam esta e com o qual entra em conflito os cidadãos CHTHULUCENO O termo proposto por Donna J Haraway 2015 em seu Manifesto Ch thuluceno desde Santa Cruz para expressar as mutações do Antropoceno nos sa fronteiriça e curta era atual expõe não os desafios aos quais nos enfrentamos como espécie mas supera as definições hegemônicas acerca desta estabelecendo novas dimensões espacialidades e interconexões complexas Também insisto que precisamos de um nome para a dinâmica contínua das forças e poderes symchthonicos dos quais as pessoas fazem parte dentro das quais a continuidade está em jogo Talvez mas apenas talvez e apenas com intenso empenho e trabalho colaborativo e brincar com outros Terrans será possível florescer ricos conjuntos multiespecíficos que incluam pesso as Estou chamando tudo isso de Chtulucene passado presente e futuro Uma maneira de viver e morrer bem como criaturas mortais no Chulcucene é unir forças para reconstituir refúgios para possibilitar recuperação e recomposição biológica cultural políticotecnológica parcial e robusta que deve incluir o luto de perdas irreversíveis Haraway 2015 p 160 Haraway transborda as coordenadas atuais da nossa época e estabelece uma nova dimensão dinâmica passada presente e por vir Frente às lógicas do capi talismo extrativo reivindica a cidade Make Kin e uma recomposição biológica cultural política e tecnológica que ao meu modo de ver supera as chaves nas quais compreendemos atualmente as cidades quiçá situandose na mesma pers pectiva de Marina Carcés ao falar do vivível dos limites de nossa vida Não se trata aponta Garcés em Nueva ilustración Radical 2017 de até quando vamos poder suportar esta situação se trata de perguntarmos até onde Esta enorme tarefa perpassa como vimos pela abolição do futuro tal e como orienta nossos projetos na planificação neoliberal Se trata de atender à complexidade e multiplicidade de combinações e configurações espaçotemporais sem limite substituindo a autopoiese pela simpoiese criarse com estendendoa à totalidade da vida e as formas de vida com as quais compartilhamos o planeta Para isto é necessária uma redefinição total dos sentidos comuns e os nú cleos duros que organizam nosso pensamento as metodologias e métodos os conceitos as ciências e paradigmas frente ao kainós tentacular que nos condena a uma morte planetária O Chthuluceno é a defesa frente à extração e a desapropriação é a própria complexidade dinâmica de nosso mundo defendendose do capitalismo e suas pulsões de morte 351 Quadro 1 Algumas características da razão do mundo neoliberal e sua incidência no âmbito estatal Entre cultura e política A repressão dos recentes movimentos sociais globais RecentGlobalSocialMovements RazãoMundo neoliberal aceleração da saída da democracia Constitucionalização do Estado de Exceção expansão do poder punitivo 1 Concepção do Estado de Direito como uma forma de Estado e não como um limite ao Estado através do exercício do Direito 2 Liberdade de concorrência exige o reforço da segurança ideologia do securitário no jogo segurança liberdade Foucault e na tensão igualdadeliberdade Balibar 2004 e expectativasriscos Beck que somente à população a insegurança regime da subjetividade 3 A crise como forma de governo a exceção que vira regra Benjamin 4 Concentração do poder nos atores mais fortes quebra o contrato desativação da democracia e fragmentação da sociedade 5 A crise como máquina de guerra Deleuze e Guattari 6 Meritocracia A concorrência como sistema disciplinario expertis e expertos da governança expertocrática 7 Dividocracia o poder soberano dos hedge funds 8 A razão política única A oligarquia e a esquerda de direita 9 Hierarquização e subordinação dos direitos 10 Direitos patrimoniais de defesa da propriedade privada e liberdade de empresa passam a ser os vetores fundamentais nas relações entre direitos Pisarello 11 Aumento exponencial da legislação 12 Interlegalidade Santos 13 Concepção absolutista do Direito só se produz na esfera institucional ou na representação política institucional 14 Concepção excludente de cidadania e da residência legal ligada aos vínculos estáveis com o mercado de trabalho ou a possessão de recursos Standing e Jones 15 Demarquia Constitucionalização das normas de Direito privado Constituição da liberdade Hayek para limitar a soberania do povo 16 Nomoarquia A lei como fim e não como meio Fonte The Impact of Recent Global Social Movements on Public Awareness of Democracy and Human Rights in European Union DEMOCRIGHTS Sabariego 2017 352 REFERÊNCIAS AGUILÓ Antoni y Sabariego Jesús 2016 Epistemologies of the South and local elections in Spain towards politics based on the commons Historia Actual Nº 40 95111 ANDERSON Benedict 1991 Imagined Communities Reflections on the Origin and Spread of Nationalism London Verso BAUDELAIRE Charles 1988 Le Spleen de Paris Paris Club du Livre BAUMAN Zygmunt 2003 Modernidad líquida México Fondo de Cultura Económica 2010 Modernidad y holocausto Madrid Sequitur BOLTANSKI Luc y Chiapello Éve 2002 El nuevo espíritu del capitalismo Madrid Akal CHANEY David 1994 The cultural turn Scenesetting essays on contemporary cultural history London Routledge DAVIS Mike 1992 Beyond Blade runner urban control the ecology of fear Westfield Open Media 1998 Ecology of fear Los Angeles and the imagination of disaster New York Metro politan DELEUZE Gilles y Guattari Félix 2002 Mil mesetas Valencia Pretextos FOUCAULT Michel 1984 Des Espace Autres Architecture Mouvement Continuité vol 5 4649 2004 La Naissance de la biopolitique Cours au Collège de France 19781979 Paris Seuil GARCÉS Marina 20017 Nueva Ilustración Radical Madrid Anagrama GRAEBER David 2013 The Democracy Project A History a Crisis a Movement New York Allen Lane HARAWAY Donna J 2015 Anthropocene Capitalocene Plantationocene Chthulucene Making Kin Environmental Humanities vol 6 159165 HARVEY David 2004 La condición de la posmodernidad Investigación sobre los orígenes del cambio cultural Buenos Aires Amorrortu 2007 El nuevo imperialismo Madrid Akal 2013 El enigma del capital y las crisis del capitalismo Madrid Akal LAVAL Christian y Dardot Pierre 2015 Común Ensayo sobre la revolución en el siglo XXI Barcelona Gedisa LEFEBVRE Henri 1968 Le Droit à la ville suivi de Espace et politique Paris Anthropos 1983 La presencia y la ausencia Contribuciones a la teoría de las representaciones México Fondo de Cultura Económica MILAN Stefania y Gutiérrez Miren 2017 Technopolitics in the Age of Big Data in Sier ra Caballero Francisco y Gravante Tommaso Eds Networks Movements Technopolitics in Latin America Critical Analysis and Current Challenges London Palgrave MacMillan 95109 MISHRA Pankaj 2014 De las ruinas de los imperios La rebelión contra Occidente y la meta morfosis de Asia Barcelona Galaxia Gutenberg MORENOCABALLUD Luis 2017 Culturas de cualquiera Madrid Acuarela MOORE Thomas 2003 Utopia London Penguin MOROZOV Evgeny 2015 La locura del solucionismo tecnológico Barcelona Katz Rendue les César 2013 Sociofobia Madrid Capitán Swing ROVIRA Guiomar 2017 Las multitudes conectadas Barcelona Icaria SABARIEGO Jesús 2007 Los otros derechos humanos Sevilla Atrapasueños 2017 Tecnopolítica y Recientes Movimientos Sociales Globales in Santos Boa ventura de Sousa y Mendes José Manuel Eds Demodiversidad Imaginar nuevas posibilidades democráticas Madrid Akal 391416 SANTOS Milton 1978 O espaço dividido Rio de Janeiro Francisco Alves 353 SASSEN Saskia 2005 The global city Introducing a concept Brown Journal of World Affairs WinterSpring vol XI Issue 2 2743 SENNETT Richard 2012 Together The Rituals Pleasures and Politics of Cooperation New Haven Yale University Press 2016 The Global City Disponible en httpswwwrichardsennettcomsitesenn UploadedResourcesThe20Open20Citypdf 2018 Building and Dwelling Ethics for the City London Allen Lane Toret Javier 2013 Tecnopolítica La potencia de las multitudes conectadas Disponible en ht tpstecnopoliticanetnode72 acceso el 12042018 TRÍAS Eugenio 2001 Ciudad sobre ciudad Barcelona Destino VIRNO Paolo 2003 Gramática de la multitud Para un análisis de las formas de vida contem poráneas Madrid Traficantes de sueños 354 METRÓPOLES BIOPOLÍTICA METRÓPOLES EM REDE METRÓPOLES DOS COMUNS UMA INTRODUÇÃO PARA ESTUDANTES DE ARQUITETURA471 José Pérez de Lama472 Dedicado a Marielle Franco in memoriam Este biopoder foi sem dúvida um elemento indispensável no desenvolvimento do capitalismo este não pode se afirmar se não ao preço da inserção controlada dos corpos no aparato de produção e mediante um ajuste dos fenômenos da população aos processos econômicos Michel Foucault Direito de morte e poder sobre a vida O homem já não está encarcerado mas endividado Gilles Deleuze Postscriptum sobre as sociedades de controle O espaço é a expressão da sociedade Posto que nossas socie dades estão sofrendo uma transformação estrutural é uma hipótese razoável sugerir que estão surgindo novas formas e processos espaciais Manuel Castells A era da informação 471 Este texto se escreve a partir da perspectiva suleuropeia Alguns aspectos portanto não serão extensíveis a outros contextos Sua redação inicial é de 2016 e foi revisado para publicação em 2018 existem questões origi nalmente propostas que devem ser ao menos pinceladas pelo tempo transcorrido embora brevemente e assim se tratou de fazer em especial nas notas A aproximação apresentada é bastante teórica e possivelmente um tanto idealista e se concebeu para ser debatida com estudantes de Arquitetura dos últimos cursos Daí o subtítulo e a perspectiva geral desde que se estudam as questões apresentadas Não se pretende oferecer um diagnóstico exaustivo ou uma proposta estratégica elaborada mas sim desdobrar um certo panorama de temáticas que o autor considera de interesse e que puderam ser incorporadas a uma caixa de ferramentas teórica para pensar e inter ferir na cidade contemporânea O autor agradece a Jesús Sabariego pesquisador da Universidade de Coimbra pelo interesse e estímulo para a redação do presente trabalho A tradução do espanhol para o português foi feita por Mariana Rocha Bernardi 472 Doutor em arquitetura e professor da Escola Técnica Superior de Arquitetura da Universidade de Sevilha em 2009 ele fundou o Fab Lab Sevilla na Universidade da cidade Andaluza Durante dez anos junto com Sergio Moreno e Pablo de Soto ele participou do grupo hackitecturanet realizando projetos nos quais se relacionavam tecnologias livres redes sociais e territórios urbanos 355 A METRÓPOLE BIOPOLÍTICA NOVOS SUJEITOS FORMAS DE PRODUÇÃO E TRABALHO Era o ano de 2001 ou 2002 Passeando por Viena com uma jovem artista e filósofa a quem acabara de conhecer me contava que estava fazendo sua tese de doutorado sobre Foucault e o biopoder Hmmmm Eu havia lido algum livro de Foucault e inclusive se apresentava por aqueles dias um vídeo em uma exposição na histórica Secessão que incluía fragmentos de As palavras e as coisas Anna A me contava que segundo Foucault o poder produzia que o fundamental do poder moderno não era castigar nem proibir nem reprimir mas sim ser pro dutivo produzir indivíduos produzir o real produzir a vida Depois de uma porção de tardes de conversas e passeios trocamos alguns emails e depois já não voltamos a nos ver nunca mais Partindo desta recordação tratarei de apresentar algumas reflexões sobre os sujeitos para quem se supõe que deveríamos fazer a arquitetura e a cidade ou talvez com quem fazemos a cidade Poderíamos dizer usando uma linguagem que todos os arquitetos entendem que é muito conveniente conhecer nossos clientes quais são suas necessidades e aspirações como se comportam quais são os pro blemas e conflitos em que estão imersos em sua vida cotidiana A Modernidade se esforçou em inventar uma nova cidade para os então novos indivíduos e grupos sociais surgidos da Revolução Industrial na sua ala mais esquerdista se pen sou na cidade para a classe trabalhadora os obreiros os sujeitos revolucionários por excelência no pensamento marxista nas alas mais moderadas se pensou na cidade das classes médias assalariadas com suas estratificações correspondentes de golas azuis e golas brancas o que seria algo mais adiante a cidade do Es tado de Bem Estar talvez A hipótese que apresento aqui bastante aceita no campo das ciências sociais é que desde algumas décadas são outros os sujeitos que caracterizam as metrópoles atuais E que como consequência teríamos que voltar a pensar a arquitetura e a cidade desde as novas perspectivas que estes no vos sujeitos nos propõem Para apresentar estes novos sujeitos recorri a Foucault e Deleuze em pri meira instância com a ideia da passagem que o primeiro chamou de sociedades disciplinares ao que o segundo propôs chamar sociedades de controle que seriam as atuais Em ambos os casos se trata de sociedades que segundo a abordagem fou caultiana produziriam sujeitos funcionais a seus sistemas produtivos respectivos Em ambos os casos se entrecruzam questões de subjetividade e formas de organi zação do trabalho modos e relações de produção segundo a expressão clássica Em segundo lugar da mão de Manuel Castells por um lado e de Edward Soja por outro introduzirei outras perspectivas complementares da sociedade atual sociedade em rede e pósfordismo que nos ajudam a situar sobre o território as 356 instituições de Foucault e Deleuze Finalmente e esta é possivelmente a parte mais questionável do fio argumentativo usando autores como Benkler Bollier Hardt Negri Laval e Dardot desenvolverei as questões do comum ou dos co muns que um amplo setor do pensamento político e econômico contemporâ neo vem relacionado com as redes e as sociedades atuais como referência para pensar outros mundos possíveis Em seu conjunto estas três temáticas considero que oferecem um interessante panorama para descrever os novos sujeitos e as atu ais sociedades panorama que venho denominando como a metrópole biopolítica Figura 1 Índice e constelação de ideias autores com os quais se compõe o presente texto Elaboração do autor BIOPODER E BIOPOLÍTICA Entre as contribuições mais apreciadas de Michel Foucault 19261984 está sua teoria do poder que nos interessa aqui entre outras razões por estar como sugeria minha companheira de passeios vienenses estreitamente relaciona da com a produção de sujeitos Biopoder é o termo utilizado por Foucault para descrever as novas práticas de poder que caracterizam as sociedades europeias a partir dos séculos XVIXVII isto é as sociedades nas quais irá se desdobrar a Revolução Industrial Biopolítica na concepção de Foucault seria a prática po 357 lítica característica do biopoder O primeiro que nos sugere o termo biopoder é sua condição de poder sobre a vida sua ambição de controlar a totalidade da vida o que veremos mais adiante Sociedades disciplinares é o outro termo usado por Foucault para descrever estas sociedades termo que faz referência às técnicas de poder concretas que caracterizam o período histórico Passo a comentar estas questões Foucault começa a desenvolver a questão das sociedades disciplinares no livro Vigiar e Punir O nascimento da prisão 1958 Analisa aqui a transição do que ele chama sociedades soberanas para sociedades disciplinares ou que ao mes mo tempo se chama poder soberano para poder disciplinar ou biopoder O poder soberano representado paradigmaticamente pelo poder do rei absolutista tinha por objeto principal taxar a produção mais do que organizála e decidir a morte mais do que administrar a vida Deleuze 1999 Proibir e castigar representariam esta forma de poder antigo a pena de morte seria sua máxima expressão A hipótese de Foucault então é que a partir do século XVIXVII vai emergindo uma nova forma de poder cujo objetivo prin cipal será não obstante organizar a produção e administrar a vida e cujas manei ras de se exercer passaram a ser da ordem de incitar suscitar induzir combinar Para poder avançar neste tema será necessário voltar primeiro e tratar de expor as ideias gerais sobre o poder de Foucault473 Para mim a principal ideia de Foucault em relação ao poder é sua afir mação de que este não é uma propriedade senão que se trata de uma relação de forças que existem em toda a interação social Não é um atributo mas sim uma relação Deleuze 1987 53 Uma relação de forças que se põem em jogo mediante estratégias e técnicas o poder pastoral o poder soberano o biopoder o atual que argumentaremos mais adiante como novo e diferente Logicamente umas e outras formas não sempre se excluirão entre si e com maior frequência se sobrepuseram Uma das consequências desta perspectiva do poder como relação é que não existirá uma sede privilegiada do poder o estado a classe financeira senão que existirão em sua expressão mil campos de batalha a família e o casal a escola a fábrica a empresa o mercado as redes etc O interesse desta interpretação é que 473 A obra de Foucault é extensa e difícil de ler por seu estilo erudito e prolixo pela evolução de suas posições sobre os mesmos temas ao longo de sua vida e pela maneira indireta que tem em muitas ocasiões de abordar o objeto principal de sua reflexão Além de seus numerosos livros estão publicadas boa parte de suas aulas mais acessíveis à leitura ainda que menos sistemáticas Também há um grande número de artigos São relevantes finalmente as análises de múltiplos pensadores sobre a obra de Foucault Para sua teoria do poder tomarei como principal referência os comentários de Deleuze 1987 1999 2014 sobre a obra de Foucault os comentários de Miguel Morev 2001 assim como Vigiar e Punir e História da sexualidade Volume 1 A vontade de saber do próprio autor 358 enquanto relações concretas de forças estas serão sempre suscetíveis de ser subver tidas Como relação de forças açãoreação microfísica do poder para Foucault onde há exercício de poder necessariamente há resistência Em ocasiões e situan doas em um contexto espacial chama a estas resistências táticas locais do habitat Soja 1996 450474 A percepção habitual da existência de um poder monolítico contra a qual não se poderia lutar que identificamos com o capitalismo o Estado o partido X etc é para Foucault uma percepção equivocada esta percepção seria o resultado de um efeito de conjunto da composição de uma multiplicidade de situ ações micro que se apoiam e se complementam entre si Neste sentido se trata de uma visão otimista das relações de poder que como se assinalava seriam suscetíveis de ser subvertidas em cada uma de suas instâncias específicas Conforme eu avançava outro ponto característico do poder segundo Fou cault é que este não opera principalmente por meio da repressão que seria uma estratégia extrema d senão que em palavras de Miguel Morev 2001 11 produz através de uma transformação técnica dos indivíduos Em parte isso ocorre através de processos que Foucault descreve como de normalização de adaptação a um sistema de normas explícitas como as leis e regulamentos e não explícitas como o que mais habitualmente entendemos por convenções ou senso comum Se da curiosa circunstância de que muitos comentaristas contemporâne os de Foucault citam seu curso intitulado O nascimento da biopolítica 2009 b como fonte de suas reflexões em torno deste termo Mas na realidade Foucault neste volume que são as transcrições de uma série de classes chega a falar muito pouco sobre o tema tão somente o faz das condições prévias de seu sur gimento segundo o mesmo explica no resumo final 2009b 311 Citarei portanto outra fonte menos mencionada que é de onde considero apresentar este projeto filosófico com maior claridade Se trata do capítulo final de História da sexualidade 1 A vontade de saber publicado originalmente em 1976 intitulado apropriadamente Direito a morte e poder sobre a vida Foucault 2009 144151 Vejam bem o Ocidente conheceu desde a idade clássica uma profunda transformação dos me canismos de poder funções de incitação de reforço de controle de vigilância de aumento e organização das forças que subjugam um poder destinado a produzir forças a fazêlas crescer e ordenálas mais do que obstaculizálas persuadilas ou destruílas A partir de então o direito de morte tendeu a se mover ou ao menos a apoiarse nas exigências de um poder que admi nistra a vida e a se conformar com o que estas demandas exigem um poder que se exerce positivamente sobre a vida que procura administrála aumentála multiplicála exercer sobre ela controles precisos e regulações gerais assegurar reforçar sustentar multiplicar a vida e colocála em ordem 474 Numerosos autores desde os anos 80 tem trabalhado estas questões dentro dos chamados estúdios culturais des tacando entre estes trabalhos por seu caráter seminal a obra de Michel de Certeau traduzida para o inglês como The Practice of Everyday Life 1980 em francês 1984 em inglês 359 Concretamente esse poder sobre a vida se desenvolveu desde o século XVII em duas formas principais não são antiéticas mas bem constituem dois polos de desenvolvimento ligados por um feixe intermediário de relações Um dos polos aparentemente o primeiro a ser formado foi o centrado no corpo como máquina seu adestramento o aumento de suas aptidões a extorsão de suas forças o crescimento paralelo de sua utilidade e sua docilidade sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos tudo isso foi assegurado por procedimentos de poder característicos das disciplinas anatomopatológica do corpo humano O segundo forma do um pouco mais tarde em torno da metade do século XVIII se concentrou no corpo espécie a proliferação os nascimentos a mortalidade o nível de saúde a duração da vida e a lon gevidade com todas as condições que podem fazêlos variar todos esses problemas são levados a cabo por uma série de intervenções e de controles reguladores uma biopolítica da população As disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois polos ao redor dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida um poder cuja mais alta função desde então não é a de matar mas de invadir a vida inteiramente Desenvolvimento rápido durante a época clássica de disciplinas escolas colégios quar téis oficinas aparição também no campo de práticas políticas e as observações econômicas dos problemas de natalidade longevidade saúde pública habitação migração explosão pois de técnicas diversas e numerosas para obter a sujeição de corpos e o controle das populações Este biopoder foi sem dúvida um elemento indispensável no desenvolvimento do capi talismo isto não se pode afirmar senão ao preço da inserção controlada dos corpos no aparato de produção e mediante um ajuste dos fenômenos da população aos processos econômicos Mas exigiu mais necessitou do crescimento de uns e outros seu reforço ao mesmo tempo que sua utilidade e sua docilidade requereu métodos de poder capazes de aumentar as forças as atitudes e a vida em geral sem por isso tornálas mais difíceis de dominar A invasão do corpo vivente sua valorização e a gestão distributiva de suas forças foram neste momento indispensáveis Deveríamos falar de biopolítica para designar o que faz entrar a vida e seus mecanismos no domínio dos cálculos explícitos e converte o saberpoder em um agente de transformação da vida humana Deleuze 198755 aborda assim no tema O poder mais que reprimir produz realidade e mais que ideologizar produz verdade Saber e poder embora não dê lugar ao desenvolvimento aqui são para Foucault dois âmbitos estreita mente relacionados entre si Em nosso caso o saber da arquitetura e o urbanis mo do que com frequência chamamos orgulhosamente de a disciplina ou os saberes disciplinares participando da construção das sociedades disciplinares Os conceitos foucaultianos de dispositivo e diagrama nos ajudarão a apro fundar nesta modalidade do poder o biopoder que Foucault nos disse como temos visto que começa a se desenvolver no Ocidente na época clássica Dispo sitivo seria uma certa configuração de ralações de força associadas a técnicas de poder concretas que adquirem uma certa estabilidade que tendem a se repetir que teríamos que relacionar com o habitar e o hábito enquanto que distribuição no espaço e no tempo serialização composição normalização que são alguns dos procedimentos com que descrevem DeleuzeFoucault as formas em que se exerce o biopoder Em Vigiar e punir Foucault investiga os chamados dispositivos de confi namento que constituem segundo seu aparato conceitual elementos caracterís 360 ticos das sociedades disciplinares entre os quais a prisão moderna o panóptico de Jeremy Bentham serve de modelo ou tipologia de referência Nas palavras de Deleuze 1999 as sociedades disciplinares operam mediante a organização de grandes centros de encarceramento O indivíduo passa sucessivamente de um círculo fechado a outro cada um com suas próprias leis primeiro a família depois a escola já não estás em casa depois o quartel já não estás na escola a em seguida a fábrica a cada período de tempo o hospital e às vezes na prisão o centro de encarceramento por excelência A prisão serve como modelo analógico Foucault analisou perfeitamente o projeto ideal dos centros de encarceramento especialmente visíveis nas fábricas concentrar repartir no espaço ordenar no tempo compor no espaçotempo uma força produtiva cujo efeito deve superar a soma das forças componentes Observamos como todos estes espaços que haveriam de ser adicionados à habitação moderna projetada para abrigar a família nuclear também invenção desta época e sem dúvida a cidade moderna em seu conjunto são em boa par te arquiteturas ao mesmo tempo que se constituem os programas geradores da própria arquitetura moderna até então o objeto da arquitetura havia sido funda mentalmente a construção de palácios e templos Logicamente quando falamos de dispositivos não só nos referimos a espaços mas também de outras coisas que os compõem como são os discursos as normas as burocracias as tecnologias etc Porém nos parece que a importância que adquire a arquitetura nesta época não é alheia a sua participação nesta reordenação biopolítica do mundo Fou cault em outras ocasiões nos fala de discursividades e visibilidades sendo estas úl timas da ordem do material como é o caso da arquitetura os objetos e a própria cidade Entre discursividades e visibilidades sempre existem segundo Foucault não obstante desencaixes são dois sistemas diferentes não homólogos Para concluir esta seção convém talvez sublinhar a dimensão ambígua do poder em sua abordagem foucaultiana Se o objetivo do poder é nos fazer indivíduos e populações produtivas aumentar as forças a saúde as aptidões etc enquanto as controla é razoável que a relação dos indivíduos com essas formas de poder seja também ambígua Não é estranho que se possa amar o es tado de coisas que dá lugar a estas configurações mais força maior saúde mais aptidões Sabemos que é assim não há dúvida Se pode ver como uma questão de gradação de equilíbrio Nos situa com facilidade no cenário dos reformismos frente ao das revoluções e no da sábia adaptação às circunstâncias de cada qual Não nos apaixonemos nunca pelo poder recomenda porém Foucault em ou tro texto memorável 2010 SOCIEDADES DE CONTROLE As disciplinas entraram em crise em proveito de novas forças que se iam produzindo lentamente e que se precipitaram depois da segunda guerra mun 361 dial as sociedades disciplinares são nosso passado imediato o que estamos dei xando de ser escrevia Deleuze em 1991 Em outro lugar explica como Foucault quase sempre escreve História para na realidade ou ao mesmo tempo pensar sobre o presente 1987 Eu gosto de comentar dois vídeos musicais para introduzir a crise das dis ciplinas das sociedades disciplinares Um é o fragmento do filme The Wall de Pink FloydRoger Waters 1982475 em que meninos ingleses em uma escola se rebelam contra seu professor tirânico Nós não precisamos de nenhuma educa çãoNós não precisamos de nenhum controle de pensamentoNada de sarcasmo negro na sala de aulaProfessor deixe as crianças em paz No vídeo se mostra como os alunos são conduzidos na educação com uma disciplina entre fabril e militar para acabarem transformados em carne de salsichas ou hambúrgueres em produtos ou mercadorias E o motim contra este estado de coisas O contraste entre a alienação dos alunos caminhando de maneira mecânica e a fúria selvagem do motim talvez seja o aspecto de maior intensidade da peça além da talvez excessiva simplificação com que se mostram outros aspectos De um humor mais alegre é o vídeo de Freddie Mercury e Queen I Want to Break Free 1984476 Aqui os membros da banda aparecem travestidos de maneira grotesca com Mer cury passando o aspirador de mini saia e soutien parodiando uma famosa série de televisão britânica sobre a crise dos modos de vida da classe trabalhadora A série se passava em Manchester a cidade que Marx e Engels identificam como modelo original da Revolução Industrial Neste vídeo se sobrepõem múltiplas questões como a libertação da mulher do queer477 e também uma crítica à estética moder na com o caráter bastante trash478 da realização Mercury por sua vez de origem parsi indopersa479 nascido na África colonial inglesa e militante homossexual que alguns anos depois 1991 morreria como Foucault por complicações relacionadas com o vírus HIV representa uma rebeldia radical contra a vontade 475 Pode ser visto online em httpsyoutubeYR5ApYxkUU a tradução das linhas comentadas poderia ser Não necessitamos de educação não necessitamos de controle de pensamento não ao obscuro sarcasmo nas aulas professor deixe as crianças tranquilas Outra de minhas obras preferidas que poderia situarse no espírito de Foucault mas neste caso no âmbito dos hospitais psiquiátricos é a novela de Ken Kesey Alguém voou sobre um ninho de cucos 1962 também com sua versão cinematográfica Milos Forman 1977 476 Pode ser visto online em httpsyoutubeeM8Ss28zjcE a tradução das linhas comentadas poderia ser Quero me libertar de suas mentiras estás tão satisfeito de ti mesmo não preciso de ti e esta vez sei que é de ver dade é sério 477 Queer é uma gíria de origem americana para designar o homossexual Na década de 1920 passou à linguagem cotidiana para designar o homossexual O termo embora ofensivo no mais das vezes é considerado positivo sem conotações pejorativas quando usado pelo próprio grupo GLS gays lésbicas e simpatizantes Optamos na tradução por manter o termo tal como registrado pelo autor 478 No dicionário de Cambridge trash pode ser definido como garbage uk rubbish waste material or things that are no longer wanted or needed ou seja lixo ou algo que alguém não deseja mais usar Trash também se destinada a determinados tipos de filmes de terror e ainda a fusão de ordem com caos da realidade com o abstrato Tratavase de trazer à tona a ambiguidade das coisas e seres o traço diferente e aproveitável daquilo que costumeiramente se considerava como descartável ou esquisito 479 Parsis Parsis ou parses em português são um grupo étnicoreligioso do Subcontinente Indiano 362 de padronização biopolítica que vínhamos descrevendo Eu quero me libertar de suas mentiras Você não é satisfeito consigo mesmo eu não preciso de você A principal versão de Another Brick in the Wall teria em 2016 161 milhões de visualizações no Youtube enquanto que a de I Want to Break Free contava com 127 milhões 072016 o que nos dá a ideia de sua relevância também entre o público atual Estes dois vídeos e sem dúvida poderiam trazerse como exemplos outras muitas canções filmes livros etc são manifestações bastante tardias de mudan ça social A genealogia mais aceita apresenta a década de 1960 como o período de crise cultural chave a de 1970 como da mudança econômica mas a genealogia pode ser muito mais detalhada e uma de minhas preferidas no campo da arte é a proposta por Greil Marcus 1990 que propõe a tríade Dadaísmo Situacionismo e Punk como suas manifestações mais radicais Os vídeos de Waters e Queen se situariam possivelmente no despertar mais imediato do Punk cujo ano crítico foi 1979 no Reino Unido I want to break free And this time i know its for real480 cantava Mercury mas sabemos demasiado bem que todas estas aspi rações rebeldes que são geralmente rotuladas como herdeiras de 68 se viram logo capturadas e subvertidas Deleuze que conheceu em primeira mão o processo de mudança que se de senrolou ao longo das décadas de 1960 70 e 80 descreveu em 199091 com enor me precisão o novo mundo que estava emergindo E ele fez isso em um texto extre mamente breve que vínhamos citando intitulado Postscriptum pósdata sobre as sociedades de controle Deleuze 1999 Tomando esta denominação do escritor beat e da ficção científica William Burroughs Deleuze explica que o novo é o controle de populações e indivíduos não já em espaços de encarceramento mas em espaço aberto naquilo que de pronto já começaríamos a chamar de redes Embora as de nominações de uns e outros autores sejam um tanto confusas costumo chamálas com Brian Holmes como um biopoder de segunda geração481 Que seriam então estas sociedades de controle que supostamente nos conformamos hoje Se tratariam de uma forma evolutiva do biopoder e a bio política Sua aspiração seria também a dominação total da vida mais profunda que a da etapa precedente também é claro para colocála a produzir ainda que em novo contexto que as novas técnicastecnologias contribuem a criar do espaço aberto do espaço mais autônomo e livre das redes 480 Eu quero me libertar E desta vez sei que é pra valer 481 Uma intensa análise desta transição do primeiro biopoder foucaultiano para esta outra forma que usei bastante quando começava a estudar o assunto é o de Brian Holmes 2007 em Mapa Futuro Como os ciborgues apren dem a parar de se preocupar e adorar a vigilância onde por certo menciona o trabalho do autor com o coletivo hackitecturanet como exemplo de exploração artística destes novos territórios de conflito 363 Como no período histórico precedente se trata também desde a perspectiva dos setores hegemônicos de fazer compatível o aumento das forças produtivas das populações agora globais conectadas em redes digitais e sua dominação Intuímos com facilidade qual é a nova gama de técnicas de poder porque as encon tramos na textura de nossas próprias vidas cotidianas e paradoxalmente tendemos a vêlas como necessárias naturais ou inclusive boas A qualidade a excelência e o mérito o espírito empresarial e de empreendimento extenso a todos os âmbitos a competência a formação permanente a eficiência através da gestão massiva de dados a conexão permanente a flexibilidade a mobilidade a criatividade a auto nomia a videovigilância o uso de redes sociais para compartilhar nossas vidas a administração eletrônica o crédito Deleuze o antecipava assim em 1990 frente à normalização mais bem estática da disciplina refere que o controle se baseia na modulação permanente Frente às etapas da vida claramente definidas escola universidade contratação laboral jubilação o permanente inacabamento como o adiamento indefinido dos processos de Kafka Frente à máquina enérgica das revoluções industriais a máquina informática Frente ao encarceramento a dívida e o acesso mediante senha Frente à fábrica a empresa centrada no marketing E curiosamente já em 1990 propõese como um dos novos modelos de controle o de concursos televisivos E poderíamos adicionar a nós frente ao governo a gover nança outro tema estudado por Foucault482 Nesta mesma esteira de novo Brian Holmes 2001 em um excelente texto denominou a subjetividade característica destes novos sujeitos produtivos como a personalidade flexível DIAGRAMA Eu sugeri que Foucault propôs o panóptico como diagrama483 do encarcera mento como uma montagem característica das técnicas de poder das sociedades dis ciplinares 1991 205 Panóptico é o nome do modelo de cárcere criado na Inglaterra do século XVIII no marco da filosofia utilitarista Foucault o descreve como um sis tema arquitetônico e óptico uma vez que figura como tecnologia de poder Consistia na disposição de um centro de vigilância e uma distribuição em estrela das celas que permitia que um só guarda pudesse observar a todos os presos de forma permanente com a particularidade importante de que pela iluminação relativa os presos não 482 O conceito de governança na acepção foucaultiana exigiria um desenvolvimento complexo Dentro de seus es tudos sobre governabilidade Foucault problematiza questões como as novas relações entre público e privado à incorporação da sociedade civil e das minorias as políticas de participação cidadã que logo se tornaram muito comuns como partes das novas maneiras de exercício desta segunda modalidade de biopoder 483 O conceito de diagrama enquanto um conjunto de relações subjacentes a diferentes situações em um certo pe ríodo histórico aproxima Foucault do estruturalismo Entretanto seu uso resulta ambíguo quando se contrasta com suas aproximações microfísicas ao poder que se desenvolve com posteridade O conceito de diagrama em um sentido parecido ao proposto por Foucault foi muito usado em certos setores da academia arquitetônica no período da última mudança de século 364 podiam enxergar o vigilante e assim sentiam que sempre estivessem os vigilantes efetivamente presentes ou não estar sendo observados A vigilância se transformava em autocontrole Hoje autores como Franco Berardi Bifo 2015 2017 Donna Ha raway e McKenzie Wark 2015 sugerem de maneira convincente que o código o software nas suas múltiplas formas ou níveis de aplicação poderia considerarse como o novo diagrama característico das sociedades de controle DESEJO Para concluir esta primeira seção do capítulo comento sobre o papel da produção de subjetividade e o desejo nas novas sociedades Na morte do filósofo Jean Baudrillard Franco Berardi Bifo 2007 amigo e interlocutor filosófico de Félix Guattari e para mim um dos autores de referência neste campo escreveu que o tempo transcorrido desde as décadas de 6070 havia demonstrado que a teoria do desejo de Baudrillard havia de imposto sobre a de seus contemporâneos Deleuze e Guattari Enquanto que DeleuzeGuattari muito no espírito de 68 pensaram o desejo como uma força liberadora e revolucionária Baudrillard se gundo explica Bifo de pronto o viu como elemento ambivalente mais propenso à dominação e à submissão no contexto capitalista pós 68 que para a libertação A conclusão de Bifo era que efetivamente o desejo a produção de subjetivida de se havia convertido no principal meio de controle do capitalismo pósmo derno que habitualmente se denomina semicapitalismo A produção de subje tividade da carência484 empreendedoras competitivas individualistas etc que domina a paisagem humana atual se mostra hoje em dia aliás como a tecnologia de controle definitiva O apocalíptico Bifo 2004 situava como um ponto crítico desta evolução a conquista por parte de Silvio Berlusconi do sistema audiovisual italiano e o triunfo social da série televisiva Dallas com seu protagonista o para alguns ridículo JR como modelo social do triunfador décadas 198090 De minha parte inspirado por Bifo em ocasiões descrevo o sistema socioeconômico atual como capitalismo do desejo PÓSFORDISMO E METRÓPOLES EM REDE O biopoder e a biopolítica recapitulando não seriam em princípio finais em si mesmos senão tecnologias ou técnicas para produzir certas formas de vida 484 A questão do desejo como carência é um tema tratado por Guattari e Bifo Em sua forma dominante o desejo se manifestaria como falta de algo que queríamos ter e que como tal será difícil de satisfazer pois um objeto de desejo uma vez alcançado sempre será substituído por outro Ao contrário DeleuzeGuattari teorizam o desejo como força orientada à produção de inconsciente territórios existenciais e devirescom vejase por exemplo Larrauri 2000 365 e certo tipo de indivíduoshomemmulher que como dizia sejam produtivos funcionais à reprodução e ampliação de um certo estado de coisas A ideia na re alidade não é nova Marx em O Capital e mais tarde Karl Polanyi 1944 já expli cavam como o capitalismo industrial produziu os indivíduos necessários para sua viabilidade o trabalhador livre o proletariado O novo biopoder foucaultiano é provavelmente a atenção que presta às técnicas concretas a perspectiva histórica em que situa estas técnicas e a abertura que faz às novas formas de poder do ca pitalismo mais recente Então se efetivamente biopoder e biopolítica tem como objetivo a produção de indivíduos e sociedades produtivas teríamos que nos perguntar quais são as sociedades as novas formas de biopoder que contribuem a construir Mais concretamente tratarei de me centrar na continuação do que hi poteticamente queremos chamar aqui metrópoles biopolíticas De outra maneira As novas sociedades biopolíticas geram também novas cidadesmetrópoles485Para responder a estas perguntas seguirei principalmente dois autores Edward Soja geógrafo urbano Angelino de Los Angeles Califórnia e Manuel Castells so ciólogo e urbanista que ao longo de sua carreira tem trabalhado em relevantes instituições entre outros lugares em Paris Berkeley e Barcelona Não foi até meados da década de 1990 quando se começou a reconhecer no âmbito do pensamento arquitetônico os novos fenômenos territoriais que inicialmente se concentram no tema da globalização São os anos de fascinação com a OMA Office of Metropolitan Architecture de Rem Koolhaas 1995 2000 e desde uma perspectiva mais crítica do livro A cidade global de Saskia Sassen 1991 ou os escritos do Subcomandante Marcos del EZLN 1997 Por estes anos também embora chegasse muito mais tarde a Espanha a autodenominada Escola de Los Angeles vinha desenvolvendo estudos pioneiros sobre a cidadere gião do Pacífico norteamericano nos que sintetizavam múltiplas ideias próprias e de outros autores e reconceituavam a metrópole losangelina menosprezada tanto no meio urbano ao longo da primeira parte do século 20 como novo paradigma do urbanismo pósmoderno No capítulo final do livro coletivo The City Los Angeles and Urban Theory at the End of 20th Century 1996 Edward Soja um dos principais autores do grupo apresentava uma síntese magistral da quelas investigações A primeira vez que li aquele texto junto com alguns colegas sevilhanos ao final nos anos 90 ficamos maravilhados pela explosão de novas ideias e termos muitos dos quais 20 anos depois eles se tornaram parte da terminologia convencional e do conhecimento Aquela obra ajudou a identificar 485 A pergunta de Como e por quê se deixa para trás a sociedade industrialdisciplinar e emerge a sociedade em rede global e de controle haverá de se deixar para outra ocasião Sobre o assunto boa parte dos autores citados nestas páginas colocam suas próprias interpretações ainda que em minha opinião não exista um consenso muito claro sobre o assunto Harvey 2005 A Brief History of Neoliberalism Holmes 2001 The Flexible Personality Rifkin 2011 The Third Industrial Revolution ou Ann Pettifor 2017 The Production of Money oferecem por exemplo diferentes teorias de interesse e constituem uma boa base para se introduzir ao debate 366 e compreender muitos dos fenômenos que começaram a surgir no resto do mun do e que naquele momento se apresentavam sem sentido claro ou consistente Ainda que talvez Los Angeles tenha sido posteriormente substituída como cidade paradigmática poster child do período por regiões chinesas como Shanghai ou Shenzhen486 e em qualquer caso se teve que observar uma ampla variedade de processos metropolitanos diferentes os trabalhos daquela época seguem sendo uma excelente referência para interpretar o mundo contemporâneo A hipótese de Soja era que efetivamente se havia produzido uma troca qualitativa do metropolitano Para explicitar a relevância da troca frente a con tinuidade Soja propunha usar o termo pósmetrópole Ainda que este termo não foi o que chegou a se impor no discurso convencional a análise desenvolvida era extremamente criativa e sugeria baseado na superposição de seis geografias que como camadas que hibridizavam umas com as outras compunham este novo mundo pós metropolitano Logicamente Soja reconhecia importantes conti nuidades com as etapas precedentes mas sua aproximação tratava de colocar em cheque o novo Dentre as seis geografias a que comentarei principalmente aqui é a que se denominou sucessivamente metrópoles flexível 1996 e metrópoles em rede 2000 e que teria a ver com as trocas ocorridas na cidade como um meio de emergência e por sua vez produto de um novo sistema produtivo que Soja com outros autores optou denominar pósfordismo Pósfordismo seria o que sucede o fordismo isto é o que sucede a organização industrial própria da Modernidade A seguinte citação de Soja 1996 438439 nos ajuda a situar a questão Neste período se produz em Los Angeles um pronunciado deslocamento da organização e tecnologia industrial das práticas fordistaskeynesianas487 de produção e consumo em mas sa que dominaram o boom da pósguerra nos Estados Unidos a que hoje se descreve cada vez mais como um sistema pósfordista de produção e desenvolvimento corporativo flexível que tem estado na vanguarda da reestruturação econômica urbana desde pelo menos 1965 A produção fordista estava fundada em cadeias de montagem especializadas e sistemas de pro dução integrados verticalmente alimentados por economias de escala interna que se faziam sustentáveis mediante enormes corporações oligopolistas comprometidas em contratos sociais relativamente estáveis com grandes sindicatos e um governo federal dedicado a incentivar o consumo em escala nacional através de práticas keynesianas de estímulo de demanda e provisão de bem estar social Nestas condições não seria um grande exagero afirmar que como ocorrera na General Motors ou na Ford assim fora na economia estadunidense pois na indústria auto mobilística se manifestava de forma mais característica a gama completa das práticas fordistas e keynesianas 486 Fiz uma modesta contribuição para este debate com a publicação das notas de uma viagem de estudos que fiz por Shanghai Shenzhen e outras cidades chinesas no ano de 2010 Pérez de Lama 2011 487 Keynesianas e keynesianismo fazem referência às práticas econômicas dominantes no período entre o final da II Guerra Mundial e a década de 1960 na Europa e Estados Unidos inspiradas pelo economista inglês JM Keynes que tinham como componente principal o aumento do gasto público em infraestruturas obras públicas serviços públicos etc para a ativação da demanda efetiva Sobre esta questão pode se ver a principal obra do próprio Keynes Teoria geral do emprego o interesse e o dinheiro 1936 Uma releitura recente mais acessível seria o livro de Anne Pettifor The Production of Money 2017 367 O fordismo continua sendo importante na economia nacional dos EUA mas a reestrutura ção gerada pela crise dos últimos trinta anos 19651992 tem levado a emergência de novos setores de liderança e de inovação tecnológica e organizativa que tem convergido no que alguns tem chamado de um novo regime de acumulação mais capaz de competir com êxito em uma economia nacional e global crescentemente reestruturada Este novo regime está caracterizado por sistemas de produção mais flexíveis que se localizam em clusters488 com um grau intenso de transações internas formadas por pequenas e médias empresas interconectadas para gerar crescentes economias de projeção externas economies of scope489 através de complexos acordos de subcontratação controles de inventário melhorados uso de maquinaria controlada por computador e outras técnicas que permitem respostas mais rápidas aos sinais do mercado especialmente em tempos de recessão econômica e competência global intensificada Com a crescente desintegração do contrato social da pósguerra através da destruição dos sindicatos a redução de salários as reestruturações corporativas a retirada do governo da maior parte dos setores da economia e a debilitação das redes de seguridade social por parte do governo federal assinalando o que alguns tem denominado o deslocamento de welfare state ao warfare state o fordismo tradicional já não era sustentável ao nível precedente Para Soja e Scott outro dos principais investigadores da Escola de Los An geles as práticas pósfordistas geraram uma significativa reestruturação da forma metropolitana que passava de estrutura mais ou menos centralizada e orgânica que caracterizou o desenvolvimento urbano moderno a uma configuração de ca ráter reticular de rede estreitamente interconectada com os processos globais de fluxos de capital e informação redes de produção e distribuição realocadas e dis tribuídas e movimentos migratórios Na própria cidaderegião de Los Angeles Soja identificava elementos contraditórios que complicavam as interpretações iniciais dos processos de globalização centrados na financeirização e desmateria lização da economia Para começar frente ao adjetivo pósindustrial que se havia usado frequentemente nas décadas precedentes durante este período a produção industrial em Los Angeles havia crescido significativamente convertendose na primeira região produtora dos Estados Unidos em diferentes setores como a in dústria aeroespacial ou a têxtil 488 NT O termo cluster é original do inglês que literalmente se refere a grupos aglomerados em um contexto polí tico e econômico o termo tem sido utilizado para se referir a grupos conectados por computadores que trabalham interligados em rede 489 NT O termo economies of scope é utilizado para descrever situações nas quais o custo médio e marginal de longo prazo de uma empresa organização ou economia diminui devido à produção de alguns bens e serviços complementares Uma economia de escopo significa que a produção de um bem reduz o custo de produção de outro bem relacionado 368 Figura 2 Diagrama conceitual a partir do estudo da geografia da produção flexível em Los Angeles Califórnia de Soja e Scott 1996 2000 em que se mostram alguns dos elementos característicos e novos das metrópoles globais com respeito ao modelo industrialmoderno precedente Elaboração do autor 20062018 De forma sintética as subgeografias pósfordistas identificadas por Soja 1996 441442 incluíam 1 as novas tecnopólis ou distritos tecnológicos ca racterizadas não já pelas grandes indústrias senão pela multiplicação de médias e pequenas caracterizadas por uma forte interrelação interna e com redes globais muitas dessas tecnopólis localizadas em áreas urbanas de nova criação 2 áreas de produção caracterizadas pelo uso intensivo de mão de obra migrante que no caso de Los Angeles se situavam em torno do antigo centro urbano Down town Los Angeles 3 redes distribuídas por todo o território com alguns nós destacados dos quais Soja chama o setor FIRE Finance Insurance e Real Estate isto é o setor financeiro e de atividades relacionadas e de forma mais surpre endente talvez 4 redes de economia informal e 5 áreas em decadência ou obsoletas correspondentes a zonas prósperas da etapa econômica precedente que não haviam sido suscetíveis de reconversão à nova realidade econômicoprodu tiva Frente a inicial ilusão dos processos de globalização e financeirização que se promoviam como o anúncio de um mundo de prosperidade generalizada como já assinalava Sassen em A cidade global Soja também sublinhava a necessária exis tência das áreas de economia informal no novo sistema pós metropolitano que tinha na assimetria tanto global como local uma de suas principais condições de existência Ajudando a manter os distritos especializados e flexíveis há uma economia informal intensa e uma população transbordante de trabalhadores imigrantes de baixos salários que fazem com 369 que a crackhouse490 e a maquila a loja de vídeos piratas e o mercado assim como uma vasta reserva de mal pagos faxineiros jardineiros lavadores de pratos vendedores ambulantes mon tadores caseiros de placas eletrônicas e empregados domésticos constituam uma parte tão essen cial das flexcities pósfordistas de Los Angeles como qualquer outra coisa que se tenha descrito as tecnopólis as redes distribuídas de FIRE 1996441442491 Como ocorria com Foucault Soja escreveu que encobria a pósmetrópoles pósfordista osangelina492 ao final de um ciclo 19651992 no momento de sua crise Em sua análise a reestruturação urbana que se implantou ao longo destas três décadas havia sido a resposta à crise da modernidade fordistakeynesiana Po rém seu diagnóstico era que depois do período da nova prosperidade na metade da década de 1990 a multiplicação de novas contradições e conflitos se tornavam necessárias para o início de novas reestruturações493 MANUEL CASTELLS E A ERA DA INFORMAÇÃO Em 1996 o sociólogo Manuel Castells então fixado na Universidade de Berkeley Califórnia publica também sua monumental obra intitulada A era da informação Economia sociedade e cultura Em três extensos volumes ele reescreve seu trabalho sobre as sociedades emergentes desenvolvidas durante as duas déca das precedentes apresentando uma das primeiras interpretações integrais do que se denomina sociedade em rede que propõe como uma composição do novo capitalismo global e as tecnologias da informação Só poderia destacar nestas páginas alguns aspectos desta importante obra Em primeiro lugar baseado em seus estudos precedentes sobre as tecno pólis como novos espaços paradigmáticos da nova economia 1994 se refere ao que Castells denomina innovation milieux ou fundos de inovação que caracte rizam as tecnopólis ou distritos tecnológicos mais destacados e particularmente Silicon Valley berço de Hewlett Packard Apple Cisco Google e muitas outras das principais empresas impulsionadoras da revolução digital Destacava o autor nestes novos lugares a combinação de diversos elementos Em primeiro lugar lo gicamente eram empresas que como também sugeria Soja já não eram as gran 490 NT Ao se traduzir crackhouse para o português podese indicar como à boca de fumo 491 Sobre a proliferação do habitat informal a nível global se pode ler o dramático Planet Of Slums de Mike Davis 2006 outro dos grandes investigadores urbanos destas décadas igualmente baseado em Los Angeles A série de livros de Davis ao longo da década de 1990 City of Quartz 1990 Ecology of Fear 1997 Magical Urbanism 2000 constituem na realidade uma extraordinária fonte para segundo suas palavras constituem o estudo urbano do lado obscuro da pósmodernidade 492 Que se refere ou referente à Los Angeles nos Estados Unidos 493 Em 2006 tive a oportunidade de conversar brevemente com Edward Soja em Sevilha e lhe perguntei exatamente isso o que ele estava pensando que viria a seguir A resposta não foi demasiado precisa e me referiu aos seus novos estudos sobre a articulação regional de Los Angeles e os movimentos cidadãos Parte ao menos daqueles trabalhos podem ser lidos em seu interessante livro de 2010 intitulado Seeking Spatial Justice Também é de interesse a esse respeito seu livro My Los Angeles 2014 em que ele faz uma reavaliação de todo seu trabalho até aquela data 370 des empresas verticais do fordismo senão clusters de pequenas e médias empresas de setores afins e complementares com grande relevância dos chamados serviços para a produção ou seja empresas que prestam serviços a outras empresas Não será demais dizer talvez que o que reúne estas empresas são as novas tecnologias atravessadas pela computação o tratamento da informação e as redes digitais Em segundo lugar existia um importante componente de investigação nas próprias empresas mas também em centros universitários ou de investigação que forma vam parte da zona Entre estes e as empresas se estabelecia um intenso intercâm bio de pessoas projetos etc Em terceiro lugar e menos previsível Castells iden tificava um papel ativo dos estados do setor público através do financiamento da investigação contratações diretas desenvolvimento de legislação específica etc frequentemente relacionadas nos Estados Unidos com o setor militar e de controle e a gestão da informação494 Outro aspecto relevante era a existência de relações informais entre empresários tecnólogos e investigadores representadas principalmente por diversos restaurantes ainda que claro não exclusivamente nos que coincidiam habitualmente com os principais agentes da área Como se vê este modelo que se intentou reproduzir com maior ou menor êxito em rodo o mundo supõe um entorno bem diferente dos distritos industriaisfabris que haviam sido o motor econômico da época precedente o chamado Rust Belt estadunidense Pittsburgh Cleveland Detroit Chicago o Ruhr alemão ou o centro industrial da Inglaterra O próprio desenho dos novos complexos produtivos como o célebre Google Plex495 chama a atenção por seu intento de reproduzir espaços urbanos mais ou menos tradicionais en tre o campus universitário e as main streets tradicionais Autores como Michael Kubo 2004 sugerem que as instalações centrais da Corporação Rand em Santa Monica Califórnia construídas entre 1950 e 1953 constituem um dos principais antecedentes destes novos espaços de trabalho entre cujos objetivos está estimular os encontros informais para favorecer a transdisciplinaridade o trabalho em rede ou a serendipia Stewart Brand 1996 2527 por sua vez proporia outro célebre edifício o Building 20 de MIT como outro dos prece dentes destacados dos espaços produtivos característicos da sociedade em rede A denominação milieux que Castells dá a estes novos ambientes sublinha seu critério de que mais do que os agentes individuais ou os componentes singu 494 Sobre este aspecto cabe destacar a contribuição recente da economista Mariana Mazzucato 20182011 495 A história das instalações do Google é de grande interesse arquitetônico e urbano começando entre a Univer sidade de Stanford e uma das míticas garagens da revolução digital para transformarse posteriormente em um conjunto tipo campus remodelado significativamente até 2006 pela oficina de Clive Wilkinson com um proveito de grande interesse conceitual Em 2015 se anunciou o início de um novo projeto de campus de enorme ambição arquitetônica e urbanística que será liderado conjuntamente pelos estúdios de Bjarke Ingels e Thimas Heatherwi ck 371 lares o relevante neste tipo de novos ambientes produtivos é o próprio meio e a riqueza e variedade das relações que gera Nas redes Castells nos recorda o valor de um modo não conectado é igual a zero enquanto que o valor da rede em seu conjunto aumenta em função do número de nós que interconecta496 Quanto maior for o número de nós e maior complexidade das relações entre estes maior será o valor da rede maior será a inovação gerada e a riqueza pro duzida isso que propõe ao menos a teoria 497 Se na etapa industrial os edifícios ou conjuntos paradigmáticos da épo ca podiam ser os grandes complexos fabris como o mítico complexo da Ford em River Rouge Michigan ou as novas cidades para a classe média como as Levittowns do leste dos Estados Unidos nesta nova etapa teríamos uma maior variedade de lugares incluindo alguns como os já mencionados da Corporação Rand ou Google Plex mas também outros como as fazendas de servidores por exemplo de Facebook os centros logísticos da Amazon Bratton 2015 Wall Street em Nova Iorque e o resto de bolsas e centros financeiros globais as zonas de maquilas e assassinatos em série de mulheres e a fronteira quente de Cidade Juarez Bolaño 2004 as metrópoles instantâneas chinesas como Shenzhen e as Free Economic Zones zonas econômicas livres proliferantes em todo o planeta Easterling 2014 e também centros educativos experimentais como o Institu to de Arquitetura Avançada da Catalunha de meu amigo Vicente Guallart em Barcelona Duas décadas depois resulta indubitável a sugestão de Soja as novas formas organizacionais e relacionais das redes tem induzido importantes trans formações qualitativas no meio construído em todas as escalas e em quase todos os âmbitos 496 As chamadas leis de Metcalfe e de Reed tratam de quantificar matematicamente o valor crescente das redes em função de seu número de nós e a densidade de suas conexões Rheingold 2002 5861 497 Outro pesquisador relacionado com a escola de Los Angeles Charles Jencks sugere algo similar para as no vas metrópoles como Los Angeles que frente a aspiração à normalização própria do século 20 agora estariam caracterizadas por sua heterogeneidade Como podemos definir a heteropólis A definição mais breve poderia ser uma cidade global de mais de oito milhões com uma alta concentração de corporações multinacionais que tenha variedade de setores econômicos estilos de vida que se multiplicam e uma diversidade étnica crescente até a completa minoritarização Mais importante ainda é um lugar no qual se desfruta da heterogeneidade de culturas e inclusive de flora e fauna 199647 372 Figura 3 Elementos para um diagrama da arquitetura do Google como um dos paradigmas dos novos espaços produtivos a partir de trabalhos do autor 2010 e de Benjamin Bratton The Stack 2015 Elaboração do Autor Um segundo aspecto especialterritorial da sociedade em rede que Castells desenvolveu em profundidade é o que se denominaria posteriormente plantas de produção global e que então o autor descrevia como o novo espaço industrial Im pulsionado pelo progresso uma vez que a profunda mudança tecnológica e des reguladora um conceito o de desregulação que naquela época causava furor e agora deixou de ser percebido com tanto entusiasmo498 os processos de pro dução e consumo se fragmentam e suas diferentes partes ou fases se distribuem estrategicamente por todo o planeta buscando aproveitar vantagens e assimetrias características às vezes inclusive desenhadas das diferentes geolocalizações O desenvolvimento tecnológico em âmbitos como a organização corporativa o co mércio internacional e as finanças as telecomunicações o transporte e os processos de fabricação controlados por computador unidos a transformações legislativas de ordem global promovidas por organizações de grande relevância neste período como a Organização Mundial do Comércio WTO em inglês ou o Fundo Mo netário Internacional IMF entre outras constroem uma nova ordem mundial que supõe uma reestruturação territorial de múltiplos níveis ao mesmo tempo que uma profunda desterritorialização destruição das estruturas territoriais locais precedentes 499 Marc Augé 2010 descreveu este processo como uma guerra dos so 498 Para uma dura crítica dos processos de desregulação podese ver por exemplo Naomi Klein 2007 The Shock Doctrine 499 Esta questão da destruição reestruturação ou desterritorialização reterritorialização na terminologia de Deleu zeGuattari é central para a abordagem de Soja nos anos 90 Também é de relevante contribuição do movimento 373 nhos e eu a denominei em alguma ocasião de uma guerra das paisagens No relativo à população Castells assinalava como parte deste processo a polarização social em dois grandes grupos um cada vez maior de trabalhos manuais pouco qualificados e outro de trabalhadores intelectuais altamente qualificados Enquanto a estrutura geral das plantas de produção global Castells identifi cava as seguintes partes características associadas a diferentes funções 1999 463 471 1 direção e gestão investigação e desenvolvimento localizados nos princi pais centros globais e inovação milieux 2 áreas de fabricação qualificadas situadas nas novas zonas centrais como o Sun Belt estadunidense ou Baviera na Alemanha 3 áreas de fabricação semiqualificadas nas periferias primeiro no México ou os chamados Tigres Asiáticos ou Brasil mais adiante na China e em menor medida nos países do Leste da Europa proximamente em 4 centros de venda e serviços pósvenda localizados nos centros regionais em todo o planeta500 O último aspecto que destacarei da análise daqueles anos de Manuel Cas tells é a da emergência de uma nova forma de espaço hegemônico que se de nominou o espaço dos fluxos Recorramos às palavras do próprio Castells para introduzir o conceito 1999 455 488489 As tendências observadas sintetizo sob uma nova lógica espacial que denomino o espaço dos fluxos A esta lógica se opõe a organização espacial arraigada na história de nossa experiência comum o espaço dos lugares um novo processo especial o espaço dos fluxos que está se transformando na manifestação espacial dominante do poder e a função em nossas sociedades O espaço é a expressão da sociedade Posto que nossas sociedades estão sofrendo uma transfor mação estrutural é uma hipótese razoável sugerir que estão surgindo novas formas e processos espaciais O propósito da presente análise é identificar a nova lógica que subjace nessas formas e processos os processos sociais constituem o espaço a atuar sobre o entorno construído O espaço é um produto material em relação a outros produtos materiais que participam em relações sociais determinadas e que atribuem ao espaço uma forma uma função e um significado social nossa sociedade está construída em torno de fluxos fluxos de capital fluxos de informação fluxos de tecnologia fluxos de interação organizativa fluxos de imagens sons e símbolos Os fluxos não são somente um elemento da organização social são a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica política e simbólica Se esse é o caso o suporte material dos processos dominantes de nossas sociedades será o conjunto de elementos que sustentam esses fluxos e torna materialmente possível sua articulação em um tempo simultâneo em um es paço Por isso proponho a ideia de que há uma nova forma especial característica das práticas sociais que dominam e constituem a sociedade em rede o espaço dos fluxos O espaço dos fluxos é a organização material das práticas sociais em tempo compartilhado que funcionam através de fluxos Castells começa explicando a ideia de espaço como uma construção social um redescobrimento característico da Pósmodernidade ao menos nos estudos de zapatista através de seu portavoz daqueles anos Subcomandante Marcos 1997 500 Convém ter em conta que esta análise é da primeira parte dos anos 90 motivo pelo qual em parte deve ser atuali zada por exemplo com a transformação do papel da China e os BRICS nesta geografia global Easterling 2014 ou Bratton 2015 fazem interessantes contribuições neste sentido 374 Arquitetura no qual se expõe uma aproximação em espaço mais rica que a da Moder nidade que o concebeu como um vazio isótropo homogêneo que pode se descrever exclusivamente desde a geometria cartesiana Teríamos por um lado um espaço de campos ou ambientes como o termodinâmico501 mas também espaços subjetivos o do menino do esgrimista do skates do revolucionário urbano ou da dona de casa de um bairro concreto um espaço da memória político etc que no lugar de espaços talvez poderíamos chamar de também territórios territórios existenciais E um espaço dos fluxos uma nova espacialidade ou forma de serestar no espaço tempo que hoje podemos entender provavelmente muito melhor que em 1996 por exemplo pela forma em que usamos nossos finitos smartphones para nos relacionarmos com outros e com o mundo trabalhar e em definitivo habitar nosso meio ambiente Castells propusera alguns elementos característicos que possibilitam ao mesmo tempo que materializam a nova especialidade 1999 488496 1 as próprias infraestruturas de comunicação e os fluxos que sustentam 2 os nós trocadores ou mediadores entre informação e fluxos em geral e o mundo físi comaterial em seu sentido tradicional aqui podemos imaginar toda uma nova gama de tipologias de equipamentos e arquiteturas desde as salas de situação até os centros corporativos as componentes das já comentadas plantas de fabricação e distribuição global no momento de emergência destas novas geografias se cha mou estes elementos artefatos da globalização Então estes novos lugares apare ciam como novidades e hoje formam parte habitual de nossas paisagens desde as bolhas turísticas aos parques tecnológicoempresariais às grandes infraestruturas vinculadas aos intercâmbios globais às redes de franquias e brand zones502 3 finalmente se consolidam para Castells arquipélagos de enclaves territoriais vin culados às elites da globalização comunidades fechadas Golden gettos ou áreas urbanas fortemente gentrificadas lugares de encontro e ócio hotéis exclusivos centros culturais zonas VIP etc Em uma segunda polarização da população vin culada com a previamente mencionada aparecem de um lado as elites globais uma minoria da população vinculada à direção e ao controle da economia global e o espaço dos fluxos e de outro lado a maioria da população que bem assume um papel subalterno na nova economia global como produtores ou prestado res de serviços de baixa qualificação e consumidores lowcost503walmartizados504 501 Muitos arquitetos vem trabalhando sobre essas questões podem se ver por exemplo Iñaki Ábalos 2009 La beleza termodinâmica ou as classes de professor de duas décadas atrás da escola de Arquitetura de Sevilha José Maria Cabeza Laínez Cabeza 2005 Para a antropologia ou a sociologia será um conceito muito mais convencional Henri Lefebvre La producción social al espacio 1974 seria uma referência principal entre a arquiteturaurbanismo e as ciências sociais 502 Vinculados a alguns destes espaços durante esta primeira etapa se utilizou com frequência o conceito de nãolu gar proposto por Marc Augé 2009 Entretanto com o passar do tempo e a assimilação destes novos entornos e dispositivos lhes deram seguramente a condição de neolugares ou lugares outros mais que de nãolugares como pude ouvir argumentar do próprio Augé em alguma ocasião 503 Baixo custo 504 A expressão usada pelo autor do texto se refere aos consumidores da rede Walmart de mercados 375 excluídos da nova espacialidade dos lugares os territórios locais desconectados ou pobremente conectados que adquiriram uma forte relação de subalternidade quando não excluídos dos espaços dos fluxos Duas décadas depois cabe imagi nar que esta polarização descrita por Castells esteve relacionada com a separação crescente desigualdade entre 1 da população mais rica e talvez os 1020 que participa da gestão dos processos hegemônicos e os 80 da população restante cada vez mais precária quando não empobrecida que se tornaram visíveis para o público em geral nos anos 201112 movimentos como Occupy Wall Street505 nos Estados Unidos e o 15M na Espanha entre outros A cidade informacional não é uma forma senão um processo caracteriza do pelo domínio dos fluxos 1999 476 O grupo de companheiros com quem trabalhei por aqueles anos alguns dos quais logo tomaríamos o nome de hacki tecturanet 506 começamos a usar estas hipóteses para tratar de informar nossas práticas experimentais de então Se os espaços característicos dos novos tempos e em particular aqueles por onde circulava e se materializavam as relações de po der hegemônico eram estes novos espaços dos fluxos nos perguntávamos se os arquitetos não deveriam tentar trabalhar também com estes elementos se é que queriam seguir influenciando em como se construía o mundo E mais ainda se nos localizávamos em uma posição rebelde a respeito da dominação do novo ca pitalismo sobre a desterritorialização e reterritorialização do mundo Nossa pró pria hipótese então bastante inovadora consistia em expor que também as resis tências e a construção de mundos alternativos teria que usar de alguma forma os recursos do espaço dos fluxos Pérez de Lama 2006 Estas perguntas poderiam seguir estando vigentes se não fosse porque atualmente parecia se haver assumi do salvo em entornos muito especializados que o que Castells denominou espaço dos fluxos é um âmbito que não tem tanto a ver com o território que pen sam os arquitetos e urbanistas senão que é algo que somente pode ser pensado e materializado por engenharias ou corporações como por exemplo as operadoras de celulares Seria um novo aspecto expropriatório do que Lefebvre 1968 cha mou o direito à cidade exercido no campo foucaultiano do saberpoder FINALMENTE OS NOVOS SUJEITOS PRECÁRIOS COGNITIVOS E MIGRANTES Os comentários prévios sobre a população nos convidam a voltar a uma das perguntas levantadas no início do capítulo Quem são e como se caracterizam os novos sujeitos metropolitanos ou pósmetropolitanos se quisermos seguir 505 Movimento Ocupa Wall Street 506 Grupo de arquitetos programadores e ativistas 19982011 cujo núcleo estava formado por Sergio Moreno Pablo de Soto e o autor deste texto pode se ver em httphackitecturanet 376 a Edward Soja Uma pergunta que formulada desde um ponto de vista crítico poderia ser Quem seriam os sujeitos com que se pensar um projeto emancipador na metrópole contemporânea Para tratar de respondêla eu venho recorrendo desde muitos anos ao pensamento ativista e político mais que ao estritamente arquitetônico Por volta da virada do século os zapatistas mesmo desde a remota Selva Lacandona em Chiapas foram um dos primeiros que começaram a anunciar os novos sujeitos como multiplicidades diversas mais que como unidades compactas como poderia haverse imaginado previamente enquanto que o povo ou classe trabalhadora entre outras figurações Sem dúvida o marketing por essa época também começava a estudar o mercado ou os consumidores por nichos e perfis cada vez mais numerosos e específicos em sua definição As Os endereços dos zapatistas começavam ou finalizavam tipicamente dirigindose a homens mulhe res anciãos e anciãs meninos e meninas e continuam a listar diferentes sujeitos cuja união na diversidade é proposta como projeto político indígenas estudan tes camponeses trabalhadores etc etc A inovadora comunicação zapatista da queles primeiros anos fazia alusão com frequência a um mundo diverso bastante diferente daqueles dos partidos de esquerda do século 20 EZLN 1996 Muitas palavras se dizem no mundo Muitos mundos se fazem Muitos mundos nos fazem O mundo que queremos é um onde muitos se encaixam A pátria que construímos é uma onde se encaixam todos os povos e suas línguas que todos os passos a caminhem em que todos riem a madrugada toda Um mundo em que se encaixem ou em que caibam muitos mundos um dos aforismos zapatistas mais célebres sem dúvida à diversidade e complexidade social dos territórios globais então emergentes Algo mais tarde o que foi chama do de o Ciclo Antiglobalização de resistências 19972003507 se consolida desde a Itália um importante foco de pensamento e ativismo que frente à crescente fragmentação dos cidadãos os trabalhadores e as lutas propõe três figuras como características dos novos habitantes das metrópoles globais cognitivos precários e migrantes508 Com cognitivos se referiam aos trabalhadores do conhecimento da engenharia da programação passando pela gestão as finanças a educação ou a cultura 509 Com precários se referiam a todos os que desempenhavam as tarefas de apoio à economia global mal pagas temporárias e sem seguridade de nenhum 507 Vejase por exemplo Notes from Nowhere 2003 We Are Everywhere The Irresistible Rise of Global AntiCapi talism onde se constata a emergência dos novos movimentos sociais reticulares e globais em que se estabelecem a maior parte das práticas e muitos dos novos valores que logo se popularizaram com o chamado Ciclo das Primaveras cuja manifestação na Espanha foi em o 15M 508 Este movimento muito pouco documentado em um sentido tradicional teve entre seus atores mais destacados para o coletivo italiano Chainworkers Uma de suas figuras chave em Barcelona foi Marcelo Expósito artista pensador e ativista e mais recentemente membro eleito do Congresso dos Deputados com o grupo Em Comum Podemos Para seu desenvolvimento em Sevilha podese ler o meu livro Devenires ciborg 2006 509 O termo cognitivo como nova figura central do trabalho na era digital foi possivelmente proposto por Franc Berardi Bifo em sua obra A fábrica da infelicidade 2003 377 tipo da limpeza até os serviços em franquias e hotelaria ao trabalho doméstico aos empregos em maquilas510 e sweatshops511 Os termos precário e precariedade em sua forma de uso atual tão habitual foi uma criação deste movimento Fi nalmente os migrantes que adquirem uma renovada importância neste período desempenharam os trabalhos mais difíceis ou pesados nos países ricos e com a maior frequência em situação de ilegalidade ou fragilidade de direitos Figura 4 Um dos cartéis da MayDay 2005 uma grande mobilização em escala Européia cele brada durante aqueles anos desde os setores autônomos em que a reflexão sobre precariza ção trabalho cognitivo e migrações tiveram um papel central Imagem equipe organizadora do May Day Barcelona 2005 Fonte arquivo digital do autor 510 Empresa maquiladora Uma empresa maquiladora é uma empresa que importa materiais sem o pagamento de taxas sendo seu produto específico e que não será comercializada no país onde está sendo produzido 511 Forma de trabalho com exploração de funcionários 378 Frente à percepção mais ou menos generalizada de pertencer às classes mé dias e ao sentimento de integração consequente típicos da maior parte da popu lação dos países avançados esta abordagem alternativa identificava a precarieda de não somente laboral senão existencial como a condição comum à maioria da população E de alguma maneira considerava e considera a necessidade de organizarse em torno da precariedade para unir os fragmentados e imaginar um mundo mais habitável para todos Desde a perspectiva da cidade do urbanismo e da arquitetura se trataria de tomar este precariado que integraria os três grupos sem deixar de reconhecer a diversidade como o novo sujeito com que repensar nossos entornos Michael Hardt e Antonio Negri vinculados a estas propostas teóricas e estratégicas desenvolveram durante estes anos o conceito de multitua512 que expunham como alternativa em certo modo sugerida pelos zapatistas às ideias de povo ou classe trabalhadora em um sentido monolítico destes termos A multiplicidade diversa e variável em sua composição e geometria era em certo modo a translação ao campo da política do conceito de rede uma multiplicidade de elementos diferentes conectados em rede embora de maneira rizomática poderíamos dizer capazes entretanto de gerar sentido e ações em comum uma vez sendo possível a multiplicação das singularidades como havia dito Fé lix Guattari 513 O programa ou diagrama político da multiplicidade segundo o enunciavam Hardt e Negri teria também a ver com os três setores anteriormente propostos a apropriação social do conhecimento e as redes maquínicas514 cog nitivos a apropriação do tempo de trabalho e de vida flexibilidade autodeter minada graças à combinação de tecnologias e de dispositivos como poderia ser a renda básica cidadã e a autonomia da mobilidade ou as migrações a liberdade de movimento e de permanência 2000 396407 Mezzara 2005 Este progra ma como se intui de imediato constitui também um diagrama de um território outro de outra cidade ainda que entendida a cidade como venho proposto como algo mais que o suporte material e espacial da vida Curiosamente ou não tanto podemos ver um diagrama parecido em parte das chamadas arquiteturas radicais dos anos 60 Estou pensando por exemplo na Nova Babilônia da situa cionista Constant MNCARS 2015 512 Michael Hardt e Antonio Negri são para o autor um dos caracteres de referência para pensar este período Sua trilogia composta por Império 2000 Multiplicidade 2004 e Comunidade 2009 constitui ainda que seja para criticála uma das bases para um pensamento político radical da globalização neoliberal Negri havia sido um dos principais representantes da corrente marxista italiana dos anos 70 chamada Pósoperarismo pósobreirismo ainda também havia escrito um livro em colaboração com Félix Guattari em 1989 1999 Hardt por sua vez quase 30 anos mais jovem incorpora em seu diálogo aspectos do pensamento radical francês Deleuze e também do mundo do feminismo e o poscolonialismo 513 Esta questão da diversidade e a unidade segue sendo um tema central do debate político que por exemplo levan ta os chamados populismos tão atual nos últimos anos 514 O inconsciente maquínico é um conceito de Deleuze e Guattari que repensa a subjetividade humana através de sínteses inconscientes 379 Desde diferentes setores feministas também dos movimentos sociais se fez uma crítica importante à exposição centrada no cognitariado e no chamado capitalismo cognitivo uma modalidade do capitalismo que propõe que os pro cessos relacionados com a informação e o conhecimento constituem o elemento fundamental dos ciclos de produção e acumulação de valor Boutang Corsai et al 2004 A crítica referia que esta construção teórica inviabilizava uma vez mais o âmbito dos cuidados dos afetos e as relações o âmbito descrito tecnicamente como da reprodução social no aparato marxista sobre o qual se sustenta neces sariamente a vida e do que historicamente haviam ocupado cargos mulheres sem retribuição nem reconhecimento de que fora um trabalho como tal 515 Se argu mentaria inclusive que as novas formas de trabalho se caracterizavam por uma mulher futura ou futuro feminino do trabalho Hardt Negri 2009 133134 que dotava as novas formas de trabalho de características que haviam sido pró prias do trabalho não reconhecido das mulheres como são a dedicação perma nente a indefinição de limites as dimensões afetivas ou a implicação emocional O autor tratará especificamente sobre esta questão fundamental em um trabalho atualmente em preparação Ada Colau e seu ambiente mais próximo perto destas linhas de pensa mento incorporaram este debate sobre os novos sujeitos em seu projeto polí tico de Guanvem Barcelona posteriormente Barcelona em Comum Em minha opinião parte de sua capacidade de conectar com as novas gerações urbanas até leválas ao gabinete da prefeitura de Barcelona teve a ver com esse reconhe cimento dos novos sujeitos metropolitanos especialmente dos setores urba nos mais precarizados que de fato constituem uma importante maioria social Sintomaticamente em um dos seus discursos políticos mais importantes Se nos perguntam quem somos 2014 enumera ao estilo que chamei zapatista a diversi dade de sujeitos que Guanvem Barcelona pretendia incorporar em seu projeto de transformação da cidade situando precisamente as mulheres em primeiro lugar daquela enumeração Resulta interessante repassar aquele discurso como um guia para urbanistas Por seu interesse recorro a sua transcrição em espanholcastelha no como anexo a este capítulo anexo 1 DA RIQUEZA DAS NAÇÕES À RIQUEZA DAS REDES A riqueza das redes The Wealth of Networks é um importante livro de Yo chai Benkler 2006 professor de direito na Universidade de Yale Para os aficio 515 Uma referência principal desta crítica seria a de Silvia Federici 2014 Em nosso meio ambiente cabe assinalar o trabalho do coletivo madrileña em torno do centro social Eskalera Karakola e o grupo Precarias a deriva Marta Malo de Molina Cristina Veja Silvia Gil Marisa Pérez Amaya Pérez Orozco Débora Ávila 380 nados pela economia uma pequena parte da obra de Adam Smith A riqueza das nações 1776 a obra fundacional do liberalismo econômico resulta evidente e interessante Enquanto que naquela obra Smith senta as bases da economia polí tica da Era Moderna a propriedade privada o livre mercado os indivíduos bus cando seu interesse particular e a mão invisível interpretando a então emer gente produção industrial de bens materiais não deixa de chamar a atenção que o têxtil a produção de roupa foi a indústria paradigmática da época Benkler trata de explorar as novas formas de riqueza que a seu juízo caracterizam a con temporaneidade como seriam as relacionadas com a informação o conhecimen to e as redes Benkler organiza um animado debate desenvolvido durante os anos precedentes Argumenta que existe um novo modo de produção de riqueza e um novo modo de acumulação de capital mas que em dúvida ainda não haviam chegado a gerar sistemas de distribuição social da riqueza produzida neste novo marco que cumpram com o papel assumido na etapa industrial pelo emprego e pelo salário e as diferentes declinações das sociedades do bemestar Em seu lugar as novas formas de produção relacionadas com a centralidade das finanças como forma sobressalente de gestão da informação tem ocasionado a recupera ção dos níveis de desigualdade que ocorriam no início no século 20 assim como altos níveis de precariedade e em países como Espanha de desemprego Benkler junto com outros autores que iremos mencionando identifica os Commons516 como possível marco alternativo para o estabelecimento de novos dispositivos de redistribuição de riqueza que sendo produto das redes é gerada mais que nunca pelo conjunto da sociedade e menos por agentes individuais ou desconectados Os Commons pro comuns ou comuns segundo se iam sendo re definindo ao longo da última década configurariam um ambiente alternativo ao que constituem os mercados e os estados e segundo hipótese seriam os espaços chave sociais tecnológicos inclusive urbanos na produção de riqueza das redes Podese dizer que o redescobrimento da nova centralidade dos Commons tem lugar graças a Internet a WWW e a cultura digital segundo se estendeu nas últimas décadas do século passado e início do presente A quem pertence a WWW se perguntaram alguns analistas como Howard Rheingold 2002 O que possibilitou a explosão da criatividade e inovação associada a seu desenvol vimento e seu extraordinário crescimento Foi enfatizado naqueles anos que a Internet e o WWW eram a maior criação da humanidade em toda a sua história uma rede efetivamente global a que se conectam milhares de milhões de pessoas e que se expende com as frotas de satélite de comunicação e de geolocalização até o espaço exterior 516 Comuns habituais ou compartilhados 381 Observando mais especificamente o desenvolvimento do sistema opera cional livre GNULinux outros analistas como Eric Raymond 2000 chama vam também a atenção sobre o feito aparentemente inédito de que milhares de pessoas distribuídas pelo planeta haviam sido capazes de colaborar na criação de algo tão complexo como um sistema operativo além de centenas de pacotes de software que tinham um papel fundamental no funcionamento das então novas redes A WWW se argumentava era de todos e todas e de ninguém em particular E esta circunstância junto com outras como o princípio endtoend e os protocolos TCPIP HTML e DNS incorporados a arquitetura da WWW por seu principal criador Tim Berners Lee 2009 haviam gerado um espaço território novo que então se acostumava a denominar como o ciberespaço que estimulava a cooperação em escala global e a inovação desde a tecnológica até a social de maneiras que até então não haviam sido experimentadas e que havia sido sonhada por muito poucos As arquiteturas p2p peertopeer517 que igualmente proliferaram por aqueles anos que permitiam especificamente a ges tão colaborativa totalmente horizontal da informação também estimularam o entusiasmo pela cultura digital nos setores sociais à busca de modelos socioeco nômicos alternativos Richard Stallman o criador do software livre efetivamente desenvolveu um sistema as licenças GPL para que o software desenvolvido como tal tivesse a condição de ser de todos e de ninguém em particular assegu rando especialmente sua inapropriabilidade por parte de nenhuma entidade ou indivíduo Stallman 2004 Kelty 2008 O descobrimento de que os bens digi tais podem se reproduzir com custo próximo a zero custo marginal próximo a zero na terminologia econômica Rifkin 2014 sem que o que cede perda a capacidade de seguir usandoos fez surgir uma especulação sobre uma economia política de abundância frente ao tradicional conceito da economia como ciência que trata da otimização de distribuição dos recursos escassos A parábola bíblica da multiplicação de pães e peixes voltou a se por na atualidade Para explicar ao menos alguns de seus aspectos este tipo de novos espaços produtivos se recorreu a um modelo antigo quase esquecido como era o do Commons coincidindo com a concessão do prêmio Nobel de economia 2009 a principal pesquisadora contemporânea sobre o assunto a americana Elinor Os trom 19332012 Seus trabalhos se converteram assim em uma das principais referências para tratar de definir os novos Commons digitais que também por aqueles anos se começavam a denominar Commons criativos comunidades cria tivas Lessig 2005 com a intenção de explorar a extensão do modelo produtivo da WWW a outros âmbitos digitais e não digitais 517 Um compêndio interessante muito atualizado das investigações sobre a cultura p2p pode ser estudado em ht tpsp2pfoundationnet plataforma web gerida por Michel Bauwens 382 Ostrom havia concentrado suas pesquisas durante décadas no estudo de mo delos de gestão comunitária com um grau significativo de autonomia em relação aos estados de recursos naturais como podem ser a pesca em lagos o uso da água em zonas de irrigação ou a gestão de cuidados dos bosques O termo usado por Ostrom é Common Pool Resource habitualmente resumido como CPR que pode ser traduzido de forma aproximada como consórcio de recursos postos em comum ou agrupados A partir de suas investigações Ostrom proporia uma série de regras ou condições que tornavam possíveis a boa gestão deste tipo de recursos 2000 90 que são as seguintes 1 boa delimitação tanto do recurso compartilhado como dos indivíduos ou família que tem direito de acesso 2 congruência entre as regras de apropriação e provisão e as condições locais 3 organização cooperativa a maior parte dos indivíduos afetados pelas regras podem participar em sua modifi cação 4 existência de um sistema de controle e monitoramento do estado e uso dos recursos 5 sistema gradual de sanções para os que não cumprem as regras 6 mecanismos eficientes de resolução de conflitos 7 reconhecimento mínimo por parte do estado ou a administração correspondente dos direitos e a capacidade de autoorganização por parte da comunidade e 8 em caso de que coexistam múltiplos sistemas que estes estejam organizados em camadas ou níveis alinhados organizados de maneira que a tomada de decisões flua sempre de baixo para cima Tendo em vista o texto A tragédia dos comuns Hardin 1968 citado regularmente nos estudos econômicos desde a década de 1970 os pesquisadores dos Commons estimam que seu autor apresentava como exemplo para argumentar a inviabilidade deste tipo de gestão comunitária dos recursos não era na realidade um common e que o texto deveria terse intitulado mais apropriadamente A tragédia de algumas pastagens laissezfaire sem gestão e com fácil acesso por indivíduos egoístas sem comu nicação entre eles Bollier 2014 25 A APROXIMAÇÃO PRAGMÁTICA AOS COMMONS COMUNS É possível identificar grandes aproximações no debate sobre os Commons e os novos modos e relações de produção Uma seria a aproximação que podería mos qualificar de pragmática típica do pensamento estadunidense neste âmbito Lessig Rheingolg Benkler Barnes Bollier Rifkin A outra seria de caráter mais tipicamente político funcionando como uma atualização da era digital do pensamento de socialistacomunista Linebaugh Hardt e Negri Federici Har vey Em 2016 Christian Laval e Pierre Dardot publicam um importante vo lume Comum em que comparam as diferentes aproximações e propõem sua própria síntese que também comentarei A partir de ambas tendências tratarei de reconectar com a temática exposta no início deste capítulo a questão da biopolí tica proposta por Foucault e desenvolvida por Deleuze entre outros 383 David Bollier em seu livro de 2014 Think like a commoner faz uma ex celente síntese informativa bem como rigorosa da aproximação pragmática Recorrendo às interpretações de diversos autores identifica diferentes âmbitos da vida e da economia em que recursos comuns de todos e de ninguém são elementos fundamentais para sua viabilidade na natureza na sociedade e na cultura e nos meios digitais Na natureza encontraríamos bens como a atmos fera os oceanos ou as paisagens na sociedade e na cultura poderíamos falar das línguas da tradição científica e do conhecimento por exemplo as matemá ticas ou a literatura as tradições em seu sentido mais convencional o espaço público ao menos em certos sentidos as leis como os direitos humanos ou o dinheiro enquanto tecnologia nos meios digitais como já havíamos avançado poderíamos falar da WWW das linguagens de programação do sof tware livre dos bancos de informação Bollier define o conceito da seguinte maneira 2014 15 Os comuns certamente incluem recursos físicos e intangíveis de todo o tipo mas se definem de forma mais precisa como paradigmas que combinam uma comunidade concreta com um con junto de práticas sociais valores e normas que são usadas para a gestão de um recurso Posto de outra maneira uns comuns são um recurso uma comunidade um conjunto de protocolos sociais Os três são um todo integrado e interdependente No desenvolvimento de seu estudo Bollier destaca o caráter local dos Commons a variabilidade de suas configurações a ampliação dos que o compõem em seu autogoverno a distribuição equitativa das responsabilidades e benefícios derivados do dispositivo assim como o interesse em sua sustentabilidade por parte de seus membros que formando parte de uma realidade local não podem permitir explorar seus recursos para moveremse para outro lugar quando este fosse completamente esgotado Um dos aspectos de interesse dos comuns teria que ver com um sistema de gestão dos recursos próximo aos conceitos da per macultura518 cujo objetivo é gerar ciclos virtuosos que assegurem a conservação e ampliação inclusive de um certo recurso em oposição ao enfoque típico do período moderno que habitualmente teria por objetivo sua exploração até o esgotamento com escassa consideração do futuro a médio prazo No fundo das abordagens que chamo pragmáticas existe habitualmente uma defesa desta forma de gerir certo tipo de recursos como uma via mais eficien te que a atual do capitalismo Ainda que provavelmente se trate de uma eficiência que tem em conta um conjunto de valores ou indicadores mais ricos que os do benefício e do PIB como podem ser questões relativas à equidade à autonomia o desenvolvimento local ou a sustentabilidade 518 A permacultura é um sistema de princípios agrícola e social de design centrado em simular ou utilizar diretamente os padrões e características observados em ecossistemas naturais 384 As comunidades digitais introduzem algumas variações e a tradução das práticas tradicionais para as digitais é imediata Por um lado as comunidades digitais com maior frequência são abertas não estão tão claramente delimitadas como nos Commons clássicos Por outro lado precisamente por seu caráter mais aberto aparece o fator da colaboração distribuída a intensificação da inovação favorecida pelo número e o acesso aberto a boa parte dos recursos e a riqueza co letiva gerada por estas circunstâncias Enquanto que os modelos de aquisição de ingressos ou benefícios e de assunção de responsabilidades dos comuns clássicos os comuns são geralmente mais claramente definidos no campo do digital estes estão em processo de intensa experimentação sendo o desenvolvimento do sof tware livre possivelmente a referência mais consolidada e eficaz Ao contrário e veremos que para alguns analistas isto é um dos principais aspectos críticos pro liferam modelos de negócio nos quais certos agentes são capazes de extrair gran des benefícios da cooperação social generalizada com escassa ou muito pequena redistribuição dos benefícios aos produtores algumas das maiores empresas do século XXI como Google ou Facebook se baseiam nesta forma de proceder Ainda assim Bollier 2014 2 estima que na atualidade haveria em torno de dois mil milhões de humanos no mundo que dependem para sua sobrevivência desta forma de organização e gestão de recursos Com outros pensadores desta linha como Jeremy Rifkin Bollier imagi na um futuro próximo no qual convivam os três modelos socioeconômicos de maneira mais ou menos compatível e inclusive complementaria uma economia social baseada nos Commons uma economia de mercado de corte capitalista e uma economia do setor público Na realidade o modelo da WWW supõe algo parecido com empresas que constroem e gerem as infraestruturas e outras em presas menores e particulares que geram conteúdo serviços e atividade e final mente os estados assumindo o regulamento e em certas ocasiões participando de certas infraestruturas de maior escala como poderia ser a rede de satélites de geoposicionamento Laval e Dardot mas também Harvey assinalam uma ques tão para mim de grande interesse O direito de propriedade sobre o qual se funda grande parte da economia de mercado e o capitalismo vem evoluindo nas últi mas décadas para ser redefinido como um bundle of rights um ramalhete ou feixe de direitos mais que um direto único e monolítico ramalhete do qual podem se diferenciar e separar questões como o uso o acesso o suporte e os conteúdos a propriedade das infraestruturas e os fluxos que suportam etc dando lugar a novas formas de gestão e aproveitamento dos recursos com a virtualidade de interessantes inovações sociais Laval e Dardot 2015 536539 Harvey 2012 8788 O caso atual dos debates sobre a cogestão de equipamentos públicos por parte da sociedade civil ou os movimentos sociais é um exemplo destas novas possibilidades Também em minha opinião são certas formas de construirha 385 bitar as universidades públicas A questão é que umas instalações de propriedade tecnicamente pública um jardim urbano um centro social ou cultural um fab lab podem ser geridas pelas comunidades locais como Commons dando ocasião talvez a situações democráticas mais ricas uma maior descentralização do poder e agência novas formas de desenvolvimento local maior enraizamento das comunidades na cidade etc 519 A APROXIMAÇÃO POLÍTICA DOS COMUNS Michael Hardt e Antonio Negri representam para mim a segunda apro ximação aos comuns que caracterizei como mais político Desenvolvem sua te oria dos comuns que vinham introduzindo desde ao menos o ano 2000 em seu livro de 2009 intitulado Commonwealth Resulta de interesse neste contexto especialmente a forte conexão que propõem entre Commons e novas metrópo les Para Hardt e Negri a produção da multiplicidade nas sociedades atuais são fundamentalmente os Commons metropolitanos Resultam de alguma maneira com DeleuzeGuattari dizendo a metrópoles é uma fábrica e sua produção são os commons520 Segundo suas hipóteses a fábrica tradicional como centro da produção e da exploração do encontro e do antagonismo tem sido substituída pela metrópolesfábrica cuja principal produção são as formas de vida relações sociais subjetividades General Intellect521 Citemos os próprios autores para de talhar um pouco de sua visão 2009 viiiix Consideramos como Commons também e mais significativamente aqueles resultados da pro dução social que são necessários para a interação social e para a continuidade da própria pro dução tais como os conhecimentos as línguas os códigos a informação os afetos e todo mais Esta noção dos Commons não posiciona a humanidade separada da natureza bem como sua exploradora bem como sua custódia senão que se concentra melhor nas práticas de interação cuidados e coabitação em um mundo comum que favorecem as formas benéficas dos comuns limitando as prejudiciais Na era da globalização os problemas da manutenção da produção e da distribuição do comum nos marcos ecológico e sócioeconômico adquirem cada vez maior centralidade Com os ouvidos tapados pelas ideologias dominantes na atualidade resulta difícil ouvir o co mum apesar de que nos rodeie por todas as partes Por todo o mundo durante as últimas dé cadas as políticas neoliberais têm tratado de privatizar o comum convertendo em propriedade 519 Estas situações também supõe o risco de se converterem em uma forma de subcontratação com ONGs da presta ção de serviços que nas últimas décadas se consideravam como públicas circunstâncias conhecidas das décadas de 1990 e 2000 O caso dos Centros de Cultura no Brasil durante o governo de Lula e a gestão do ministro Gil berto Gil constituem uma interessante referência a este respeito 520 Me refiro à enunciação de DeleuzeGuattari O inconsciente é uma fábrica Sua produção é o desejo 521 A questão do General Intellect é uma das mais comentadas nas reflexões sobre os novos tempos nesta genealogia de pensamento que tem a Hardt e Negri entre seus principais representantes Provem de uma passagem obscura de Marx em sua obra intitulada Grundrisse Planos Fundamentos e faz referência ao conhecimento coletivo que se converte em componente central dos processos de produção chegado a um certo grau de desenvolvimento técnicocientífico avançado Para melhor explicação sobre este argumento podese ver Paul Mason 2016 133 138 386 privada a produção cultural como por exemplo a informação as ideias e inclusive as espécies de animais e plantas Defendemos em coro com muitos outros que há que se opor a estas privatizações A visão convencional entretanto assume que a única alternativa ao privado é o público isto é o que é gerido e regulado pelos estados e por outras autoridades governamentais como se o comum fosse irrelevante ou estivesse extinto É certo por suposto que através de um longo processo de enclausuramentos a superfície da Terra tem sido quase completamente dividida entre a propriedade pública e a privada de maneira que os regimes de propriedade comum como nos casos das civilizações indígenas da América ou da Europa medieval foram destruídos E ainda assim boa parte do mundo segue sendo comum de livre acesso para todos e mantida através da participação ativa de muitos As línguas por exemplo como os afetos ou os gestos são em sua maior parte comuns e com efeito se as línguas se transformaram em públicas ou privadas isto é se grande parte de nossas palavras frases ou aspectos de nossa fala foram objeto de propriedade privada ou estiverem abaixo da autoridade pública então as línguas perderiam seu poder de expressão criatividade e comunicação As formas contemporâneas da produção e acumulação capitalista com efeito apesar de seu contínuo impulso de privatização dos recursos e da riqueza periodicamente também fazem possível e inclusive necessitam da expansão do comum O capital não é por suposto uma pura forma de mando senão uma relação social e como tal depende para sua sobrevivência e desenvolvimento das subjetividades produtivas que são internas ao próprio capital ao mesmo tempo que seus antagonistas Através do processo de globalização o capital não somente uni fica toda a Terra debaixo de seu mando senão que também cria investe e explora a vida social em sua totalidade ordenando a vida de acordo com as hierarquias de valor econômico Nas novas formas de produção dominantes que implicam informação software conhecimento e afetos por exemplo os produtores necessitam cada vez mais de um maior grau de liberdade assim como de acesso livre ao comum especialmente em suas formas sociais tais como as redes de comunicação os bancos de informação e os circuitos culturais O novo da hipótese de Hardt e Negri é a proposta de que o comum o objeto do commoning na expressão de Peter Linebaugh não são uns recursos existentes senão precisamente aqueles resultados da produção social que são ne cessários para a interação social e para a continuidade da própria produção isto é sua hipótese de que a colaboração social na sociedade em rede cria um meio que é condição necessária para sua própria continuidade e extensão O caso dos conhecimentos ou das comunidades produtivas o exemplificam bem Se pode citar a Isaac Newton quem em 1676 argumentando sobre porque havia sido ca paz de criar suas novas teorias escreveu a Robert Hooke Se tenho visto adiante é porque fiquei nos ombros de gigantes522 Os conceitos de innovation milieux de Castells ou de cidades criativas de Richard Florida ou o que vem sendo usado nos últimos anos com frequência de ecossistemas inovadores considero que susten tam também esta hipótese A segunda ideia que me parece relevante destacar é a da condição para doxal do novo capitalismo segundo Hardt e Negri por um lado necessita uma força produtiva capaz de moverse livremente no espaço das redes de colaborar autonomamente de gerar inovação de forma contínua mas por outro necessita 522 Se posso ver adiante é porque tenho estado sobre ombros de gigantes que se interpreta como o fato de que a ciência que se constrói só é possível continuando o trabalho daqueles que a precederam 387 poder dominar esta força produtiva tutelandoa e apropriandose dos benefícios produtivos pela cooperação nos espaços abertos das redes O caso dos novos gi gantes corporativos que se baseiam na acumulação de capital ao na produção livre e de código aberto da multidão ilustra bem a hipótese assinalava antes os casos de Google Facebook ou Amazon mas também podemos citar a ambígua emer gência da cultura maker com seus repositórios gerados colaborativamente habi tualmente a custo zero ou a muito baixo custo para as plataformas que os gerem ou mais criticamente as novas empresas da chamada sharing economy como as polêmicas Uber e AirBnb e finalmente todas aquelas de momento muito menos conspícuos que se baseiam na comercialização de dados de usuários de Internet ou das redes de telefonia móvel523 A ideia de Hardt e Negri é devedora ou muito próxima aos conceitos de biopoder e da sociedade de controle mas também do pensamento de Marx que considerava que as sementes das novas sociedades se encontram sempre nas contradições das que as precedem Em Commonwealth os autores especulam com a atrevida ideia que o capitalismo atual tem adquiri do um caráter fundamentalmente parasitário e depredador da cooperação social do produzido em comum que sua posição se faz cada vez mais externa aos processos de produção de riqueza524 Enquanto que no capitalismo industrial os empresários teriam um papel central na organização da produção o novo capi talismo sua participação cada vez mais se faz efetiva através das finanças com a produção de riqueza tendo lugar como sugeria a expressão de Benkler nas redes fundamentalmente externas ao capital enquanto que agente organizador do que ali sucede Neste sentido Negri e Hardt propõem em Commonwealth um novo diagrama político que acentuaria em sua visão estas contradições aumentando o potencial de uma transformação social radical Recorro a ele por seu interesse no anexo 2 ao final do capítulo PRODUÇÃO BIOPOLÍTICA A WIN TO WORLD No meio do chamado Pósoperarismo do que fazem parte Hardt e Negri surge o conceito de produção biopolítica525 para descrever as práticas dos movi 523 Estas questões tanto as da que se denominou em um certo momento sharing economy como a da gestão dos dados tem adquirido notável atualidade no breve período desde a primeira redação do presente texto Podem se consultar por exemplo os trabalhos críticos de Trebor Scholz quanto as primeiras ou os de Evgeny Morozov quanto aos segundos Também é de destacar a iniciativa política do Câmara de Barcelona no tema de dados pú blicos com a liderança de Francesca Bria y Xabier Barandiarán ativos participantes nos movimentos sociais dos anos 90 e 2000 entre outros 524 Apesar de perceberse como atrevida a hipótese é a meu juízo a que vem defendendo David Harvey 2010 as sinalando a acumulação por desapropriação variante atualizada da acumulação originária ou primitiva de Marx como forma destacada na atualidade de acumulação capitalista Também Saskia Sassen com seu conceito de agenciamentos depredadores que desenvolve em seu livro Expulsões 2014 faz uma análise não muito distante dessa 525 Maurizio Lazzarato 2000 Do Biopoder à biopolítica também Hardt e Negri 2004 pp 9395 Segundo me 388 mentos sociais que se opõe ao exercício do biopoder e da biopolítica dos setores dominantes Se a chave do biopoder como temos a argumentado no princípio deste capítulo é a produção de sujeitos e sua aspiração é a resistência a esta nova forma de poder não poderá limitarse por exemplo à luta contra a exploração contra conflitos concretos ou pela conquista de instituições senão que deverá ter que ver com a produção de outros sujeitos de outras formas de vida e de outras realidades As consequências de uma abordagem assim para o ativismo político a arte ou a arquitetura são imediatas MacKenzie Wark 2015 em diálogo cm Donna Haraway o enuncia assim Há um mundo a ganhar O slogan obvia mente joga com o do Manifesto Comunista O proletariado não tem nada a perder além de suas correntes Eles têm um mundo a ganhar invertendo a ordem o mun do não está aqui dado para ser conquistado senão que seja necessário construir um mundo diferente esta seria a vitória Nos interessa finalmente a conexão que Hardt e Negri fazem entre bio política comum e metrópoles Para os autores a metrópoles global é como já dizia a nova fábrica cuja produção principal são as relações sociais e as formas de vida que a constituem Como na antiga fábrica a metrópoles é além de lugar de produção lugar dos encontros e do antagonismo encontros que produzem os Commons e a vida social antagonismo pelo controle da vida e pela distribuição de riqueza produzida em comum 2009 249260 Esta tripla implantação pro dução encontro e antagonismo me parecem um interessante marco para estudar a metrópoles desde uma perspectiva renovada Figura 5 Agrocidade Rurban httprurbannetenprojectsagrocite é um conjunto urbanoagrícola na cidade de Paris para colocar em prática novas formas de vida estritamen te relacionadas com a sustentabilidade e a autogestão Entre os múltiplos exemplos que se poderiam citar Atelier AArchitecture promotores de Agrocidade é uma das práticas arqui tetônicourbanas mais destacadas globalmente pelo trabalho que realizam entre a prática a investigação e a ação Imagem aaa 2010 indica a professora Natacha Rena o pesquisador brasileiro Peter Pal Palbert propõe o uso do termo biopotência para evitar a ambiguidade entre a biopolítica ligada ao capitalismo e a produção biopolítica como prática de resistência 389 PRÁTICAS INSTITUINTES Para encerrar esta breve incursão no tema da biopolítica novas formas de produção e dos bens comuns é conveniente mencionar novamente o trabalho recente de Laval e Dardot 2015 no qual como eu comentava apresentam uma síntese interessante e uma boa avaliação do debate sobre o assunto durante as duas últimas décadas Em minha leitura deste trabalho sua principal con tribuição consiste em deixar de lado as visões essencialistas dos comuns ou dos bens comuns É por esta razão que eles preferem usar o termo comum como um princípio político frente aos outros habituais de bem comum bens comuns bens comuns ou bens comuns Estes pesquisadores questionam os argumentos sobre os Commons que se baseiam em considerar como um atributo essencial da terra da água do ar da paisagem ou do espaço público sua hipotética condição essencial de ser pro priedade de todos e de ninguém Também para o caso do conhecimento ou a cooperação social na Internet No lugar destes argumentos Laval e Dardot argu mentam que o uso destes e outros recursos se produzem no marco de determina das relações sociais e como tais sua reorganização e gestão desde o princípio do político do comum deve ser antes de tudo uma opção instituinte e sua viabilida de atual uma questão de práxis instituinte Laval Dardot 2015 494512 isto é de construção social e viva de outras relações formais ou informais que adquirem uma certa estabilidade Se trataria portanto de um problema político e de ino vação institucional e técnica caberia dizer em que os princípios de Ostrom podem servir como uma primeira referência Um marco institucional em que questões como o fortalecimento do local a autoorganização a capacidade de tomar decisões sobre as próprias formas de vida a equidade e a sustentabilidade são suscetíveis de ser construídas de maneira muito diferente a como funcionam em nossos territórios na atualidade Fechamos este círculo então retornando às relações de força às estratégias e técnicas de exercício de poder para construí outras formas de vida e outros territórios existenciais Este cenário que eu tratei de apresentar é o que denomino de metrópoles biopolítica 526 526 No presente trabalho se deixaram de lado questões como as de uma aproximação mais clássica das relações de produção as problemáticas específicas levantadas pelos feminismos e o universo dos cuidados as temáticas mais estritamente ligadas ao meio ambiente e digitaistecnológicas entre outras sem dúvida fundamentais que trato de abordar em um projeto de maior amplitude em que venho trabalhando 390 ANEXO I Ada Colau 2014 Se nos perguntam quem somos discurso de campanha eleitoral com Guanvem Barcelona para as eleições da Prefeitura de Barcelona disponível em httpsyoutu beBpoIvIIIeU Acesso em 23072016 transcrição do autor a partir das legendas no Youtube E quem somos Em primeiro lugar deixeme dizer que somos mulheres muitas mu lheres que estão infra representadas nos espaços de decisão nos espaços do poder político e que estão sobre representadas no espaço dos cuidados invisíveis que tornam possível a vida de todos dos ricos e dos pobres Somos as vizinhas e os vizinhos somos os bairros que tem protagonizado as melhores conquistas desta cidade que não teria acontecido sem as lutas internas das últimas décadas e somos também as vizinhas e vizinhos que hoje também estão se organizando para fazer frente aos desastres que se estão criando desde as instituições em conivência com os poderes fáticos econômicos Somos também a gente trabalhadora que tem que trabalhar para chegar ao fim do mês porque vivem das rendas E somos também as pessoas desempregadas que a despeito de estarem sem trabalho tem todas as capacidades do mundo e todo o direito de participar e de ser protagonistas da revolução democrática e também temos direito a uma renda garantidora porque todos temos direito a uma existência digna Somos também as pessoas que estão hoje promovendo a economia do futuro as pessoas que tem e defendem o pequeno comércio o comércio tradicional a economia social e solidá ria as cooperativas que estão intentando tecer uma economia sustentável frente a economia especulativa depredadora saqueadora das multinacionais que chegam a Barcelona recorrem aos benefícios e que são levadas a paraísos fiscais Somos também a comunidade educadora os profissionais da saúde que em um mo mento de recortes absolutamente insuportáveis que estão pondo em perigo os direitos e ser viços básicos estes profissionais em nossos hospitais em nossas escolas e universidades que muito além de suas obrigações contratuais deixam a pele para garantir os direitos de todos e todas Somos as pessoas migrantes a quem não se reconhecem direitos e aqui nenhuma pessoa pode ser ilegal e ganhamos Barcelona para poder fechar o centro de detenção um buraco de vergonha um buraco que nega os direitos humanos e não pararemos até fechar o centro de detenção E faremos tudo o que pudermos para que todas as pessoas migrantes sejam cidadãs de primeira e não somente tenham direitos sociais garantidos senão também a participação política em todos os níveis Somos também os trabalhadores e trabalhadoras municipais muitíssimo trabalhado res e trabalhadoras municipais se tem colocado em contato com Guanvem Barcelona porque estão fartos de como os partidos políticos utilizam a instituição e porque querem por todo seu conhecimento e toda sua experiência a serviço desta cidade e de suas vizinhas e vizinhos Somos muitas famílias e núcleos de convivência muito diversos já não há uma única família isto já não é mais sobre mamães papais e seus filhos aqui existem muitas famílias muitas unidades de convivência diversidade e pluralidade sexual e de afetos que são uma riqueza da cidade e que tem que ter todo o reconhecimento e todos os direitos garantidos Somos também e em primeiro lugar os meninos e meninas desta cidade os meninos e meninas merecem desfrutar da cidade merecem a garantia de seus direitos mas também mere cem ser considerados como sujeitos de direito como protagonistas muitas vezes os meninos e 391 meninas têm muito mais senso comum que muito adultos que se têm deformado com o cres cimento Assim que não somente falta cuidar de nossos meninos e meninas e garantir direitos senão que tenhamos que escutálos e deixálos falar Somos as pessoas idosas nossas avós e avôs pensionistas que não somente temos que vencer para garantir que todos absolutamente todos tenham uma velhice digna na qual se ga rantam todas as atenções que sejam necessárias não somente por isso senão porque também as pessoas idosas têm muito que dizer e não estão sendo escutadas se estão fazendo políticas para as pessoas idosas em nome das pessoas idosas sem contar com elas e não somente tem muito que dizer sobre as políticas que necessitam necessitamos todos nós dos idosos Já chega de tratarmos as pessoas idosas como uma moléstia As pessoas idosas são um poço de experiência de memória histórica que necessitamos para melhorar nosso presente e nosso futuro Assim que necessitamos de nossos idosos e temos que ajudar a cuidálos Vou finalizando já que somos muitas pessoas como podem ver somos muitíssima gente Somos também nossa gente jovem Nossa gente jovem para quem se tem pedido mui tíssimo esforço para quem temos pedido que se preparem que façam estudos de todo tipo mestres mas para quem depois não se dá nenhuma oportunidade para aproveitar todo o seu conhecimento sua força sua energia e suas ideias e os estamos expulsando de nossa cidade Queremos que nossas pessoas jovens fiquem aqui e possam dar o máximo de si mesmos pelo bem comum Não nos esqueçamos nunca quem somos e para que estamos aqui Não nos esqueçamos nunca e não deixemos de ser quem somos ANEXO 2 M Hardt A Negri 2009 Um programa reformista para o capital em Hardt e Negri 2009 Commonwealth pp 306311 tradução do autor O último grande pensador que propôs um tratamento eficaz para os males do capital foi John Maynard Keynes Não é difícil com base me nossos argumentos fazer uma lista de reformas benéficas mas existem sem dúvida algo paradoxal na proposta de um programa como este É pouco provável em primeiro lugar que a aristocracia global seja capaz de levar a cabo reformas significativas ou de desviarse de maneira substancial de seu caminho de des truição E segundo se estas reformas se instituíram realmente ainda sendo terapêuticas para os males do capital ao invés apontariam imediatamente para um novo modo de produção As reformas que fazem falta com maior urgência são aquelas que satisfaçam as necessi dades para o desenvolvimento do empreendimento das comunidades e da inovação das redes sociais cooperativas 1 A primeira das reformas tem por objetivo criar a infraestrutura necessária para a produção biopolítica que falta na maior parte do mundo A provisão da infraestrutura básica é também uma questão de meio ambiente pois a devastação do meio ambiente constitui um obstáculo central para acessar o alimento adequado ar limpo e água e outras necessidades para a sobrevivência O capital não pode deixar de fora certa parte da população na economia biopolítica é necessário que todos sejamos produtivos 2 Também se requer uma infraestrutura social e intelectual para sustentar as subjeti vidades produtivas Na era da produção biopolítica as ferramentas já não são o tear a monta dora ou a prensa de metal senão ferramentas linguísticas ferramentas afetivas para construir relações ferramentas para pensar etc esta é a razão pela qual a educação básica e avançada 392 é inclusive mais importante que antes para a economia biopolítica Todo o mundo necessita aprender como trabalhar com a linguagem em código ideias e afetos e mais ainda a trabalhar com uma iniciativa de educação global que dê educação obrigatória avançada em ciências naturais e sociais assim como em humanidades Como um corolário à educação enquanto que infraestrutura social e cultural se terá que construir uma infraestrutura aberta de informação e cultura para desenvolver comple tamente e colocar em prática a capacidade da multidão de pensar e cooperar com os outros Esta infraestrutura terá que incluir uma camada física aberta incluindo o acesso a redes de comunicação com fio e sem fio uma camada lógica aberta por exemplo códigos e protocolos abertos e uma camada de conteúdos abertos tais como trabalhos culturais intelectuais e cien tíficos Este tipo de acesso aberto ao comum também tem a vantagem de assegurar que todos os bens necessários tais como os medicamentos e outros frutos da pesquisa científica estejam à disposição de todos a preços acessíveis 3 Outra reforma infraestrutural necessária será a de facilitar recursos econômicos su ficientes para as necessidades tecnológicas da pesquisa avançada Um dos argumentos para a manutenção das patentes apesar de que restringem o acesso ao comum e assim diminuem as capacidades produtivas é que as corporações necessitam benefícios para financiar a pesquisa e o desenvolvimento 4 Além das reformas das infraestruturas física social e imaterial outro conjunto de reformas devem oferecer a liberdade requerida para a produção biopolítica A primeira liberda de necessária é a liberdade de movimento pela qual entendemos a liberdade de migrar dentro e fora das fronteiras e também a liberdade de ficar em um determinado lugar A liberdade de movimento configuraria uma liberdade de espaço permitindo à multidão fluir até onde pudesse ser mais criativa organizar os encontros mais benéficos e estabelecer as relações maus produtivas O estabelecimento de alguma forma de cidadania global é a única via que vemos para sustentar a liberdade e através dela expandir a produção biopolítica 5 Uma segunda reforma da liberdade tem a ver com o tempo e a porção mais sig nificativa do tempo não livre em nossas vidas se passa no trabalho Tal como determinamos antes todo obstáculo à autonomia do trabalho biopolítico incluindo o mando do chefe é um obstáculo à produtividade Uma reforma que garantisse a liberdade de tempo seria o esta belecimento de um rendimento mínimo garantido independente do trabalho A separação dos rendimentos do trabalho permitiria a todos um maior controle sobre o tempo Aqui temos que reconhecer que ele assegurará que toda a população tenha um rendimento básico mí nimo para que toda a vida convirja no interesse do capital Garantir a autonomia da multidão e o controle sobre o tempo é essencial para promover a produtividade na economia biopolítica 6 A liberdade necessária para a produção biopolítica também inclui o poder de cons truir relações sociais e criar instituições sociais autônomas Uma possível reforma para de senvolver estas capacidades é o estabelecimento de mecanismos de democracia participativa em todos os níveis de governo para fazer possível que a multidão aprenda cooperação social e autogoverno Estas são só algumas das reformas necessárias para salvar a produção capitalista Alguns leitores que chegaram a este ponto podem até duvidar de nossas intenções revolucio nárias Por quê estamos sugerindo reformas para salvar o capital Assim é como o capital cava suas próprias covas perseguindo seus próprios interesses e tratando de defender sua própria sobrevivência tem que fomentar o crescente poder e autonomia da multidão produ tiva E quando a acumulação de poder atravessar um certo limiar a multidão emergirá com a capacidade de governar autonomamente a riqueza comum 393 PARA SABER MAIS Biopoder biopolítica y sociedade de controle Michel Foucault 1976 Derecho a la muerte y poder sobre la vida en M Foucault 2009 edici ón original en francés de 1976 Historia de la sexualidad 1 La voluntad de saber Siglo XXI Madrid pp 144151 Gilles Deleuze 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elementos características y nuevos de las metrópolis globales respecto del modelo industrial moderno precedente Elaboración del autor 20062018 Figura 3 Elementos para un diagrama de la arquitectura de Google como uno de los paradig mas de los nuevos espacios productivos a partir de trabajos del autor 2010 y de Benjamin Bratton The Stack 2015 Elaboración del autor Figura 4 Uno de los carteles del MayDay 2005 una gran movilización a escala europea cele brada durante aquellos años promovido desde los sectores autónomos en la que la reflexión sobre precarización trabajo cognitivo y migraciones tuvieron un papel central Imagen equipo organizador del May Day Barcelona 2005 Fuente archivo digital del autor Figura 5 Agrocité Rurban httprurbannetenprojectsagrocite es un conjunto urba noagrícola en la ciudad de París para poner en práctica nuevas formas de vida estrechamente relacionadas con la sostenibilidad y la autogestión Entre los múltiples ejemplos que se podrían citar Atelier dArchitecture Autogerée promotores de Agrocité es una de las prácticas arqui tectónicourbanas más destacadas globalmente por el trabajo que realizan entre la práctica la investigación y la acción Imagen aaa 2010 398 MARX E AS CIDADES LATINOAMERICANAS O DIREITO À CIDADE Karine Gonçalves Carneiro527 David Villanueva Acuña528 INTRODUÇÃO O pensamento marxista oferece boas ferramentas de análise assim como propostas de ação para entendermos as dinâmicas urbanas na América Latina no passado e no presente e para pensarmos sobre a forma na qual a cidade a sociedade e os interesses econômicos modelamse mutuamente Através de um exercício reflexivo vislumbramos a possibilidade de observar as relações sociais que são tecidas no âmbito do desenvolvimento urbano das cidades latinoameri canas com o intuito de entender a maneira pela qual são construídos e modelados seus espaços físicos e como o urbanismo e as dinâmicas sociais têm gerado tanto potencialidades quanto retrocessos no desenvolvimento de zonas urbanas Neste contexto de reflexão é que pretendemos compreender o legado de Marx no que concerne o direito à cidade O ABANDONO DOS CENTROS E OS PROCESSOS DE SUBURBANIZAÇÃO Desde os primeiros anos de vida republicana as cidades latinoamericanas organizaramse ao redor do centro políticoinstitucional expandindose a partir dele para fora O centro a partir desta dinâmica conformouse como o lugar preferido das classes mais abastadas ou classes dominantes Já as classes popula res foram se assentando tradicionalmente nas periferias Entretanto depois da depressão econômica dos anos 1930 os países da América Latina passaram a ex perimentar um processo de industrialização tardia que somado às estruturas da 527 Karine Gonçalves Carneiro é Doutora em Ciências Sociais PucMinas2016 com participação no programa de doutorado sanduíche no exterior PDSECapes no departamento de Sociologia da Universidad Nacional de Colombia mestre em Sociologia com ênfase em Meio Ambiente FAFICHUFMG2006 especialista em Ar quitetura Contemporânea IECPucMinas1999 e graduada em Arquitetura e Urbanismo EAUFMG1996 Professora Adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFOP e do Programa de PósGraduação Novos Direitos Novos Sujeitos da UFOP Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais GEPSAUFOP e Indisciplinarufop 528 David Villanueva Acuña é Economista da Universidad del Tolima com mestrado em economia na Universidad Javeriana tese sobre segregação socioeconómica em Bogotá Experiência em planejamento gestão urbana e formulação e avaliação de projetos de infraestrutura pública no Instituto de Desarrollo Urbano e na Empresa de Renovación Urbana de Bogotá Investigador na linha de pesquisa sobre direito à cidade do Centro de Pensamien to y Acción para la Transición CPAT 399 propriedade da terra em latifúndios expulsou de maneira maciça a população do campo para as cidades Tais fatores originaram uma grande explosão demográfica e com ela uma explosão urbana que por sua vez modificou o padrão de ocupa ção do espaço as classes dominantes iniciaram um movimento de abandono dos centros históricos cada vez mais adensados dando início a processos de su burbanização que ocasionaram a deterioração urbanística destes mesmos centros Paralelamente os grandes contingentes de trabalhadores migrantes estabelece ramse fundamentalmente em ocupações consideradas irregulares e precarizadas em termos de serviços públicos e infraestruturas Foi conformada deste modo uma estrutura de segregação socioespacial típica da América Latina cuja caracte rística principal marcou a existência de amplas zonas marginalizadas conhecidas de formas distintas de acordo com cada país tugurios na Colômbia villas mi seria na Argentina callampas no chile favelas no Brasil ciudades perdidas no México cantegriles no Uruguai pueblos jóvenes no Peru dentre outras AS CIDADES MÁQUINAS DE PRODUÇÃO O desenvolvimento urbano latinoamericano que certamente tem cor respondência com outros modelos desenvolvimentistas em diversos lugares do mundo ainda que não sejam temporalmente coincidentes tem mostrado como as cidades vão se adequando ao longo do tempo ao modo de produção do sis temamundo ou da economiamundo como verdadeiras engrenagens dos me canismos capitalistas Inicialmente estas cidades passaram a conformar núcleos de produção e de fluxos de mercadorias e de mão de obra que as tornaram se melhantes às máquinas produtivas e as consolidaram como meio de produção através principalmente de uma morfologia urbana sob a égide de um modelo de urbanismo tecnocrático baseado na especialização dos espaços em zonas conecta das por largas avenidas Ao mesmo tempo a terra urbana e os espaços citadinos passaram de maneira cada vez mais fluida a integrar a lógica do mercado que ampliou seus valores de troca em detrimento de seus valores de uso Entretanto a partir dos anos 1970 por um lado tornaramse evidentes pro blemas relacionados à expansão urbana tais como a congestão e escassez de solo urbanizável Já por outro lado as sociedades passaram por transformações vincula das a reestruturação global do capitalismo já em crise com a adoção de uma nova modalidade de acumulação o neoliberalismo Os olhos dos planejadores neste momento voltaramse e ainda voltam na direção de ações de redesenvolvimen to ou de projetos de renovação urbana com o intuito de recuperar áreas centrais que foram deixadas a degradar em décadas anteriores Desde então tornouse ain da mais evidente a utilidade do urbanismo como instrumento para a recomposição do lucro capitalista através destes processos de renovação das cidades Este aspecto 400 ao considerarmos a forma de inserção dependente da América Latina na economia mundial beneficiou principalmente o capital estrangeiro e a negociação do solo urbano como commodity nos círculos do capital internacional REABILITAÇÃO E SEGREGAÇÃO A cidade contemporânea embora ainda continue sendo o lugar da circula ção tem se tornado a válvula de escape para a crise da sobreacumulação do capi tal Neste sentido o espaço construído é tratado como mercadoria e a dinâmica urbana sob a mão do mercado imobiliário é determinada fundamentalmente por seu valor de troca em detrimento de seu valor de uso Como consequência tem se aprofundado a dinâmica da segregação socioespacial que deu origem ao fe nômeno da gentrificação que nada mais é que o deslocamento de certos grupos sociais eminentemente os já vulnerabilizados por outros grupos de maior nível de renda que passam a ocupar ou reocupar certos espaços da cidade por meio dos processos de renovação urbana Alguns projetos realizados ou em andamento em cidades latinoamericanas constituem exemplos deste fenômeno Tais são os casos da região do El Bronx em Bogotá e da Cracolânida em São Paulo que visam a recuperação do solo urbano através do uso da força como estratégia de combate às drogas e de segurança Já em Quito e na Cidade do México são observadas ações que visam a revitalização dos valores patrimoniais de centros históricos A adequação de certos espaços citadinos com vistas à integração à in dústria cultural e do turismo tem sido a tônica para a área de La Boca em Buenos Aires Finalmente a estratégia de valorização da cidade através da inserção em suas agendas de grandes eventos mundiais serve de justificativa para ações de renovação urbana algumas vezes aliada a estados de emergência ou de exceção como no caso do Rio de Janeiro para a celebração dos jogos olímpicos de 2016 Muitas têm sido as tentativas para a explicação destes tipos de fenômenos urbanos mas qualquer explicação que queira encontrar um sentido e se afastar da parcialidade e da incompletude das análises deve ter um horizonte histórico e multidimensional Todavia todo este fluxo de relações socioespaciais descrito têm no contexto urbano uma contrapartida que não é visível nem evidente por um lado está ancorada na contradição que subjaz ao sistema de produção capi talista e por outro edificase sobre a base de uma categoria econômica não tão explícita a saber a renda do solo Ambos os conceitos só são compreensíveis a partir do legado filosófico de Marx Deste modo a história da dinâmica urbana configurase ao redor das tro cas do regime de produção e dos padrões de localização impostos pelas classes dominantes Tais padrões por sua vez não são o resultado caprichoso de uma tendência da moda mas respondem às necessidades de acumulação de capital 401 que segundo Marx é constitutivo do funcionamento do sistema capitalista e no limite é a causa de sua crise Esta acumulação excessiva de capital é utiliza da em parte para a renovação urbana das cidades e nos gastos de consumo das classes dominantes como por exemplo nos espaços construídos moradia escri tórios shopping centres etc Deste modo o reinvestimento no consumo dos espaços construídos pela classe dominante pode ser considerado o motor de toda a dinâmica da estrutura urbana seus fluxos e refluxos Todo este movimento de capital dá origem a lucros surpreendentes em um setor particular da economia a construção ou a promoção de investimentos imobi liários Como essas atividades dependem da disponibilidade de solo urbano e con siderandose que o solo urbano está vinculado à lógica da propriedade privada os proprietários desse solo através da renda alcançam ganhos extraordinários Assim esta estrutura de renda que se materializa nos valores do solo é ao fim e ao cabo o que determina as possibilidades reais de ocupação da terra urbana de tal modo que tanto as flutuações da dinâmica de desenvolvimento urbano quanto as relações sociais de exclusãosegregação socioespacial estão ancoradas no devir da lógica de acumulação Neste sentido as análises sobre as preferências individuais a aglome ração a mistura de classes ou o comportamento dos mercados imobiliários tornam se superficiais se não realizadas à luz desta contribuição do pensamento de Marx O DIREITO À CIDADE Não seria possível terminar esta análise sem mencionar uma outra linha de ação do pensamento de Marx sobre a produção do espaço das cidades na atuali dade Tratase das reivindicações do direito à cidade que ancora no movimento social a possibilidade de transformar o entorno na medida em que se transforma a si mesmo em uma espécie de movimento inverso que se contrapõe à lógica do capital e da acumulação O direito à cidade implica portanto reverter a direção do valor de tro ca frente ao valor de uso ou seja inverter a tendência a um aumento do valor de troca concentrandose no valor de uso como base e potencialidade para a construção do bem comum Isto incorre no direito ao uso dos espaços públicos da cidade que sob a égide do valor de troca da financeirização têm sofrido sucessivas privatizações e na apropriação dos espaços de forma distanciada da lógica do mercado do solo e da especulação imobiliária É portanto em última análise uma ação política possível ao entendermos que nós seres humanos so mos sujeitos de nossa própria transformação tal como refletia Marx em sua tese sobre Feuerbach Os filósofos limitaramse a interpretar o mundo de diversas maneiras o que importa é modificálo 402 MEDIDAS DE MOBILIDADE ESTRATÉGIA DE COMPETIÇÃO E GENTRIFICAÇÃO DOS CENTROS URBANOS529 Laura Machado530 Lívia Salomão Piccinini531 O processo de globalização acentuado pelos avanços tecnológicos pos sibilitou conexões mais rápidas transporte de bens e pessoas transmissão de informações ampliou a quantidade de pessoas envolvidas e alavancou a in fluência das dimensões econômica política social cultural e ambiental sobre as cidades532 A competição que antes ocorria entre nações passa a ser entre cidades pois é nelas que se dá a geração da riqueza do planeta as 100 maiores cidades respondem por 50 do PIB mundial533 Pressionadas pela proposta de desenvolvimento neoliberal e pelos protocolos e acordos internacionais sobre o clima do Protocolo de Kyoto ao Acordo de Paris as cidades tornamse pro tagonistas das mudanças em direção à sustentabilidade e à qualidade de vida Face à crise ambiental e urbana o ideal da cidade sustentável é tratado cada vez mais como um objetivo do planejamento urbano e do discurso político Sustentabilidade e competitividade são os eixos em torno dos quais as cidades pautam seu planejamento 529 Texto é uma republicação de trabalho publicado em revista espanhola como MACHADO Laura SALOMÃO PICCININI Lívia Medidas de mobilidade estratégia de competição e gentrificação dos centros urbanos Scripta Nova Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales En línea Barcelona Universidad de Barcelona 15 de abril de 2017 vol XXI nº 563 ISSN 11389788 530 Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul possui Doutorado em Planejamento Urbano e Regional PROPURUFRGS Mestrado em Planejamento Urbano e Regional PRO PURUFRGS e Especialização em Docência Profissional Técnica e Tecnológica IFF É arquiteta e urbanista na Universidade Federal do Pampa e pesquisadora no Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Urbanos LEUrb UFRGSCNPq Temas de pesquisa mobilidade urbana planejamento urbano paisagem desenho urbano polí ticas públicas urbanas lauralauramachadogmailcom 531 Professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Coordenadora da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura 20162019 Membro do Núcleo Docente estruturante da FAUFRGS 20112014 Membro da ComgradCOMOB 20102016 Membro da Comissão de Extensão possui o Doutorado pelo Pro grama de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS CAPES 6 em 2008 Mestrado em Urban Development Planning University of London 1991 School of Economics Doutorado na University of Cambridge UK exceto defesa Graduação em Arquitetura pela UFRGS 1982 Exerceu atividades de Chefia de Departamento e Vice Coordenação do Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional PROPUR Tem experiência nos campos do Urbanismo Planejamento Urbano e pesquisa nas áreas de habitação social políticas públicas sustentabilidade ecológicoambiental padrões urbanos e arquitetônicos paisagismo e desenho urbano planos diretores municipais liviapiccininiufrgsbr 532 Coehn 2004 533 Begg 1999 Dobbs et al 2011 Oliveria Júnior 2012 403 Uma das representações desta competitividade é o notável crescimento no número de rankings de melhores cidades dos 39 existentes em 2008 ultrapas saram a marca de 150534 em 2013 Estas estratégias de marketing foram criadas para posicionar as cidades no cenário global classificandoas em função de carac terísticas que ofereçam a maior quantidade ou a melhor combinação de atra tivos tais como espaços verdes habitabilidade livability educação transporte mãodeobra qualificada e oferta de infraestrutura535 A sustentabilidade urbana passa a ser um commodity e a cidade tratada como mercadoria O urbanismo neoliberal se apropria do planejamento estratégico empre sarial para construir e vender a imagem da cidade aprazível e competitiva Nesse cenário projetos pontuais de recuperação urbana e de infraestrutura para megae ventos possibilitados pela flexibilização da legislação e dos planos reguladores são oferecidos como solução única para a superação da estagnação econômica A Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014 é uma exemplificação que ilustra esse processo onde o país submetido às exigências da Federação Internacional de Futebol FIFA investiu mais de 25 bilhões de reais em infraestruturas para sua realização valor relativamente superior ao que foi investido na Alemanha e na África do Sul países que sediaram as duas últimas copas em 2006 e 2010 respectivamente Deste total oito bilhões foram direcionados para execução de obras de mobilidade urbana536 Além de altos investimentos financeiros outra faceta das obras de mobi lidade foram as remoções de comunidades de baixa renda537 e as alterações de uso de áreas que devido a estes mesmo investimentos foram re valorizadas ca racterizando a gentrificação538 destas áreas Estudos do processo de gentrificação apontam que projetos de requalificação urbana tendem a apresentar como con sequência a elitização desses espaços porém constatase que é escassa a literatura sobre a incidência das medidas de mobilidades nesse processo Sob essa perspecti va é pertinente assinalar a interlocução entre a recuperação das áreas públicas e as estruturas de mobilidade ativa relativas a caminhar e andar de bicicleta uma vez que a produção de tais estruturas pretende traduzir o novo paradigma da mobili dade que embora seja centrado nas pessoas permanece articulado à apropriação do espaço pelas elites Nesse sentido a análise da aplicação dessas medidas bem como a revalorização das estruturas de mobilidade emergem como elementos essenciais para a compreensão dos processos da cidade neoliberal 534 Moonen Clark 2013 535 Haindlmaier Riedl 2010 OECD 2006 World Bank 2013 536 Santos Júnior et al 2015 537 Haubrich 2014 Brasil 2014a 538 A gentrificação é a expulsão da população local devido à valorização imobiliária decorrente da requalificação de áreas públicas Zuk et al 2015 404 Nas cidades brasileiras esse processo tende a reforçar a exclusão social pois a produção e a apropriação do espaço urbano não só reflete as desigualdades e as contradições sociais como também as reafirma e reproduz539 As iniquida des sociais estão refletidas no território enquanto distribuição desigual das áreas verdes dos equipamentos culturais dos serviços públicos e dos equipamentos urbanos540 O mesmo acontece com o transporte dada a estreita relação entre deslocamento e renda541 e entre o incremento da acessibilidade e a majoração dos valores imobiliários542 Acrescentase a isto a predominância histórica de incen tivos governamentais para o transporte individual em detrimento do transporte público e dos modos não motorizados que aprofundam a segregação e a exclusão sócioespacial543 Alinhandose às orientações internacionais544 relativas ao novo paradigma da mobilidade o governo brasileiro paradoxalmente reorientou sua política de transporte ao promulgar a Lei de 125872012 que estabeleceu as Diretrizes da Mobilidade focada na inclusão social no transporte público e nos modos não motorizados545 Traz diretrizes que devem ser promovidas e estar refletidas nos Planos de Mobilidade Urbana municipais546 A literatura porém aponta que nas experiências internacionais as ações em prol da mobilidade ativa objetivam alcançar ganhos ambientais redução das emissões547 eou econômicos valoriza ção imobiliária548 Então o avanço em relação à mobilidade mais sustentável não vem se refletindo em um maior ganho social como espaços urbanos mais igualitários que gerem oportunidades reais às parcelas excluídas da população Isto é na ci dade neoliberal medidas voltadas à mobilidade são incorporadas à estratégia de competição urbana Há um gap social que não está sendo discutido pelos pla nejadores o que demonstra a necessidade desta investigação O objetivo deste artigo é trazer à luz as relações entre o planejamento estratégico a gentrificação e as medidas de mobilidade urbana a começar pela crise do planejamento urbano começando por este último como se vê a seguir 539 Maricato 2000 p170 540 Piccinini 2007 541 Itrans 2004 542 Revyngton 2015 543 Santos Junior et al 2015 544 CEC 2001 545 Brasil 2007 546 Segundo a Lei nº 125872012 que instituiu as Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana todo muni cípio com mais de vinte mil habitantes pertencentes à Regiões Metropolitanas ou cidades de interesse cultural devem elaborar o Plano de Mobilidade Urbana sob pena de não receber recursos da União para este fim Brasil 2012 547 Korver et al 2012 548 Flanagan 2015 Stehlin 2015 Stein 2011 Checker 2011 Kushto Schoefer 2008 405 A CRISE DO PLANEJAMENTO URBANO O processo de globalização não é apenas resultado dos avanços tecnológicos ou dos mercados competitivos É um fenômeno político e ideológico com reflexos físicoterritoriais e sócioespaciais que é chamada de a questão urbana Os avan ços da ideologia neoliberal a partir da década de 1980 trouxe a flexibilização das leis urbanísticas que asseguraram às forças do mercado o afrouxamento da ação estatal e o fim das certezas549Nos anos 1970 e 1980 autores como Manuel Castells e David Harvey denunciavam o planejamento urbano modernista por ser um ins trumento a serviço da manutenção do status quo do sistema capitalista refletido na ausência de resultados positivos das intervenções prometidas pelo Estado Nos anos 1990 planejadores e arquitetos continuaram a dar suporte aos interesses do mercado avaliando positivamente projetos estratégicos de reformas e revitalizações urbanas550 Foram além criando projetos de remodelação de áreas delimitadas como o centro de Barcelona Rio de Janeiro Caracas etc cidades onde os prefeitos não se intitulam representantes da política de Estado mas ges tores urbanos O conceito de gestão urbana possui significados negativos que não devem ser subestimados e que podem ser identificados no favorecimento e na subordinação às tendências do mercado dados pela liderança dos interesses do capital privado551 a vitória do imediatismo da administração dos recursos e dos problemas aqui e agora as respostas de curto e médio prazos combinados com a desregulamentação e a política do Estado mínimo Na medida em que o Estado não desenvolve uma política habitacional e tampouco urbanística voltada especificamente a atender essa população a regulamentação da posse do solo urbano pelo mercado na cidade capitalista552 tende a gerar constantemente segregação socioespacial A população de baixa renda submetese a morar em lugares em que os direitos da propriedade privada não vigoram áreas de propriedade pública ter renos em inventário áreas de proteção ambiental áreas de risco etc São as áreas de ocupação e favelas onde a exclusão urbanística representada pela ocupação ilegalinformal do solo é ignorada na representação da cidade formal Quando os direitos da propriedade se fazem valer nestes locais seus moradores são despe jados exacerbando conflitos e a contradição entre a marginalidade econômica e a organização capitalista da posse do território553 549 Maricato 2000 550 Abramo 2007 551 Souza 2013 552 Souza2013 553 Brum 2014 Piccinini 2007 406 É necessário esclarecer no entanto que não foi por falta de planos e plane jamentos urbanísticos que as cidades brasileiras apresentam os graves problemas atuais mas sim porque seu crescimento se deu para além destes seguindo inte resses da política local e de grupos ligados aos sucessivos governos sem atenção aos moradores com rendas insuficientes para acessar o mercado imobiliário Muitas vezes os planos diretores ajudaram a encobrir o mecanismo que comanda os in vestimentos urbanos o capital imobiliário e as empreiteiras Estas não obedecem a legislações e planos manipulandoos a fim de obter maiores rendimentos554 Dentre os serviços essenciais muitas vezes inexistentes ou inacessíveis em maior ou menor grau nas diferentes áreas da cidade principalmente para os moradores de favelas e vilas estão os de transporte de comunicação e saneamento Sob a ótica da desordem urbana a problemática das cidades brasileiras vem sendo estrategicamente construída como principal problema para os go vernos deslocando a análise das reais causas da expansão urbana e seus im pactos são vistos na desorganização das atividades bens e serviços A lógica da cidade capitalista particularmente em países emergentes como o Brasil impri me um aparente caos que os planejadores urbanos buscam organizar pensando a cidade enquanto sistemas interligados que podem ser ajustados em um futuro ponto ótimo de racionalização de recursos O Estado por sua vez legitima a apropriação privada do solo urbano ao aplicar recursos públicos que irão criar um novo valor do solo dado pela extensão da infraestrutura equipamentos e serviços O mesmo podese dizer da gentrificação uma das facetas do planeja mento estratégico555 Se o planejamento urbano remetia a temas como crescimento desordena do reprodução da força de trabalho equipamentos coletivos movimentos sociais urbanos racionalização do uso do solo a atual forma de gestão está focada alcançar melhores resultados em uma competição global por i investimentos tecnologia e expertise gerencial ii novas indústrias e negócios iii preços e qualidade de serviços iv atração de empregos qualificados556 Os neoplaneja dores veem a cidade como um agente econômico que atua no contexto de um mercado e que encontra neste mercado a regra e o modelo do planejamento e execução de suas ações O conceito de cidade tornase meramente gerencial ou nas palavras de Vainer Na verdade é o conjunto da cidade e do poder local que está sendo redefinido O conceito de cidade e com ele os conceitos de poder público e de governo da cidade são investidos de novos significados numa operação que tem como um dos esteios a transformação da cidade em 554 Maricato 2000 555 Brum 2014 556 Vainer 2000 407 sujeitoator econômico e mais especificamente num sujeitoator cuja natureza mercantil e empresarial instaura o poder de uma nova lógica com a qual se pretende legitimar a apropria ção direta dos instrumentos de poder público por grupos empresariais privados557 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO EMPRESARIAL E O PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO Antes de prosseguir é preciso esclarecer que embora o planejamento estra tégico tenha sido associado à perspectiva mercadológica eles não são sinônimos O planejamento estratégico situacional proposto por Carlos Matus é um plane jamento politizado e que longe de ser conservador estaria bem próximo do ide ário da reforma urbana que inspirou por xemplo a experiência de Porto Alegre com o orçamento participativo558 O planejamento estratégico empresarial por outro lado segue uma linha conservadora apolítica e acrítica em um processo onde as alianças são condicionadas por um viés que é o peso enorme dos interes ses empresarias na definição da agenda559 A crítica que se faz aqui é portanto ao planejamento estratégico empresarial conservador pois certamente o plane jamento deve assumir proposições estratégicas e posicionadas ideologicamente A cidade neoliberal produto do capital e instituída pela crise do fordismo urbano do início da década de 1980 inviabilizou o financiamento do Estado de bemestar e dos serviços coletivos Neste contexto assume a hegemonia o plane jamento estratégico empresarial mercadológico ou gerenciamento urbano um contraponto ao planejamento funcional modernista e que pretende dar respostas competitivas aos desafios impostos pela globalização Estes desafios são visíveis nos locais depreciados economicamente e que através de renovações urbanas também chamadas de revitalizações reabilitações recuperações viriam a criar vantagens competitivas entre as cidades com consequente revalorização do solo elitização dos moradores atração de turistas e investidores com consequente ex pulsão da população de baixa renda560 Se na década de 1960 as ideias do planejamento estratégico foram impor tadas do âmbito militar para as corporações e empresas no final da década de 1970 passaram a ser utilizadas em cidades norteamericanas e europeias e mais recentemente anos 1980 nos países latinoamericanos561 Este tipo de planeja mento é embasado pelo método SWOT Strengths Weaknesses Opportunities e Threats que busca a identificação das forças fraquezas oportunidades e ameaças 557 Vainer 2000 p89 558 Souza 2013 559 Souza 2013 p 138 560 Arantes 2000 561 Gonçalves et al 2009 408 de uma empresa ou no caso cidade em relação ao seu ambiente de ação Deste modo são determinadas metas e estratégias que permitirão atingilas As estra tégias são as diretrizes que ajudam a eleger as ações objetivos adequadas para atingir as metas fins da organização Foram os economistas os primeiros que propuseram a abordagem urbana do planejamento estratégico com base em quatro objetivos i elaborar a mis tura de usos de atração e de serviços da comunidade ii estabelecer incentivos atraentes para os atuais e possíveis compradores e usuários de seus bens e serviços iii fornecer produtos e serviços locais de uma maneira eficiente e acessível iv promover os valores e a imagem do local de uma maneira que os possíveis usuá rios conscientizemse realmente de suas vantagens diferenciadas562 Para entender as diferenças entre os pensamentos que formaram o planejamento estratégico público e o privado apresentase abaixo um resumo comparativo Tabela 1 Comparativo entre o planejamento estratégico do setor pri vado e o do setor público Características Setor privado Setor público Objetivo geral Competitividade Efetividade das medidas Objetivos econômicos Lucro crescimento conquista de mercado Redução de custos eficiência Valores Inovação criatividade boa imagem Accountability equidade integridade Resultados desejados Satisfação do consumidor Satisfação do cidadão Atores Acionistas proprietários mercado Contribuintes servidores poder público lobistas Prioridades orçamentárias definidas por Demanda dos consumidores Lideranças planejadores parlamentares Justificativa Proteção de propriedade intelectual Bemestar social segurança nacional Fatores de sucesso Taxa de crescimento rendimentos avanço tecnológico Práticas gerenciais melhoradas economia de escala regularidade padrão tecnológico Fonte Clemente 2007 adaptado por Machado Piccinini Esperavase do poder público a efetividade dos objetivos propostos para a garantia do bem de todos no entanto as questões políticas ideológicas e a ló 562 Gonçalves et al 2009 409 gica econômica imprime seu caráter no espaço como pode ser visto nas palavras de Souza precisam ser entendidos à luz de uma teia de relações em que a existência de conflitos de interesse e de ganhadores e perdedores dominantes e dominados é um ingrediente presente Como poderiam o planejamento e a gestão ser neutros em se tratando de uma sociedade marcada por desigualdades estruturais563 Assim não surpreende a adoção do modelo de empreendimento urbano hegemônico as citiescommodities ou cidadesnegócio produzidas através de di nâmicas globalizadoras de internacionalização de padrões de intervenção urba na que realiza os interesses de grandes corporações multinacionais Propagamse propostas de uma requalificação eficaz contra as patologias urbanas a fim de produzir o bemestar social e qualidade de vida Essa ideologia é vendida tanto pelas agências multilaterais BIRD Habitat quanto as do capital financeiro e imobiliário e pela indústria do turismo e do entretenimento Ou seja aqueles setores que entendem o território urbano como uma fonte de especulação e enri quecimento O gerenciamento urbano limitase a acompanhar as tendências que o mercado sinaliza e abdica do planejamento regulatório O Estado por seu lado ao invés de garantir a justiça social estimula a iniciativa privada oferecendo vantagens e regalias que vão desde a oferta de isenções tributárias terrenos infra estrutura subsidiadas suspensão de restrições de uso impostas pelo zoneamento alterações nos planos diretores e nos perímetros urbanos e a flexibilização de padrões e dispositivos habitacionais e urbanísticos Um dos primeiros exemplos da concretização deste pensamento ocorreu em Barcelona por ocasião das Olimpíadas de 1992 conduzido por Jordi Borja564 e sua equipe Nesta proposta Barcelona foi vendida como uma cidade feita por todos e para todos onde a mistura social seria enaltecida e explorada desde que devidamente modelizada e controlada Uma espécie de multiculturalis mo cênico utilizado para promover uma determinada imagem da cidade sem conflitos por oposição à cidade real complexa e heterogênea Porém não foi a sociedade que se apropriou da recuperação urbana mas o capital imobiliário e seus acionistas Associados ao encarecimento do solo urbano e à especulação imo biliária tais processos tornaram a cidade inacessível ao cidadão comum fazendo de Barcelona uma cidade cara para poucos Nessa lógica para serem bemsuce didos os moradores têm de afastar a pobreza para que esta não contamine o cenário onde se desenrolarão as ações dos turistas e dos grandes empreendedores da cidadeespetáculo565 É um processo que não leva em conta os custos sociais gerando altos preços para as moradias e deslocando os moradores para as cidades 563 Souza 2013 p 83 564 Vainer 1999 565 Cunha 2013 410 do entorno Esse processo tem como resultados o aumento das horas de desloca mento para o trabalho commuting altos custos de transporte acessibilidade e circulação e prejuízos à sustentabilidade ambiental no longo prazo Tratase de uma estratégia de entrega dos espaços públicos aos cuidados da iniciativa privada com subsídios estatais566 através de políticas públicas que concedem direitos às incorporadoras mesmo sendo reconhecido que parte da população não terá aí lugar A busca por uma imagem atraente da cidade tem na ideologia do projeto de cidade vide as campanhas sobre que cidade quere mos como se houvesse uma resposta ou a cidade tivesse um pensamento único a saída para enfrentar a crise urbana Essa proposta assentase com base nas obras monumentais localizadas nas áreas nobres das cidades ou centros históricos567 Nestes novos lugares gerados principalmente por parcerias públicoprivadas criamse espaços de exclusão e de segregação social espaços gentrificados que expressam a cultura e a economia de mercado uma re produção em série de um modelo tido como bemsucedido568 que promove museus aeroportos grandes equipamentos Esta é a crítica ao planejamento estratégico pensar a cidade como mercadoria criando uma cidade cenográfica que nega a cidade como um espaço plural emblemático diversificado instável e até mesmo caótico ao qual todas as pessoas deveriam ter o direito de acessar e vivenciar se assim o quiserem569 Algumas das características e objetivos do planejamento estratégico foram suma rizadas na Tabela 2 com base em alguns autores570 Tabela 2 Características e objetivos do planejamento estratégico urbano Características Objetivos Revitalização Atrair turistas Atrair capitais Valorizar terras Flexibilizar as leis de planejamento Participação popular Obter o aval da população Projetos setoriais Criar novos interesses na urbe Planejamento de curto prazo Acompanhar o tempo do gestor Fonte Elaboração de Machado Piccinini com base nos autores citados 566 Souza 2013 567 Silva 2012 568 Sanchez 2001 569 Secchi 2013 570 Dentre os autores estão Vainer 2000 Souza 2013 Maricato 2000 Secchi 2013 Furtado 2014 411 Dentre as características apontadas a revitalização é aquela que irá justifi car os investimentos públicos Aqui se faz necessário uma referência explicativa relativa à utilização desta série de termos revitalização renovação reabili tação e requalificação urbana como eufemismos que mascaram processos de gentrificação e transformação de bairros populares muitas vezes identificados como bairros problemáticos e indesejáveis em espaços elitizados que se tornam inacessíveis à população de origem O processo de gentrificação aparece como um dos elementos da permanente re estruturação urbana imposto pelo modelo econômico que segue os propósitos da estrutura dominante que perpassa a his tória do planejamento urbano das cidades capitalistas571 e se sobrepõe à história local das populações e de seus espaços O termo gentrificação empregado primeiramente por Glass em 1964 para descrever as transformações promovidas no centro londrino entre 1950 1960 e que teve como resultado a expulsão da população trabalhadora Tratase de um processo de revalorização territorial através da recuperação de áreas cen trais desocupadas ou áreas deterioradas572 gerando uma re valorização mercantil desses espaços com apropriação desse lucro urbano por grupos de interesses e populações mais ricas e distintas da população originalmente moradora A Tabela 3 sumariza alguns dos fatores e indicadores da gentrificação Tabela 3 Fatores e indicadores de gentrificação Fatores Indicadores Mudanças no valor da propriedade e aluguéis Valor de venda valor da propriedade Valor dos aluguéis Restrições a moradias de menores preços Investimentos no bairro Permissões de construção permissões de reformas isenções Financiamentos para construção Vendas de imóveis volume e valores Formação de condomínios Mudanças na comunidade e negócios Investimentos públicos transporte público vias parques etc 571 Furtado 2014 572 Less et al 2008 412 Abandono Condições das construções vagas construções condenadas reclamações de moradores incêndios Qualidade do bairro Qualidade das escolas crimes taxas de emprego oportunidades do bairro Mudanças na ocupação e na demografia Tipos de ocupação Despejos Dados socioeconômicos dos novos x antigos moradores raça idade renda escolaridade estado civil etc Potencial de investimento Características do bairro e das construções idade área infraestrutura Percepção dos moradores Razões de atração ou repulsão Aumento das distâncias e do tempo de deslocamento Aumento da densidade movimento transporte Fonte Zuk et al 2015 adaptado por Machado Piccinini Dentre os fatores descritos na Tabela 3 os indicadores de gentrificação asso ciados à mobilidade estão os investimentos públicos em mobilidade e acessibilida de o aumento das distâncias e o aumento do tempo de deslocamento Porém um dos sinais mais visíveis é a homogeneidade elitizada dos espaços Em oposição ao que Lefebvre chamou de direito à cidade direito à vida urbana à centralidade renovada aos lugares de encontros e trocas ao ritmo da vida e uso do tempo que permite o uso pleno e total dos momentos e dos lugares573 a gentrificação cria guetos A partir do deslocamento da população original de baixa renda uma nova população de moradores de média e alta classe é atraída pelas oportunidades que a nova centralidade passa a oferecer proximidade do trabalho oferta de lazer e cultu ra baixos valores das residências estabilização das condições sociais negativas estilo de vida considerações estéticas entretenimento e lojas especializadas574 Apesar de superficialmente o resultado das ações objetivar o retorno da ocupação dos centros e das áreas esvaziadas o processo de gentrificação através da substituição populacional e valorização imobiliária é no seu âmago parte de uma estratégia urbana articulada575 Tabela 3 Esse processo de acordo com Furtado pode ser lido da seguinte forma 573 Lefebvre 1973 p167 574 Smith 1996 Stein 2011 Zuk et al 2015 575 Silva 2014 413 ser analisado como o resultado do permanente processo de reorganização urbana nas ci dades capitalistas modernas necessário ao contínuo processo de acumulação de capital através do qual áreas urbanas deterioradas ocupadas pela classe trabalhadora podem ser ocupadas por outros setores da sociedade camadas sociais de renda alta e média não somente para habita ção mas para a instalação de outros usos também576 A re organização urbana vinculase portanto à criação de uma nova imagem internacional da cidade que supõe o afastamento de manifestações de pobreza e de subdesenvolvimento A substituição da população de baixa renda se dá em dois momentos primeiro quando da execução das obras de recuperação seguido pelo momento da re ocupação A remoção das pessoas que moram muitas vezes acontece de forma forçada deslocamentos massivos despejos força dos e a demolição de suas casas Também podem ocorrer deslocamentos em razão das medidas adotadas pelas autoridades para eliminar rapidamente favelas consi deradas esteticamente negativas das áreas frequentadas pelos novos moradores ou visitantes ainda que não integrem o projeto de reabilitação577 A MOBILIDADE COMO ESTRATÉGIA DE COMPETIÇÃO URBANA A mobilidade não é uma necessidade em si mas uma demanda existente para o acesso aos diversos locais da cidade Se nas cidades medievais estas dis tâncias podiam ser percorridas a pé por ruas tortuosas e estreitas nas cidades pósrevolução industrial seus limites desapareceram e o automóvel transformou a paisagem urbana em um entremeado de freeways e viadutos O crescimento exponencial das taxas de motorização trouxe impactos sobre o ambiente urbano o que vem sendo combatido na busca da sustentabilidade urbanaambiental578 A Tabela 4 apresentaos Tabela 4 Impactos do uso do automóvel no ambiente urbano Ambientais Sociais Econômicos Poluição atmosférica Acidentes Congestionamentos Consumo do solo urban sprawl Declínio da qualidade de vida Custos ocasionados por acidentes Alterações climáticas Impactos na saúde físicos e psicológicos Esgotamento recursos não renováveis e energia Ruído vibrações Desperdício de tempo nos deslocamentos Custos do transporte para os usuários 576 Furtado 2014 p359 577 Rolnik 2010 578 Hall 2006 Gómez 2000 UrbAL 2000 414 Poluição luminotécnica Iniquidades Custos das infraestruturas de transporte Resíduos sólidos Declínio do transporte público Custos à saúde Intrusão visual e estética Aumento das distâncias Fonte Litman 2008 adaptado por Machado e Piccinini 2017 A partir dos anos 1970 minimizar o uso do automóvel primeiramente fren te à crise do petróleo e a partir dos anos 1980 frente aos problemas ambientais poluição aquecimento global desertificação efeito estufa tornouse um dos de safios colocados aos governos e aos pesquisadores Nos anos 1990 iniciaramse investigações para encontrar soluções de mobilidade urbana dentro de um novo pa radigma do transporte O foco do planejamento para os carros e mercadorias des locase para buscar soluções inovadoras focadas nas pessoas e na qualidade de vida Essas soluções contemplam medidas de redução do uso do automóvel aumento do uso da bicicleta e caminhada incentivo ao transporte público gerenciamento de estacionamentos novas tecnologias segurança gerenciamento da demanda ge renciamento da mobilidade planejamento integrado e logística de mercadorias579 Tendo como objetivo promover e compartilhar soluções de mobilidade a Comunidade Europeia investiu mais de 300 milhões de euros na iniciativa CIVI TAS CItyVITAlitySustainability que oferece suporte técnico e financeiro para que as cidades adotem estratégias de transporte sustentável Desde 2002 mais de 730 medidas foram implementadas em quinze diferentes projetos executados em 69 cidades Tabela 5580 Tabela 5 Iniciativas CIVITAS projetos e cidades participantes CIVITAS I 20022006 CIVITAS II 20052009 CIVITAS Plus 20082012 CIVITAS Plus II 20122016 19 cidades 17 cidades 25 cidades 8 cidades 4 Projetos Miracles Tellus Trendsetter e Vivaldi 4 Projetos Caravel Mobilis Smile e Success 5 Projetos Archimedes Elan Mimosa Modern e Renaissance 2 Projetos Dinamo e 2Move2 Investimento total nos projetos 300 milhões Fonte Adaptado de Roojen Nesterova 2013 579 CEC 2001 580 Rooijen Nesterova 2013 415 Nas iniciativas CIVITAS há uma ênfase no desenvolvimento de combus tíveis e automóveis limpos em reduzir a presença de automóveis nos centros his tóricos em incentivar o uso de bicicletas e em qualificar espaços para pedestres As altas cifras investidas em medidas de mobilidade urbana podem ser entendi das como estratégias para atrair investimentos e uma breve pesquisa mostra 14 rankings de cidades globais que escalonam as cidades em relação à sua maior ou menor oferta de mobilidade Tabela 6 Tabela 6 Rankings que pontuam as cidades em relação às questões da mobilidade Categoria avaliada Nome do ranking Fonte Acessibilidade Top 20 Most Livable US Cities for Wheelchair Users Christopher Dana Reeve Foundation2015 Bicicletas The Copenhagenize Index Copenhagenize Design Com pany 2015 Bicicletas The worlds top 10 best cities for cycling Traveller 2015 Bicicletas Top 10 BicycleFriendly Cities Askmen 2015 Bicicletas Bike Friendly Cities Walkscore 2015a Pedestres Walk Score Walkscore 2015b Pedestres Hpes Walkability Index HPE 2015 Transporte público 10 Best Cities for Public Transportation US News 2015 Transporte público Americas 10 Best Cities for Commuting on Public Transit Wired 2015 Transporte público Best US Cities for Public Transit Walkscore 2014c Transporte público Ten Cities Have The Best Public Transit In The World Jalopnik 2014 Segurança Safest and Most Dangerous US Cities Infoplease 2014 Congestionamento Urban Mobility Scorecard Inrix 2015 Congestionamento TomTom Traffic Index Tomtom 2015 Fonte Elaboração de Machado Piccinini Nesses rankings as cidades são pontuadas quanto à acessibilidade à in fraestrutura para bicicletas e para pedestres ao transporte público à segurança no trânsito e aos níveis de congestionamento Tabela 6 Não há referências de rankings que indiquem melhorias outcomes na acessibilidade affordability da 416 população mais vulnerável ou que apontem as cidades mais equitativas em rela ção à mobilidade em bairros periféricos Verificase no entanto que uma cidade que apresenta melhores condições de mobilidade tende a tornarse objeto de investimentos e de turismo como é o caso de Copenhagen e Amsterdam Como exemplo demonstrativo da abordagem aqui adotada comparou se as cidades ranqueadas pelo Copenhagenize Index581 com os resultados encontrados em rankings que posicionam as cidades como mais verdes mais inteligentes mais caras para viajar e em relação ao custo de vida Tabela 7 Tabela 7 Posicionamento das cidades europeias em relação aos rankings 2015 Posição no ranking Rankings de cidades Copenhagenize Index Greener cities Smarts cities More expensive to travel Cost of living 1º Copenhagen Copenhagen Copenhagen Zurich Zurich 2º Amsterdam Stockholm Amsterdam Bergen Geneva 3º Utrecht Oslo Vienna Londres Bern 4º Strasbourg Vienna Barcelona Veneza London 5º Eindhoven Amsterdam Paris Helsinki Copenhagen 6º Malmö Zurich Stockholm Amsterdam Oslo 7º Nantes Helsinki London Stockholm Paris 8º Bordeaux Berlin Hamburg Copenhagen Dublin 9º Antwerp Brussels Berlin Oslo Milan 10º Seville Paris Helsinki Interlaken Vienna Fonte Copenhagenize Design Company 2015 Siemens 2015 COHEN 2015 Forbes 2014 Mercer 2015 adaptado por Machado Piccinini Ao analisar a Tabela 7 percebese que há uma repetição das cidades elenca das ainda que com algumas alternâncias de suas posições nos diferentes rankings É interessante observar que as cidades mais cicláveis mais verdes e mais in teligentes também são as de maior custo de vida e as mais caras para viajar mais caras portanto para visitantes e moradores evidenciando uma correlação entre qualidade de vida e renda Neste sentido e com esta abordagem seria possí vel inferir que a livability urbana recuperada pelo uso da bicicleta seria também uma estratégia de marketing do planejamento estratégico de mercado 581 Ranking que classifica as cidades europeias que mais incentivam o uso da bicicleta 417 Essa leitura é um indicador de que há uma pressão das empresas e dos governos por oferecer mais qualidade de vida urbana com mais espaços verdes mais ciclovias etc para cidadãos de alto poder aquisitivo ou seja para aqueles que podem pagar pela qualidade de vida urbana Ainda que essa qualificação das cidades seja um avanço em relação à cidadefordista onde os subúrbios são conectados por meios de transporte de massa e vias expressas onde o automóvel é protagonista o cidadão comum de baixa renda permanece alijado desta propos ta ou seja a qualificação urbana não está disponível para todos principalmente não está acessível para os mais pobres Ao fazer um comparativo entre as cidades consideradas mais cicláveis pelo Copenhagenize Index com sua respectiva distribuição modal ver Tabela 8 percebese que não há de fato uma correspondência direta e absoluta entre a distribuição modal e o posicionamento das cidades no ranking Segundo a dis tribuição do uso da bicicleta Eindhoven deveria estar em primeiro lugar entre as cidades europeias mais cicláveis Essa verificação reforçaria o papel do plane jamento estratégico nesse tipo de ranking ou de outro modo poderia ser ques tionada a metodologia adotada para sua construção em termos de lógica interna Há que se observar os altos percentuais de uso do automóvel nas cidades listadas como Bordeaux que aparece em quinto lugar no Copenhagenize Index com 67 das viagens realizadas por esse meio O protagonismo do automóvel como meio de deslocamento nessas cidades poderia indicar que embora investimentos em infraestrutura para ciclistas seja essencial para a criação de redes de transporte ativo não são suficientes para mudar o comportamento da população Tabela 8 População e distribuição modal das cidades ranqueadas pelo Copenhagenize Index em 2013582 Posição Cidade População Distribuição modal A pé Bicicleta Automóvel Transporte Público 1º Amsterdam 559000 20 22 38 20 2º Copenhagen 583348 20 26 33 21 3º Utrecht 312634 17 26 41 16 4º Seville 271782 37 6 35 22 5º Bordeaux 216157 21 3 67 9 6º Nantes 313000 27 5 52 16 7º Antwerp 287845 20 23 41 16 582 Foi considerado o ranking de 2013 para possibilitar a comparação com os dados de distribuição modal e popula cional de 2012 418 8º Eindhoven 239157 13 40 42 5 9º Malmö 514432 15 22 42 21 10º Berlin 703206 30 13 31 26 Fonte Copenhagenize Design Company 2015 EPOMM 2015 adaptado por Machado Piccinini O discurso progressista a favor da sustentabilidade ambiental e da inclusão urbana dada pelo ciclismo não está imune às desigualdades históricas presentes nas cidades e tampouco ao seu uso pelo mercado com o objetivo de construir um diferencial para a cidade commodity no contexto da rede de cidades glo bais O uso da bicicleta aliado à livability está associado à gentrificação o que leva a levantar sérias perguntas sobre a promoção e o investimento público direciona do à bicicleta e à caminhada que são as formas mais democráticas e socialmente justas formas de acessar a cidade A assim denominada gentrificação ambiental acompanha ou é acompanhada por medidas relacionadas à mobilidade que pro porcionam melhoria da qualidade de vida no entanto é necessário que se faça a pergunta Quem está sendo beneficiado com a ideia de sustentabilidade urbana com a livability e com as soluções para a mobilidade nas condições em que estas ideias vêm sendo implementadas MOBILIDADE E GENTRIFICAÇÃO NAS CIDADES NORTE AMERICANAS Ainda que os estudos sobre o processo de gentrificação terem iniciado na In glaterra é nas cidades norteamericanas que esse fenômeno ganha maior dinâmica dados os processos de suburbanização e de abandono das áreas centrais ocorrido na primeira metade do século XX Essa migração interna envolveu as classes média e alta estimulada pelas políticas públicas do governo norteamericano Nos anos 1960 há uma reversão deste fluxo e se dá o retorno das pessoas de maior poder aquisitivo e de investimentos para as áreas centrais Em 1985 Brian Berry geógrafo e planejador urbano identifica as alterações causadas por esse processo sob a ótica do mercado imobiliário Berry identifica que i metade da população é composta por casais jovens ii existe uma forte proporção de residências sem crianças adul tos solteiros iii alto grau de escolaridade iv diminuição na taxa de vacância dos imóveis v majoração dos valores de propriedade e vi deslocamento dos antigos locatários Agrupando estes aspectos em dois conjuntos temse alterações no mer cado imobiliário majoração dos preços reformas incremento nas licenças de cons trução e vendas e alterações nas características dos domicílios tamanho da família educação renda etc Atualmente pesquisas relacionam a adoção de medidas para reduzir o uso do automóvel como incentivo às bicicletas e à caminhada como 419 um fator de elitização dos bairros O processo de gentrificação afeta diferentemente grupos sociais e étnicos as sim como as funções urbanas e a mobilidade Em pesquisa realizada em Chicago entre 1975 e 1991 encontrouse evidências de que as propriedades localizadas pró ximas aos terminais de transporte eram mais valorizadas do que as mais distantes Um estudo da Brookings Institution comprovou que a distância para o trabalho se altera conforme a etnia ao encontrar que de 2000 a 2012 a proximidade do local de trabalho da área residencial diminuiu 17 para hispânicos e 14 para os negros en quanto que para os brancos aumentou em 6 Ao investigar a relação entre a gentri ficação e o modal de transporte para ir ao trabalho em cidades canadenses Danyluk e Leyr encontraram que as pessoas que moram nos bairros gentrificados preferem usar a bicicleta do que o transporte público e que em bairros não gentrificados os residentes optam pelo automóvel Essa constatação tende a identificar que os bairros gentrificados possuem maior infraestrutura para bicicletas ou ainda que o local de moradia é próximo ao local de trabalho do que em bairros mais populares O incremento nas políticas públicas norteamericanas de promoção do ciclismo está associado principalmente em reduzir a dependência do automóvel e promover a saúde pública No entanto tais políticas ficaram concentradas nos centros e em bairros gentrificados próximos aos distritos universitários de cidades centrais como New York Chicago e Portland A pesquisa realizada pela League of American Bicyclists aponta as dez cidades que apresentaram maior evolução do percentual de uso da bicicleta como modal para ir ao trabalho ver Figura 1 Figura 1 Crescimento percentual do uso da bicicleta para ir ao trabalho nas cidades nortea mericanas Fonte League of American Bicyclists 2015 420 No gráfico da Figura 1 depreendese uma tendência de crescimento do uso de bicicleta para ir ao trabalho sendo mais significativo a partir dos anos 2000 Em doze anos 20002012 quatro cidades apresentaram um crescimento de dois pontos percentuais Portland Minneapolis Washington e Seattle em bora este incremento continue baixo ao ser comparado aos índices das cidades europeias Verificar Tabela 8 Ao analisar os dados dos deslocamentos em bicicleta por motivo e renda obtidos pela última National Household Travel Survey NHTS realizada em 2009 percebese a predominância do seu uso para o lazer em todas as classes de renda ver Figura 2 Os dados referentes às pessoas de menor renda abaixo de 20000 apontam uma maior distribuição do uso da bicicleta pelos diversos motivos o que pode indicar que a bicicleta é o meio mais acessível para essas pessoas se deslocarem no ambiente urbano o que contrasta com a concentra ção dos investimentos em áreas gentrificadas apontadas por Pucher e Buehler Ou seja os investimentos não acompanham as necessidades das pessoas mais vulneráveis Social ou lazer Familiar ou pessoal Trabalhar Ir à escola ou igreja Figura 2 Percentual de viagens por bicicleta por renda e motivo Fonte Alliance for biking and walking 2016 Em São Francisco o crescimento e a institucionalização da cultura da bici cleta na política urbana juntamente com a produção de um espaço urbano mais habitável está sincronizado com o processo de gentrificação De 1996 a 2001 um estudo sobre a infraestrutura de bicicleta urbanidade e crescimento econô mico realizada pelos membros da San Francisco Bicycle Coalitation usou a Valen cia Street então principal corredor dos trabalhadores latinos como laboratório para verificação de medidas de integração da bicicleta na cidade Constatouse que neste intervalo de tempo os aluguéis subiram em até 225 no entorno da área de intervenção e o valor dos imóveis superou em até três vezes o da média nacional Esse processo trouxe um novo perfil de moradores e um comércio mais sofisticado583 seguido de um remanejamento da população latina para bairros 583 Stehlin 2015 421 sem infraestrutura cicloviária obrigandoos a pedalar na via junto dos automó veis584 Reconhecidamente uma cidade global Nova York lançou em 2007 o PlaNYC 2030 intitulado A Greener Greater New York uma estratégia focada na sustentabilidade urbana para atrair investimentos Para criar capitalfriendly traçou metas de redução das emissões promovendo modos alternativos de transporte Des de então o Departamento de Trânsito DOT trabalha para melhorar o transporte público o espaço para pedestres e ciclistas585O investimento em áreas públicas ocasionou o aumento dos aluguéis como por exemplo o caso da Times Square que registrou uma valorização de 71 após a instalação de uma praça No Hud son River Park Trust a presença de uma ciclovia ao longo do rio elevou o valor das propriedades em torno de 20 Estes são exemplos que permitem examinar ações urbanas promovidas pelo Estado em associação a interesses privados que desinte ressadas dos resultados trazem impactos negativos para os moradores mais pobres O DOT reconhece publicamente que o programa de redesign das ruas é uma estratégia para atrair capital com a criação de espaços seguros e atrativos um lugar onde as pessoas queiram estar A concentração de ciclovias em Manhattan e noroeste do Brooklyn reforça a impressão de que a gentrificação é seguida pelo planejamento cicloviário e viceversa ou seja refletem e reproduzem as injustiças relacionadas à mobilidade em termos de classe raça e localização A falha mais importante desse processo é que melhoramentos viários ou mesmo ciclovias não são levadas para os bairros de trabalhadores Queens Bronx Pelham Bay onde são socialmente mais necessários586 Flanagan revela que há evidências de que as comunidades pobres não re cebem investimentos em infraestrutura de ciclismo sem que conste a presença da classe A ao aplicar um modelo de regressão linear nas cidades de Chicago e Portland Também encontrou que as comunidades de baixa renda e etnias não brancas são as últimas a receber investimento público ou privado para incremen tar a infraestrutura para bicicletas587 Em seu modelo Flanagan usou variáveis como distribuição geográfica da infraestrutura para bicicletas ciclovias e esta cionamento distância do centro distância de estações de transporte público densidade com indicadores de gentrificação percentual de pessoas não brancas unidades alugadas renda desemprego idade graduação É fato que a infraestrutura para bicicletas se tornou um símbolo impor 584 Flanagan 2015 585 NYC 2015 586 Stein 2011 587 Flanagan 2015 422 tante para vender a ideia de revitalização de sustentabilidade e de uma vida sau dável588 Mas a bicicleta também possui uma perspectiva social como meio de transporte acessível viável econômico e ambientalmente sustentável As ações em prol da mobilidade ativa deveriam ir além das propostas do planejamento da cidademercadoria deveriam envolver formas de garantir sua aplicação por todo o território urbano criando redes de acesso dos moradores mais vulneráveis à cidade de maneira permanente e includente MEGAEVENTOS AS OBRAS DE MOBILIDADE PARA A COPA DO MUNDO DO BRASIL Os megaeventos sejam eles culturais políticos ou esportivos possuem ca racterísticas comuns são eventos de grande escala têm forte apelo popular têm relevância internacional atraem a atenção da mídia global e são vistos como uma oportunidade e alavancar a economia local Para além de novos equipamen tos urbanos e melhorias implantadas anunciase um legado para as cidades sede através de grandes investimentos públicos atração de capitais geração de emprego e renda que gerariam benefícios indiretos advindos da oportunidade de inserir o paíscidadesede na rota do turismo mundial589 No entanto cabe lembrar que em si mesmo a provisão de infraestrutura não garante o bemestar e o direito à cidade como veremos a seguir No Brasil os megaeventos intensificaramse na segunda década do século XXI quando o país foi sede da Copa das Confederações 2013 da Jornada Mundial da Juventude 2013 do Rock in Rio 2013 e 2015 da Copa do Mun do de Futebol 2014 e dos Jogos Olímpicos 2016590 Dentre esses eventos a Copa do Mundo FIFA e os Jogos Olímpicos de Verão utilizaramse do receituá rio do planejamento estratégico empresarial modelo replicado fielmente desde as Olimpíadas de Barcelona em 1992 Em 2007 ano em que o Brasil foi sorteado para sediar a Copa do Mundo de 2014 o Governo Federal também lançou o Programa de Aceleração do Crescimento PAC O PAC foi um plano estratégico para promover a retomada do planejamento e da execução de grandes obras de infraestrutura social urbana logística e energética no país e com isso aumentar a oferta de empregos e geração de renda Somente para as obras da Copa o país investiu mais de 25 bilhões de reais em infraestruturas nas 12 cidadessede valor relativamente superior ao que foi investido na Alemanha e na África do Sul paí ses sede das duas últimas copas em 2006 e 2010 respectivamente Dos 25 bilhões 588 Stehlin 2015 589 Santos Junior 2012 590 Freitas et al 2014 423 119 bilhões de reais destinaramse à execução de obras de mobilidade urbana591 ou seja 48 dos investimentos públicos O detalhamento das obras de infraestrutura de mobilidade urbana é rela cionado na Tabela 9 que apresenta além dos custos o percentual de execução o número de remoções a valorização imobiliária e as denúncias realizadas pe los movimentos sociais em cada uma das cidadessede As obras de mobilidade previstas para a cidade de Manaus não chegaram a ser contratadas devido a ir regularidades nos projetos e nas licitações denunciadas pelo Ministério Público Federal592 Salientase que em nenhuma das cidadessede as infraestruturas esta vam 100 executadas a tempo para a Copa que aconteceu em agosto de 2014 Observase que na sua maioria as obras envolveram a abertura ampliação ou duplicação do sistema viário devido ao sistema de transporte público adotado BRT593 processo que exigiu a desapropriação de quase 12000 imóveis atingiu 108 mil pessoas segundo os números oficiais 250 mil pessoas segundo denún cias dos movimentos populares594 Outro impacto que merece destaque é a supervalorização imobiliária das áreas onde aconteceram as intervenções financiadas com dinheiro público em especial em torno dos projetos de mobilidade O setor imobiliário dependendo da cidade e da área de intervenção trabalha com índices de valorização que variam de 26401 no Rio de Janeiro e 21680 em São Paulo no período 20082014 Essa valorização de imóveis no Brasil causou estranheza pelo momento histórico mundial na época póscrise de 2008 crise determinada pela bolha imobiliária nos Estados Unidos Nenhum outro país viveu valorização imobiliária tão grande como a ocorrida no Brasil Em uma comparação entre 54 países realizada por bancos centrais de todo o mundo mostrou que o preço médio dos imóveis bra sileiros subiu 1216 no período póscrise de 2008 superando mercados aque cidos como o de Hong Kong cujo metro quadrado ficou 1014 mais caro em cinco anos e foi praticamente o dobro da observada em Kuala Lumpur na Malásia 625 e em Cingapura 616595 Tabela 9 Projetos de mobilidade urbana nas cidadessede da Copa 2014 591 Ancop 2014 Brasil 2014c 592 Estavam previstas duas obras para Manaus o monotrilho NorteCentro e o BRT do eixo LesteOeste O mono trilho com orçamento de R 1554 bilhão foi alvo do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas por suspeitas de várias irregularidades como falhas no projeto e falta de estudos técnicos e do Ministério Público Federal para não contratação do financiamento O BRT que possuía um orçamento inicial de R 2907 milhões teve seu edital questionado por parte do Ministério Público Federal Portal da Copa 2012 593 BRT sigla para Bus Rapid Transit é um sistema de transporte sobre pneus de alta capacidade ônibus biarticula dos que deve operar em vias segregadas exclusivas corredores de ônibus garantir o embarque e desembarque em nível na plataforma apresentar velocidade comercial elevada assegurar o pagamento antecipado da passa gem e providenciar informações aos usuários através da central de controle operacional Castro 2013 594 Ancop 2014 Brasil 2014a 595 Nakagawa 2014 424 Investimentos Percentuais de execução Remoções associadas às obras Valo rização Imobiliária Vendas VIV e Denúncias relatadas pelos movimentos sociais Cida dese de Projetos Descrição Investi mento R mil Execução Dez2014 Remo ções imó veis VIV 200814 Denúncias dos movi mentos sociais Belo Hori zonte BRT Viário Corredor Monitora mento 14134 318 10495 BRT Anto nio Carlos Pedro I Ligação viária entre aeroporto e área central 7264 9120 318 Ações higienistas e abordagens violentas contra trabalhadores e moradores de rua pri são massiva de flaneli nhas opressão contra prostitutas enquadra mento de pichadores e grafiteiros proibição de feiras de rua Corredor Pe dro II BRTs Antonio CarlosPedro I e Cristiano Machado Adequação viária na Av Pedro II para criação de corredor de ônibus 1616 9150 ni BRT Área Central Requalificação viária integração de sistemas BRT e implantação de 6 estações de transferência 755 100 ni Expansão Central Controle de Trânsito Ampliação do sistema de con trole de tráfego 316 100 Via 210 Interligação viária entre Via do Minério e Av Teresa Cristina 1296 100 ni BRT Cristia no Machado Implantação BRT pavimen tação passarelas e 3 estações de transferência 553 100 ni Boulevard ArrudasTe reza Cristina Requalificação viária 2334 100 ni Brasí lia Viário 542 ni 3313 425 Ampliação da DF047 Ampliação capa cidade viária de acesso aeroporto 542 100 ni Cuiabá Corredor VLT Viário 17065 394 nd Corredor Mário An dreazza Duplicação da avenida com implantação de faixa exclusiva para ônibus 529 95 74 VLT Cuia báVárzea Grande VLT ligação entre aeroporto à região hote leira e centro de Cuiabá e centro político do estado 15776 6460 320 Adequação viária 1 Obras de acessi bilidade à Arena Pantanal 76 78 ni Curiti ba Monito ramento Corredor BRT Viário 5265 91 3672 426 Sistema integrado de monitora mento M Implantação sis tema de controle e monitoramen to do tráfego 613 9850 x Além das remoções projetos de revitali zação acarretariam na expulsão de 2700 pessoas em situação de rua Requalifi cação do Corredor Mal Floriano M Ligação região central à Região metropolitana 394 99 21 Corredor Aeroporto Rodoferro viária M Ligação rodo ferroviária da divisa municipal com setor hote leiro e estádio 1653 99 27 BRT Exten são Linha Verde Sul M Extensão da LVS e obras de requalificação do corredor Mal Floriano 281 97 ni Corredor Aeroporto Rodoferro viária E Ligação aero porto à divisa municipal 652 59 ni Requalifica ção Terminal Sta Cândida Reforma ampliação e requalificação terminal e acesso de veículos e pedestres 126 42 ni Vias de integração radial Metro politana Vias radiais de integração da Região metropo litana 563 5420 43 Requalifica ção da Rodo ferroviária Melhoria aces sos abertura e recuperação de vias e da edifi cação 478 100 ni Requalifica ção corredor Mal Floriano E Corredor aero portorodofer roviária à divisa municipal 305 56 ni Sistema integrado de monitora mento E Implantação e modernização do sistema de monitoramento da região metro politana 20 5090 x Forta leza VLT BRT Viário 6519 2786 7594 427 VLT Pa rangaba Mucuripe VLT conec tando terminal intermodal de Paranga à re gião hoteleira e portuária 3075 5110 2185 Remoções de 3500 famílias em função das obras de amplia ção da Via Expressa e da construção do Ramal Parangaba Mucuripe do VLT As comunidades que so frem ameaça de remo ção são Comunidade do Trilho Lagamar Rio Pardo Jangadei ro da Trilha Oscar Romero São Vicente Aldaci Barbosa João XXIII e Mucuripe Eixo via ex pressa Raul Barbosa Ligação entre zona hoteleira e aeroporto 152 1590 272 BRT Av Dedé Brasil BRT entre terminal da Pa rangaba e Arena Castelão 416 910 137 Estações Pe Cícero e JK Implantação de 2 estações na Linha Sul do Metrô 435 5290 ni BRT Av Paulino Rocha Ligação da BR116 à Arena Castelão com Terminal da Parangaba 659 7230 44 BRT Av Alberto Craveiro Ligação Aero porto à Arena Castelão com plementando ligação com região hoteleira 414 7460 148 Ma naus nd Natal Viário Corredor 444 375 nd Acesso ao Aeroporto São Gonçalo do Amarante Implantação dos acessos ao novo aeroporto à BR304226 e à BR406 731 3250 345 Falta de diálogo entre moradores e o poder público ausência de participação nos projetos e pouca informação quanto à situação dos morado res da região Corredor estruturante Zona Norte Estádio Ligação Zona Norte ao Estádio obras de arte paradas calçadas e sinalização viária 3709 6630 30 Porto Alegre Viário 167 3482 2788 Pavimenta ção entorno estádio BeiraRio Pavimentação do entorno do Estádio Beira Rio 87 85 Enquanto meios de comunicação oficiais estimam que pelo menos 4500 famílias sejam retiradas de suas casas entidades da sociedade civil acredi tam que esse número pode chegar a 10 mil famílias Obras viárias M Ampliações e ligações viárias 3472 Acesso Estádio BeiraRio Construção de 3 vias de acesso ao Estádio 8 100 10 Recife Viário Cor redor BRT 10271 1830 10114 428 Viaduto da BR408 Construção viaduto ligando BR408 à Cida de da Copa 25 100 Falta de transparência de espaços de partici pação social e diálogo sobre o processo da Copa Famílias remo vidas denunciam os baixos valores ofere cidos pelos imóveis e atrasos no pagamento das indenizações Corredor Caxangá Corredor BRT ligando Região LesteOeste 1461 79 119 Terminal Cosme e Damião Implantação de terminal de ônibus integrado à estação Cosme e Damião do metrô 245 100 50 BRT Norte Sul BRT ligando terminal integra do Igarassu ao centro conec tando à estação de metrô Recife 1977 78 6 BRT Leste Oeste Ramal Cidade da Copa BRT ligando Corredor Ca xangá LO ao Terminal Cosme e Damião à Cidade da Copa e à BR408 196 92 195 Corredor da Via Mangue Liga região cen tal aos bairros de Boa Viagem e Pina 4304 9950 1460 Entorno Arena Per nambuco Estação me trô Cosme e Damião Construção da estação de metrô Cosme e Damião Linha Centro 74 100 ni Rio de Janeiro Viário BRT 22567 2304 26401 Reurbaniza ção entorno Maracanã e ligação Quinta Boa Vista 1ª Fase Calçadões ciclo vias paisagismo urbanização do entorno e 2 passarelas interli gando os 2 lados da linha férrea 109 100 x As comunidades sofrem pressões para abandonar a região e aceitar o valor das indenizações ofere cido pela Prefeitura As remoções aconte ceriam em área reser vada à habitação de interesse social ZEIS definida pelo Plano de Estruturação Urbana das Vargens onde o Estado deveria realizar processos de regula rização fundiária ao invés de despejos BRT Trans carioca Ligação aeropor to Tom Jobim ao Terminal Alvorada 19696 99 2304 Reformu lação e moderniza ção estação multimodal Maracanã Reformulação e modernização da estação Mul timodal Mara canã integração dos sistemas ferroviário e metroviário 1781 92 ni Salva dor Viário Calçadas 196 ni 4283 429 Microaces sibilidade Entorno Estádio Fonte Nova Articulação do estacionamento da arena com sistema viário e intervenções de melhoria no fluxo do tráfego de acesso e do entorno da área microacessibili dade de veículos 124 100 ni Rota de pedestres Recuperação de 48 km de calçadas 72 35 São Paulo Viário 6105 ni 21680 Intervenções viárias no entorno da Arena Ita quera Cinco interven ções viárias e 1 passarela no entorno do Polo de Desenvolvi mento da Zona Leste 6105 98 ni Estimase que mais de 50 mil famílias seriam desalojadas Total 872710 11580 Fonte Elaboração de Machado Piccinini a partir de dados da Matriz de Responsabilida des596 Ministério das Cidades Caixa Econômica Federal597e Índice FipeZapVendas598 Varia ção FipeZapVendas disponível a partir de Ago2010 Variação FipeZapVendas disponível a partir de Jun2012 ni não informada nd não disponível Para além do atraso na entrega devido a inúmeras deficiências599 a reali zação das obras gerou um intenso debate sobre os reais benefícios sociais trazidos à coletividade tanto no que diz respeito à concentração dos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana quanto às remoções de comunidades para 596 A Matriz de Responsabilidades trata das áreas prioritárias de infraestrutura das 12 cidadessede dos jogos da Copa do Mundo de 2014 como aeroportos portos mobilidade urbana estádios segurança telecomunicações e turismo Conceitualmente a Matriz de Responsabilidades é um plano estratégico de investimento no desen volvimento do país que define as responsabilidades de cada ente federativo União estados Distrito Federal e municípios para a execução das medidas conjuntas e projetos voltados para a realização do Mundial por meio das ações constantes nos documentos anexos e termos aditivos O documento original assinado em 13 de janeiro de 2010 pelo então ministro do Esporte Orlando Silva e por 11 prefeitos e 12 governadores Brasília uma das cidadessede não tem prefeito foi ao longo do tempo revisto e atualizado devido a resoluções do Grupo Execu tivo da Copa do Mundo FIFA 2014 Portal da Copa 2014c 597 Ancop 2014 Brasil 2014b Portal da Copa 2014a 2014b 2014c 598 O Índice FipeZap de Preços de Imóveis Anunciados é o primeiro indicador a fazer um acompanhamento siste matizado da evolução dos preços do mercado imobiliário brasileiro Utilizando uma base de dados confiável e robusta tornouse referência como fonte de informações sobre o setor tanto para as famílias como para agentes do mercado e analistas Maiores informações sobre a metodologia de cálculo podem ser conferidas no sítio ele trônico FipeZap 2017 599 O relatório da Controladoria Geral da União que avaliou os empreendimentos de mobilidade urbana da Copa 2014 apontou para a incapacidade de execução de parte dos empreendimentos previamente definidos devido a insuficiência técnica do planejamento e dos projetos de engenharia ao não cumprimento das etapas necessárias desde a concepção projetos sem o desenvolvimento que permitisse a construção e consequente operação Outros empreendimentos não atenderam às premissas básicas dos planos diretores e aos elementos do processo de plane jamento dos sistemas de transportes Desde a instituição da Matriz de Responsabilidades houve uma redução de 32 dos investimentos Vitoi 2013 430 dar lugar aos grandes empreendimentos Souza 2014 Na análise realizada pelo Comite Popular da Copa as obras não foram pensadas para atender áreas mais necessitadas áreas que apresentam os piores indicadores de mobilidade600 pelo contrário os investimentos em transporte ao invés de atenderem à demanda exis tente tornaram possível a ocupação de áreas vazias ou pouco densas promoven do a expansão da mancha urbana É importante destacar que os recursos usados na execução das obras de mo bilidade urbana eram públicos e que no entanto privilegiaram a circulação e aces so às áreas nobres em processo de valorização ao invés de atenderem à demanda insatisfeita acumulada ao longo das últimas décadas de crescimento urbano dadas pelas precárias condições de transporte e circulação dos bairros populares e comu nidades periféricas mais pobres O que se viu foram investimentos em corredores de transporte que abriram novas frentes imobiliárias como foi o caso de Fortaleza RecifeSão Lourenço da Mata Cidade da Copa601 São Paulo e Rio de Janeiro As novas estruturas viárias ligam regiões de interesse de grandes grupos privados como o parque hoteleiro ao aeroporto de Fortaleza ou o Porto de Santos e a região de Itaquera a Cumbica em São Paulo enquanto a população é forçada a se fixar nas periferias dos eixos não atendidos por sistemas de transporte de massa602 Em Fortaleza por exemplo além de os projetos da Via Expressa e do VLT603 se sobreporem geograficamente às demais vias e ao sistema BRT co nectam áreas litorâneas mais valorizadas a zona hoteleira o futuro Acquário Ceara e o Terminal de Passageiros do Porto de Mucuripe local de recepção de transatlânticos de turismo para a Copa ao aeroporto e à região da Arena Caste lão Para abertura dessas vias a população local foi transferida para regiões onde não há previsão de projetos de mobilidade urbana604 Também há controvérsias sobre a implantação do VLT Ramal ParangabaMucuripe em Fortaleza projeto que custou 307 milhões de reais pensado para atender a uma demanda prevista 600 ANCOP 2014 p71 601 A Cidade da Copa localizada em São Lourenço da Mata a 19 km de Recife foi um projeto imobiliário vendido para ser a primeira cidade inteligente da América Latina o maior projeto de expansão urbana já pensado para o Estado No local nos arredores da Arena Pernambuco seriam construídos por meio de PPP Parceria Público Privada mais de 9 mil unidades habitacionais shopping center hotéis hospital centro de convenções hotéis escritórios universidade e hipermercado No entanto além do estádio as demais obras não foram executadas de vido à inviabilidade econômica em 2016 ainda era a vegetação que predomina na área de 220 hectares destinada ao projeto Castilho 2016 Dantas 2015 602 No Brasil os gastos das famílias com transporte vêm aumentando gradativamente nas últimas décadas Na dé cada de 1970 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 112 das despesas das famílias eram despendidos com transporte No início dos anos 2000 passou a ser de 184 e na última década esse percentual chegou a 196 o que equivaleria aos gastos com alimentação no mesmo período ANCOP 2012 603 VLT é a sigla para Veículo Leve sobre Trilhos ou Light Rail Vehicle LRV na língua inglesa Tratase de um sistema de transporte coletivo sobre trilhos implantados sobre a via metrô de superfície que é compartilhada por pessoas automóveis e bicicletas Opera com energia limpa sistema elétrico porém os custos e o tempo para sua implantação representam o dobro do sistema BRT Castro 2013 604 ANCOP 2012 431 de 90 mil passageirosdia conforme estudo elaborado pela consultoria espanhola Eptisa encomendado pelo Governo do Estado Essa expectativa de passageiros é contestada por ser considerada superdimensionada uma vez que os estudos sobre a demanda estimada pressupõem a migração de usuários do sistema de ônibus o que não necessariamente acontece já que as linhas de ônibus têm roteiros muito mais extensos e paradas mais frequentes que o VLT além de rotas bem mais lon gas que passam por lugares muito distantes do Ramal do VLT605 No Rio de Janeiro cidade que recebeu o maior volume de recursos públicos também houve desigualdade na distribuição dos investimentos A revolução nos transportes prometida pelo poder público através das obras Transcarioca Transo límpica Transoeste e o metrô LagoaBarra não aconteceu No contexto das inter venções no sistema de mobilidade para a Copa de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016 não houve um planejamento integrado que considerasse as dimensões metropoli tanas Privilegiouse zonas nobres da cidade a valorização imobiliária e a expansão urbana Deixouse de atender a demanda por serviços de transporte de massa para comunidades onde o serviço de transporte coletivo oferecido se configura como caro precário e insuficiente para a demanda existente606 Assim a oportunidade de planejar e financiar infraestruturas na escala metropolitana foi desperdiçada em razão da concentração territorial das inter venções e da insistência no modelo rodoviarista que reproduz mais uma vez práticas políticas concentradoras e antidistributivas que tendem a acentuar as desigualdades socioespaciais Podese dizer que as intervenções realizadas amenizaram mas foram insu ficientes para resolver o problema da mobilidade ao não contemplarem Propostas a nível regional uma vez que as cidadessede todas capitais de Estados são polos de regiões metropolitanas que recebem populações de cidades vizinhas que se deslocam diariamente por motivo de trabalho ou estudo Pouca ou quase nenhuma infraestrutura foi realizada para os deslocamen tos não motorizados como a pé ou de bicicleta foram executadas contradizendo os princípios e diretrizes da mobilidade urbana presentes na Lei 125872012 Não acarretaram na redução do valor das tarifas no tempo dispendidos nos deslocamentos na redução das distâncias melhorias que poderiam a priori advir dos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana607 605 Romeiro Frota 2015 606 Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro 2013 607 ANCOP 2014 432 CONSIDERAÇÕES FINAIS As propostas e o processo de globalização ao elevar as cidades a um pata mar que tende a prescindir do Estado desencadeou um processo de competição entre as cidades a partir de um modelo que transpôs o planejamento estratégico empresarial para a realidade urbana O conceito social da cidade foi deslocado para uma visão mercadológica em um processo alicerçado em soluções que ven dem uma boa imagem da cidade ignorando regulamentos e a função social do solo O poder público ao priorizar investimentos para a requalificação urbana ou obras de infraestruturas para megaeventos não se responsabilizam pelo resultado social de suas ações e continuam a reforçar as desigualdades sócioespaciais exis tentes A cidade não é tratada como um todo para todos Os padrões de investi mentos e o processo excludente de tomada de decisões perpetuam as disparidades sócioespaciais ao promover ações cujos resultados privilegiam os grupos de mais altas rendas A política de mobilidade urbana também é utilizada na estratégia de recu peração de áreas urbanas Em cidades europeias e norteamericanas as medidas de mobilidade como restrições ao uso de automóveis ciclovias ruas compartilhadas e reorganização do espaço público valorizam áreas deprimidas e que são interes santes para o capital São medidas que defendem os conceitos e as características identificadas como livability sustentabilidade e qualidade de vida e que trazem como consequência ou como intenção velada poucas vezes colocada em discus são a gentrificação que leva à elitização sócioespacial com a expulsão de grupos vulneráveis das áreas objeto das intervenções A gentrificação surge como uma das consequências do urbanismo neoliberal usado pelos gestores urbanos para atrair capitais Para acirrar a competitividade entre as cidades rankings de melhores ci dades são criados classificandoas como mais cicláveis mais caminháveis as que possuem o melhor transporte público Nas cidades europeias defendese a imagem da cidade sustentável verde limpa de baixas emissões Já nas cidades norteamericanas predomina a valorização de cidades mais saudáveis Em ambos os casos a valorização imobiliária e a gentrificação estão associadas às medidas de mobilidade Os espaços públicos requalificados e todas as facilida des advindas dessas condições morar perto do trabalho caminhar ou ir de bici cleta para o trabalho à escola a proximidade aos espaços de convivência áreas verdes etc são oferecidas apenas aos grupos mais privilegiados No Brasil vivenciouse uma série de megaeventos na segunda década dos anos 2000 em especial a Copa do Mundo FIFA 2014 e as Olimpíadas em 2016 acompanhados pelos investimentos advindos do Programa de Aceleração do 433 Crescimento Destacouse os altos investimentos em obras de infraestrutura para a mobilidade urbana nas cidadessede contribuíram para a valorização imobiliária e ao mesmo tempo foram responsáveis pela remoção de milhares de moradores de baixa renda características da gentrificação O Estado tampouco se preocu pou em planejar infraestruturas de mobilidade com características regionais que integrassem a massa de trabalhadores residentes nas cidades das regiões metropo litanas Houve ao contrário a mercantilização e da expansão da mancha urbana percebidos nas escolhas das tipologias das infraestruturas de mobilidade BRT e VLT e de sua localização Sugerindo que tais investimentos seguiram estratégias do mercado imobiliário para valorização e ocupação de novas áreas urbanas Essas considerações são importantes na reflexão sobre as possibilidades da política pública de mobilidade nas cidades brasileiras a ser implantada através dos Planos de Mobilidade Urbana PMU As diretrizes dessa política seguem orientações globais de sustentabilidade e devem incentivar a mobilidade ativa e o transporte público Porém como foi visto as medidas de mobilidade trazem per se uma tendência à gentrificação ao requalificar os espaços públicos Nesse sentido seria importante que o conteúdo dos PMUs busque o equilíbrio na dis tribuição de ações em todo o território da cidade e atente para os efeitos perversos das intervenções principalmente as remoções e a valorização imobiliária Assim seria importante que as propostas nos planos apontassem normas cujo objetivo fosse impedir o processo de gentrificação ao estabelecer critérios de justiça social que façam cumprir a função social da cidade Nesse sentido os PMUs podem ser agentes de transformação dos espaços urbanos tornandoos realidades mais igualitárias e includentes O presente trabalho chama a atenção e recomenda a possibilidade de os PMUs tornaremse promotores de oportunidades reais ás parcelas mais pobres da população com resultados positivos para todos os moradores urbanos A política pública deve aprender com suas experiências e se pode afirmar que há exemplos suficientes de situações de gentrificação que podem ser identificadas e portanto evitadas A questão que continua é a necessidade de o planejamento urbano con tribuir para superação da injustiça sócioespacial REFERÊNCIAS ABRAMO P A cidade comfusa A mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latinoamericanas Revista brasileira de estudos urbanos e regionais ANPUR 2007 vol 9 nº 2 p2553 ANCOP Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e Olimpíadas Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil on line Dossiê da articulação nacional dos comitês populares da copa 2012 httpwwwapublicaorgwpcontentuploads201201DossieViolacoesCopapdf 31 de 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do deslocamento dos residentes estabelecidos e o enfoque eufemístico na mescla social fazem parte de um padrão maior de invisibilidade da classe trabalhadora na esfera pública e análise social Esta desaparição do proletariado na cidade é reforçada pela crescen te heteronomia da pesquisa urbana à medida que esta se torna mais intimamente ligada aos interesses das classes dominantes Ambas tendências por sua vez reve lam e protegem a mudança do papel do estado de provedor de apoio social para as classes mais baixas a fornecedor de serviços para negócios e amenidades às classes urbanas média e alta entre elas a limpeza de detritos físicos e humanos gerados pela desregulação econômica e retração da assistência social das áreas construídas e ruas Para criar melhores modelos da relação em mutação de classe e espaço na cidade neoliberal precisamos realocar a gentrificação para um quadro analítico mais amplo e robusto ao revisar a análise de classe para capturar a deformação do proletariado pósindustrial resistindo às seduções das problemáticas préfa bricadas de diretrizes e dando lugar de destaque ao estado como gerador de inequidade sócioespacial O provocativo artigo de Tom Slater sobre a evicção das perspectivas críticas na pesquisa sobre gentrificação é um toque de despertar atual para os 608 Texto originado de Eventos e Debates no Simpósio sobre Tom Slater O Despejo de Perspectivas Críticas da Pesquisa de Gentrificação publicado em língua inglesa com o título Relocating Gentrification The Working Class Science and the State in Recent Urban Research na revista International Journal of Urban and Regional Research Vol321 2008 paginas 198205 DOI 101111j14682427200800774x tradução para o português feita por Elisa Goulart Tavares 609 Loïc Wacquant é professor de sociologia na University of California em Berkeley e investigador do Centre de Sociologie Européenne em Paris Os seus interesses incluem a incorporação a dominação etnoracial a desi gualdade urbana a penalização e a teoria social Em português tem publicados os livros Corpo e Alma Notas Etnográficas de um Aprendiz de Boxe Relume Dumará 2002 O Mistério do Ministério Pierre Bourdieu e a Política Democrática Revan 2005 Onda Punitiva O Novo Governo da Insegurança Social Revan 2007 e As Duas Faces do Gueto Boitempo 2008 É cofundador e editor da revista interdisciplinar Ethnography e foi colaborador regular do Le Monde diplomatique entre 1994 e 2004 loicuclink4berkeleyedu 440 estudiosos de classe espaço e políticas na cidade O estudo aponta para uma tendência de guinada surpreendente e preocupante nos recentes estudos sobre gentrificação onde a tomada de distritos da classe trabalhadora por residentes e atividade das classes média e alta é apresentada genericamente como um bem coletivo benefício vantagem Ao focar estreitamente nas práticas e aspirações dos gentrificadores através de filtros favoráveis nas lentes conceituais aplicadas de forma a negligenciar quase completamente o destino dos ocupantes desloca dos e expulsos pelo redesenvolvimento urbano estes papagaios de bolsas de estudo dos negócios reinantes e da retórica do governo que iguala a renovação da metrópole neoliberal como a chegada de um éden social de diversidade energia e oportunidade Mas o diagnóstico de Slater das facetas e causas do que pode ser chamado a gentrificação do estudo sobre gentrificação após o encerramento da era FordistaKeynesiana não aprofunda o suficiente e consequentemente seu cha mado pela reapropriação do termo das mãos daqueles que açucararam o que era até pouso tempo atrás um palavrão Slater 2006 737 corre o risco de ficar aquém do seu objetivo tanto na frente científica quanto na política610 A mudança de uma denunciação dura para uma loquaz celebração da gentrificação a ocultação sobre o deslocamento dos residentes estabelecidos de menor status sócioeconômico dos centros urbanos o foco vago na mesclagem social e na invocação eufemística na residencialização não são desenvolvimen tos isolados peculiares ao estudo de melhorias de bairros Tudo isso toma parte de um padrão mais amplo da invisibilidade da classe trabalhadora na esfera pública e em investigações sociais nas duas últimas décadas Essa desaparição literal e figurada do proletariado na cidade é reforçada pela crescente heteronomia da pes quisa urbana à medida que a última se torna mais intimamente envolvida com as preocupações e objetivos dos governantes das cidades e correspondentemente mais livre de agendas teóricas autodefinidas e autopropelidas Ambas as tendên cias por sua vez revelam confirmam e auxiliam a mudança do papel do estado de um provedor de auxílio social para as populações de baixa renda a fornecedor de serviços e amenidades para grupos urbanos das classes média e alta com destaque entre eles para a limpeza do espaço construído e das ruas dos detritos físicos e humanos forjados pela desregulamentação econômica e pela retração da assistência social de forma a transformar a cidade em um local agradável de e para o consumo burguês Wacquant 2008 Eu desafio cada uma dessas questões para exaltar e amplificar a exortação de Slater à reflexão crítica na pesquisa sobre gentrificação 610 Um argumento mais elaborado que pode ser oferecido aqui pela limitação de espaço discutiria os momentos ana lítico e político em separado e depois procederia para ligálos As razões seriam as mesmas com a gentrificação tal qual é utilizada para escancarar as implicações da polarização urbana de baixo para cima da teoria social e das políticas públicas Wacquant 2007 247256 441 A DESAPARIÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA DA ESFERA PÚBLICA E DA PESQUISA URBANA Qualquer estudo rigoroso sobre gentrificação pareceria ex definitionis juntar as trajetórias dos habitantes mais antigos de classes inferiores e dos re cémchegados de classes mais altas disputando o destino dos distritos renovados já que este nexo de classe forma o cerne do fenômeno Glass 1964 Lees et al 2007 Ainda Slater afirma que as deslocações espaciais e sociais causadas pelas melhorias de bairro praticamente desapareceram das pesquisas recentes e ele argumenta que a razão pela qual a deslocação em si ficou deslocada é es sencialmente metodológica Slater 2006 748 Porém a ausência física desses deslocados das vizinhanças não consegue explicar porque os pesquisadores não ampliam seus campos de observação para capturar suas peregrinações pelo espaço urbano ou por que não se utilizam de diferentes metodologias como rastrear um painel de ex habitantes ou traçar histórias de vida mais amplas no tempo para documentar a turbulência habitacional crescendo no fundo da estrutura urbana Certamente estes obstáculos metodológicos não impediram a geração fundado ra dos estudiosos de gentrificação A evaporação empírica da classe trabalhadora exilada da literatura sobre bairros urbanos renovados não é resultado de técnicas de pesquisa defeituosas ela reflete a fragmentação objetiva da classe trabalhadora industrial na encarnação histórica na qual a conhecemos durante o longo século 18701970 do clímax do industrialismo com a maturação conjunta do regime de produção Fordista e do estado Keynesiano bem como sua correspondente marginalização nos campos político e industrial Com a desindustrialização e a mudança para empregos em serviços desre gulamentados a epidemia de desemprego e instabilidade laboral assim como da universalização do requerimento de níveis mínimos de escolaridade até mesmo para o acesso a funções em que tal especialização não é importante a classe tra balhadora compacta e unificada que ocupou a dianteira da história até a década de 1970 diminuiu foi fragmentada e se dispersou Juntamente com empregados de níveis inferiores os trabalhadores continuam a compor a maioria da popu lação ativa da maioria dos países avançados Marchand e Thélot 1997 Wright 1997 mas sua morfologia tem sido redefinida por crescentes divisões quanto às habilidadesqualificações status empregatício e estratégias de reprodução bem como dispersão espacial Muitos lares da classe operária saíram de imóveis de habitação social e foram para moradias loteadas ou mudaramse para fora dos centros urbanos em busca de acomodações mais baratas Mais crucialmente essas mudanças morfológicas foram acompanhadas por uma desmoralização coletiva e desvalorização simbólica nos debates cívicos e científicos ao passo que sindicatos perderam força e partidos de esquerda moveramse para a direita A classe média 442 instruída e os barões dos setores financeiro cultural e tecnológico que guiam o capitalismo neoliberal agora ocupam tanto o centro cultural quanto o eleitoral seus pontos de vista e aspirações dominam o debate público e orientam tanto as ações de políticos quanto as do governo Há operários claro mas a classe trabalhadora enquanto tal está fora de moda inescrutável imperceptível ou até mesmo invisível611 Em vez de rastrear os mecanismos e modalidades da decomposição de clas se e seus correspondentes espaciais com o mesmo entusiasmo com que ata caram a consolidação de classe e seus conflitos em eras passadas de forma a examinar como a desproletarianização e a casualização estão moldando o emergente proletariado urbano da virada do século pesquisadores deixaram de fazêlo Consequentemente os estudos clássicos das vizinhanças tradicionais das classes operárias dessecadas por Topalov 2003 desapareceram para serem suplantados por questionamentos sobre etnicidade e segregação por um lado e pobreza urbana e criminalidade nas ruas por outro Para cada livro sobre um distrito de classes inferiores focado na estrutura social e no dia a dia entre ope rários como Schwartz 1990 e Kefalas 2003 há uma dúzia de outros centra dos em isolamento racial tensões étnicas e sucessão cultural pe Hartingan 1999 Small 2004 Sharman 2006 Wilson e Taub 2006 e outra dúzia focada em imigração violência e a economia paralela Lepoutre 2005 Smith 2006 Bourgois 1995 Venkatesh 2006 Na base da ordem metropolitana a linguagem de classe foi substituída pelo viés da subclasse nos Estados Unidos e da exclusão na Europa Ocidental sempre que os bairros da classe operária sofreram uma involução e pelos temas de regeneração e renascença nas áreas tomadas pelas classes mais elevadas que migraram de volta à cidade dualizada Quando os pesquisadores da gentrificação ignoram as tribulações da classe operária residente que foi desalojada por aluguéis encarecidos diminuição nas opções de alojamento e políticas estatais que apoiam o desenvolvimento de negócios e assentamento da classe média eles apenas se guem o padrão geral de cegueira de classe dos pesquisadores urbanos mesmo enquanto as desigualdades das classes se acentuam perante seus olhos612 611 Para um contraste brutal com a centralidade da classe operária em eras anteriores da pesquisa inspirada pelo Marxismo ler o relato analítico de Katznelson 1992 203256 de como A Classe Operária Mapeia a Cidade 612 Desde 2000 esta publicação apenas um artigo com as palavras classe operária no título Watt 2006 de um total de nove com a palavra classe mais comumente qualificada como média e seus equivalentes Inte ressantemente dentre os termos mais frequentes nos títulos estão globalização governança exclusão escala movimentação social network empreendimento e etnicidade a saber os ingredientes essenciais da oratória neoliberal Bourdieu e Wacquant 2001 443 A CRESCENTE HETERONOMIA DO QUESTIONAMENTO URBANO O desmanche da classe operária industrial não é a única causa para o seu quase total desaparecimento do questionamento social e para a reencarnação dos seus territórios estabelecidos nas cifras de guetos étnicos e do difamado distrito de vício e violência Wacquant 2007 Outro fator importante atuando aqui é a crescente subserviência da pesquisa urbana às preocupações categorias e humores dos formadores de opinião e políticas Cerca de vinte anos atrás pesquisas sobre classe e política na cidade eram marcadas pelas batalhas das escolas teóricas disputando a dominância intelec tual ecologia humana Marxismo economia política Weberiana e a insurgente corrente culturalista alimentada por teorias de identidade feminismo e pósmo dernismo Logan e Molotch 1982 Walton 1990 Hayden 1986 Porém no novo clima de desencantamento com a política e a retirada do estado gerada pela concorrência do colapso da União Soviética e a crescente hegemonia do neoliberalismo o radicalismo cultural recuou e depois se separou da realidade As falsas promessas do Marxismo e a miragem da virada cultural para pegar emprestadas as palavras de Michael Storper 2001 deixaram uma dolorosa lacuna teórica que foi prontamente preenchida pela atração prosaica de condu zir pesquisas em questões específicas e a pressão de conseguir financiamento613 Atualmente a pesquisa urbana é guiada primordialmente pelas prioridades dos gerentes estatais e as preocupações dos grandes meios de comunicação Um pa norama das recentes investigações sociológicas sobre A Textura da Adversidade na metrópole americana começa neste sentido A década que se estende de 19952005 viu muitas vertentes de pesquisa surgirem entre soció logos qualitativos interessados em pobreza Reformas no sistema de assistência social aprovadas pelo congresso estadunidense em 1996 viraram sua atenção para o mundo de trabalho de baixa renda à medida que começou a ser percebido tanto por jornalistas quanto por estudiosos que a pobreza era muito se não mais um problema de vencimentos inadequados do que da dependência da assistência social Empregadores então surgem como atores cujas expectati vas orientações normativas e distância cultural em relação ao mundo de baixa renda têm um papel importante na distinção entre os que buscam trabalho de virarem histórias de sucesso ou derrotados excluídos Pesquisadores então dedicam renovada atenção aos padrões de formação familiar entre os pobres Newman e Massengill 2006 423 Reformas no sistema de assistência social viraram sua atenção tal tre cho revela muito sobre como os desenvolvimentos políticos e as ondas de finan ciamento que eles criam guiam a agenda intelectual Na década de 1980 as classes desfavorecidas tinham monopolizado a atenção dos pesquisadores estaduni 613 A análise de Milicevic 2001 sobre a desradicalização da Nova Sociologia Urbana dos anos 1960 e 1970 poderia ser estendida com qualificações aplicáveis saindo do nível de interações pessoais para o da estrutura de posições no campo intelectual da GrãBretanha e França aos Estados Unidos 444 denses ao seduzir primeiramente fundações filantrópicas e depois jornalistas e atores políticos com suas conotações raciais e morais desprezíveis Katz 1989 Depois de 1996 tal temática caiu da noite para o dia do palco acadêmico sem qualquer diligência para criar espaço para estudos sobre a valente classe de baixos salários fazendo a transição da assistência social para o trabalho as famílias que os apoiavam os empregadores que corriam para empregálos ou hesitavam em fazêlo os burocratas que supervisionavam suas carreiras contrastar por exem plo Jencks e Peterson 1991 com Hays 1993 Na União Europeia O Programa SócioEconômico de Bruxelas Focado em Exclusão e Integração de forma simi lar afastou pesquisadores dos estudos sobre desemprego em massa e seu impacto espacial na problemática burocrática de exclusão e integração Na França Holanda Alemanha e Bélgica tensões políticas sobre imigração póscolonial e a deterioração dos alojamentos públicos impulsionaram uma onde de estudos e programas de avaliação política sobre mistura de vizinhança construção de comunidade e combate ao crime centrado em bairros da classe operária mas que cuidadosamente evitavam as sutilezas sócioeconômicas da degradação ur bana de forma a seguir os desejos de políticos em colocar território etnicidade e insegurança como filtros que obscurecem a dessocialização do trabalho assala riado e seu impacto nas estratégias de vida e espaço do proletariado emergente Wacquant 2006 Assim quando os pesquisadores de gentrificação oferecem relatos pro missores sobre renovação de vizinhança como uma solução urbana para as mazelas da decadência sócioespacial de forma intimamente ligada à visão dos governantes e das elites econômicas eles andam em boa companhia o seu é apenas um caso mais agudo da comum mazela da heteronomia que aflige com virulência crescente grandes setores da pesquisa social em geral e pesquisa urbana em particular614 O ESTADO COMO AGÊNCIA FAZEDORADELARES E LIMPADORA DERUAS É revelador como nos 26 volumes da Enciclopédia Internacional de Ci ências Sociais e Comportamentais editada por Neil Smelser e Paul Bates 2004 não há uma única entrada sobre gentrificação O termo aparece apenas como 614 Obviamente a disputa entre autonomia e heteronomia é por si só atravessada por tensões e contradições que necessitam ser mapeadas Ocorre que o pêndulo definitivamente se virou para a última Na França por exemplo sociólogos da cidade foram do polo crítico para o polo técnico e da orientação acadêmica para a profissional Lassave 1997 2329 enquanto a geração estruturalista se define por sistematicamente subverter demandas estatais a atual coorte tem como regra acompanhadoas e até antecipado A mutação do trabalho de Jacques Donzelot da crítica fouccaultiana das disciplinas do Estado para promover o Estado como animador da socia bilidade de vizinhança é emblemática dessa correnteza coletiva 445 subtema das entradas Revitalização de Vizinhanças e Desenvolvimento de Co munidade e Vizinhança onde se lê Dentro do grupo das parcerias públicoindividuais o fenômeno que mais se destaca é a gentri ficação o ingresso de residentes de classe médiaalta em vizinhanças de baixa renda normal mente nas proximidades de distritos e cidades com uma vibrante economia Apesar da frequen temente apontada e comumente denunciada consequência de desalojamento dos moradores mais antigos os processos de gentrificação vêm sendo encorajados por câmaras municipais na Europa e nos Estados Unidos especialmente através de regulamentações permissivas e dedu ções fiscais Outro processo nesse grupo é a moradia e a modernização de bairros residenciais As pessoas locais investem seus próprios recursos para melhorar seu ambiente de vida e muitas vezes conseguem receber pelo menos alguma assistência de órgãos voluntários e públicos Por último mas não menos importante a melhoria de vizinhança por imigrantes O que é co mum aos três processos é que eles geralmente começam como investimentos privados espontâ neos que depois recebem algum apoio de agências públicas locais Juntos eles estão mudando partes de nossas antigas cidades e bairros Carmon 2004 10493 Eu cito esse artigo não só porque ele confirma a principal tese de Slater mas porque apesar de mencionar o papel das agências públicas ele vastamente subestima seu tempo amplitude e efeitos Já é hora que estudiosos de gentrifica ção reconheçam que o motor atrás da realocação de pessoas recursos e institui ções na cidade é o Estado Slater 2006 7467 coloca entre as causas da perda das perspectivas críti cas sobre gentrificação a resiliência de embates teóricos que empacaram e este rilizaram o debate Todavia a oposição ritualizada entre a explicação econômica de Neil Smith e a pegada culturalista de David Ley que Slater recapitula como uma metáfora teórica dominante da pesquisa sobre gentrificação é problemática pelo que deixa de fora política regulamento e estado A tese rentgap615 favore cida pelos analistas neomarxistas a abordagem da distinção cultural adotada pelos eruditos neoweberianos ou pósmodernistas que invocam a fraseologia de Bourdieu tão rapidamente quanto desconsideram seus princípios teóricos e a tese da globalização Inspirada por Saskia Sassen todos deixam de fora o papel crucial do Estado na produção não só do espaço mas também do espaço do con sumidor e dos produtores de habitação Logan e Molotch 1987 estavam certos ao insistir que o lugar não é um bem comum mas um campo de batalha entre o uso e o valor de troca Mas eles não foram longe o bastante em suas especifica ções dos parâmetros daquela batalha e de acordo com o bom senso nacional dos EUA eles subestimaram grosseiramente o peso do Leviatã nele Pierre Bourdieu 615 NT O termo rentgap é referente aos processos de gentrificação apontase a explicação de Neil Smith que explica o fenômeno como a disparidade entre o nível de renda da terra potencial e a real renda da terra capitalizada sob o seu uso atual da terra Neil Smith New urban frontier gentrification and the revanchist city London Routledge 1996 p65 Portanto o rentgap decorre da desvalorização do capital devida a contínua expansão urbana e a gen trificação está diretamente correlacionada a isso O fenômeno possibilita que investidores comprem os imóveis a preços inferiores para requalificálos com trabalhos de construtoras adquiridos por empréstimos a juros baixos e após as reformas vendêlos a populações com potencial de compra deslocandose assim as populações pobres originalmente situada nessa zona urbana Ocorrendo assim a gentrificação em si 446 2000 2005 3031 mostrou em As Estruturas Sociais da Economia que a habitação é o produto de uma construção social dupla para a qual o estado contribui crucialmente moldando o universo de construtores e vendedores via políticas fiscais bancárias e regulatórias do lado econômico e moldando as dis posições e capacidades dos compradores de casas incluindo a propensão a alugar ou comprar no lado social Essa dupla estruturação estatal do mercado habitacional é então triplica da pela orientação política do planejamento urbano e regional por mais fracas que sejam suas agências Pois como Tedd Gurr e Desmond King 1987 4 nos lembraram há duas décadas aqueles que detém e usam o poder do Estado po dem permitir que o destino das cidades seja determinado principalmente na eco nomia privada mas isso é uma questão de escolha pública em vez de necessidade de ferro O peso do Estado central e local é ainda mais decisivo nos bairros de classe baixa na medida em que os trabalhadores e os pobres são mais dependen tes da provisão pública para acesso à moradia social alugada Harloe 1995 Mas o papel do Estado na gentrificação dificilmente se limita a construir e distribuir moradias ou moldar a reserva de compradores de moradias estendese à gama de políticas que impactam a vida urbana da manutenção de infraestruturas à educação e transporte à provisão de amenidades culturais e policiamento Sem as campanhas de policiamento agressivo das ruas promovidas pela implantação do estado penal em bairros de rebaixamento na década passada Herbert 2006 Wacquant 2008 as classes médias não poderiam ter se mudado para o centro da cidade e a gentrificação não teria crescido além da aspersão de ilhas de revitaliza ção dentro dos mares de decadência Carnon 2004 10493 Em termos mais ge rais a mudança histórica do estado keynesiano da década de 1950 para o estado neodarwinista do fin de siècle praticando o liberalismo econômico no topo e o paternalismo punitivo na base implica uma mudança radical no enquadramento político da modernização da vizinhança Aqui a literatura sobre gentrificação levantada por Slater reproduz para esses distritos a tendência geral de políticas públicas para invisibilizar os pobres urbanos seja dispersandoos como com a demolição e desconcentração de moradias públicas ou contêlos em espaços re servados distritos estigmatizados de perdição e o sistema prisional em expansão ao qual estão vinculados preferencialmente Para construir modelos melhores da mudança de nexo de classe e espaço na cidade precisamos fazer muito mais do que renovar o espírito crítico que animou os pioneiros da pesquisa de gentrificação por um sentimento de lealdade intelectual e reverência por seu engajamento político precisamos realocar a gen trificação em uma estrutura analítica mais ampla e robusta Primeiro devemos reviver e revisar a análise de classe para captar a desformação do proletariado pósindustrial e inscrever a evolução dos distritos revitalizados dentro das es 447 truturas gerais do espaço social e urbano e suas reformas associadas Em segun do lugar devemos resistir melhor às seduções da problemática préfabricada da política e avançar as agendas de pesquisa com maior separação dos imperativos dos governantes da cidade carregando uma carga teórica mais elevada E ter ceiro devemos dar lugar de destaque ao Estado como gerador de desigualdade socioespacial na metrópole dualizante Pois assim como o destino de bairros de rebaixamento que se infeccionam na base do sistema de lugares que compõem a metrópole Wacquant 2007 283284 a trajetória dos distritos gentrificados no século XXI é economicamente subdeterminada e politicamente superdeter minada Cabenos então restaurar a primazia do político em nossos esforços de dissecar analiticamente e praticamente redirecionar a transformação social da cidade neoliberal REFERÊNCIAS Bourdieu Pierre 2000 2005 The Social Structures of the Economy Cambridge Polity Press Bourdieu Pierre and Loïc Wacquant 2001 Neoliberal Newspeak Radical Philosophy105 Janu ary 25 Bourgois Philippe 1995 In Search of Respect Selling Crack in El Barrio New York Cambridge University Press Carmon N 2004 NeighborhoodGeneral In International Encyclopedia of the Social Behavio ral Sciences edited by Neil J Smelser and Paul Baltes Oxford Elsevier 1048810494 Glass Ruth et al 1964 London Aspects of Change London McGibbon and Kee Gurr Ted Robert and Desmond King 1987 The State and the City Chicago University of Chicago Press Harloe David 1995 The Peoples Home Social Rented Housing in Europe and in America Oxford Basil Blackwell Hartigan John 1999 Racial Situations Class Predicaments of Whiteness in Detroit Princeton Prin ceton University Press Hayden Dolores 1986 Redesigning the American Dream Gender Housing and Family Life New York WW Norton Hays Sharon 2003 Flat Broke With Children Women in the Age of Welfare Reform New York Oxford University Press Herbert Steve 2006 Citizens Cops and Power Recognizing the Limits of Community Chicago University of Chicago Press Jencks Christopher and Paul E Peterson eds 1991 The Urban Underclass Washington DC The Brookings Institution Katz Michael B 1989 The Undeserving Poor From the War on Poverty to the War on Welfare New York Pantheon Katznelson Ira 1992 Marxism and the City Clarendon Oxford University Press Kefalas Maria 2003 WorkingClass Heroes Protecting Home Community and Nation in a Chica go Neighborhood Berkeley University of California Press Lassave Pierre 1997 Les Sociologues et la recherche urbaine dans la France contemporaine Toulouse Presses Universitaires du Mirail Lees Loretta Tom Slater and Elvin Wyly 2007 Gentrification London Routledge Lepoutre David with Isabelle Cannoodt 2005 Souvenirs de familles immigrées Paris Odile Jacob Logan John R and Harvey L Molotch 1987 Urban Fortunes The Political Economy of Place Berkeley University of California Press Marchand Olivier and Claude Thélot 1997 Le travail en France 18002000 Paris Nathan Milicevic Aleksandra Sasha 2001 Radical Intellectuals What Happened to the New Urban Socio 448 logy International Journal of Urban and Regional Research254 December 759783 Newman Katherine S and Rebekah Peeples Massengill 2006 The Texture of Hardship Qualitative Sociology of Poverty 19952005 Annual Review of Sociology32 423446 Schwartz Olivier 1990 Le Monde privé des ouvriers Hommes et femmes du Nord Paris Presses Universitaires de France Sharman Russell Leigh 2006 The Tenants of East Harlem Berkeley University of California Press Slater Tom 2006 The Eviction of Critical Perspectives from Gentrification ResearchInternational Journal of Urban and Regional Research304 December 737979 Small Mario 2004 Villa Victoria The Transformation of Social Capital in a Boston Barrio Chicago University of Chicago Press Smelser Neil J and Paul Baltes eds 2004 International Encyclopedia of the Social Behavioral Sciences Oxford Elsevier Smith Robert 2006 Mexican New York Transnational Lives 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cultural nas últimas décadas Isso se deve em boa parte à amplitude e à riqueza do centro histórico da cidade que conta com numerosos monumentos e museus sobretudo concentrados na metade sul também conhe cido como a parte sul Por outro lado a outra metade do centro a parte norte onde se localiza a Casa Palácio de Pumarejo não havia sido incluída nos circuitos turísticos até recentemente o que está provocando problemas de convivência entre moradores e visitantes devido aos processos de turistização Jover et al na imprensa Estes tipos de processos especulativos não são novos nem casuais os que se processam neste espaço Desde o final dos anos oitenta na parte norte se haviam combinado políticas públicas de revitalização urbana e processos de substituição de moradores ou gentrificação com formas de construção social e reivindicação da cidade por parte de grupos de moradores aparecendo distintas experiências em diferentes espaços disputados García Jerez 2000 Barber et al 2006 Um desses espaços é a Casa Palácio de Pumarejo cujo estudo requer um esboço prévio das dimensões socioculturais do enclave urbano em que se situa a zona Alameda San Luis San Julián Este trabalho se divide em duas partes Em primeiro lugar se faz uma breve revisão histórica da parte norte e por outras experiências recentes de movimen 616 Texto traduzido do espanhol para o português por Mariana Rocha Bernardi 617 María Barrero Rescalvo Huelva 1990 é arquiteta da Universidade de Sevilha 2014 Doutoranda pela Univer sidade de Sevilha mestre em reabilitação arquitetônica pela Universidade de Granada 2016 e atualmente pes quisadora do departamento de projetos arquitetônicos da Universidade de Sevilha no grupo de pesquisa ingentes HUM958 Suas linhas de pesquisa são patrimônio planejamento urbano e arquitetura de uma perspectiva so cial com trabalhos sobre as relações entre patrimônio local participação cidadã e conflitos urbanos em Sevilha 450 tos sociais nesta zona colocando em foco o caso da Red Alameda Em segundo lugar narrase a experiência do coletivo organizado em torno da Casa Palácio de Pumarejo atentando as suas origens estrutura trajetória e reivindicações até a atualidade quando o grupo se encontra em um momento sensível devido às ten sões surgidas durante o processo de negociação com a Prefeitura para a execução da reabilitação uma de suas demandas históricas A hipótese da qual se parte é que os movimentos sociais auto administrados heterogêneos e com capacidade aglutinadora de perfis diversos sob objetivos comuns podem sofrer a deslegiti mação de suas demandas e a proliferação de conflitos em seu âmbito quando entram em jogo as administrações públicas Neste sentido se traçam paralelos entre o que ocorre na Casa Palácio de Pumarejo com respeito às obras de reabili tação na atualidade e o que ocorreu com a mencionada Red Alameda no processo de participação cidadã da Alameda que gostamos impulsionada pela Prefeitura de Sevilha A metodologia se fundamenta em uma ampla revisão bibliográfica sobre os espaços estudados que se complementam com o estudo de documentos internos da Associação Casa de Pumarejo além do trabalho de campo na forma de coleta de dados informais com entrevistados de perfis variados moradores da referida Associação militantes ativos do bairro pesquisadores de diferentes campos e técnicos com distinta relação com a Casa Palácio A tudo isso se soma minha experiência como pessoa envolvida com a Associação Casa de Pumarejo desde 2015 até a atualidade CONTEXTO URBANO NOTAS SOBRE A PARTE NORTE DA SEVILHA DA MOSCOU SEVILHANA AO PLANO URBANO Na zona norte do centro de Sevilha junto com parte da periferia além mu ros se fixaram as primeiras indústrias ao longo do século XIX Ao mesmo tempo proliferaram modelos de residência popular como a casapátio ou o curral de moradores caracterizados por um pátio central em torno do que se estruturava a vida cotidiana e onde viviam coletivamente os trabalhadores e artesãos vincu lados àquelas Morales Padrón 1974 Não obstante devido à crise da nobreza e do clero nos séculos XVIII e XIX e a outros acontecimentos pontuais como as desamortizações um bom número de edifícios construções nobres e conventos se transformaram em moradias ou habitações populares como é o caso do Pa lácio de Pumarejo O processo continuou até a entrada do século XX sobretudo em suas três primeiras décadas que estão marcadas pela Exposição Iberoameri cada de 1929 Essa inaugura uma forma de compreender Sevilha como cidade mercadoria uma ideia que perdurou até a atualidade em grande parte graças à Exposição Universal de 1992 Díaz Parra 2016 Ambos os macros eventos 451 cumpriram um papel essencial à composição moderna da cidade e de seu centro histórico A construção de numerosas obras públicas e pavilhões com o motivo da Exposição Iberoamericana vinculado à melhora de outras infraestruturas urba nas provocou um efeito chegada618 através do qual grupos de populações pobres da Andaluzia rural recorreram à cidade em busca de trabalho Rodríguez Bernal 1994 Tudo isso aumentou a densidade da população dos bairros operários como os da parte norte permitiu que continuassem a compartimentalização de edifí cios em recintos partidários o que perpetuou as más condições de vida de amplas camadas da população que foram a semente de um grande conflito social Salas 1990 em um período em si tumultuado no contexto internacional Durante o primeiro terço do século XX surgem na parte norte um bom número de movi mentos e espaços ácratas619 operários e culturais em torno desse amplo largo620 que é a Alameda de Hércules cuja capacidade para reunir diferentes grupos sociais lhe permitiu oferecer significados plurais da Sevilha silenciada O maior espaço aberto do centro urbano que se projetou como o grande passeio da aristocracia sevilhana nunca deixou de ser local de recreação mais ou menos despreocupado de nobres e ape sar de tudo nunca perdeu sua auréola transgressora Cantero et al 1999 p 26 Se trata de um lugar próximo a zona monumental da cidade na parte sul com uma imagem de sociabilidade diversa e fluxos de infâmias621 que desde seu universo marginal atraem personalidades afeitas à bohemia e ao folclore Antes e depois da Exposição Iberoamericana a parte sul passa a sofrer um processo de revalorização pela qual se concentram equipamentos culturais instituições representativas e financeiras Por seu turno na parte norte do centro inicia um processo de alienação e decadência vinculados à desindustrialização e especialmente ao resultado da Guerra Civil O setor Alameda San Luis San Julián permanece fortemente estigmatizado por sua resistência ao golpe de Esta do tanto que é conhecido como a Moscou Sevilhana pelo grupo rebelde Salas 1990 Além do abandono institucional e da deterioração urbana posterior os fuzilamentos massivos são especialmente lembrados os da Praça de Pumarejo permanecem ainda na memória das pessoas já que a repressão foi especialmente intensa nestes bairros Ortiz Vilalba 2006 618 NT A expressão efecto llamada não encontra um correspondente exato na língua portuguesa brasileira sendo o mais próximo o efeito chegada para descrever possíveis consequências dos processos de regulação de imi grantes na Espanha 619 NT A expressão ácrata tem o mesmo sentido no português brasileiro significando aquele que é partidário da acracia anarquista libertário 620 NT Por amplo paseo temos a tradução literal como amplo passeio designando rua larga de grandes dimen sões que entorna uma praça 621 NT A expressão canallería provém da palavra canallada que remete à ação ruim ou infame razão pela qual houve a escolha do termo para traduzir o termo 452 A marginalidade que se impõe a estes bairros durante toda a ditadura co meça a reverter no período democrático a partir dos anos oitenta e fundamental mente nos noventa A política de transformação urbanística neoliberal provocou a ruína forçada de edifícios históricos a transformação dos modos de vida tradi cionais e a expulsão de boa parte dos moradores arraigados no lugar O principal neste processo é a Exposição Universal de 1992 que gerou uma nova produção simbólica de uma cidade para o consumo de investidores e turistas aproveitando que continuava sendo periférica e economicamente dependente Ele passa pela revalorização subjetiva e potencialização de enclaves tão paradigmáticos e próxi mos da zona do evento como a Alameda que naquele momento se caracterizava por ser um espaço consagrado à prostituição ao uso de drogas e ao comércio ambulante A transformação radical foi possível graças a chuva de milhões pro venientes de fundos da União Europeia especialmente do Plano Urbano que foi aprovado em 1994 e facilitou a gentrificação entre 1995 e 1999 Díaz Parra 2010 2014 O Plano Urbano fez surgir a regeneração de um amplo setor de gradado da parte norte figura 1 através de medidas de reabilitação e criação de equipamentos melhora de infraestruturas urbanas e posterior ampliação de ruas e outros pacotes de ações de integração e coesão social Apesar de existirem áreas periféricas com mais necessidades na cidade a primeira iniciativa de Urbana em Sevilha se concentra nas zonas de San Luis e Alameda Este plano contribuiu para potencializar a especulação posto que não contemplava investimentos em maté ria de moradia por exemplo no que diz respeito à melhora do âmbito residencial existente todavia havia um grande número de abrigos para moradia como o próprio Plano previa ou a construção de habitações sociais Figura 1 Esquema urbano do Plano Urbano Fonte Elaboração própria a partir da Ocupação de Sevilha 1995 453 DA ALAMEDA QUE TE GUSTA ATÉ O PUMAREJO ZONA VERMELHA A injustiça social causada por tais processos especulativos e de gentrifi cação fizeram com que nascessem movimentos sociais de diferentes perfis com diversos projetos políticos e diferentes níveis de autonomia Em um contexto de cooptação622 pela política institucional de associações de moradores e sindica tos os movimentos sociais que se geraram desde os anos noventa nestes bairros poderiam ser associados a aspirações pósmaterialistas na linha da teoria com os novos movimentos sociais identificandose com reivindicações feministas pacifistas ou com o movimento ocupa Díaz Parra y Jover Báez 2016 Estes grupos muitos de jovens universitários e alternativos provenientes de outras zonas da cidade se entrecruzam com organizações mais antigas como Ecologistas em Ação o Ateneu Verde ou associações de moradores de diferentes concepções políticas para alcançar um objetivo comum Evitar a destruição da floresta da Alameda Isso se levaria a cabo com o projeto de estacionamento subterrâneo rotatório anunciado em 1998 pela Prefeitura de Sevilha então comandada pela coligação formada pelo Partido Popular PP e pelo Partido Andaluzista PA que controlava a gerência do urbanismo As reivindicações em torno da floresta da Alameda conseguiram reunir uma rede de grupos e indivíduos que apesar da heterogeneidade em suas visões políticas estéticas modos de ação e formas de organização se associam sob o nome informal de Alameda Bela e posteriormente Red Alameda Para alcançar seu objetivo empreendem uma série de ações criativas e heterodoxas entre outras Villardilla Conjunto Residencial que consistiu na autoconstrução e montagem de um conjunto de cabanas nas copas das árvores da Alameda para ganhar visi bilidade e massa crítica Ao final com a troca do governo da cidade nas eleições de 2003 se consegue paralisar o projeto do estacionamento A Alameda protagonista e cenário desta confluência social desde a visibili dade como espaço disputado termina sendo o lugar onde se levanta a bandeira da participação cidadã defendida pelo novo governo do Partido Socialista PSOE e Esquerda Unida IU Se inicia então uma relação entre a administração e a cidadania através do projeto La Alameda que te gusta para a qual se definiria o desenho futuro do largo Nesse momento os movimentos e agentes sociais ativos nas reivindicações da Red Alameda foram gradualmente se ausentando durante este processo Como tem observado Francisco García Jerez 2009 p 597 Aqueles coletivos mais alternativos suspeitavam que essa nova Alameda a Alameda que te gus ta podia significar a amputação de elementos não só formais que funcionavam como modo de referência espacial e com eles de identificação de um bairro senão também a expulsão daqueles grupos que não se encaixavam no novo projeto 622 NT Admissão de alguém em uma associação 454 Quanto aos possíveis motivos García Jerez menciona o caráter nômade dos movimentos sociais a exaustão do ciclo de protestos informais e a canaliza ção de conflitos sociais através da participação que se percebia desde o governo da época com IU623 na cabeça deste modelo Assim por um lado o tecido as sociativo que se concentrava em torno da Alameda foi se movendo até a zona de Pumarejo Em certo sentido o ciclo da Red Alameda passou de um a outro de modo que se concentrou na casapalácio e outros espaços surgiram pelo cami nho a Casa da Paz ou o Jardim do Rei Moro na rua de tijolos Por outro lado o movimento mais emergente e insurgente de corte antica pitalista e antiglobalização começou a crescer em Sevilha formandose diferentes coletivos e centros sociais na zona de Pumarejo conhecida como Pumarejo zona vermelha Barber et al 2006 Esta situação termina quando se fecha El Lokal o espaço social alugado mais vinculado à Alameda que em boa parte havia sido suporte e apoio logístico da Red Alameda e que cede espaço ao Centro Social Okupado Autogestionado CSOA Casas Viejas em 2001 a duas ruas do palácio da casa palácio figura 2 Esse mesmo ano se havia construído a Plataforma pela Casa de Pumarejo entre moradores residentes membros da Red Alameda antigos militantes de esquerda e pessoas vinculadas ao movimento ocupa A luta contra a especulação termina se localizando definitivamente nesta área da parte norte tendo já sido propiciadas sinergias entre diferentes coletividades distintas Barber et al 2006 Díaz Parra 2010 Figura 2 Movimento ocupa na parte norte Fonte Elaboração própria 2018 623 NT Izquierda Unida 455 CONTEXTO PARTICULAR A CASA PALÁCIO DE PUMAREJO DE CASA DE PARTIDO À PLATAFORMA PELA CASA A Casa Palácio de Pumarejo foi uma residência senhorial situada na praça homônima exemplo de arquitetura civil sevilhana construída ao final do século XVIII que deu origem a diferentes usos ao longo de sua existência Sua construção foi encomendada por um nobre fidalgo624 sevilhano Pedro de Pumarejo sua exis tência precede a da praça que foi urbanizada após a demolição de mais de setenta casas anos depois Mais tarde a família Pumarejo transfere o edifício para o muni cípio de Sevilha que fez dele um hospício e uma escola de Toríbios625 Durante a guerra da independência 18081814 o palácio foi ocupado pelas tropas francesas e transformado em prisão feminina e depois é abandonado durante um prolonga do período de tempo até que em 1861 uma entidade privada solicita à prefeitura licença para transformálo em uma escola de educação de adultos e uma biblioteca popular A partir de 1965 o edifício começa a funcionar como casa popular ou alojamento é como dizer como residência coletiva de um número crescente de famílias que complementavam o uso escolar de algumas de suas dependências A partir daqui a Casa passou de mão em mão A propriedade privada segue acrescentando a função residencial do edifício e ampliando o aluguel dos partidos que dão acolhida a novas famílias através da modificação na edificação e construção de mais dependências no pátio traseiro ou de serviços Se chega a pro duzir uma superlotação de algumas famílias mas também se consolida este modo de vida de convivência próxima com a reprodução de festas vinculadas a estes espaços Na planta baixa surgiram usos vinculados às necessidades cotidianas de tantas famílias fábricas comércios armazéns associações etc que abriram e permeabilizaram os muros da casa para o bairro e a cidade transformandoa em um centro de sociabilidade e serviços para seu entorno urbano Apesar da dureza das condições estas tipologias habitacionais alcançaram fórmulas de integração social e miscigenação cultural em torno desse local de tal modo que geraram uma cidade mais equilibrada solidária e compacta Foi a partir dos anos setenta quando a casa de moradores em que havia se transformado o palácio começa uma lenta mas progressiva degradação que conti nua até a atualidade A incorporação da atividade de uma empresa madeireira altera a fisionomia do edifício e algumas de suas fachadas ao que se soma o abandono e desídia por parte dos proprietários no que tange aos trabalhos necessários para ma 624 NT Fidalgo é a palavra mais corriqueiramente usada no português brasileiro designando um homem sábio Em que pese o termo hidalgo também exista optamos pela tradução que empreendesse o mesmo sentido daquele intencionado pela autora 625 NT Em alusão a Santo Toríbio 456 nutenção da edificação Nos anos noventa em paralelo à tônica geral do bairro que se comentou o edifício começa a decadência devido a seu desuso e ao fechamento de dependências o que fez com que as atividades sociais diminuíssem e que o nú mero de famílias se reduzisse a uma dezena a maioria de pessoas de idade avançada A história da coletividade e reivindicação social que hoje mantêm viva a casa começa nos primeiros anos do século XXI devido a rumores que a ca deia hoteleira Quo Hotéis havia adquirido 50 do edifício com o objetivo de transformálo em um hotel com encanto da mesma forma que havia ocorri do com outros palácios da cidade A estratégia que perseguiam os proprietários era a conhecida especulação comprar a baixo custo um edifício histórico que abriga classes trabalhadoras deixar que se deteriorasse a edificação para reduzir a habitabilidade das residências que seguiam ativas não permitir e inclusive pe nalizar aos moradores que empreenderam as obras pertinentes para adentrar em suas residências assumindo os custos fechar progressivamente dependências para provocar o estado ruinoso ou contratar os chamados assusta inquilinos626 para gerar um clima de medo e desconfiança Apesar disso os moradores que permaneciam apostavam com tenacidade por manter a sua vida e vínculos de bairro e permanecer na Casa Grande como a chamavam Hernández 2003 esforçandose por manter dignas as estadias que mantinham em uso com os pátios limpos e cheios de vasos paredes pintadas ou os corredores embelezados Quando a Gerência de Urbanismo se personifica no edi fício ante a denúncia por deteriorações da fachada se difunde o rumor da possível ruína do imóvel e transformação em hotel e havendo sido testemunhas da deso cupação de muitos moradores do bairro ante as mesmas estratégias imobiliárias se origina a Plataforma pela Casa de Pumarejo em julho de 2000 após de uma passe ata convocada pela Red Alameda e a Associação de Moradores de San Gil Esta foi a forma de se organizarem para proteger um modo de habitação tradicional já muito incorporada nos bairros que se encontrava em claro perigo de desaparecimento A Red Alameda havia gerado uma série de dinâmicas ações e metodologias que se calaram entre os coletivos e moradores participantes Barber et al 2006 A onda de despejos vinculada a especulação imobiliária dos anos anteriores gerou um estado de alerta para a situação que se somava à experiência da luta na rede frente a uma problemática comum e a potencial capacidade geradora de mu danças da cidadania em seu entorno Isto terminou sendo o caldo de cultivo e o desencadeador das práticas e estratégias da Plataforma pela Casa de Pumarejo A composição heterógenea de perfis agrupados na plataforma geraram uma mescla de saberes e práticas de apoio e reconhecimento mútuo que conse 626 NT Esta tradução é da expressão asustaviejas usada comumente na Espanha para designar corretores imobiliá rios desonestos que fazem com que moradores que pagam alugueis baixos abandonem as suas residências de modo que possam adquirir os imóveis em ruína consertálos e transformálos em novos imóveis 457 guiram quebrar com a dicotomia entre moradores tradicionais e moradores re cém chegados ou entre estéticas mais ou menos alternativas Se comprometeram ativamente com a plataforma advogados arquitetos antropólogos peritos em comunicação e outras matérias que somavam seus conhecimentos às trajetórias vitais dos moradores de toda a vida junto a sindicalistas e militantes de longa data Na busca por linguagens compartilhadas começam a se criar uma série de palavras da marca Pumarejo que se colocam em circulação pela Sevilha e que terminam cobrando significados estratégicos para o futuro da coletividade As sim encontramos expressões como cidadania que surge do erro do ceramista que fábrica a telha para a fachada fauna variada fabricar tempo ou seres participantes Expressões todas elas de grande complexidade Os centros sociais ocupados movimento ocupa e outras experiências fo ram desocupados ou foram esgotando seus ciclos de vida e outros novos espaços sociais e culturais foram abertos na zona Alameda San Luis San Julián às ve zes como resposta aos processos de gentrificação e outras vezes das mãos de aulas criativas que chegavam fortalecendo a imagem de zona alternativa e boemia Porém a Casa de Pumarejo segue insistindo em sua reivindicação reabilitação revitalização recuperação reluzente em sua entrada DE MOVIMENTO DE MORADORES A DECLARAÇÃO COMO BIC Devido à diversidade de perfis que se aglutinaram no momento da criação da plataforma incipiente surgiram tensões quanto à estratégia a seguir para a defesa da permanência digna dos moradores e seus modos de vida Não obstante houve consenso acerca da busca da inscrição do imóvel no Catálogo Geral do Pa trimônio Histórico Andaluz como Bem de Interesse Cultural BIC A proteção patrimonial se converte em uma ferramenta contra a privatização e o saque de um dos últimos exemplos de casa de partido que se deixava em Sevilha Fernán dez Salinas 2003 uma versão particular da história da cidade em que as clas ses trabalhadoras são proeminentes protagonistas Hernández 2003 p 90 Se buscava segundo este antropólogo participante do processo instrumentalizar a lei sob o discurso da construção social do patrimônio entendido este em seu sentido cultural e etnológico Esta não foi a única linha de ação da plataforma já que entre o processo de redação do relatório e a solicitação de inscrição se somam uma série de ações de protesto que variavam entre denúncias públicas às autoridades manifesta ções encontros culturais ou festas lúdicofestivas figura 3 Às práticas habituais de moradores também se adicionam as surgidas desde propostas provocadoras e criativas Coleta de assinaturas fechamento e picnic no Conselho de Cultura um Rei Mago traz carvão para o Delegado do Urbanismo carregando baldes de água filtrados por goteiras de vazamentos e outras ações heterodoxas Tudo focado na 458 visibilidade do Pumarejo e sua praça como sendo esse centro de sociabilidade de bairro e ambas estratégias se dirigiam a um objetivo comum a permanência dos moradores e dos usos sociais e a reabilitação integral do imóvel Fig 3 Entrada monumental com acesso principal ao edifício Fonte Arquivo da Associação Casa de Pumerejo Finalmente o edifício é catalogado como BIC pela Portaria de Cultura não como bem etnológico como se havia solicitado mas sim sob a categoria de monu mento Nesta ordem627 de 26 de junho de 2003 se coletam os valores materiais e imateriais do lugar e se proíbem explicitamente em suas instruções específicas As atividades que retardam a continuidade normal dos usos tradicionais e limitam ou impe dem o desenvolvimento de outros novos que surjam de acordo com demandas sociais 2 As 627 NT O equivalente a pedido mandado ou lei 459 atividades que monopolizem o uso do edifício Em particular se especificam os seguintes usos proibidos em função da zona do edifício onde se localizem a Planta baixa Os usos de gara gem b Planta alta Os usos comerciais e fábricas Portanto a Casa já não podia ser nem hotel nem edifício institucional ou administrativo algo que também se explorou ver Vázquez Consuegra 1986 posto que os usos artesanais comerciais associativos criativos e residenciais es tão protegidos e vinculados a cada uma das plantas do imóvel Usos que como a referida Ordem expressa seguem sendo um testemunho vigente das atividades e modos de vida desenvolvidos tradicionalmente no Palácio e seu entorno Sua proteção deve se conceber de forma integral junto com os elementos históri cos e artísticos que constituem um conjunto indissociável Ibidem Através das estratégias de denúncia e pressão pelas ações mais ou menos criativas e irreverentes também se conseguiu forçar a abertura de registro de expropriação da propriedade dividida entre cadeia hoteleira e os herdeiros do antigo proprietário por parte da Gerência de Urbanismo até que em setembro de 2009 o Consistório628 adquire a Casa Em maio de 2004 começa um novo projeto que transformará a Casa e seus significados Depois de dez meses de trabalhos de adequação se abrem as portas do Centro de moradores Pumarejo um local situado na porção sudoeste do pa lácio ocupado para revitalizar e acolher a vida associativa e cultural que a Casa sempre havia tido Hoje segue sendo o espaço mais amplo e vivo do palácio pois abriga uma multiplicidade de atividades coletivos e iniciativas concretas Em 2006 é dado outro uso ao espaço da Casa vinculado ao pátio nobre o baixo n 5 e em março de 2009 e seguindo o acordado durante a elaboração do Projeto de Usos para a casa que desenvolve o coletivo motor se adéqua um novo espaço para o desfrute do bairro a biblioteca popular Rosa Moreno em homenagem a esta moradora fiel lutadora pelo direito à moradia até seu falecimento Estes espaços foram se enchendo de vida por coletivos de diferentes tipos e características que nestes anos deram conteúdo social político e cultural à Casa entre outros Ofici na de Direitos Sociais Mercado Cultural fábrica de idiomas Liga de Inquilinos Associação de moradores A Revolta Arquitetura e Compromisso Social Plata forma de Afetados pela Hipoteca fábrica de costura sala de jantar social para mulheres Sobreviventes de violência de gênero A rede de moeda social Puma Todos estão incluídos na Associação Casa do Pumarejo ACP DE PATRIMÔNIO VIVO A REFERENTE DE CIDADE Junto a essas ações de protesto se soma uma reconversão e manutenção das fachadas tradicionais próprias das casas de moradia Assim a Cruz de Maio 628 Empresa ou grupo de pessoas composto por um prefeito e vários vereadores responsáveis pela administração e governo de um município 460 celebração posterior à Feira de Abril se recupera com novos significados com que grande parte do coletivo se identifica a cruz se constrói com vigas provenientes de demolição ou com uma pá embutida em um monte de areia Significados reivindicativos desde a ironia e o humor com os que a maioria das sensibilidades acaba simpatizando O mesmo ocorre com a Zambomba festa que ocorre na vés pera de natal em que se acende uma fogueira no coração da Casa o pátio nobre e se canta e festeja em comum com todos os tipos de letras O desenvolvimento deste patrimônio vivo conseguiu alcançar fórmulas únicas de inovação social exemplificadas na mescla de tradições e ritos com o compromisso com o lugar através pelo que houve um redimensionamento de seu papel como um nó autogerido de relações sociais e culturais e que tem des pertado o interesse em instituições nacionais e internacionais Os festejos a luta e os vínculos gerados entre esta diversidade de pessoas acabou se consolidando em uma comunidade afetiva cheia de interrelações sociais com o bairro e a ci dade que sustentaram a perseverança no objetivo da reivindicação a reabilitação integral do imóvel 0 Fig 4 O Domingo de Ramos se celebra na Casa no dia em que sai à rua a patrona de Sevilha a Virgem de Hiniesta quem acompanhada do prefeito faz o caminho até a casa de protestos que adornam a fachada 2014 Fonte S Scamardi 461 Devido à visibilidade que a plataforma oferece à luta contra a especulação e a expulsão da moradia tradicional outras pessoas afetadas ou ameaçadas procura ram a Casa em busca de ajuda e apoio Não apenas foram moradores residentes mas também inquilinos de fábricas vinculadas ao modelo de produção industrial dos currais de artesãos que corriam perigo Tudo isso termina consolidando a constituição da Liga de Inquilinos A Corrente em 2005 que se encarregava de assessorar divulgar e denunciar a situação de inquilinos com problemas de des pejo e habitações precárias Assim vemos como a luta concreta pela permanência de algumas famílias em uma casa de partido629 acaba gerando modelos de coope ração e apoio a outras famílias e moradores A Casa se autogere através de uma assembleia ordinária mensal onde os vários coletivos se encontram e tratam dos temas e aspectos que afetam a totali dade A anteriormente mencionada heterogeneidade faz com que as assembleias não estejam isentas de conflitos os quais se pretendem resolver da maneira mais criativa e inclusiva possível para manter as diversas subjetividades que dão vida ao espaço Se trata de um laboratório de mais de dezessete anos de autogoverno cidadão na atualidade em que com seus altos e baixos debates contradições e redes demonstrou que existe outra forma de construir e fazer cidade diferente da hegemônica Isso não significa que não existam relações de poder que tem a ver com gênero com a trajetória militante ou com a formação intelectual Desde a assembleia também se originam comissões de trabalho mais específicas a comis são de acolhida a novos grupos a comissão de comunicação e relações a comissão de manutenção ou a comissão RqR da qual falarei mais adiante A coletividade foi adquirindo legitimidade através de relações com enti dades institucionais como o Instituto Andaluz de Patrimônio Histórico figu ra 5 ou o Conselho Superior de Investigações Científicas CSIC assim como com outros movimentos e coletividades contrahegemônicas como o espaço Can Batlló de Barcelona ou A Casa Invisível malaguenha Finalmente nos dias que antecederam as eleições municipais de 2011 se realiza o registro do convênio administrativo de cessão dominical sobre parte do palácio entre a ACP e a pre feitura Concretamente o conselho cede o uso do Centro de Moradores sob n 5 a biblioteca e uma residência situada na zona fechada pelo estado arruinado do palácio 629 NT É importante diferenciar que o termo de partido ou partidário não se refere diretamente a partidos políticos como erroneamente o senso comum costuma a reduzir a semântica desse termo Os partidários no texto se refe rem às pessoas que se mantêm envolvida na luta política dessa população como forma de vida com apoio ou não de ativistas políticos externos ou partidos políticos especificamente 462 Fig 5 Evento realizado no pátio nobre da casa em colaboração com o IAPH sobre cantes populares de valor etnológico na Andaluzia Fonte a autora Depois deste acordo muitas intenções de comunicação foram bemsucedi das desde a ACP para estabelecer um diálogo com a Prefeitura de Sevilha em prol das obras de reabilitação Por este conselho tem se passado todos as siglas políticas e nenhum dos partidos se comprometera com as reivindicações da Casa enquan to esta se deteriorava gradualmente e seus espaços arruinados eram fechados para uso pela iniciativa da Gerência de Urbanismo Por isso em 2013 se inicia uma campanha de crowdfunding sob o título Nós Fazemos conseguindo o financia mento suficiente para realizar obras de melhoria para umidades e alagamentos do pátio nobre sem licença mas orientadas por arquitetos especialistas em patri mônio e notário As obras acabam com uma grande festa e coletiva de imprensa para mostrar que a coletividade que se aglutina no Pumarejo se responsabiliza pe los deveres de conservação manutenção tutela e difusão do patrimônio deixado pelo seu proprietário a Prefeitura de Sevilha CONCLUINDO PATRIMÔNIO E AUTOGESTÃO CONFLITO Após quinze anos de reivindicação em outubro de 2015 o prefeito se reu niu com a Associação Casa do Pumarejo abrindo uma etapa que continua até os dias de hoje O objetivo deste primeiro encontro era estabelecer um diálogo entre ambos agentes com o fim de empreender de maneira participativa a reclamada reabilitação integral do imóvel que naquele momento se encontrava em um esta 463 do de grave degradação física Esta realidade se ratifica após a realização do estudo patológico conduzido pela Gerência de Urbanismo Ruesga 2017 O governo atual do PSOE que não conta com a maioria absoluta do plenário municipal havia se comprometido com os grupos de IU e Participal Sevilha a marca local Podemos no pacto de investidura para a reabilitação da Casa A imprensa da cidade não demorou muito para divulgar o acontecimento Sánchez Ameneiro 2015 recorrendo ademais ao compromisso do conselho de destinar uma quantidade significativa dos pressupostos de 2016 e próximos anos à reabilitação sem que seus moradores devam ser despejados Um compro misso novo se atendermos ao descuido da administração não apenas pela von tade de realizar os trabalhos integrais mas pela violação do dever de conservação que como proprietário tem a Prefeitura agravada se se leva em consideração a condição de monumento BIC do imóvel O prefeito confia a direção política deste processo ao Delegado da Área de Habitação Urbana Cultura e Turismo que se reúne posteriormente com a ACP para reiterar a vontade de realizar um processo participativo em que se decidirão conjuntamente os próximos passos a dar para a reabilitação através de uma comissão de acompanhamento Na mesma estão representados os dois atores principais do processo A Prefeitura de Sevilha que conta com o assessora mento de arquitetos e técnicos da Gerência de Urbanismo e a ACP que também representa não só a coletividade que faz uso dos espaços cedidos como do resto dos inquilinos dos locais do Palácio e as pessoas do bairro que diariamente se interessam pelo estado do edifício A partir desse momento desde a assembleia da casa se decide criar uma nova comissão de reabilitação batizada como RqR ou erre que erre onde diferentes pessoas de perfis técnicos diversos entre as que me incluo e com conhecimento das dinâmicas temporais e administrativas des tes processos se reúnem para estabelecer uma estratégia de negociação e diálogo com o conselho No intuito de sentar para trabalhar em conjunto com os usuários e de positários deste bem cultural e aos responsáveis políticos da cidade se esteve propondo e defendendo durante mais de um ano a necessidade de redigir um Plano Diretor que assegure um processo de participação social desde baixo e com o entornobairro para definir o futuro da Casa Isso se justifica entendendo que graças à mobilização cidadã em defesa do Palácio e o que ele representa por isso que hoje é um monumento de titularidade pública e um claro referente de prá ticas autônomas em Sevilha algo que já se reconhece como valor imaterial tanto na catalogação como no convênio de cessão de uso Este Plano Diretor seria um instrumento básico consensual que tomaria a história analisaria as circunstân cias atuais e plantaria os futuros passos para realizar uma intervenção segura e cuidadosa com o patrimônio vivo que representa a casa a qual suporta delicados 464 equilíbrios e requer uma profunda reflexão sobre os usos e modos de gestão que melhor se adequem a sua continuidade No Plano Diretor se refletiriam as decisões e os debates gerados no espaço da comissão de seguimento que por sua vez devia assegurar seu bom funciona mento e horizontalidade mediante a aprovação de um protocolo de financiamen to no qual contempla a codecisão das partes e reúne as formas de comunicação entre ambas Desde minha experiência nestes dois anos e meio de outubro de 2015 a maio de 2018 como parte da comissão RqR e da coletividade que dá vida ao Pumarejo hoje devo mencionar que tem sido um caminho árduo e frustrante no diálogo e aparente participação da Prefeitura O protocolo foi aprovado mas não tão respeitado por parte do consistório nem na forma de comunicação nem na admissão do consenso Por outro lado as pessoas que redigem conjuntamente o documento do plano com os assessores municipais têm recebido uma rejeição re tumbante à proposta de financiamento de seu trabalho durante os poucos meses que durara a redação A tudo isso deve se somar que o diálogo foi paralisado em diversas ocasiões devido a diferentes posturas que sobre este processo se haviam gerado no inte rior da ACP Existem temores entre as pessoas da Casa a que esta canalização do conflito a que se tem chamado participação fratura como ocorreu na Alameda que te gusta o vínculo social e o equilíbrio gerado entre a heterogênea diversidade que a sustenta Isto pode se dever à subordinação de suas dinâmicas autoor ganizadoras a um processo de participação instrumentalizado e monopolizado em seu conteúdo por aspectos técnicos e atinentes a projetos e em seus tempos pela inflexibilidade dos processos regulados pelas instituições interessadas Tendo embaçado a dicotomia do Nós os que defendem a legitimidade da Casa sua mobilização e seus moradores frente ao Eles agentes políticos que abandonam este patrimônio vivo especuladores ou moradores conservadores o marco de in terpretação muda porque deixa de funcionar a estratégia da confrontação García Jerez 2009 Como pano de fundo a diversificação dos objetivos do processo boas obras a todo custo boas obras mas conservando os moradores do imóvel ou boas obras mas assegurando a autogestão dos espaços residenciais e artesanais Além disso existem críticas desde o próprio coletivo para as limitações e dificuldades do processo de diálogo e seus campos de atuação já que o tempo e a energia direcionados na própria negociação sobre propostas imobiliárias de téc nicos especializados não permitiram gerar o espaço para o debate fundamental da gestão futura da casa no âmbito da estratégia política Este trabalho teve reflexo na ruptura da coesão do coletivo a organização de várias assembleias extraordinárias para mediar os conflitos internos e a cessa 465 ção da participação de pessoas críticas com as formas em que se estabelecem os aparentes consensos Não obstante após a paralização do financiamento para a elaboração do Plano Diretor por parte da Gerência de Urbanismo a ACP iniciou de maneira autônoma a elaboração de um desenho próprio para a participação sobre ele mentos fundamentais como os usos e suas interferências com a gestão e o projeto arquitetônico desde uma perspectiva holística com a intenção de buscar poste riormente a forma de vinculálo ao futuro da Casa após as obras Entretanto este plano encontra importantes obstáculos devido à falta de implicação das entidades vinculadas na casa e à dificuldade de conseguir financiamento próprio Existem outras similitudes com o processo participativo da Alameda como então a parte norte se encontra em uma nova onda de transformação imobiliá ria e expulsão de população residente devido devido esta vez à turistização da cidade pelo que os bairros mais centrais se convertem em lugares pensados para acelerar o fenômeno turístico e seus efeitos Esperamos ainda assim que a casa volte a servir como ente aglutinador de práticas de resistência ante à mercantili zação da cidade AGRADECIMENTOS Desejo expressar meu agradecimento às pessoas envolvidas na Associação Casa de Pumarejo pela sua colaboração e sua dedicação com o projeto Também quero agradecer a Jaime Jover Báez por seus comentários e sugestões em uma versão anterior deste texto REFERÊNCIAS Ayuntamiento de Sevilla 1995 Plan Urban San Luis Alameda Sevilla Gerencia Municipal de Urbanismo Ayuntamiento de Sevilla 2004 La Alameda que te gusta proyecto participativo sobre el futuro de La Alameda Sevilla Área de Participación Ciudadana Barber S Frensel V Romero MJ eds 2006 Como nació creció y se resiste a ser comido el gran pollo de la Alameda Una docena de años de lucha social en el barrio de la Alameda Sevilla Consejo de Redacción del Gran Pollo de la Alameda Cantero P A Escalera J García del Villar R y Hernández M 1999 La ciudad silenciada vida social y Plan Urban en los barrios del Casco Antiguo de Sevilla Sevilla Ayuntamiento de Sevilla Díaz Parra I 2010 Sevilla cuestión de clase Una geografía social de la ciudad Sevilla Atra pasueños Díaz Parra I 2014 Gentrificación o barbarie Disciplinamiento y transformación social del barrio de la Alameda de Sevilla Sevilla Atrapasueños Díaz Parra I 2016 Sevilla 19291992 La producción de una mercancía En Grupo de Estudios Antropológicos La Corrala Ed Cartografía de la Ciudad Capitalista Transformación Urbana y Conflicto Social en el Estado Español Madrid Traficantes de Sueños Díaz Parra I y Jover Báez J 2016 Social movements in crisis From the 15M to the electo 466 ral shift in Spain International Journal of Sociology and Social Policy 36 910 680694 Fernández Salinas V 2003 Vivienda modesta y patrimonio cultural los corrales y patios de vecindad en el conjunto histórico de Sevilla Scripta Nova VII 146070 URL httpwww ubedugeocritsnsn1462807029htm consulta 2 de junio de 2018 García Jerez Francisco A 2000 Trazos de la ciudad disidente Espacios contestados capital simbólico y acción política en el centro histórico de Sevilla Sevilla Tesis doctoral inédita Depar tamento de Ciencias Sociales Universidad Pablo de Olavide García Jerez Francisco A 2009 La Alameda que te gusta Conflictos Sociales y Planificación Urbana en torno a un Espacio Público Zainak Cuadernos de AntropologíaEtnografía 31 585 599 Hernández J 2003 La construcción social del Patrimonio selección catalogación e inicia tivas para su protección El Caso del Palacio del Pumarejo En Conserjería de Cultura Junta de Andalucía Ed Antropología y Patrimonio investigación documentación e intervención Gra nada Comares Jover J Berraquero Díaz L Barrero Rescalvo M y Jiménez Talavera A en prensa Turis tización y movimientos urbanos de resistencia experiencias desde Sevilla En C Milano y J Mansilla eds Stop Tourism Conflictos críticas y propuestas en entornos turísticos Barcelona Morales Padrón F 1974 Los corrales de vecinos de Sevilla Sevilla Publicaciones de la Uni versidad de Sevilla Ortiz Villalba J 2006 Del golpe militar a la guerra civil Sevilla 1936 Sevilla RD editores Rodríguez Bernal E 1994 Historia de la Exposición IberoAmericana de Sevilla de 1929 Sevilla Servicio de Publicaciones de Ayuntamiento de Sevilla Ruesga M 2017 Casa Palacio del Pumarejo un BIC marcado por los desperfectos Diario de Sevilla Disponible en httpwwwdiariodesevillaessevillaCasaPalacioPumarejoUnBI Cdesperfectos01190581351html consulta 2 de junio de 2018 Salas N 1990 El Moscú sevillano Sevilla Secretariado de Publicaciones de la Universidad de Sevilla Sánchez Ameneiro A 2015 Esperanza en la Casa Palacio del Pumarejo Diario de Se villa Disponible en httpwwwdiariodesevillaessevillaEsperanzacasapalacioPumare jo0965603521html consulta 3 de junio de 2018 Normativa Portaria de 26 de junho de 2003 pela qual se decide registrar com caráter específico no Catá logo General del Patrimonio Histórico Andaluz como Monumento o Palacio del Pumarejo em Sevilla BOJA nº 147 de 1 de agosto de 2003 Página web Casa Grande del Pumarejo Disponible en httpwwwpumarejoes última consulta 06 de novembro de 2017 467 CIDADE VERSUS CIDADANIA A LUTA PELOS DIREITOS630 María José Fariñas Dulce631 A VIDA NA CIDADE DAS SOCIEDADES GLOBAIS Uma vez que um bom diagnóstico ou uma boa análise da situação é sem pre a base de uma boa gestão do problema começarei por salientar alguns traços que estão caracterizados pelas últimas décadas da vida nas cidades de nossas so ciedades globais No começo do século XXI se tem produzido uma das mais importantes mudanças nas vidas dos seres humanos Segundo a ONU pela primeira vez na história a maioria dos seres humanos está vivendo em zonas urbanas com popula ções de 10 milhões de habitantes ou mais Nos países ricos mais de 75 dos ha bitantes já vivem em cidades com um progressivo abandono da zona rural Este fenômeno dá lugar ao que Jeremy Rifkin denominou como a aparição do homo urbanus632 Este fenômeno tem várias consequências imediatas na transformação das estruturas sociais culturais e econômicas O progressivo desaparecimento das zonas rurais com a consequente des truição dos ecossistemas e culturas locais vinculadas ao cultivo tradicional da terra e da economia de subsistência O êxodo das cidades foi inicialmente em meados do século XX uma consequência da fase de industrialização que teve como efeito imediato um alto índice de crescimento demográfico até épocas re centes especialmente nas cidades de terceiro mundo Este fator tem se unido a outros os novos fluxos migratórios do sul ao norte mas também aos internos do sul ao sul e as grandes massas de populações deslocadas e de refugiados como consequência das novas guerras do século XXI guerras climáticas guerras híbri das Estados falidos e fragmentados cujas consequências afetam diretamente a população civil633 e dos efeitos das mudanças climáticas grandes secas inunda ções abandono das agriculturas locais 630 O texto aqui apresentado resulta de uma nova edição do texto em espanhol com o título La ciudad em la sociedad global el derecho a ser ciudadano publicado em Madri pela editora Fundación Carolina em 2010 o texto foi traduzido do espanhol para o português por Henrique Mioranza Koppe Pereira 631 Maria Jose Fariñas Dulce é professora credenciada de Filosofia do Direito na Universidade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto Joaquín Herrera FloresBrasil Pesquisadora do Instituto de Direitos Humanos Bartolomé de las Casas 632 Jeremy Rifkin Homo urbanus celebración o lamento en El País 6 de enero de 2007 633 Cfr Mary Kaldor Las nuevas guerras violencia organizada en la era global Barcelona Tusquets 2001 Ignacio Ramonet Guerras del siglo XXI nuevos miedos nuevas amenazas Barcelona Mondadori 2002 468 A cidade se tem convertido desta maneira no espaço por excelência de representação e expressão das novas tensões sociais culturais e econômicas do mundo globalizado contemporâneo É também uma espécie de laboratório dos novos estilos de vida das novas formas de diversidades das novas exigências de tolerância eou intolerância de diferença ou indiferença das novas experiências de participação por exemplo os pressupostos participativos de cidades pioneiras como foi Porto Alegre de novos tipos de ação política formal e informal novos tipos de associativismo político e social Esta cidade complexa que se constrói de acordo com a lógica da expansão e acumulação cresce segundo um tipo de produção urbana radial e periférica em forma de rede ou de arquipélago Isto conduziu a partir dos anos 60 a proli feração em muitos países tanto do norte como do sul de bairros de barracas e ou de autoconstruções ilegais nas periferias das grandes cidades por exemplo as villas miseria de Buenos Aires os bidonvilles de Argel os mocambos de Recife as quebradas de Caracas as favelas do Rio de Janeiro ciudad bolívar em Bogotá ou os recentemente famosos assentamentos ilegais de ciganos romanos e búlgaros em várias cidades europeias São subúrbios socialmente marginalizados e segrega dos sem infraestrutura nem saneamento que se converte em permanentes focos de infecção sem infraestrutura educativa onde a marginalização e exclusão é frequentemente onde começa o desenvolvimento da delinquência e da estigma tização social Esse processo continua e aumenta nas cidades do sul do globo634 mas também vai aparecendo na mão da imigração irregular nas principais cidades da união europeia A cidade do século XXI se transforma no cenário de uma nova com plexidade social e econômica onde coexistem de maneira neutra é dizer não convivem grupos sociais culturais gêneros línguas étnicos religiosos entre outros diferentes e às vezes contrapostos São lugares onde se vai desapare cendo a memória de um tempo comum que servia como base para construir a identidade de cada cidade Agora a cidade se constrói desde as diferenças mais múltiplas mas frequentemente em vias paralelas e incomunicáveis em bairros segregados Mas esta cidade de diferenças é por sua vez um lugar não social um lugar formado por diferentes comunidades fechadas e sem comunicação en tre si um lugar de estruturas difusas geradas pelos diferentes e fragmentados fluxos humanos que vão chegando a cidade Nesse sentido a cidade não tem limite porque não tem exterior A cidade das sociedades globais é na realidade 634 Cfr Ignacio Ramonet ed La ciudad inquieta El urbanismo contemporáneo entre la realidad y el deseo Madrid Fundación Santander Central Hispano 2005 pp 11 e segs 469 fragmentada múltipla heterogênea e diversa que não tem sabido incorporar até agora a dimensão mais positiva do cosmopolitismo senão todo o contrá rio a segregação social espacial racial ou étnica mediante a geração física ou simbólica de territórios asilados Assim poderíamos dizer que o caminho até a universalização que é próprio de toda comunidade cidadã se vê agora freado pelo obstáculo da demagogia e do pertencimento exclusivo pela regressão de identidade eou religiosa pela perda de elementos públicos de coesão e integra ção social e pela cada vez maior presença e atores imóveis enclausurados em seu âmbito local de pertencimento e sem possibilidades reais de planificação de um projeto de vida digna A CIDADE DUPLA As novas cidades e megametrópoles não estão em condições de garantir plenamente as condições de cidadania de todos seus habitantes entendida esta como a igualdade de condições direitos e deveres para todos Até o ponto que se poderia afirmar que existem dois tipos de cidadãos que são relacionados ao que se denomina de cidade dupla os cidadãos de primeira pertencentes ao mundo da sociedade integrada ou formal das leis dos direitos da cultura da liberdade do desenvolvimento da inovação e da riqueza e os cidadãos de segunda pertencentes aos submundos da sociedade não integrada ou informal alienados aos direitos e das leis frequentemente criminalizados pela sua con dição social ou de pobreza sendo excluídos do sistema e estigmatizados como suspeitos de crimes A cidade formal versus a cidade informal regidas por normas e poderes distintos e às vezes contrapostos e mutuamente excludentes A informalidade se deriva da localização fora do mercado formal e do sistema institucional Os habitantes da cidade informal são demasiados pobres excluídos e deslocados para acessar o mercado e institucionalidade da cidade formal Bem agora a marginalização a desigualdade socioeconômica ou a pobreza é anterior aos assen tamentos informais não deriva deles mas os retroalimenta Esta dualidade incrementase com a polarização social a fragmentação ter ritorial a automatização do trabalho a big economy a vez que se retroalimenta por uma certa guerra de espaços entre os cidadãos e seus territórios de perten cimento e integração Os cidadãos pobres e marginalizados na cidade informal são cidadãos excluídos da participação política ativa Na cidade informal ou não integrada é frequente que se criminalize ou estigmatize seus habitantes pelo fato de serem pobres indigentes ou mendigos agressivos imigrantes sem documen tos ou simplesmente diferentes como se fossem suspeitos a priori dos piores comportamentos sociais e inclusive criminosos Se gera assim uma certa aporo 470 fobia635 ao ódio ao pobre por parte dos habitantes da cidade formal os quais têm medo de que suas casas sejam roubadas seus carros e inclusive seus direitos Agora bem a cidade informal nem sempre tem delimitação geográfica cla ra pense por exemplo nos sem tetos que habitam frequentemente os espaços da denominada cidade formal e aos que alguns acusam da sujeira e deterioração da mesma e de praticar uma mendigagem agressiva que se converte automati camente em potenciais delinquentes ou em suspeitos de crimes Esta divisão ou rompimento da sociedade nas novas cidades provoca in segurança e riscos que se transformam em uma constante sensação de medo Reaparece assim o discurso do medo e da desordem que é muito utilizado pelos partidos de direita e especialmente da nova extrema direita global que é facilmente instrumentalizada nos debates eleitorais porque dá grande retorno eleitoral Os problemas de insegurança se conectam agora com a imigração com os refugiados e os cidadãos sem moradia com a informalidade com a pobreza Daí que a sociedade integrada ou formal investe tanto e cada vez mais em segurança privada e definitivamente isolamento Se constroem muros internos como uma espécie de medida preventiva eou sanitária como ocorre nos gated communities bairros fechados ou zonas nobres que são rodeadas por cercas de plantas ou de forma mais brutal por muros e que se adentra por somente uma porta protegida por homens armados a quem se tem que dar identificação Seus habitantes temem frequentar outros setores da população e selecionam suas relações por meio da urbanização discriminatória individualista e privada os de enclave636 residencial dotado de segurança em frente aos outros Se trata de um sentimento de isolamento quase asséptico estendido por todas as grandes cidades do mundo637 mediante ao qual supostamente se limpa a rua de elementos in desejados ou perigosos em troca de retirar das ruas das cidades seu caráter públi co638 ou integrador de sua dimensão de diálogo ou conversação em definitivo de sua função de democratização da sociedade O espaço público é agora substituído pelo espaço privado fechado e vigiado dos grandes centros comerciais que representam a utopia neoliberal do hiperconsumo O muro representa nestes casos o medo do diferente o que explica mas sem nenhuma justificativa por exemplo os governantes da cidade italiana de Pádua democratas de esquerda que em 10 de agosto de 2006 construíram um 635 Aporofobia é um conceito desenvolvido por Adela Cortina em sua obra Aporofobia el rechazo al pobre un desafio para la democracia em 2017 que designa os discursos de estigmatização dos pobres 636 Enclave é um conceito de geografia política para designar um território com distinções políticas sociais e cultu rais cujo as fronteiras ficam dentro dos limites de outro território 637 Tierry Paquot Los muros del miedo en Le Monde Diplomatique nº 132 octubre 2012 638 Cfr M Ordovás Políticas y estrategias urbanas La distribución del espacio privado y público en la ciudad Ma drid Fundamentos 2000 471 muro de 84 metros de cumprimento e 3 metros de altura para separar a cidade decente da cidade infestada de imigrantes deste último lado da barreira só en contramos tunisianos e nigerianos que apenas conseguem sobreviver Neste caso e em tantos outros que se repetem com frequência os muros são construídos para defender os ricos dos pobres Isto demonstra que a resposta administrativa frente o discurso do medo e desordem habitualmente reforça o discurso da ordem não em um sentido organizacional mas no sentido de trazer em primeiro plano a dimensão da se gurança policial e repressiva Frequentemente as soluções propostas somente em nome dessa segurança policiada e de ordem pública que acabam por fragmentar ainda mais a complexidade das cidades tornando impossível ou muito difícil a comunicação entre as diferenças existentes separando mais ainda aqueles que vi vem isolados favorecendo a incompreensão e o distanciamento e por fim propi ciando choques entre indivíduos e entre comunidades Desta forma os conflitos socioeconômicos de base se policiam eou militarizam e consequentemente ante a isso somente caba uma resposta repressiva punitiva e de encarceramento em termos da ordem pública A cidade formal se converte desta maneira em gen darme639 repressivo da cidade informal a qual por outra parte se convertem em um bode expiatório de todos os problemas sociais Tudo isso provoca uma anulação da cidadania frente ao individualismo isolado que é uma consequência dos efeitos negativos da globalização neoliberal Isto é o que se denomina de retrocesso individualista ou inclusive a privati zação eou mercantilização do vínculo social ou espaço público O retrocesso individualista converte o cidadão em uma espécie de autista social e rompe toda a possibilidade de crítica social agora o que se precisa fazer é adaptarse ao mundo tal e qual ele é não de mudálo apenas sobreviver Mas a adaptação implica em parte na submissão acrítica e indiferença e por outra a um neoindividualismo possessivo e consumista que se opõe ao coletivo ao público e a defesa dos inte resses sociais gerais A atual doutrina neoliberal da globalização tem reduzido a vida humana a uma mera análise de custos e benefícios um individualismo sistemático baseado em cálculos e vantagens individuais obtidas dentro de um grupo social Com ele a ganância privada se eleva ao valor supremo universal e os seres humanos acabam praticando um individualismo privatista mas sem uma má consciência sob à mira gem do mito da eleição livre Mas este tipo de individualismo destrutivo do social se desdobra por sua vez no que se poderia denominar como o individualismo da desapropriação que é aquele que deriva dos efeitos negativos que a sociedade 639 Soldado da força incumbida de velar pela segurança e ordem pública conceito original da França 472 global implica à maioria das pessoas ausênciaprecarização de trabalho acultura lização desproteção institucional aos cidadãos perda de direitos Isto conduz a uma ética niilista de desesperança e do salvasse quem puder e eu por primeiro640 Este é o triunfo da privacidade frente a coletividade o triunfo da sociedade do privado e da privatização dos espaços públicos O triunfo da liberdade para eleger para ter sucesso ou fracasso ser rico ou ser pobre O triunfo da respon sabilidade individual que anula qualquer responsabilidade coletiva e por tanto qualquer iniciativa de solidariedade social se você é pobre a culpa é sua Cada cidadão se converte em um agente do seu próprio destino perdendo elementos comuns de segurança e o objeto da luta coletiva por interesses gerais a todos Os habitantes da cidade se configuram como novos sujeitos em busca de um reconhecimento mínimo de direitos e integração As vezes escapam aos sis temas formais de representação política para converterse em diferentes tipos de atores políticos informais em expansão que geram novas dinâmicas políticas e sociais também informais por exemplo os imigrantes os deslocados ou indigen tes as minorias estigmatizadas por sua etnia ou religião641 TRABALHO E CIDADE As mudanças no mercado de trabalho produzidas nas últimas 3 décadas estão condicionando também as vidas nas cidades De um lado o trabalho está perdendo seu lugar central na estruturação das sociedades globais e o direito ao trabalho cai a uma espécie de anomia constitucional que lhe dá cada vez mais o seu caráter político e reivindicativo Por outro a revolução da inteligência arti ficial IA tem aberto um processo de informatização e robotização do trabalho de consequências ainda imprevisíveis No momento que já estamos vivendo é a assimetria atual entre trabalhos qualificados com um nível de formação muito elevado dividido entre a classe elitista e individualista de pessoas que se movem entre uma vintena de cidades por todo o mundo a denominada classe criativa descrita por Richard Florida como um novo estrato socioeconômico642 e entre trabalhos não qualificados realizados pelos imigrantes econômicos ou deslocados que tentam entrar de qualquer maneira possível aos países ou regiões de progresso ou de paz A criatividade está se convertendo agora no elemento fundamental da 640 Cfr María José Fariñas Dulce Mercado sin Ciudadanía Las falacias de la globalización neoliberal Madrid Biblioteca Nueva 2005 y Democracia y Pluralismo Una mirada hacia la Emancipación Dykinson Madrid 2014 641 Cfr Saskia Sassen La ciudad global Buenos Aires Eudeba 1998 642 Richard Florida y su grupo de investigación reconvertido en think tank y consultora global Creative Class son uno de los referentes fundamentales en el debate urbano y en el papel de la innovación y la creatividad en el desarrollo económico Cfr La clase creativa La transformación de la cultura del trabajo y el ocio en el siglo XXI Paidós 2010 473 competitividade global O talento a inteligência e a criatividade são a força mo triz da economia Já não é mais o capital nem a empresa mas sim a criatividade humana o recurso econômico definitivo E provavelmente isso ocorre porque segundo o relatório do Banco Mundial de 2006 enquanto o capital natural representa somente 5 da riqueza mundial e o capital manufaturado 18 o capital intangível representa a maior parte da riqueza com 77 As cidades se transformaram dessa forma em novos atores sociais e os estados e nações possuem cada vez mais um papel menos relevante no cenário global Assim feito um dos objetivos do urbanismo atual é criar ambientes pro pícios à criatividade ou com climas criativos dinâmicos A cidade criativa é um dos slogans mais procurados pelas prefeituras seguindo a ideia de uma espécie de geografia da felicidade Mas a grande ironia da utopia da economia criativa globalizada é que o mundo é cada vez mais desigual A economia criativa está gerando cada vez mais concentra ção densidade agrupamentos de talentos e de criatividade em diversos picos ou espaços concretos e consequentemente mais desigualdade Os membros da classe criativa migram de uma grande cidade para a outra Mas seu mundo é formado por uma vintena de cidades de primeira ou picos urbanos Estes picos estão se trans formando em novos polos de crescimento da economia mundial mas também estão cada vez mais desconectadas do resto de seus países Na atualidade os fatores econô micos principais talento inovação e criatividade não estão distribuídas de maneira uniforme na economia global Apenas 25 mega regiões urbanas do mundo acolhem 16 da população mundial todavia geram 66 da atividade econômica e ate 86 das patentes registradas Isto está gerando sociedades cada vez mais desigual elitistas individualistas e instáveis Por exemplo em Xangai um cidadão médio tem menos recursos do que teria caso fosse um morador da Europa ou EUA mas as pessoas das zonas rurais chinesas ainda vivem em condições de précivilização Se não se controla a economia criativa irá criar ainda mais concentração mais desigualdades socioeconômica e territorial A concorrência global incita hoje às grandes megaregiões urbanas seguirem crescendo ao custo de exacerbar com isso as disparidades socioeconômicas e territoriais fomentando assim po tenciais conflitos socioeconômicos Por outro lado gerir as desigualdades entre as acima citadas e os vales de todo o mundo é o maior objetivo político de nossa era globalizada DEMOCRATIZAR A CIDADE É preciso levar em consideração que nenhuma cidade mesclada e fragmen tada é viável sem valores compartilhados Isto implica em pactuar regras normas 474 e obrigações comuns Os conflitos culturais e sociais os que se tem de fazer frente a cidade do século XXI e que são inevitáveis em toda sociedade complexa não podem superarse unicamente mediante o respeito ingênuo das diferenças ou mediante a apologia643 que nos separa Somente a busca de uma identidade com partilhada a identidade cívica como cidadãos titulares de direitos e obrigações permite construir valores comuns Mas isto sugere uma maior responsabilidade política frente a construção das cidades do futuro e aos valores que se querem potencializar Democratizar a cidade desde dentro A democracia municipal deveria ser a peça chave da agenda política especialmente no âmbito latinoamericano Como dizia Castoriadis se todos não participam a estrutura democrática da sociedade se debilita Este fato implica em dar uma oportunidade ao local como experiência de um novo tipo de ação política flexível tolerante aberta que decorra as vezes por canais alheios ao da ação da política formal Fomentar a participação para gerar inclusão e coesão social Para isto a cidade deve ser capaz de gerar uma coesão urbana que rompa a dualidade e a fragmentação A produção coletiva de vínculos sociais e de sentido comum é uma aventura mais arriscada e emocionante mas além da automatização multi culturalista de um espaço urbano animado por um ingênuo politeísmo de deuses e valores culturais que a tempo têm sido desembocado em guetos marginaliza ção e a falta de comunicação A opção política do multiculturalismo fracassou Este é o momento de explorar outras opções como a da intercultura e o diálogo dialógico dando voz a uma externalidade e uma excentricidade cultural e epistêmica Em vez de ir do centro até a periferia como tradicionalmente se tem feito vamos da periferia para o centro Corrigir as desigualdades com políticas sociais desenvolvimento susten tável e redistribuição equitativa dos recursos com o objetivo de conseguir uma subordinação da riqueza buscando um interesse geral As estruturas societárias de nossas cidades devem ser capazes de reforçar os instrumentos de redistribuição do poder social entre todos os seus cidadãos do contrário a cidade se torna um emaranhado de cultivo para a radicalização identitária ética cultural nacional ou religiosa de grupos especialmente vulneráveis ou desfavorecidos socialmente Neste sentido a obrigação das instituições públicas em matéria de direitos funda mentais consiste em seguir políticas públicas que garantam o direito dos pobres e marginalizados a participar E participar implica ir além de uma simples con sulta eleitoral Consiste em se fazer presente aos que carecem de poder em estar 643 NT Ressaltase que o sentido utilizado pela autora ao usar o termo no original espanhol apología remete a ideia de justificação defesa ao tratar que para se superar os conflitos é preciso superar também os discursos que os sustentam as apologias que os justificam naturalizam e perpetuam a separação entre os seres humanos 475 dispostos a compartilhar e dividir o poder Para isto é imprescindível um novo desenho das políticas fiscais como instrumentos de inclusão e democratização das cidades Revalorizar o público e fomentar eticamente a ação política como uma arte do bem comum para a construção de vínculos sociais e de sentido Para isto é preciso reconstruir a ideia de espaço público como um espaço de encontro de dialogo de conversa democrática de conflito criativo e positivo e de partici pação de todos e para todos Não devemos nos esquecer que o espaço público é um lugar de socialização por excelência e que deveríamos fazermos que fosse um ambiente solidário e igualitário Transparência na gestão cidadã e finança política a fim de evitar descon fianças dos cidadãos em direção as instituições políticas e combater a corrupção e o abuso de poder Neste sentido o artigo 12 da carta mundial de direito a cida de estabelece que todas as pessoas têm o direito a participar através de formas diretas e representativas na elaboração definição e fiscalização da implementação das políticas públicas e do pressuposto municipal nas cidades para fortalecer a transparência eficácia e autonomia das administrações públicas locais e das or ganizações populares Reconhecer e garantir o direito a ser cidadão e ao direito a cidade em seu mais profundo sentido Pelo que representa a população imigrante o estabele cimento da cidadania local ou de residência por exemplo a partir dos 3 anos de que seria um título suficiente de registro na cidade seria um bom critério de integração dos imigrantes e reconhecimento de direito aos mesmos Porque em matéria de direitos os que habitam um lugar são pertencentes a esse meio enquanto residam nele de forma estável É dizer que se deve considerar cidadão todas as pessoas que habitem de forma permanente ou transitória nas cidades Para ser titular de direitos não tem que se perguntar aonde se nasceu mas onde se mora Assim declara expressamente a Carta Mundial do Direito da Cidade em seu preâmbulo Fomentar a criação de espaços públicos como locais de reconhecimento mutuo e de integração dos diferentes Isto implica administrar o pluralismo sem delimitar fronteiras reais ou simbólicas que somente servem para delimitar o espaço público sem estabelecer limites ou muros internos e externos no espaço urbano já que os muros somente são instrumentos de status e de poder Em âmbito local deveria ser mais fácil se aproximar da diversidade e gerar mecanis mos de convivência onde caibam todos Envolver os agentes sociais do lugar em um sentido amplo desde os polí ticos e investidores até o cidadão comum que supostamente programas de par ticipação cidadã e de educação intercultural ambiental e de eco feminista Isto 476 implica na incorporação da transversalidade das diferentes lutas de emancipação feminismo indígena movimento LGBT imigração refugiados frente a ce lebração dos dogmas locais com sua dose de vitimismo e superioridade moral A emancipação implica aqui em transcender o imobilismo do local até uma posição cosmopolita e transcultural Entender o público como espaço de reconhecimento do outro A nova sociedade criativa do conhecimento deveria articularse como uma sociedade do reconhecimento se comprometeria em fazerse visível para os outros habilitar políticas de presença fazêlas participar na divisão do poder Para chegarmos até este ponto é imprescindível redefinir espaços de formação de opinião pública e da expressão cidadã com meios de comunicação livres e plurais REFERÊNCIAS Ignacio Ramonet ed La ciudad inquieta El urbanismo contemporáneo entre la realidad y el deseo Madrid Fundación Santander Central Hispano 2005 M Ordovás Políticas y estrategias urbanas La distribución del espacio privado y público en la ciudad Madrid Fundamentos 2000 María José Fariñas Dulce Mercado sin Ciudadanía Las falacias de la globalización neoliberal Madrid Biblioteca Nueva 2005 y Democracia y Pluralismo Una mirada hacia la Emancipación Dykinson Madrid 2014 Mary Kaldor Las nuevas guerras violencia organizada en la era global Barcelona Tusquets 2001 Ignacio Ramonet Guerras del siglo XXI nuevos miedos nuevas amenazas Barcelona Mondadori 2002 Saskia Sassen La ciudad global Buenos Aires Eudeba 1998 Jeremy Rifkin Homo urbanus celebración o lamento en El País 6 de enero de 2007 Richard Florida y su grupo de investigación reconvertido en think tank y consultora global Creative Class son uno de los referentes fundamentales en el debate urbano y en el papel de la innovación y la creatividad en el desarrollo económico Cfr La clase creativa La transformación de la cultura del trabajo y el ocio en el siglo XXI Paidós 2010 Tierry Paquot Los muros del miedo en Le Monde Diplomatique nº 132 octubre 2012 477 PODER AÉREO COMO PODER DE POLÍCIA644 Mark Neocleous645 As credenciais políticas de Walt Disney são bem conhecidas usando tra balho escravo para produzir Dumbo recontando a história do colonialismo atra vés do mito de Pocahontas aparecendo no Comitê de Atividades Antiamericanas da Casa informando sobre ameaças de segurança sendo a única celebridade de Hollywood a receber a cineasta nazista Leni Riefenstahl e sendo ele mesmo rece bido por Mussolini Menos conhecido em meio a essa postura política e trabalho ideológico é um filme de desenho animado lançado por sua empresa em 1943 chamado Victory Through Air PowerVitória Através do Poder Aéreo Baseado em um livro do mesmo título escrito pelo Major Alexander P De Seversky publicado um ano antes e vendido em centenas de milhares através do Clube do Livro do Mês o filme abre com um clipe antigo de noticiário do poder aéreo Billy Mitchell delineando a doutrina do bombardeio estratégico que até então era toda a raiva Após a dedicação do filme a Mitchell o filme cobre a história dos aviões movendo se rapidamente para o uso em batalha e superioridade de navios de guerra e para o bombardeio do polvo japonês pense no Japão como um grande polvo Seversky tinha sugerido em seu livro Os tentáculos imperiais do polvo japonês estrangulam várias partes do globo mas o filme termina com o Japão sendo bombardeado em ruínas não temos outra alternativa senão atacar os tentáculos um por um acres centou Seversky e o clímax com os bombardeiros transformandoos em um dos símbolos da soberania e do poder do Estado americano a águia que leva o polvo japonês à morte No clímax da batalha America the Beautiful pode ser ouvida e o filme termina com Victory Though AirPower percorrendo a tela em letras grandes O significado do filme era abundantemente claro poder aéreo significa que o tra balho de aniquilação pode ser realizado de forma mais eficiente pois quando os céus sobre uma nação são capturados tudo abaixo fica à mercê das armas aéreas do inimigo 1942 páginas 104 335 352 644 O texto original em inglês foi publicado com o título Air power as police power na revista Environment and Planning D Society and Space 2013 volume 31 pages 578 593 a tradução para o português foi feita por Felipe da Veiga Dias 645 Mark Neocleous é professor de Crítica de Economia Política da Brunel University London autor de muitos livros incluindo Critique of Security 2008 e War Power Police Power 2014 Uma nova edição de seu livro The Fabrication of Social Order A Critical Theory of Police Power 2000 será republicada pela editora Verso em 2020 atualmente está trabalhando em dois novos projetos de livros o primeiro é chamado de Poderes de Pacificação e o segundo chamado imunidades imaginadas email markneocleousbrunelacuk 478 O filme da Disney ficou indisponível por décadas mas em 2004 foi reem pacotado como parte de uma edição twoset de filmes de propaganda feitos pela empresa dos quais o Victory Through Air Power constituiu o segundo disco junta mente com algum material bônus Era um ano extraordinariamente oportuno para publicar um filme de propaganda de sessenta anos sobre o poder aéreo porque em 2004 o Iraque havia se tornado o centro das atenções naquela que era uma guerra decididamente centrada no ar contra o terror Quando a guerra ao terror foi ofi cialmente iniciada em 7 de outubro de 2001 rapidamente ficou claro que se tratava de uma guerra de bombardeio Durante a primeira semana os bombardeiros B1 e B52 lançaram no Afeganistão cerca de quinhentas bombas guiadas por GPS mil bombas mudas Mk82 bombas nãoguiadas e cinquenta munições de efeitos combinados CEMs ou bombas cluster armas que liberam centenas de submuni ções em uma ampla área Mais de mil bombas de fragmentação foram usadas até o final de 2001 quando explosivos de arcombustível FAEs bombas termobáricas produzem uma sobrepressão de 427 libras por polegada quadrada e uma tempe ratura de 2500 a 3000 C gerando um impacto que foi comparado ao efeito de uma arma nuclear tática mas sem a radiação também estavam sendo usados junto com bombas de lama de BLU82 de 15000 lb conhecidas como cortadores de margarida aproximadamente o tamanho de um carro pequeno liberada da parte de trás de um avião de carga de alta altitude carregando mais de 12 000 libras de uma pasta química formada de nitrato de amônio pó de alumínio e poliestireno No Iraque só no primeiro mês cerca de 1500 bombas de fragmentação foram lançadas no país e nos três meses seguintes mais 10000 foram retiradas pelos EUA e pouco mais de 2000 pelo Reino Unido646 Esta guerra aérea continuou no Paquistão Iêmen e outros lugares e qualquer um que ler os jornais também estará ciente da proliferação do uso de drones uma questão à qual retornarei A guerra ao terror não é nada se não uma guerra do ar Vivemos em um mundo feito pelo poder aéreo Swift 2010 Olhando para trás apenas no último meio século vemos o uso de aeronaves no Vietnã pelos EUA e pelos franceses antes deles o bombardeio usado pelos britânicos na Malásia Áden e Omã por Portugal em Angola e Moçambique durante a déca da de 1960 pelos franceses na Argélia pela rodésia branca contra a resistência negra na década de 1970 pela África do Sul contra a Organização do Povo do Sudoeste Africano na década de 1970 em toda a América Latina pelo regime de Somoza em sua tentativa de esmagar os sandinistas para não falar dos soviéticos no Afeganistão ou o uso extensivo e sistemático de Israel do poder aéreo contra os palestinos Nós realmente vivemos em um mundo moldado pelo poder aéreo e pelo bombardeio 646 Para atualizações contínuas consulte httpwwwlongwarjournalorg e httpwwwiraqbodycountorg 479 A abordagem padrão ao poder aéreo em geral e ao bombardeio em parti cular é considerálo em termos de um debate que se diz ter origem na Segunda Guerra Mundial Caren Kaplan 2006 por exemplo vincula o discurso de se gurança nacional após 11 de setembro de 2001 ao surgimento de uma segurança nacional do poder aéreo durante a Segunda Guerra Mundial e John Dower 2010 considera similarmente o bombardeio estratégico do século XXI em ter mos de bombardeio terrorista como um procedimento padrão da Segunda Guer ra Mundial Andreas Huyssen 2003 também observou que a oposição à guerra aérea em 2003 remontava à guerra aérea sobre a Europa sessenta anos antes Mas o problema de voltar à Segunda Guerra Mundial é que isso tende a encorajar as pessoas a pensar no poder aéreo em termos puramente militares e geralmente bastante conservadores como o impacto do poder aéreo sobre a estratégia militar ou em termos puramente éticos e geralmente bastante liberais como o impacto do bombardeio sobre a teoria da guerra justa Como aponta Derek Gregory 2011a p 205 há uma longa história de se assumir que a guerra aérea é por sua própria natureza virtuosa Essa é a razão pela qual o bombardeio aparece pesadamente na teoria liberal da guerra justa bombardeios dizemnos com frequência é uma maneira de tornar mais fácil ser bom Thomas 2001 página 173 e por que o bombardeio de cidades alemãs e japonesas no final da Segunda Guerra Mundial figuras tão grandes nos debates Eu quero começar por tomar as linhas de descendência do poder aéreo Gregory 2011b além da 2ª Guerra Mundial e de volta aos anos 20 Por que os anos 1920 Em 2009 a US Air University publicou um docu mento sobre o poder aéreo como uma opção politicamente viável legitimadora e flexível para os Estados Unidos acrescentando que em futuros conflitos assim como no Iraque a estratégia deve ser a de se apropriar dos métodos aéreos desen volvidos no contexto colonial da década de 1920 Ou seja o documento afirma que o policiamento aéreo britânico da RAF no Iraque na década de 1920 era uma missão contrainsurgente no sentido mais verdadeiro Rundquist 2009 páginas 3 7 51 Isso se baseou em trabalhos anteriores como o Relatório do Departamento de Defesa de 2006 sobre tribos iraquianas que lembrou o De partamento do exemplo histórico do sucesso britânico no uso da força no Iraque A Revolta de 1920 entrou em colapso quando a determinação britânica em contraatacar se tornou aparente Os britânicos transmitiram com sucesso que eles eram a força superior ou a tribo superior e que eles não seriam dissuadidos facilmente E esse sucesso foi fundado no poder aéreo capacitado em grande parte pelo poder aéreo os britânicos puderam permanecer no Iraque com recur sos mínimos através de sua independência em 1932 e além Todd 2006 seções 523 Estes são apenas dois dos muitos documentos em que a potência militar líder mundial recentemente procurou aprender algumas lições das práticas colo 480 niais especialmente as práticas coloniais britânicas da década de 1920647 Então uma razão para olhar para os anos 1920 é porque este parece ser um lugar onde o poder militar principal também está procurando Meu objetivo no entanto não é tanto fazer um ponto histórico a ponto de ajudar a estabelecer algumas das bases para pensar o poder aéreo como poder policial ver também Neocleous 2013a Polícia aqui se refere não à prevenção do crime e aplicação da lei mas ao processo mais geral de administração segurança e ordem Tal conceito de polícia remonta ao cameralismo e à ciência policial do século 18 e retoma a centrali dade da ideia policial no trabalho de uma variedade de pensadores de Adam Smith a Georg Wilhelm Friedrich Hegel Como Michel Foucault explica através de uma série de textos referindo às vezes diretamente e às vezes alusivamente aos primeiros pensadores policiais e muitas vezes como uma maneira de tentar entender alguns de seus conceitos mais conhecidos como o poder pastoral e a governamentalidade a polícia conota um conjunto de aparatos e tecnologias que constituem a economia e a ordem do trabalho Esta é a polícia como a manutenção do corpo político em termos de sua saúde e bemestar daí a história rica mas negligenciada da polícia médica e como um princípio geral que cria um corpo social a partir de sujeitos individuais os cidadãos mais bem captura dos na frase em latim usada por Foucault quando lidam com a ideia de polícia omnes et singulatim todos juntos e individualmente Foucault 1973 1981 p 249 Mais do que tudo no entanto este é um conceito de polícia como um conjunto de medidas que tornam o trabalho possível e necessário para todos aqueles que não poderiam viver sem ele Foucault 2006a página 62 Procurei em outros lugares desenvolver essa ideia de polícia como o coração da fabricação da ordem social e mais especificamente a fabricação de uma ordem social de tra balho assalariado Também procurei mostrar que essa centralidade da polícia na fabricação da ordem social é a própria razão pela qual o conceito tão central para a polícia a saber a segurança é o conceito fundamental da sociedade burguesa Neocleous 2000 2008 O que eu quero fazer aqui é tentar pensar no que é ge ralmente considerado como um modo de ação quintessencialmente militar em termos da lógica da polícia Esta análise histórica de um momento particular na guerra aérea do século XX na primeira parte do documento pretende então abrir um debate no restante do artigo sobre como podemos usar melhor os conceitos de guerra e polícia ou mesmo talvez um conceito de polícia de guerra em nossa compreensão do poder contemporâneo 647 Um relatório publicado pelo Air Power Research Institute em 1986 e reimpresso três vezes desde então observa que a história da Força Aérea Real RAF entre as guerras oferece a lição importante que o poder aéreo pode ser moldado de maneiras criativas para alcançar resultados políticos Dean 1986 p 25 481 BOMBARDEADO EM ORDEM Em 1918 os britânicos divulgaram dois relatórios sobre a ideia de que na próxima guerra a existência do Império Britânico dependerá principalmente de sua força aérea A Real Força Aérea é um serviço imperial diziase e como consequência era necessária uma força aérea imperial para ser a primeira linha de defesa do Império Britânico ambos os relatos em Sykes 1942 páginas 544 554 558 Planos nesse sentido já haviam sido feitos quando em 1914 Winston Churchill então Primeiro Lorde do Almirantado encomendou um relatório so bre o possível uso do poder aéreo na Somalilândia após o uso de aeronaves nas campanhas na Arábia e no Sudoeste e Leste da África durante a Primeira Guerra Mundial Killingray 1984 página 429 Em março de 1919 aviões britânicos bombardearam aqueles que se rebelavam contra a lei marcial no Egito e a RAF também foi usada para reprimir revoltas no Punjab Iêmen Palestina e Meso potâmia na operação mais longa com duração de um mês e meio a partir de meados de novembro de 1919 em Punjab entre 25 e 7 toneladas de bombas foram lançadas nos grupos tribais de Mahsud e Wazir No Afeganistão em 1919 ataques aéreos foram realizados em Cabul Jalalabad e Dakka e na Somalilândia em 1920 Mas a verdadeira mudança ocorre no Iraque uma terra rica em re cursos inexplorados e um espaço geopolítico que oferece uma rota segura para a Índia se colocada sob controle Uma grande revolta ocorrida no verão de 1920 e iniciada no início de 1921 levou Churchill a reunir mais de quarenta especialistas militares e civis em uma conferência no Cairo para determinar a política para a região O número de tropas deveria ser reduzido e substituído por subsídios pagos a governantes nativos e o objetivo aparentemente contraditório de manter a ordem enquanto removia tropas seria resolvido através do desenvolvimento e aplicação do poder aéreo Um artigo do EstadoMaior da Aeronáutica propunha que a eficácia da Força Aérea Real como um braço independente deveria ser posta à prova pela transferência de responsabilidade primária pela manutenção da ordem em alguma área do Oriente Médio de preferência na Mesopotâmia citado em Omissi 1990 página 25 Como vários historiadores apontaram não é exagero dizer que a principal instituição tanto na criação do Iraque quanto no subsequente exercício do poder estatal na região foi a força aérea Dodge 2003 Omissi 1990 Townshend 2010 Foi no Iraque que os britânicos praticariam rigorosamente se nunca perfeita a tecnologia do bombardeio como método per manente de administração e vigilância colonial e que ali teorizariam plenamente o valor do poder aéreo como um braço independente dos militares Satia 2008 página 240 No entanto isso estava longe de ser uma prática peculiar aos bri tânicos no Iraque pois era compreendida e aplicada por todos os estados com colônias na medida em que toda grande potência que buscava assegurar suas 482 colônias achava que os aviões eram indispensáveis Aeronaves foram usadas na década de 1920 pelos britânicos no Afeganistão Egito Punjab Iêmen Palestina Somalilândia e África do Sul pela Itália na Líbia pela França no Marrocos e na Síria eles até se referiam a bombardeio colonial para o qual desenvolveram um bombardeiro chamado Type Coloniale para o mesmo fim e pelos EUA no México República Dominicana e Nicarágua O poder aéreo e o bombardeio es tratégico foram com efeito desenvolvidos como a principal arma de pacificação do Estado colonial entre as duas guerras mundiais Apesar de algumas diferenças importantes entre as práticas nos vários locais de dominação colonial os variados graus de violência envolvidos e os vários níveis de resistência encontrados não deixa de ser seguro dizer que o poder aéreo e o domínio colonial andaram de mãos dadas Quaisquer que tenham sido as diferenças envolvidas a colonização do final da Primeira Guerra Mundial foi sem dúvida um processo imposto pelo ar Weizman 2007 p 239 Este exercício imperial de poder aéreo e exercício aéreo do poder imperial tendeu a ser tratado como uma nota marginal à história do bombardeio estraté gico É um caso de pequenas guerras mera contrainsurgência se alguém ler as histórias militares Mas precisamos ser claros sobre o que o poder aéreo estava fazendo Pois o que estava fazendo então poderia nos dizer algo sobre o poder aéreo agora e assim de uma maneira indireta também pode nos dizer algo sobre contrainsurgência agora Pois o poder aéreo de fato consiste em não apenas bombardear o inimigo como uma estratégia militar mas como um mecanismo chave de construção de ordens Longe de serem entendidos em termos de estra tégia militar o poder aéreo e o bombardeio estratégico foram considerados pelas democracias liberais da época como uma forma de governo um mecanismo de boa ordem um agente de governo rápido nas palavras de Sir John Maffey quando governadorgeral do Sudão Killingray 1984 Se usarmos nossa Força Aérea de maneira sábia e humanitária tal clamor que lá há cessará e a ação aérea será considerada como uma arma normal e adequada para fazer cumprir as justas exigências do governo comentou o Comandante do Comando Aéreo na Índia em 1923 citado em Omissi 1990 p 150 Podese ver isso nos vários conceitos que vieram e foram para capturar o que estava sendo feito através do poder aé reo substituição de ar Controle sem ocupação Bombardeio policial Estes acabam por se transformar no termo que é usado muito mais amplamente e que então tem uma história própria a polícia aérea Assim quando o Comodoro Aéreo Lionel Charlton chegou a Bagdá em fevereiro de 1923 como um oficial sênior e sua visita de inspeção no sul do Iraque o levou para um hospital ele experimentou uma espécie de choque com a visão dos feridos dos atentados e ficou espantado ao saber que uma bomba aérea no Iraque era mais ou menos o equivalente a um cassetete policial em casa Charlton 1931 p 271 E é pre 483 cisamente esse conceito de polícia aérea que raramente é reconhecido no prin cipal trabalho sobre poder aéreo e bombardeio estratégico que tende a tratálo como uma nota de rodapé da política interna da polícia ou como um prelúdio para as grandes batalhas aéreas de 1939 a 1945 quando na verdade a polícia aérea e o bombardeio policial eram uma característica universal da dominação colonial Omissi 1990 páginas ixx e 208 Mais ou menos desde o seu início o poder aéreo foi estruturado em torno do conceito policial Seu conteúdo sugere que a questão não é o uso do bombar deio como um processo reativo mas ao contrário precisa ser entendido em ter mos da doutrina policial clássica polícia preventiva segurança civilização e ordem Ou seja o propósito do poder aéreo não era meramente sufocar a de sordem no seu nascimento JHH pseudônimo 1933 p 463 mas construir uma nova ordem Assim o conceito que havia estado no centro da fabricação da ordem burguesa a polícia estava sendo empregado no contexto colonial e alcançado através do poder aéreo Poderíamos enfatizar isso apontando várias dimensões do poder aéreo como poder policial O primeiro mais óbvio é que a prática central envolvida bombardean do foi explicitamente destinada a esmagar qualquer rebelião contra o domínio colonial e cortar a possibilidade de resistência Há pouca razão para dizer muito sobre isso Não só é uma característica bastante óbvia do poder aéreo mas tam bém depende fortemente de um conceito de polícia como puramente reativo à desordem onde de fato o argumento procura trabalhar com um conceito policial que considera o poder policial criativo e produtivo A segunda dimensão diz respeito ao uso do poder aéreo no processo do que Marx chama de acumulação primitiva isto é negar a subsistência dos tri bais fora da economia política imposta dentro da ordem colonial Como David Omissi 1990 páginas 155156 coloca O bombardeio persistente poderia impedir o acesso das tribos às suas aldeias e forçálas a viver em cavernas desconfortáveis onde às vezes sofriam de escassez de água se estivessem longe de nascentes Aeronaves poderiam dispersar os rebanhos o que significava uma escassez de produ tos de origem animal e a perda de bestas valiosas para os lobos Patrulha de bombardeiros pode impedir que membros de tribos entrem em seus campos e assim interromper a agricultura e a irrigação Bombas de ação atrasadas e ataques noturnos iluminados por foguetes de paraquedas poderiam obstruir o trabalho vital Um relatório do ViceMarechal do Ar Sir John Salmond depois de uma missão em 1922 na Índia para divulgar o evangelho do controle aéreo após sua aplicação ao Iraque observou que o peso real da ação do ar está na interrupção diária da vida normal que pode infligir Ele pode derrubar os telhados das cabanas e impedir seu reparo uma inconveniência considerá vel no inverno Pode interferir seriamente na aragem ou na colheita uma questão vital ou queimar as reservas de combustível laboriosamente empilhadas e acumuladas para o inverno pelo ataque ao gado que é a principal forma de capital e fonte de riqueza para as tribos menos 484 povoadas pode impor com efeito uma multa considerável ou interferir seriamente na fonte real de alimento da tribo e no final o membro da tribo acha que é muito melhor obedecer citado em Longoria 1992 página 32 A opinião de Salmond repetiu as instruções de um Documento Confiden cial 22 um manual da RAF intitulado Operações datado de 1922 e conhecido como CD 22 a força no campo deve primeiro ser atacada e destruída Isso deve ser seguido pelo bombardeio contínuo de sua capital e posteriormente das aldeias vizinhas plantações e estoques vivos O manual passou a se referir a fábricas e en troncamentos ferroviários como alvos legítimos Parton 2009 página 34 Essa ideia encontrou seu caminho na doutrina oficial e nos jornais profis sionais semioficiais como o Royal Air Force Quarterly as operações aéreas não são planejadas para espalhar a morte e o sofrimento mas para desgastar a moral do homem da tribo e deslocar sua vida normal Se desejável pequenas bombas são largadas para dar uma última oportunidade de fuga para a segurança O bombardeio é então regulado de acordo com os requisitos para manter as aldeias vazias e os membros da tribo de cuidar de suas colheitas gado e necessidades diárias O homem da tribo expulso de sua aldeia que contém todas as suas necessidades encontra o fardo de sua existência aumentando diariamente ele é privado de seu abrigo normal despojado de suas comodidades habituais e interrompido em seu sono seus rebanhos estão espalhados Abrigos ou depósitos de grãos e combustível podem ser bombardeados culturas podem ser destruídas KingstonMcClou ghry 1937 páginas 202204 Em outras palavras o poder aéreo foi usado especificamente para destruir modos de subsistência que poderiam ter permitido aos povos nativos sobrevive rem fora do novo regime de acumulação Isto está bombardeando como acumu lação primitiva Terceiro embora intimamente ligado o controle do ar também era uma forma de coleta de impostos com bombardeios usados para garantir que as tri bos pagassem seus impostos ou como punição por não fazêlo Dodge 2003 p 133 O quadro mais amplo aqui requer um lembrete da centralidade da tribu tação como uma técnica de poder e no contexto colonial como um mecanismo de proletarização e comercialização Uma das principais figuras da colonização britânica da África Sir Harry Johnston estabeleceu os princípios da tributação colonial em 1896 Dada a abundância de mão de obra nativa barata a segurança financeira do Protetorado é estabelecida Tudo o que precisa ser feito é que a Administração aja como amiga de ambos os lados e introduza o trabalhador nativo no capitalismo europeu Uma gentil insistência de que o nativo deva contribuir com seu quinhão para a receita do país pagando seu imposto é tudo o que é necessário de nossa parte para garantir que ele tome parte do trabalho da vida que nenhum ser humano deve evitar citado em Davies 1966 página 35 Essa visão de que o trabalho assalariado poderia ser cada vez mais introdu zido por meio de um novo regime tributário passou a permear a mente colonial Como disse Sir Percy Girouard em 1913 falando de sua própria longa experiên cia no exercício do poder colonial 485 Consideramos que o único método natural e automático de assegurar uma oferta de trabalho constante é garantir que haja concorrência entre os trabalhadores para contratar e não entre os empregadores para os trabalhadores tal competição só pode ser provocada por um aumento no custo de vida para o nativo e isso pode ser produzido apenas por um aumento no imposto citado em Manners 1962 página 497 Por outro lado o não pagamento de impostos poderia ser considerado uma forma de resistência passiva Assim a partir do início de 1919 tribos como Abu Salih no distrito de Suq foram bombardeadas por sua recusa em pagar impos tos enquanto a tribo Jarib do Médio Eufrates havia sido bombardeada por se recusar a ter suas safras inspecionadas para fins lucrativos Escrevendo no Daily Mail em 1922 Sir Percival Phillips sugeriu que o que quer que o governo diga em contrário governar por bombardeio na Mesopotâmia tem como um de seus motivos subjacentes a coleta de impostos de árabes turbulentos citado em Cox 1985 p página 172 Tais ataques aéreos punitivos eram frequentemente usados somente depois que o poder aéreo fora usado para convencer os súditos coloniais a pagarem seus impostos lançando panfletos do ar ou folhetos adicionais que os haviam alertado a fugir de suas aldeias antes de um ataque de bombardeio Uma quarta dimensão é o uso do poder aéreo como meio de vigilância Lord Thompson Secretário de Aeronáutica em 1924 falou do poder que tudo vê do bombardeiro citado em Satia 2008 página 245 e outros relatos falaram nos mesmos termos do solo todo habitante de uma aldeia tem a impressão de que o ocupante de um avião está realmente olhando para ele estabelecendo a impressão de que todos os seus movimentos estão sendo observados e relatados Air Staff Memorandum 1920 Desde o nascimento do poder aéreo ficou claro que a aeronave poderia e seria um instrumento crucial de vigilância permitindo um ponto de vantagem ao mesmo tempo em que nega essa posição a outros Weizman 2002 2012 Como consequência e portanto quinto o poder aéreo tornouse central para o desenvolvimento de censos e levantamentos de terra Isto é um uso do minante para o avião tem sido um modo de captura de conhecimento Adey 2010 p 86 No caso do Reino Unido por exemplo um Comitê de Pesquisa Aérea foi estabelecido em 1920 para ajudar a perceber o que era visto como um potencial chave do poder aéreo e o poder aéreo foi usado como base para novas práticas de agrimensura e vigilância como fotografia e a coleta de dados no ar ajudou a refinar a empresa cartográfica e de conhecimento Gavish 2005 Por um lado isso dizia respeito à acumulação levantamentos aéreos poderiam supe rar os mais sérios obstáculos que atrasaram até o desenvolvimento de muitos dos recursos naturais dos Domínios e Colônias Holland 1928 página 162 Uma palestra para a Royal Society of Arts em 1928 observou a importância central do poder aéreo em colocar em produção aquelas áreas de terra que agora estavam ociosas e a discussão seguinte centrouse no papel da fotografia aérea no desen 486 volvimento econômico das colônias Crosthwait 1928 página 163 Por outro lado isso também era pura contrainsurgência uma vez que as pesquisas aéreas mostravam as casas as ruas e as vielas de aldeias e vilas permitindo assim que fossem melhor administradas e policiadas Adey 2010 p 91 Se o estado é uma máquina de conhecimento então o poder aéreo era crucial para esse processo Ao realizar essas funções o poder aéreo pretendia transformar a subjetivi dade política do colonizado Um sexto ponto então é que o poder aéreo era um mecanismo para provocar uma mudança de coração no sujeito colonial como foi colocado pelo Comodoro Aéreo C F A Portal numa palestra de 1937 sobre policiamento do império Ele prosseguiu o objetivo de toda ação policial co ercitiva é provocar uma mudança no temperamento ou intenção da pessoa ou corpo de pessoas que estão perturbando a paz Portal 1959 p 357 Assim o poder aéreo teria impacto na conduta política do colonizado consolidando sua aquiescência à nova ordem Um relatório sobre o manejo florestal de 1926 afir mava que identificar por ar quais extensões de terra seriam adequadas para lim peza e restauração iria longe deixando a terra na condição mais produtiva para a qual ela pode ser trazida encorajando assim os povos nativos a gradualmente aprenderem hábitos mais estabelecidos citado em Adey 2010 p 92 No centro da promoção do poder aéreo estava sua definição como um ins trumento explicitamente moral de controle e era frequentemente argumentado pelos apologistas da Força Aérea que o policiamento aéreo alcançava seus resul tados não infligindo pesadas baixas mas através do efeito moral que poderia ter sobre a população Dodge 2003 página 146 Omissi 1990 página 152 A ideia do efeito moral entrou no conceito mais militar de moral Que o signifi cado dessa noção nebulosa pode ter mudado de acordo com o que era visto como operacionalmente possível ou politicamente conveniente é uma coisa como ob serva Omissi mas também podemos notar que o efeito moral quase sempre retorna à perturbação da vida humana causada pelo bombardeio Um Memo rando do EstadoMaior da Aeronáutica de 1922 argumentava que a ação aérea deve confiar menos em danos materiais do que no efeito sobre a moral tribal da responsabilidade constante em atacar e o consequente deslocamento contínuo da vida cotidiana citado em Biddle 2002 pp 8283 Essa ideia nos remete à conjunção de violência e força moral característica do poder policial como um processo civilizador Essa lógica do processo civilizador é capturada nesse con ceito clássico de poder policial a prevenção Como disse Sir Hugh Trenchard em uma carta ao The Times em 1925 os métodos aéreos são em suma o reverso da velha coluna punitiva Nossa política é de prevenção citado em Smith 1984 página 30 Tal prevenção só funciona quando os sujeitos aceitam a paz que lhes é imposta e se tornam civilizados isto é mostram uma aceitação geral da ordem que está sendo criada 487 Em conjunto essas dimensões apontam para algo fundamental sobre o po der aéreo seu uso não para atacar estados inimigos ou para defender o estado de ataques inimigos mas sim para a fabricação de ordem colonial como parte de um novo sistema geopolítico sendo desenvolvido entre as guerras Sugere que para compreender adequadamente o papel geopolítico do poder aéreo precisamos entendêlo conceitualmente como poder policial ARTE DA GUERRA ARTE DA POLÍCIA Pensar no poder aéreo como poder policial nos coloca diante de uma ques tão que permeia tanto o pensamento militar contemporâneo quanto a teoria crítica a saber o que aconteceu com o conceito de guerra Em um livro sobre a moderna arte da guerra chamado The Utility of Force publicado em 2005 lido pelos militares mas também publicado como um livro de bolso barato para atingir um público mais amplo o general britânico Sir Rupert Smith começa com uma declaração dura A guerra não existe mais Smith 2001 página 1 Parece contraintuitivo até surpreendente e pode ser descartado como mera pro vocação até que se perceba que agora é uma ideia comum Um relatório de 2003 do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais com sede em Washington afirma que pode ser que uma das lições da guerra moderna seja que a guerra não pode mais ser chamada de guerra Cordesman 2003 página 59 Mas se não é guerra então o que é isso A resposta para isso fornecida por uma riqueza de fontes em todo o espectro político é polícia Dizemnos constantemente que o combate e o policiamento estão dinamicamente ligados e que os papéis da polícia e das forças militares se confundem Exército e Corpo de Fuzileiros dos EUA 2006 seções 695 e 726 Essa ideia foi repetida várias vezes e está implícita nos vários conceitos atualmente comumente usados por acadêmicos e jornalistas como policial do mundo xerife gendarme global globocop soldados como policiais o azul no verde e geopolítica azul Na esquerda crítica encontrase essa ideia sendo articulada por figuras como Alain Badiou 2003 páginas 153155 que escreve sobre os governos que se opõem ao terrorismo no registro simbólico do policiamento e Gior gio Agamben 1993 p 61 que escreve sobre a guerra agora sendo apresenta da como uma operação policial aparentemente modesta Mas o trabalho mais influente foi o de Michael Hardt e Antonio Negri Em Império Hardt e Negri sugerem que a guerra é reduzida ao status de ação policial com os EUA atu ando como o poder da polícia internacional Hoje o inimigo assim como a própria guerra vem a ser banalizado e por banalizado significa reduzido ao status de repressão policial de rotina Hardt e Negri 2000 páginas 1213 39 180 181 Para não sermos claros sobre o significado deles eles repetem o ponto 488 quatro anos depois em Multidão onde nos dizem novamente que a guerra é re duzida à ação policial Hardt e Negri 2004 página 19 Esta afirmação tomou vida própria desde a sua primeira articulação por Hardt e Negri na medida em que não posso citar todas as vezes que a sua alegação foi citada com aprovação uma vez que as referências são agora centenas No entanto o que é essa redução exatamente Não nos é dito nem por que o processo precisa ser entendido como redução nem o que redução significa em qualquer sentido real A extensão do problema pode ser melhor explorada por meio de uma consideração de suas raízes no trabalho de Foucault uma vez que esses textos têm Foucault como uma pedra de toque Como mencionado acima Foucault é sem dúvida o pensador que mais fez para colocar a polícia de volta no centro do pensamento político A série de compromissos com a ideia policial citada acima através de Folie et Déraison The Birth of the Clinic e outros textos são desenvolvidos mais plenamente nas duas palestras de Foucault dadas entre 1977 e 1979 agora publicadas como Security Territory Population e The Birth of Biopolitics Ao mesmo tempo Foucault mais do que qualquer um também procurou pensar nas relações sociais usando o modelo de guerra Isso ficou claro desde a publicação de várias séries de palestras até a década de 1970 antes da Security Territory Population e The Birth of Bio politics Por exemplo o grande confinamento que em Folie et Déraison havia sido um assunto policial é tratado nas palestras de 197374 sobre o poder psiquiátrico como um campo de batalha 2006b página 7 Em outras palestras Foucault desenvolve esse enfoque como a série traduzida como Society Must Be Defended 2003 onde ele inverte Clausewitz e insiste que devemos ver a política como a continuação da guerra por outros meios que o que está acontecendo sob as rela ções de poder é a guerra que devemos analisar a frente de batalha que atravessa toda a sociedade que a paz está travando uma guerra secreta e assim por diante Essa abordagem de pensar politicamente sobre a guerra e pensar política como guerra é reforçada nos trabalhos mais substantivos de Foucault como The History of Sexuality mas principalmente em DisciplineandPunish onde ele toma como modelo uma batalha perpétua em vez de contrato e que usa os militares e não a prisão apesar dos motivos familiares do livro para entender o poder Podese portanto ler Foucault como às vezes pensando em poder através das lentes da polícia e às vezes através das lentes da guerra No entanto há algo fundamentalmente estranho no trabalho de Foucault a esse respeito na medida em que essas realmente parecem ser duas lentes diferentes Em outras palavras ele nunca faz muito para conectar seus conceitos de polícia e guerra oferecendo uma exploração de como esses dois aparatos podem ser considerados juntos um dentro do outro lado a lado ou implicados um no outro Em SocietyMustBeDe fended por exemplo ele fala longamente sobre a guerra mas dá apenas algumas 489 referências passageiras e um tanto supérfluas à polícia Nas palestras dois anos depois publicadas como Security Territory Population ele fala sobre a polícia e a guerra e ainda assim em sua maioria discuteas separadamente Ele fala de dois grandes agenciamentos um aparato militardiplomático de um lado e o aparato policial do outro E embora ele sugira que existe uma relação entre a polícia e o equilíbrio europeu mantido pela assembleia militardiplomática e que esses dois aparatos tiveram que manter uma relação de forças e depois o crescimento dessas forças de um modo que as conecte sob o signo de seguran ça ele na maioria das vezes as mantém separadas chegando até certo ponto de caracterizar o Estado italiano como um estado de diplomacia militar mas não policial Foucault 2007 p 110 296 311312 314 317 Da mesma forma Foucault descreve o grande processo de ordenamento policial que começou com a caça de vagabundos mendigos ociosos 1996 p 83 ênfase acrescen tada ver também 2006a páginas 6264 mas ignora o fato de que a história da caça é a história da guerra648 É essa relação um tanto desconectada entre o poder da polícia e o poder de guerra no trabalho de Foucault que penso explica uma série de características do pensamento contemporâneo em relação à guerra e à polícia Por um lado explica por que o volume substancial de trabalho decorrente dos argumentos de Foucault sobre a polícia raramente aborda a dimensão internacional dos poderes policiais de uma forma que possa forçar esses estudiosos a considerar a questão da guerra duas exceções sendo Dean 2006 e Walters 2002 Por outro lado é também por isso que aqueles que trabalharam para tornar Foucault mais relevante para a teoria geopolítica e internacional ignoraram mais ou menos completamente o conceito de polícia Desses últimos estudos acadêmicos deixeme dar dois exem plos abrangentes em quinze artigos publicados Em 2010 a revista International Political Sociology publicou uma edição volume 4 edição 2 com uma seção especial resultante de uma mesa redonda que explorava a relação entre Foucault e as relações internacionais na conferência da International Studies Association de 2009 No entanto nenhuma das sete contribuições levanta a possibilidade de conectar a atual questão da guerra polícia com o enorme corpo de trabalho sobre a polícia inspirado pelas ideias de Foucault sobre esse conceito Em 2011 a revista Geopolitics publicou uma edição especial volume 16 edição 2 sobre Guerra além do campo de batalha com o título projetado para significar uma abordagem à guerra fora dos principais estudos militares e estratégicos Como explicado por David Grondin em seu artigo de abertura os autores procuram ex plorar através de uma compreensão foucaultiana os espaços onde as fronteiras 648 Eu tenho explorado isso mais detalhadamente em O sonho policial da pacificação acumulação guerra de classes e a caça 2013b 490 da guerra e da política colidem 2011 p 254 Desta vez há oito contribuições mas nenhuma delas levanta a possibilidade de se conectar usando o conceito de polícia de Foucault para compreender questões geopolíticas da guerra contra o terror Polícia aparece em alguns dos artigos mas é definitivamente a polícia o órgão que prende pessoas cobra taxas regula demonstrações e assim por diante Em outras palavras o que aparece é um conceito decididamente liberal e não foucaultiano de polícia O mesmo ponto pode ser feito de vários outros traba lhos Apesar de suas tentativas de abalar as relações internacionais e a geopolítica e apesar de apresentarem alguns trabalhos interessantes no processo essas contri buições permanecem firmemente no terreno estabelecido dentro da geopolítica e das relações internacionais apesar de empregar Foucault eles acabaram mais ou menos completamente por desistir de qualquer tentativa de usar o conceito de polícia Mas como estou sugerindo essa desconexão radical parece ter suas raízes no próprio trabalho de Foucault E o que a desconexão mais explica eu acho é por que Hardt e Negri e incontáveis outros citandoos recorrem ao que é basicamente um conceito predominante e fundamentalmente liberal de polícia quando se fala sobre guerra reduzindo à polícia Argumentei em outro lugar Neocleous 2011 que de uma perspectiva crítica a distinção entre guerra e polícia é irrelevante favorecendo um mito libe ral fundamental Não apenas este mito liberal particular mas a mitologia liberal mais geral replicada em toda a tradição sociológica ou seja a simplificação da complexidade do poder do Estado em distintas dicotomias direitoadministra ção constitucionalexcepcional normalemergência cortetribunal legislativo executivo estadosociedade civil e claro militarpolicial O crescente corpo da sociologia política foucaultiana das relações internacionais e da geografia política quer de alguma forma conservar embora com propósitos políticos diferentes a polícia e a guerra como práticas distintas daí o argumento de que a guerra está no processo de alguma forma se tornar policial e se tornar reduzida à polícia Tudo o que se entende por tal afirmação é que os soldados estão agora perfor mando mais das tarefas que poderíamos esperar de performasses policiais Mas isso invoca um conceito notavelmente empobrecido de polícia então novamen te também invoca um conceito notavelmente empobrecido de guerra Todo o potencial crítico em explorar o nexo entre a guerra e a polícia se perde no que equivale a uma rejeição do que pode ser compreendido sob a ideia da polícia Eu estou argumentando que a abordagem da guerra está se tornando policial faz pouco para trazer genuinamente guerra e polícia juntas e lança pouca luz so bre qualquer uma delas mais ou menos replicando a concepção liberal de polícia ela se aproxima mais de mistificar do que de explicar Uma boa quantidade de trabalho recente explorou a relação entre guerra e lei direito da lei guerra mas a implicação do meu argumento é que precisamos pensar mais amplamente 491 do que até mesmo a guerra ecomo lei e considerar em vez disso guerra ecomo polícia isto é precisamos de um argumento que trabalhe sobre e com o nexo do poder de guerra e do poder policial Para colocar de outra forma precisamos de senvolver uma teoria crítica do poder do Estado que pressuponha que a guerra e a polícia estejam sempre juntas guerra e polícia como predicativos um do outro a guerra e a polícia não são instituições distintas os militares e a polícia que então levanta questões sem sentido sobre como essas instituições se relacionam como elas se sobrepõem como elas simulam umas às outras como elas estão ficando embaçadas mas como processos trabalhando em conjunto como poder de estado Assim para voltar ao meu argumento sobre o poder aéreo o que descobri mos é que uma forma de tecnologia que foi entendida com demasiada rapidez e facilidade em termos militares é melhor compreendida através da lente do po der policial Isso não é guerra se tornando polícia e nem a ideia de que a guerra está sendo reduzida à polícia como se a guerra fosse de alguma forma algo maior melhor mais substancial que a polícia Nem é um caso de pequenas guerras Meu argumento é que entendida em termos da fabricação da ordem essa tecno logia em particular sempre precisou ser entendida através de um nexo entre guer ra e polícia No que resta deste artigo gostaria de tentar reforçar esse argumento usandoo para tentar compreender talvez a questão fundamental do poder aéreo contemporâneo os drones Por outro lado gostaria de usar o desenvolvimento contemporâneo da tecnologia drone para ajudar a reafirmar meu argumento VITÓRIA ATRAVÉS DO PODER AÉREO Como é sabido o poder aéreo usado na guerra contra o terror tem sido cada vez mais operado através da tecnologia dos drones O inventário de VANT veículos aéreos não tripulados UAV unmanned aerial vehicle do Departa mento de Defesa dos EUA cresceu de 167 em 2002 para 7000 em 2010 Audi ência perante o Subcomitê de Segurança Nacional e Relações Exteriores 2011 páginas 2 e 75 Entre 2001 e 2008 as horas de cobertura de vigilância para o Comando Central dos EUA abrangendo o Iraque o Afeganistão o Paquistão e o Iêmen aumentaram em 1431 como resultado da tecnologia de drones em desenvolvimento em 2010 a Força Aérea dos EUA projetou que as horas de voo combinadas de todos os seus drones excederiam 250000 horas excedendo em um ano o número total de horas de 1995 a 2007 Turse e Engelhardt 2012 página 37 enquanto no Reino Unido O UAV Reaper alcançou um marco de 20000 horas voadas em 2011 Ministério da Defesa 2011 Ao mesmo tem po as notícias sobre os drones agora são constantes à medida que mais e mais estados agora cerca de cinquenta os operam Os drones também ocupam um 492 espaço chave nos debates sobre a nova guerra virtuosa no coração da guerra virtuosa está a capacidade técnica e o imperativo ético de ameaçar e se necessário atualizar a violência à distância sem baixas ou com baixas mínimas Der Derian 2001 página xv ênfase no original e como consequência o mesmo acontece com a raiva deles entre ativistas e pensadores críticos Uma característica dessa raiva parece ser que os drones não são tripulados e portanto um novo passo na tecnologia do distanciamento militar ou da guerra de transferência de risco Essa afirmação foi feita com tanta frequência que uma lista completa de referências seria inútil então deixo o ponto mais geral de Eric Hobsbawm aqui uma das características da era dos extremos observa Hobsbawm é a nova impessoalidade da guerra que matou e mutilou a con sequência remota de apertar um botão ou mover uma alavanca A tecnologia tornou suas vítimas invisíveis como pessoas evisceradas por baionetas ou vistas através das armas de fogo não poderia ser Um dos principais exemplos de Hobsbawm é sem surpresa o poder aéreo Muito abaixo dos bombardeiros aé reos não estavam pessoas prestes a serem queimadas e evisceradas mas alvos as maiores crueldades do nosso século foram as crueldades impessoais da decisão remota 1994 página 50 A crueldade impessoal do assassinato à distância e da tecnologia não tripulada parece ser a essência de um aspecto da crítica aos dro nes bombardeios e assassinatos por um equipamento muito distante de qualquer operador humano De uma perspectiva crítica isso parece uma coisa bastante ingênua para se irritar seja em termos dos conflitos da história mundial ou em termos de possibilidades tecnológicas já que maximizar a letalidade enquanto reduz o risco para os próprios combatentes do estado é inerente à lógica de todo avanço tecnológico militar A outra grande preocupação das pessoas com os drones é que eles agora pa trulham os céus não apenas nas terras do Afeganistão Iraque e Paquistão mas de todo o planeta e não apenas em zonas de guerra mas em áreas civis Assim descobrimos que eles agora sobrevoam cidades envolvidas em operações policiais desde o gerenciamento de emergências causadas por desastres naturais a espiona gem de cartéis de drogas estrangeiros combate ao crime operações de controle de fronteiras e vigilância geral Wall e Monahan 2011 página 240 Nos EUA após uma decisão da Autoridade Federal de Aviação de 2003 de conceder licença para os VANTs sobrevoarem o espaço aéreo civil americano mais e mais estados americanos agora trabalham com drones e um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso observou em 2010 que recente modificação do UAV é parte de um esforço contínuo de alguns formuladores de políticas e do CBP Alfândega e Proteção de Fronteiras para expandir os recursos do UAV do CBP e abrir o espa ço aéreo doméstico para as operações dos UAV Haddal e Gertler 2010 página 1 No Reino Unido várias forças policiais testaram o uso de drones mais de 493 120 empresas receberam permissão para transportar pequenos drones dentro do Reino Unido para fins de vigilância e o programa UK ASTRAEA visa permitir o uso rotineiro de UASs Sistemas de aeronaves não tripuladas em todas as clas ses de espaço aéreo sem a necessidade de condições restritivas ou especializadas de operação ASTRAEA 2012 também Cole 2012 página 26 Daí a crítica que diz isso é tecnologia projetada para a guerra e está sendo usada para policiar civis é mais um passo na militarização do policiamento Meu argumento no entanto é que o poder aéreo sempre foi o poder da polícia Com base nisto precisamos ler o drone não como uma nova forma de tecnologia militar que de alguma forma pode invadir espaços civis mas sim como uma continuação da lógica policial inerente ao poder aéreo desde a sua criação Apesar da publicidade em torno deles a grande maioria dos drones não é um bombardeio sofisticado ou máquinas de matar mas na verdade são modelos pequenos e desarmados usados principalmente para a vigilância no campo de batalha Das 10 499 missões voadas por drones Predator e Reaper sobre o Iraque e o Afeganistão durante 2007 e 2008 os mísseis foram disparados em apenas 244 missões Turse e Engelhardt 2012 página 149 Wall e Monahan 2011 página 242 Sua principal característica é que eles são descartáveis uma característica destacada pelos UAVs cada vez menores lançados de aeronaves disparados ao ar com a mão catapultas ou estilingues Blackmore 2005 páginas 130131 Sin ger 2009 páginas 116 120 Essa descartabilidade é um reflexo de sua principal função que é não bombardear ou assassinar mas reunir isto é construir co nhecimento Isso explica os nomes orientados para a vigilância de quase todos os diferentes drones Global Hawk Dragon Eye Desert Hawk Gorgon Stare depois da criatura na mitologia grega cujo principal poder residia no olho Wa tchkeeper e também explica por que eles são mencionados pelo Estado menos como máquinas de matar e mais em termos de uma série de outras habilidades como reconhecer e categorizar humanos e objetos feitos pelo homem identificar movimentos interpretar pegadas e distinguir diferentes tipos de pegadas na su perfície da Terra Além disso e mais urgentemente precisamos entender que da perspectiva histórica mais ampla do poder aéreo não há áreas civis e não há civis a única lógica é uma lógica policial Assim que o poder aéreo foi criado a questão era o que isso faz para o espaço civil E essencialmente a resposta foi isso destrói O poder aéreo assim também destrói o conceito do civil Este foi o tema principal da literatura sobre o poder aéreo dos anos 1920 encontrado nos trabalhos de Mi tchell Seversky Fuller e todos os outros mas a análise fornecida em O Comando do Ar por Giulio Douhet publicado pela primeira vez em 1921 expandido em 1927 e talvez o primeiro relato definitivo da influência do poder aéreo na histó ria mundial é representativo a arte da guerra aérea observa Douhet é a arte de 494 destruir cidades atacar civis aterrorizar a população No futuro a guerra será travada essencialmente contra as populações desarmadas das cidades e grandes centros industriais Não há mais soldados e cidadãos ou combatentes e não combatentes a guerra não é mais um confronto entre exércitos mas um con fronto entre nações entre populações inteiras Bombardeio aéreo significa que guerra é agora guerra total Douhet 2003 páginas 11 158 223 As grandes potências lutaram contra aceitar isso por algum tempo Ou pelo menos luta ram contra aceitálo em sua doutrina clássica de guerra como uma batalha entre estadosnação militarmente industrializados o bombardeio policial de colônias era inteiramente aceitável para eles como vimos Mas eventualmente no curso da Segunda Guerra Mundial eles sofreram e em julho de 1945 uma avaliação do poder aéreo estratégico pelo Exército dos EUA poderia declarar abertamente que não há civis no Japão citado em Sherry 1987 página 311 Essa visão tem sido mantida desde então Não há civis inocentes diz o general dos EUA Curtis LeMay citado em Sherry 1987 página 287 A recente literatura sobre o poder aéreo sobre o inimigo como um sistema continua nesta mesma linha649 Por isso e contrariamente às afirmações feitas em ambos os extremos do espectro político os recentes ataques aéreos em Beirute e Gaza revelam a crescente insig nificância da palavra civil Dershowitz 2006 ou significam que podemos estar testemunhando a morte da ideia do civil Gregory 2006 p 633 devese dizer que qualquer conceito significativo de o civil foi destruído com a própria invenção do poder aéreo Hartigan 1982 página 119650 O ponto é que visto a partir da perspectiva do poder aéreo como poder de polícia o uso de tecnologia de drone sobre o que alguns ainda gostariam de cha mar de espaços civis era altamente previsível Isso nos permite fazer um argu mento muito mais convincente sobre os drones Para a tecnologia do poder aéreo similar em geral o drone serve tanto como plano quanto como possibilidade Pandya 2010 p 143 E o que se torna possível com o drone é a presença poli cial permanente em todo o território Aeronaves não tripuladas revolucionaram nossa capacidade de fornecer um olhar constante contra nosso inimigo disse uma autoridade militar sênior dos EUA Usando o olho que tudo vê você des 649 Estou pensando aqui no influente trabalho do Coronel John Warden III um membro da Diretoria de Planos de Pessoal Aéreo da Força Aérea dos EUA e uma figura chave por trás da estratégia para a primeira Guerra do Golfo O livro de Warden The Air Campaign 1988 que rapidamente se tornou um texto padrão delineia uma aborda gem baseada na identificação e ataque ao centro do inimigo ou centros de gravidade mais tarde desenvolvido em um Modelo de Cinco Anéis cada anel constituindo um centro de gravidade que pode ser alvo A implicação é que a população a produção e a infraestrutura podem precisar ser alvos sob o argumento de que o inimigo funciona como um sistema Por todas as suas formulações e permutações a teoria é uma que aponta para neutra lizar os centros urbanos e destruir a produção industrial em outras palavras para populações civis devastadoras ver Warden 1989 1995 650 É claro que os estados gostam de afirmar que o poder aéreo lhes permite distinguir melhor entre civis e nãocivis mas meu argumento aqui ajuda a revelar que isso é propaganda do tipo mais puro uma mentira ponto final 495 cobrirá quem é importante em uma rede onde moram onde obtêm seu apoio onde seus amigos estão citado em Barnes 2009 Por mais que isso possa ser geopoliticamente importante com os drones sendo capazes de manter vigilância ininterrupta de vastas áreas de terra e mar enquanto a tecnologia e o abasteci mento de combustível permitirem também é nada menos que o sonho do estado de uma presença policial perpétua em todo o território Neocleous 2000 E é uma presença policial encapsulada pelo processo de colonização capturada no documento do exército StrikeStar 2025 que fala da presença permanente de UAVs no céu como uma forma de ocupação aérea Carmichael et al 1996 página viii Os drones têm sido descritos como a tecnologia perfeita para a guerra democrática combinando um certo caráter utilitário com uma apelativa trans ferência de risco Sauer e Schoring 2012 mas talvez precisemos pensar neles igualmente como a tecnologia perfeita da polícia liberal Quando em 1943 a Disney procurou popularizar a ideia de vitória pelo poder aéreo a empresa pro vavelmente tinha pouca ideia do que essa vitória poderia significar além da der rota do Japão Mas se há uma vitória do poder aéreo sobre o Estado certamente não é apenas a derrota de um inimigo militar mas a vitória da polícia perpétua REFERÊNCIAS Adey P 2010 Aerial Life Spaces Mobilities Affects WileyBlackwell Chichester Sussex AS TRAEA 2012 httpwwwastraeaaero Agamben G 1993 The Sovereign Police in The Politics of Everyday Fear Ed B Massumi University of Minnesota Press Minneapolis MN pp 6163 Air Staff Memorandum 1920 On the power of the air force and the application of this power to hold and police MesopotamiaMarch Air Ministry Records London Badiou A 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grande porção desses trabalhadores mexicanos reside na Califórnia muitos deles sem documentação A economia EUAMéxico pode ser caracterizada como um grande fluxo de pessoas que se deslocam ao norte paralelo a um fluxo de dólares que se dirige ao sul A integração nas áreas de fronteira está avançando tão rapidamente ao ponto de muitos observadores a caracterizarem como uma reconquista ou reapropriação pacífica das terras perdidas aos EUA pelo México após a conclusão do Tratado de Guadalupe Hidalgo em 1848 Atu almente essas áreas de fronteira encontramse entre as regiões que mais crescem nos dois países e exibem uma mudança radical na vida econômica sociocultural política e demográfica Nas palavras de Carlos Monsiváis la frontera portátil está em todo lugar Monsiváis 2003 da Cidade do México a Los Angeles de São Paulo a Nova York A fronteira portátil está se tornando uma característica fun damental da vida urbana pelo globo 651 Texto publicado originalmente em inglês com o título Postborder cities postborder world the rise of Bajalta California na Revista Environment and Planning D Society and Space 2005 volume 23 páginas 317 321 a tradução para o português foi feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira e por Lucas Dagostini Gardelin 652 Michael James Dear é um geógrafo urbano leciona na Faculdade de Design Ambiental da Universidade da Califórnia Berkeley nos Estados Unidos é membro do Bellagio Center da Rockefeller Foundation em Villa Serbelloni no lago de Como na Lombardia Itália e do Center for Advanced Study in Behavioral Sciences da Universidade de Stanford em Stanford Califórnia escreveu vários livros incluindo Why Walls Wont Work Repairing the USMexico Divide publicado pela Oxford University Press em fevereiro de 2013 Doutor em Filosofia Regional Science Universidade da Pensilvânia Mestre em Artes Regional Science Universidade da Pensilvânia Mestre em Filosofia Planejamento Urbano Universidade de Londres Bacharel em Artes Geogra fia Universidade de Birmingham Inglaterra 653 Héctor Manuel Lucero nascido na Cidade do México em 1973 É arquiteto formado pela Universidade Autônoma de Baja California UABC e estudou o mestrado em arquitetura na University of Southern California USC em Los Angeles Foi diretor do projeto Border CulturesCulturas Fronterizas do Centro de Estudos do Sul da Cali fórnia da Universidade do Sul da Califórnia Ele atuou como Chefe do Departamento de Patrimônio Cultural e Culturas Populares do Instituto de Cultura da Baja California e como Diretor de Auditoria Ambiental na Secre taria de Proteção Ambiental da Baja California Atualmente é diretor do Estudio Héctor Lucero Arquitetura e Urbanismo e HL Design and Environmental Cosnultory Ele é o autor dos livros Mexicali 100 Años Arquitectura y Urbanismo en el Desierto del Colorado Mexicali Lo Moderno También es Historiae Poblando Baja Califor nia 500 NOVOS MEIOS DE CONSTRUIR CIDADES A maior parte da população mundial é hoje urbana tendência que muito provavelmente se intensificará no futuro previsível Há pouca dúvida de que a ordem global do século XXI será determinada principalmente por um núme ro relativamente pequeno de megacidades É pois importante compreender as principais dinâmicas que geram a produção de cidades em todo o mundo Cinco tendências são especialmente importantes World city cidade do mundo emergência de relativamente poucos centros de comando e controle em uma economia em globalização referidos como cida deregiões que são funcionalmente integrados paralelamente com hierarquias urbanas nacionais e internacionais Cybercity cibercidade os desafios da era da informação e a ascensão de uma sociedade de rede especialmente a emergência de tecnopólos geografi camente bem definidos cujo crescimento contradiz a excessivamente apregoada capacidade da conectividade em superar as limitações de espaço Dualcity cidade dual uma crescente polarização entre pobres e ricos na ções poderosos e impotentes entre diferentes grupos étnicos raciais e religiosos entre gêneros entre os que conectados digitalmente e os que não são Hybrid city cidade híbrida a fragmentação e a reconstituição da vida material e cognitiva inspiradas pelas migrações globais e regionais incluindo o colapso das identidades e comunidades tradicionais a emergência de novos con ceitos de cidadania e a ascensão de hibridismos culturais e espaciais Sustainable city cidade sustentável a emergência de uma consciência glo bal acerca da necessidade de proteger e conservar os recursos naturais bem como de gerenciar o crescimento urbano de modo a assegurar a futura viabilidade do habitat global por meio de minimização do impacto ecológico oriundo das ativi dades e assentamentos humanos Essas cinco tendências globalização sociedade de rede polarização hi bridismo e sustentabilidade não estão sempre sincronizadas e suas sinergias podem ser profundamente contraditórias Mais importante talvez é a existência de uma clara dicotomia entre uma economia que se globaliza e uma política que se torna cada vez mais localizada basta que testemunhemos a ascensão de po derosas demandas por autonomia local materializada nas formas de movimentos de liberação nacionalismos locais revitalizados e lutas de secessão Na medida em que a globalização econômica avança rapidamente as estruturas e instituições da naçãoestado e do direito internacional veemse cada vez mais mal equipadas para fazer frente ao desafio do globalismo Isso pode ser especialmente importan 501 te porque no século XXI a política e a guerra são supostamente menos focadas no poderio econômico e militar das nações do que no assim chamado choque de civilizações NOVAS MANEIRAS DE ENXERGAR AS CIDADES Com a emergência da nova ordem mundial políticos e intelectuais em presários e cidadãos comuns lutam para compreender o que de fato está acon tecendo em nossas vidas A revolução informacional pôs em movimento forças que terão provavelmente consequências tão abrangentes quanto as revoluções agrícola e industrial dos séculos passados companhias transnacionais podem re alocar instalações de produção e destruir economias locais ou nacionais pratica mente da noite para o dia as guerras preventivas e o terrorismo comprometem a segurança nacional de todos os povos incluindose aí seus perpetradores a pandemia global de AIDS de algum modo falha em chamar a atenção dos que possuem os meios para combatêla e o mundo tropeça em direção à catástrofe ambiental Tais tendências são tão novas e tão complexas que as pessoas têm dificul dade para entendêlas Inventamos termos como pósindustrial para sugerir a emergência de economias mais baseadas em indústrias de serviço do que nas de manufatura Outra palavra pós favorecida é póscolonial usada para descrever cidades e sociedades pelo mundo que estão agora se libertando do controle de seus antigos mestres coloniais A popularidade dos termos pós demonstra que embora possamos estar convencidos de que deixamos para trás as eras anteriores ainda possuímos um incipiente conhecimento acerca da direção que estamos to mando Uma de nossas contribuições para a busca de compreensão é o conceito de sociedade pósfronteira Dear e Leclerc 2003 Se existe alguma razão para que sejamos otimistas acerca de nossos futuros urbanos coletivos a noção de pósfronteira pode ser ela BAJALTA CALIFÓRNIA ASCENSÃO DA CIDADE PÓSFRONTEIRA No canto sudoeste dos Estados Unidos da América onde a península me xicana da Baja Califórnia ligase ao continente existe uma megacidade de mais de 22 milhões de pessoas A fronteira internacional entre os EUA e o México é dificilmente visível uma vez que é coberta pelas cidades de Tijuana e San Die go elas próprias fundidas imperceptivelmente com Tecate e Rosarito e ainda pela crescente metrópole de Los Angeles Ocasionalmente extensões elevadas de montanhas interrompem o carpete de desenvolvimento urbano mas a vasta megacidade sobrepujou tais elevações introduzindose nos desertos próximos 502 Em alguns lugares a irrigação miraculosamente converteu essas planícies áridas numa fértil terra de agricultura que de vez em quando logra de forma bemsuce dida aplacar a inexorável expansão da megacidade Esta enorme aglomeração de pessoas e atividades não possui nome algum Ela é geralmente indicada com base em suas partes constituintes Tijuana Rosarito Tecate Ensenada San Diego Los Angeles Santa Barbara o Inland Empire Palm Springs e assim por diante Nós entretanto chamamos esta aglomeração de Bajalta Califórnia visto ser ela uma única e integrada cidaderegião que ocasionalmente ultrapassa uma fron teira internacional Em 1848 esses territórios contestados às margens do Oceano Pacífico eram esparsamente povoados Hoje em dia essas áreas hospedam uma cidade emergente de importância internacional e global Como tudo pôde mu dar em tão curto espaço de tempo Não há precedente histórico para o que aconteceu com Bajalta Califórnia Foram necessários muitos séculos de contínuo crescimento urbano para produ zir Nova York Paris e Londres menos de 100 anos bastaram para que se criasse em Bajalta uma megacidade de dimensões equivalentes A produção cultural na Bajalta Califórnia dos dias de hoje é uma consequência das tensões existentes entre o México e os EUA De acordo com Néstor Gárcia Canclini 1996 essas tensões produzem um hibridismo que abarca tanto o deslocamento associado à migração quanto a desterritorialização ligada à globalização Como conse quência a condição emblemática dos ambientes de fronteira é a produção de culturas híbridas Canclini descreve Tijuana como um grande laboratório da pós modernidade Homi Bhaba 1994 usou o termo terceiro espaço para definir o espaçoentre culturas Guillermo GomezPeña citado em Rouse 1996 p 248 referese à fronteira TijuanaSan Diego como uma lacuna entre dois mundos uma metáfora para muitas coisas inclusive para travessia literal passagem espi ritual um palco de luta e transgressão Debra Castillo 1995 captura a essência de uma consciência fronteiriça na qual a potencialidade para cruzar ou não ao outro lado é uma presença constante nas vidas dos habitantes de fronteiras Num esforço para explicar o que está acontecendo neste mundo de hibri dismo começamos a considerar Bajalta Califórnia como uma cidade pósfron teira Em termos formais uma cidade pósfronteirapode ser definida como a coleção de duas ou mais áreas urbanas que existem em uma proximidade geo gráfica relativamente acentuada e são cortadas ao meio por uma fronteira inter nacional embora funcionem como uma aglomeração urbana única e integrada Tais complexos urbanos podem existir numa variedade de escalas inclusive a metropolitana e a local elas podem ser extremamente assimétricas em termos de tamanho de assentamento em ambos os lados da fronteira Uma ecologia pós fronteiraé uma manifestação física ou mental da mescla de tradições culturais econômicas sociais e políticas e frequentemente se apresenta como atividades 503 ou comportamentos de notável originalidade incluindo a importação de práticas de consumo a formação de hibridismos culturais e adaptações linguísticas To madas em conjunto a combinação de percepções mentais e as práticas materiais definem o que pode ser chamado de condição pósfronteira uma consciência que é característica de lugares em que elementos de diferentes mundos coexistem e sofrem mutação Tal condição está atualmente transformando vidas em bairros localizados nos dois lados das fronteiras criando com isso uma macrofonteira imprecisa654 que se estende muito além das linhas da fronteira propriamente dita Isso pode ser percebido em muitas instâncias francas e nuançadas Como o número de latinos nos EUA cresceu as cifras indicam atual mente mais de 35 milhões as celebrações da quinceañera festa de debutante tornaramse mais comerciais e mais populares A WalMart agora estoca vestidos para a quinceañera em 200 lojas distribuídas por mais de 30 estados Os festejos estão se expandindo para além da comunidade latina e católica e os convidados consistem em uma composição cada vez mais multiétnica Na Califórnia onde um terço da população recebeu a identificação his pânica no censo de 2002 os hispânicos cada vez mais definem o que significa ser um californiano Em julho de 2001 pela primeira vez desde os anos 1850 a maioria dos recémnascidos era hispânica e mais de dois terços deles nasciam na Califórnia do Sul Em 1975 nascimentos hispânicos perfizeram apenas um quarto do total estadual O crescimento da população hispânica está sendo ago ra dirigido por um incremento natural não por meio da imigração Uma nova identidade da Califórnia é prevista por muitos Talvez um dos exemplos mais importantes de hibridismo seja a ascensão do Espanglês uma linguagem mestiça que se encontra em algum lugar entre o espanhol e o inglês Do Texas à Califórnia é possível encontrar estações de rá dio e de televisão que misturam fluidamente as duas línguas o que os linguistas chamam de mudança de código através da qual palavras e frases de uma língua são lançadas em sentenças de uma outra Parte da razão do Espanglês devese à necessidade de comunicação formas de Espanglês certamente estavam presen tes desde a chegada de anglófonos à Califórnia mas a sua versão atual é também praticada por diversão pelo simples prazer de brincar com línguas Ele está se movendo para fora das vizinhanças latinas e sendo usado como instrumento de marketing para produtos Em 2001 aproximadamente 286 milhões de pessoas e mais de 97 mi lhões de veículos cruzaram legalmente a fronteira entre o México e os EUA Os pontos mais congestionados de travessia foram San YsidroTijuana Calexico 654 NT No original blurred que pode ser traduzida literalmente como borrada 504 Mexicali El PasoCiudad Juárez LaredoNuevo Laredo e Hidalgo McAllen Reynosa Neste mesmo ano o Serviço de Alfândega dos EUA recolheu apro ximadamente 22 bilhões de dólares em duties e fees taxas e tributosimpostos contribuições Ninguém sabe quantos imigrantes ilegais estão vindo para os Estados Unidos com o objetivo de instalação permanente Estimativas oficiais oferecem a figura de aproximadas 350 000 pessoas por ano mas qualquer cifra entre 400 000 e 500 000 parece mais provável A fronteira sempre foi um lugar selvagem e atividades ilegais persistem como parte da vida cotidiana ao longo das fronteiras O assassinato de centenas de mulheres jovens em Ciudad Juárez é agora causa de preocupação internacio nal Jornalistas que investigam os cartéis de drogas são mortos nas ruas de Tiju ana Uma investigação federal está atualmente examinando as ligações entre a força policial de Chihuahua e os traficantes de drogas de Juárez E nos EUA os dois parques nacionais mais perigosos são o Organ Pipe Cactus National Move ment Arizona e o Big Bend National Park Texas Ambos estão infestados pelo tráfico de drogas e pela imigração ilegal E mulheres e crianças que são forçadas à prostituição nos Estados Unidos são amiúde raptadas no Leste Europeu trans portadas para o México e então contrabandeadas para os EUA como escravas sexuais Em Phoenix as taxas de homicídio encontramse em seu ápice histórico e a polícia afirma que quase dois terços dos crimes cometidos na cidade são rela cionados ao tráfico e ao sequestro Depois do NAFTA o comércio da Califórnia com México e Canadá estourou pulando do valor de 12 bilhões de dólares em 1993 para o de 26 bi lhões em 2002 Em 1999 o México superou o Japão como mercado exportador líder do estado sendo responsável por mais de 17 das exportações A crescen te integração das duas economias é melhor revelada nos dados sobre remessas enviadas ao México por trabalhadores migrantes Nos primeiros seis meses de 2004 emigrantes mexicanos muitos na Califórnia enviaram um recorde de 79 bilhões de dólares ao México valor 26 maior do que o enviado no ano anterior A transação média é de 400 dólares e é destinada para rendas familiares em todo o México em especial para o gasto em itens de consumo pessoal As remessas representam um novo tipo de integração entre as nações Analistas financeiros estimam que anualmente no mundo todo 175 milhões de pessoas enviam mais de 150 bilhões de dólares de volta a seus países de origem Um quinto dos adultos mexicanos recebe remessas de parentes estabelecidos nos EUA Neste sentido os trabalhadores migrantes são atores na era da globalização parte de redes transna cionais que operam além das fronteiras mercados e comitês tradicionais Em McAllen Texas 80 dos novos negócios pertencem a mexicanos o reverso das proporções de cinco anos atrás McAllen agora atrai uma fatia maior de investimento mexicano do que qualquer outra cidade dos EUA afetando 505 tudo de vendas de varejo à aquisição imobiliária e férias655 A maior parte do in fluxo de dólares em McAllen é proveniente da cidade em expansão de Monterey localizada a apenas duas horas de distância pela rodovia de alta velocidade Essa viagem é de tal modo comum que um novo verbo espanhol foi criado mcalle near Em 1996 o México emendou sua constituição a fim de permitir que seus cidadãos votassem foram de seus locais de votação quatro anos mais tarde o pre sidente Vicente Fox prometeu estender a franquia aos nacionais mexicanos nos EUA um total 11 milhões de novos eleitores potenciais Embora Fox considere esses migrantes como heróis nacionais em virtude das remessas por eles enviadas ao México não há no presente sistema de votação in absentia656 no México Em 2003 sob pressão exercida por migrantes que enviavam 2 milhões de dólares diariamente para o estado de Zacatecas o governador Ricardo Monreal assinou uma reforma constitucional que pôs fim aos requisitos de residência para a elei ção de representantes Os destinatários desta reforma foram os mexicanos esta belecidos nos EUA e cujos pais eram originários de Zacatecas Além disso duas cadeiras no legislativo foram reservadas exclusivamente para migrantes FUTUROS URBANOS A FRONTERA PORTÁTIL E AS CULTURAS HÍBRIDAS Em Bajalta Califórnia nós podemos vislumbrar um futuro em que fron teiras podem não mais ser consequentes onde hibridismos estão apagando di ferenças culturais de todos os tipos Tratase de uma grande afirmação talvez impossível de ser provada ao menos no presente E no entanto após dois anos de viagem intensa pela fronteira EUAMéxico pensamos ser ela uma afirmação defensável Para compreender isso imagine o que aconteceria se você movesse a linha de fronteira dez ou vinte milhas ao norte de sua presente localização Vidas de pouquíssimas pessoas seriam alteradas Na verdade para muitos la línea já foi apagada Na travessia diária de centenas de milhares de pessoas que vivem trabalham e se divertem no milieu transnacional podemos já estar vislumbrando um mundo pósfronteira que representa a principal esperança para o nosso futu ro urbano coletivo REFERÊNCIAS Bhabha H 1994 The Location of Culture Routledge London 655 NT Referese a vacations ligada diretamente ao mercado vinculado às férias dos trabalhadores 656 NT No original o autor utiliza o termo absentee que remete ao sentido de voto ausente 506 Canclini N G 1996 Hybrid Cultures Strategies for Entering and Leaving Modernity University of Minnesota Press Minneapolis MN Castillo D A 1995 Borderlining an introduction in Tijuana F Campbell University of California Press Berkeley CA Dear M Leclerc G Eds 2003 Postborder City Cultural Spaces of Bajalta California Routle dge New York Monsivais C Where are you going to be worthier The border and the postborder in Postborder City Cultural Spaces of Bajalta California Eds M Dear G Leclerc Routledge New York Rouse R 1996 Mexican migration and the space of postmodernism em Between Two Worl ds Mexican Immigrants and the United States Ed D G Gutierrez Jaguar BooksWilmington DE 507 INSALUBRIDADE URBANA E INSEGURANÇA PÚBLICA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE AS PERSPECTIVAS DAS EPIDEMIAS E DA VIOLÊNCIA Pablo Lira657 Giovanilton André Carretta Ferreira658 Adorisio Leal Andrade659 EPIDEMIAS E INSALUBRIDADE URBANA DAS CHAMINÉS AOS BOULEVARDS Pensadores da história econômica caracterizam o período compreendido pelos anos 1760 e 1830 como a época de surgimento da Idade da Máquina O final do século XVIII e início do século XIX foi marcado por uma série de des cobertas tecnológicas importantes máquina a vapor locomotiva ferrovias entre outras invenções nos campos das engenharias que favoreceram o desenvolvimen to do industrialismo Com o aparecimento da fiação e tecelagem mecânicas e o conseqüente aparecimento das fá bricas grande número de artesãos fiadores e tecelões que tinha seus ofícios em seus lares fica desempregado Com essa abundância de mãodeobra com um grande capital comercial e usurário acumulado através da economia mercantilista e com um amplo mercado consumidor dado por suas colônias alguns países da Europa principalmente Inglaterra e França deram origem ao sistema capitalista baseado nas livres forças do mercado liberalismo econômico do 657 Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo UFES Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFES possui Especialização em Conservação e Manejo da Diversidade Vegetal pela UFES possui Aperfei çoamento em Planejamento Urbano pela Université de CergyPontoise possui Graduação em Geografia Bacha relado e em Geografia Licenciatura Plena pela UFES Atualmente é servidor público da carreira de Especialista em estudos e pesquisas governamentais do Instituto Jones dos Santos Neves IJSN Coordenador do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles UFRJIPPUR Professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha UVV Professor da Graduação de Arquitetura e Urbanismo Administração e Pedago gia da Universidade Vila Velha UVV Professor de Pósgraduação Lato Sensu Especialização da Universi dade Federal do Espírito Santo UFES da Universidade Vila Velha UVV e do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Espírito Santo IFES Professor Convidado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD nos cursos de Segurança Cidadã Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública FBSP Membro revisor da Geografares Revista do Mestrado e do Departamento de Geografia da UFES e da Revista Cadernos Metrópole periódico do INCT Observatório das Metrópoles Email pablosliragmailcom 658 Doutor em Arquitetura e Urbanismo Professor do Mestrado Arquitetura e Cidade e da Graduação em Arquite tura e Urbanismo da Universidade Vila Velha UVV Pesquisa em andamento Transformações socioespaciais urbano metropolitanos em tempos de globalização e as políticas urbanas no Espírito Santo Email giovanil ton2002hotmailcom 659 Mestre em Segurança Pública Policial Civil PCES e Professor da SENASP Email adorisiohotmailcom 508 laissezfaire FERRARI 1982 p 229 Nesse sentido o referido autor aponta que o capital usurário e comercial mãodeobra assalariada abundante e mercado consumidor foram as condições elementares para o alvorecer do sistema capitalista Sistema este que em simbiose com a industrialização incorporou a cidade como o lócus da produção A estrutura centralizadora e concentradora da urbe tornouse ainda mais intensificada com o advento da Revolução Industrial A situlogia urbana lato sensu da época salientava a necessidade da localização das indústrias nas suas cercanias com o propósito de aproveitar a proximidade da mãodeobra e do mercado consumidor O complexo fenômeno de urbanização fragmentou a cidade industrial em zonas caracterizadas por atividades funcionais predominantes refletindo e reproduzindo a lógica social no espaço zonas industriais comerciais residen ciais de baixo e alto padrão Cabe ressaltar que a estrutura social desta época diferente dos tempos atuais ainda não era tão problematizada resumindose em dois grupos antagônicos originados da dicotomia produçãoconsumo pro prietários dos meios de produção burguesia que utilizavam e ocupavam áreas privilegiadas e vendedores da força de trabalho proletariado que residiam em cortiços Nessa lógica o processo de urbanização toma proporções planetárias No início do século XIX apenas 20 cidades possuíam mais de 100 mil habitantes e apenas 17 da população mundial era urbana Na metade deste mesmo século constatouse a existência de 4 cidades com cerca de 1 milhão de habitantes Em 1900 esse número aumentou para 19 Do início à metade do século XX 141 cidades apresentavam população com mais de 1 milhão de habitantes 12 cidades entre 5 e 10 milhões de habitan tes 3 cidades com mais de 10 milhões de habitantes e 1460 cidades com mais de 100 mil habitantes Em 1950 a proporção da população urbana mundial girava em torno de 13 Ferrari 1982 reitera os dados supracitados afirmando que nunca as ci dades cresceram tanto como sob o regime capitalista de produção Do início ao fim do século XIX a população de Londres cresceu exponencialmente passando de 2 milhões para 4 milhões de habitantes Nesta época Paris seguiu a mesma tendência tendo sua população incrementada de 1 milhão para 2 milhões de pes soas Na Alemanha a população de Berlim passou de 150 mil para 13 milhão de habitantes Tal transformação ocorrera de maneira dinâmica em espaços urbanos que evidenciavam de forma latente a necessidade de intervenções infraestruturais 509 em prol do combate às epidemias e insalubridades que assolavam as principais ci dades do globo Estas apresentavam consequências diretas do rápido crescimento populacional imprimido pela revolução industrial Benévolo exemplifica o caso parisiense através da seguinte citação O centro da antiga cidade era cada vez mais claramente incapaz de suportar o peso de um orga nismo tão crescido as ruas medievais e barrocas não eram suficientes para o trânsito as velhas casas pareciam inadequadas face às exigências higiênicas da cidade industrial BENÉVOLO 1989 p 96 Como se constata o adensamento da população se deu em ruas estreitas por demais insuficientes para o escoamento do esgoto que se dava na maioria dos casos ao ar livre e para a circulação de pessoas e veículos tracionados por animais No entorno das fábricas as casas eram muito pequenas sujas possuí am paredes comuns umas com as outras e abrigavam um número incompatível de moradores A falta de espaço ao redor delas constituía uma séria dificuldade para a eliminação do lixo para a ventilação insolação e para a realização de algumas rotinas domésticas como a lavagem e secagem de roupas A maioria dessas residências se situava próximo das indústrias e ferrovias fontes de fuma ça barulho e poluição dos corpos dágua que eram utilizados para o abasteci mento urbano Em meio às situações calamitosas as populações que viveram décadas ex postas aos problemas referentes à insalubridade urbana de certa forma encara vam os riscos e ameaças das epidemias sem perspectivas de melhoria do quadro precário instaurado A falta de coleta de lixo e rede de águaesgoto a precariedade das vias a poluição generalizada as moradias compactas e apertadas e outras insalubridades e problemas urbanos na medida em que se manifestavam de forma mais acen tuada passaram a influir nos processos urbanos Medidas paliativas que não se comprometiam com soluções amplas começaram a ser implementadas contudo sem o êxito esperado A exemplo disso cabe destacar o gradativo movimento de abandono dos centros congestionados e consequente migração em direção às periferias imediatas procedido pelas classes abastadas De acordo com Sposito 2004 p 56 a periferia era entendida como uma espécie de território livre da iniciativa privada onde de forma independente surgiram bairros de luxo para abrigar os ricos emigrantes do centro Devido à pressão e expansão urbana essas novas áreas da cidade posteriormente também tornaramse referenciais para a instalação de unidades industriais mais complexas e inevitavelmente para a ocu pação de assalariados e recémemigrados do campo Segundo Molina 1997 no início do século XIX praticamente toda a Europa sofria reflexos decorrentes dos problemas infraestruturais e também do aumento da criminalidade derivados do processo da industrialização Conside 510 rando a alarmante situação das condições sanitárias a problemática da criminali dade assumia um caráter secundário nas preocupações das sociedades europeias Como se percebe toda a insalubridade urbana e proliferação de epidemias e problemas sociais passaram a incomodar até mesmo as classes mais ricas A falta de condições sanitárias em meados do século XIX possibilitou o alastramento de um surto de cólera pela Europa As carruagens burguesas já não podiam circular imunes pelas ruas com a lama e o cheiro que emanava dos amontoados de casas fábricas e ferrovias espaços onde o esgoto e o lixo constituíam uma paisagem ex tremamente degradada A poluição atingiu até os bairros ricos e a falta de água limpa era problema para todos SPOSITO 2004 p 59 Segundo Ferrari 1982 cidades inteiras da Europa foram atingidas por violentas epidemias Isso passou a preocupar seriamente os governos que proce deram o redirecionamento das pautas administrativas enfocando o saneamento básico como questão prioritária A segunda metade do século XIX foi marcada pela aprovação das primeiras leis sanitárias um modesto começo sobre o qual foram construídas as bases da legislação urbanística A ação integrada de médicos e engenheiros com a contribuição de ges tores legisladores planejadores e outros profissionais objetivouse a suprimir a insuficiência de esgotos água potável e a difusão das epidemias eliminando os principais males urbanos daquela época Esta árdua tarefa de caráter preliminar mente técnico também era permeada por questões políticas A respeito disso Benévolo aponta o seguinte As reformas das duas décadas entre 1830 e 1848 dependeram ainda em seu conjunto do pensamento liberal foi reconhecida a necessidade da intervenção pública em algumas matérias específicas porém sem alterar substancialmente a natureza e a identidade das tarefas do Estado e das administrações locais em relação ao conjunto da vida econômica e social BENÉVOLO 1989 p 91 Além de intervenções nos equipamentos coletivos os problemas infraes truturais das moradias das classes desprivilegiadas também se tornaram alvo da intervenção do Estado que visava a garantia de condições básicas de higiene Tais medidas possibilitaram a reorganização de importantes cidades euro peias refletindo a preocupação capitalista em melhorar as condições de vida das urbes Diversos autores apontam que em algumas cidades industriais os padrões de habitabilidade haviam se degradado a ponto de influir na duração média de vida dos habitantes reduzindoa para 30 anos na primeira metade do século XIX Comendo mal dormindo pouco morando mal os trabalhadores produziam relativamente pouco apesar de longas jornadas de trabalho SPOSITO 2004 p 60 Para ilustrar os esforços dos governos europeus em arquitetar intervenções 511 eficientes frente aos problemas relatados utilizarseá como referência o marcante caso francês onde o Barão Georges Eugène Haussmann administrador do de partamento do Sena de 1853 a 1869 traçou o complexo plano de reordenamen to do tecido urbano de Paris660 A conjugação de obras infraestruturais intervenções sanitaristas e reformas legislativas transformaram a referida urbe A construção de sistemas de esgotos e aquedutos regulares manutenção de vias urbanização dos terrenos periféricos com o traçado de novas retículas viárias e a abertura de novas artérias nos velhos bairros com a reconstrução de edifícios ao longo do novo alinhamento consisti ram as imediatas modificações implementadas por Haussmann Benévolo 1989 destaca o caráter políticomilitar do plano parisiense re velando que durante a crise operária os movimentos revolucionários nasceram dos bairros da velha Paris onde as próprias ruas forneceram aos rebeldes por algum tempo as condições estratégicas de defesa e posicionamento de armas através das barricadas Partindo dessa prerrogativa Haussmann valoriza a utilida de dos grandes boulevards retilíneos propícios para a movimentação de tropas um dos principais símbolos de seu plano Além disso o administrador do departamento do Sena centralizou esforços para a construção de escolas bibliotecas hospitais prisões mercados e sobretu do edificação e reforma de moradias para as classes menos abastadas objetivando atender as exigências higiênicas da cidade Em epítome podese considerar que Haussmann promoveu a sobreposição da cidade pósliberal sobre a velha Paris Em termos de processos constatouse a expansão da urbe com o surgimento de muitos subúrbios onde se instalaram no vas indústrias atendendo às exigências das leis sanitárias e novas áreas de moradias de trabalhadores surgiram marcadas pela regularidade das instalações As classes privilegiadas dividiramse em movimentos de retorno ao centro remodelado ou de afastamento em direção às áreas mais distantes da cidade Considerando as inadequações e críticas em torno do modelo de Hauss mann e evitando proceder uma leitura míope de louvação do mesmo interessa nos destacar a importância do referido plano devido sobretudo a sua ação su ficientemente ampla articulada e dinâmica para acompanhar as transformações urbanas da época e possibilitar melhorias significativas no que tange a questão da insalubridade e disseminação de epidemias661 660 Para analisar exemplos de planos urbanos implementados em outras cidades europeias neste mesmo contexto ver Benévolo 1989 661 Segundo Benévolo 1989 as experiências de Haussmann foram replicadas não necessariamente com a mesma amplitude em diversas cidades francesas a partir do reinado de Napoleão III e em outras urbes do globo Bruxe las Bélgica Roma Bolonha Nápoles e Florença Itália Barcelona Espanha Estocolmo Suécia Cidade do 512 EPIDEMIAS E INSALUBRIDADE URBANA DA CHEGADA DA CORTE PORTUGUESA AOS NOVOS ARRABALDES Desde a primeira metade do século XIX no caso europeu e do final do mesmo século no caso brasileiro que os profissionais e gestores urbanos se de bruçam com atenção sobre a questão da proliferação das epidemias decorrentes do processo de urbanização associado à insalubridade Detendose neste momento à análise do caso brasileiro destacase a se guinte citação Para um país que vivera por três séculos enfurnado nas casasgrandes tivemos cidades e certo desde a primeira vez em que arregalamos os olhos e vimos que nesta terra em se plantando tudo dá Plantouse açúcar colheramse cidades que por onde o melaço escorria para alémmar e virava riqueza Cidades sempre tivemos porém profundamente agarradas a uma dinâmica forjada fora delas baseada na terra e no trabalho escravo PECHMAN 2002 p 393 De acordo com as ideias do autor mencionado existiam cidades no país todavia a experiência urbana ainda era na virada do século XIX para o XX uma novidade entre os brasileiros Ainda segundo Pechman 2002 mesmo na capital onde a corte portuguesa se instalou na primeira década do século XIX promoven do melhorias urbanas não havia água encanada a rede de esgoto era pequena e precária as ruas eram estreitas tortuosas e escuras o transporte era rudimentar e não havia ainda nem mesmo porto que substituísse os velhos trapiches por onde o Rio de Janeiro se fazia ao mar Relativizando as proporções e considerando os diferentes períodos histó ricos constatase que as principais cidades brasileiras como a capital federal no início do século XX apresentaram de maneira intensificada impactos de epide mias associadas à questão da insalubridade do ambiente urbano semelhantes aos enfrentados pelas cidades europeias no final do século XVIII e início do século XIX Nos ambientes urbanos brasileiros as pessoas também viveram anos sendo afligidas pelos problemas relacionados à questão da insalubridade O descrédito e a falta de expectativa de melhoria da referida problemática perdurou no Brasil por um período de tempo relativamente curto quando comparado com a reali dade das cidades europeias que demandaram mais de cem anos para implemen tarem os planos urbanosanitaristas que promoveram significativas melhorias na México México etc 513 qualidade de vida urbana É bem verdade que parte das soluções encontradas na Europa serviu de base para o planejamento das cidades brasileiras A questão da insalubridade nas principais cidades brasileiras assim como observado nas urbes europeias passou a incomodar até mesmo as classes mais abastadas que em meio ao medo generalizado promoviam movimentos de es capismo SOUZA 2000 em direção às periferias deixando os centros urbanos à sorte dos grupos sociais que não possuíam condição de remediar a situação precária instaurada pela insalubridade urbana Todavia salientase que diferente do caso europeu onde tais impactos se desencadearam a partir do processo urbanoindustrial no Brasil a urbanização não se desenvolveu propriamente ligada à industrialização ou mesmo aos inte resses do capital industrial Talvez por isso não se constatou no país o apareci mento de uma classe operária nos moldes europeus Pechman 2002 corrobora tal constatação da seguinte forma apesar da urbanização das grandes capitais brasileiras apesar das próprias indústrias nas centes basicamente no Rio de Janeiro em finais do século XIX o Brasil ainda era um país essencialmente rural e nas cidades prevalecia a lógica mercantil do capital comercial PE CHMAN 2002 p 396 Segundo o autor até o período supracitado o Rio de Janeiro vivia basica mente do excedente da economia de exportação O surgimento de um mercado interno proporcionado pela retenção desse excedente possibilitou o capital co mercial investir na própria cidade visando uma maior acumulação Atraindo capitais que procuravam investir nos equipamentos e serviços coletivos urbanos luz água transporte esgoto etc o investimento na cidade se mostrou uma alternativa de acumulação das mais lucrativas Nessa conjuntura a indústria se beneficia apenas secundariamente às vezes residualmente dos negócios do capital comercial não podendo subsistir sem ele PECHMAN 2002 p 397 A partir dessa configuração se desdobraram os processos de remodelação do tecido urbano das principais cidades brasileiras Estes se consumavam em res postas sanitárias articuladas aos problemas enfrentados no início do século XX Geralmente concebidos pela lógica higienista os planos urbanos se baseavam na analogia da cidade com o corpo humano em busca da cura dos males urbanos A respeito disso Pechman 2002 assinala que tanto na Europa quanto em outras cidades do globo como as pólis brasileiras o corpo como metáfora da cidade revelase diante da ameaça das epidemias que periodica mente a assolam O perigo de as epidemias se tornarem pela desordem social que provocam um elemento desestabilizador da sociedade invoca a intervenção da medicina no sentido de devolver a saúde e logo a ordem à vida urbana Frente à ameaça da morte a medicina reivindica para si a perpetuação da vida À desordem pestilencial e ao caos social a medicina responde com um projeto de política que assinalará no nascimento da medicina social PECHMAN 2002 pp 176177 514 É nesse sentido que os médicos e engenheiros sanitaristas através da con tribuição de outros importantes profissionais traçam várias intervenções refor madoras que redefinem o espaço urbano Dessa forma o higienismo não traz apenas a saúde para a urbe mas também sobretudo implica na construção de um novo modelo de cidade Com o apoio dos governos gestores eou planejadores como Pereira Passos no Rio de Janeiro RJ Orozimbo Maia em Campinas SP e Saturnino de Brito em Vitória ES e Santos SP empreenderam reformas enfocando as obras de saneamento sob a influência das teorias e ideias implementadas por Haussmann em Paris662 Tais intervenções contornaram a situação calamitosa das principais cidades brasileiras do início do século XX As medidas implementadas pelos médicos e engenheiros sanitaristas não erradicaram por completo os problemas advindos da insalubridade urbana haja vista que em tempos atuais a maioria das cida des brasileiras sobretudo em suas regiões desprivilegiadas ainda enfrenta sérios problemas referentes ao saneamento básico e registro de doenças ligadas à insa lubridade Caldeira 2000 aponta que durante as primeiras décadas do século XX as intervenções urbanosanitaristas se tornaram um dos temas centrais das preocu pações das elites e das políticas públicas Talvez por isso o higienismo que fora fundamentado por preceitos da saúde pública assumiu conotação de distinção e controle social De um lado estaria a porção privilegiada da sociedade que deveria ser protegida preventivamente das doenças e do outro lado estariam os grupos sociais que se caracterizavam como contaminados em potencial e mereciam ser esterilizados Esses grupos logo associavam as ações sanitaristas a uma forma mas carada de controle social uma vez considerados os métodos repressivos de inter venção que se sobrepunham a uma prévia conscientização da população o que acabou por gerar várias reações negativas por parte das classes desprivilegiadas na cidade do Rio de Janeiro A respeito da realidade paulista neste período Caldeira 2000 evidencia que além de controlar os pobres a elite começou a se separar deles Temendo as epidemias os membros das elites começaram a mudarse das áreas densamente povoadas da cidade para regiões um pouco afastadas Uma destas regiões era o novo bairro com o sugestivo nome de Higienópolis CALDEIRA 2000 p 215 Sobre a situação da capital capixaba ao final do século XIX e início do 662 Para um maior detalhamento sobre a ação dos médicos e engenheiros sanitaristas nas cidades brasileiras no perío do aqui analisado ver Pechman 2002 Andrade 1991 1996 e Lanna 1996 515 século XX cabe frisar o seguinte pronunciamento do então governador eleito Muniz Freire em 1892 A começar pela capital que foi sempre a principal cidade do estado nada achamos digno de menção Cidade velha e pessimamente construída sem alinhamentos sem esgotos sem arqui tetura segundo os caprichos do terreno apertada entre a baía e um grupo de montanhas não tendo campo para desenvolverse sem a dependência de grandes despesas mal abastecida de água com um serviço de iluminação a gás duplamente arruinado pelo estado do material e pela situação da sua empresa carecedora de um fornecimento regular de carnes verdes sem edi fícios notáveis repartições e serviços públicos mal acomodados à falta de prédios sem teatro sem passeio público sem hospitais sem serviço de limpeza bem organizado sem matadouro decente desprovida de toda defesa sanitária FREIRE apud CAMPOS JÚNIOR 2007 p 01 Com base em Campos Júnior 2007 constatase que a situação sanitá ria era o maior problema urbano de Vitória Segundo ele as epidemias tiravam centenas de vidas implicando em alterações nos aspectos populacionais como diminuição do tempo médio de vida dos moradores e aumento da taxa de mor talidade e alterações na organização espacial do sítio urbano Em resposta à questão da insalubridade em 1895 o então governador Mu niz Freire com o apoio do engenheirosanitarista Saturnino de Brito esboçou um plano de criação de um novo modelo de urbanização Desse plano fazia parte o projeto de reformulação e ampliação do espaço urbano da capital denominado Novo Arrabalde O Novo Arrabalde implicava no planejamento da ocupação da região nor deste da Ilha compreendida pelos bairros da Praia do Canto Praia do Suá Praia de Santa Helena Santa Lúcia Bento Ferreira Jucutuquara e alguns outros bair ros BRITTO 2008 Vale ressaltar que devido à crise financeira vivenciada no final do governo Muniz Freire a implementação do retromencionado projeto não se tornou possível da forma prevista naquela época prolongandose durante o século XX quando seus efeitos tornaramse perceptíveis à melhoria da qualidade de vida sanitária da cidade VIOLÊNCIA UMA ENDEMIA CONTEMPORÂNEA Seja em épocas mais remotas seja em recentes períodos marcantes da his tória a violência esteve presente e registrouse de diferentes formas na vida hu mana Na seção sobre a historicidade o caráter pancrônico da violência tornouse evidenciado por este estudo Batalhas execuções guerras holocausto e terro rismo o referido fenômeno sempre ameaçou e permeou os medos antrópicos Todavia a criminalidade urbana violenta que ameaça vários estratos sociais de países como o Brasil destacouse mediante sua magnitude e intensidade no final do século XX e continua se destacando hodiernamente de forma paradoxal em concomitância com o processo de consolidação da democracia PERALVA 516 2000 CALDEIRA 2002 Tomando como referência o sistema de informação da Organização Mun dial da Saúde OMS constatase que no ano de 2004 entre 84 nações sele cionadas o Brasil ocupou a 4ª posição no ranking da taxa bruta TB de homi cídio663 Com a taxa de 27 assassinatos por 100 mil habitantes o país somente apresentou situação favorável em relação à Colômbia Rússia e Venezuela regiões que possuem sérios problemas de repercussão internacional conflitos bélicos e políticos atuação de esquadrões da morte cartéis do narcotráfico eou comércio ilegal de armamentos pesados WHOSIS 2007 A apreciação da Figura 01 permite uma leitura mais detalhada da tendên cia nacional de aumento gradativo da taxa de homicídio nas três últimas décadas do século XX Apesar da escalada dos homicídios manter uma certa constância de aumento durante os anos unidades da federação como o Espírito Santo se destacaram com índices de homicídios elevados acima da média nacional Mesmo com as variações dos homicídios capixabas passando em alguns momentos uma falsa impressão de explosão súbita de violência a disposição da série histórica no gráfico de evolução permite a associação do aumento gradativo das taxas de violência em especial dos homicídios à ideia de tragédia anuncia da trabalhada por Cerqueira Lobão e Carvalho 2005 Segundo eles a socieda de e o Estado assistiram inertes quase impotentes à degradação das condições de segurança pública nas últimas décadas Figura 01 Gráfico da Evolução da Taxa de Homicídio Brasil e ES 19802015 Fonte SIMDatasus 19802015 Elaboração autores 2018 Dessa forma tendo em vista sua distribuição espacial potencialmente con centrada nas áreas urbanas a criminalidade violenta no Brasil e Espírito Santo iniciou uma espécie de processo endêmico664 no qual vários fatores estruturais a 663 O homicídio principal exponencial da violência será tratado nesta parte do estudo como indicador comparativo 664 De acordo com Dorland apud CERQUEIRA LOBÃO CARVALHO 2005 p 01 tradução nossa doenças endêmicas apresentam ou prevalecem sob uma população ou área geográfica durante um determinado período de tempo Em outras palavras endemia é um problema comum a população de uma região X cuja incidência 517 saber o próprio descaso eou fracasso das esferas do poder público a ausência de integração das políticas sociais e a ineficiência do planejamento urbano correla cionaramse favorecendo o desenvolvimento da dinâmica criminal A atual conjuntura de aumento gradativo dos números de homicídios nos permite aproximar a criminalidade urbana violenta à ideia de endemia social Este é um fenômeno que atinge a sociedade brasileira capixaba e de outros estados da federação há cerca de três décadas Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade SIMDATASUS do Ministério da Saúde no período entre 1979 e 2007 o Brasil e o Espírito Santo acumularam respectivamente cerca de 13 milhões e 43 mil registros de assassinatos Cerca de 70 desses homicídios foram consumados em áreas urbanas A fim de evitar eventuais confusões explicitamos que a violência é aqui tratada como uma endemia não para evocar ou justificar um novo sanitarismo ou higienismo Muito menos pretendemos contribuir com a estigmatização de estratos sociais Apenas aproximamos a criminalidade violenta à ideia de endemia no sentido de entendermos a violência como um problema e não como uma do ença propriamente dita que aflige as populações das principais cidades brasileiras com certa regularidade espaçotemporal Esta regularidade que evidencia pa drões de distribuições geográficas é diretamente influenciada por fatores estrutu rais típicos dos ambientes urbanos brasileiros o que garante certa peculiaridade à criminalidade violenta constatada nas grandes cidades do país Ressalvando as diferenças e relativizando as proporções quando comparado com as epidemias que assolaram as cidades europeias no final do século XVIII e no decorrer do século XIX e as urbes brasileiras no final do século XIX e na primeira metade do século XX o atual surto de criminalidade violenta aqui representada pelos números e taxas de homicídios apresenta alguns aspectos semelhantes que também implicaram em alterações nas formas estruturas e processos urbanos Durante as crises ligadas à proliferação de epidemias seja na Europa dos séculos XVIII e XIX seja em outras cidades em períodos mais recentes a popu lação que sofria com os males trazidos pela insalubridade urbana demorou cerca de cem anos para usufruir dos resultados alcançados pelas ações conjugadas de obras infraestruturais intervenções sanitaristas e reformas legislativas que trans formaram a situação problemática instaurada pelas epidemias Sobre a realidade brasileira é importante salientar que os problemas refe rentes à insalubridade ainda são observados hoje nas principais cidades especial mente em seus bairros desprivilegiados porém não com a mesma intensidade está ligada sobretudo à atuação e influência de fatores locais 518 que no período tratado pelo subitem anterior A degradação ambiental rede vi ária deficitária e a deterioração da qualidade de vida são apenas alguns aspectos que comprovam que a violência não é o único problema urbano Todavia o au mento gradativo da criminalidade violenta evidenciou tal fenômeno como uma espécie de endemia social contemporânea garantindo o caráter da novidade histórica apontada por Souza 2008 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como visto a endemia social contemporânea a violência vem afligindo a população dos principais centros urbanos brasileiros há cerca de três décadas Levando em conta os atuais índices de violência constatase que hodiernamen te vivemos uma fase sem muitas perspectivas de melhoria do quadro crítico ob servado Assim como na época das epidemias o medo da violência vem influindo no surgimento de novas formas de sociabilidade e sobretudo na organização só cioespacial das cidades Em urbes como Vitória os hábitos sociais dos cidadãos foram alterados a partir das preocupações e medos de se tornarem a próxima vítima de assassinato latrocínio sequestro ou roubo Essa mistura de aflições que é caracterizada por Baierl 2004 como medo social logo mais amplo que o sentimento propriamente dito vem nas últimas décadas alterando as configu rações dos espaços urbanos especialmente das áreas ocupadas pelos grupos mais abastados da sociedade De modo semelhante ao que ocorreu no caso da proliferação de doenças ligadas à insalubridade urbana nos séculos passados o fenômeno violência ex presso pelo aumento nas últimas três décadas dos números e taxas de crimes a exemplo os homicídios passa a incomodar até mesmo as classes mais privile giadas Mediante a magnitude e intensidade da violência em cidades brasileiras como Vitória as classes médias e altas adotam o enclausuramento como estilo de vida em condomínios residenciais excessivamente vigiados e autoprotegidos situados na mancha urbana e promovem movimentos de escapismo em direção à franja periurbana por meio da construção de condomínios exclusivos nos mol des edge city SOUZA 2008 Dessa forma buscamos evidenciar analogamente os problemas enfrentados pelas cidades nas épocas das epidemias ligadas à insalu bridade e em períodos mais recentes quando a criminalidade violenta destaca as principais cidades brasileiras em nível mundial Diante disso constatase que no cenário nacional a endemia social con temporânea a criminalidade violenta se caracterizou ao longo das três últimas décadas como um problema comum às principais cidades brasileiras influen 519 ciando transformações nas estruturas da organização espacial agravamento dos processos de segregação social e significativas alterações nas formas estruturas e processos urbanos REFERÊNCIAS ANDRADE Carlos Camillo Sitte Camille Martin e Saturnino de Brito traduções e transferências de idéias urbanísticas In RIBEIRO Luiz PECHMAN Robert orgs Cidade povo e nação gênese do urbanismo moderno Rio de Janeiro RJ Civilização Brasileira 1996 p 287310 O plano de Saturnino de Brito para Santos e a construção da cidade moderna no Brasil Espaço e debates revista de estudos regionais e urbanosn 34 São Paulo SP NERU 1991 pp 5563 BAIERL Luzia Medo Social Da violência visível ao invisível da violência São Paulo SP Cortez 2004 BENÉVOLO Leonardo História da arquitetura moderna São Paulo SP Perspectiva 1989 BRITTO Francisco Saturnino Rodrigues Projecto de um novo arrabaldeDisponível em httpwww apeesgovbr Acesso em 21 dez 2008 CALDEIRA Teresa Cidade de muros crime segregação e cidadania em São Paulo São Paulo SP Editora 34 Edusp 2000 Violência direitos e cidadania relações paradoxais In Ciência e Cultura V 54 n 1 2002 pp 4446 Disponível em httpwwwcienciaeculturabvsbr Acesso em 20 dez 2008 CAMPOS JUNIOR Carlos Teixeira O estudo da construção como uma contribuição á história dacida de Disponível em httpsitemasonvanderbiltedu Acesso em 21 dez 2007 O novo arrabalde aspectos da formação urbana de Vitória Vitória ES PMV 1996 CERQUEIRA Daniel LOBÃO Waldir Criminalidade ambiente socioeconômico e polícias desafios para os governos Rio de Janeiro RJ IPEA 2004 CERQUEIRA Daniel LOBÃO Waldir CARVALHO Alexandre O jogo dos sete mitos e a miséria da segurança pública no Brasil Rio de Janeiro RJ IPEA texto para discussão n 1144 2005 FERRARI Célson Cursode planejamento municipal integrado São Paulo SP Pioneira 1982 LANNA Ana A cidade controlada Santos 18701913 In RIBEIRO Luiz PECHMAN Robert orgs Cidade povo e nação gênese do urbanismo moderno Rio de Janeiro RJ Civilização Brasi leira 1996 pp 311330 MOLINA Antonio Criminologia introdução a seus fundamentos teóricos 2 ed São Paulo SP 1997 PECHMAN Robert Moses Cidades estritamente vigiadas o detetive e o urbanista Rio de Janeiro RJ Casa da Palavra 2002 PERALVA Angelina Violência e democracia o paradoxo brasileiro São Paulo SP Paz e Terra 2000 SIMDATASUS Sistema de Informações sobre Mortalidade e Banco de Dados do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde Disponível em httpwww2datasusgovbr Acesso em 18 jan 2018 SOUZA Marcelo L Fobópole o medo generalizado e a militarização da questão urbana São Paulo SP Bertrand 2008 O desafio metropolitano um estudo sobre planejamento sócioespacial nas metrópoles brasileiras São Paulo SP Bertrand 2000 SPOSITO Maria Encarnação Capitalismo e urbanização 14ª ed São Paulo SP Contexto 2004 WHOSIS World Health Organization Statistical Information System Disponível em httpwww whointwhosisen Acesso em 20 dez 2007 520 A REVOLUÇÃO DXS NADA UMA APROXIMAÇÃO AO DEBATE SOBRE A ORIENTAÇÃO SEXUAL IDENTIDADE DE GÊNERO E DISCRIMINAÇÃO665 Paula Viturro Mac Donald666 A menudo la lucha política es más intensa cuando los proble mas que se debaten no pueden justificarse en la naturaleza o en la verdad667 Joan Scott INTRODUÇÃO No transcorrer dos últimos anos os direitos à orientação sexual668 e à iden tidade de gênero parecem ter alcançado finalmente um maior reconhecimento institucional como direitos humanos No dia 17 de junho de 2011 o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou a resolução 1719 sobre Direitos Humanos orientação sexual e identidade de gênero a primeira desse organismo centrada especificamente em violações aos direitos humanos de lésbicas gays bissexuais e trans669 665 Traduzido por Daniela Dora Eilberg Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestranda pelo Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Advogada criminalista 666 Graduada em Direito pela Universidade de Buenos Aires Especialista em Direitos Humanos das Mulheres pelo Centro de Direitos Humanos da Universidade do Chile Mestra em Teorias Críticas do Direito e da Democracia na Ibero América pela Universidade Internacional de Andaluzia e Especialista em Estudos Avançados em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide Sevilha Espanha Docente e pesquisadora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires e Coordenadora da Área de Tecnologias de Gênero do Centro Cultural Reitor Ricardo Rojas da mesma Universidade paulaviturroderecho ubaar 667 Frequentemente a luta política é mais intensa quando os problemas que estão sendo debatidos não podem ser justificados pela natureza ou pela verdade Tradução nossa 668 Utilizo o termo orientação por ser o comumente aceito no entanto entendo que pode ser fortemente contestado devido à reminiscência biologicista que parece carregar 669 Disponível em httpapohchrorgdocumentsdpageeaspxsiAHRCRES1719 Acesso em 17 jan 2013 Cabível recordar que no ano de 1994 na resolução do caso Toonen vs Australia o Comitê de Direitos Humanos já havia sustentado que os Estados estavam obrigados a proteger as pessoas da discriminação em razão de sua orientação sexual Esse entendimento foi mantido em casos posteriores tais como Young vs Australia ou X vs Colombia Além disso em seus Comentários Gerais diversos Comitês afirmaram que embora nem a orientação sexual nem a identidade de gênero estejam expressamente enumeradas no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ou em outros tratados de direitos humanos ambas se encontram compreendidas na frase qualquer outra condição social Comitê dos Direitos da Criança Comentário Geral Nº 13 de 18 de abril de 2011 Comitê 521 Em novembro do mesmo ano apresentouse um Relatório do Alto Comis sário das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre leis práticas discrimi natórias e atos de violência cometidos contra pessoas pela sua orientação sexual e identidade de gênero670 O secretário geral da ONU BanKimoon iniciou o ano de 2012 instan do aos líderes da África reunidos na XVIII Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana UA a respeitar os direitos à orientação sexual e à identidade de gênero671 No final do ano em um evento contra a homofobia realizado no 10 de dezembro por ocasião do Dia dos Direitos Humanos voltou a solicitar que se ponha fim à violência e à discriminação por motivos de iden tidade de gênero e orientação sexual e acrescentou permitamme dizer isso em alto e bom tom as pessoas lésbicas gays bissexuais e transgênero têm os mesmos direitos que todos os demais Eles também nascem livres e iguais Eu estou lado a lado com eles na sua luta pelos direitos humanos672 No contexto latinoamericano em particular foram produzidas mudanças muito significativas Apesar da forte influência que os grupos religiosos conserva dores possuem na região bem como da persistência do machismo do sexismo e da homofobia tanto a nível social como institucional o ativismo local conse guiu importantes avanços legais e jurisprudenciais Assim por exemplo no final de 2006 a Suprema Corte Argentina por unanimidade revogou uma sentença da Câmara Cível que havia confirmado a disposição da Inspeção Geral de Justiça Inspección General de Justicia em que foi denegada a personalidade jurídica da Associação para a Luta da Identidade TravestiTransexual ALITT Tratase de um leading case que implicou a derro gação da doutrina que havia sido estabelecida pela Corte no sentido contrário em 1991 ainda que com outra composição ao denegar a personalidade jurí dica à Comunidade Homossexual Argentina CHA673 contra a Tortura Comentário Geral Nº 2 de 23 novembro de 2007 Comitê para a Eliminação da Discriminación contra a Mulher Comentário Geral Nº 28 de 22 de outubro de 2010 e Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Comentário Geral Nº 20 de 22 de maio de 2009 Esse último é especialmente importante porque ainda faz uma referência aos Princípios de Yogyakarta Os mesmos foram redigidos em instâncias da Comissão Internacional de Juristas por um grupo de especialistase embora não vinculantes constituem um guia fundamen tal para trabalhar sobre a matéria 670 ONU Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos Leyes y prácticas discriminatorias y actos de violencia cometidos contra personas por su orientación sexual e identidad de género 17 de novembro de 2011 Disponível em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs19sessionAHRC1941Spa nishpdf Acesso em 17 jan 2013 671 Na ocasião afirmou una forma de discriminación ignorada e incluso penada por muchos países durante dema siado tiempo ha sido la discriminación basada en la orientación sexual o la identidad de género 672 Texto completo disponível em httponuorgpePublicoCentroPrensaDetalleNoticiaaspxid3357 Acesso em 17 jan 2013 673 Suprema Corte Argentina Comunidad homosexual argentina c Resolución Inspección General de Justicia s personas jurídicas Sentença de 22 de novembro de 1991 Disponível em httpwwwchaorgararticulo Acesso em 19 jan 2013 522 Os fundamentos centrais da sentença são muito significativos Em primei ro lugar porque qualificam a denegatória dos direitos denunciada pela ALITT como um ato de discriminação Em segundo lugar porque situam a violência de direitos das minorias sexuais no contexto histórico político composto pelas múltiplas violações de direitos humanos incluindo o terrorismo de Estado E finalmente porque se trata do primeiro reconhecimento institucional por parte de um órgão de mais alto nível estadual acerca da situação de extrema vulne rabilidade em que se encontra o coletivo de pessoas travestis e transexuais674 Fundamentou a Corte Não se pode ignorar os prejuízos existentes em relação às minorias sexuais que reconhecem antecedentes históricos universais com terríveis consequências genocidas baseadas em ide ologias racistas e falsas alegações das quais o nosso país não se distancia bem como as atuais perseguições de natureza semelhante em boa parte do mundo e que deram lugar a um crescente moimento mundial pela reivindicação de direitos à dignidade da pessoa e ao respeito elemetar à autonomia da consciência Que tampouco se deve ignorar que as pessoas pertencen tes à minoria a que se refere a associação apelante não apenas sofrem discriminação social senão que também têm sido vitimizadas de modo gravíssimo através de maus tratos constrangi mentos violações e agressões e inclusive homicídios Como resultado dos preconceitos e da discriminação que lhes priva de fonte de trabalho tais pessoas se encontraram praticamente condenadas a condições de marginalização que são agravadas pelos numerosos casos de pessoas provenientes de setores mais desfavorecidos da população com consequências nefastas para a sua qualidade de vida e sua saúde registrando altas taxas de mortalidade As decisões apeladas estreitaram o conceito de bem comum em detrimento da associação requerente e recusaram sua personalidade não pelo fato de que seus objetivos foram direcionados à melhoria da situação de um certo grupo que precisa de ajuda propósito que compartilha com numero sas pessoas jurídicas senão porque esse auxílio está dirigido ao grupo travestitransexual Ou seja a orientação sexual do grupo social a que pertencem os integrantes da associação teve um peso decisivo para a denegação da personalidade jurídica requerida675 Em maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal do Brasil reconheceu o 674 De todos os coletivos que compõem o campo da minoria sexual as pessoas travestis transexuais e transgênero são as que sofrem as piores condições de exclusão e privação de direitos humanos A pobreza a discriminação a falta de acesso à saúde e a violência policial são uma constante em nosso continente As travestis em especial sofrem violação de direitos humanos desde a infância O círculo de violência começa com a expulsão de casa em uma idade muito cedo o que desencadeia uma vida marcada por uma sucessão de exclusões Discriminadas também na escola onde sofrem a provocação de seus colegas e a rejeição das autoridades escolares as meninas travestis são condenadas à prostituição como único meio de sobrevivência O direito à saúde também se encontra vulnerabilizado A falta de acesso aos sistemas de saúde pública não deixa outra alternativa aquém das práticas clandestinas de injeção de silicone ou ingestão de hormônios A respeito observar o documentário Translatina elaborado pelo peruano Felipe Degregori Buenaletra Produções Na Argentina recentemente no censo nacional realizado no ano de 2010 incluiuse a possibilidade de se expressar outras identidades que não fossem a de ho mem e mulher entretanto ainda não haviam dados oficiais suficientes Contudo no ano de 2005 a Associação de Luta pela Identidade Travesti Transexual realizou um primeiro levantamento sobre a situação da comunidade Durante a pesquisa foram revelados 420 nomes de companheiras falecidas das quais 35 havia falecido entre 22 e 31 anos e 34 entre 32 e 41 anos o que equivaleria à metade da expectativa de vida nacional BERKINS Lohana FERNÁNDEZ Josefina Orgs La gesta del nombre propio Informe sobre la situación de la comuni dad travesti en Argentina 1ª Ed Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2005 BERKINS Lohana Comp Cumbia copeteo y lágrimas Informe nacional sobre la situación de las travestis transexuales y trans géneros Buenos Aires ALITT 2007 675 Suprema Corte da Argentina Asociación Lucha por la Identidad TravestiTransexual vs Inspección General de Justicia Sentença de 26 de novembro de 2006 Disponível em httpwwwcsjngovarconfalConsultaComple taFallos domethodverDocumentosid611573 Acesso em 19 jan 2013 523 status de entidade familiar das uniões homoafetivas ao outorgar o tratamento previsto no artigo 1723 do Código Civil para as uniões estáveis Tratase de uma sentença com efeito vinculante e eficácia erga omnes de modo que todos os tri bunais brasileiros devem acatar Como consequência estendeuse tais efeitos ao regime jurídico a respeito dos alimentos heranças pensões divisão de bens em caso de separação inscrição no registro de Segurança Social e nos programas sa nitárias autorizações para cirurgias de risco e inalienabilidade do lar conjugal676 De acordo com César Baldi o aspecto mais significativo da decisão é que os direitos humanos à privacidade à intimidade à dignidade ao tratamento iguali tário à diversidade ao pluralismo e à liberdade sexual foram expressamente pro tegidos A realização de tais direitos foi por sua vez garantida em dois níveis a saber i a abstenção de conduta discriminatória e ii a garantia do exercício dos direitos constitucionalmente previstos Essas obrigações não se aplicam apenas ao Estado nas suas três esferas senão também aos particulares que são impedidos de justificar a discriminação no campo da educação trabalho saúde e etc O ativismo colombiano também conseguiu decisões importantes nos últi mos tempos No campo do direito da família a Corte Constitucional baseada no direito à igualdade e no livre desenvolvimento da personalidade incluiu uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo dentro dos beneficiários de regime de segu rodesemprego até então planejado apenas para casais heterossexuais sentenças T 7161110677 e T8601111678 Também reconheceu o direito à herança em uniões estáveis de pessoas de igual ou diferente sexo acórdão C2381212679 Por sua vez no campo da saúde pública e com base nos direitos à dignidade à igualdade e ao livre desenvolvimento da personalidade a Corte estabeleceu que o regulamento que impedia os homossexuais de doar sangue era discriminatório 676 A respeito ver BALDI César O STF e a união homoafetiva Disponível em httpwwwdemocraciaejustica orgcienciapolitica3 node272 Acesso em 19 jan 2013 677 Fundamentou a Corte A tese central desta conclusão consiste em considerar que no Estado Constitucional se privilegia enquanto aspectos definidores do mesmo a proteção da dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade Isso significa que cada pessoa enquanto sujeito livre e autônomo tem o poder de definir seu projeto de vida sob a única condição de não afetar essencialmente os direitos dos outros Nesta competência há sem dúvida tanto a definição da identidade e orientação sexual como a decisão sobre a formação de uma unidade conjugal estável constitutiva da família com outra pessoa do mesmo sexo ou de sexo diferente Este por sua vez é um âmbito intimamente ligado ao núcleo essencial do direito à privacidade de tal forma que constitui um limite intransponível para a influência tanto do Estado como da sociedade Para a Câmara é válido afirmar à guisa de conclusão que as pessoas no Estado Constitucional estão investidas de soberania sobre a definição da orientação sexual e identidade de gênero bem como a decisão sobre quem e em que condições desejam planejar projetos de vida com outras Portanto estão proibidas formas de discriminação baseadas na falta de aceitação de orientações ou identidades sexuais pelo simples fato de serem distintas e minoritárias Isso porque não apenas são discriminações com base em critérios suspeitos e carentes de justificação senão porque se configuram como tratamentos indignos uma vez que conforme supramencionado tais decisões individuais correspondem apenas ao foro pessoal e de modo algum podem ser questionadas ou restringidas com base em atitudes que têm como fundamento único o preconceito a ignorância ou a franca ignorância do regime de liberdades previsto pela Cons tituição Corte Constitucional da Colômbia Sentença T 71611 de 22 de setembro de 2011 678 Corte Constitucional da Colômbia Sentença T 86011 de 15 de novembro de 2011 679 Corte Constitucional da Colômbia Sentença C 23812 de 22 de março de 2012 524 em razão de qualificar uma identidade sexual como arriscada680 Em relação ao litígio internacional devemos destacar a sentença proferida em março de 2012 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso de Atala Riffo y niñas Vs Chile Tratase da primeira decisão da Corte a respeito da discriminação por orientação sexual681 Na esfera normativa talvez os casos mais notáveis sejam os da Bolívia Equador e Argentina O artigo 14 da Nova Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia aprovada em 2009 proíbe e sanciona toda forma de discriminação com base no sexo orientação sexual e identidade de gênero entre outras razões682 No Equador tanto a nãodiscriminação baseada na orientação sexual quanto a identidade de gênero têm reconhecimento constitucional desde 1998 e 2008 respectivamente No que diz respeito à reforma de 1998 Judith Salgado683 observa que apesar das tendências conservadoras que foram manifestadas na As sembleia Constituinte a luta dos diferentes grupos sociais conseguiu consolidar a centralidade da questão dos direitos humanos no texto aprovado No entanto a autora se distancia de possíveis narrativas triunfalistas ao advertir que embora o direito à nãodiscriminação baseada na orientação sexual tenha sido aprovado sem discussão isso não implica necessariamente o amplo reconhecimento dos direitos sexuais dada a maneira como associaram discursivamente os direitos sexuais e os reprodutivos Na Argentina os exemplos mais relevantes na matéria são as leis de Casa mento Igualitário e de Identidade de Gênero aprovadas em julho de 2010 e maio de 2012 respectivamente Desde a sua validade a lei do casamento igualitário estabelece que todas as uniões matrimoniais independentemente do sexo das partes gozam dos mesmos direitos incluindo a adoção Dessa forma a Argenti na se converteu no primeiro país da América Latina a reconhecer esse direito em todo seu território nacional e o décimo país em nível mundial A adoção da Lei de Identidade de Gênero por sua vez implicou uma mudança de paradigma na concepção de identidades ao passar de um modelo global hegemônico baseado na patologização a um modelo baseado na autode 680 Corte Constitucional da Colômbia Sentença C 24812 de 22 de março de 2012 681 Corte IDH Caso Atala Riffo y niñas vs Chile Fondo Reparaciones y Costas Sentença de 24 de fevereiro de 2012 Serie C No 239 682 Nova Constituição Política do Estado Plurinacional de Bolívia aprovada pela Assambleia Constituinte em 2007 Disponível em httpconsuladobolivianocomarportalnode119 Acesso em 5 fev 2013 683 SALGADO Judith La reapropiación del cuerpo Derechos sexuales en Ecuador 1ª Ed Quito Abya Yala Cor poración Editora Nacional 2008 pp 50 e ss 525 terminação e no respeito pelos direitos humanos684 O texto aprovado consagra o direito à retificação dos dados do registro civil quando não correspondem ao gênero autodeclarado pela pessoa e garante de maneira integral complementar autônoma e suficiente o acesso à saúde incluindo o acesso a hormônios e cirur gia de reatribuição genital total ou parcial Não há necessidade de diagnósticos médicos ou psicológicos nem de pareceres de comitês científicos ou de bioética para acessar o pleno gozo dos direitos consagrados na lei Da mesma maneira preservase o gozo de outros direitos tais como o da reprodução em oposição às numerosas legislações europeias que exigem a esterilização da pessoa para acessar o direito à mudança de identidade A fim de garantir a plena vigência da lei ela qualifica como prática discriminatória qualquer ato que perturbe obstaculize negue ou viole qualquer dos direitos nela consagrados685 No Uruguai estava prevista a aprovação da Lei do Casamento Igualitário na sessão do Senado de 28 de dezembro de 2012 no entanto no último instante o pleno do Congresso decidiu adiar sua votação para abril de 2013 A experiência uruguaia é especialmente significativa já que se considerarmos a recente legali zação do aborto e os projetos de casamento igualitário e de legalização da maco nha para uso pessoal é a única que parece fundar essas reformas explicitamente no campo de autonomia incluindo a corporal No caso da Argentina dada a resistência em lidar com os múltiplos pro jetos de legalização do aborto o fundamento parece deslizar mais em direção ao campo discursivo das chamadas ações privadas Interpretada segundo a biopo lítica a capacidade reprodutiva das mulheres escaparia a esse âmbito e portanto é excluída pelas autoridades políticas do contexto liberal que levou à promulga ção das leis do casamento igualitário e de identidade de gênero Desse modo o discurso institucional invisibiliza paradoxalmente a importância histórica do ativismo dos grupos feministas locais na configuração do contexto ideológicopo lítico que deu origem a essas reformas686 Avanços como os destacados687 são no entanto insuficientes dentro do 684 Sobre esse aspecto retomarei mais adiante nas partes nº 5 e 6 685 O texto completo da lei pode se consultado Disponível em httpwww1hcdngovarBOboletin12201205 BO24052012legpdf Acesso em 7 dez 2013 686 Lohana Berkins ativista travesti que teve um papel fundamental na configuração do movimento travestitran sexual tanto argentino como latinoamericano ao se referir à história política de seu movimento aponta Esses temas chegam até nós através do feminismo Conhecer as feministas nos coloca diante de uma série de questiona mentos ligados à nossa identidade O que somos as travestis Somos homens Somos mulheres Somos travestis O que isso significa isso começa a discussão para revogar os decretos policiais Lá vamos nós as travestis e lá encontramos vários grupos feministas vou me deter brevemente para lhes contar que compartilhando esse espaço com as companheiras feministas algumas de nós começamos a nos definir como feministas No entanto o olhar de algumas delas sobre nós continua a nos situar enquanto nossa origem biológica masculina BERKINS Lohana Un itinerario político del travestismo In MAFFÍA Diana Comp Sexualidades migrantes Género y transgénero 1ª Ed Buenos Aires Feminaria 2003 pp 127137 687 A enumeração é apenas exemplificativa e portanto reflete apenas algumas das mudanças mais significativas 526 contexto de um continente que registra um alto índice de crimes em razão da orientação sexual e identidade de gênero das vítimas e em que a violência institu cional é abundante especialmente contra as travestis Nesse sentido a morte do jovem chileno Daniel Zamudio Chile depois de agonizar cruelmente por muito tempo em razão de um ataque homofóbico brutal que sofreu nas mãos de um grupo neonazista nos apresenta uma dura realidade688 Devido a tudo que ainda resta a ser abordado vou referir algumas das dificuldades que muitas vezes enfrentamos quando trabalhamos no campo do ativismo sóciosexual ao desenvolver estratégias de combate à discriminação no âmbito jurídico Embora possam ser dificuldades comuns a todos os movimentos sociais são especialmente complicadas no campo de gêneros e sexualidades em que operam fortes discursos naturalistas eou deterministas A fim de contemplar tal finalidade considerarei a experiência do movi mento trans argentino que levou à promulgação da lei de identidade de gênero já que se trata de uma experiência que poderia ser qualificada como emancipató ria democrática e política nos termos de J Rancière689 dada a maneira pela qual conseguiu superar com êxito ditos obstáculos DA SIMPLICIDADE O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famí lia humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo é a afirmação que dá início à Declaração Universal dos Direitos Humanos A fórmula parece simples ingênua e esperançosa Se levarmos em consi deração o momento histórico em que foi promulgada revelase como um ato Não será detalhado exaustivamente pois ultrapassaria os limites deste trabalho 688 Menciono este caso pelo fato de ter sido o que mais repercutiu na região durante o ano passado No entanto é um entre muitos outros que acontecem anônima e diariamente no continente Por exemplo o Grupo Gay da Bahia Brasil relatou que apenas no primeiro trimestre de 2012 houve 104 homicídios por homofobia lesbofobia e transfobia Disponível em httpwwwggborgbrassassinatos20de20homossexuais20no20 brasil 202011 20GGBhtml Acesso em 6 fev 2013 Ademais a trágica morte do ativista gay de direitos huma nos Erick Alexander Martínez Ávila que ocorreu na capital de Honduras no último 07 de maio implicando a comunicação da UNAIDS que expressou profunda preocupação pelas frequentes denúncias que recebe das organizações de direitos humanos sobre casos de mortes desparecimentos e violações aos direitos humanos direcionadas às pessoas LGTBI em Honduras assim como outros países de América Latina Disponível em httpwwwonusidalatinaorgenpressstatements181laoficinaregionaldeonusidaparaamericalatinade ploralatragicamuertedelactivistagay hondurenoerickalexandermartinezavila Acesso em 6 fev 2013 Consultar também o comunicado da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 29 de outubro de 2012 no qual insta os Estados a adotarem medidas urgentes para prevenir esses crimes Disponível em httpwww oasorgescidh press releases 2012 129asp Acesso em 5 fev 2013 689 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad Diálogos sobre política y estética 1ª Ed Barcelona Herder 2011 527 extraordinário e incompreensível de fé no progresso dos valores Uma fórmula voluntarista tendente a reestabelecer uma ordem que nunca deveria ter sido quebrada Dela parece se depreender que o respeito aos direitos humanos só exigiria apego aos valores do humanismo da boa vontade política e caso isso não acon teça o estabelecimento de mecanismos de reparação690 Em uma entrevista por ocasião do primeiro aniversário da apresentação do Relatório sobre as leis e práticas discriminatórias e de atos de violência come tidos contra pessoas com base em sua orientação sexual e gênero identidade a Alta Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas Radhika Chandira mani691 afirmou essa posição ao sustentar que O próprio espírito dos direitos humanos significa que todas as pessoas o temos simplesmente porque somos humanas e humanos De acordo com essa lógica as pessoas LGBTI têm os mesmos direitos humanos que as demais O marco internacional dos direitos humanos é exatamente isso um marco para orientar a conduta dos Estados Por si só nunca pode ser suficiente Deve ser implementado e monitorado e os Estados são responsáveis por suas falhas tanto a nível nacional como na arena internacional A cultura varia de um lugar para outro diferente dos direitos humanos Além disso os direitos humanos não são estáticos são con ceitos em evolução e ressaltam questões específicas à medida que o marco de direitos humanos evolui para esclarecer aspectos que podem não ter sido considerados anteriormente692 Algo semelhante parece seguir a posição de Ignatieff quando afirma que A Declaração Universal representou um retorno à Tradição europeia da lei natural um re torno que busca restaurar a ação para conceder aos indivíduos os remédios judiciais para se levantar quando o Estado os ordene a fazer o mal Historicamente falando a Declaração Uni versal faz parte de uma ampla reorganização da ordem normativa das relações internacionais do pósguerra projetada para criar bases sólidas contra a barbárie 693 Para esse autor a vigência dos direitos humanos então dependerá da ên fase dada pela política ocidental não apenas no desenvolvimento da democracia mas também no do constitucionalismo de tal forma a garantir a separação de poderes o controle jurisdicional das decisões dos poderes executivos e o cumpri mento dos direitos das minorias694 690 Esta é a posição de por exemplo Ignatieff quando afirma sabemos por experiência histórica que quando os seres humanos têm seus direitos defendidos quando sua essência como indivíduos é protegida e ampliada eles são menos propensos a serem abusados e oprimidos Por esses motivos consideramos a difusão de instrumentos de direitos humanos como um progresso mesmo que ainda exista uma lacuna inconcebível entre os instrumentos e as práticas concretas dos Estados encarregadas de cumprilos IGNATIEFF Michael Human Rights as Poli tics and Idolatry 3a Ed Princeton Princeton University Press 2003 p 288 691 Diretora Executiva da TARSHI sigla em inglês de Falando sobre Questões de Saúde Sexual e Reprodutiva uma ONG com sede em Nova Delhi Índia dedicada a questões relacionadas à sexualidade e os direitos 692 Entrevista realizada por Gabriela de Cicco para AWID divulgada no dia 8 de junho de 2012 Disponível em httpawidorgeslLasNoticiasyAnalisisNotasdelosViernesLaONUsaledelclosetrespectoalosdere choshumanosdelaspersonasLGBTI Acesso em 19 jan 2013 693 IGNATIEFF Michael Human Rights as Politics and Idolatry op cit 694 Ibídem p 306 528 Abordagens como as citadas são geralmente muito comuns no campo da dogmática Como docente na carreira jurídica todos os semestres tenho a opor tunidade de verificar a segurança com que os alunos o repetem Ministro dois cursos no departamento de Filosofia de Direito Um tem por objeto a análise das formas pelas quais o discurso jurídico institui a ordem de gênero e o outro a maneira pela qual os corpos são tematizados e hierarquizados nos diferentes ramos do direito de acordo com as capacidades que lhes são atribuídas Dada a natureza fundamentalmente prática que possuem os assuntos dogmáticos os da filosofia são frequentemente vistos como absurdos uma perda de tempo ou um obstáculo a ser superado para obter o diploma de graduado Por essa razão a primeira aula pretende explicar segundo Rancière que nunca há uma consequência prática da teoria em termos de libertação e emancipa ção senão que há os deslocamentos que modificam o mapa do que é pensável do que é nomeável perceptível e portanto também do que é possível695 Daí a importância de compreender a complexidade e as implicações de diferentes suportes teóricos pressupostos nas construções da dogmática para poder perceber aqueles que levam à discriminação e eventualmente a permitir outros modos de pensamento que ampliem o campo do factível após sua erra dicação696 A resposta imediata dos alunos é geralmente uma forma abreviada de pos turas como as citadas Seria mais ou menos assim as violações dos direitos hu manos se devem aos abusos no exercício do poder estatal eou aos múltiplos preconceitos sociais tolerados pelo Estado Todos nós temos os mesmos direitos As vítimas de discriminação em todos os casos têm o direito como ferramenta de proteção frente aos abusos dos poderosos O direito se apresenta então como uma solução exógena e simples de um complexo problema social decorrente do abuso do poder estatal ou de sua tole rância a respeito dos abusos perpetrados pelos particulares Uma ferramenta que seria capaz de estabelecer um limite ao poder estatal geralmente caracterizado de forma reducionista como sinônimo de funções executivas Aparentemente não há muito mais a discutir Desse modo o direito é situado em um imaginário idealizado de garanti dor imparcial universal acultural e transhistórico Como consequência con tornase qualquer consideração a respeito da forma como o discurso do direito 695 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 261 696 Ídem 529 ocidental que se inicia com a modernidade institui e legitima as ordens discri minatórias MODERNIDADE E OS LIMITES DO HUMANISMO O que é o homem se é sempre o lugar e ao mesmo tempo o resultado de incessantes divisões e censuras Trabalhar sobre essas divisões perguntarse de que modo no homem o homem foi separado do nãohomem e o animal do humano é mais urgente que tomar uma posição sobre as grandes ques tões sobre os chamados valores e direitos humanos Giorgio Agamben697 Afirmações como a de Chandiramani segundo a qual todas as pessoas têm direitos humanos simplesmente porque são humanas e humanos não pa recem advertir que as promessas universalistas da modernidade paradoxalmente se limitam a uma ideologia da humanidade que não é nem natural nem óbvia A entronização do sujeito racional como um centro de modernidade foi articulada através de uma série de dualismos tais como naturezacultura razão corpo universalparticular civilizaçãobarbárie masculinofeminino branco preto saudáveldoente nacionalestrangeiro e etc que moldaram os limites do humano Assim como nos recorda Rancière698 autores clássicos tais como Burke Marx Arendt e mais contemporaneamente Agamben denunciaram a distância que a declaração da Revolução Francesa instituía entre os direitos do homem e do cidadão Essa distância é a que originou o surgimento de formas de subjetivação política radical O feminismo as lutas contra a discriminação racial o anticolo nialismo são alguns dos exemplos mais destacados desse radicalismo A história dessas lutas nos ensina que a naturalização da categoria da pes soa física equivalente na doutrina jurídica da noção de sujeito de direito não é mais que o reflexo de um consenso hegemônico daí o seu pretenso caráter auto evidente e universal a respeito dos atributos humanos que prevalecem em um momento histórico Essa operação ainda está sendo desenvolvida por meio de categorias que não parecem ser definidas por concepções biologicistas como a terrorista699 697 AGAMBEN Giorgio Lo abierto El Hombre y el animal 1ª Ed Valencia PreTextos 2005 698 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 162 699 Por exemplo Judith Butler ao criticar a analogia entre terrorista e doentes mentais praticada pelas autori 530 Portanto a luta pela igualdade no gozo dos direitos humanos necessaria mente implica uma disputa de sentidos sobre como somos reconhecidos como seres humanos ou em outras palavras sobre quem possui as características que compõem o ser humano quem pode ser um membro legítimo da família hu mana700 Uma recente decisão da Câmara Federal de Cassação Criminal da Repú blica Argentina ilustra isso de maneira eloquente ao negar o pedido de prisão domiciliar realizado por uma mãe lésbica durante a amamentação Para a maioria do Tribunal a decisão de manter o bebê com ela é a fonte decisiva de sua progenitora uma vez que a sua par ceira não está impedida de assumir o dever na medida do possível Em suma não demons trou qualquer violação dos direitos dos menores nem a existência de razões humanitárias que constituem o fundamento previsto nos regulamentos que regem a matéria701 Como ressalta Rancière quando se refere à igualdade entre todos os ho mens é necessário analisar de maneira constante quem está incluído nesse todo e que tipos de relações estão incluídas na esfera de validade dessa igualdade702 Seguindo esse raciocínio observamos no caso citado que para esse Tribunal não basta ser criança para acessar a proteção de seu interesse superior nos termos da Convenção mas também deve estar dentro da esfera de validade das relações de cunho heterossexual Assim ao se referir à concepção de direitos sexuais como direitos huma nos Miller sustenta que o desenvolvimento de um marco coerente e inclusivo dades dos Estados Unidos para justificar a detenção indefinida de prisioneiros em Guantánamo aponta creio que você tem que desconfiar dessa analogia porque quando uma analogia é feita se pressupõe a comparação de termos separados Mas qualquer analogia também pressupõe uma base comum de comparação e neste caso a analogia funciona até certo ponto metonimicamente Os terroristas são como doentes mentais porque suas mentes são incompreensíveis porque eles estão fora de si porque estão fora da civilização se pegarmos esse conceito como um lema da perspectiva ocidental que se autodefine em relação a certas versões de racionalidade e que afirma vir delas A internação hospitalar involuntária é como o encarceramento involuntário apenas se aceitarmos a função prisional da instituição mental ou apenas se aceitarmos que algumas atividades criminosas suspeitas são em si mesmas sinais de doença mental Na verdade temos que nos perguntar se de fato são apenas certos atos cometidos por extremistas islâmicos que são considerados fora dos limites da razão estabelecidos pelo discurso civilizador ocidental e não cada uma ou todas as crenças e práticas pertencentes ao Islã que se tornam um sinônimo de doença mental na medida em que eles se desviam das normas hegemônicas da racionalidade ocidental BUTLER Judith Vida precaria El poder del duelo y la violencia 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2009 pp 102103 700 O Relator Especial sobre a questão da tortura observou que os membros das minorias sexuais estão sujeitos a uma proporção excessiva em relação à tortura e outros maustratos porque não respondem ao que é socialmente esperado de ambos os sexos A discriminação com base na orientação ou identidade sexual pode frequen temente contribuir para a desumanização da vítima que é frequentemente uma condição necessária para que a tortura e os maustratos ocorram ONU Assembleia Geral Relatório do Relator Especial sobre a questão da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes 3 de julho de 2001 A 56156 par 19 Disponível em http wwwunhchr ch Huridocda Huridocansf 28Simbolo 29 A56156En Opendo cument Acesso em 3 fev 2013 701 Cámara Federal de Casación Penal de Argentina F AM s recurso de casación Causa No 3312 10 de janeiro de 2013 702 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 160 531 que se possa aplicar a diferentes tipos de pessoas necessariamente requer i compreender como algumas normas internacionais funcionaram historicamen te para regular a sexualidade em termos genéricos raciais idade etc e ii a incorporação de teorias contemporâneas sobre a construção social da sexuali dade703 A redação do artigo 6 da Declaração Universal dos Direitos Humanos segundo a qual todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica parece pressupor que a personalidade jurídica é um correlato legal de uma realidade natural preexistente ser humano e dessa maneira reivindica a lógica da tradição europeia do direito natural a que alude Ignatieff Por isso Baldi assinala que em matéria de direitos humanos o importante é revisar as bases em que se assenta esse discurso e expandir a noção atual de humanidade que se limita a nivelar diferenças dentro da fórmula universalista que define o Ocidente branco masculino heterossexual e cristão704 No mesmo sentido Butler recupera a crítica ao humanismo que Fannon formulou ao afir mar que o negro não é um homem705 Dessa maneira Fannon demostrou o caminho pelo qual a articulação contemporânea do humano está racializada Por sua vez Butler no uso da palavra homem também formula uma crítica à masculinidade já que implica que o homem negro é feminizado O escopo dessa formulação seria que ninguém que não seja um homem no sentido masculino seja um humano de modo que sugere que tanto a masculinidade como o privi légio racial conformam a noção do humano706 Nesse ponto fazse eloquente a advertência realizada por Legendre se gundo a qual afirma que os descendentes da Europa filhos de guerras que foram queimados promotores de Felicidade industrial conquistadores das ciências sem pre cedentes nos esquecemos de que a fábrica do homem é precária707 No mesmo sen tido ao formular um contexto histórico e geopolítico ao humanismo chama a atenção para as consequências que derivam do etnocentrismo que acarreta Uma delas é a redução simplificação ou ocultação das causas da discriminação que ocorre quando é caracterizada como produto de formas culturais reacionárias Dessa maneira tacitamente se reivindica um dualismo que hierarquiza 703 MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Repro ductive Rights In Health and Human Rights vol 4 no 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorg archivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 704 BALDI César Direitos humanos e direitos humanos onde s homossexuais In GRÜNE Carmela Org Samba no pé e direito na cabeça 1ª Ed São Paulo Saraiva 2012 pp 3358 705 FANON Frantz Piel negra Máscaras blancas 1ª Ed Madrid Akal 2009 p 42 706 BUTLER Judith Deshacer el género 1ª Ed Barcelona Paidós 2006 p 29 707 LEGENDRE Pierre La fábrica del hombre occidental 1ª Ed Buenos Aires Amorrortu 2008 p15 532 uma ideia de cultura universal caracterizada como progressista acima de uma ideia de cultura entendida como mero particularismo conservador Essa parece ser a postura de Chandiramani quando argumenta que a cultura varia de um lugar para outro diferente dos direitos humanos Além disso os direitos humanos não são estáticos são conceitos em evolução caso contrário seria impossível enten der de onde deriva o caráter dinâmico atribuído aos direitos humanos Ignatieff sustenta uma explicação semelhante embora em seu caso o etnocentrismo se expresse através da reivindicação da tradição europeia do direito natural como uma defesa frente à barbárie A cultura universal tal como surge nesse dualismo corresponde à tradição ocidental entendida como o cânon da cultura europeia da modernidade Essa cultura se expressa fundamentalmente através do discurso secular da ciência mo derna baseado na crença pelo progresso indefinido da razão e nos princípios do positivismo Cultura baseada na crença pela verdade científica universal em opo sição ao obscurantismo religioso o fanatismo ou os particularismos folclóricos A principal consequência dessa abordagem é que não dá conta da maneira pela qual o discurso científico da modernidade por meio das diferentes discipli nas que o compõem justificou e justifica as ordens discriminatórias Os pre conceitos ou estereótipos sociais que geralmente são apontados como motivos para a discriminação têm sua contrapartida nos discursos científicos Portanto não há possibilidade de remover esses estereótipos se não se ques tiona o aparato ideológico cientificista que lhe dá valor de verdade Tampouco é possível continuar sustentando o valor da civilização acima da barbárie como uma forma de acabar com as violações dos direitos humanos frente à evidência histórica segundo a qual o extermínio em massa de pessoas o racismo e etc fo ram fundados no corpus das ciências e no desenvolvimento da técnica Aqui vale a pena mencionar dois exemplos significativos do peso que essa forma de etnocentrismo ainda possui atualmente Segundo o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre leis e práti cas discriminatórias e atos de violência cometidos contra pessoas devido à sua orientação sexual e identidade de gênero as leis que criminalizam as pessoas com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero comumente conhecidas como leis de sodomia são frequentemente vestígios da legislação colonial708 Por outro lado o relatório também reconhece que as crianças intersexuais são discriminadas por serem submetidos a cirurgias desnecessárias do ponto de vista médico praticadas sem o seu consentimento prévio informado ou o de seus pais 708 ONU Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos Leyes y prácticas discriminatorias y actos de violencia op cit párr 40 533 em uma tentativa de corrigir o seu sexo709 No entanto essa última circunstância sequer é vista como uma violação dos direitos humanos em grande parte do dis curso contra a mutilação genital feminina quando é caracterizada apenas como uma prática tribal A respeito Cabral é pertinente ao afirmar a respeito do Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina que a grande maioria das intervenções cirúrgicas normalizadoras afetam meninas e mulheres ou são intervenções feminizantes que adaptam corpos masculinos que falharam para as versões machistas e misóginas de corpos femininos e ainda assim as questões interse xuais não fazem parte de nenhuma agenda de gênero710 DO CARÁTER POLÍTICO DO DISCURSO JURÍDICO A biologia determina a capacidade de raciocínio de reflexão moral ou de ação política Como é impossível dar uma resposta definitiva a essas perguntas aqueles que propuse ram respostas de sinais opostos tentaram determinar uma solução frequentemente na forma de leis ou regulamentos Consequentemente a lei substituiu a verdade como um guia para a ação humana No entanto essa substituição não foi reconhecida como tal mas pelo contrário a norma aprovada era apresentada como baseada na natureza ou na verdade Assim os vencedores atribuíram sua vitória não à política mas à superioridade de sua compreensão científica ou moral e dessa maneira conseguiram esconder a influência da lei nas percepções da natureza Joan Scott711 Outra dificuldade é dada pela caracterização do direito como mera ferra menta uma descrição que esvazia todo seu conteúdo político Essa invisibilização da política ocorre em primeiro lugar através da redu ção e assimilação do conceito do político ao exercício das funções executivas do poder estatal Dessa maneira o papel dos operadores jurídicos especialmente o estabe lecimento dos juízes como classe privilegiada e corporativista fica à margem de 709 Ibídem párr 57 710 CABRAL Mauro Hoy en este mundo Página 12 06 de fevereiro de 2009 Disponível em httpwww pagina12comardiario suplementossoy160420090206html Acesso em 07 fev 2013 711 COTT Joan Las mujeres y los derechos del hombre feminismo y sufragio en Francia 17891944 1ª Ed Buenos Aires Siglo Veintiuno 2012 p 11 534 qualquer consideração a respeito de sua responsabilidade no estabelecimento e ma nutenção da discriminação Talvez o melhor exemplo disso seja o caso Atala Riffo Além da evidente violação dos direitos humanos perpetrada contra a autora e suas filhas ao ser negada a custódia matéria essa que foi objeto de sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos é importante notar um aspecto que muitas vezes passa despercebido o fato de a Sra Atala Riffo ser magistrada o que desenca deou um processo complexo da superintendência tendente a sancionála O funcionamento corporativo do Judiciário é um resseguro contra a sua diversificação e pluralismo o que compromete o pleno reconhecimento dos di reitos humanos O fato de que a maioria de seus membros faça parte de uma camada social privilegiada normalmente moralmente conservadora e uniforme em termos etários genéricos culturais e étnicos somado à falta de mecanismos institucionais que assegurem a democracia interna constitui um obstáculo à efe tivação de valores pluralistas A falta de questionamento do papel da magistratura também está ligada à forma como historicamente a função judicial foi concebida como boca da lei Crença aprofundada a partir da expansão do positivismo jurídico a qual reduziu o trabalho interpretativo a uma mera adequação das normas gerais a casos con cretos Entretanto como explicita Marí a pretendida uniformidade semântica do discurso jurídico é um mito Uma decisão judicial ou uma norma tidos como discursos tipo têm um processo de formação decomposição e recomposição em que outros discursos diferentes pela sua origem e função que com ele se entrela çam Entre o processo de formação e o produto final formado há uma ruptura uma distância ou uma lacuna O resultado não é uma intepretação dedutiva que descobre significados já presentes na norma como essência senão um correlativo de uma relação de força entre os discursos conflitantes E em muitos casos um discurso ausente é o principal fator seja do tipo econômico como o modo de organização do sistema produtivo seja por razões políticas como a chamada razão de Estado morais ideológicos e etc Portanto entre o processo de pro dução de formação e de constituição do discurso jurídico e esse discurso como um produto final existe uma ruptura uma descontinuidade um deslocamento Esse desequilíbrio não seria um desacordo meramente semântico mas uma in compatibilidade construída nas práxis sociais que se caracteriza como variável em termos históricos Daí a impossibilidade de se verificar os conceitos jurídicos independentemente da teoria jurídica que os produz712 DO NATURALISMO 712 MARÍ Enrique Moi Pierre Rivière y el mito de la uniformidad semántica en las Ciencias Sociales y Jurí dicas In MARÍ Enrique Papeles de filosofía Buenos Aires Biblos 1993 p 254 535 A natureza entendida como primeiro princípio da realidade parece ser a chave filosófica a partir da qual os juízes muitas vezes resolvem queixas de discri minação em razão do gênero ou sexualidade das pessoas Em outras palavras o raciocínio é baseado em uma operação de naturalização de um padrão normativo ao que se tentará por todos os meios assimilar a vítima de discriminação Assim estabelecido um modelo ideal associado a uma certa ideia de natureza qualquer denúncia de discriminação será a princípio reconduzida pelo caminho da assi milação Qualquer pessoa que alegue ser discriminada em virtude de uma dife rença será forçada a eliminála ou minimizála a fim de gozar do direito negado Talvez o melhor exemplo dessa operação de naturalização seja constituído pela forma como no campo do direito civil os discursos relacionados à identidade de gênero foram desenvolvidos antes da sanção da lei na Argentina713 A análise da jurisprudência e a produção doutrinária sobre expedientes em que se solicitou a autorização judicial para a realização de operações de mudança de sexo e a modificação do registro civil demostra que a construção jurídica da transexualidade se realizava a partir de uma história baseada na figura mítica do hermafrodita condenado pela natureza à indefinição sexual A partir dos dramáticos relados de alegadas experiências de vida instituí amse vítimas doentes cuja situação não natural teria o direito de remediar a mis são mediante autorização de procedimentos cirúrgicos que asseguraram o fim do sofrimento e a validade da naturalizada ordem dicotômica dos corpos Como consequência o fundamento do reconhecimento do direito não foi a autonomia do demandante mas sua normalização Dada sua resistência à ancoragem genital de sua identidade as travestis apareceriam nesse discurso como figuras antagônicas Frente ao travestismo a história centrada em uma ordem naturalista alterada que cede lugar às figuras do hermafrodita e do transexual permitiu argumentos próprios do âmbito da reflexão moral As vítimas foram substituídas por sujeitos autônomos perversos que tendo a possibilidade corporal de viver de acordo com a ordem natural não o faziam e portanto eram responsáveis pelas condições de vida adversas às que foram sub metidas Aqui o discurso retributivo é claramente equivalente ao que sustenta a figura do delinquente no direito penal liberal moderno E isso não é casualidade dado que o maior número de representações judiciais em relação ao travestismo foi realizado historicamente pela instituição policial e pela justiça criminal atra 713 Antes da sanção da Lei de Identidade de Gênero e em virtude da lei sobre o exercício da medicina que proibia a realização de operações de mutilação as pessoas que queriam mudar de gênero tinham que judicializar sua situação 536 vés da criminalização da prostituição Vejamos alguns exemplos Seu aspecto é feminino Mas de uma feminilidade natural sem afetação ou aparência longe muito longe de outras situações em que o traço exagerado a ostentação é a nota Os exames médicos concordaram que é um pseudohermafrodita o sujeito que tem algumas características em comum com o transexual a rejeição da homossexualidade não permanece no mero travestismo714 Cabe assinalar que não é possível confundir o transexualismo que é um problema existencial com isosexualismo seja na forma do homossexualismo ou do lesbianismo nem o travestimento O transexual tem o direito de dispor de seu corpo na medida em que ele reflete uma ne cessidade médica para recuperar a saúde que nunca teve O transexual enquanto ser livre tem o direito de projetar sua vida de acordo com uma exigência existencial incontrolável que certamente não é um capricho Essa vocação existencial está além do controle de sua vontade O ser humano não tem o direito de dispor de seu corpo exceto em certos casos indicados pela doutrina pela jurisprudência ou pela lei715 O fenômeno transexual é bastante recente pois sua afinidade com outras perversões como o travestismo ou a homossexualidade não facilitaram sua classificação autônoma nem o homossexual nem o travesti refutam sua identidade o transexual pelo contrário adverte que seu próprio sexo anatômico é o obstáculo mais grave para sua escolha de comportamento e o descontentamento latente nos primeiros anos de vida degenera com a idade para formas maníacas de autodestruição716 Os transexuais são sujeitos que não podem ser considerados como viciosos ou pervertidos sexuais senão que pelo contrário padecem de um desequilíbrio profundo que lhes provoca grave desconforto nos distanciamos daqueles defensores da intervenção médicocirúrgica impulsionada pela liberdade sexual como liberdade de escolha e de sexo717 Em virtude da situação descrita o direito à identidade de gênero das tra vestis não era reconhecido e portanto lhes era negada a possibilidade de alterar o registro civil Dentro do discurso naturalista os relatos referentes à saúde têm um papel proeminente Isso permite voltarse à velha ideia de uma natureza desviada ou desordenada que a lei deve tentar restaurar Desse modo a decisão judicial se legitima a partir da retórica do naturalismo que ameaça qualquer conceituação do direito à saúde e evita decisões baseadas em outros direitos como a autonomia pessoal Sentenças baseadas nesse último princípio expõem a dimensão política de toda decisão judicial e portanto são geralmente evitadas por juízes os quais 714 Cámara Civil y Comercial de San Nicolás Argentina Sentencia 11894C LJ Voto do juiz Maggi 715 FERNÁNDEZ Carlos Apuntes sobre el derecho a la identidad sexual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 pp 1020 716 ROGNONI Giancarla Reseña de Consideraciones médicolegales sobre un caso de transexualismo de Lan driscina In Giurisprudenza Italiana 5ta Entrega maio 1976 TurínItalia p 176 Publicado também na Lei T 1986A p 1129 717 WAGMAISTER Adriana y MOURELLE DE TAMBORENEA Cristina Derecho a la identidad del transe xual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 pp 6970 537 estão pouco acostumados a dar conta de seus próprios posicionamentos ou com promissos ideológicos DA PATOLOGIA À AUTODETERMINAÇÃO Tal como supramencionado a Lei de Identidade de Gênero recentemente sancionada na Argentina produziu uma mudança paradigmática na concepção das identidades ao abandonar o modelo hegemônico global que se baseia na noção de patologia718 A mera manifestação por parte da pessoa interessada a res peito de sua vontade de mudar de gênero é suficiente para que o Estado proceda à modificação do registro civil e esteja obrigado a cobrir as prestações de saúde no caso que lhe forem requeridas Embora essa mudança seja por si só revolucionária de acordo com a clas sificação conhecida dos tipos de demandas de direitos formulada por Miller719 como conclusão gostaria de rever as implicações que em termos políticos teve o processo de ativismo desenvolvido pelos grupos trans Minha hipótese é que a dita experiência poderia ser qualificada como emancipatória democrática e polí tica nos termos de Rancière Emancipatória porque implicou uma mudança nos termos de posição dos corpos uma dissociação da ordem das nomeações pelas quais cada um é atri buído a um lugar Para esse autor as relações de sujeição não estão baseadas na ignorância tal como sustenta a tradição marxista ao afirmar que as pessoas são dominadas porque não conhecem as condições de sua exploração Não é a consciência da sujeição senão o desejo de começar uma outra vida a visão de si mesmo como capaz de experimentar algo diferente do destino de dominação que determina a possibilidade de emancipação a qual se materializa no empode ramento por parte dos oprimidos das palavras que não foram destinadas a eles Citando como exemplo o proletariado aponta que o segredo do mercado do capital e do superávit era algo que nunca lhes havia faltado mas o que faltava era o sentimento da possibilidade de um destino diferente o sentimento de partici pação na qualidade de ser falante720 Daí a definição de democracia como a possibilidade de qualquer que seja 718 Uma análise da despatologização pode ser vista em CABRAL Mauro Los rumores de la despatologiza ción Clam 13 de dezembro de 2012 Disponível em httpwwwclamorgbrESdestaqueconteudoasp cod10109 Acesso em 7 fev 2013 719 Ver MILLER Alice Las demandas por derechos sexuales In III Seminario Regional Derechos Sexuales Derechos Reproductivos Derechos Humanos Lima Cladem 2002 pp 121140 e MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Reproductive Rights In Health and Human Rights Vol 4 No 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorgarchivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 720 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 83 538 Possibilidade que consiste em terminar com a distinção segundo a qual há um discurso comum que pertence aos superiores enquanto que o resto da humani dade é atribuído ao campo do ruído Possibilidade de acabar com a crença de que todo ser de uma classe mais baixa é apenas capaz de expressar fome cólera raiva ou indignação e incapaz de articular um discurso sobre o justo e o injusto721 A maneira pela qual a identidade travesti foi historicamente associada com a noção de escândalo nos tipos penais e contravencionais que puniam o uso de roupas do sexo oposto e ainda hoje perseguem a oferta de serviços sexuais são um claro exemplo A democracia não seria então simplesmente uma forma de governo nem um modo de vida social à maneira de Tocqueville senão um modo específico de estruturação simbólica do ser em comum É essa inversão singular da ordem das coisas segundo a qual aqueles que não estão destinados a ocuparse das coisas comuns passam a se ocupar delas Por isso para Rancière o começo da política é dado pela existência de indivíduos que não são nada722 que são um excedente da contagem de partes de uma população723 no preciso momento em que se põem em questão a dis tribuição do sensível das evidências sensíveis que sustentam a dominação e disputam a possibilidade de estabelecer o sentido do que vemos724 A política é então aquele momento conflitivo em relação ao próprio fato de saber quem é dotado da capacidade política da palavra Por essa razão a po lítica aparece como excedente em relação à ordem policial entendida como a estruturação do espaço comum que faz com que uma determinada situação de dominação apareça fundada em evidências sensíveis Dominação que conforme supramencionado fundamentase na crença de que há pessoas que realmente não falam que apenas expressam fome cólera raiva e indignação Uma crença que historicamente tem se manifestado com relação aos pobres às pessoas de cor às populações indígenas às mulheres às travestis aos homossexuais e assim por diante O que distingue então a política da polícia não é a especificidade de um conteúdo reivindicativo senão a própria forma da ação O que Rancière chama de polícia supõe um sistema de distribuição de lugares e de competências A po 721 Ibídem p 84 722 No nosso caso o exemplo paradigmático desse nada seriam as corporalidades trans na prostituição expulsas para zonas vermelhas localizadas do outro lado das fronteiras da cidadania sexual Uma análise interessante da exclusão em termos espaciais e dos regulamentos de sexualidade e gênero em termos da construção de um ideal de cidadania é a da SABSAY Leticia Fronteiras sexuais Espaço urbano corpo e cidadania 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2001 723 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 74 724 Ibídem p 88 539 lítica é a revogação dessa ideia de que uma competência específica seria necessária para lidar com assuntos comuns No processo de criação da Lei de Identidade de Gênero a disputa ocorreu no momento em que o movimento trans se organizou sob a Frente Nacional pela Lei de Identidade de Gênero e propôs um projeto que questionava os quatro outros que estavam sendo analisadas pelo Parlamento Um deles foi impugnado porque propôs a criação de um Escritório de Identidade de Gênero como um órgão do Estado projetado para monitorar os pedidos de retificação de dados de registro ou acesso a intervenções cirúrgicas Outros dois foram criticados porque regulamentavam separadamente o reconhecimento da identidade e a assistência à saúde cedendo espaço a uma hierarquização dos direitos em jogo e porque exigiam estabilidade e permanência no gênero para acessar a mudança de registro civil Por último o projeto remanescente foi o mais criticado pela Frente dado que outorgava poder de aplicação à autoridade para a criação de comitês de bio ética mediante a solicitação do pedido de relatórios especiais725 Apesar da alta competência técnica que o tema parecia exigir à luz da litera tura sobre a matéria xs ativistas reunidxs na Frente questionaram a legitimidade desse saber estabelecido para decidir sobre sua autonomia Embora pudessem ignorar o alcance teórico desse saber contestado sabiam as sérias consequências que derivariam da perpetuação do poder científicoestatal para regular suas vidas Nesse sentido cumpriuse a máxima de Rancière a qual dispõe que toda política é uma luta entre dois mundos perceptivos Uma luta entre um mundo em que os dados são objetiváveis em que os especialistas os traduzem em decisões e um mundo em que há um debate sobre os dados em si e quem está capa citado para definilos Onde a discussão se dá com base na dissimetria das posições que o reconhecimento tanto do que é objeto de discussão quanto da capacidade dos interlocutores é em si mesmo um objeto de controvérsia que se opõe ao modelo de deliberação racional726 REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Lo abierto El Hombre y el animal 1ª Ed Valencia PreTextos 2005 BALDI César Direitos humanos e direitos humanos onde s homossexuais In GRÜNE Car 725 Ver LITARDO Emiliano Perturbaciones normativas la ley de identidad de género en Argentina Los cuerpos desde ese otro lado In Derecho y Humanidades Facultad de Derecho Universidad de Chile Santiago en prensa 726 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 265 540 mela Org Samba no pé e direito na cabeça 1ª Ed São Paulo Saraiva 2012 BALDI César O STF e a união homoafetiva Disponível em httpwwwdemocraciaejusticaorg cienciapolitica3 node272 Acesso em 19 jan 2013 BUTLER Judith Deshacer el género 1ª Ed Barcelona Paidós 2006 BUTLER Judith Vida precaria El poder del duelo y la violencia 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2009 CABRAL Mauro Hoy en este mundo Página 12 06 de fevereiro de 2009 Disponível em http wwwpagina12comardiario suplementossoy160420090206html Acesso em 07 fev 2013 CABRAL Mauro Los rumores de la despatologización Clam 13 de dezembro de 2012 Dispo nível em httpwwwclamorgbrESdestaqueconteudoaspcod10109 Acesso em 7 fev 2013 COTT Joan Las mujeres y los derechos del hombre feminismo y sufragio en Francia 17891944 1ª Ed Buenos Aires Siglo Veintiuno 2012 FANON Frantz Piel negra Máscaras blancas 1ª Ed Madrid Akal 2009 FERNÁNDEZ Carlos Apuntes sobre el derecho a la identidad sexual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 IGNATIEFF Michael Human Rights as Politics and Idolatry 3a Ed Princeton Princeton University Press 2003 LEGENDRE Pierre La fábrica del hombre occidental 1ª Ed Buenos Aires Amorrortu 2008 LITARDO Emiliano Perturbaciones normativas la ley de identidad de género en Argentina Los cuerpos desde ese otro lado In Derecho y Humanidades Facultad de Derecho Universidad de Chile Santiago en prensa MAFFÍA Diana Comp Sexualidades migrantes Género y transgénero 1ª Ed Buenos Aires Fe minaria 2003 MARÍ Enrique Moi Pierre Rivière y el mito de la uniformidad semántica en las Ciencias Socia les y Jurídicas In MARÍ Enrique Papeles de filosofía Buenos Aires Biblos 1993 MILLER Alice Las demandas por derechos sexuales In III Seminario Regional Derechos Sexuales Derechos Reproductivos Derechos Humanos Lima Cladem 2002 MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Reproductive Rights In Health and Human Rights Vol 4 No 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorgarchivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Reproductive Rights In Health and Human Rights vol 4 no 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorgarchivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad Diálogos sobre política y estética 1ª Ed Barcelona Herder 2011 ROGNONI Giancarla Reseña de Consideraciones médicolegales sobre un caso de transexualismo de Landriscina In Giurisprudenza Italiana 5ta Entrega maio 1976 TurínItalia p 176 Publicado também na Lei T 1986A p 1129 SABSAY Leticia Fronteiras sexuais Espaço urbano corpo e cidadania 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2001 SALGADO Judith La reapropiación del cuerpo Derechos sexuales en Ecuador 1ª Ed Quito Abya Yala Corporación Editora Nacional 2008 WAGMAISTER Adriana y MOURELLE DE TAMBORENEA Cristina Derecho a la identidad del transexual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 541 DRONE IMPÉRIO ROBÓTICO727 Stephen Graham728 Abril de 2014 A partir do nível do solo o gramado parece estar coberto com o tipo de camada de plástico comumente usada para abrigar frutas e vegetais cultivados ROTINEIRAMENTE Mas este não é um dispositivo agrícola é uma imagem na Terra É somente quando a camada é vista a partir da visão aérea que a imagem fica surpreendentemente clara Fig 1 Figura 1 O projeto Not a Bug Splat visto do céu O projeto foi desenhado por um grupo de artistas políticos provenientes da França Estados Unidos e Paquistão Essa imagem situase no norte do Paquistão Foto de abril de 2014 Ao olhar para esse campo anônimo no centro de destruição dos drones de KhyberPukhtoonkhwa dentro das Áreas tribais administradas pelo governo fe deral no Paquistão conhecido como FATA percebese que há a imagem gigan tesca de uma menina local colocada por um grupo de artistas políticos franceses americanos e paquistaneses 727 Texto original em inglês com o título Drone Robot Imperium em 2016 na série Transnational Institute Working Papers publicado em Amsterdam pelo Transnational Institute em 2016 a tradução para o português foi feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Lucas Dagostini Gardelin 728 Stephen Graham é professor de Arquitetura e Planejamento na Universidade de Newcastle Inglaterra e lecionou anteriormente na Universidade de Durham e no MIT entre outras instituições A pesquisa de Graham se dá no campo da crítica social e da teoria urbana sobre alguns dos desafios que enfrentam nossa rápida urbanização global e se concentra em temas ligados a militarização da vida urbana relação entre cidades tecnologia e infraes trutura e aspectos urbanos da vigilância Autor editor e coautor de muitos livros incluindo Disrupted Cities Cities War and Terrorism The Cybercities Reader e Splintering Urbanism com Simon Marvin Também é autor de Cidades sitiadas o novo urbanismo militar e um dos autores da coletânea Bala perdida a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação ambos publicados pela Boitempo 542 De acordo com a Fundação dos Direitos Fundamentais do Paquistão a criança que possui o nome desconhecido perdeu seus dois pais e seu irmão Syed como dano colateral a um míssil do Fogo do Inferno disparado por um drone armado dos EUA em 21 de agosto de 2009729 Visualizando o corpo através da imagem de vídeo na tela verde que usam os pilotos para lançar suas armas os artistas de NotABugSplat enfatizam dá a sensação de que um inseto está sendo esmagado730 Com a evolução de bombardeiros satélites e helicópteros armados essa visão nos lembra a conexão cada vez mais forte entre o ato de matar através de um sistema de armas e o uso de tecnologias visuais para encontrar um alvo Como o tempo entre detecção e filmagem diminuiu com as novas tec nologias de comunicação e detecção a obsessão militar no linguajar comum é comprimir a cadeia de matar O sonho é mudar para um mundo onde as armas e os sistemas de imagem estarão totalmente integrados Desse modo os atos de ver e matar efetivamente se tornam um e o mesmo731 Os drones permanecem e aniquilam as pessoas dos céus Os sociólogos que estudaram comentários de internautas através das imagens do Youtube do alvejamento e da matança de insurgentes observaram uma tendência generaliza da De acordo com as tradições profundas na cultura e na linguagem ocidentais eles percebem sua visão de cima para baixo como uma superioridade inerente sobre as pessoas subjugadas menos importantes e com culturas raciais diferentes Abaixo de seus olhares vêem até mesmo pessoas desumanizadas732 A maioria dos 1600 comentários dos internautas abordados no estudo inscreviam seus pontos de vista e essa é a visão da própria arma assassina com uma sensação de su perioridade moral e de visão geral Eu quero ver com meus próprios olhos que eles estão mortos e morrendo um comentário lido Apenas para minha própria satisfação733 729 O nome deriva de um tipo de software que faz o cálculo de alvos usados pela primeira vez em 2002 no qual os pilotos de drones dos EUA rotulam diuturnamente usando um desumanizador eufemismo de Bug Splat 730 Insideoutprojectorg Not a Bug Splat UndisclosedLocation Região de KhyberPakhtunkhwa Pakistão Abril de 2014 Disponível em httpwwwinsideoutprojectnetengroupactionspakistanundisclosedlocation 731 Ver Derek Gregory The everywhere war The Geographical Journal 1773 2011 238250 732 É importante ressaltar que o próprio termo superioridade deriva do prefixo da língua latina super que significa alto ou acima de modo contrário o termo subjugado deriva do prefixo latino sub que significa abaixo 733 Henrik Fürst e Karin HagrenIdevall Drone porn and violence comments on YouTube to a drone attack Artigo não publicado mas apresentado na 10ª Conferência da Associação Sociológica Europeia 710 de Se tembro 2011 p 12 Citadopor Mark Dorrian Drone semiosis Weaponry and witnessing Cabinet Magazine Summer pp 52 2014 543 PrintTomada dos registros de câmera de um ataque letal de Predator no Afeganistão em 2011 um dos muitos disponíveis no Youtube As pessoas estão claramente ressaltadas pela linha branca de seus corpos quentes capturada pela câmera infravermelha Um segundo após essa tomada todas foram mortas por um míssil Hellfire disparado pelo drone A visão do olho do drone conectase direto ao Youtube tal como em uma série de videogames militarizados Isso só contribui para as formas em que a ma tança de drones opera através de redes complexas de tecnologia eletrônica Essa miscigenação militar e eletrônica trabalha para distorcer sistemas de armas com sistemas de entretenimento Por esta razão talvez a Força Aérea dos EUA esteja diretamente direcio nada ao recrutamento de jogadores como pilotos de drone especialmente aque les com experiência em aeronaves domésticas e simuladores Os controles reais usados pelos pilotos para realizar a matança às vezes imitam diretamente os co nhecidos controles da Sony Playstation que os recrutas usaram desde a primeira infância734 Em 2005 NoahShachtman da Wired Magazine discutiu a experiência de um novo piloto Predator chamado Private Joe Clark Clark em certo sentido 734 Charlie Fripp Do gamers make for perfect drone pilots IT News South Africa 10 de Outubrode 2013 Dispo nível em httpwwwitnewsafricacom201310dogamersmakeforperfectdronepilots 544 foi preparado para o trabalho desde que era criança Ele joga videogames mui tos videogames enfatizou Shachtman De volta ao quartel ele gasta o tempo de inatividade com um Xbox e um PlayStation Quando ele passou para detrás dos controles de um UAV Shadow Veículo Aéreo Não Tripulado a operação de ponto e clique funcionou da mesma maneira 735 Com todos esses fatores o excepcional poder de NotABugSplat deriva da forma como ele sofisticadamente retoma a maioria das imagens humanas inclusive os rostos de uma forma que altera fundamentalmente a lógica da visão distante vertical e mecânica Essa tecnologia pois questiona a vigi lância e a desumanização que sustentam o surgimento da rotina de drones assassinos Mais importante ainda é a forma como os olhos da menina olham para trás verticalmente em direção aos sensores distantes que garantem os ataques de drones736 Ao ver a imagem da menina no campo é tentador por um breve momento perguntarse se a sua aparência impõe brevemente um olhar mais si métrico entre o piloto e o alvo no momento em que os olhos da menina se encon tram com o sensor digital A imagem momentaneamente prejudicou a operação normal dos drones que como o estudioso da mídia Tim Blackman disse são projetados para permanecer no escuro e trazer inimigos para a luz onde eles po dem ser destruídos737 Mike Pearl perguntase sobre o impacto na imagem em um piloto de dro nes real localizado em uma caverna de realidade virtual na base da força aérea Creech localizada nos subúrbios do norte de Las Vegas Afirma ele que quando você está olhando para baixo do ponto de vista do predador ver o rosto de uma criança seria uma mudança surpreendente da visão usual do Google Earth acho que todos nós assumimos que estarão olhando para a imagem O piloto sentado no terminal remoto suponho seria tão despertado pela empatia que ele ou ela se forçaria a levantar e sair do programa drone de uma vez por todas Se isso é excessivamente otimista talvez ao menos o piloto se perceberia distraído demais para atingir adequadamente a criança que ele ou ela estava planejando atingir ou pelo menos a ser obrigado a tentar de novo e de novo para não atirar em crianças dessa vez 735 Noah Shachtman Attack of the Drones Wired3 6 2005 Relacionando ainda mais o mundo dos games e da guerra alguns dos mais recentes videogames recriam o mundo do drone piloto No jogo não tripulado lançado pela empresa Molleindustria em 2012 os jogadores controlam aeronaves de ataque não tripuladas durante o dia e à noite vão para casa para uma vida suburbana O jogo é comercializado sob o slogan Quando a guerra é travada na tela onde está o dano real Ver httpwwwgamesforchangeorgplayunmanned 736 Dorrian Dronesemiosis ibid 55 737 Tim Blackmore War X Human Extensions in Battlespace Toronto University of Toronto Press 2011 pp 137 545 É duvidoso que tal série de hipóteses realmente tenha ocorrido no en tanto uma vez que a imagem foi fotografada e essas imagens foram conhecidas a nível mundial os aldeões locais usaram as valiosas lonas como materiais de construção Pilotos de drone controlando seus ataques letais de drone no Afeganistão de suas estações de controle na base Creech da Força Aérea dos EUA nas franjas do norte de Las Vegas Nevada ORIENTALISMO VERTICAL Através de tal abordagem o projeto NotABugSplat revela junto com muitas outras campanhas os mitos que propagam repetidamente os defensores militares e políticos das contínuas guerras dos drones O assassinato por drones percebese nos argumentos envolve ataques de precisão e assassinatos direcio nados Eles operam através de sistemas de detecção e de segmentação que vêem tudo E eles levam a danos colaterais negligenciáveis e justificáveis mortes civis Figura 2 546 Sistemas de aeronave operadas por controle remoto produzidos pela General Atomics Aeornau tical Systems são rotineiramente operados em locais perigosos do mundo Com a persistente e precisa capacidade de detectar identificar seguir e mesmo atacar alvos urgentes instantanea mente os MQ1 Predators e os MQ9 Reapers da Força Aérea Americana conduzem missões que vão além das capacidades de aeronaves tripuladas O multimissão MQ9 Reaper equipado com transmissão de vídeo dia e noite eletroóptico EOIRinfravermelho Radar de Abertura Sintética Lynx SAR e armas oferece suporte incomparável às forças terrestres Uma força multiplicadora economicamente viável em todos os sentidos Não apenas ope racional mas indispensável Esperar Detectar Destruir Anúncio da General Dynamics para o drone armado Preda tor Fonte httpgeographicalimaginationscom20121206thepoliticsofdronewars 547 DRONE PREDATOR Em janeiro de 2012 como um desses exemplos o portavoz da Casa Bran ca Jay Carney afirmou aos jornalistas que uma das características dos esforços antiterroristas dos Estados Unidos tem sido nossa capacidade de ser excepcional mente precisos excepcionalmente cirúrgicos e excepcionalmente visionários na implementação de nossas operações antiterroristas 738 O tenentecoronel James Dawkins da Força Aérea dos EUA sublinha que os drones armados são uma opção muito atraente para os políticos que enfrentam as decisões de uso de força sem contudo correrem o perigo de perder sua base aliada739 Nos ataques de drones um risco permanece já que a máquina pode ser perdida durante as operações Mas mesmo que isso aconteça as tripulações do UAV permanecerão absolutamente intocáveis e ilesas guarnecidas como estão em bunkers e bases a milhares de quilômetros de distância em continentes lon gínquos Acima de tudo não haverá viúvas nem prisioneiros de guerra740 Essa invulnerabilidade completa é radicalmente nova e profundamente importante nunca antes a guerra ofereceu uma visão tão assimétrica do alvo segmentado e distante Temse um equipamento com todos os olhos eletrônicos e armamento divino sendo completamente invisível e imune daqueles sobre os quais ele ou ela desencadeia sua violência Observa o filósofo francês Grégoire Chamayou para quem utiliza um drone armado tornase a priori impossível morrer à medida que alguém mata 741 Certamente o uso dos drones assassinos pelos EUA é amplamente cele brado por grandes setores da população civil como uma estratégia que coloca as máquinas em risco para salvar militares norte americanos De fato o congressista republicano Brian Bilbray já argumentou que o dronePredator deveria ser visto como um herói popular americano Se você pudesse lançar o Predator para Pre sidente ele sugere ambos os partidos Republicanos e Democratas estariam tentando apoialo742Recentemente algumas partes do exército norteameri cano já pediram que as medalhas fossem concedidas para pilotos de drone bem sucedidos 738 Press Briefing by Press Secretary Jay Carney January 31 2012 available at wwwwhitehousegovthepressof fice 20120131pressbriefingpresssecretaryjaycarney13112 739 Dawkins James Unmanned Combat Aerial Vehicles Examining The Political Moral And Social Implications Air University Maxwell Air Force Base Alabama 2005 740 Tim Blackmore Dead slow Unmanned aerial vehicles loitering in battlespace Bulletin of Science Technology Society 25 2005 195216 pp 199 741 Chamayou Grégoire A Theory of the Drone New York The New Press 2014 Pp 13 742 Brian Bennett Homeland security adding 3 drone aircraft despite lack of pilots The Los Angeles Times 27 de Outubro de 2011 Disponível em artigos da latimescom2011oct27nation lanausdrone20111027 548 NotaBugSplat ao desafiar os mitos e os eufemismos da morte por drones expõe o olhar do drone assassino de cima como pouco mais do que um olhar racista usado na matança imperial A imagem enfatiza acima de tudo como os mecanismos racistas através dos quais o poder imperial constrói os seres humanos trabalham para diferenciar entre um nós nacional na pátria e um inimigo ameaçador com estereótipo e raça diferente um eles Houve a modificação desses mecanismos pelo assas sinato operado por drones passandose um quadro em grande parte horizontal para um vertical embora um deles seja organizado através de satélites sistemas de comunicação e tecnologias militares que operam horizontalmente em escalas continentais743 Isso se constata na análise da mudança empreendida por Israel de uma ocupação militar permanente de Gaza para uma política de dominação da área a partir de cima através de vigilância de drones e ataques Embora seja difícil neste caso dissociar ataques de drones de assaltos por artilharia helicópteros e aviões de guerra o grupo de direitos humanos de Gaza alMezan calcula que as ataques de drones mataram pelo menos 760 habitantes de Gaza entre 2006 e 2012744 Durante o bombardeioPilar de De fesa à Gaza em 2012 36 dos 162 palestinos mortos morreram por ataques de drones e outros 100 ficaram gravemente feridos Dos 36 mortos dois terços eram civis745 Ao analisar tamanha violência o pesquisador de arquitetura EyalWeizman invoca a influente crítica de Edward Said sobre a tradição do Orientalismo oci dental a construção de um Outro imaginário primitivo e exótico no Oriente Médio e na Ásia para justificar o colonialismo violento e o controle militariza do746 Weizman argumenta no entanto que a abordagem de Israel a Gaza envol ve agora uma forma de orientalismo vertical e não tradicionalmente horizontal Afirma ele que a geografia da ocupação completou uma curva de 90 graus O Oriente imaginário o objeto exótico da colonização não estava mais além no horizonte mas agora sob a tirania vertical da civilização aérea ocidental que 743 Ver Feldman Keith Empires verticality The AfPak frontier visual culture and racialization from above Comparative American Studies Vol 9 No 4 December 32541 2011 PP 330 744 Citado em Cook Jonathon Gaza Life anddeathunderIsraelsdronesAl Jazeera 28deNovembro de 2013 disponível em httpwwwaljazeeracomindepthfeatures201311gazalifedeathunderisraeldro nes20131125124214350423html 745 Ver também Anne Wright Israeli Drone Strikes in Gaza in November 2012 Attack TwoThirds Killed Were Civilians OpEd News 02 de Junho de 2013 disponível emhttpwwwopednewscomarticlesIsraeliDrone StrikesinGbyAnnWright130206621html 746 Said Edward Orientalism New York Pantheon 1978 549 gerenciava remotamente suas plataformas tecnológicas sensores e munições mais sofisticadas e avançadas a partir do céu747 O drone armado Hermes 900 da Elbit Corporation à venda na Paris Air Show 2007 Fonte httpsenwikipediaorgwikiElbitHermes900 Desde o primeiro ataque de um drone norteamericano no Iêmen em 2002 os drones tornaramse o pilar do poder aéreo militar dos EUA e dos ata ques secretos da CIA Entre 2002 e 2010 o número de drones norteamericanos aumentou quarenta vezes de 167 para cerca de 7000748 Atualmente equivalem a mais de 40 da frota completa de aeronaves dos EUA749 Após sua costumeira rotina de ataques no Afeganistão no Paquistão no Iêmen e no Iraque os EUA sob a política de Obama em vista de ampliação das operações de drones agora também lançam ataques armados dos mesmos na Lí bia e na Somália Os Estados Unidos também possuem uma rotina de vigilância com drones em uma ampla gama de outros países africanos e do Oriente Médio Com regras extraordinariamente amplas e vagas de direcionamento e ataque a guerra contra o terrorismo por meio de drones de fato transformou grande parte do mundo em uma zona de fogo livre750 No entanto o Paquistão o Iraque e o Afeganistão dominam esmagado ramente os assassinatos por drones norteamericanos As operações secretas da CIA contra as regiões do norte do Paquistão seu aliado são especialmente 747 Weizman Eyal Hollow Land Israels Architecture of Occupation London Verso 2007 Pp 325 748 Neocleous Mark War Power Police Power Edinburgh Edinburgh University Press 2014 pp 153 749 Blackhurst Rob The air force men who fly drones in Afghanistan by remote control Daily Telegraph 24 de Setembro de 2012 httpwwwtelegraphcouknewsuknewsdefence9552547Theairforcemenwhofly dronesinAfghanistanbyremotecontrolhtml 750 Ver Gregory Derek Drones and the world as freefire zone Geographical Imaginations blog 23 de Junho de 2013 Disponével em httpgeographicalimaginationscom20130623dronesandtheworldasfreefirezone 550 controversas pois colocam em cheque todos os princípios do direito interna cional O Bureau for Investigative Journalism em Londres produziu credíveis estimativas do número de mortos e feridos civis nos vários períodos das opera ções Eles estimam que até 18 de março de 2015 os drones executaram entre 524 e 1169 civis no Paquistão no Iêmen e na Somália Além disso entre 186 e 226 crianças foram mortas sendo que feriram gravemente entre 1319 e 2068 pessoas O mesmo estudo calcula que até 18 de março de 2015 ataques de drones da CIA no Paquistão mataram entre 2445 e 3945 pessoas Desse número entre 421 e 960 eram civis e entre eles 172 e 207 eram crianças751 Entre 1142 e 1720 civis também foram gravemente feridos tornandose permanentemente incapa citados e empobrecidos Um membro de tribo no nordeste do Paquistão senta sobre os destroços de sua casa após um ataque de drone em janeiro de 2006 Foto Tariq MahmoodAFPGetty Images Fonte httpswwwthebureauinvestigatescom 751 Ver Bureau of Investigative Journalists 2015 Get the data Drone wars Disponível em athttpwwwthebu reauinvestigatescomcategoryprojectsdronesdronesgraphs 551 Funeral para vítimas civis de drones nordeste do Paquistão Fonte httpswwwthebureauinvestigatescom Subjacente à expansão maciça no uso e no desenvolvimento de drones militares letais seus fabricantes cresceram enormemente em tamanho lucrativi dade e no poder de lobby General Atomics Aeronautical Systems um ramo da General Dynamics que fabrica os drones mais usados Predator e Reaper é um caso particularmente emblemático De um volume de negócios anual de apenas US 110 milhões em 2001 o crescimento rápido levouos a crescer para US 18 bilhão até 2012752 Os drones além disso estão rapidamente se tornando mais sofisticados e ca pazes Ao fazêlo os fabricantes de armas os rotulam usando nomenclaturas retiradas da mitologia antiga nomes escolhidos deliberadamente para aumentar a sensação de que são assassinos e monstros tão vistosos como um ciborgue Além dos agora conhe cidos Predator e Reaper por exemplo a DARPA a agência de pesquisa militar dos EUA está construindo um drone com 92 câmeras chamadas Argus nome rela cionado ao mítico servo da mitologia grega com uma centena de olhos A Sierra Nevada Corporation enquanto isso desenvolve um sistema cha mado GorgonStare com o nome da figura feminina da mitologia grega com 752 James Risen Pay Any Price Greed Power and Endless War New York Houghton Mifflin Harcourt 2015 pp 54 552 cabelo de cobras vivas que transformavam aqueles que a olhavam em pedra Esse sistema é destinado a supervisionar cidades inteiras assegurando padrões de vida supostamente normais contra os quais as atividades anormais de alvos pode riam ser identificadas A empresa afirma que o sistema pode supervisionar com pletamente um raio de quatro quilômetros O sistema ainda tem seu próprio lema oculussempervigilans um olho sempre atento753 Anúncio e insígnia para o programa de drone Gorgon Stare Fonte httpwwwuasvisioncom VIVENDO EMBAIXO DAS REGRAS DOS DRONES Compreender os impactos da vivência no Paquistão no Afeganistão ou em outros lugares sob um sistema permanente de vigilância de drones bem como a possibilidade de ser morto ou mutilado a qualquer momento não é fácil Poucos jornalistas ou grupos de direitos humanos se arriscam nos lugares onde ocorrem ataques de drones ainda menos intentam entrevistar os moradores locais e paren tes das vítimas Em vez disso as perspectivas incluindo as de sites como Youtube permanecem quase inteiramente aéreas O paradoxo obscuro aqui presente é que os assassinatos de drones são sustentados por um mito profundamente tecnológico e militarizado com visão vertical total e um fetiche para ver todos Isso no entanto é combinado com uma quase incognoscível cobertura da mídia a respeito das pessoas que vivem sob os alvos e que têm o azar de entrar no caminho dos mísseis do Hellfire disparados do céu754 753 Dorian Dronesemiosis ibid 48 754 Essa invisibilidade provoca análises forenses dos impactos importantes de ataques de drones por arquitetos e juristas críticos Esses especialistas estão ajudando o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas a inves tigar os assassinatos de civis considerandoos abusos de direitos humanos e como potenciais crimes de guerra O grupo de EyalWeizman no GoldsmithsCollege em Londres foi especialmente importante aqui Para que os governos que cometem assassinatos de civis não autorizados prestem contas Weizman argumenta precisa 553 É sabido que no norte do Paquistão as misteriosas máquinas que voam muito acima do chão entraram no folclore local o termo Eu vou abafar você já entrou na conversa do diaadia como uma brincadeira mórbida755 Os esforços com pesquisas também estão começando a revelar os impactos dos ataques de drone sobre as pessoas e comunidades locais Como os artistas que participam do NotABugSplat o projeto Living UnderDrones da Universidade de Stanford recentemente desafiou as narrativas dominantes em torno desses ata ques O grupo de Stanford documenta em detalhes o profundo trauma psico lógico de comunidades inteiras que vivem com a diuturna ameaça de morte e destruição instantâneas e incognoscíveis de veículos geralmente invisíveis acima de suas casas Além das mortes e lesões causadas a equipe de Stanford argumenta As políticas de ataque dos drones norteamericanos causam danos consideráveis e muito além do esperado para o cotidiano dos civis comuns Além disso afirma o grupo que drones sobrevoam 24 horas por dia co munidades no noroeste do Paquistão atacando casas veículos e espaços públicos sem aviso prévio Sua presença aterroriza homens mulheres e crianças provocan do ansiedade e trauma psicológico entre as comunidades civis Aqueles que vivem sob os drones têm que enfrentar a constante preocupação de que um ataque mortal possa ser efetivado a qualquer momento Junto a isso está a consciência de que são impotentes para se protegerem756 Os psicólogos em Gaza entretanto falam de uma geração inteira de crian ças que sofre profundos traumas psicológicos por causa da exposição contínua aos sons dos drones máquinas que podem subjugar com violência letal suas fa mílias a qualquer momento Quando você ouve os drones você se sente nu e vulnerável afirma Hamdi Shaqura vicediretor do Centro Palestino para os Direitos Humanos na Cidade de Gaza O zumbido é o som da morte Não há escapatória nenhum lugar é privado757 mos demonstrar a realidade devastadora de tais ataques a civis atingidos diretamente e em comunidades inteiras que vivem sob dronesGoldsmiths News nd Pesquisa sobre ataques aéreos devastadores são obstruídas pelo sigilo do governo disseram as Nações Unidas Disponível em httpwwwgoldacuknewshomepagenews researchintodevastatingdronestrikeshamperedbygovernmentsecrecyunitednationstoldphp Ver também Anselm Franke EyalWeizmanEds Forensis The Architecture of Public Truth Berlin Sternberg Press 2014 755 Lila Lee Drone Warfare War in The Age of Digital Reproduction Masters Thesis Lund University 2012 756 Living Under Drones Project Living Under Drones Stanford 2012 Pp vii disponível em httpchrgjorgwp contentuploads201210LivingUnderDronespdf 757 Cited in Cook Gaza Life and death ibid 554 Estudantes infantis paquistaneses protestando contra ataques de drone Fonte httpwwwvfpsborg Os pesquisadores do Living Under Drones de Stanford enquanto isso mostraram que civis no Paquistão e no Afeganistão estão relutantes em aju dar aqueles atingidos pelos primeiros ataques porque os próprios socorristas foram mortos por sucessivos ataques de drones Aconselhouse a todos para que caso haja parentes feridos nos escombros não seja prestada ajuda para resgatálos devido à frequência dos conhecidos ataques doubletap As pes soas também evitam reunirse em grupos próximos a lugares visíveis Muitas crianças são permanentemente mantidas dentro de casa e muitas vezes já nem vão à escola Outras crianças lutam com incapacidades permanentes causadas por ataques de drones Muitos amputados têm que usar próteses de má qualida de Um exemplo é Sadaullah Wazir um adolescente e exaluno da aldeia de Machi Khel em Mir Ali Waziristão do Norte Ele perdeu suas pernas e um de seus olhos em um ataque de drones em setembro de 2009 na casa de seu avô Afirma ele que antes do ataque do drone minha vida foi muito boa Eu costumava ir à escola e eu costumava estar bastante ocupado mas depois do ataque eu parei de ir à escola Dois mísseis foram atirados em nossa hujra casa e três pessoas morreram Meu primo e eu ficamos feridos Nós não ouvimos o míssil e então estava lá agora eu tenho que ficar aqui dentro Às vezes eu tenho dores de cabeça realmente ruins e se eu andar muito 555 nas minhas pernas de prótese elas doem demais Drones afetaram drasti camente a vida na nossa área758 MITOS DA VISÃO TOTAL Antes de ser o resultado de sensores que tudo veem capazes de identificar insurgentes armados e executálos com precisão a realidade é que a guerra de drones revela uma ausência perigosa de conhecimento sobre as pessoas que estão próximas ao alvo Além de discutir suas regras de ataque os pilotos de drones expõem ale gremente a estética poderosa e sedutora de seu trabalho bem como o tédio Um piloto anônimo falou no filme de OmerFast 5000 FeetIsthe Best sobre essa altitude sendo a mais agradável para patrulhar Eu adoro quando estamos sen tados a 5000 pés ele falou Você tem mais descrição A 5000 pés quero dizer posso saber que tipo de sapatos você está usando a uma milha de distância Posso dizerlhe o tipo de roupa que uma pessoa está vestindo se tem barba sua cor de cabelo e tudo mais Segundo ele nós temos o IR infravermelho que podemos mudar para o modo automático e isso pode rastrear quaisquer assinaturas de calor ou assi naturas frias Se alguém se senta digamos em uma superfície fria e então le vantase parece uma flor branca apenas brilhando no céu É muito bonito 759 O antropólogo canadense Gastón Gordillo760 salienta que as mortes de civis em larga escala são o resultado inevitável de uma política americana de im plantação de drones letais apoiada por concepções mitológicas que os operadores de drones se beneficiam como que com uma onisciência divina Essas concep ções ele ressalta decorrem de atitudes generalizadas nos militares do modo como os drones e outras tecnologias digitais trazem consigo a consciência total da informação e a vigilância persistente Apesar de suas câmeras CCTV sensores de calor sistemas de detecção de movimento e outros sensores no entanto Gordillo enfatiza que a grande quan tidade de imagens e dados muitas vezes significa que os controladores de drone estão completamente sobrecarregados com muito material para processar ou in terpretar na tomada de decisões para o disparo Somente em 2009 os drones dos EUA coletaram o equivalente a 24 anos de filmagem de vídeo O sistema Argus 758 Living Under Drones Project Victim Stories Stanford University 2013 Disponívelem httpwwwlivingunder dronesorgvictimstories 759 Omer Fasts film 5000 Feet Is the Best citadoem Matt Delmont Drone encounters Noor Behram Omer Fast and visual critiques of drone warfare American Quarterly 651 2013 193202 760 Gordillo Opaque Zones of Empire ibid 556 da DARPA já mencionado pode gerar 8 anos de vídeo contínuo a partir de operações de um único dia761 Além disso a enorme imensidão das geografias gigantes e estrangeiras sobre as quais os pilotos de drones sobrevoam trazem como consequência um desconhecimento cultural que não permite o adequado acerto do alvo Defi nitivamente eles não têm absolutamente nenhuma maneira de distinguir de forma confiável insurgentes armados do resto da população Devido a isso eles trabalham arduamente para preencher intencionalmente indícios visuais comple tamente não confiáveis pessoasque guardam objetos ou vagando com descon fiança digamos coma intenção imaginada e violenta necessária para que eles lancem seus mísseis de acordo com as regras padrão de ataque Os registros das conversas de pilotos dos apontados em Helicopter de monstram um repetido desespero pelo apelo ao clichê orientalista Este aparelho imperialista de conhecimento pode transformar todos os aspectos da vida civil e normal em evidências claras de que estão assistindo insurgentes ou terroristas e que por isso podem ser mortos à vontade Através dos áudios podese ouvir dos operadores de drones a ideia de que todos os homens adultos na vizinhança seriam combatentes rotulandoos homens da idade militar Até mesmo os militares dos EUA admitiram que tal terminologia encoraja ataques de drones contra civis porque implica que os indivíduos são forças armadas e portanto alvos legítimos762 Como resultado os EUA não contam homens adultos mortos como civis a menos que haja posterior averiguação Um esforço constante também é feito para incluir outros afegãos paquis taneses ou iraquianos no conjunto de alvos legítimos A prova óbvia de que as imagens de crianças ou civis inocentes estão na mira como alvos é frequentemen te ignorada intencionalmente ou aindamais interpretadacomo uma evidência adicional de maldade porque são feitas suposições de que as pessoas foram deli beradamente colocadas por terroristas ou insurgentes para impedir proposi tadamente o ataque do drone 761 Dorrian Drone semiosis ibid 762 Centre for Army Lessons Learned The Afghanistan Civilian Casualty Prevention Handbook Fort Leavensworth Kansas 2012 5 557 O exoperador de drone Michael Hass segundo da esquerda com seus outros colegas de nunciantes Cian Westmoreland Brandon Bryant e Stephen Lewis Fonte httpcountercurrentnewscom Como sempre o treinamento intenso trabalha para desumanizar as pessoas inimigas abaixo enquanto glorificam e comemoram a matança realizada Mi chael Hass exoperador do drone dos EUA disse em novembro de 2015 Sempre pisar nas formigas e nunca mais pensar nisso Isso é o fazem para que você pense a respeito dos alvos comoapenas bolhas pretas em uma tela Você começa a fazer esses malabarismos psicológicas para tornar mais fácil o que você precisa fazer elesmereceram eles escolheram o lado deles Você precisou matar parte de sua consciência para continuar fazendo o seu trabalho todos os dias eignorar essas vozes dizendo que isso não estava certo 763 A análise de Grégoire Chamayou de uma operação de vigilância e ataque com três horas de duração sobre um comboio de três SUVs que matou civis no Afeganistão em fevereiro de 2010 mostra um caso típico Ao longo da operação há uma sensação de desespero dos controladores do drone para destruir as pessoas e destruir os veículos sejaqual for a evidência de sua natureza claramente civil A transcrição está cheia de declarações como esse caminhão seria um belo alvo oh doce alvo os homens parecem estar se movendo sob táticas e eles vão fazer algo nefasto O controlador da missão mais tarde detecta um adolescente perto do SUV Bem o operador responde os adolescentes podem lutar Crian ças de 12 ou 13 anos de idade com uma arma são tão perigosas quanto 763 Pilkington Life as a drone operator ibid 558 Crianças são chamadas de terroristas de tamanho engraçado por operadores de drone764 O operador de tela disse ter ao menos uma criança próxima ao SUV o coordenador fala em outra ocasião Besteira Onderesponde o operador do sensor Eu não creio que eles tenham crianças fora de casa a essa hora Por que eles são tão rápidos para apontar as crianças de merda ao invés de um rifle de merda765 Baseada em um suposto avistamento de arma a decisão é então feita para disparar mísseis Hellfire de helicópteros armados próximos que foram chamados à cena o primeiro e o terceiro veículos no comboio são destruídos Os pilotos do Predator imediatamente se deslocam para averiguar a carnificina Deparandose com a cena de homens mulheres e crianças mortas e mutiladas o observador de segurança pondera Não há como saber cara O operador de câmera concorda Não há como saber daqui Oficiais do exército dos EUA admitiram que nesta ocasião os mísseis ma taram 16 homens civis e feriram severamente uma mulher e três crianças Entre tanto anciões afegãos oriundos dos vilarejos de origem das vítimas afirmaram em entrevistas posteriores que os ataques haviam matado 23 pessoas incluindo dois meninos Daoud de três anos e Murtaza de quatro Como é de praxe em casos como esse o exército dos EUA compensou as famílias dos mortos com a equivalência de 4800 aos parentes de cada pessoa morta A cada sobrevivente foi dada a quantia de 2900766 Salientando a regular inevitabilidade de tais mortes Gastón Gordillo pros segue com sua análise crucial O olhar que guia os drones escreve ele segue uma lógica binária que busca distinguir uma atividade normal de uma anormal em meio a um universo espacial extremamente heterogêneo e complexo Em tal contexto ele salienta que a pressão enorme sobre os pilotos de drones para que interpretem o que eles veem como atividade insurgente com binada com o fato de que os eles não possuem um meio confiável para distinguir civis de insurgentes significa que o assassinato de grandes números de civis não é de modo algum um acidente ou um erro Em todos os casos na verdade operadores e analistas de imagens viram 764 Ed Pilkington Life as a drone operator Ever step on ants and never give it another thought The Guardian 18th November at httpwwwtheguardiancomworld2015nov18lifeasadronepilotcreechairforcebase nevada 765 Chamayou Theory of the Drone ibid Pp 111 Este ataquetambém é analisado por David Cloud emAnatomy of an Afghan war tragedy LA Times de 10 de abril de 2011 Disponívelem httparticleslatimescom2011 apr10worldlafgafghanistandrone20110410 766 Cloud Anatomy of an Afghan war tragedy ibid 559 objetos mundanos como rifles pessoas orando como sinal de que pertenciam ao Talibã ou crianças como adolescentes potencialmente hostis767 A dinâmica de assistir ao vídeo poeiroso768 enviado pelo drone bem como a de lançar um míssil em humanos em solo criam uma sensação de extra ordinário poder entre os operadores de drone Um admite ter às vezes se sentido como um Deus lançando raios do alto769 Outro relata que você vê um monte de detalhe nós sentimos isso talvez não na mesma intensidade que sentiríamos caso estivéssemos realmente lá mas isso nos afeta Quando você aciona o míssil ele continua você sabe que está na vida real e que nela não há botão de reset770 Há até mesmo relatos de pilotos de drone acometidos por estresse pós traumático depois de terem matado civis especialmente crianças Ao contrário de pilotos de bombardeiros aliás operadores dessas máquinas permanecem mais tempo após as explosões e veem seus efeitos em corpos humanos em frio detalhe DRONES PARA A PÁTRIA Assim que as agências de polícia doméstica começarem a empregar as tecnologias dos drones em áreas urbanas com maior regularidade veremos uma mudança nos meios com que esses espaços e as populações que neles habitam são construídos vigiados e governados771 Na medida em que os orçamentos militares ocidentais encolhem um mo vimento concertado é feito por uma complexa constelação de grupos de lobby fabricantes de armas e associações industriais para a construção de drones que embora inicialmente construídos para a guerra e para a eliminação vertical ad quirem caráter de panaceia para todas as matérias de segurança e operações poli ciais em espaço aéreo civil dentro das pátrias domésticas772 No entanto tais esforços deparamse com grandes barreiras Seu uso as sassino na Ásia e no Oriente Médio significa que os drones possuem algo pro blemático quanto à sua imagem Reguladores do espaço aéreo civil também se 767 Gordillo Opaque Zones of Empire ibid 768 No original grainy 769 Matt Martin e Charles Sasser Predator The Remote Control Air War over Iraq and Afghanistan Minneapo lis MN Zenith Press 2010 p3 citadopor Derek Gregory em From a view to kill Drones and late modern warTheory Culture Society 28 no 78 2011 188215 p 198 770 Lara Logan Drones Americas new Air Force CBS News 60 Minutes 14 de agosto de 2009 e David Zucchino Dronepilotshave a frontrowseatonwarfromhalf a world away Los Angeles Times21 de fevereiro de 2010 Citado por Derek Gregory em From a viewto a kill ibid p 198 771 M Hyane The ghetto bird the drone and policing from above DCSC 10 de setembro de 2014 Disponívelem httpwwwdcscwsp253 772 Como vimos no capítulo do helicóptero talguinadaconstitui um clássicoexemplo do que Michel Foucault de nominou efeitobumerangue o emprego de tecnologias de segurança vigilância e de carátermilitar no mundo civil e domésticoapósestasteremsidotestadas e normalizadasdentro das zonas de guerra de operaçõescoloniais e de fronteira Conferir de Michel Foucault a obra Society Must Be Defended Lectures at the Collège de France 19756 London Allen Lane 2003 p 103 560 preocupam com o potencial dos drones para causar maiores fatalidades por meio de quedas ou colisões com aeronaves civis Lobistas das liberdades civis e de antivigilância finalmente trabalham duro para expor de que maneiras os pro gramas domésticos de drones encontramse umbilicalmente conectados às cres centes culturas de vigilância e de militarização da polícia Fabricantes de drones como era de se esperar são retumbantes ao afirmar que seus produtos foram injustamente demonizados e que eles podem ser ex tremamente úteis para uma ampla gama de aplicações civis Entre elas incluemse as respostas às crises humanitárias e a desastres entrega de correspondências monitoramento de culturas agrícolas previsão meteorológica busca e resgate e policiamento No tocante a qualquer tecnologia emergente a americana Aerospace In dustries Association AIA argumenta que a opinião pública sobre esses sistemas geralmente começa na imaginação e pode logo converterse em mito por meio de equívoco cultura popular e uma incapacidade para imaginar os benefícios nãomilitares de uma plataforma que tradicionalmente tem sido usada para a defesa nacional773 A figura do drone tem sido mesmo projetada como uma vítima excessiva mente demonizada pela equivocada concepção pública baseada no mito genera lizado de que as mortes por drone ao lado dos limites da guerra ao terror e das zonas de guerra já são inteiramente autônomas É duro ser um drone a Associação prossegue Especialmente quando o público nem mesmo o reconhece pelo que você é um veículo aéreo nãopilo tado que se encontra sob controle humano através de um sofisticado sistema de controle terrestre774 773 Aerospace Industries Association Unmanned Aircraft Systems Perceptions Potential Washington DC 2013 p 3 Disponível em httpwwwaiaaerospaceorgresearchreportsunmannedaircraftsystemsperceptions andpotential 774 Aerospace Industries Association Unmanned Aircraft Systems ibid p14 561 Drone Predator empregado para patrulhas na fronteira EUAMéxico 2012 Apesar de tais barreiras os mercados civis para drones estão progredindo Os drones Hermes de fabricação israelense e mais recentemente os Predators da General Atomics têm sido rotineiramente empregados ao longo da frontei ra EUAMéxico desde 2003 Na verdade muitos lobistas americanos conser vadores e nacionalistas têm trabalhado para encorajar o retorno dos drones militares da zona de Guerra para a pátria Esse último modelo foi empregado como resultado de entusiasmo generalizado pelo aumento das operações com Predators no Iraque e no Afeganistão775 Conectado aos sistemas militares pa drões de vigilância construídos pelas indústrias bélicas americanas e israelenses as patrulhas de drone têm sido aqui utilizadas para identificar e interceptar potenciais terroristas e atividades ilegais de cruzamento de fronteira776 É crucial salientar que a atual guinada rumo ao emprego doméstico de dro nes é resultado da crescente militarização da segurança nas nações ocidentais que ocorreu como elementochave da guerra ao terror Em particular a crescente adoção do conceito de Segurança Nacional O conceito originouse com a interdição de Israel nos anos 90 foi introdu zido nos EUA após os ataques terroristas de 2001 e é agora difundido para a Eu 775 Tom Barry Drones Over the Homeland How Politics Money and Lack of Oversight Have Sparked Drone Pro liferation and What We Can Do Center for International Policy Washington DC April 2013 p 6 776 Barry Drones Over the Homeland ibid p 3 562 ropa e alhures A segurança nacional projeta todos os aspectos da vida civil como domínios de permanente ameaça existencial que requerem respostas militares baseadas na expansão dos poderes de vigilância de rede e definição de alvos777 Em tais processos tudo o que extravasa os mundos de completa guerra armacontraarma tornase uma operação de baixa intensidade ou operações militares não relacionadas à guerra MOOTW sigla em inglês para seus adeptos dentro de um espaço de batalha de todo abrangente Tais guinadas trabalham para radicalmente obscurecer as já vagas distinções entre policiamento inteligên cia e emprego militar e entre política local nacional e internacional Elas também obscurecem a separação legal e doutrinária entre esferas doméstica e estrangeira Reforçadas por tais ideais todas as operações em qualquer lugar crescen temente fundemse a uma mobilização baseada no permanente emprego de sensores militares de alta tecnologia como os drones destinados à identificação preventiva de ameaças e alvos do conjunto da população civil ou da cidade Crucialmente tais ideias são abastecidas pelas mesmas fantasias de visão total contra vagas e existenciais ameaças que germinam profundamente nas correntes e circuitos da vida civil Tais guinadas significam que domínios previamente dominados por uma retórica de policiamento contra atividades criminais entre cidadãos estão sendo gradativamente reconstituídos como guerras paramilitarizadas contra ameaças existenciais à espreita Num poderoso exemplo o Departamento de Segurança dos EUA rotineiramente descreve a fronteira EUAMéxico na mesma linguagem que as forças armadas americanas usam para descrever suas zonas de Guerra um ilimitado espaço de guerra que abrange um mundo em que a vida civil camufla alvos e onde drones e outros sistemas de vigilância de alta tecnologia são a chave para uma per sistente consciência situacional alcançada através de operações redecentro778 Esses cenários são ademais suportados pelas mais recentes teorias da assim chamada Guerra da Quarta Geração Tais teorias regularmente equiparam imi grações a invasões considerando imigrantes como ameaças à integridade cultural e política das nações e todos os fluxos de imigrantes ilegais como prenúncios similares a verdadeiros Cavalos de Troia de tráfico de drogas e terrorismo Na Guerra da Quarta Geração escreveu o téorico militar americano William Lind em uma demonstração de sua visão uma invasão por imigrantes pode ser no mínimo tão perigosa quanto uma invasão por um exército estatal779 777 Ver Ben Hayes em Homeland Security comes to Europe Statewatch 2006 disponível em httpwwwstate watchorganalysesno90homelandsecuritycomestoeuropepdf 778 Ver Jim Hightower The border industrial complex Other Words de 7 de agosto de 2013 disponível em http otherwordsorgtheborderindustrialcomplex 779 50 William Lind Understanding Fourth Generation war Military Review SetOut 2004 ps 1216 Disponível 563 Já existem evidências de que as identidades de agentes da segurança de fronteira dos EUA estão mudando a fim de acompanhar essa guinada mais am pla agora muitos falam sobre seu papel mais como uma força paramilitar do que manutenção da lei O Departamento de Segurança Nacional enquanto isso já explora meios para armar seus drones Predator B com o que chama de armas nãoletais concebidas para imobilizar alvos780 Fortemente inspirada pela retórica política xenofóbica e belicosa a mais recente legislação norteamericana sobre segurança de fronteira O Primeiro Ato para Garantir a Segurança de Nossas Fronteiras introduzido em janeiro de 2015 disponibilizou um adicional de 10 bilhões de dólares para futuras com pras e emprego de drones781 O ato conclama o Departamento de Segurança Nacional a usar novas tec nologias como os drones para selar o que se considera uma fronteira inacei tavelmente mal vedada A linguagem é extremamente militarizada o desafio é trabalhar em direção a uma defense em profundida 100 efetiva através de uma consciência situacional radicalmente aperfeiçoada Isso é necessário o ar gumento continua para que 9 de 10 migrantes possam ser interceptados dentro de uma faixa de território de 100 milhas dentro da fronteira EUAMéxico782 Uma vez mais a despeito da evidência de que drones têm sido meios ex tremamente custosos e altamente ineficientes para a segurança da fronteira EUA México783 mitos de visão total e panopticismo absoluto permeiam a política de emprego de drones Os drones Predator do Departamento de Segurança Nacio nal já capturam vídeos das zonas fronteiriças monitoradas que são analisados com o fito de identificação automática de mudanças no terreno observado Além disso há numa concepção dramática embora altamente rentável excesso de matança Sistemas de patrulhamento vertical altamente caros e mi litarizados são empregados mesmo quando o pessoal terrestre poderia oferecer uma abordagem muito mais capaz e efetiva em custobenefício É sem dúvida um enorme desperdício e uma perversão das prioridades de segurança nacio nal questiona Tom Barry do Centro para Política Internacional empregar drones Predator na patrulhar aérea com o objetivo de caçar imigrantes e mari juana784 em httpwwwauafmilauawcawcgatemilreviewlindpdf 780 Phillip Bump The Border Patrol wants to arm drones The Wire 213 de 2 de julho de 2013 Disponível em httpwwwthewirecomnational201307borderpatrolarmdrones66793 781 Sarah Launius The border security complexArtigo apresentado no Hampshire College em Amherst MA 12 de abril de 2014 Disponível em httpswwwacademiaedu10289177TheBorderSecurityComplex 782 Launius The border security complex ibid 783 Barry Drones Over the Homeland ibid 784 Barry Drones Over the Homeland ibid 564 O que James Risen do New York Times apelidou de complexo industrial da segurança nacional785 está é claro muito feliz em ampliar a militarização de discursos a respeito da segurança da vida civil e alimentar os mitos da visão total na esperança de que seus sistemas de armamento possam alcançar emprego civil disseminado É exatamente o que se espera haja vista a previsão de aumento de três vezes no valor dos mercados de drones entre 2015 e 2025 compreendendo um total de 93 bilhões de dólares neste período786 A indústria global de manufatura de drones também se em penha arduamente em seu lobby para que os governos dos EUA e de países europeus minem as barreiras para o irrestrito emprego civil de drones Nos EUA um grupo composto por 60 lobistas radicais ligados à imigra ção e conservadores agressivos estabeleceu o Caucus Congressista sobre Sistemas NãoOperados por Humanos O objetivo ambicionado pelo grupo é o de edu car membros do Congresso e o público sobre o valor estratégico tático e científico dos sistemas não operados por humanos suportar ativamente o maior emprego e aquisição de mais sistemas assim como engajar efetivamente a comunidade da aviação civil no uso e segurança de sistemas não operados por humanos 787Além disso o mais importante grupo de lobby industrial nos EUA a Associação In ternacional para Sistemas de Veículos NãoOperados por Humanos gastou ao menos 22 milhões de dólares em lobby apenas em 2011788 Subterrâneo seguro outdoors para o drone de ataque estratégico X47B esquerda e o drone de vigilância Global Hawk direita da Northrop Grumman em uma estação de metrô de Washington DC 785 Risen Pay Any Price ibid 786 Beth Stevenson UAV market set to triple in value in next decade Flight Globalde 18 de Agosto de 2015 dispo nívelemhttpswwwflightglobalcomnewsarticlesuavmarketsettotripleinvalueinnextdecade415809 787 Barry Drones Over the Homelandibid 21 788 Ver a obra do First Street Research Group Drones in US Air Space The Next Lobby Frontier Washington DC 1 de maio de 2012 565 Outro anúncio de drone da Northrop Grumman na plataforma de uma estação de metrô de DC dessa vez exortando as capacidades letais dos drones da companhia Vagão militarizado anúncio da Northrop Grumman para o seu último drone de ataque estra tégico o X47B num vagão de metrô de Washington DC 2014 Quando você vai onde os outros não conseguem ir lêse no slogan você ganha uma vantagem poderosa 566 O poder de lobby das companhias de drone é especialmente surpreendente para qualquer um que utilize o sistema de metrô futurístico de Washington DC Figura 6a As paredes das estações são uma verdadeira edição da JanesDefen ceWeekly embriagada com grandes anúncios sobre drones de alta tecnologia e outras armas Em tentativas flagrantes para angariar favor junto aos decisores no Beltway as estações foram reconstruídas como um extraordinário símbolo da militarização da cultura e política dos EUA 789 Os mitos usuais de precisão e visão perfeita uma vez mais tomam o cen tro a tecnologia dos drones é projetada como uma panaceia flexível para todas os desafios militares e de segurança em casa ou no estrangeiro Recentemente anúncios sobre as últimas versões dos drones autônomos de ataque estratégico da Northrop apareceram nos próprios trens afixados entre o mapa das linhas e as instruções de segurança De maneira bizarra os passageiros enquanto viajam no subterrâneo à medida em que se dirigem às portas dos va gões são repetidamente lembrados a respeito do poder senciente e quase divino de uma maquinaria assassina que se encontra bem alto nos céus de distantes territórios inimigos Outros esforços de lobby nos EUA e na Europa trabalham para normali zar o uso de drones em forças de polícia civil Nos EUA os Departamentos de Justiça e Segurança Nacional estabeleceram subsídios programas de treinamento e centros de excelência para amparar a introdução de drones no policiamento Atividades iniciais de policiamento com drone foram já estabelecidas no Con dado de Montgomery Arlington Texas e Miami com o propósito de aprimorar as capacidades de vigilância de esquadrões de narcóticos e equipes da SWAT790 Na Europa enquanto isso um poderoso consenso entre decisores da União Europeia e manufatureiros da defesa está similarmente inclinado à venda de dro nes como panaceias para as políticas de segurança doméstica791 A Statewatch calculou que a União Europeia investiu um total de 500 milhões de euros sem acompanhamento democrático ou escrutínio público para apoiar tal guinada desde os últimos anos da década de 1990792 Uma vez mais os fabricantes de drones pressionam fortemente pelo inves timento civil a fim de naturalizar o uso de drone dentro de um amplo espectro de aplicações civis A motivação central para isso na Europa é a política industrial 789 Westbrook Stephanie Occupied Washington DC Common Dreamsde 10 de abril de 2010 Disponívelem httpwwwcommondreamsorgviews20100410occupiedwashingtondc 790 Barry Drones Over the Homelandibid 14 791 Ben Hayes Chris Jones e Eric Toepfer EurodronesInc Statewatch London 2014 p7 Disponível em http wwwstatewatchorgnews2014febswtnieurodronesincfeb2014pdf 792 Hayes et al EurodronesInc ibid p7 567 incentivar o crescimento de fabricantes de drones europeus em um mercado to talmente dominado por companhias americanas e israelenses Outro foco central é a crescente crise migratória europeia uma vez que milhões de migrantes e re fugiados africanos e do Oriente Médio arriscam tudo em travessias marinhas e terrestres a fim de evitar a pobreza e a guerra Em outubro de 2010 Dani Stroli das Indústrias Aerospaciais de Israel fez uma apresentação para um dos consórcios de política de drone da União Euro peia do qual era na época integrante O desafio disse ele era descobrir meios de fazer com que as pessoas percebam a tecnologia de drones como parte natu ral da sociedade do futuro era criar interesses positivos a respeito dos drones e ao fim criar uma campanha de promoção multidisciplinar793 O grupo de lobby no Reino Unido pelas indústrias de drones também su geriu que anúncios para drones retratassem seu trabalho em emergências huma nitárias Igualmente propôs que os drones civis fossem pintados em tons claros a fim de distinguilos de seus primos assassinos utilizados em zonas de guerra794 Os problemas com o emprego de drones dentro do espaço domésticos são os mesmos que acometem todas as extensões radicais de sistemas de vigilância e rastreamento digital à distância no âmbito das culturas contemporâneas de poli ciamento especialmente aqueles baseados em sistemas militares remodelados O resultado inevitável será uma extensão radical e permanente de vigilância verti cal de sociedades inteiras através de câmeras ao vivo vigilância de comunicações monitoramento infravermelho e análise de vídeo795 Tecnologias de drone ademais seriam inevitavelmente empregadas com base nas já existentes técnicas de caracterização racial étnica e geográfica até mesmo possivelmente por meio do uso de software automático em busca de sinais anormais ou perigosos ou mesmo de indivíduos rastreados em super fície Os tipos de drones especializados na análise de assinaturas eletrônicas de populações de cidades inteiras que são o foco de programas inseridos nos proje tos Argus e GorgonStare muito provavelmente emergiriam como a pedra basilar do policiamento doméstico por drone O uso de sensores para que se possa en xergar através de paredes e telhados é também muito provável Combinadas com a existência de grandes bases de imagens faciais de in divíduos e registros de comunicações e assim por diante as caças automáticas a indivíduos são facilmente esperadas 793 Hayes et al EurodronesIncibid p25 794 Hayes et al EurodronesInc ibid p 25 795 Ver The Bill of Rights Defense Committee Drone Talking Points 2013 Disponível em httpwwwconstitution campaignorgcampaignsdroneregulationdronetalkingpointspdf 568 Embora o reconhecimento facial encontrese em sua infância e é apenas tão bom quanto as imagens faciais utilizadas pelas bases de dados suas capaci dades estão aumentando rapidamente O trabalho através de drones de reco nhecimento facial a busca em todos os meios de mídia social por imagens de alta resolução e outras informações biométricas de base iria num único golpe radicalmente minar as remanescentes noções de anonimato público nas ruas da cidade Slides da Progeny Systems Corporation descrevendo o uso de reconhecimento facial e outras tecnologias biométricas para localizar e marcar pessoas a partir dos drones Fonte https wwwwiredcom201109dronesneverforgetaface Aqui novamente sistemas militares de drones constituem um precedente preocupante Tim Faltemir da Corporação de Sistemas de Progenia falou em 2011 a respeito de um projeto de desenvolvimento de drones para as Forças Armadas dos EUA que utilizam modelos 3D de rostos das pessoas para tentar localizálas biometricamente de cima Se isso funcionar teremos a habilidade de rastrear pessoas de forma persistente através de grandes áreas diz ele Um indivíduo pode ir para debaixo de uma ponte ou para dentro de uma casa Mas assim que sair nós saberemos que se tratava do mesmo cara que ingressou796 ele continuou Em tal rastreamento nãocooperativo de pessoas por suas assinaturas biométricas a face virada do humano abaixo do drone mais do que um meio de desafiar o olhar deste como no projeto NotaBugSplat tornase ao contrário a própria assinatura que permite ao drone consolidar seu domínio É muito provável que os novos métodos de policiamento baseados em dro ne é claro seriam particularmente concentrados na intensificação do escrutínio vertical daqueles lugares ou populações consideradas a priori como fontes de ameaças agitações outridade e criminalidade 796 Noah Shactman Army Tracking plan Never forget a face 11th September Wired 2011Disponívelemhttp wwwwiredcom201109dronesneverforgetaface O projeto é chamado de Sistema de longa distância não cooperativo de identificação busca e localização 569 Nos EUA como ocorreu com o emprego de helicópteros de polícia após os disseminados protestos em cidades americanas no fim dos anos 60 parece altamente provável que dentro de cidades cada vez mais polarizadas esquadrões de drones de polícia serão esmagadoramente empregados para policiar vizinhas negras e nãobrancas ao passo em que trabalharão para proteger e assegurar cen tros e influentes subúrbios brancos797 Focar em movimentos políticos inspirados nos protestos de ocupação que buscam interromper os fluxos logísticos da vida da cidade será certamente uma importante prioridade Assim como no emprego de drones letais no estrangeiro ademais o uso de drones de polícia inevitavelmente terá de ancorarse nos preconceitos internos das culturas de policiamento de estipulação do que ou de quem é um inimigo em mundo em que apenas tais preconceitos podem auxiliar a simplificar a com plexidade radical e a opacidade vistas de cima Finalmente uma vez estabelecidas as patrulhas regulares de drones pode rão inevitavelmente ser a fonte de missioncreep expansão dos objetivos iniciais da missão à medida em que melhores sensores e armas tornaremse disponíveis para adição às já existentes e altamente caras plataformas Em verdade nos EUA o Comitê de Defesa da Carta de Direitos já sa lientou que o emprego doméstico de drones armados a partir dos esforços em preendidos pelo Departemento de Segurança Nacional em armar seus drones de fronteiras é uma possibilidade muito real Drones são tão facilmente equipados com armas letais e menos letais pondera o Comitê E declarações de que eles não serão armados domesticamente carecem de credibilidade798 O Comitê cita de pronto um exemplo ocorrido em Houston onde a polí cia empregou um drone armado com uma espingarda e um lançador de granada O xerife local por sua vez está aberto à ideia de adicionar armas nãoletais como gás balas de borracha e cartuchos de estilo Taser ao drone799 O prospecto de drones armados no policiamento doméstico motivado nos EUA pelas táticas altamente racializadas e militarizadas de policiamento inspira preocupações particularmente graves Isso traz ainda o prospecto de um bume rangue foucaultiano especialmente poderoso o uso de drones de alta tecnologia pilotado de um local distante para empregar violência contra Outros racializados em superfície em casa e no estrangeiro 797 Hyane The Ghetto Bird ibid 798 Ver The Bill of Rights Defense Committee op cit httpwashingtoncbslocalcom20120523groupsconcernedoverarmingofdomesticdrones 799 Ver Groups Concerned Over Arming of Domestic Drones CBS LOCALDC 23 de maio de 2012 Disponível em httpwashingtoncbslocalcom20120523groupsconcernedoverarmingofdomesticdrones 570 A desconsideração por limitações constitucionais no assassinato e trans parência nas operações norteamericanas de drones no estrangeiro o Comitê de Defesa da Carta de Direitos enfatiza deixa pouca razão para crer que o De partamento de Justiça garantiria um emprego local de drones na aplicação da lei delimitado por padrões constitucionais e legais800 CONTESTANDO A DRONESFERA Como então contestar a dronesfera Uma ampla e poderosa gama de movi mentos sociais coordenados movimentos legais e de direitos humanos demonstra ções e campanhas ativistas estão se esforçando arduamente e em várias escalas para desafiar a progressiva normalização de drones em casa e no estrangeiro O projeto Not a Bug Splat é apenas uma campanha particularmente visual entre várias outras ver figura 41 A resistência à morte por drones é manifesta em demonstrações contínuas de veteranos e outros manifestantes em Creech e outras bases aéreas de drones demonstrações generalizadas contra todos os aspec tos da máquina militar associada ao drone análise forense de ataques de drones com o objetivo de processar e julgar aqueles que perpetraram abusos aos direitos humanos ou crimes de guerras e um amplo espectro de críticas e desafios legais midiáticos e jornalísticos801 DRONES MATAM CRIANÇAS Manifestantes antidrone bloqueando a base da Força Aérea Hancock no Estado de Nova York Fonte httpwarisacrimeorg 800 The Bill of Rights Defense Committee ibidp 3 801 Ver por exemplo and the International Committee for Robot Arms Control ICRAC httpicracnet 571 Um grupo de ativistas anônimo também produziu um Guia de Sobrevivência ao Drone um guia para a observação de pássaros do século XXI como eles chamam diferenciando tipos de drones vistos do céu assim como meios para desafiar seus poderes figura 124 Nossos ancestrais podiam localizar predadores naturais de longe através de suas silhuetas lêse Estamos igualmente atentos aos nossos predadores nos dias de hoje Central aqui é o desafio de tornar visível o processo secreto e geografi camente periférico de assassinato por drone Em 2013 por exemplo o artista americano Josh Begley tentou fazer a Apple aceitar seu aplicativo de smartphone Drones que notificaria os usuários a cada ataque de drone dos EUA reporta do A Apple recusou tal proposta porque alegaram eles muitas pessoas conside rariam isso objetável802 Mais teoricamente o arquiteto Asher Kohn chegou a explorar tipos de estru turas físicas urbanas que poderiam ser instaladas sobre telhados urbanos para im pedir que a cidade fosse subjugada de cima pelas patrulhas ou ataques de drones803 De modo importante campanhas e grupos antidrone trabalham ardu amente para problematizar os modos com que drones armados ou não estão cruzando a fronteira colonial para a metrópole doméstica Em 2012 num caso famoso os artistas de Nova York EssamAttia foi preso por afixar 100 pôsteres satíricos pela cidade atacando o prospecto de um poli ciamento baseado em drones naquela cidade figura 3 Motivado pela decisão do Departamento de Polícia de Nova York de autorizar o emprego de drone o simplório objetivo de Attia segundo ele foi de criar um diálogo sobre a impor tância das políticas de policiamento baseadas em drone804 802 Ver Derek Gregory Drone geographies Radical Philosophy 183 2014 719 803 Ver Sarah Goodyear Imagining a droneproof city CityLabde 6 de fevereiro de 2013 804 Joshua Kopsteain Street artist behind satirical NYPD Drone posters arrested The Verge de 2 de dezembro 572 Figura 3 O pôster satírico antidrone de Essam Attia por ele distribuído pelas ruas de Nova York em dezembro de 2012 Lêse nas linhas pequenas localizadas no canto inferior direito Drones do NYPD Departamento de Polícia de Nova York proteção quando você menos espera por ela805 Em outros lugares os próprios ativistas estão explorando a adoção de sis temas baseados em drone com o fito de expandir seus próprios poderes de vigi lância a partir das bases contra o poder estatal e corporativo o que foi apelidado de sobvigilância Tal iniciativa faz parte de uma guinada mais abrangente no ativismo urbano em direção ao reconhecimento da necessidade de abordar os volumes da cidade em vez de meramente ocupar os espaços residenciais das ruas urbanas Para onde vai o movimento Occupy a partir daqui O ativista califor niano Teo Ballvé refletiu em 2011 na sequência de uma variedade de esforços inclusive por meio de banners aéreos balões de hélio placas flutuantes e em preendimentos do gênero para mover os protestos a uma dimensão tríplice E como fica para cima806 de 2012 Disponívelem httpwwwthevergecom20121223718094streetartistnypddronepostersarrested surveillance 805 Matt Harvey e Aymann AIsmail Wanted drone poster artist discusses how he punked the NYPD Animal New York de 24 de setembro de 2012 Disponívelem httpanimalnewyorkcom2012wanteddroneposterartistdis cusseshowhepunkedthenypd 806 Teo Ballvé Occupy volume occupy verticality Territorial Masqueradesde 1 de dezembro de 2011 Disponível emhttpterritorialmasqueradesnetoccupyvolumeoccupyverticality 573 Tim Pool organizador do movimento Occupy com seu ocucóptero Nova York 2012 Fonte httppubliciucimcorg Com o hobismo por droned crescendo rapidamente e drones básicos com câmeras de vídeo acessíveis em qualquer loja de brinquedos a preços extre mamente baixos prospectos para a democratização do drone emergem cada vez mais amplamente Poderiam os drones ser reposicionados fora do controle mo nopolista do poder militar e policial de alta tecnologia para rotinas de ativismo cidadão pesquisa crítica e hobismo Em um exemplo inicial manifestantes do Occupy em Nova York em de zembro de 2011 remodelaram um simples drone adquirido de uma loja de brin quedo como um Occucopter Uma tentativa de distribuir o olhar vertical além das forças de segurança e da mídia corporativa para os próprios manifestantes e seus canais de comunicação o Occucopter representa um exemplo de meios em que a democratização de tecnologias inicialmente militares pode ser usada para desafiar a militarização da sociedade civil807 Na prática o Occucopter permitiu que os ativistas soubessem quando gru pos de manifestantes estavam sendo presos ilegalmente quando estavam sendo confinados geograficamente por táticas de controle de manifestação ou quando o acesso de jornalistas aos locais de manifestação estava sendo ilegalmente barrado Imagens registradas pelo drone também foram úteis na contenção dos esforços 807 Noel Sharkey e Sarah Knuckey Occupy Wall Streets occucopter whos watching whom The Guardian de 21 de dezembro de 2011 Disponívelem httpwwwtheguardiancomcommentisfreecifamerica2011dec21 occupywallstreetoccucoptertimpool 574 da polícia e da mídia corporativa em rotular ativistas e manifestantes como meros bandos anarquistas Outros empregos bemsucedidos de drones por manifes tantes e pesquisadores críticos ocorreram na Estônia na Rússia na Polônia e em Washington DC Além disso entretanto os drones podem oferecer excelentes oportunida des que permitam aos grupos de direitos humanos a exposição de brutalidade violência e atrocidades Podem mesmo auxiliar no desenvolvimento de poderosas estratégias de comunicação para apoio e legitimidade Os cidadãos não mais pre cisam aguardar por helicópteros de notícias para ter acesso a imagens de um grande evento o editor do Wired e construtor pessoal de drone Chris Anderson enfatiza Com drones eles podem graver seus próprios vídeos do acontecimento808 A captura da violência de regimes políticos contra manifestantes nãovio lentos em particular pode ser um grande acréscimo aos esforços para consolidar campanhas ao mesmo tempo em que minam a legitimidade daqueles no poder O pesquisador de tecnologia Patrick Meier até mesmo considera a possibilidade de um emprego mais estratégico de drones para pintar céus inteiros com slogans ativistas ou para seguir personalidades públicas importantes durante protestos809 O primeiro desafio para tais campanhas entretanto é prevenir a crimina lização a priori de ativistas de drones logo de início Com o uso civil de drone se proliferando os Estados de segurança nacional tentam reclamar sua hegemonia dos céus Uma vez que jornalistas ativistas e pesquisadores estenderam seu uso de tecnologia para obter imagens previamente impossíveis de espaços proscritos e de segurança o uso civil de tais tecnologias é crescentemente criminalizado como ameaça de segurança Em 2015 três jornalistas da Al Jazeera foram presos por suspeitas de terem utilizado drones sem licença em Paris um fotojornalista que utilizou um drone próximo do aeroporto de Gatwick também foi preso e manti do sob custódia mesmo possuindo uma licença Muitos Estados estão também introduzindo legislações muito mais rigo rosas que criminalizam o uso de drones de hobismo baseadas nas mesmas vagas e pifiamente especificadas questões de segurança tão comumente utilizadas para justificar o mesmo emprego de drones em território nacional Com uma ironia particular histórias de terror são usadas com frequência em debates acerca da possibilidade de terroristas empregarem drones com armas embutidas810 808 Citado em Patrick Meier The use of drones for nonviolent civil resistance Irevolutions blog de 18 fevereiro de 2012 Disponívelemhttpirevolutionnet20120218dronesforcivilresistance 809 Meier The use of drones for nonviolent civil resistance ibid 810 Kevin Poulsen Why the US Government is terrified of hobbyist drones Wired de 2 de maio de 2012 Disponí velem droneshttpwwwhuffingtonpostcom20140711dronesarrestsn5575371html 575 Em fevereiro de 2015 quarto semanas antes de um controlador hobista de drone ser preso por ter acidentalmente pilotado sua máquina bêbado sobre a Casa Branca811 numerosos departamentos de segurança dos EUA sediaram um simpósio para explorar os perigos apresentados pela militarização de drones de hobby Foram mostrados vídeos de combatentes na Guerra Civil da Síria uti lizando drones equipados com armas automáticas Uma exibição foi organizada demonstrando vários drones de hobby com armas embutidas A ênfase residiu no fato de que o enorme investimento para a fortificação das instalações governa mentais contra terroristas de superfície poderia ao fim ser simplesmente supera do pelo emprego da terceira e vertical dimensão De maneira mais prosaica forças policiais no Japão construíram um drone antihobbista em dezembro de 2015 Ele é equipado com uma rede para remover drones considerados inconvenientes dos céus de Tóquio Tais conflitos de gato versus rato drone versus drone apenas se tornarão mais intensos no espaço aéreo acima das cidades REFERÊNCIAS Aerospace Industries Association Unmanned Aircraft Systems Perceptions Potential Washington DC 2013 p 3 Disponível em httpwwwaiaaerospaceorgresearchre portsunmannedaircraftsystemsperceptionsandpotential Anne Wright Israeli Drone Strikes in Gaza in November 2012 Attack TwoThirds Killed Were Civilians OpEd News 02 de Junho de 2013 disponível emhttp wwwopednewscomarticlesIsraeliDroneStrikesinGbyAnnWright130206621 html Anselm Franke EyalWeizmanEds Forensis The Architecture of Public Truth 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wars Disponível em 811 O fabricante chinês de drone prontamente distribuiu um update de software equipado com uma geocerca virtual organizada através de GPS que desativava todos os drones voando dentro do perímetro de 155 milhas da Casa Branca Esse software já programa seus drones para que evitem a maioria dos aeroportos 576 athttpwwwthebureauinvestigatescomcategoryprojectsdronesdronesgraphs Chamayou Grégoire A Theory of the Drone New York The New Press 2014 Chamayou Theory of the Drone ibid Pp 111 Este ataquetambém é analisadopor David Cloud emAnatomy of an Afghan war tragedy LA Times de 10 de abril de 2011 Disponívelem httparticleslatimescom2011apr10worldlafgafghanistan drone20110410 Charlie Fripp Do gamers make for perfect drone pilots IT News South Africa 10 de Outubrode 2013 Disponível em httpwwwitnewsafricacom201310dogamers makeforperfectdronepilots Citadopor Mark Dorrian Drone semiosis Weaponry and witnessing Cabinet Ma gazine Summer pp 52 2014 Cook Jonathon Gaza Life 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de lobby industrial dos EUA o Aerospace Industries Association exortando as muitas virtudes do emprego disseminado de drones civis Fonte httpwww supplychain247com 580 CIDADES ZONAS DE GUERRA812 Sultan Barakat813 Um dos benefícios colaterais da guerra fria era que mantinha em cheque as ambições étnicas e religiosas de muitos dos países dos blocos orientais e dos Bal cãs cujo os limites foram desenhados a esmo pelos vitoriosos da segunda guerra mundial Nos dias em que a soberania nacional foi um princípio amplamente res peitado as diferenças étnicas e religiosos forma uma questão de política interna algo sobre o qual a comunidade internacional raramente intervinha Essa repres são interna político e econômica continuou a ser uma forma de vida em várias partes do mundo por décadas Tudo isso terminou quando o muro de Berlin caiu em 1989 e a guerra fria acabou Um grande vácuo foi criado pelo desmantelamento da grande détente ide ológica do superpoder americano e soviético uma détent que inibiu com suces so a maioria dos conflitos internos em particular na União Soviética e no Bloco Oriental Com a morte de um dualismo simplista da US URSS OcidenteO riente nóseles comunismocapitalismo anfitrião realçador de diferenças entre pessoas de países emergentes Contenda dissenso conflito e ultimamente ir rompe a guerra Diferente dos conflitos do recente passado os quais foram entre países esses eram conflitos internos domésticos ou intraestados frequentemen te seguido de divisões étnicas e religiosas 812 Texto originalmente publicado em inglês com o título City War Zones na revista Urban Age The Global City magazine em 1998 Vol5nº4 edição de primavera a tradução para o português foi feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira 813 Sultan Barakat é o diretor fundador do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos e professor de Política e Estudos de Recuperação PósGuerra na Universidade de York Anteriormente atuou como diretor de pesquisa no Brookings Doha Center Na Universidade de York ele fundou e liderou a Unidade de Reconstrução e Desenvol vimento do PósGuerra entre 1993 e 2014 atualmente Barakat é o diretor do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos do Instituto de Doha Barakat foi publicado amplamente seu livro mais recente Understanding Influen ce The Use of Statebuilding Research in British Policy foi publicado por Ashgate in 2014 Barakat tem mais de 25 anos de experiência profissional trabalhando em questões de gerenciamento de conflitos resposta humanitária e recuperação e transição pósconflito Ele regularmente se compromete a fornecer orientação como consultor sênior e consultor das Nações Unidas Banco Mundial União Européia DFID OIT IFRC e vários governos e organizações nãogovernamentais internacionais incluindo CARE e Oxfam Ele liderou grandes avaliações e iniciativas de programação no Afeganistão BósniaHerzegovina Croácia Egito Jordânia Kosovo Líbano Pa lestina Filipinas Mindanao Somália Sri Lanka Sudão Darfur Síria Uganda Moyo e Adjumani e Iêmen O professor Barakat atua no Conselho Consultivo do Grupo de Política Humanitária do Overseas Development Ins titute em Londres Ele é membro do Conselho Conjunto de Pesquisa Econômica e Social ESRC e do Painel de Comissionamento do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido DFID para pesquisas sobre redução da pobreza Barakat foi um dos membros fundadores do Painel de Especialistas do Índice Global de Paz onde atuou entre 2008 e 2014 581 RECONSTRUÇÃO COMO CURA Reconstrução deve ser vista como o primeiro passo de um processo de recuperação a longo prazo Apesar de que geralmente percebese a reconstrução física dos assentamentos destruídos este é apenas um aspecto de um processo amplo de lidar com a guerra e suas consequências Reconstrução envolve rea justes econômicos sociais e psicológicos É o alcance integrado de atividades e processos que tÊm de serem iniciados como pontapé inicial do processo de desenvolvimento interrompido pela guerra Sendo assim reconstrução pósguerra deve ser guiada a partir de uma visão de transformação de conflito Essa mudança de visão altera o foco e o objetivo da reconstrução pósguerra em vários caminhos essenciais entre os quais o mais básico é direcionar o trabalho de paz No coração de toda iniciativa para adotar e sustentar recuperação econô mica na raiz de todo esforço de construção de paz estão as pessoas que viveram relações entre si anteriormente ao conflito e que têm que relacionarse entre si após o fim da guerra Isso se aplica mesmo quando o objetivo é aprender viver com as diferenças e para entender e acomodar a diversidade Pois relações huma nas são tão intrinsecamente centrais que esforços de reconstrução de paz preci sam ser guiados por uma tríade de esperança cura e reconciliação Esperança encontra sua expressão nos projetos de alívio reabilitação e re construção que as Nações Unidas e outras agências conduzem com as vítimas de guerra Iniciativas concretas mesmo durante conflitos prolongados quando a paz parece ser um objetivo ilusório devem ser estabelecidas e precisam ser executadas de maneira que conceda respeito e participação das populações de comunidades afetadas Cura é realizada por longos termos estratégias compreensivas e multifa cetadas para terminar a violência e reabilitar comunidades essas devem abordar e incluir indivíduos e grupos com um vasto interesse de empreender na guerra Reconciliação é nutrida por iniciativas de resolução de conflitos que asse guram que o passado é adequadamente dirigido enquanto o futuro se mantém firme e em foco Mecanismos de dirigir o trauma acoplado com habilidades prá ticas de solução de conflitos são necessárias para trabalhar em direção a resultados futuros mutuamente aceitáveis Curar feridas e construir paz não é responsabilidade exclusiva de políticos Nós como arquitetos planejadores urbanos e regionais temos um grande papel para desempenhar e com uma responsabilidade compatível 582 CONSIDERANDO A RECONSTRUÇÃO DE CIDADES FLAGELADAS PELA GUERRA TEMOS QUE LEVAR EM CONTA A NATUREZA PROLONGADA DAS PROFUNDAS RAÍZES DOS CONFLITOS URBANOS Novos tipos predominantes de conflitos urbanos têm surgido na Croácia Bósnia Armênia Azerbaijão Tadjiquistão Geórgia Libéria Somália Burundi e Ruanda entre outros Esses recentes surtos de hostilidade fundemse a outras si tuações de intenso antagonismo no Sri Lanka Afeganistão Caxemira Birmânia Timor Leste e Sudão Todos esses conflitos podem ser caracterizados em um desses três cami nhos i Conflitos de natureza étnica ou religiosa O conceito de cidade limpa trazido por políticos com motivações étnicas tem resultada em separatis mos e na criação de Estados de miniapartheid dentro de comunidades Bairros de segregação foram fomentados onde antes havia uma rica inte ração multiétnica Isto tem claramente ilustrados em conflitos em Bosnia Herzegovina e Croácia não apenas nas maiores e mais conhecidas cidades de Mostar Sarajevo e Vukovar mas também nas muitas pequenas cidades onde grupos étnicos viveram juntos em uma paz relativa durante décadas até mesmo séculos ii Conflitos de caraterísticas civis Muitas cidades têm se tornado um alvo crescente dos conflitos atuais com centros outrora cosmopolitas transfor mados em campos de batalha Beirut Mostar Sarajevo Banja Luka Kiga li Kabul etc têm sido alimentadas por uma ampla proliferação de armas de pequeno porte minas terrestres antipessoal e arsenal de segunda mão iii Conflitos entre os que têm e os que não têm Essa urbanização da guerra não é apenas uma divisão étnica é também uma guerra entre os que têm e os que não têm e em alguns casos como o de Kabul e Sara jevo é sobre as comunidades rurais por muito tempo ignoradas fazendo declarações contra centros urbanos que tem sempre recebido grande aten ção e melhor tratamento e pelo aumento de número de refugiados de 25 milhões em 1970 para 175 milhões em 1992 com outros 24 milhões expatriados representando uma significante mudança de populações entre as áreas urbanas e rurais Cidades são especificamente vulneráveis ao estresse do conflito pois os habitantes das cidades estão particularmente em risco quando seu complexo e sofisticado sistemas de infraestrutura são destruídos ou se apresenta inoperável ou quando são isolados do contato externo Além disso muito da base econômi ca nas cidades dependem de mais um sofisticado setor de emprego de colarinho 583 branco que apenas consegue funcionar com boa comunicação e com comércio entre outras cidades e países Esses trabalhos dependem intrinsecamente da sobre vivência das instituições são os primeiros a desaparecer em um conflito urbano PARCERIA EM KABUL A estrutura de reconstrução integrada das Nações Unidas para o Afeganis tão apresenta uma iniciativa promissora nessa direção Em uma recente visita a Kabul com meus estudantes de pósgraduação eu tive a oportunidade de exa minar o trabalho do Centro para assentamentos humanos das Nações Unidas United Nation Center for Human Settlements UNCHS Foi revigorante ob servar a forma que arquitetos e engenheiros da UNCHS têm abordado o desafio combinado de reabilitação e construção de paz Apesar dessa não ser minha pri meira visita a Kabul foi minha primeira oportunidade de ver os resultados dessa filosofia manifestada em projetos físicos Usando sua experiência de um número de projetospiloto similares realiza dos no Afeganistão UNCHS lançada em 1995 para desenvolver ideias para uma estrutura institucional e uma abordagem tecnológica que abordaria a reabilitação necessária de algumas comunidades urbanas em Kabul Uma importante parte do programa da UNCHS foi fortalecer as instituições responsáveis pela gestão urbana trabalhando com elas e não para elas Essa abordagem e talvez nenhuma outra aponta a chave para questões de desenvolvimento territorial e de pres tações de serviços no contexto de um rápido crescimento urbano causado pelo deslocamento interno em meio uma década de conflito Apesar de problemas enfrentados por sucessivas autoridades nacionais no Afeganistão desde 1995 muitas estruturas de governança se encontram lá e fun cionam em nível local O desafio era portanto encontrar meios de fortalecer a estrutura municipal existente para que o sistema de escritórios distritais disper sos e os representantes eleitos ajudassem desenvolver e refinar políticas nacionais apropriadas para questões comuns a todos os centros urbanos do Afeganistão Em conjunto com outras atividades de reabilitação urbana um programa de ação de vizinhança pode ser programa de ação de bairros foi lançada como plataforma para realizar reparos em infraestruturas em pequena escala Um im portante foco secundário desse programa foi auxiliar a restaurar a degradação da organização social das comunidades envolvidas O corpo de campo da UNCHS iniciou a desenvolver mecanismos pelos quais as famílias urbanas em conjunto poderiam identificar suas próprias ne cessidades e implementar atividades em pequena escala de forma que se torne compatível com processos de gestão urbana mais amplo Parte disso envolveu a 584 definição de um pacote adequado de melhorias potenciais Essas melhorias fo ram identificadas através de discussões com representantes de comunidades que cobriram não apenas prioridades locais mas mais importante responsabilidades locais que é o que poder ser provido pelas comunidades em si Sendo esse programa aceito na comunidade como um pacote de parceria é crucial se não for visto como um direito entilement Em Kabul os membros do corpo de campo da UNCHS encaminharam essa questão através do encora jamento dos representantes comunitários para ver a atualização desse processo como um empreendimento comercial portanto trazendo para casa a noção de contrato entre doadores e beneficiários O doador está arriscando seus investi mentos na comunidade enquanto a comunidade arrisca seus esforços de mobi lização e organização O potencial para lucrar se mantém no compromisso de ambas as partes como em qualquer empreendimento comercial em conjunto O que iniciou como uma operação de limpeza da cidade com a comu nidade recolhendo lixo para os pontos de coleta especialmente construídos pela UNCHS e com o governo municipal provendo veículos de coleta evoluiu em um programa de provisão de água baseado no mesmo triângulo de parceria Água foi demandada pela comunidade como resultado do elevar das expectativas a partir de uma cidade limpa As expectativas da comunidade continuaram a cres cer correlacionadas ao melhoramento do ambiente urbano como um todo com isso por sua vez elevou o nível de comprometimento da comunidade E com prometimento de comunidade leva ao desenvolvimento de melhorias de acesso e de programas de mitigação de alimentos Como os benefícios tornamse visíveis e as notícias se espalham o programa estava em posição de tentar diminuir o gap étnico e político entre as comunidades tomando como recurso a sua reputação imparcial e a confiança que está estabelecida com a comunidade Oeste da cidade de Kabul um pequeno rio separa QualaieWahid uma área ocupada por Pushtuns Tajiks e QualaielNazir ocupada e controlada pela facção dos HisbeWahdat Uma ponte de pedestres que uma vez atravessava o rio dando aos Hazaras a tratamentos médicos e aos Tajiks e Pushtuns acesso ao mer cado foi destruída Agido como mediadores o corpo da UNCHS identificou anciões em ambas comunidades para convencer os comandantes Mujahideen a baixar as armas e participar na reconstrução da ponte Essa intervenção necessitou de pouco investimento técnico e financeiro mas de bons acordos de compreensão cultural e habilidades de mediação Gra dualmente pessoa começam a se arriscar do outro lado da ponte e o trafego entre os dois lados aumenta trazendo com isso o comércio a cooperação e a redução senão a remoção da tensão 585 INVESTINDO NA PAZ A conclusão principal a ser tirada do exposto acima é que quando se consi dera a reconstrução de cidades flageladas pela guerra nos dias de hoje Dubrovi nik Mostar Beirut Kabul Kigali etc é crítico que qualquer esforço de reabi litação durante ou no conflito seguinte deve refletir a complexidade do atual em vez da situação percebida na cidade Também é de vital importância direcionar as áreas não urbanas das proximidades como uma parte integral para um processo de recuperação a longo prazo pois a maior parte do desafio da reconstrução é re solver problemas das populações rurais deslocadas dentro dessas cidades Recons trução também deve levar em consideração todas as divisões políticas e sociais relevantes e deve explorar o cenário institucional ideal e estruturas comunitárias com as quais trabalhar Programas de reabilitação precisam se basear em uma análise do que é necessário e deve preparar atores externos a se tornarem envol vidos ou se necessário retirarse E entidades de auxílio e desenvolvimento devem saber quando a intervenção não é mais requerida ou quando um projeto está causando mais prejuízo do que benefícios Investir em reabilitação urbana pode ser visto como maneira de investir em paz não importa quão remota possa ser a perspectiva de paz Uma das for mas mais viáveis para encorajar uma recuperação urbana mais adequada é pelo estímulo à subsistência e atividades econômicas portanto encorajando mercados locais e comércio Por exemplo investindo em oficinas que produzam no local itens de alívio814 ajudaria a recuperação econômica mesmo durante a violência do conflito Fazer utilização ao máximo dos recursos locais tanto humano quan to material e dando prioridade ao empregar profissionais locais e trabalhadores subsidia a reconstrução do mercado de trabalho e estimula a economia local O planejamento de programas de recuperação deve levar em conta as necessidades por flexibilidade em responder às circunstâncias que podem mudar rapidamente Preparando o programa para agir como plataforma de uma gama de atividades podese estabelecer flexibilidade suficiente para levar em conta a configuração institucional e as estruturas comunitárias locais Implementadores devem serem capazes de antecipar o potencial negativo tanto quanto o positivo de suas ações Não existem programas de intervenção imparcial Por nossas ações ou nós damos suportes ao desenvolvimento futuro das populações afetadas ou nós as prejudicamos 814 Itens de alívio no original em inglês relief items são produtos manufaturados que auxiliam a vida cotidiana incrementam a qualidade de vida e facilitam a produção local 586 REFERÊNCIAS HILL R Postwar reconstruction in the post coldwar era Observations of a practitioner In Urban triumph or urban disaster Dilemmas of contemporary postwar reconstruction MIT and University o York 1996 LESLIE J Towards Rehabilitation Building Trust in Afghristan In Disaster prevention and Management Volume 4 n I Bradford UK 1995 BARAKAT S etall Urban Rehabilitation in Kabul Bridging between Communities and institutions postwar reconstruction and development unit University of York 1995 BARAKAT S and HOFFMAN B PostConflict Reconstruction key concepts principal components and capabilities In PostConflict Reconstruction Strategies International Collo quim Stadtschianing June 2324 1995 UNIDO and DDSMS 587 PARA UMA SOCIEDADE DE VIGILÂNCIA A ASCENSÃO DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA NA EUROPA815 Thomas Mathiesen816 COMEÇOS Os começos são frequentemente difíceis de avaliar Sistemas de informação e vigilância provavelmente existiram de alguma forma nos Estados em todas as eras Por um sistema de informação e vigilância quero dizer uma organização com uma liderança específica e funcionários específicos reunindo informações sobre as pessoas e acompanhandoas usando as informações para essa finalidade Tais sistemas podem ser mais complexos ou menos alguns são grandes com conexões e níveis intrincados entre os funcionários outros são pequenos com relações muito simples entre as pessoas As formações do Estado passado tiveram tais sistemas na forma de censos como a dinastia Hang chinesa há cerca de 2000 anos atrás ou a antiga Babilônia ou o Estado egípcio com seus faraós no reino egípcio de 2000 a 3000 AC Os censos foram provavelmente realizados en tre outras coisas para fins de tributação e em outras palavras estavam um pouco longe do tipo ideal de um sistema de informação e vigilância Mas a ideia de também usar a informação para fins de vigilância manter o controle de pessoas que o regime achava que não podiam confiar deve ter chegado cedo O Estado romano no início com seus reis parcialmente míticos depois sua República e finalmente seus imperadores e com um império ainda tão ao norte quanto a província distante da atual GrãBretanha teve seus censos Um imperador romano que viveu cerca de 2000 anos atrás fornece um exemplo bem conhecido e dramático contendo uma narrativa de um censo de longo alcan ce que claramente também tinha propósitos de vigilância Algumas pessoas até tiveram que buscar refúgio em outro país distante Todos nós conhecemos essa 815 Texto aqui apresentado é um fragmento do livro Mathiesen Thomas Towards a Surveillant Society The Rise of Surveillance Systems in Europe Editorial Waterside Press Ltd UK 2013 Pgs 2155 a tradução do inglês para o português foi feita por Felipe da Veiga Dias 816 Thomas Mathiesen é professor de Sociologia do Direito no Departamento de Criminologia e Sociologia do Di reito da Universidade de Oslo Um dos principais comentaristas internacionais sobre questões de vigilância ele está associado há muito tempo à análise penetrante de ataques à democracia e ao abuso de poder Seus aclamados trabalhos incluem Prison on Trial Across the Boundaries of Organizations The Politics of Abolition and Silently Silenced Essays on the Creation of Acquiescence in Modern Society 588 história em particular ela foi lida para nós por nossos pais e avós mas eu a resumi aqui mesmo assim Naqueles dias aproximadamente em 0 AC DC o imperador romano Augusto 63 aC14 DC governador sozinho de 27 AC até sua morte sobrinhoneto e filho adotivo de Caio Júlio César ordenou que se fizesse um recenseamento do mundo inteiro todos no Império Romano As pessoas foram todas inscritas cada uma para sua própria cidade Citações de Lucas 2 Este é um dos primeiros exemplos de um empreendimento tão vasto que pude encontrar em um império caracterizado por uma enorme quantidade de pluralismo legal e cultural817 A ordem veio do próprio centro do Império Foi sem dúvida dado por razões burocráticas de modo que a ordem no vasto Império seria mantida Era importante saber quem estava onde Havia pessoas que po diam ser confiáveis mas em muitos lugares também muitas pessoas que deveriam ser recebidas com desconfiança Mas o censo provavelmente também teve propósitos de vigilância em um nível diferente na burocracia romana Durante o reinado do governador romano local o rei Herodes chegaram sábios de Jerusalém do Leste indagando Onde está o recémnascido rei dos judeus Porque vimos a sua estrela no oriente e viemos adorálo Isso perturbou muito o rei Herodes e toda Jerusalém e depois de consultar todos os principais sacerdotes e escribas Herodes perguntoulhes onde esse Cristo nasceria Ele também convocou os sábios para averiguar justamente quando a estrela apare ceu Ele pediu aos sábios que procurassem cuidadosamente pelo menino já que ele também queria adorálo Mas o que ele realmente queria era matar o menino temendo que ele se tor nasse uma ameaça ao Império No entanto o pretenso pai José foi avisado Então por causa da advertência divina em um sonho de não retornar a Herodes eles foram enviados de volta ao seu próprio país por uma rota diferente O povo de Herodes não encontrou o Menino porque a mãe Maria com José e o Menino fugiu para o Egito Herodes ficou furioso e ordenou o assassinato de todas as crianças do sexo masculino de dois anos e menos em Belém e seus arredores A pequena família perma neceu no Egito até Herodes ter morrido Voltando eles se estabeleceram em Nazaré citações de Mateus 2 Também as sociedades não estatais muito antes e depois dos grandes impérios provavelmente também tiveram atividades de vigilância As pessoas acompanharam umas às outras em sociedades nãoestatais elas confiaram em algumas e temeram muitas e tentaram manter o rastro das pessoas que elas te miam Podemos inferir isso a partir de evidências relativas à violência em socie dades europeias nãoestatais que provavelmente os arqueólogos e antropólogos culturais historicamente inclinados nos dizem foi mais difundida do que alguns 817 Ver também Price and Thonemann 2011 p223 Em seu notável livro sobre os primeiros impérios grego e roma no Price e Thonemann apontam que vários censos foram realizados em meados do século II aC O mais confiável ocorreu logo após a chamada Guerra SocialSocial War quando a contagem era de 910000 que provavel mente também deve ser aumentada em 20 Cidadãos romanos adultos do sexo masculino foram contados Um número de pessoas de Estados aliados na Itália na época que lutaram pela independência depois de um tempo se tornaram cidadãos romanos 589 de nós gostam de pensar Embora o modo de acompanhar aqueles que temíamos não tivesse as características de sistemas eles podem não ter sido organizados com uma liderança e funcionários específicos manter o controle de pessoas implicava no mínimo reter informações através da memória colocandoas em primeiro plano se necessário O COMPUTADOR MODERNO Vamos no entanto começar muito mais recentemente num período em que as mensagens instantâneas no tempo e no espaço se tornaram comuns Isso significa começar com o computador moderno Que isso seja claro as linhas até aqui vão muito atrás o telégrafo é um bom exemplo Na linguagem de Morse mensagens instantâneas podem ser enviadas para outras populações e sociedades como notícias avisos sinais de ataque pedidos de ajuda ou qualquer outra coisa Todo mundo hoje que viu o filme Titanic sobre o navio a vapor afundado em 1912 quatro horas depois de ter atingido um iceberg sabe da importância do telégrafo embora não possa salvar nem o navio nem os passageiros A busca por mensagens instantâneas avançou com a ascensão do capitalismo moderno O capitalismo criou uma necessidade de mensagens instantâneas Como eu disse começamos recentemente com o computador moderno Também o computador moderno estava aqui antes do nosso próprio tempo No início grande e desajeitado como a IBM que em 1956 criou o primeiro disco magnético o RAMAC Método de Acesso Aleatório de Contabilidade e Controle que equivalia a dois refrigeradores de tamanho tinha um peso de dez toneladas e capacidade de cinco megabytes818 Tecnologicamente falando então é até aqui possível falar de evolução Mas apesar do começo nebuloso do compu tador moderno ocorreu uma mudança qualitativa à medida que se tornava pro priedade comum O computador como propriedade comum representou uma mudança qualitativa em que o computador pessoal apareceu na mesa de todos Aconteceu aproximadamente entre 1980 e o começo dos anos 2000 Este é um período extraordinariamente curto para uma invenção notável Seguindo ou amarrado ao computador pessoal surgiu uma longa série de outras invenções A Internet foi originalmente desenvolvida para fins de defesa era vista como tão robusta que também poderia ser usada após um ataque nu clear Isso sabemos agora acabou sendo um pensamento positivo Da defesa a tecnologia se espalhou para instituições de pesquisa e educação nos EUA e depois 818 Fonte Aftenposten 11 June 2011 590 para o mundo em geral No início dos anos 90 a internet foi aberta para uso comercial e desenvolvida como uma bola de fogo A Internet é um meio eletrônico que oferece vários serviços como a World Wide Web A Internet compreende uma rede mundial de computadores uma rede de redes um acoplamento de milhares de redes menores em todo o mun do Quando você procura por informações a distância física é quase abolida a informação é acessada independentemente de onde ela está ou onde você está no mundo DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Um dos principais problemas enfrentados pelos cientistas sociais nos úl timos 20 ou 30 anos foi o de estarmos ou não nos distanciando da sociedade industrial e indo para uma sociedade da informação DANIEL BELL Uma das primeiras pessoas a colocar o conceito de sociedade da infor mação na agenda pública sociologicamente falando foi o sociólogo Daniel Bell em seu livro The Coming of PostIndustrial Society Bell 1973 com um novo pre fácio de 1976 aqui em grande parte a partir do novo prefácio819 Bell tentou descrever a transição do que ele chamou de sociedade industrial para a socieda de pósindustrial A sociedade pósindustrial era segundo ele caracterizada por duas grandes dimensões p xix a centralidade do conhecimento teórico e uma expansão do setor de serviços em relação à economia industrial A primeira a centralidade do conhecimento teórico significa uma cres cente dependência da ciência como um meio de inovar e organizar mudanças tecnológicas A segunda mudança a expansão do setor de serviços significa uma expansão em transporte comércio seguros bancos administração pública ser viços médicos legais e outros serviços pessoais e assim por diante A primeira transformação com a centralidade do conhecimento teórico tornou novas invenções e organizações de mudança tecnológica muito mais de pendentes da ciência com um papel crescente das indústrias baseadas na ciência A segunda transformação o aumento do papel dos negócios orientados para serviços levou a uma forte diminuição relativa da força de trabalho industrial Bell menciona a possibilidade de chamar a sociedade pósindustrial de so 819 Alain Touraine veio um pouco antes de Bell Touraine 1969 591 ciedade da informação ou sociedade de serviços Mas devese acrescentar que ele se abstém explicitamente da tentação p ix de fazêlo e sustenta que a so ciedade pósindustrial não vem da sociedade industrial mas constitui tendências desenvolvimentistas que se colocam no topo das tendências anteriores apagando alguns deles e condensando a tecelagem da sociedade como um todo Em ter mos gerais argumenta ele se a sociedade industrial é baseada na tecnologia de máquinas a sociedade pósindustrial é moldada por uma tecnologia intelectual p xiii HÅKAN HYDÉN A análise de Bell não teve e não poderia ter a ênfase atual na tecnolo gia da informação ou nas novas mídias como um ponto de partida mesmo que ele tenha tocado no significado do computador Depois que o livro de Bell foi publicado os cientistas estavam acima de tudo preocupados com a importância geral do conhecimento e da educação para o desenvolvimento da sociedade Somente nos anos posteriores para o nosso próprio tempo a informação e a tecnologia da comunicação dominaram o debate e a tese de uma transforma ção da sociedade industrial para a da informação tem recebido apoio crescente Um defensor da tese é o sociólogo jurídico sueco Håkan Hydén da Universidade de Lund que aponta o seguinte em um de seus livros Hydén 1997 p 111 traduzido do sueco por mim Hoje nos confrontamos com uma transformação de sistemas A sociedade industrial sobrevi veu a si mesma e está sendo gradualmente substituída por uma sociedade da informação uma sociedade do conhecimento ou o que você agora escolhe para chamar de introdução ao que se tornará uma época cibernética Historicamente estamos portanto na mesma fase em que a sociologia e a sociologia do direito estavam quando foram estabelecidas Para ter certeza há indícios de que estamos em tal transformação Em muitos países ocidentais a força de trabalho tem caído acentuadamente e as empresas de serviços e o pessoal técnico e consultor de informática subiram de maneira igualmente acentuada Hydén enfatizou a mudança da comunicação analógica para a comunicação virtual820 Nas universidades de todo o Ocidente minha própria universidade na Noruega é o caso há agora exércitos de consul tores técnicos ensinando os professores a usar nossos computadores pessoais Os vários novos sistemas e complexidades que frequentemente e sem aviso invadem nossos computadores e nosso trabalho tornam você altamente dependente da nova classe de consultores que também residem em seu departamento Apenas uma minoria de nós precisa de todas as novas funções do computador pessoal 820 Comunicação oral de Hydén 592 que frequentemente vêm Catálogos se tornam obsoletos se você pedir informa ções a resposta é que elas são fornecidas na web mas o tempo não é sem papel o papel é usado maciçamente para impressão Bancos companhias de seguros burocracias estatais médicos dentistas assistentes sociais e toda uma série de outros serviços dependem de fazer o mesmo DAVIDOW E MALONE Uma conta relevante para o recente crescimento de uma sociedade da informação é William Davidow e Michael Malone The Virtual Corporation que chegou em 1992 O livro gira em torno da instantaneidade como um valor central e instantaneidade ou pelo menos rapidez ou velocidade é de importân cia central Produtos e serviços instantâneos já estão se tornando difusos uma parte regular de nossas vidas diárias p 4 Eles são tão notáveis dizem os autores tão distintos de qualquer coisa que veio antes que eles merecem um nome espe cial Em seu livro eles são chamados de produtos virtuais O produto ou servi ço virtual ideal é aquele produzido instantaneamente e personalizado em resposta à demanda do cliente p 4 Produtos e serviços físicos são feitos virtuais Uma indústria virtual perfeita não existe eles dizem mas muitos chegam perto Produção japonesa de automóveis faz Os japoneses estão se esforçando para colocar em prática sistemas que produzirão carros acabados para a ordem interna em poucas horas A Dell Corporation produzindo computadores é outro exemplo Davidow e Malone imaginam tipos organizacionais inteiramente novos e diferenciamse pp 6872 entre quatro níveis informativos informação de conteúdo informação sobre quantidade localização tipos de itens informações de formulário forma e composição de um objeto informação de comporta mento predição do comportamento de um objeto físico através da simulação de seu movimento no espaço tridimensional e informação de ação o triunfo da revolução da informação converte instantaneamente a informação em ação sofisticada o poder de computação aumentará ainda mais mas se tornará ine xoravelmente mais barato à medida que construamos máquinas que não apenas coletam e processam informações mas agem sobre os resultados p 71 O nível de informação mais importante é o que diz respeito à ação e que fornece uma base para as máquinas executarem tarefas Davidow e Malone de fendem uma tecnologia que até fornece máquinas com visão semelhante à huma na algo que requer enorme poder de dados mas também uma organização de redes neurais que se assemelham às redes do cérebro A busca por tal tecnologia pode estar um pouco desatualizada seu livro tem afinal 20 anos de idade 593 Mas existem sistemas continuamente mais sofisticados para a análise automáti ca de imagens A Polar Rose comprada pela Apple em 2010 por exemplo é uma empresa líder mundial em reconhecimento facial Há alguns anos um certo otimismo pode ser visto nas redes neurais e na inteligência artificial Há mais ceticismo agora Mas há melhorias contínuas na análise de grandes quantidades de dados e imagens821 Os locais de trabalho serão transformados prevê Davidow e Malone p 7172 Ambientes de trabalho também serão alterados Mais e mais fábricas operarão com luzes apa gadas desprovidas de humanidade exceto a ocasional guarda de passagem ou a visita de uma pessoa de reparo Outra parte importante do desenvolvimento é que até mesmo as pessoas comuns hoje têm acesso à Internet e ao poder dos dados pelo menos no mundo ocidental O custo da publicação e do poder de dados caiu acentuadamente nos últimos anos Hoje pessoas comuns podem estabelecer sua própria home page e se expressar sem que suas opiniões sejam filtradas pela mídia tradicional Hoje é muito mais barato e mais simples comercializar uma das visualizações do que antes Meu filho na verdade tem uma home page e se comunica com o mundo todo LIBERDADE Tudo o que eu disse até agora favorece a visão de que estamos nos aproxi mando ou mesmo dentro de uma sociedade da informação Mas ainda não te nho certeza Em breve retornaremos à visão de Davidow e Malone mas primeiro uma pequena injeção sobre a liberdade mencionada ou inferida até agora temo que as cordas estejam cada vez mais ligadas a essa liberdade Um efeito de como a Internet é construída é que nenhum Estado ou empresa possui ou controla toda a Internet Essa parece ter sido uma escolha consciente de design por parte das pessoas nas universidades que desenvolveram a Internet durante as décadas de 1970 e 1980 Hoje no entanto existe uma luta em relação a quem controla a rede e as informações que podem ser públicas Discussões sobre neutralidade da rede são hoje animadas em todo o mundo Resumidamente a questão inicial é se os fornecedores da Internet podem exigir pagamentos em um determinado tráfego em suas redes Por exemplo a Telia na Suécia deseja receber pagamentos extras por conversas do Skype na rede móvel Outros fornecedores exigirão pagamentos do YouTube ou Facebook para 821 Informações gentilmente recebidas de Tomas Wennström 594 entregar seu tráfego mais rapidamente Como o primeiro país da Europa a fazê lo os Países Baixos produziram recentemente legislação sobre a neutralidade da rede822 Em suma e para ser franco mais uma vez há um desenvolvimento em direção à competição líquida entre os ricos e os pobres O que também é importante é que existe uma competição líquida entre o repressor e o reprimido A Primavera Árabe em 2011 é um exemplo disso A rede foi usada em prol da liberdade Regimes autoritários derrubados devido a manifestantes via Twitter e Facebook e por outros meios de informação e isso foi anunciado em todo o mundo como significando uma nova era na qual a tec nologia da informação altera o equilíbrio de poder em favor do reprimido Mas existem forças contrárias importantes Em um artigo interessante John Villase nor refletiu sobre o cenário Villasenor 2011 Ele se limita a Estados autoritários Irã China e assim por diante mas sua mensagem é mais geral abrangendo também os chamados estados democráticos se a política democrática altera apenas um pouco A Primavera Árabe de 2011 que viu regimes derrubados por manifestantes organizados via Twitter e Facebook foi anunciada em grande parte do mundo como significando uma nova era na qual a tecnologia da informação altera o equilíbrio de poder em favor dos reprimidos no entanto a redução dos custos de armazenamento digital permitirá em breve que regimes autoritários não apenas monitorem dissidentes conhecidos mas também armazenem o con junto completo de dados digitais associados a todos dentro de suas fronteiras Esses enormes bancos de dados de informações capturadas criarão o que equivale a uma máquina do tempo de vigilância permitindo que os serviços de segurança do estado interceptem retroativamente as pessoas nos meses e anos antes de serem designados como alvos de vigilância Isso mudará fundamentalmente a dinâmica da dissensão insurgência e revolução823 Não é fácil fazer uma escolha definitiva entre os dois lados nesta batalha de previsões Acho que de certo modo não devemos fazer uma escolha definitiva porque ambas são verdadeiras em momentos e sob condições diferentes DOBRAR ARRASTAR E RASTREAR UMA NOVA ESTRUTURA DE CLASSES Voltemos à fábrica de Davidow e Malones sem trabalhadores imaginativa mas eu acho que é muito difícil pensar em tudo ou mais ou menos em toda a produção como sendo virtual como se essa palavra fosse entendida e definida por eles É verdade que a produção de hardware e outros produtos podem ser exe cutados por computadores e robôs podem unir os produtos A tendência nessa 822 httpenwikipediaorgwikiNetworkneutrality 823 httpwwwbrookingseduresearchpapers20111214digitalstoragevillasenor 595 direção aumentou Mais uma vez a indústria automobilística é um exemplo dis so A vasta burocracia do Estado está planejada para ser digitalizada o enorme número de formulários que devem ser preenchidos por grandes massas de pessoas se tornará a segunda opção do povo a primeira escolha será de acordo com planejadores digitalizada e disponível na rede O plano para isso já foi parcial mente executado A digitalização de formulários fiscais é um exemplo824 Existem muitos outros exemplos Mas é extremamente difícil imaginar que isso possa se tornar padrão para todo o hardware e outros produtos e serviços Pense em todas as coisas variadas e complicadas em nosso entorno na vida cotidiana A fábrica mesmo que modernizada mas também os estaleiros navais as oficinas de automóveis os locais de construção e construção de vários tipos como ferrovias e estradas os locais de construção e construção de vários tipos tais como ferrovias e estradas os reparos contínuos das ruas da cidade nossas linhas de carros de rua nossos sistemas de esgoto subterrâneo nossos encanamentos de água também subterrâneos exigem e exigirão mesmo se au tomatizada uma força de trabalho muito substancial Assim será a contratação de encanadores a contratação de eletricistas a contratação de pintores a con tratação de vários tipos de reparadores dentro e fora de sua casa Eles têm que estar dispostos a dobrar se arrastar e rastejar para fazer seu trabalho extenuante Eu os considero como parte da sociedade industrial que eu vejo como não consistindo apenas de operários de fábricas contratados em fábricas por donos de capital Uma estrutura de classes parcialmente nova pode surgir Haverá estratos comparativamente altos de técnicos e pessoal de informática mais ou menos ins truídos responsáveis pelo trabalho automatizado do computador que é necessá rio Mas também haverá uma grande subclasse comparativamente falando pre ocupada com a construção real de ferrovias estradas navios e tudo o mais como encanadores eletricistas pintores e reparadores em nossos milhares de lares que têm que se dobrar arrastar e rastejar para fazer o seu trabalho A estrutura de classes sugerida aqui ainda não está totalmente formada mas deve ser contada como uma possibilidade distinta Se e quando for total mente formado e representado como classes com um mínimo de consciência de classe e redes sociais uma nova ordem social terá sido introduzida Essas ocupações antigas por mais cruciais que sejam são lavadas de nossa consciência pela elegância da nova ordem pelo mundo virtual e o mundo digi 824 Fonte Aftenposten 7 December 2012 596 talizado Eles não contam em uma sociedade que se presume ser uma socieda de da informação TERCEIRIZAÇÃO Nós também terceirizamos a produção para os países onde o trabalho é mais barato Em certo sentido isso nos aproxima da sociedade pósindustrial mas apenas se não levarmos em consideração que a purificação de nossa própria sociedade industrial é seguida por trabalho somente em outros lugares e menos dispendioso Além disso a terceirização do poder de dados é importante hoje em dia O servidor que fornece homepages ou capacidade de cálculo pode hoje estar locali zado em qualquer lugar do mundo onde é mais barato Não tenho ideia de onde as várias partes da produção deste livro serão realizadas Não há limites Muitos produtos são simples o suficiente para terceirizar mas complexos o bastante para não terceirizar para sociedades onde o trabalho é barato Um exemplo agora existem impressoras tridimensionais que podem imprimir objetos tridimensionais em plástico Hoje existem impressoras tridi mensionais avançadas para uso industrial e existem impressoras tridimensionais mais baratas e mais simples para uso pessoal Um movimento cresceu em torno dessas impressoras mais baratas Sebastian Gjerding 2012 diz que A economia da Internet nos deu uma nova maneira de produzir Chris Anderson que é autor e editor da influente revista americana de tecnologia Wired escreve i em seu novo livro Makers The New Industrial Revolution sobre Impressoras 3D e scanners 3D O movimento olha para o futuro onde muitas ou a maioria das coisas co tidianas podem ser impressas em três dimensões e produzidas O crowdsourcing contribuição colaborativa coletiva e o crowd funding financiamento coletivo são conceitos centrais os grupos em média pensam melhor do que o indivíduo e quando os grupos decidem financiar alguma coisa cada um não precisa pagar muito Você faz o download das impressões de peças de reposição da sua bicicleta e as imprime em casa ou na gráfica tridimensional825 Mas no que se refere à terceirização ou em relação a isso em casa é o mo mento em que essas impressoras podem ser usadas em sociedades onde as pessoas são pobres e o trabalho é barato Gjerding por implicação diz que não mas talvez em um futuro distante E eu concordo Primeiro você precisa conhecer os mecanismos das peças de re 825 httpenwikipediaorgwiki3Dprinting httpiysnorg20110917pushingtheboundaries3dprinting To mas Wennström gentilmente me forneceu essas informações 597 posição em sua bicicleta e mais ainda em seu carro Em segundo lugar você deve contar com cordas sociais valores e normas culturais e assim por diante Você tem que ser um economista mas também parcialmente um sociólogo O pensamento de que tudo pode ser terceirizado e logo desconsidera que quando ocorre a terceirização ela também deve ocorrer em um contexto cultural que não se encaixa necessariamente na terceirização826 TERCEIRIZAÇÃO DE RESÍDUOS Como já disse há certamente uma tendência à produção virtual Um si nal possível é que os produtos modernos em muitos casos duram por períodos mais curtos A geladeira da minha mãe durou mais do que a minha muito mais moderna e quando algo dá errado com a minha geladeira compramos uma nova em vez de pedir a um reparador para consertar a antiga Em certo sentido vivemos em uma sociedade de resíduos e isso pode ser porque a reparação de produtos antigos é mais ou menos tão cara quanto comprar novos e leva mais tempo eles são menos virtuais Mas o que acontece com todo o lixo que achamos muito difícil ou muito caro para transformar em novos produtos É em grande parte terceirizado e tem que ser tratado pelo trabalho manual em outro lugar Um negócio em crescimen to especialmente na China e em outras partes do Terceiro Mundo é a recupera ção e reciclagem de componentes valiosos e matériasprimas de vários produtos Uma das cidadeslixo é Guiyu no distrito de Guangdong na China considerada um dos maiores locais de lixo eletrônico do mundo Em 2005 havia 60000 trabalhadores de lixo eletrônico em Guiyu que processavam mais de 100 caminhões transportados para os 52 quilômetros quadrados todos os dias Muitas operações de reciclagem são tóxicas e perigosas para a saúde dos trabalhadores com 88 das crianças sofrendo de envenenamento por chumbo O trabalho lá é basicamente manual e sabidamente perigoso à saúde O solo foi saturado com chumbo cromo estanho e outros metais pesados Eletrônicos descartados em poças de toxinas que vazam na água subterrânea tornandoa tão poluída que a água é intragável Os níveis de chumbo nos sedimentos do rio são o dobro dos 826 Um quinto da mercadoria do mundo é produzido na China Até agora os trabalhadores chineses produziam mercadorias suficientemente baratas para diminuir significativamente ou até impedir que os preços subissem em todo o mundo Agora isso pode estar chegando ao fim Os salários chineses especialmente nas cidades estão aumentando Isso pode tornar a terceirização para a China da Europa e dos EUA menos simples Um aumento nos preços de mercadorias da China pode fazer com que os produtores mudem de local para por exemplo Vietnã ou Camboja onde os salários são mais baixos As preocupações industriais chinesas também podem terceirizar a produção para o Vietnã Camboja Bangladesh e Filipinas Mas a China também pode competir com uma visão voltada para o mundo ocidental com maior qualidade e entrega mais segura O futuro da terceirização como a vemos hoje é um pouco incerto Fonte Aftenposten 11 November 2012 598 níveis de segurança europeus de acordo com a Basel Action Network827 Guiyu é apropriadamente apelidado de cemitério eletrônico Os chineses afirmam que as limpezas estão acontecendo828 Outra cidade de resíduos é Agbogbloshie um subúrbio de Accra no Gana conhecido como aterro digital Milhões de toneladas de lixo eletrônico são pro cessadas a cada ano em Agbogbloshie e devido a uma alta taxa de criminalidade e outras condições a área é apelidada de Sodoma e Gomorra A Convenção de Basileia impede que as transferências transfronteiriças de resíduos perigosos sejam desenvolvidas para países menos desenvolvidos mas a convenção não é ratificada por vários Estados incluindo os EUA Mais importante é o fato de que a cada mês os contêineres de carga chegam muitas vezes ilegalmente dos EUA Reino Unido países europeus Japão e outros lugares Pessoas desprote gidas muitas vezes crianças que trabalham lá procurando por exemplo metais para vender são frequentemente afetadas e o processamento de resíduos emite substâncias químicas tóxicas no ar terra e água829 CONCLUSÕES ATÉ AGORA Acima discuti autores como Bell Hydén e especialmente Davidow e Ma lone e as amarras ligadas à liberdade que a Internet proporciona Eu olhei para o dobrando rastejando e arrastando e devo acrescentar a vida estressante e difícil que as massas de trabalhadores enfrentam quando produzem e consertam as inú meras coisas com as quais nos cercamos em nossas vidas diárias Eu até discuti a terceirização geral bem como a terceirização do lixo eletrônico no mundo Ter ceirização vai para os outros mais longe mas certamente para os trabalhadores Uma conclusão provisória é que embora haja argumentos para nossa entrada atual em uma sociedade da informação tenho sérias dúvidas e acho que ele mentos importantes de uma sociedade industrial permanecem Embora o tra balhador tradicional esteja se tornando mais raro ainda precisamos dele ou dela além de todos que dobram arrastam e rastejam A estrutura de classes é assim alterada a classe trabalhadora certamente se tornou contaminada mas ainda existe em um sentido mais amplo incluindo homens e mulheres de serviço em grande número que realizam trabalho manual e servil Talvez você possa dizer que a tecnologia da informação e a Internet pro movem a indústria e a vida industrial A TI e a Internet não existem como uma 827 Exporting Harm The HighTech Trashing of Asia httpwwwbanorgEwastetechnotrashfinalcomppdf pdf Basel Action Network February 25 2002 httpwwwbanorgEwastetechnotrashfinalcomppdf 828 Fonte httpenwikipediaorgwikiElectronicwasteinGuiyu 829 Idem 599 esfera separada da indústria como um sistema de manutenção de fronteiras além da sociedade industrial mas se tornou parte e parcela da metodologia das co municações da indústria e das relações industriais Desse ponto de vista a sepa ração entre sociedade industrial e sociedade da informação é na verdade um equívoco os dois são integrados no sentido de que os passos importantes ou mesmo vitais tomados pela informação presumivelmente torna a indústria ainda mais eficiente Como isso é importante no que diz respeito aos sistemas de informação e vigilância É importante na medida em que representa um contexto um modo de vida que promove os novos sistemas de informação e vigilância Também os promove grandemente como promove outros aspectos da vida industrialtec nológica Isso talvez ocorra especialmente quando as economias do Ocidente enfrentam problemas como fazem agora Vemos isso nos vários distúrbios que ocorreram ou estão ocorrendo hoje Inglaterra e França são casos em questão Quando os tempos são assim as autoridades gostam de ter sistemas de infor mação e vigilância do tipo mais moderno em mãos Várias cúpulas e ocasiões similares nos últimos anos testemunharam isso e retornaremos a algumas delas mais tarde PANÓPTICO OU POLIÓPTICO A Internet e o uso do computador pessoal na mesa de todo mundo pas saram por fases Existem muitos deles vou resumilos em dois pontos principais no tempo COMUNICAÇÃO PANÓPTICA A primeira fase da Internet é aquela ideal tipicamente baseada na co municação online Este foi o tempo da home page Recebeu o símbolo Web 10 Todo mundo tinha uma home page Em um sentido amplo da palavra mensagens eram enviadas de centros numerosos centros para receptores mais do que numerosos receptores Empresas de todos os tipos confiavam em tal co municação unidirecional O capitalismo prosperou na comunicação unidirecio nal Mercadoria foi profusamente anunciada Os receptores poderiam responder escolher entre várias mercadorias e pagar por sua escolha Então houve alguma comunicação de mão dupla Mas a oferta e o começo vieram do centro as pre missas foram definidas ali e as alternativas entre as quais você poderia escolher foram em grande parte estabelecidas a partir do centro O poder nesse sentido e no sentido de renda chegou aos centros 600 Todos os tipos de outras mensagens como as mensagens das burocracias estatais também tinham um perfil mais ou menos de comunicação unidirecio nal com algumas possibilidades estruturadas de respostas O poder também veio desses centros Resumindo A comunicação inicial de negócios na Internet era um pouco parecida com o catálogo comum de encomendas postais O perfil de comunica ção unidirecional entrou na Internet na primeira parte de sua vida pelo menos em sua vida acessível ao público em geral no final do século XX Era uma situ ação antidemocrática uma comunicação unidirecional com o poder localizada nos centros Para ter certeza houve um movimento contrário das raízes Na sala de ba tepapo chamada IRC e no fórum de discussão chamado Usenet um sistema de discussão distribuído em todo o mundo havia trocas animadas Alguns colocam suas próprias home pages fora do controle de interesses comerciais Um certo dualismo existia por um lado a conversa em muitas páginas iniciais era uma comunicação unidirecional Ao mesmo tempo havia um sistema de comunica ção paralelo em que o IRC os fóruns de discussão e as listas de discussão eram partes e onde a conversa era animada Historicamente a comunicação talvez nunca tenha sido mais democrática e acessível para o homem e a mulher comuns do que durante os primeiros anos da Internet Mas certamente para muitos ob servadores o movimento de base foi ofuscado pela tendência de comunicação unidirecional830 Em um livro de 1975 Foucault Eng Ed 1979 Michel Foucault usou o conceito de panóptico para caracterizar nosso período europeu na história Ele usou a prisão para ilustração As prisões modernas tinham uma forma comum importante elas eram or ganizadas de modo que alguns pudessem supervisionar ou pesquisar um número muito grande As prisões eram nesse sentido panóticas da palavra grega pan que significa todos e opticon que representa o visual Tal prisão foi inventada por Jeremy Bentham em 1799 JB 17481832 filósofo britânico e reformador legal O Panóptico de Bentham tinha vários andares organizados em um círculo com um teto de vidro um círculo de celas em todos os andares e uma porta de grade em direção ao centro para que todos os prisioneiros pudessem ser vistos de uma torre no meio Em princípio um homem na torre podia ver todos os prisioneiros Mais tarde as chamadas prisões de Filadélfia assumiram o controle que foram organizadas de maneira diferente com várias alas mas também base 830 httpenwikipediaorgwikiUsenet httpenwikipediaorgwikiIrc httpenwikipediaorgwikiDiscussion forumsHistory Tomas Wennström gentilmente me forneceu essas informações 601 adas no princípio de que poucas pessoas poderiam observar todos ou a maioria dos prisioneiros na prisão do centro onde as alas da prisão se encontravam As alas não tinham chão mas corredores ao longo da parede e portas de grade para as celas de modo que os guardas no centro em princípio pudessem ver cada prisioneiro em todos os andares do centro Mas para Foucault isso não era apenas uma questão de prisão Sua ideia é bem conhecida um novo tipo de sociedade estava implícito Na aparência ele disse o panopticismo é meramente uma solução de um problema técnico mas através dele um novo tipo de sociedade emerge Foucault 1979 p 216 O panopticismo representou um movimento fundamental ou uma transformação da situação em que muitos veem poucos para uma nova situação em que poucos veem muitos Deixou que o reformador alemão da prisão M H Julius descrevesse a situ ação em 1831 A antiguidade tinha sido a civilização do espetáculo Para tornar acessíveis a uma multidão de homens a inspeção de um pequeno número de objetos este foi o problema ao qual a arquitetura dos templos teatros e circos respondeu Essa era a era da vida pública festas intensivas proximidade sensual O Coliseu de Roma era um arquétipo da antiguidade A idade moderna coloca por outro lado o problema oposto Buscar por um pequeno número ou mesmo por um único indivíduo a visão instantânea de uma grande multidão Foucault 1979 p 216 Foucault formula assim Nossa sociedade não é de espetáculo mas de vigilância Somos muito menos gregos do que acreditamos Não estamos nem no anfiteatro nem no palco mas na máquina panóptica investida por seus efeitos de poder que trazemos para nós mesmos já que somos parte de seu mecanismo p 217 Na minha opinião há muito a ser dito sobre a análise de Foucault É ver dade que havia um grande número de máquinas panópticas na história anterior antes dos tempos modernos a Inquisição de 1200 em diante as várias grandes máquinas militares através dos séculos onde alguns com poder pesquisavam os muitos pessoas soldados E é verdade existem muitos exemplos de linhas de comunicação tendo ido para os dois lados o grande Inquisidor dando graças na frente não apenas observando os muitos mas também visto por muitos o imperador vitorioso voltando da batalha não apenas observando as massas mas também visto e avaliado por uma multidão Mas especialmente depois de seu tempo Foucault tem razão ao dizer que o final dos anos 1900 e o começo dos anos 2000 assistiram ao surgimento de uma infinidade de sistemas de vigilância de tipo eletrônico onde os poucos realmente pesquisam os muitos mas não são vistos por muitos grandes pesquisas que têm funções importantes em nossas vidas Existem muitos desses sistemas de vigilância 602 É em outras palavras importante enfatizar que o final dos anos 1900 e o início dos anos 2000 de certa forma justificaram Foucault As grandes máquinas eletrônicas às quais os sistemas de vigilância sob a modernidade tardia poderiam ser chamados são basicamente panóticas O mesmo aconteceu com a fase inicial da Internet FUNIS PANÓPTICOS FUNIL UNIDIRECIONAL FUNIL DE ESTRELA E FUNIL DE PROFUNDIDADE Vejamos mais de perto a comunicação unidirecional sobre o início da In ternet que tinha uma estrutura panóptica para que os poucos pudessem ver e pesquisar os muitos Os centros do sistema unidirecional viam os muitos através de grandes pesquisas dandolhes conhecimento do que as massas queriam e de que e como vender suas mercadorias Havia um número de variedades Uma análise de conteúdo que realizei no final dos anos 80 e início dos anos 90 Ma thiesen 1999a concentrandose em vários estudos de caso em vez de dados quantitativos e representativos generalizados mostrou que o funil de sentido único era um caso típico Na atividade comercial e visto ao entrar em home pages essa forma tenta dora parecia ser generalizada O funil de sentido único era uma das rotas mais comuns para vendas e renda As home pages pornográficas constituíam exemplos mas também home pages de revistas para homens para mulheres para crianças e assim por diante Eu não sei quão grande era o setor de negócios e é mas era grande A questão é que foram oferecidas pequenas amostras gratuitas e convida das a seguir em frente o que geralmente acontecia Você recebeu mais amostras grátis e assim por diante até que parou de repente você tinha que escolher tudo ou nada A essa altura você estava tão excitado e tentado que poderia escolher sim e se o fizesse entraria no deserto de novas escolhas e pagamentos por por nografia O mesmo acontecia talvez em menor grau por exemplo para revistas masculinas e femininas O funil de sentido único poderia ser mais curto ou mais longo Uma hipó tese poderia ser que quanto mais controverso fosse o produto final mais longo será o funil para dar tempo de estimular uma tentação crescente Recebi algum apoio para funis mais longos para criar tentação também de desenvolvimentos em páginas iniciais não pornográficas como em revistas para homens ou propa ganda de leite e iogurte para crianças Borch 1998 O segundo tipo seria o que eu chamaria de funil de estrelas No funil da estrela você é levado a um centro da atividade comercial em questão para a 603 periferia distante e talvez através da fronteira para várias ou até mesmo muitas outras home pages O funil da estrela pode leválo a dizer pornografia para home pages que foram financeiramente relacionadas à home page original por exemplo revistas para homens Ou se os dois não eram financeiramente relacionados eram pelo menos semelhantes em termos de simbolismo Um terceiro funil seria o que eu chamaria de funil de profundidade No funil de profundidade você foi conduzidotentado presumivelmente através de suas próprias escolhas ainda mais no centro do material específico Os detalhes continuamente maiores da pornografia são interessantes desse ponto de vista Assim são os detalhes crescentes sobre bons sapatos vestidos bonitos ou o que quer que seja conforme você se move através desses funis de profundidade O ponto é que os preços dos bons sapatos ou vestidos aumentam ao mesmo tempo O funil unidirecional que o levou passo a passo em direção a um objetivo específico fornece a imagem mais clara do setor comercial em expansão da In ternet antiga O trecho unidirecional era interativo no sentido de que você pre cisava responder e clicar para frente Mas a comunicação em ambos os sentidos comunicação verdadeira onde as respostas tinham de ser levadas em conta pelo centro original de modo que as mensagens do centro precisavam ser mudadas eram quase inexistentes nos meus estudos de caso exceto no momento em que você respondeu sim ou não a uma oferta de compra Aconteceu para alguns tipos de mercadoria que você pediu para comentar sobre suas compras e dizer se estava satisfeito ou não Isso poderia iniciar uma resposta do centro Mas isso não era frequente e raramente levava a uma verdadeira comunicação verdadeira onde novos resultados e novas iniciativas surgiam O funil de profundidade e o funil de estrelas eram menos nítidos do que o funil de sentido único mas na realidade também eram unidirecionais Mes mo que várias rotas pudessem ser escolhidas as alternativas entre as quais você poderia selecionar eram sistematicamente construídas de cima a interação do remetente acima e do receptor abaixo onde o receptor foi convidado a se comu nicar de volta e afirmar suas próprias preferências e apontar para suas próprias demandas que tinham que ser levadas em conta era rara Desta forma podemos elaborar sobre a estrutura panóptica a estrutura onde os poucos veem e vivem em muitos na primeira fase Web 10 da Internet Para ter certeza o tempo todo tem existido uma cultura viva de debate e discussão na Internet Mas isso não tem sido tão visível conhecido e difundido quanto a atividade do Facebook do Twitter e do blog 604 COMUNICAÇÃO POLIÓPTICA A segunda fase teve um perfil de comunicação de váriasmuitas vias e chegou um pouco mais tarde sobrepondo a primeira fase Veio para o bem com as chamadas mídias sociais nos anos 2000 Facebook Twitter YouTube en tre outras Facebook subiu como um foguete atingindo centenas de milhões de usuários em todo o mundo Agora tem 900 milhões de usuários quase um sétimo da população mundial831 Talvez agora esteja recuando um pouco pelo menos na Noruega Mas muitas pessoas ainda estão com o Facebook e similares Através destes e de uma longa série de invenções relacionadas pessoas e grupos de pessoas entram no que você poderia à primeira vista chamar de interação verdadeira832 Esta é uma fase simbolizada pela Web 20 Podemos chamar isso de fase polióptica na Internet O Polyopticon é uma tecnologia de plataforma um dispositivo que oferece 360 graus por 360 graus que usa o posicionamento interno para permitir que os usuários orientem múltiplas janelas de informação no contexto 833 A parte poli do conceito é do grego e significa múltiplos muitos como em poligamia casado com muitos poliandria poliginia uma mulher casada com muitos homens um homem casado com muitas mulheres polyfon polifônico na música e assim por diante Em Polyopticon a parte óptica também tem a ver com o visual A ENTRADA DO FÓRUM FLASH BACK COMO UM EXEMPLO A palavra mais conhecida que simboliza a fase polióptica na Internet é talvez a palavra fórum do latim plural fora mas na linguagem da Internet o plural é fóruns Existe um número incontável de fóruns de discussão na Internet Encontramos o início em meados da década de 1990 quando eles es tavam menos desenvolvidos Eles subiram em grande número a partir de 2000 durante a fase web 20 no primeiro decênio dos anos 2000 Eles estão possivel mente recuando um pouco agora porque o Facebook assumiu muita discussão Algumas tentativas são feitas para criar compromissos via Facebook Um bom exemplo de fórum é o chamado Flash Back É um fórum mui to grande não tanto na Noruega mas muito quente na Suécia Foi criado em 2000 A partir de 2010 foi de propriedade da Flash Back International Inc que está registrada em Nova York Em 2 de setembro de 2012 o Flash Back tinha 831 httpwwwpcmagcomarticle202817240341000asp 832 As duas fases da Internet são descritas mais detalhadamente em Mathiesen 3ª edição 2002 833 O conceito é retirado de The PolyopticonThe First 4Dimensional Computing Device httpwwwpolyopti concom 605 682885 membros e aumentou para um total de cerca de 37 milhões de mensa gens e respostas834 O Flash Back tem de 15 a 20 categorias amplas de conteúdo Cada catego ria ampla é subdividida em várias subcategorias cada uma delas contendo uma multiplicidade de mensagens e respostas Por exemplo uma categoria ampla no Flash Back seria Política Uma das numerosas subcategorias seria Terrorismo Existem inúmeras mensagens e respostas nesta categoria Tudo pode ser discutido no Flash Back Existe uma grande variedade de conteúdo e apenas censura limitada Flash Back tem uma alta tolerância para uma ampla gama de declarações eles dizem que levam a liberdade de expressão a sério contanto que as declarações não contenham ameaças específicas de vio lência voltadas para indivíduos específicos Se tais declarações forem encontradas um moderador do fórum editará a declaração Às vezes as reclamações são en viadas pelos membros do fórum As reclamações são enviadas aos proprietários em Nova York que finalmente decidem se as declarações devem ser excluídas Mas novamente uma ampla variedade de declarações é totalmente permitida no Flash Back também o racismo é tolerado desde que não inclua ameaças dire tas a indivíduos específicos No entanto mensagens expressando ódio irracional contra raças e categorias de pessoas parecem ser geralmente aceitas Respostas a declarações e contradeclarações são obviamente recebidas Discussão para trás e para frente é o ponto principal de um fórum Fóruns dife rem em seu grau de rigor Fóruns menores geralmente nem têm moderadores os administradores cuidam de tudo geralmente um moderador cuida das deci sões cotidianas enquanto o administrador cuida das regras gerais da estrutura Os fóruns também diferem em termos de especificidade do conteúdo há um grande número de fóruns de arte fóruns de filmes fóruns de desenhos anima dos e o que você tem Existem várias regras que governam diferentes fóruns Arte desviante aceita arte que contém simpatias nazistas sem que o criador tenha que marcar os trabalhos como Conteúdo Maduro o que significa que há um limite de 18 anos de idade Por outro lado até mesmo o menor sinal de nudez deve ser marcado como Conteúdo Maduro Um fórum de arte pode aceitar nudez desde que um novo membro para participar tenha 18 anos de idade ou mais Mas o mesmo fórum de arte pode aceitar a arte que apoia obras inspiradas nazista A página de uma pessoa pode ser bloqueada se as regras fo rem violadas mas ele poderá mover a atividade para outro fórum com outras regras ou outras interpretações das regras A importância das interpretações de regras no crucial 834 httpwwwflashbackorg 606 Em ambas as fases da Internet mas em particular na fase Web 20 a ênfase foi colocada na capacidade da Internet de ser um método e um instrumento usa do pelos menos poderosos contra os poderosos Já tocamos nisso antes mas pre cisa ser reiterado Redes com críticas de aspectos da sociedade Sabau e Thomas 1997 Atchison 1997 na agenda grupos sem canais para influenciar burocracias políticas grupos estabelecidos no Facebook com milhares de pessoas apoiando causas dadas resistência em massa entre consumidores Andresen 1998 avalia ções alternativas Statewatch em numerosas análises e publicações notáveis e suas mensagens contínuas de informações importantes sobre vigilância e direitos dos cidadãos na UE e contrapotência internacional o movimento Falun Gong na China são exemplos Mas como indicado antes devemos também perceber que aqueles que estão no poder têm maneiras de desacelerar ou mesmo reduzir essas iniciativas o Falun Gong foi proibido na China em 1999 Quando o regime de Mubarak foi recebido por uma revolução no Egito em 2011 a queda do governo egípcio aboliu todo o acesso à Internet no país835 Além disso as autoridades podem uti lizar ativamente a Internet para seus próprios fins Em vários países adeptos da democracia e dos direitos humanos encontraram seus emails invadidos ou seus computadores infectados com equipamentos de espionagem que relatam os de senvolvimentos836 Muitos líderes blogueiros moderados tiveram que escapar do país por causa de ameaças pessoais na rede diz Robert Guerra líder do programa global de internet Freedom House837 Há uma guerra própria que ocorre no ciberespaço diz Wissam Tarif líder da organização de direitos humanos Insan no Oriente Médio838 Ao mesmo tempo e novamente ativistas da Internet longe das fronteiras do Egito Tunísia Líbia e Síria ajudaram ativistas da democracia nesses países a divulgar suas mensagens apesar do fato de que as redes desses países podem ter sido desativadas Através de telefones via satélite que foram contrabandeados através de ligações de rádio privadas que atravessam fronteiras e através de redes de telefonia celular que também atravessam fronteiras tal assistência foi dada A organização Telecomix839 é um exemplo de uma rede ativista que trabalha para contornar a censura na Internet Em resumo A Internet facilita a vigilância mas também pode dificultar a vigilância 835 Fonte Aftenposten 24 May 2011 836 Idem 837 Idem 838 Idem 839 httptelecomixorg Source Tomas Wennström 607 PANÓPTICO REIVINDICADO NO PRIMEIRO SENTIDO Então a estrutura unidirecional a forma panóptica saiu da Internet As chamadas mídias sociais se desenvolveram de forma tão rápida e envolvem tantas pessoas que tendemos a esquecer o perfil unidirecional Mas a forma pa nóptica não desapareceu O poder ainda está por aí O florescimento do perfil de váriasmuitas formas o perfil Polióptico não suplantou a fase unidirecional mas fundiuse com e você pode dizer que melhorou a fase unidirecional Um exemplo é da mais moderna das tecnologias que lhe dá um vislumbre do Panóp tico reivindicado no primeiro sentido A leitura de notícias sobre smartphones aumentou tremendamente na No ruega durante os últimos anos Seu uso para leitura de notícias foi por vários anos baixo apenas 35 dos usuários de dispositivos móveis os utilizavam dia riamente para esse fim No entanto nos últimos dois anos algo aconteceu o número de usuários diários na Noruega aumentou de 5 para 193840 A pre visão é que o aumento continue Tor Axel Ødegård da THS Gallup diz que os homens urbanos com uma renda sólida na faixa etária de 30 a 50 anos mostram o maior interesse Ele acha que o computador comum será mais orientado para o trabalho no futuro Um estudo adicional por Synnovate entre os líderes mostra que eles estão no topo quando se trata de ler jornais no celular Mais da metade dos 480 mil noruegueses classificados como líderes já investiram em smartpho nes Ter acesso a um smartphone é sem dúvida decisivo para quem lê jornais móveis Você pode usar o smartphone por exemplo quando você está esperando por algo Uma pontuação máxima é entre sete e oito e meia da manhã as pes soas leem notícias na cama antes de se levantarem O iPhone é uma plataforma líder841 Evidentemente a navegação móvel está aumentando porque os novos ce lulares são melhores para leitura na web Os telefones mais antigos são mais po bres para leitura na Web ou não têm capacidade para isso Os smartphones são algo que as novas gerações querem e compram Uma ampla variedade de smartphones é oferecida agora Um anúncio norueguês na rede da Nokia diz o seguinte Escolha seu smartphone a Nokia oferece uma longa linha de smartphones que atende às necessidades de todos aqui você pode escolher entre nossos melhores telefones Um anúncio britâ nico começa assim Teste de grupo qual é o melhor smartphone Os 5 princi 840 TNS Gallup Forbruker Media A fonte se encontra em Aftenposten 5 July 2011 841 Fonte Aftenposten 5 july 2011 608 pais smartphones revisados Em 12 de setembro de 2012 o Apple iPhone 5 foi lançado Uma venda de dez milhões foi prevista dentro de um mês A Apple pode vender dez milhões de telefones para iPhone apenas em setembro após o novo lançamento afirma o analista Gene Munster da Piper Jaffray Cos se gundo Blomberg Comparado com este Samsung usou 50 dias em vender dez milhões de seu carrochefe Galaxy S III842 Existe uma grande concorrência e marketing avançado O smartphone provavelmente se tornará nossa primeira escolha quando se trata de consumir tráfego na Internet independentemente do conteúdo O smartphone compete com as versões impressas dos jornais Depois de atingir um pico há alguns anos o número de jornais vendidos em papel caiu acentuadamente primeiro internacionalmente e depois nacionalmente Norue ga843 Mas as preocupações da mídia na Noruega também enviam notícias ele tronicamente e as plataformas estão mudando A previsão é de que o celular em breve se torne a plataforma mais importante Só por essa razão o perfil de consu mo de notícias analíticas talvez se torne talvez menos claro ou talvez obsoleto depois de algum tempo Sempre temos o celular no bolso e usamos pausas curtas para descobrir o que aconteceu com os amigos e o mundo Resumindo os relatórios da TNS Gallup para todo o ano de 2012 indicam que 37 da população norueguesa lê diariamente edições móveis de jornais em oposição a 3 em 2005 81 por cento leem jornais na rede em oposição a 2 por cento em 1995 e 61 por cento leem versões em papel em oposição a 95 por cento em 1995 A mudança é dramática844 Meu ponto aqui é que apesar da mudança a tendência entre os muitos de continuar lendo as notícias fabricadas e editadas por poucos continua viva De fato muitas pessoas mais leem notícias fabricadas por poucos do que anteriormente O que não se tornará obsoleto embora possivelmente subjugado pelo Fa cebook e afins é o fato de que as notícias em um sentido geral serão cobertas por relativamente poucos e serão comunicadas a muitos se a notícia é notícia mundial de países distantes ou de perto de casa Apenas muito poucas de nós pessoas comuns temos a energia e acima de tudo o conhecimento tecnológi co para empregar os canais que são necessários e para comprimir as notícias de uma forma gerenciável e compreensível e para comunicar as notícias aos muitos Somos consumidores de notícias fabricadas por outros Uma exceção pode ser notícias individuais de amigos e assim por diante no Facebook e no Twitter Isso 842 Fonte Aftenposten 12 September 2012 843 Fonte Mediebedriftenes Landsforbund The National Association of Media Concerns having 324 members of which 181 are newspaper concerns em Aftenposten 20 September 2012 844 Fonte Aftenposten 20 February 2013 609 acontecerá se as pessoas compartilharem suas experiências com amigos direta mente por exemplo através do Twitter É interessante que não apenas a existência mas também o poder de estru turas panópticas unidirecionais na Internet seja admitido e visto como preocu pante pelas gerações jovens de entusiastas da Internet que acompanham de perto os desenvolvimentos Rasmus Fleischer é um jovem historiador e comentarista público sueco conhecido principalmente por ser um portavoz da organização sueca Piratbyrån Pirate Office que é um dos atores por trás do controverso e ilegal site de compartilhamento de arquivos Pirate Bay Sob a manchete Ras mus on the cyberbum o jornal universitário norueguês Universitas845 diz que Rasmus acha que o Pirate Bay pertence ao Novo Milênio e que estamos em um momento em que os grandes atores obtêm continuamente mais controle sobre a Internet Ele continua dizendo A tendência é na direção do Google Spotify Facebook e Apple Muito poder está concentrado em suas mãos e isso tem pesadas consequências políticas O Estado que controla esses agentes tem muito poder sobre o mundo Ele acha que o Pirate Bay pertence ao passado e que agora estamos em um novo período na rede De acordo com ele agora voltamos a um tipo de consu mo cultural que é governado por um pequeno número de grandes atores que governam quais botões nós como usuários devemos pressionar O YouTube é tão fácil de usar que é muito fácil distribuir informações Mas você também perde o controle sobre o que você disponibiliza O ponto principal aqui é o seguinte mesmo com as tecnologias mais mo dernas o perfil unidirecional ainda está de pé não apenas mas pelo menos tão importante O desenvolvimento ainda é pelo menos parcialmente panóptico o que significa que relativamente poucos jornalistas agências sites e outras pessoas enviam mensagens embora em novas plataformas para muitas pessoas ou grandes massas de pessoas que não são convidadas como iguais para responder ou não responder Há um desnível distinto no poder PANÓPTICO REIVINDICADO NO SEGUNDO SENTIDO A descrição acima é o primeiro sentido em que a comunicação ainda é em parte panóptico de poucos para muitos Mas há também um segundo sentido em que a comunicação é panóptica Tendemos a esquecer que as mídias sociais não são tão sociais mas sujeitas a condições que também tornam as pessoas que participam de vítimas relativas do poder dos outros Em mais detalhes O perfil de váriasmuitas formas o perfil polióptico também é por si só investido do poder de relativamente poucos sobre muitos embora de uma ma neira menos clara Christian Fuchs atualmente professor de estudos de mídia e 845 Idem 19 September 2012 p 16 610 comunicação em Uppsala Suécia é alguém que trouxe ao nosso conhecimento um importante passo em frente em relação a isso Em um artigo Fuchs 2012 ele nos diz primeiro a título de introdução pp 31 que Facebook YouTube MySpace BlogspotBlogger Wordpress Twitter Flickr estas são apenas algumas das plataformas da World Wide Web que se tornaram populares nos últimos anos Acadêmicos a mídia e partes do público afirmam que a Internet se tornou mais social mais participativa e mais democrática Mas Fuchs é ligeiramente crítico da visão de que a Internet apenas se tornou mais social mais participativa e mais democrática Ele segue assim pp 3132 Os sites de redes sociais comerciais estão interessados em armazenar analisar e vender dados individuais e agregados sobre as preferências do usuário e o comportamento do usuário para anunciar clientes para acumular capital Google é em si um dos principais intervenientes no negócio de publicidade online O que pensamos ser apenas diversão inofensiva imagens e preferências que nos comunicamos uns com os outros digamos no Facebook no Twitter ou em outro lugar são transformados em negócios pesados Existe uma diferença entre Web 10 e 20 em primeiro lugar em que Web 20 efetivamente esconde o Web 10 comercial que certamente ainda existe e em segundo lugar que Web 20 coleta grandes quantidades de dados pessoais para funcionar Facebook e afins com centenas de milhões de usuários contêm enormes quantidades de dados pessoais interesses pessoais alternativas caprichos modismos e fraquezas no caso do Facebook de gostos e desgostos nos alimentos à política Christian Fuchs amplia o quadro com o Google como exemplo p 33 A estratégia econômica do Google é coletar dados sobre usuários que utilizam diferentes apli cativos do Google em diferentes situações cotidianas Quanto mais as situações cotidianas pu derem ser suportadas pelos aplicativos do Google mais tempo os usuários gastarão online com o Google para que mais dados do usuário fiquem disponíveis para o Google o que permite à empresa analisar melhor o uso e o comportamento do consumidor Como resultado dados de usuário cada vez mais precisos e dados agregados podem ser vendidos para clientes de publicidade que em seguida segmentam usuários com publicidade personalizada em todas essas situações do dia a dia Ênfase do autor Aqui está o poder do Google Facebook e muitos mais Com base nas enor mes quantidades de dados de diferentes situações cotidianas propagandas são analisadas e apresentadas individualmente para grupos de usuários e vendidas àqueles que podem pagar Um forte incentivo econômico segue para a análise dos dados pessoais coletados pelo Google e por outras empresas De certa forma eles reduzem os dados pessoais a pequenos pedaços reorganizamnos como segmen tados individualmente e os vendem por um preço àqueles que podem pagar por eles Diante desses resultados empíricos Fuchs diz que p 53 parece factível teorizar a Web 20 contemporânea não como um sistema participativo mas empregando termos mais negativos e críticos como classe exploração e maisvalia Tal teoria 611 alternativa da Web 20 pode aqui ser apenas sugerida em breve É baseada na abordagem da crítica da economia política da mídia e da informação Citando Felicity Brown Brown 2006846 Brown e Fuchs pedem uma combinação de economia política crítica de comunicação e estudos de vigilância Brown sustenta que em 0particular o intenso monitoramento do ciberespaço por corporações privadas que buscam informações sobre o comportamento do consumidor é digno de crítica p 54 Resumindo tanto na Web 10 quanto na Web 20 existem importantes possibilidades para uma crítica política Na Web 10 uma crítica de seu poder está próxima uma vez que é realizada pelos numerosos centros burocráticos estatais e vida empresarial anunciando tudo e qualquer coisa desde possibili dades educacionais nas burocracias estatais até automóveis e pornografia na vida empresarial exigindo respostas a alternativas altamente estruturadas Na Web 20 há uma crítica ao poder à medida que o poder se desenvolve de forma mais oculta através de inúmeras plataformas como Facebook Twitter e Goo gle que na realidade são menos sociais e certamente menos democráticas do que muitas pessoas gostam de pensar As plataformas são menos sociais e menos democráticas na medida em que somos levados a pensar e até a sentir que estamos engajados na socialização e na democratização enquanto nós sem estarmos cientes disso somos usados de forma agregada para análise e reorga nização e vendidos como categorias para o maior lance Escondendo conheci mento e mantendo em segredo como você é abusado por outros contadores de um valor básico em uma sociedade livre Pode ser útil finalmente voltar mais uma vez para a forma como esse importante fato é escondido e mantido em segredo Em um importante artigo publicado em 18 de fevereiro de 2012 o jornal norueguês Aftenposten começou com as seguintes palavras que Fuchs poderia ter aplaudido Nós o levamos para jantares reuniões na cama e no teatro Mas o smartphone nos deixa mais ausentes do que acessíveis É uma parte nova e infinitamente útil do corpo Nós nos importa mos com isso como se fosse um bebê Com o smartphone estamos sempre acessíveis sempre na rede Sem isso nós somos nada 57 por cento dos noruegueses mais de dois anos têm um smar tphone 93 por cento da população tem acesso à Internet Quase três milhões de noruegueses estão no Facebook de acordo com a TNS Gallup Como um estudante me disse uma vez Se o que você está fazendo não está documentado nas mídias sociais isso não aconteceu De fato só os poucos veem pesquisam reorganizam e cortam em pedaços os muitos com o objetivo de anunciar e vender mercadorias para muitos Mais uma vez Foucault é reivindicado embora de maneira diferente e inesperada do que antes 846 httpwwwiamcrorgcomponentoptioncomdocmantaskdocdownloadgid31 accessed by Fuchs 28 Au gust 2009 mais tarde pode ser encontrado também em Fuchs op cit 2012 pp 5354 612 Esta é uma análise pessimista assim como a análise da vigilância que se segue INSTITUIÇÕES AGRUPADAS EM TORNO DE FUNÇÕES Um ponto principal e conclusão geral é que a transição da sociedade indus trial para a sociedade da informação varia em grau entre as instituições Alguns são em certo sentido arcaicos e distantes da sociedade da informação enquanto outros estão mais próximos de modo que nossa sociedade a esse respeito é mul tifacetada Isso fornece um contexto para a compreensão dos sistemas de infor mação e vigilância de hoje Não temos dados concretos com os quais apoiar esta conclusão geral essa é uma área de especulação sociológica ilustrada por exemplos que dão origem a pesquisas futuras VÁRIAS INSTITUIÇÕES Nós nos concentramos em instituições Por instituição entendese orga nizações e normas agrupadas em torno de uma função específica ou importante ou um conjunto de funções na sociedade O conceito de função é aqui usado como sinônimo de tarefa ou cluster de tarefas A família é uma instituição as sim como religião educação cultura esportes os vários ramos da administração pública justiça criminal e outros sistemas legais sistemas de vigilância e assim por diante Todos eles têm organizações agrupadas em torno deles Por exemplo a família tem organizações como organizações de assistência social conselhos de bemestar infantil creches e o que você tem para a família A religião tem conosco a Igreja como uma organizaçãochave mas também outras organiza ções por exemplo movimentos de baixa igreja Os sistemas de vigilância têm um número de grupos de trabalho oficiais e não oficiais na Europa e em outras partes do mundo que trabalham continuamente para o desenvolvimento desses sistemas As instituições também possuem normas agrupadas em torno delas As normas se agrupam em torno das funções específicas e importantes em questão e podem ser normas diretivas isto é dar instruções sobre o que é proibido e o que é permitido ou graus disso Mas as normas também podem ser normas de qualificação elas podem nos dizer por exemplo o que conta como um escan teio ou fora no futebol ou o que conta como status é educação renda ou carros glamourosos ou talvez uma combinação destes na família847 Várias ins tituições podem se sobrepor no sentido de que organizações e normas podem ser importantes e relevantes para várias delas e tipos de normas normas diretivas 847 Essa distinção entre esses dois tipos de normas é tirada de Sundby 1974 613 ou normas de qualificação ou outros tipos de normas podem existir em paralelo ou se fundirem O conceito de instituição definido mais ou menos dessa maneira per meia toda a história moderna da sociologia e portanto não disse nada de novo aqui O que talvez seja um pouco novo é o seguinte Instituições nas nossas sociedades ocidentais hoje são em vários graus ab sorvidas e realizadas através da tecnologia da Internet Eu disse anteriormente que a Internet e as tecnologias de comunicação modernas relacionadas promo vem a indústria e não apenas a indústria Aqui estou refinando essa noção ainda mais Algumas instituições como a religião e a igreja são meu palpite é ape nas moderada ou moderadamente absorvida são apenas levemente promovidas pela Internet A instituição educacional nossas numerosas escolas primárias colégios faculdades e universidades é mais do que moderadamente absorvida mais do que moderadamente promovida pelas soluções líquidas e relacionadas à rede Um exemplo Os professores confiam no Powerpoint Não é um dispositivo vinculado à Internet Como tecnologia é independente da Internet Ainda assim está rela cionado à Internet na medida em que foi inventada e desenvolvida pelas mesmas pessoas ou por pessoas semelhantes mais ou menos na mesma época ou um pou co depois e como tal fazia parte do mesmo movimento tecnológico Também é promovido pela Internet as apresentações em PowerPoint são colocadas na rede para os alunos depois da aula ou para os alunos que não estavam na aula da últi ma vez Se você não souber usar o Powerpoint estará impedido de participar de muitas atividades como professor Outro exemplo Alguns alunos usam laptops para fazer anotações durante a aula Usar um laptop dessa maneira é apenas usálo como uma máquina de escrever muito avan çada Mas ao mesmo tempo eles enchem seus laptops com todo tipo de infor mação na rede Eles salvam suas notas em parte ou totalmente informadas da Internet e usam a rede para descobrir cursos e toda uma série de outros eventos A administração usa a Internet para enviar mensagens emails novas listas de leitura notícias para a equipe sobre os acontecimentos da semana anterior ou posterior conscientizar indivíduos ou grupos sobre datas horários e compromis sos para palestras e uma série de outros assuntos NOVA GESTÃO PÚBLICA Claro que ainda conversamos e escrevemos nas universidades Mas a escrita mudou muito no sentido da eficiência orientada para objetivos quatro anos levam 614 você a um curso de graduação Mais dois anos levam a um mestrado se você tiver pontos de exame suficientes para entrar na linha de estudo Mais quatro anos podem levar você a um doutorado Seu departamento recebe algum dinheiro para um bacharel um pouco mais para um mestrado e um pouco para um doutorado Como membro da equipe você tem que relatar seus escritos um livro dá um pou co de dinheiro para o seu departamento um artigo em um periódico de referência dá ao seu departamento algum dinheiro um artigo fora do sistema de arbitragem não dá nada ao seu departamento Este é um sistema que favorece muito os pontos de vista do meio da estrada uma visão desviante que pertença à fora do siste ma de arbitragem não é reconhecido como pertencente Também pode haver uma gradação de dinheiro para o escritor Na Noruega os periódicos acadêmicos são divididos em duas seções Nível 1 e Nível 2 O Nível 2 é o nível mais alto e dá ao pesquisador três vezes mais pontos de publicação que o Nível 1 O Nível 1 fornece apenas um ponto de publicação por artigo Nível 2 pode de acordo com as regras não constituem mais de 20 por cento das publicações em uma área Um pesquisa dor que publica seu artigo em uma revista de nível 2 é sortudo Isso dá à sua ins tituição mais prestígio e mais dinheiro do que um artigo em uma revista de Nível 1 teria dado Várias instituições introduziram salários pessoais com base no fato de os pesquisadores terem alcançado a publicação no Nível 2 ou 1 com prêmios para aqueles que recebem o maior número de pontos de publicação848 Lembrese muito ou a maior parte disso é novamente não relacionado especificamente à Internet Mas novamente pertence ao novo movimento tec nológico moderno dos tempos É inspirado e talvez também inspira o desen volvimento da Internet A palavrachave para cobrir esses e outros objetivos de eficiência é o New Public Management NPM Os incentivos mudaram basicamente para a men suração em termos de dinheiro ganhos em produção e tempo os estudantes têm que seguir o plano mestre cronometrado ou então A grande questão é se isso é essencialmente baseado no suporte da Internet de qualquer forma sem a Internet não poderia ter sido realizada ajuda a aprendizagem intelectual e pro dução Eu acho que não Favorece não originalidade mas mediocridade o meio da estrada A noção de que a Internet e as tecnologias relacionadas promovem não apenas a indústria mas também as atividades e organizações educacionais é portanto de dois gumes tem seu lado positivo mas definitivamente também seu lado negativo Há um desenvolvimento similar nos vários ramos da administração públi ca em geral A partir de 1980 a ideia da Nova Gestão Pública invadiu a admi 848 Fontes experiência própria e Aftenposten 24 September 2011 615 nistração pública É em geral um conceito usado para cobrir toda uma série de reformas administrativas na administração pública Eles são todos voltados para aumentar a eficiência do objetivo É por isso que eu trago isso para um livro sobre sistemas de vigilância Embora não diretamente relacionado à vigilância moder na representa um dos traços culturais mais centrais da administração atual que em princípio adere e apoia fortemente a eficiência mas produz mediocridade Também sustenta e apoia a vigilância Juntos eles são parte de um amplo fluxo cultural ou entendimento coletivo favorecendo ou dizendo sim para o desen volvimento em vez de questionálo Acreditase que uma medida maior do pensamento de mercado seja ins trumental para criar mais eficiência de custo na oferta de bens públicos no setor público Uma forte crítica no entanto conheceu a nova administração pública na administração tanto profissional quanto ideologicamente Há também críti cas sobre nossas universidades Ao contrário do setor privado os objetivos não são claros e contáveis como você mede criar aprendizado ou cuidar De fato sustentase que no setor público a eficiência não deve necessariamente ser um objetivo geral e superior Não se encaixa bem Os advogados por exemplo sustentam que a lucratividade do negócio não pode ser usada como um critério quando o tratamento ou procedimento é voltado para a criação de segurança legal ou igualdade Nas universidades e em outros lugares ainda não alcançamos a instanta neidade de Davidow e Malone e esperamos que nunca cheguemos na íntegra ou em uma escala completa mas as instituições alcançaram em graus variados a sociedade da informação Alguns estão longe disso outros foram muito além Em geral a administração pública está se desenvolvendo em direção a uma efici ência orientada para objetivos semelhante ao setor privado mas atinge a medio cridade Esse é o conteúdo principal no que diz respeito à administração pública da sociedade da informação Vejo o contraargumento não poderia o impulso para a Nova Gestão Pública e a eficiência terem ocorrido por outras razões sem a Internet e sem tecnologias de comunicação especificamente não relacionadas à Internet Talvez pudesse e outras características como uma mudança independente na cultura das instituições provavelmente foram importantes Mas dois pontos tornam pro vável que a Internet e as tecnologias relacionadas à Internet sejam importantes Em primeiro lugar a nova tecnologia por um lado e o novo impulso para a efici ência por outro ocorreram mais ou menos ao mesmo tempo Em segundo lugar a tecnologia abre novos caminhos para a eficiência em um novo sentido acima de tudo no sentido de velocidade e precisão presumida As decisões tomadas são 616 comunicadas pela rede que circula pelo globo em segundos Anteriormente le vava dias ou semanas O tipo ideal burocrático do tipo Max Weber era certamente voltado para a eficiência pelo menos na mente de Weber849 e aspectos dele permanecem na prática atual hoje mas a burocracia clássica é algo que agora acreditamos ser lento e cheio de regras níveis hierárquicos e outros sinais de parada tornam a eficiência problemática Se as decisões hoje tão facilmente difundidas com a velocidade da luz também eliminam a reflexão acadêmica o amadurecimento e a maturidade é outra questão Reitero que acho que o último acontece com frequ ência e a Nova Administração Pública coloca em risco a reflexão e a maturidade além de a vida organizacional ser cortada em pedaços em vez de permanecer inteira CONCLUSÃO PRINCIPAL VARIADOS GRAUS DE SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Considero o exposto acima as variações entre instituições uma declaração com nuances sobre nossa sociedade É uma conclusão importante sobre a nossa sociedade e a transição da industrial para a sociedade da informação Algumas instituições estão muito longe disso outras estão mais próximas Da mesma for ma rejeito as muitas generalizações fáceis sobre a sociedade da informação que estão tão na moda na sociologia moderna Um panorama completo de projetos de pesquisa hipóteses e áreas proble máticas seguem na sequência desta conclusão Mas e a nossa principal preocupação no que se segue a instituição de sis temas de vigilância Eu arrisco uma segunda conclusão Em contraste com muitas outras instituições da sociedade que em vários graus atingiram o nível de uma sociedade da informação nossos sistemas de vigilância entraram completamente no estágio da informação e estão se moven do rapidamente para novos refinamentos da mesma Outros sistemas como a ciênciaas ciências naturais também estão longe na direção de uma sociedade da informação mas na vigilância quase tudo é agora baseado na rede As descober tas podem ser usadas de diferentes maneiras por pessoas de carne e osso mas as descobertas no que diz respeito aos sistemas de vigilância existem total ou quase totalmente em formato digital 849 Gerth Hans H and C Wright Mills primeira publicação em 1948 From Max Weber Essays in Sociology Oxford University Press Chapter VII 617 Eles não voltaram digamos nas décadas de 1940 ou 1950 Naquela época e até a década de 1970 as descobertas existiam em arquivos relatórios e anota ções Um exemplo Na Noruega um importante relatório de uma comissão designada pelo Par lamento sobre métodos de vigilância ilegal o chamado Relatório Lund chefiado pelo então juiz do Supremo Tribunal Ketil Lund foi tornado público em 1995 96850 Aqueles que haviam sido objetos de vigilância ilegal durante a Guerra Fria poderiam exigir ver o que estava em seus arquivos O Estado foi obrigado a pa gar indenização por ilegalidade se exigido Eu não recebi indenização e não exigi nenhuma mas meu próprio arquivo continha uma série de recortes de artigos de jornais que eu havia escrito e vários memorandos breves escritos por pessoas que me seguiram sem meu conhecimento sobre meu contato com prisioneiros na Associação Norueguesa de Reforma Penal KROM e minha comunicação com pesquisadores poloneses em ciências sociais por trás da Cortina de Ferro Hoje meu arquivo conteria em grande parte sinais eletromagnéticos QUADRO DE INTERPRETAÇÃO A TECNOLOGIA DO CONTROLE POLÍTICO A questão dos sistemas de informação e vigilância pode ser discutida mais concretamente dentro de vários quadros de interpretação Um quadro é o de senvolvimento da União Europeia como Estado O slogan aqui é Policing the New EuropePoliciamento da Nova Europa Quando as actividades policiais e a polícia transgridem as fronteiras nacionais dentro da UE é pelo menos para um norueguês um sinal do início de uma formação estatal da UE Outra estrutura é o desenvolvimento do mercado interno baseado nos prin cípios da livre circulação de pessoas bens serviços e capital Estes princípios impli cam que o trabalho pode atravessar as fronteiras nacionais e que os bens e serviços podem ser vendidos em todos os EstadosMembros Isso por sua vez pressupõe que os controles comuns de fronteira entre os países são abolidos enquanto um controle de fronteira comum é erguido ao longo da fronteira com países terceiros externos A cooperação Schengen em particular mas também outras partes da coo peração policial tem a abolição das fronteiras internas ao lado do desenvolvimento do controle das fronteiras externas como uma dimensão importante 850 Documento No 15 199596 com o longo título Rapport til Stortinget fra kommisjonen som ble nedsatt av Stor tinget for å granske påstander om ulovlig overvåking av norsk borgere Lundrapporten avgitt til Stortingets prresidentskap 28 mars 1996 Relatório ao Parlamento da Comissão Nomeado pelo Parlamento para Investigar a Alegada Vigilância Ilegal de Cidadãos Noruegueses o Relatório Lund apresentado à Presidência do Parlamen to 28 Março 1996 618 A abolição das fronteiras internas juntamente com a construção da fron teira externa comum pode ser vista como mais um sinal de construção do Es tado Nos capítulos seguintes vou tocar direta ou indiretamente em ambas as formas de interpretar o que se passa em termos de informação e vigilância Existe no entanto um terceiro quadro que é de importância primordial na Europa e talvez além Isso gira em torno do conflito na Irlanda do Norte no final da década de 1970 Este conflito foi fundamental para impulsionar a Internet e outras in venções muito modernas para fins de vigilância Outros conflitos por exemplo a Guerra do Vietnã nos anos 1970 foram importantes para o desenvolvimento europeu e certamente para o desenvolvimento em outras partes do mundo no tadamente nos EUA Aqui nos concentramos no conflito na Irlanda do Norte importante como era para a Europa Há quase 40 anos a Sociedade Britânica para a Responsabilidade Social na Ciência BSSRS alertou contra uma tecnologia que estava sendo desenvolvi da no conflito na Irlanda do Norte Em 1977 membros da BSSRS publicaram um livro sobre o desenvolvimento intitulado A Tecnologia do Controle Político Ackroyd et al 1977 O papel e as funções da tecnologia como resultado da pesquisa e desenvolvimento durante o conflito na Irlanda do Norte a última guerra colonial da GrãBretanha foram analisados Críticos de organizações não governamentais nos EUA ao mesmo tempo apontaram como essa tecnologia foi desenvolvida ainda mais dentro do complexo industrial militar nos EUA certamente durante a Guerra do Vietnã A BSSRS foi o primeiro grupo de cientistas e pessoal tecnologicamente orientado na Europa que de uma forma franca disse que estávamos aqui con frontados com um tipo de tecnologia que tinha como principal alvo o controle social e político Em Ackroyd et al a expressão a tecnologia do controle político foi lançada significando um novo tipo de armamento É o produto da aplica ção da ciência e da tecnologia ao problema de neutralizar os inimigos internos do Estado É dirigido principalmente às populações civis e não é pretendido matar e somente raramente É destinado tanto aos corações e mentes como aos cor pos p 11 Os autores continuaram dizendo Esse novo armamento vai desde formas de monitorar a dissensão interna até dispositivos para controlar as demonstrações de novas técnicas de interrogatório a métodos de controle de pri sioneiros Os efeitos pretendidos e reais dessas novas ajudas tecnológicas são mais amplos e complexos que os armamentos mais letais que eles complementam Com o passar do tempo o que Ackroyd et al e outros anteciparam e previ ram durante a década de 1970 se tornou realidade Um relatório 20 anos depois de janeiro de 1998 de Steve Wright da Omega Foundation em Manchester disse o seguinte sobre Developments in Surveillance TechnologyDesenvolvi mentos em Tecnologia de Vigilância um dos muitos novos tipos de armamento 619 Wright 1998 p 2 relatório referido como documento de trabalho ao Parla mento Europeu Esta seção aborda a proliferação rápida e praticamente não controlada de dispositivos de vigi lância entre os setores público e privado Ele discute inovações recentes que permitem escuta monitoramento por telefone vigilância visual durante a noite ou o dia em grandes distâncias e o surgimento de novas formas de redes de interceptação de comunicações locais nacionais e internacionais e a criação de dispositivos de reconhecimento e rastreamento humanos Recomendase que a UE sujeite todas as tecnologias operações e práticas de vigilância a i procedimentos que assegurem a responsabilidade democrática ii códigos de boas práticas consistentes com a legislação de proteção de dados para evitar práticas abusivas ou abusivas iii critérios acordados sobre o que constituem alvos legítimos de vigilância e o que não é e como esses dados de vigilância são armazenados processados e compartilhados Esses controles devem ser direcionados de forma mais eficaz às práticas ilícitas ou violações ilegais por empresas privadas e a regulamentação deve ser reforçada para incluir salvaguardas adi cionais contra abusos além de um endereço financeiro apropriado O relatório discute uma enorme rede de interceptação de telecomunicações que opera na Europa e tem como alvo as mensagens telefônicas de fax e de email de cidadãos políticos sindicalistas e empresas Este mecanismo de vigilância global que é parcialmente controlado por agências de inteligência estrangeiras de fora da Europa nunca foi sujeito a uma discussão parlamentar adequada sobre o seu papel e função ou a necessidade de colocar limites ao âmbito e à extensão das suas atividades Ainda mais recentemente cerca de 12 anos após a Wright Statewatch que monitora o Estado e as liberdades civis na Europa e que há 20 anos publicou e chamou a atenção de um grande público da Internet dados maciços sobre as atividades de vigilância na Europa e em outros lugares851 comentou por exem plo sobre o banco de dados nacional de DNA do Reino Unido nas seguintes palavras Statewatch Bulletin 2010 p 1 O banco de dados nacional de DNA do Reino Unido é o maior do mundo contendo as amos tras biométricas de aproximadamente 51 milhões de pessoas Ele deve seu tamanho recorde ao fato de que desde abril de 2004 qualquer pessoa com dez anos ou mais que tenha sido presa na Inglaterra e no País de Gales por um delito gravável que inclui ofensas domésticas como mendigar e ficar bêbado em um espaço público automaticamente tem uma amostra de DNA tirada geralmente por um cotonete que é então usado para criar um perfil uma sequência de números baseada em partes da sequência genética do indivíduo para ser inserido no banco de dados Ambos são retidos indefinidamente independentemente da idade de uma pessoa da gravidade da ofensa pela qual foram presos e de serem ou não eventualmente acusados e conde nados por um crime Nenhum direito legal a ser removido existe atualmente Esta foi a situação a partir de 2010 O exemplo vai para o coração dos sistemas e atividades de vigilância na Europa Prevemos uma sequência acelerada de eventos de Ackroyd et al nos anos 1970 passando por Wright no final dos anos 90 até a Statewatch em nossos dias Com isso como pano de fundo poderíamos agora começar a investigar o grande número de sistemas de informação e vigilância que estão se desenvol 851 Statewatch comemorou seu 20º aniversário em 2011 620 vendo no continente europeu Mas devemos primeiro dizer algo sobre terror e terrorismo e perigos relacionados que os sistemas de vigilância devem parar REFERÊNCIAS Ackroyd Carol et al 1977 The technology of political control Harmondsworth New York Penguin 1977 Andresen Trond 1998 Forbrukermakt via Internett Consumers Power via the Internet Dagbladet Norwegian daily 4 October 1998 Atchinson Chris 1997 Critical Criminological Applications of Computer Technology Critical Crimi nology Bell Daniel 19731976 The Coming of PostIndustrial Society A Venture in Social Forecasting Basic Books 1973 2 edn with a new preface 1976 Bill No 56 199899 Norway Borch Anita 1998 Reklame rettet mot barn på internett en forstudie Advertising oriented to Children on the Internet A Preliminary Study Statens institutt for forbruksforskning arbeidsrapport nr 2 Brown Felicity 2006 Rethinking the Role of Surveillance Studies in the Critical Political Economy of Communication IAMCR Prize in Memory of Dallas W Smythe Document No 15 from Parliament 199596 The LundReport Foucault Michel Eng edn 1979 Discipline and Punish The Birth of the Prison New York Vintage Fuchs Christian 2012 Critique of the Political Economy of Web 20 Surveillance in Christian Fuchs et al eds Internet and Surveillance The Challenges of Web 20 and Social Media Routledge pp 3170 Gerth Hans H and C Wright Mills first published in English in1948 From Max Weber Essays in Sociology Oxford University Press Gjerding Sebastian 2012 Nye industrirevolusjon A New Industrial Revolution Klassekampen 13 November Hydén Håkan 1997 Hva är rättsociologi Om rättssociologins forskningsuppgifter nu och i fremtiden What is Sociology of Law On the Tasks of Research in Sociology of Law now and in the future In Håkan Hydén ed Rättssociologi då och nu Sociology Then and Now Lund Studies in Sociology of Law Mathiesen Thomas 1999a Industrisamfunn eller informasjonssamfunn Innspill til belysning av den høy moderne tid Industrial Society or Information Society Ideas to the Illumination of Late Modernity Osl0 Pax Publishers Mathiesen Thomas 3rd edn 2002 5th edn 2010 Makt og medier En innføring i mediesosiologi Power and the Media An Introduction to Media Sociology Oslo Pax Publishers Price Simon and Peter Thonemann 2011 The Birth of Classical Europe A History from Troy to Augus tine Penguin first published by Allen Lane 2010 Rapport til Stortinget fra kommisjonen som ble nedsatt av Stortinget for å granske påstander om ulovlig overvåking av norske borgere Lundrapporten avgitt til Stortingets presidentskap 28 mars 1996 Rela tório ao Parlamento da Comissão Nomeado pelo Parlamento para Investigar a Alegada Vigilância Ilegal de Cidadãos Noruegueses o Relatório Lund apresentado à Presidência do Parlamento 28 March 1996 Sabau Isabelle and Jim Thomas 1997 Theory and Praxis on the Internet A Critical Exploration of the Electronic Frontier Critical Criminology 2010 Statewatch Bulletin Vol 19 No 4 2011 Statewatch Bulletin Vol 21 No 3 Sundby Nils Kristian 1974 Om normer On Norms Oslo Norwegian Universities Press Touraine Alain 1969 La Société postindustrielle Paris Denoel Villasenor John 14 December 2011 Recording Everything Digital Storage as an Enabler of Authoritarian Governments httpwwwbrookingseduresearchpapers20111214digitalstoragevillasenor William Davidow e Michael Malone 1992 The Virtual Corporation New York HarperBusiness Wright Steve 1998 An Appraisal of Technologies of Political Control Luxemburg European Parliament Directorate General for Research PE 166499 621 BIOPOLÍTICA DA CONDIÇÃO URBANA FORMA DE VIDA E GOVERNO SOCIAL NO TARDO NEOLIBERALISMO Ugo Rossi852 INTRODUÇÃO O conceito de biopolítica segundo o qual o poder político se exercita por meio de uma intervenção direta do direito por parte do Estado e de outras enti dades de governo na vida das pessoas853 passou a fazer parte de modo permanente e se tornou parte do léxico da Geografia crítica contemporânea e outras ciências sociais e humanas Crampton e Elden 2007 Por outro lado antecipando suces sivos desenvolvimentos posteriores nos estudos de língua inglesa já nas décadas de 1970 e 1980 geógrafos críticos de língua italiana e francesa consideraram a teoria de Foucault do poder e do conhecimento em relação ao espaço geográfico Dematteis 1980 Raffestin 1981 acolhendo as sugestões que o próprio Fou cault mesmo tinha fornecido em uma famosa entrevista lançada pela redação da revista geográfica então de orientação marxista Hérodote traduzida para o italiano no volume Microfísica do poder Foucault 1977854 Nos últimos anos graças ao impulso fornecido pela chamada Italian The ory Minca 2016 e especialmente o trabalho de Giorgio Agamben Michael Hardt Antonio Negri Maurizio Lazzarato e Paolo Virno embora nos estudos urbanos começaram dando início à análise em uma chave de leitura biopolítica dos mecanismos de acumulação no contexto do governo e subjetivação capita lista na agora consolidada vasta literatura sobre o neoliberalismo urbano Essas análises são principalmente polarizadas em torno a duas posições uma é aquela 852 Ugo Rossi é Professor Associado de Geografia Econômica e Política da Universidade de Turim Itália Seu último livro Cities in Global CapitalismCidades no capitalismo global foi publicado em 2017 De um modo geral o trabalho de Ugo está preocupado com uma crítica da economia política em sua forma urbanaEm sua pesquisa ele analisa tanto a economia quanto a política do urbanismo Ele também é editor da Dialogues in Human Geografia e membro da Euronomade um coletivo de pesquisadores e ativistas envolvidos em campanhas antiracistas feministas e de justiça social 853 Foucault elaborou o conceito de biopolítica na fase conclusiva do próprio percurso intelectual Sua primeira abordagem sobre a biopolítica se concentrou sobre aspectos biológicos e médicos do governo das populações na época da consolidação do Estado moderno Foucault 1985 1998 Sucessivamente no âmbito da reflexão sobre governamentalidade ele analisou a biopolítica como modalidade de regulação da condição de cidadania na sociedade do liberalismo avançado Foucault 2005 854 NT FOUCAULT Michel Microfísica do poder Organização e revisão de Roberto Machado Rio de Janeiro Paz e Terra 2017 622 daqueles que colocam em evidência as formas que podemos chamar negativa de controle e assujeitamento social decorrentes dos processos de endividamento e privação de direitos inerentes à dinâmica do neoliberalismo contemporâneo e de sua crise Agamben 2013 Lazzarato 2013 Tal perspectiva tem recebido aplicação direta em estudos urbanos influenciados pela critical political economy economia política crítica que têm investigado a condição de endividamento no setor habitacional Di Feliciantonio 2016 GarcíaLamarca e Kaika 2016 Rossi 2013 encontrando também eco na tese neolefebvriana de urbaniza ção planetária inspirada na Revolução urbana de Henri Lefebvre que subli nha a extensão das formas predatórias de urbanização capitalista à escala global Brenner 2014 Merrifield 2013 Uma segunda posição é aquela daqueles que colocam em destaque propostas afirmativas geradoras de novas subjetividades capitalismo pósfordista decorrentes da subsunção das afeições línguas e do cha mado trabalho biopolítico que é produzido nas metrópoles globais Hardt e Negri 2010 Essa segunda perspectiva encontra suas primeiras comprovações nos estudos urbanos sobre os processos de empreendedorismo empresarial da sociedade e de si que investiram nas metrópoles do Norte como o sul do plane ta num contexto de capitalismo cognitivo cultural e comunicativo Rossi e Di Bella 2017 Scott 2014 A leitura biopolítica do capitalismo contemporâneo se divide assim para dizer em síntese entre aqueles que olham para a política sobre vida e aqueles que nos convidam a dirigir o olhar para a política da vida Campbell 2008 O ob jetivo desse texto é superar tal dicotomia ressaltando o entrelaçamento das duas dimensões demarcadas na condição biopolítica urbana contemporânea como um efeito da ambivalência mais amplo que caracteriza as sociedades pósfor dista e neoliberais Virno 1990 2010 Rossi e Enright 2016 Tal ambivalência é um reflexo de um nível mais superficial como veremos no próximo parágrafo das contradições internas as contradições reais que marcou a política econômica neoliberal no Ocidente tanto na etapa anterior como aquela posterior a crise financeira de 2008 Em um nível mais profundo essa é reveladora da natureza bifronte do capitalismo contemporâneo onde os processos de exploração ativa da sociedade podem ser considerados como duas faces da mesma moeda As tra jetórias de desenvolvimento urbano dos últimos três ou quatro décadas como é descrito nas partes sucessivas do artigo855 são exemplificativas da natureza ambi valente do capitalismo contemporâneo e seus efeitos sobre a sociedade 855 As partes descritivas desse artigo as seções 3 45 retomam o conteúdo exposto no livro Cities in Global Capi talism Rossi 2017a particularmente no quinto capítulo intitulado variations 623 ANTINOMIAS DA ECONOMIA NEOLIBERAL Em razão da estreita ligação que se estabelece entre o fenômeno urbano e o capitalismo neoliberal a crise financeira de 2008 é considerada um divisor de águas fundamental a questão habitacional nos assuntos da cidade contemporâ nea Isso vale essencialmente por duas razões uma de ordem material e outra de caráter imaterial para o papel cada vez mais forte exercido pelo mercado imo biliário como volante da economia pósfordista para a maior contribuição que cidades oferecem a construção e reinvenção contínua do imaginário capitalista na era da globalização Desde o início dos anos noventa até 2006 a economia global passou por um período de relativa prosperidade e expansão perturbada apenas pelo alívio da crise econômicofinanceira de relevo macrorregional em várias partes do mundo Em um plano macroeconômico nos países capitalistas chamados avançados tal fase foi caracterizada por um lado pela consolidação fiscal que se tornou necessário para lidar com a crise da dívida e a espiral inflacionária da década de 1980 e por outro lado pela crescente dívida privada resultante da desregulamen tação dos mercados financeiros e a consequente financeirização da economia Em seguida a explosão da bolha imobiliária e financeira de 200708 se entra pela primeira vez no que tem sido chamado grande recessão entre o final de 2000 e o início da década subsequente e em seguida uma fase de incerteza dos mercados e crescimento anêmico que dura até hoje Esta última fase é caracterizada pela coexistência em plano macroeconômico pela coexistência de políticas de austeri dade fiscal redução da despesa pública e medidas de expansão monetária polí tica de taxas de juro baixas perseguido pelo Federal Reserve os Estados Unidos e o chamado quantitative easing flexibilzação quantitativa856 do Banco Central Europeu Streeck 2016 Como você pode ver no plano macroeconômico seja a fase precedente seja aquela sucessiva a crise de 2008 apresentam evidentes con tradições internas contrição da dívida pública face a um crescimento sustentado em dívida privada no pré2008 austeridade fiscal acompanhada de medidas de expansão monetária na fase pós2008 Tais contradições se refletem na esfera política caracterizada por uma crise recorrente da elite que recentemente culmi nou com a ascensão do populismo de orientação nacionalista que cada vez mais ameaça a realista da separação iminente na União Europeia Neste trabalho analisa o quadro político e macroeconómico que se deli neou acima e suas características essenciais do ponto de vista da biopolítica da 856 NT Quantitative easing conhecido também como flexibilização quantitativa ou política de harmonização finan ceira quantitativa é a criação de quantidades significantes de dinheiro novo electronicamente por um banco mas autorizado pelo Banco Central mediante o cumprimento das normas de percentuais préestabelecidos 624 condição urbana da sua ambivalência e suas contradições Para tanto conside rase a sucessão e sobreposição parcial de três figuras da cidade contemporânea no curso dos últimos trinta anos marcado pela ascensão do neoliberalismo na década de 1980 e 1990 e a atual situação de pósrecessão e reconstrução sistê mica do capitalismo global A primeira figura aquela da cidade socializada reflete o processo de subsunção da sociedade no capitalismo pósfordista com a formação a nível urbano das economias criativas fundadas sobre a exploração da linguagem e das habilidades relacionais e a ascensão do cidadão investidor mediante o dispositivo de financeirização mas também com a intensificação das medidas de limpeza social O advento da crise financeira de 2008 impôs uma descontinuidade no processo de socialização pósfordista marcando um revés sobre o empreendedorismo urbano de primeira geração associado com a fase ascendente do neoliberalismo e abrindo a porta à cidade despossessa centrada sobre o agravamento da crise imobiliária e sobre o advento de um regime de aus teridade urbana de governança O expropriamento ou espoliação não só tem o efeito de privar a po pulação já reduzidas pelos precedentes ciclos de neoliberalização da economia de direitos adquiridos mas é de se considerar na perspectiva aqui adotada como uma política sobre a vida que prepara o terreno para a firmação de uma nova política da vida Essa última tem seu percurso a partir da crise do cidadão in vestidor pre2008 induzido pelo colapso e pela subsequente incerteza nos mer cados financeiros criando as condições para a afirmação de um novo regime de governamentalidade êxito de um reembeddedness reincorporação um novo en raizamento social em termos polanyianos857 centrado na figura do cidadão em preendedor de si mesmo Rossi 2017 Bröckling 2015 Szeman 2015 Neste sentido a empreenderização da sociedade e da vida como tal tornase a figura da condição urbana contemporânea substituindo a governança empreendedora da fase anterior como característica dominante das sociedades neoliberais A CIDADE SOCIALIZADA No mundo ocidental os anos setenta e oitenta do século XX foram ca racterizados por fenômenos concomitantes de desindustrialização aumento da criminalidade multiplicação das alienações imobiliárias nas grandes cidades dis persão da força de trabalho assim como o crescimento do setor dos serviços para as pessoas e a informatização da produção capitalista A saturação do circuito primário indústria manufatureira e comércio de acumulação e circulação de 857 NT Termo que se refere ao Karl Polanyi filósofo social historiador da economia antropólogo econômico soció logo e economista político húngaro do século XX 625 capital que abriu caminho ao processo de financeirização e a crescente importân cia daquilo que David Harvey e Henri Lefebvre tinham assumido e chamado o circuito secundário de capital ambiente construído infraestrutura e mercado imobiliário Lefebvre 1973 Harvey 1978 A financeirização em particular tem dado vida a um processo de socialização sem precedentes dos instrumentos financeiros que conduziram à figura do cidadão investidor Langley 2009 Já na década de 1970 o guru da gestão empresarial o americano Peter Drucker tinha relatado a revolução invisível do que ele chamou do socialismo de fun dos de pensão com a aquisição em massa dos fundos de pensão e dos fundos comuns de investimento sustentava Drucker os trabalhadores e os de classe média estadounidense tinham chegado de fato a deter a propriedade dos meios de produção do capital Drucker 1976 Ao mesmo tempo o advento da socie dade da informação tem conferido nova centralidade para as cidades por causa do capital comunicativo cognitivo e relacional que esse dispõe Rossi 2017 Scott 2008 A repentina ascensão da política de real estate developers promotores imo biliários sucessivamente convertidos em diferentes formas para a indústria da comunicação como Silvio Berlusconi em 1994 e Donald Trump em 2016 ofe rece a melhor exemplificação da centralidade urbana materiais e imateriais na economia pósfordista Tal processo de socialização não foi indolor Para tornar as cidades mais acolhedoras e liberais das pesadas heranças da fase de desindustrialização quan do as cidades capitalistas experimentaram um difuso declínio demográfico e es trutural as elites políticoeconômicas locais se comprometeram no campo de projetos de regeneração urbana destinados por um lado a remover a ameaça do crime recorrendo a técnicas agressivas de controle policialesco858 por outro lado para capitalizar o potencial de consumo e entretenimento fornecido pelas cidades em uma variedade de espaços urbanos como passeios públicos centros histó ricos exáreas industriais e bairros boêmios com a mobilização das estratégias discursivas sobre as virtudes da criatividade da simpatia da hospitalidade com a finalidade de atrair investimentos e consumidores Na Idade neoliberal o objetivo da cidade criativa é então perseguido me diante um processo de governo fundado sobre a habitação flexível e por conse guinte oportunista de políticas de inclusão e exclusão ONGs 2013 A ideia de cidade criativa toma forma na década de 1980 e 1990 no âmbito dos experi mentos de regeneração física dos ambientes urbanos em campos e em situações 858 Por exemplo aquele adotado no âmbito da campanha de tolerância zero do prefeito Giuliani de Nova York nos anos Noventa depois sucedido pelo prefeito Bloomberg no decênio seguinte Tais técnicas são herdeiras de uma longa iniciativa de guerra criminal empreendida no fim dos anos Setenta do Novecentos dos governos estadu nidenses federais e locais que tem como alvo os moradores de minorias afroamericana residentes nas grandes cidades Hinton 2016 626 de desindustrialização manufatureira e a real crise urbana Landry e Bianchini 1995 Ao longo do decorrer dos anos a cidade criativa tornase uma pedra angu lar do novo empreendedorismo urbano teorizado por David Harvey no final dos anos oitenta fundado sobre a promoção de megaprojetos e megaeventos urbanos manifestações esportivas culturais feiras de comércio internacional capaz de atrair e ativar grandes investimentos públicos e privados e impulsionar o mercado imobiliário No início de 2000 a narração cativante fornecida por Richard Flori da da ascensão da classe criativa fornece à elite urbana um poderoso dispositivo simbólicocomunicativo ao serviço da cidade empreendedora De acordo com esta visão a classe criativa se encontra à vontade em ambientes urbanos cultu ralmente atrativos tolerantes com as minorias favorável à expressão de talento e novas tecnologias de informação para as políticas públicas neste contexto espe ra nada mais que a tarefa de favorecer a afirmação de tais condições permitindo a adesão de mais e mais pessoas ao creative compact o pacto social sobre a criati vidade que se candidata a se tornar o princípio organizador da sociedade capi talista contemporânea após a dissolução do Keynesian compact Florida 2012 Para efetivar tal concepção de desenvolvimento urbano os governos locais têm recorrido a instrumentos de governança que visam motivar e encorajar os atores privados propiciando inspiração de ideias narrativas e estatísticas fornecidas por peritos experts externos que se tornam cada vez mais influentes como agências de consultoria e gestão fundações think tank Peck 2010 O governo da cida de agora se tornou uma verdadeira e própria obra de arte alimentando uma pro dução de conhecimento especializado que envolve uma multiplicidade de atores como fora preconizado por Michel Foucault já em um seu célebre diagnóstico sobre a governamentalidade neoliberal Foucault 2005 Longe de constituir um repertório estável de instituições organizações e relações contratuais a governança urbana é utilizada portanto tal como base operativa dúctil e flexível com vistas a transformar os residentes urbanos em cidadãos em grau de prover para si o próprio seu bemestar e de agir responsa velmente e criativamente na esfera pública Em tal sentido podemos considerar a ideia de cidade criativa como um projeto hegemônico e uma ativa construção social Peck 2011 As políticas para a cidade criativa podem ser entendidas do ponto de vista da estratégia do governo como um processo de anexação e de ordenamento social Law 1994 um macro ator a classe criativa teorizada por Richard Florida criada do nada colocando em relação alguns atores com os outros mesmo quando tais atores não têm relações entre eles ou apresentam interesses divergentes Ponzini e Rossi 2010 A partir da crise de 2008 e nos anos sucessivos o modelo de cidade so cializada encarnado pela cidade criativa alimentado por um empreendedorismo urbano dedicado a uma política local da globalização muitas vezes conduzida 627 sem escrúpulos feita de alianças e cortejamento com investidores privados Co chrane et al 1996 mostrou sinais de enfraquecimento A crise do mega even to é a manifestação mais vistosa de tal passagem Atenas que em 2004 organizou os Jogos Olímpicos de verão e que poucos anos depois é atingida por uma tem pestade financeira sem precedentes enquanto o Brasil que em apenas dois anos organiza os dois maiores eventos esportivos existentes Copa do mundo de 2014 e as Olimpíadas em 2016 mas que nesses mesmos anos é atingido por uma crise econômica que desestabiliza o país no plano político pondo fim a um longo ciclo de governo progressista Na Itália recentemente suscitou forte polêmica a deci são da recémeleita prefeita de Roma de retirar a candidatura da cidade para as Olimpíadas de 2024 Na esteira de Deleuze 2000 e HardtNegri 1995 a crise do megaevento pode ser interpretada como a superação da sociedade disciplinar e a passagem para uma sociedade de controle onde a concentração de poderes característica dos processos de regeneração urbana de empreendedorismo de pri meira geração as coalizões de atores públicoprivados de atores que estão con duzindo os processos de transformação dos espaços das cidades dá lugar a uma dinâmica de difusão no exercício do poder social que podemos definir de forma exemplificativa de um empreendedorismo urbano de segunda geração Isso que se denomina cidade despossessa que desempenha um papel crucial na transição para uma nova fase de ressubjetivação capitalista que se encontra nos ambientes urbanos um terreno crucial para se desenvolver A CIDADE DESPOSSADA No seu livro dedicado a análise do novo imperialismo David Harvey 2003 ofereceu uma releitura do conceito de acumulação primitiva origina riamente proposta por Karl Marx utilizandoo para interpretar as dinâmicas do capitalismo neoliberal de hoje Tal conceito era associado no marxismo histórico à fase de ascensão e expansão geográfica do capitalismo primeiramente nos paí ses de primeira industrialização e posteriormente nos territórios colonizados A contribuição teórica de Harvey por sua parte colocou em destaque a relevância do conceito em referência ao capitalismo contemporâneo Nos últimos trintaquarenta anos com o advento ao neoliberalismo a prática do despejo se impõe seja no Norte seja no Sul do planeta segundo tal perspectiva o capitalismo como no passado não é somente associado com a exploração da mão de obra no lugar do trabalho mas também a expropriação de bens materiais e imateriais como os direitos sociais e a liberdade bem como as posses pessoais e os recursos comuns Fraser 2014 A expressão utilizada por Harvey acumulação por meio da espoliação referese estritamente a expro priação de terras em áreas rurais ou semiurbanizadas mas o seu uso se estende 628 à dinâmica urbana de valorização imobiliária e a reorganização territorial Os fenômenos da globalização da gentrificação e do incremento da renda urbana podem ser interpretados com base na teoria de Harvey de acumulação por es poliação e da sua mais ampla interpretação do desenvolvimento urbano como processo guiado pela transferência de capital no ambiente construído à luz do atual contexto de urbanização planetária Lees et al 2016 Aos olhos dos crí ticos estudiosos urbanos a dinâmica da crise econômica recente que se originou a partir do mercado imobiliário e da securitização das hipotecas subprime859 que oferece uma confirmação do nexo estratégico teorizado por Harvey já nos anos setenta entre finanças e urbanização de que se beneficia o circuito secundário do capital em chave anticíclica Em tal ótica a espoliação da habitação a expulsão dos residentes insolventes imposta pelos e proprietários de imóveis devem ser entendidas como efeito da violência do capitalismo financeiro Marazzi 2010 e do fenômeno ligado a financeirização da habitação Aalbers 2016 A privatização reiterada da habitação e a transferência forçada de um lugar para outro constituem já mesmo antes da crise de 2008 a condição ordinária de vida para os grupos mais desfavorecidos da sociedade por exemplo para famílias de baixa renda e inquilinos de abrigos improvisados em bairros innercity pre dominantemente Afroamericana dos Estados Unidos Desmond 2016 e pelas minorias étnicas marginalizadas na Europa como os ciganos Lancione 2017 As crises habitacional e financeira do final de 2000 tinham o efeito de ampliar o fluxo de tais condições estendendoo para além dos extratos mais desfavorecidos da sociedade sobretudo nos Estados Unidos e nos outros países majoritariamen te atingidos pela bolha imobiliária que estourou como Irlanda Espanha e os países bálticos Ser privado de sua casa criou uma condição tão generalizada nas economias mais afetadas pela crise que em 2015 a cidade de Barcelona uma cidade com um mercado imobiliário excepcionalmente superaquecido elegeu uma prefeita Ada Colau que não tinha experiência política anterior mas que construiu sua reputação como líder do movimento formado em 2009 a Plata forma para pessoas afetadas por empréstimos hipotecários para conter a proli feração de despejos após o colapso do mercado imobiliário De cidade modelo para as políticas de regeneração urbana em área mediterrânea da década de 1990 em diante Gonzalez 2011 Barcelona tornouse uma referência de experiência em campanhas políticas contra a austeridade e a ideia de uma cidade rebel de Harvey 2013 sobretudo na Europa meridional Na Itália o prefeito de Nápoles Luigi De Magistris abertamente se refere a experiência de Barcelona 859 NT As hipotecas subprime se referem contratos ou acordos de crédito e empréstimo para mutuários com histórico de crédito ruim geralmente com condições desfavoráveis como altas taxas de juros Frequentemente essa forma de crédito é oferecida às populações mais pobres por serem consideradas de alto risco financeiro 629 constituindo uma aliança informal com os movimentos sociais radicais ativos na cidade por oposição às políticas de austeridade impostas pelo fiscal compact860 da União Europeia Nos Estados Unidos a acumulação por meio da espoliação sob a forma de expulsão das habitações mas também pela negação de acesso à instrução e pelo aumento da segregação social afetou de um modo particularmente grave as minorias historicamente atingidas pelos fenômenos de descriminação racial como os Afroamericanos Brewer 2012 Um novo movimento pelos direitos civis tomou corpo sob a insígnia do slogan Black lives matter Vidas negras im portam a partir de 2013 em resposta a série sucessiva de incidentes e episódios de violência por parte da polícia em particular a morte de pessoas desarmadas em Sanford na Flórida Ferguson no Missouri e no enclave afroamericano de Staten Island em Nova York Derickson 2017 Tais episódios ocorreram em locais situados em áreas urbanas fortemente afetadas pela crise habitacional e por outras tensões sociais e étnicas como a região metropolitana de Orlando na Flórida central a parte norte da área metropolitana de St Louis os bair ros com forte segregação étnicoracial em Nova York Ao mesmo tempo como efeito da recuperação econômica e em particular do boom tecnológico pós recessão vejase o próximo parágrafo as cidades americanas mais dinâmicas têm visto rapidamente recuperar os valores dos imóveis forçando os residentes menos abastados sobretudo aqueles Afroamericanos a transferirse para áreas urbanas mais acessíveis em termos de custo de vida mas que oferecem menores oportunidades de emprego Longman 2015 A este êxodo forçado se deu por vezes a oposta resistência por parte de ativistas afroamericanos em cidades como San Francisco onde a memória de expulsão das minorias de cor remonta aos programas do início da década de 1960 programas de urban renewal renovação urbana861 dos primeiros anos da década de 70 Finamore 2016 O movimento pelos direitos civis e as reivindicações do direito de permanecer em suas próprias habitações refletem o que poderia definir a dupla significação da espoliação Butler e Athanasiou 2013 serem privados de seu local de residência dos di 860 NT O Tratado de Estabilidade Coordenação e Governança na União Econômica e MonetáriaThe Treaty on Sta bility Coordination and Governance in the Economic and Monetary Union também conhecido como TSCG ou mais claramente o Tratado de Estabilidade Fiscal é um tratado intergovernamental introduzido como uma nova versão mais rigorosa do Pacto de Estabilidade e Crescimento assinado em 2 de março de 2012 por todos os es tadosmembros da União Europeia UE exceto a República Tcheca e o Reino Unido O tratado entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013 para os 16 estados que concluíram a ratificação antes desta data Em 3 de abril de 2019 foi ratificado e entrou em vigor para todos os 25 signatários mais a Croácia que aderiu à UE em julho de 2013 e à República Tcheca O Fiscal Compact é o capítulo fiscal do Tratado Título III Ele liga 22 estadosmembros os 19 estadosmembros da zona do euro além da Bulgária Dinamarca e Romênia que optaram por participar É acompanhado por um conjunto de princípios comuns Sendo assim os estadosmembros vinculados pelo Pacto Fiscal devem transpor para a ordem jurídica nacional as disposições do Fiscal Compact 861 NT É importante destacar que é frequente os programas urbanos que incidem processos de gentrificação urbana e segregação espacial serem nomeados com termos como renovação revitalização entre outros eufemismos 630 reitos sociais ou instrução não só acontece nas sociedades neoliberais em uma condição preexistente de desapropriação mas induz os despossuídos para tomar parte dos movimentos de resistência e solidariedade em busca de uma estrutura de assistência material e afetiva A marginalização dos Afroamericanos constitui a ponta do iceberg de um fenômeno que envolve uma gama mais ampla de grupos menos favorecidos em um contexto de austeridade urbana caracterizada pela crescente intervenção pe nal do Estado Wacquant 2012 A nova onda de medidas de austeridade na Europa e América do Norte pode ser interpretada como uma extensão da lógica de desapropriação a forma de vida imposta aos grupos sociais mais fracos como modalidade de governo da cidade como um todo Como mostrou Jamie Peck longe de ser uma simples réplica das políticas de austeridade dos anos Setenta e Oitenta a experiência contemporânea de austeridade urbana interveio nas socie dades já submetidas a processos neoliberais de transformação cujos principais efeitos tinham sido a redução de pessoal dos serviços públicos e a financeirização do desenvolvimento urbano Peck 2012 2016 De um modo geral como sustenta Maurizio Lazzarato a idade de aus teridade coincide com o retorno da soberania sob a insígnia do big government grande governo não somente as medidas punitivas as quais acabamos de men cionar mas também com a adoção de processos graves de controle e avaliação das despesas públicas justificadas em nome da eficiência econômica Lazzarato 2013 O Estado capitalista reafirmou o controle sobre a vida dos cidadãos recor rendo a indicadores aparentemente objetivos da verificação e do monitoramento The Economist 2011 Na Itália tais medidas adotadas sempre com maior in sistência a partir de 2011 com a finalidade de cumprir os objetivos de reabili tação das contas exigidos pela União Europeia têm ditado rigorosas restrições ao trabalho das entidades públicas incluindo aqueles cuja autonomia deveria ser garantida pela Constituição como as universidades e os governos locais Em alguns países se chega a atribuir a gestão de prestação de serviços fundamentais para a coletividade à força de mercado que age sem controle por vezes entidades puramente financeiras como as companhias privateequity capital privado que em diversos locais nos Estados Unidos assumiram a gestão dos serviços públicos essenciais como aqueles emergenciais de ambulâncias de emergência e dos bom beiros Ivory et al 2016 A expolição se tornou portanto o princípio organizativo de regulamentação das relações sociais e institucionais na atual fase do tardoneoliberalismo marcada pela generalização dos estados de exceção nos quais é mantida pelos regimes neoli berais que aparece como ameaça pelo legado da crise econômica global O regime de espoliação todavia não tem somente uma finalidade punitiva mas é utilizado im plicitamente também em sentido construtivo ou seja para recriar as condições para 631 a acumulação capitalista Se assiste agora a um renascimento do duplo movimento de disembeddedness desassociaçãoe reembeddedness reincorporação ou seja de desenraizamento das economias da sociedade e novas raízes sociais dos quais Karl Polanyi ofereceu uma poderosa discussão com referência às economias de mercado no curso da industrialização do Oitocentos Polanyi 2010 CIDADE RENTÁVEL Nos últimos anos as cidades encontraramse no centro da dialética entre a política do crescimento e a política da austeridade que têm caracterizado as eco nomias dos países ocidentais a partir da crise de 2008 De um lado as cidades se tornaram destinatárias de políticas de contenção das despesas públicas adotadas em resposta aos imperativos da consolidação fiscal impostas pela chamada troi ka Comissão Europeia Banco Central Europeu Fundo Monetário Internacio nal De outro lado as cidades dos países ocidentais assim como das economias emergentes têm oferecido a base econômica social e cultural para empresas capi talistas de diversas entidades das grandes multinacionais as startup emergentes empenhadas na exploração das novas tecnologias especialmente aquelas digitais Os governos nacionais e locais têm visto com interesse tais fenômenos oferecen do incentivos e infraestruturas na tentativa de reanimar as economias martiriza das pela crise Rossi e Di Bella 2017 A proliferação em um número crescente de grandes centros urbanos e me tropolitanos de empresas tecnológicas de starup é particularmente exemplifi cativo do retorno à vida das cidades contemporâneas e com esse do capitalis mo global considerada a difusão do fenômeno em diversas áreas do mundo da América do Sul por exemplo Santiago no Chile Rio de Janeiro e São Paulo na Europa Londres Berlim Helsinki Barcelona Zurique na Ásia Tel Aviv Istambul Dubai Cingapura Shenzhen na África Lagos Joanesburgo e natu ralmente aos Estados Unidos onde as cidades de referência são Nova York São Francisco Seattle Austin Boston Em um aprofundamento dedicado às em presas startup o semanal britânico The Economist tem enfaticamente definido o fenômeno global de ascensão do startup 20 como uma nova era geológica the Cambrian moment As startup são parte de um novo movimento de retorno à cidade Os jovens profissionais se transferem mais dos bairros dos subúrbios e periferias aos bairros da moda do centro da cidade os quais se tornam assim também espaços avançados de incubação para novas empresas avan çadas Por fim o centro de gravidade do Vale do Silício mudouse de Highway 101 ao centro de São Francisco ao sul de Market Street The Economist 2014 p2 As economias urbanas startup são portanto reveladoras do movimento de reembeddedness ou seja do novo enraizamento do capitalismo global nos ambientes urbanos Tal processo de enraizamento ocorre em múltiplas escalas O 632 empreendedor urbano hightech é partícipe em comunidades urbanas em nível local mas o seu modo de ser é forjado de modo decisivo por um senso global de pertença alimentado pelos meios de comunicação sociais e redes transnacionais de modo diferente dos empreendedores pósfordistas de primeira geração que se identificavam essencialmente com distritos de nível local e regional Em termos gerais dado o andamento cíclico da economia capitalista os processos de disembeddedness e reembeddedness são conaturais às crises econômi cas orgânicas e as conseguintes trajetórias evolutivas de superação de si mesmas Em muitas cidades com o advento do fenômeno do startup com tecnologias inovadoras que tinham como contraponto o declínio das empresas até recente mente consideradas inovadoras no setor da tecnologia da informação comuni cação e outros segmentos avançados surgidos durante a transição de pósfordista Em Turim a ascensão do fenômeno das inovadoras startup coincidiu com a crise depois de 2008 das empresas Ict Information and Communication Technolo gies Tecnologias de informação e comunicação ocorrido nos tempos de boom tecnológico do final dos anos 90 um processo de seleção reconhecida pela elite local a partir da Confindustria862 que sublinha a passagem em curso das anti gas empresas de tecnologia dependentes da contratação pública para empresas da nova gerações abertas ao mercado e a competição global Rossi 2016 Nas cidades norteamericanas a intensidade do fenômeno do atual boom tecnológico 20 depois daquele efêmero das empresas dot com ponto com do final da década de 1990 tem efeito de superaquecimento do mercado imobi liário O exemplo mais notável é aquele de São Francisco onde a tendência ao abrupto aumento dos preços das casas de 2010 até hoje tem provocado conflitos entre residentes históricos acostumados a uma política de contenção das rendas e os novos criativos que requerem uma maior desregulamentação do mercado para gerar uma oferta de alojamento mais dinâmica e portanto em abaixar os preços Rossi 2017b A estreita ligação que foi criada entre o desenvolvimento da indústria hightech e a subida dos preços das habitações em um restrito círculo de cidades de elite como São Francisco Nova York ou Londres é sintomáti co do enraizamento metropolitano do capitalismo biopolítico onde os valores imobiliários em rápida ascensão refletem a externalização positiva dos ambientes urbanos do ponto de vista da oportunidade de cooperação social Hardt e Negri 2010 Um termo útil de comparação são os distritos tecnológicos da década de 1990 que se formaram na tentativa de reproduzir o padrão de Silicon Valley Enquanto este último nasceu por iniciativa do Estado ou dos governos locais 862 A Confederação Geral da Indústria Italiana 633 Castells e Hall 1994 na nova geração de empresas hightech o fator aglutinador comunitário parece decisivo A cidade de Nova York por muitos considerada o novo modelo de nova cidade hightech o meetup encontro local que alega ser a maior do mundo com cerca de 40 mil membros organiza reuniões gerais mensalmente enquanto eventos de entidades menores são promovidos pela co munidade de práticas empenhadas na diversificada cena hightech designers e tecnólogos diversos estão disponíveis na cidade todos os dias Tal dimensão de comunidade representa o elemento de novidade das atuais economias hightech urbanas juntamente com as mudanças tecnológicas associadas com o advento dos meios de comunicação oferecidos pela Web 20 como os meios de comu nicação sociais e as networks especializadas Tomando como ponto de partida o trabalho de Jodi Dean 2009 se pode considerar esse fenômeno exemplifica tivo do chamado capitalismo comunicativo e das fantasias que o animam a abundância não há limite para a circulação de informações e para a produção de inovações a abertura qualquer um pode dar vida a um experimento empre endedor a participação todos são convidados a uniremse à comunidade de empreendedores startup Os sentimentos de euforia e comunhão que distinguem a modalidade de representação das comunidades de empreendedores tecnológicos são indicativos de mais um amplo esforço de reanimação do capitalismo como indústria da felicidade efetivada nas sociedades Ocidentais Ahmed 2010 Davies 2015 Como espaços onde se experimentam formas de vida fundadas no uso de novas tecnologias em particular modo digital e interativo as cidades são o centro da política de felicidade que caracteriza o discurso público contemporâneo Florida et al 2013 Minton 2012 Oakes 2017 Ser empreendedor de nova geração re quer a adoção de uma forma de vida integral aproveitando a mobilização con junta de emoções comportamentos e maneiras de se relacionar com os outros em vez de simplesmente se envolver em um plano de negócios A ideia de forma integral de vida que é proposta aqui é uma reformulação do conceito de econo mia integral por Bob Jessop retirado por sua vez daquela de estado integral de Antonio Gramsci Jessop 1990 Enquanto o termo gramsciano sublinha a mistura de economia e formas de regulação social na sociedade capitalista madu ra a noção de forma integral de vida quer indicar a compenetração das formas de vida e a racionalidade de governo que caracteriza a sociedade neoliberal com traços peculiares em uma fase de pósrecessão como aquela pós2008 Seria enganoso portanto considerar os distritos urbanos hightech como entidades puramente autoorganizadas uma ideia alimentada pela massmídia e das organizações que promovem o fenômeno Surgiu originalmente em am bientes alternativos de tendências libertárias o ideal da autoorganização foi as similado na cultura do capitalismo na era digital Uitermark 2015 Junto com 634 fundações e agências de consultoria os governos locais e nacionais desempenha ram um papel significativo especialmente em cidades que aspiravam a tornarse lugares de atração para os capitalistas de risco e outros investidores interessados em empresas hightech Em vez de assumir um papel explicitamente direcional como na idade tardokeynesiana das tecnologias os governos locais e nacionais ofereceram a própria assistência às economias de startup como por exemplo através de campanhas promocionais que têm a vantagem de custar pouco inde pendentemente da sua efetiva incidência talk is cheap falar é fácil como se diz em inglês Este é o caso da Tech City de Londres objeto de intenso marketing de governo nos últimos anos onde a área intraurbana londrinense até dez anos antes não mostrava nenhuma especialização no campo tecnológico as empre sas hightech mais consolidadas geralmente de grandes dimensões e de capital estrangeiro são concentradas na mais ampla região urbana circundante entre Cambridge e Reading Sempre que houve disponibilidade de recursos os governos locais se em penharam em investimentos em capital humano com a criação de instituições dedicadas a alta formação especialmente no campo das ciências da vida e da engenharia Este é o caso de Nova Iorque com a fundação do visionário politéc nico Cornell Tech863 procurado pela administração do então prefeito Bloomberg e do BioBat Bioscience Center864 atualmente no projeto em Brooklyn a mando do governador Cuomo O empreendedorismo da sociedade e não mais apenas da governança urbana como pensa David Harvey no fim da década de 1980 Harvey 1989 que parece ser o objetivo por trás destas estratégias em uma fase em que paradoxalmente se assiste nos Estados Unidos a uma diminuição da capacidade empreendedora em termos de número de novas empresas geradas Cowen 2017 Para as empresas tecnológicas de startup assim como para as grandes em presas do capitalismo das plataformas865 os centros urbanos e metropolitanos 863 NT A Cornell Tech é um campus de tecnologia negócios direito e design localizado na Roosevelt Island em Manhattan Nova York Está ancorada pelo Instituto Jacobs TechnionCornell um empreendimento acadêmico conjunto entre a Cornell University e o Technion Instituto de Tecnologia de Israel 864 NT A BioBAT Inc é uma corporação sem fins lucrativos formada pela Corporação de Desenvolvimento Eco nômico da Cidade de Nova York e pela Fundação de Pesquisa da Universidade Estadual de Nova York A or ganização foi criada para apoiar o avanço da indústria de ciências da vida na cidade de Nova York fornecendo instalações e recursos para pesquisa científica e fabricação avançada no Terminal do Exército de Brooklyn A BioBAT está ajudando a cidade de Nova York a atrair e reter empresas promissoras de pesquisa e a desenvolver uma força de trabalho qualificada do século XXI Descrição da própria incorporadora em seu site httpswww biobatnycmission 865 A chamada plataforma capitalista platform capitalism é aquele fenômeno que vê o surgimento de um novo tipo de empresas centradas sobre o uso de plataformas que vale dizer as infraestruturas digitais que permitem que duas ou mais entidades clientes publicitários fornecedores de serviços produtores objetos físicos possam interagir com a finalidade de coletar dados Tal modelo que apresenta significativas diversificações internas é comumente associado aos gigantes da web Google Facebook Amazon etc mas também é atribuível a empresas industriais como Siemens e General Electric Srnicek 2016 635 não oferecem apenas ambientes institucionais e socioculturais dinâmicos onde podem afirmarse mas funcionam também como verdadeiros laboratórios vi ventes dos quais se extraem uma enorme massa de dados relativos aos compor tamentos aos hábitos as preferências de consumo e aos movimentos cotidianos das pessoas que ali habitam ou apenas ali transitam através da digitalização das infraestruturas urbanas também em áreas marginais mais populosas como bairros degradados e favelas que tornamse objetos de interesse por parte de governos e atores privados pela potencialidade criativa e empreendedora de que dispõem McFarlane 2012 Roy 2011 de que o envolvimento de grandes empresas mul tinacionais hightech em projetos de smart city Vanolo 2014 e em setores que favorecem tais operações de extração social como a logística e a finança Mezza dra e Neilsen 2015 A figura da cidade rentável acima descrita mostra como o capitalismo utiliza as crises orgânicas como a Grande Recessão de fins dos anos 2000 ocasiões pelas quais busca um novo enraizamento nas relações sociais reinven tando a própria promessa de felicidade e as relativas formas de vida A sharing economy economia compartilhada é uma manifestação significativa da sempre mais avançada Subsunção da sociedade e da vida mesmo no processo capita lista Vale a pena notar como tal fenômeno explodiu nos anos pósrecessão As empresas mais representativas da sharing economy como Airbnb e Uber foram fundadas em 2008 e em 2009 respectivamente mas ganharam popularidade devido ao fim da recessão nos Estados Unidos Por exemplo Airbnb teve cres cimento nas próprias transações de 126 em 2011 Wauters 2012 ou seja quando os indicadores de crescimento do produto interno bruto da economia dos EUA começaram a evidenciar uma clara recuperação Tal dinâmica mostra uma aceleração na subsunção da sociedade Enquanto a economia das empresas startup de alta tecnologia revela o processo de empreendedorismo da sociedade de que se dizia envolvendo uma série potencialmente ilimitada de empreende dores profissionais ou aspirantes a tal o advento da sharing economy evidencia o que Michel Foucault assinalava na sua ideia de empreendedor de si mesmo Foucault 2005 Esta última se baseia sobre o pressuposto segundo o qual todos podem obter lucro de suas próprias posses sejam essas a habitação um meio de transporte ou habilidades práticas tais como saber cozinhar em uma lógica empreendedora mesmo que isso requeira endividar a vida junto às instituições de crédito Lazzarato 2013 Observamos mais de perto o impulso para o autoempreendedorismo de si vindo da sharing economy urbana Esse fenômeno parece querer conciliar dois pro cessos sociais que em si mesmos são mutuamente exclusivos a individualização da experiência urbana e a investigação de comunidade De um lado a sharing eco nomy alavanca sobre si uma modalidade propriamente urbana de abertura rumo 636 ao outro a homesharing economy de que Airbnb é a empresa mais notável em particular se alimenta da ideia de disponibilizar o espaço doméstico acessível a quem não se conhece afastando sentimentos de medo no encontro com o estranho e até mesmo propondo tal encontro como uma experiência atraente A dinâmica descrita acima traz à mente aquilo que Iris Marion Young inspirada por Roland Barthes considerava o erotismo típico da vida urbana o prazer e a emoção de ser retirado da rotina cotidiana para se embater na novidade no conhecimento de que é estranho e incomum Young 1990 p 249 Todavia salientava ainda Young a experiência erótica do encontro com o estranho é contrária a ideia de comunidade já que no ideal de pessoas da Comunidade as pessoas se sentem afirmadas porque com quem se compartilha experiências percepções e objetivos há uma relação de recíproco reconhecimento cada um de nós se vê refletido no outro Ibid p 250 Para afrontar essa contradição e o sentido de desorientação que disso deri va empresas digitas que oferecem serviços de sharing economy insistem de modo obsessivo sobre a criação de uma comunidade virtual em rede que se nutre tam bém de encontros ao vivo De um ponto de vista concreto porém tal experiência da comunidade acaba sendo reduzido a uma exibição narcisista do self no espaço imaterial da Internet fornecido pela companhia fornecedora do serviço Apesar da ilusória tentativa de criar uma comunidade uma fantasia produtiva segundo a definição de Jodi Dean a sharing economy oficial aparece ligada ao processo de individualização que caracteriza as sociedades do liberalismo avançado como já o havia intuído Michel Foucault Em um de seus últimos escritos Foucault define o governo da individualização como aquilo que isola o indivíduo rompe os seus laços com os outros cria uma fratura na vida da comunidade obriga as pessoas a dobrarse a cair em si mesmos conectandoos a sua própria identidade de modo obsessivo Foucault 1982 p 781 Em resposta à crescente individualização das relações sociais na cidade con temporânea se fazem longos experimentos cooperativistas em diversos setores ha bitação alimentação arte cultura profissões frequentemente em conexão entre eles unidos pela busca por um uso da vida na qual se cultiva um sentimento de nós Virno 2015 No mundo digital se inicia a fazer experiências com formas de plataforma de cooperativismo como alternativa a plataforma capitalista dominada por empresas multinacionais866 Nessa ótica por exemplo se assinala a possibilida de de dar vida à plataforma cívica em colaboração com os governos locais em vez de entrar em conflito como muitas empresas na economia de compartilhamento de mercado a partir da mesma Airbnb e Uber como já experimentado em algumas cidades dos Estados Unidos dedicada a oferta habitação temporária ou de outros serviços pessoais Scholtz 2016 Em modalidades mais tradicionais independente 866 Ver nota anterior ObCit Hinton 2016 637 da comunicação digital nos últimos anos têm havido um difuso ressurgimento das experiências de habitação cooperativo em que os habitantes tecem novas redes de confiança e cuidado fazendo espaço nos ritmos premente da vida urbana ca pitalista Huron 2015 p 977 projetos de cohousing comunidade de cogestão proprietária ocupações de armazéns industriais abandonadas Tais iniciativas colo cam em questão o que Elizabeth Povinelli define como a substância ética no tardo liberalismo ou seja o tema da resistência e portanto a sobrevivência das formas alternativas para a vida no meio de um vendaval de forças que desfazem o vínculo social Povinelli 2011 p 14 Os projetos alternativos de resistência social demonstram que não se deve olhar aos processos sociais de subsunção social em uma perspectiva unidirecional e totalizante como um episódio da sociedade inteiramente administrada e do homem a uma dimensão teorizados pelos autores da escola de Frankfurt Ador no Horkheimer Marcuse com referência ao capitalismo organizado no segundo pósguerra Jeffries 2016 Isso não significa que os processos de subsunção este jam sempre à espreita mesmo no que diz respeito a movimentos alternativos que reivindicam demandas coletivistas Por exemplo as empresas tecnológicas de new economycomeçam a atingir abertamente o imaginário coletivista dos movimentos sociais Nos mercados imobiliários hipersaturados das cidades globais como Lon dres São Francisco Nova York têm aparecido invariavelmente empresas digitas que oferecem espaços coliving a preços elevados ou acessíveis em residências da moda prometendo um novo estilo de vida sob a bandeira de um viver em comum Os jornais de língua inglesa estão mais atentos as novas tendências sociais apresentadas com tons entusiastas a possibilidade do avanço comunitário das gerações dos mil lennials especialmente aqueles mais conscientes e socialmente integrados Kaysen 2015 Se difundem em geral soluções criativas de habitação temporária que se destinam a jovens com renda flutuante e trabalhos precários Ferreri 2015 Tal fenômeno evidencia a hiperexploração do mercado imobiliário nas grandes cidades assediadas pela crise habitacional mas também mostra como as cidades adqui riram uma ainda mais marcada força de atração e verdadeira sedução depois da grande recessão seguida do choque financeiro de 2008 Rossi 2017b Nesse sentido aparece de forma evidente a diferença com o período sucessivo a crise de 197475 quando as grandes cidades do Ocidente capitalista conheceram uma lon ga fase de declínio estrutural testemunhada pelas elevadas taxas de property vacancy rate as habitações vazias no fim da metade dos anos noventa CONCLUSÃO As sociedades contemporâneas do neoliberalismo tardio como foi pro posto definir nesse texto são distintas pela difícil coexistência da condição de 638 perda que aflige as camadas menos abastadas e as classes médias encontrando o escape no apoio a movimentos de massa e de líderes políticos neopopulis tas com a busca de uma nova cultura do capitalismo que tenta restituir uma perspectiva de felicidade e inovação social mas que por sua vez tem o efeito de gerar novas desigualdades e tensões entre as comunidades de incluídos e excluídos Este texto procurou mostrar como a cidade contemporânea devido a sua centralidade econômica política e cultural agora inquestionável do ponto de vista capitalista seja um espaço exemplificativo da condição de ambivalência que caracteriza as sociedades neoliberais A financeirização permeia as formas de vida seja tanto no sentido de expropriar os indivíduos dos direitos fundamentais tais como habitação ou instrução Joseph 2014 seja no sentido de induzilos a adotar comportamentos e condutas sociais capazes de estabelecer valor ao tempo de vida além daquele laboral graças à utilização produtiva das novas tecnologias O empreendedorismo da sociedade e de si que por um caminho acentua os fe nômenos da individualização do agir social por outro cria novas expectativas de felicidade em torno à construção de comunidades virtuais ou reais embora com êxitos divergentes e muitas vezes decepcionantes As cidades ganharam centralidade neste contexto porque oferecem o capi tal cognitivo comunicativo e relacional necessário para realizar o modelo social que acabo de delinear Ao mesmo tempo as cidades são espaços persistentemente caracterizados por desigualdades na distribuição da riqueza e processos de exclu são sempre menos aliviados pela intervenção do Estado e de outras instituições públicas ou semipúblicas que prestam serviços de proteção social Neste contex to ainda resta compreender a fundo o efeito que teve o advento de novas econo mias urbanas e a base tecnológica sobre a vida das pessoas Por exemplo enquan to nos Estados Unidos é notável o efeito que estas economias têm no mercado imobiliário no sentido de elevar os preços e consequentes processos de seleção social e os prejuízos aos grupos desfavorecidos e minorias étnicas Boone 2017 ainda a ser explorado é a situação em cidades de outras áreas do mundo a partir da Itália Nessa ótica cabe indagar com maior profundidade à nova reação ao empreendedorismo mais ou menos formalizadas derivando da generalização da collaborative economy no interior e em outros limites do que convencionalmente é conhecido como sharing economy em um contexto sempre mais dominado pelas poderosas empresas digitais que de fato atuam como novos monopolistas da produção social Assim como também permanece a indagação das experiên cias do cooperativismo cívico que vão difundindo nas cidades contemporâneas explorando o potencial oferecido pelas tecnologias digitais Em geral as novas economias urbanas de base tecnológica estão redefinindo profundamente o sig nificado das relações sociais em nossas sociedades biopolíticas como esse artigo 639 se aponta nesse artigo e isso requer a mobilização de renovados saberes críticos e programas de pesquisas empíricas em geografia como nas outras ciências sociais REFERÊNCIAS AALBERS M The financialization of housing a political economy approach Londra Routledge 2016 AGAMBEN G Benjamin e il capitalismo Lo Straniero n 155 2014 online httplostra nieronetuncommentooggi AHMED S The promise of happiness Durham NC Duke University Press 2010 BOONE A Theres new research behind the contention that Airbnb raises rents CityLab 2 agosto 2017 BRENNER N a cura di Implosionsexplosions towards a study of planetary urbanization Berlino Jovis 2014 BREWER RM 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liberdade só pode ser coletiva Uma liberdade ciente da realidade social que derrube as fronteiras da estética campo de con centração da civilização ocidental uma liberdade ligada às limita ções e às grandes conquistas da prática científica pratica científica não tecnologia decaída em tecnocracia Ao suicídio romântico do não planejamento reação ao fracasso tecnocrático é urgente contra por a grande tarefa do planejamento ambiental desde o urbanismo e a arquitetura até o desenho industrial e as outras manifestações culturais Uma reintegração uma unificação simplificada dos fato res componentes da cultura Lina Bo Bardi Foi por não terem compreendido que a crise não era um fato econômico mas uma técnica política de governo que alguns foram ridicularizados ao proclamarem apressadamente quando da explo são do embuste dos subprimes a morte do neoliberalismo Não vivemos uma crise do capitalismo mas pelo contrário o triunfo do 867 Republicação atualizada de texto publicado nos Cadernos IHUideias ano 14 nº253 vol 14 ano 2016 São Leopoldo Universidade do Vale do Rio dos Sinos 868 Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina 2003 especialização em Direito do Es tado também pela Universidade Estadual de Londrina 2005 mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina 2007 e doutorado em Literatura Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina Entre 2013 e 2015 desenvolveu estágio pósdoutoral no Instituto de Estudos da Linguagem IEL da Universida de Estadual de Campinas UNICAMP Atualmente é professor do Departamento de História da UFPR onde é coordenador do bacharelado em História Memória e Imagem e da linha de pesquisa Arte Memória e Narrativa do Programa de PósGraduação em História 643 capitalismo de crise A crise significa o governo cresce Ela tornou se a última ratio daquilo que reina A modernidade media tudo à luz do atraso arcaico do qual nos pretendia arrancar daqui em diante tudo se mede à luz de seu desmoronamento próximo Quan do se corta pela metade vencimento dos funcionários públicos gregos isso é feito sob o argumento de que seria possível nunca mais lhes pagar A cada vez que se aumenta o tempo de contribuição dos as salariados franceses para a seguridade social isso é feito sob pretexto de salvar o sistema de aposentadorias A crise presente permanente e omnilateral já não é a crise clássica o momento decisivo Pelo contrário ela é um final sem fim apocalipse sustentável suspensão indefinida diferimento eficaz do afundamento coletivo e por tudo isso estado de exceção permanente A crise atual já não promete nada ela tende pelo contrário a libertar quem governa de toda e qualquer contrariedade quanto aos meios aplicados Comitê Invisível Quando convidado para fazer uma conferência sobre a questão da go vernamentalização privada dos espaços públicos me pus a pensar sobre o que falaria De certo modo nos últimos tempos tenho tratado desse tipo de questão de maneira enviesada muito mais a partir de referenciais ligados à literatura e ao cinema do que de estudos mais circunscritos à filosofia política de maneira direta por assim dizer As ideias que apresento portanto tentam girar em outras partes que não as das análises endógenas se me permitem dizer ao campo das análises políticas em sentido estrito sem entretanto deixarem de colocar à medida do possível um problema de exigência ao pensamento869 De início então penso esse problema que me foi posto quando do con vite temático governamentalização privada dos espaços públicos Para mim antes de mais seria preciso botar à nu o que se pressupõe nessa assertiva isto é a diferenciação entre espaço público e privado870 Na aula de 18 de janeiro de 1978871 em seu curso Segurança território população Foucault comenta como 869 AGAMBEN Giorgio Che cosè la filosofia Macerata Quodlibet 2016 p 4951 Se não houvesse exigência mas apenas necessidade não poderia haver filosofia Não o que nos obriga mas o que nos exige não o deverser nem a simples realidade factual mas sim a exigência esse é o elemento da filosofia O que é o pensamento senão a capacidade de restituir possibilidade à realidade de desmentir a falsa pretensão da opinião de fundarse apenas sobre os fatos Pensar significa acima de tudo perceber a exigência daquilo que é real de tornase mais uma vez possível dar justiça não apenas às coisas mas também às suas lágrimas trad nossa 870 Retomo nos próximos parágrafos trechos da entrevista concedida a Vitor Necchi do Instituto Humanitas e publicada no número 495 da revista do IHU Também disponível em httpwwwihuonlineunisinosbrindex phpoptioncomcontentviewarticleid6653secao495 871 FOCAULT Michel Sécurité Territoire Population Cours au Collège de France 19771978 Paris Gallimard 2004 pp 3134 644 estava examinando a noção de que o soberano de um território passou a ser o arquiteto de um espaço disciplinado e ao mesmo tempo um regulador de meios com o intuito de ser um agente que possibilitasse a circulação de gentes merca dorias ar etc De certo modo portanto uma das questões primordiais para se compreender a governamentalização parece ser pensar essa figura do agente que possibilita circulação como uma chave para a leitura dos modos de estrutura ção do podergoverno a partir do século XVIII Vários autores na esteira ou mesmo dialogando com Foucault trataram das mudanças históricas que ainda sofrerão essas figuras dos agentes de circulação sobretudo em suas maneiras de se organizar no capitalismo este que pressupõe uma saída de modos de vidas ditos tradicionais e uma integração na sistemática de circulação seja de riquezas seja até mesmo de sentidos à existência No entanto gostaria de frisar que a própria noção de governamentalização em seu desdobrar histórico nos processos do como governar ainda que imersa nesse contexto generativo é tributária desse esquema de formação da sistemática capitalista de produção como orga nizar gerir da forma mais produtiva e integrativa Assim a governamentalização acaba se tornando uma espécie de pressuposto dessa condição política na era da espetacularização democrática na qual a administração da vida tem em vistas a circulação de riquezas e lembro JeanLuc Nancy quando falando da associação quase inevitável que se faz entre capitalismo e democracia no século XX afirma que o destino da democracia está ligado à mutação do paradigma da equivalência geral de ordem capitalista que quase se tornou sinônimo da democracia872 Seguindo a problemática foucaultiana por meio de um procedimento arqueológico Giorgio Agamben nos chama a atenção para o problema que o próprio conceito de democracia parece carregar desde suas origens gregas Lem bra que democracia politeuma no grego da Constituição de Atenas aristotélica carrega consigo tanto uma dimensão jurídicopolítica constituição quanto uma econômicagestional governo ao ponto de os tradutores para evitar problemas conceituais ora traduzirem politeuma por constituição ora por governo873A políti ca ocidental seria portanto uma máquina articulada de duas formas de raciona lidade justamente a jurídicopolítica e a econômicogovernamental e segundo essa hipótese em seu centro haveria um vazio no qual figuras mitológicas como a soberania popular o poder constituinte os direitos humanos etc serviriam 872 NANCY JeanLuc Vérité de la démocratie Paris Galilée 2008 pp 4447 Cf também NANCY JeanLuc LÉquivalence des Catastrophes Après Fukushima Paris Galilée 2012 p 16 Marx nomeou o dinheiro equivalente geral É dessa equivalência que vamos falar aqui Não para considerála em si mesma mas para considerar que o regime de equivalência geral já absorve virtualmente muito além da esfera monetária ou financeira mas graças a ela e em vista dela todas as esferas da existência dos homens e com eles o conjunto dos existentes trad nossa 873 AGAMBEN Giorgio Note luminaire sur le concept de démocratie In Démocratie dans quel état Paris La Fabrique 2009 pp 913 645 como modos de manutenção de sua própria lógica operativa Podemos dizer que o agente de circulação necessita ainda mais no contexto que se arma do século XIX até nossos dias da bipolaridade dessa máquina e que talvez a melhor ma neira de instrumentalizála tenha se dado justamente com as condições advindas do modo de produção capitalista e poderíamos nos alongar com inquietações sobre como repensar isso que parece ser uma intransponibilidade da dimensão operativa do capital toda a discussão sobre o problema do trabalho em certos vieses da filosofia política contemporânea para tanto importantes são as dis cussões sobre a inoperosidade alavancadas pelo próprio Agamben por JeanLuc Nancy ou ainda Georges Bataille ou Maurice Blanchot Essa digressão me parece útil para perceber que é difícil entender a política contemporânea em termos de público e privado simplesmente Ainda que não se trate de uma divisão taxativa mas algo mais relacionado a uma tensão com positiva entre público e privado é preciso lembrar que essa dicotomia tende a não se sustentar mais e mesmo Hannah Arendt com suas nuances e com uma análise que volta à tradição grega clássica aponta grosso modo para o fim das fronteiras entre oikos e polis com a noção de espaço social Essa máquina política degoverno produz certo obscurecimento das fronteiras entre público e privado e com isso instaura um limiar onde pareceme está em jogo as apostas de uma governamentalização absoluta da vida ademais um parêntese no limite hoje essa governamentalização opera muito mais em uma chave tanatopolítica do que propriamente biopolítica Nesse sentido o lugar vazio do centro da máquina implica uma se assim posso dizer coadunação de forças entre para usar o voca bulário corrente agentes públicos e privados ou para usar outros termos entre o agente de circulação e os efetivos agentes produtores874 Tal arranjo de forças é fun damental para a subsistência dessa máquina políticadegoverno Os espaços de circulação da vida portanto estão perpassados pela lógica ou melhor dizendo tecnologiadessa máquina qual seja gerir os espaços ditos públicos portanto como parte integrante do necessário incremento produtivo que por sua vez au menta a geração de riquezas que importam para o crescimento da própria geração de riqueza e assim sucessivamente numa lógica ilimitada Para tanto o controle dos espaços deve estar no cerne desse modus operandi governamental e a cada vez maior gestão dos espaços ditos públicos pelos agentes produtores ou agentes privados justamente essa noção de governamentalização privada dos espaços públicos é apenas um produto da lógica dessa máquina cuja possibilidade de 874 Falo da produção de riqueza a partir do capital acumulado e investido e ao mesmo tempo também de uma produção da própria existência em outras palavras os bens produzidos que nessa dinâmica supostamente nos fazem progredir enquanto seres viventes tornamse condicionantes de nossa existênciadesde as especiarias que conservavam alimentos à conexão informacional em rede que virtualiza operações outrora inequivocamente ma teriais passando pelo petróleo energia elétrica até as questões nucleares Talvez poderia resumir numa pergunta como pensar a atual civilização sem a dependência autoengendrada de seus próprios produtos 646 sabotagem parece nos escapar a cada instante Mas penso ser necessária uma espécie de linha de fuga nas reflexões so bre essa governamentalização Digo talvez seja possível por meio justamente de análises indisciplinares tocar essa problemática com outras chaves de leituras possíveis Penso em um texto Bruno Latour875 Quarenta anos depois de volta a uma terra sublunar876 Nele o teórico Latour é alguém de difícil definição fala do estranhamento que temos diante das extravagantes espaçonaves que deram início à conquista do espaço há quase meio século Lembranos que as apostas bilionárias desses projetos de progresso ad infinitum o Avante do desenvolvi mentismo tinham em seu bojo uma metáfora um tanto quanto insólita o Pla neta Azul como espaçonave Insólita a metáfora o é na medida em que não temos nenhuma Houston para nos auxiliar num pretenso retorno não temos nenhuma base Ou seja a nós os viventes que constroem cidades segundo a fórmula ba silar da Política de Aristóteles que garante a cidade a polis o lugar da felicidade aos homens uma vez que estes seriam os viventes que possuem a linguagem não está à disposição nenhuma linha direta com uma origem da qual partimos e nesse sentido também na ciência histórica e nas suas variantes história da arte da arquitetura das cidades etc as ideias historicistas que preveem uma cronologia capaz de dar uma inteligibilidade inequívoca ao passado às origens mostramse insólitas É esse ponto de nãoretorno o qual de fato é nossa condição por assim dizer normal que deve ser pensado que deve ser posto como desafio a quem quer que pretenda pensar não apenas as estruturas dos espaços urbanos con temporâneos mas o próprio modo como fazemos experiência da partilha desses espaços aliás mas do que partilha do espaço partilha da vida lembro aqui a interessante ideia sobre essa partilha é aquela dada por Jacques Rancière Dito de outra maneira para nós é preciso tomar o ponto de nãoretorno a partir de um termo que hoje se obscurece mas que se pensado a partir de outra clave é fundamental para nosso exercício de pensamento e práticas sobre a cidade a po lis política Algumas perguntas entretanto parecem ser fundamentais uma vez neste ponto de nãoretorno em que medida as cidades de hoje que muitas vezes chamamos de metrópoles877podem nos dar condições para essa partilha da vida 875 Retomo aqui boa parte de uma pesquisa em desenvolvimento cujos primeiros resultados próximos ao decorrer deste texto já apresentei em outras duas ocasiões em Santiago Chile durante as Segundas Jornadas de Gover namentalidade e na UFPI em Teresina no Primeiro Colóquio Arte História e Vanguardas 876 LATOUR Bruno Quarenta anos depois de volta a uma terra sublunar In MOSTAFAVI Mohsen DOHER TY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Canedo pp 124129 877 Massimo Cacciari em uma conferência no Centro SantApollinare de Fiesola desenvolve argumentos interes santes para se pensar a cidade Apresenta as diferenças entre as noções de polis e civitas e expõe como a seu ver a cidade contemporânea é muito mais herdeira da tradição romana do que da grega Na sequência aponta para o que chama de cidadeterritório ou pósmetrópole Cito o trecho no qual ele começa a apontar para essa noção esta que ainda que não diretamente citada em meu texto e em relação à qual ainda tenho algumas divergências 647 É ainda possível se falar em cidades no sentido da polis e com isso também se falar em política Como nossa tradição que nos legou as cidades pode em alguma medida nos auxiliar a pensar os paradoxos contemporâneos que cortam nossos modos de vida de cima a baixo Para nós que de certo modo temos ciên cia de estarmos na condição de além do ponto de nãoretorno é ainda possível uma experiência da cidade Aliás de que cidade falamos Obviamente que não tenho nenhuma pretensão de resposta para tais perguntas mas é em torno delas que tentarei orientar algumas reflexões sobre isso que Latour chamou de nossa volta à terra sublunar Para iniciar gostaria de partir de algumas questões levantadas por Verena Andermatt Conley que ao retomar as considerações de Félix Guattari em As três ecologias reflete sobre as necessidades de se reorientar as tecnociências como modo de sobrevivência do planeta em meio aos paradoxos ligados aos infindá veis problemas ecológicos e ao crescimento demográfico e claro isso encampa a ideia de ciência nômade de Deleuze e Guattari878 Comentando Guattari ela nos diz que não é possível a reorientação das tecnociências sem uma espécie de reordenação da subjetividade e uma reflexão sobre a formação dos poderes capi talistas Por si só os ajustes não são suficientes e em nosso estado atual o mundo permanece sob o domínio da mídia e do mercado formando com isso uma mas sa infantilizada que sobrevive em conglomerados nefastos De certa forma para sobretudo de nomenclatura está em pleno diálogo com o que desenvolverei nas próximas páginas Cf CAC CIARI Massimo A Cidade Barcelona Gustavo Gil 2010 Trad José J C Serra p 3032 As civilizações urbanas da antiguidade que conhecemos são riquíssimas mas estáveis nas suas formas todas demonstram estarem ligadas à terra quer as grandes cidades mesopotâmicas quer aquelas orientais Quioto Xangai Pe quim eram megalópoles quando Londres e Paris eram aldeias porém as formas permaneceram relativamente estáveis durante séculos As incríveis revoluções da forma urbis são consequência da abordagem à cidade resultante da civitas romana As formas urbanas europeias ocidentais são consequência das características da civitas A cidade contemporânea é a grande cidade a metrópole este é com efeito o traço característico da cidade moderna planetária Toda a forma urbis tradicional foi dissolvida Outrora as formas de cidade eram absolutamente diferentes vejamse as diferenças entre Roma Florença e Veneza Agora só existe uma forma urbis ou melhor um processo único de dissolução de qualquer identidade urbana Este processo que como veremos atinge o seu ponto alto na cidadeterritório na cidade pósmetropolitana tem a sua origem na afirmação do papel central que o nexo lugar de produção e mercado representa O sentido da relação humana reduzse a produçãotrocamercado Aqui todas as relações se concentram e assim todos os lugares da cidade são vistos projectados projectados de novo transformados em função destas variáveis fixas do valor delas Lugares simbólicos são estes e mais nenhuns Desaparecem os lugares simbólicos tradicionais sufocados pela afirmação dos lugares de troca expressão da mobilidade da cidade do Nervenleben da vida nervosa da cidade As novas construções são maciças dominam são um estorvo físico são grandes contentores imaginemse as grandes arquitecturas das típicas cidades industriais o fascínio que por todo o lado exerce a arquitecturafábrica cuja essência consiste no entanto em serem móveis em dinamizarem a vida São cor pos que produzem uma energia mobilizadora desestabilizadora desenraizadora Estas presenças dissolvem ou põem entre parêntesis as presenças simbólicas tradicionais que de facto se reduzem ao centro histórico É assim que nasce o centro histórico enquanto a cidade se desenvolve agora em conformidade com as presenças de produção e de troca dominante e centrais a memória tornase museu e cessa assim de ser memória pois a memória tem sentido quando é imaginativa recreativa caso contrário transformase numa clínica onde pomos as nossas recordações Acabámos por hospitalizar a nossa memória tal como as nossas cidades históricas ao fazermos delas uns museus 878 CONLEY Verena A Práticas urbanas ecológicas As Três ecologias de Félix Guattari In MOSTAFAVI Mohsen DOHERTY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Canedo pp 138140 648 essas considerações de Conley a respeito de Guattari podemos tentar colocar em relação mais uma vez as análises de Michel Foucault sobre a governamentalida de Foucault na famosa entrevista O olho do poder concedida a JeanPaul Ba rou e Michelle Perrot879 nos fala sobre a necessidade de escrever uma história dos espaços que seria ao mesmo tempo uma história dos poderes E é com base nessa necessidade que o filósofo francês realiza suas pesquisas Assim ele nos lem bra que a partir do século XVIII o modelo da governabilidade começa a se formar e a constituir o que denomina de sociedade disciplinar na qual a vida passa a ser o centro dos cálculos do poder a gestão a economia da vida portanto Já no capítulo V de A vontade de saber880Foucault nos fala da inversão lapidar que ocorre na superação do Antigo Regime neste o poder soberano configuravase como uma possibilidade de causar a morte do súdito para a salvaguarda do so berano e por consequência deixava o súdito viver já nas chamadas sociedades disciplinares em que a economia passa a estar no centro da movimentação social por assim dizer lembremos que é o período forte na formação do capitalismo tratase de uma inversão fomentar a vida causar a vida e devolver à morte e Foucault lembra que a desqualificação da morte de pública à privada como lembra Philippe Ariès881 acontece justamente nesse momento No que diz respeito ao espaço urbano tal mudança pode ser exemplifi cada pelas análises feitas por Foucaulta respeito de dois paradigmas médicos a lepra e a peste882 O paradigma da lepra é marcado pela exclusão os lazaretos o fechamento da cidade já o da peste funcionava de modo diverso uma vez que a expulsão dos pestilentos e o fechamento da cidade se fazia impossível Tratavase de estabelecer modelos de controle controle policial justamente e articulação do espaço urbano dividindoo e esquadrinhandoo em regiões vigiadas por su perintendentes médicos e policiais de modo a aumentar a eficácia do controle sobre a vida O que acontece na formação dos espaços urbanos contemporâneos desse modo é que os dois paradigmas começam a fundirse de maneira a lançar o esquema de vigilância da peste sobre aquele da lepra e viceversa Isto é os dispositivos de controle começam a funcionar como mecanismos fundamentais para a individualização e subjetivação dos habitantes do espaço urbano ou seja para sua gestão e controle Esse é o paradigma que desse modo e com o perdão 879 FOUCAULT Michel Loeil du pouvoir In FOUCAULT Michel Dits et écrits Vol II 19761988 Paris Gal limard 2001 p 190 880 FOUCAULT Michel História da Sexualidade I A Vontade de Saber Rio de Janeiro Graal 2005 Trad Maria Thereza da Costa Albuquerque e J A Guilhon Albuquerque pp 127131 881 ARIÈS Philippe Morir en Occidente Desde la Edad Media hasta nuestros días Buenos Aires Adriana Hidalgo 2007 Trad Víctor Goldstein 882 Cf FOUCAULT Michel Os Anormais São Paulo Martins Fontes 2001 Trad Eduardo Brandão 649 do jogo de palavras governa as noções centrais de cidade e metrópole ao menos no ocidente e depois da integração espetacular para dizer com Debord a própria concepção de cidade contemporânea em geral Aqui podemos prolongar essas análises foucaultianas ainda mais adiante no tempo digamos até nossos dias obviamente sem poder entrar nos diversos matizes possíveis Podemos então ainda nos passos de Foucault e de aqueles que com ele de algum modo dialogam fazer um salto até algumas compreensões a respeito desses espaços urbanos contemporâneos para nos aproximar de nossa proposta Para ficar em um exemplo próximo a Foucault e sobretudo de Deleuze lem bremos o que nos diz Paul Virilio sobre as internalizações dos muros e sobre as rupturas das técnicas tradicionais de projeção arquitetural em prol das precauções necessárias para a segurança pública Em seu O Espaço Crítico Virilio trata em alguma medida das práticas de aceleração dos processos espaciais naquilo que chama de protocolos temporais Nesse sentido ele fala da mudança no estatuto dos habitantes de uma cidade Cito Nesta perspectiva sem horizonte na qual a via de acesso à cidade deixa de ser uma porta ou um arco do triunfo para transformarse em um sistema de audiência eletrônica os usuários são menos os habitantes residentes privilegiados do que os interlocutores em trânsito permanente A partir de então a ruptura de continuidade não se dá tanto no espaço de um cadastro ou no limite de um setor urbano mas principalmente na duração duração esta que as tecnologias avançadas e a reorganização industrial não cessam de modificar através de uma série de inter rupções e de ocultações sucessivas ou simultâneas que organizam e desorganizam o meio urbano ao ponto de provocar o declínio e a degradação irreversível dos locais como no grande conjunto habitacional próximo a Lyon onde a taxa de rotatividade dos ocupantes tornouse elevada demais um ano de permanência contribuindo para a ruína de um hábitat que entre tanto todos julgavam satisfatório883 Virilio aqui já aponta para além dessa sociedade disciplinar a que Foucault dá seus sinais e que aqui levantamos de maneira breve isto é fala da sociedade de controle que Gilles Deleuze levando adiante as análises focaultianas trata de examinar e lembro aos dispositivos de poder Deleuze prefere a ideia de agenciamentos de desejo Pensando essas formas ultrarrápidas de controle ao ar livre justamente a partir de Virilio este que aliás também diz que a arquitetura urbana deve a partir de agora relacionarse com a abertura de um espaçotempo tecnológico Deleuze nos diz É fácil fazer corresponder a cada sociedade certos tipos de máquina não porque as máquinas sejam determinantes mas porque elas exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nas cimento e utilizálas As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples ala vancas roldanas relógios mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie máquinas de informática e computadores cujo perigo passivo é a interferência e o ativo a pirataria e a introdução de 883 VIRILIO Paul O espaço crítico São Paulo 34 2014 Trad Paulo Roberto Pires pp 89 650 vírus884 A segurança pública algo que se coloca no movimento de uma espécie de máquina econômica em desenvolvimento ou seja a gestão governo o po liciamento da população o estímulo à vida para que a economia não cesse seu processo de crescimento colocase como finalidade inexorável à estabilização dos espaços urbanos contemporâneos Assim qualquer tentativa de se pensar tais espaços por meio de paradigmas relacionados à polis que detinha uma agorá um centro de decisões do qual participavam os cidadãos um espaço público etc parece hoje fadado ao fracasso E nesse sentido uma política que ainda preconize elementos relativos à autonomia do espaço público à preponderância dos interesses centrais da comunidade de homens que vivem numa polis à ação comunicativa como modo forte de se pensar a relação política não é senão pala vrório vazio Nesse sentido gostaria de retomar algumas análises que o filósofo Gior gio Agamben fez durante um seminário ocorrido em Veneza em 2006 O tema do encontro do qual também participam Tony Negri e Judith Revel era ligado justamente às questões dos conflitos nos banlieus parisienses em 2005 ou seja toda a problemática da segurança social que era levantada pelo estado francês Agamben nos lembra que o termo metrópole etimologicamente significa ci dade mãe e se refere à relação entre a cidade e as colônias Os cidadãos que assim partiam para fundar a colônia eram chamados por um termo curioso en apoikia distante de casa e da cidade O filósofo então observa que metrópole traz consigo uma ideia de deslocamento de heterogeneidade espacial e política E diz a partir disso me vêm algumas dúvidas sobre a idéia corrente da metrópole como um tecido urbano contínuo e relativamente homogêneo Uma primeira consideração é que a isonomia que define por exemplo a polis grega como modelo de uma cidade política é excluída no caso da relação metrópolecolônia e que portanto o termo metrópole transferido para desenhar um tecido urbano carrega consigo essa heterogeneidade fundamental Assim proponhome a reservar o termo metrópole a algo substancialmente outro em relação à cidade à concepção tra dicional da polis isto é de algo política e espacialmente isonômico Sugiro reservar esse nome metrópole ao novo tecido urbano que se funda paralelamente aos processos de transformação que Michel Foucault definiu como passagem do poder territorial do ancien régime da antiga soberania ao biopoder moderno que é na sua essência segundo Foucault governamental885 Se levarmos em consideração essa proposta de Agamben nos traços de Foucault Virilio Deleuze constataremos que aquilo que está em questão no espaço urbano contemporâneo todos os paradoxos e aporias que se nos mostram de maneira quase intransponível é justamente o esgotamento de suas formas ti 884 DELEUZE Gilles Conversações 19721995 São Paulo 34 2013 Trad Peter Pál Pelbart p 227 885 AGAMBEN Giorgio Metropolis In Sopro 26 Abril2010 Trad Vinícius Nicastro Honesko 651 das como tradicionais Em outras palavras o problema dos espaços urbanos con temporâneos é o da própria conformação políticoeconômica isto é a gestação de um modelo de governo de populações muito mais do que modos efetivos de construção de um espaço em comum o que na chave de leitura de Rancière po deria ser dito um regime policial em vez de um regime político886Nesse sentido é preciso um pensamento que esteja à altura de enfrentar os arranjos que tal con formação políticoeconômica nos coloca de modo que a insistência em modelos de análises e supostas soluções que não encarem essas transmutações soa inócua Em questão está mais do que estratégias de adequação e remanejamentos dentro da sistemática políticoeconômica contemporânea adequações estas que nada mais fazem do que edulcorar práticas que escamoteiam o problema lembro a prática corrente dos créditos de carbono por exemplo um efetivo afrontamento dos problemas suscitados por esse espaço a que denominamos metrópole Ou ainda o bojo do problema do espaço urbano está diretamente relacionado com nosso modo de habitar e tal habitação é diretamente relacionada ao éthos hábi to ou caráter isso que está em questão na ética que mais do que ser um sistema normativo tem a ver com a dimensão da felicidade a doutrina da vida feliz a 886 Nesse sentido também são interessantes as análises de Jonathan Crary a respeito dos novos protocolos 247 vinte quatro horas sete dias por semana do capitalismo contemporâneo Em seu livro 247Capitalismo tardio e os fins do sono Crary nos mostra como no contemporâneo e já muito para além do que ocorria pex nas décadas de 60 e 70 a apreensão da vida cotidiana por dispositivos no sentido que ao termo atribui Agamben ou seja mais alargado que o de Foucault cada vez mais capazes de moldar uma subjetividade smart e em stand by isto é numa lógica da ininterrupção do trabalho leva ao alinhamento de funcionamento dos indivíduos ao do mercado produzindo uma catástrofe planetária Não há lugar que não seja ocupado por uma lógica de consumo e assim todas as fronteiras entre público e privado trabalho e descanso etc se esfacelam A aposta de Crary é que talvez o sono seja o último lugar a ser loteado por essa lógica que atravessa os sujeitos e seus lugares e ao tocálos os impele à transformação em mercadoria Cf CRARY Jonathan 247 Capitalismo tardio e os fins do sono São Paulo Cosac Naify 2014 Trad Joaquim Toledo JrCito aqui um excelente trecho das páginas 109110 Ainda na década de 1960 a crítica à cultura de consumo identificou as linhas gerais da dissonância entre ambientes saturados de imagens e produtos e o indivíduo que embora enredado em sua superficialidade e falsidade perce bia ainda que vagamente a discrepância fundamental desses ambientes em relação a seus desejos e necessidades vitais Consumiamse sem cessar produtos que inevitavelmente deixavam de cumprir suas promessas originais ainda que fraudulentas Agora no entanto a existência de uma divergência entre o mundo humano e o funcio namento de sistemas globais capazes de ocupar cada hora de vigília de nossas vidas parece uma ideia datada e impertinente Há muita pressão para que os indivíduos reimaginem e reconfiguremse a si mesmos identifi candose com as uniformidades e valores das mercadorias bem como dos vínculos sociais desmaterializados nos quais estão tão profundamente imersos A reificação chegou ao ponto de o indivíduo precisar inventar uma concepção de si que otimiza ou viabiliza sua participação em ambientes e velocidades digitais Paradoxalmente isso significa assumir um papel inerte e inanimado Essas expressões específicas talvez pareçam profundamente inadequadas para oferecer uma descrição da emulação e da identificação com os acontecimentos e processos instáveis e intangíveis com os quais nos envolvemos por meio da tecnologia Porque não podemos literalmente entrar em nenhuma das miragens eletrônicas que formam o mercado conectado do consumo global somos obri gados a inventar compatibilidades fantasmagóricas entre o humano e um reino de escolhas que é profundamente incompatível com a vida Não é possível harmonizar seres vivos reais com as demandas do capitalismo 247 mas existem inúmeros in centivos para suspender ou disfarçar ilusoriamente algumas das limitações humilhantes da experiência vivida seja emocional ou biológica Figurações do inerte ou do inanimado também operam como um escudo protetor ou entorpecente que impede o reconhecimento do caráter dispensável da vida nos arranjos econômicos e ins titucionais contemporâneos Há uma ilusão difundida de que quanto mais a biosfera terrestre é aniquilada ou irreparavelmente danificada os seres humanos podem magicamente se dissociar dela e transferir suas interde pendências à mecanosfera do capitalismo global Quanto mais nos identificamos com os substitutos eletrônicos virtuais do eu físico mais parecemos simular nossa desobrigação do biocídio em curso por todo o planeta Ao mesmo tempo nos tornamos assustadoramente indiferentes à fragilidade e à transitoriedade das coisas vivas reais 652 que Aristóteles faz referência887 Em um texto de 2001 denominado A comunidade afrontada o filósofo francês JeanLuc Nancy fala sobre a exaustão de nossas próprias categorias de pensamento Isto é a exaustão seria do pensamento muito mais do que do modo como colocamos modelos de cidade claro que como leitor de Heidegger a referência não pode deixar de considerar todo o problema da superação da meta física isto é não uma replicação em torno ao dado a cidade que aí está mas uma nova maneira de pensar e conceber a cidade as relações políticas e como no que diz respeito à própria representação do espaço habitado tal como lembra Franco Farinelli de conceber a própria concepção de Terra888 Logo na abertura do texto diz O estado presente do mundo não é o de uma guerra de civilizações É uma guerra civil é a guerra civil intestina de uma cidade de uma civilidade e de uma urbanidade que estão se desen volvendo até os limites do mundo e de tal fato até à extremidade de seus próprios conceitos Na extremidade um conceito se quebra uma figura distendida explode uma lacuna aparece Também não é uma guerra de religiões ou então toda guerra dita de religiões é uma guerra intestina ao monoteísmo esquema religioso do Ocidente e nele de uma divisão que se leva também aí às bordas e às extremidades para o Oriente do Ocidente e até à quebra e à fratura bem no meio do divino Tanto que o Ocidente só teria sido a exaustão do divino em todas as formas do monoteísmo e que seja a exaustão por ateísmo ou por fanatismo O que chega até nós é uma exaustão do pensamento do Um e de uma destinação única do mundo isso se exaure em uma única ausência de destinação em uma expansão ilimitada da equivalência geral ou ainda por consequência nos sobressaltos violentos que reafirmam a onipotência e a onipresença de um tornado devenu ou retornado redevenu sua própria monstruosidade Como por fim ser séria absoluta e incondicionalmente ateus sendo capazes de a partir disso fazer sentido e verdade Como não sair da religião pois no fundo isso já 887 Cf também CACCIARI Massimo Op cit p 67ss 888 Em seu belíssimo A invenção da Terra Franco Farinelli expõe como a questão da representação está no cerne dos problemas relacionados ao como habitamos o mundo Por meio de diversas digressões sobre a formação do globo e a noção de globalização Farinelli tenta pensar o lugar a habitação dos homens em nosso tempo Cf FARINELLI Franco A invenção da terra São Paulo Phoebus 2012 Trad Francisco Degani Cito em especial um dos trechos finais pp 132135 Mas se o mundo é um globo todos os pontos podem ser o centro ou seja o centro é plural e móvel e em consequência a proximidade das coisas não implica em sic sua homogeneidade e isotropismo Exatamente do modo como pensamos sem perceber apenas quando olhamos um pedaço da face da Terra como paisagem Podese dizer isso de outra maneira mais sintética se o mundo é uma esfera ou uma paisagem e não mais uma carta geográfica não existem mais nem espaço nem tempo O que ainda nos importaria muito pouco se não fosse exatamente assim e cada vez mais que o mundo hoje funciona pois existe algo que chamamos apressada mente de globalização e o que quer que seja significa antes de tudo a impossibilidade de continuar a fingir que a Terra não é o que é um globo O mundo é um globo ou seja algo funcionalmente descontínuo não homogêneo anisotrópico Tomemos o caso das cidades É realmente paradoxal que hoje se continue a falar de cidades globais que seriam as cidades que comandam a economia mundial uma economia que pela primeira vez na história da humanidade funciona simultaneamente como uma única coisa não necessariamente as maiores cidades da Terra na lista figura Zurique por exemplo mas aquelas capazes de controlar a atividade financeira e suas inovações É paradoxal porque enquanto tal nenhuma cidade é completamente global no sentido em que as funções de comando referentes aos processos de globalização nunca estão caso a caso na cidade toda mas somente numa restrita e às vezes minúscula parte dela cercada por um tecido urbano que apesar de topo graficamente isto é fisicamente em contato com ela não tem nada a ver com o exercício de controle em escala planetária mas é o primeiro a sofrer seus efeitos Tratase de questões graves que dizem respeito ao próprio conceito de cidade e cidadania e por essa razão nos levam ao início de nossa história ao se criar nossa primeira identidade 653 foi feito e as imprecações dos fanáticos contra isso nada podem elas são isso sim o sintoma como o deus gravado no dólar mas sair do monolitismo de pensamento que permaneceu o nosso simultaneamente História Ciência Capital Homem eou Nulidade Isto é como ir ao fundo do monoteísmo e de seu ateísmo constitutivo ou daquilo que poderíamos nomear seu ausenteísmo para aí apreender ao contrário de seu esgotamento aquilo que seria capaz de se extrair do niilismo de sair de seu interior Como pensar o nihil sem transformálo em monstruosidade onipotente e onipresente889 A dimensão da superação do Um esse grande fantasma do ocidente que nisto a que damos o nome de globalização ou nas palavras de Debord sociedade do espetáculo integrado hoje vaga como o grande fantasma divino pelo planeta azul urge como possibilidade para repensar nossos modos de habitar o céu sublu nar para lembrar Latour E é também de Latour que gostaria de retomar algumas ideias antes de partir para a conclusão Em um texto denominado Não há mundo comum é preciso compôlo publicado na revista Multitudes em 2011 ele nos fala da simplificação que a política e aqui digo uma política calcada sobre a primazia do Um do consenso e nesse sentido podemos ler todas as teorias baseadas ingênua ou propositalmente numa dimensão de uma suposta ação comunicativa impu tou à tarefa da composição de um mundo de uma morada possível Não há mundo comum Jamais houve O pluralismo está conosco para sempre Pluralismo de culturas sim das ideologias das opiniões dos sentimentos das religiões das paixões mas também pluralismo das naturezas das relações com os mundos vivos materiais e também com os mundos espirituais Nenhum acordo possível sobre o que compõe o mundo sobre os seres que o habitam que o habitaram que devem habitálo Os desacordos não são superficiais passageiros devidos a simples erros de pedagogia ou de comunicação mas fundamentais Eles ferem as culturas e as naturezas as metafísicas práticas vividas vivas ativas890 Simplificação que parece ser um taxativo impedimento à tarefa do pensa mento digamos Nessa chave lembro que Jorge Luís Borges certa vez disse que se algo fosse inesquecível não poderíamos pensar em nada Pareceme que a hiper trofia de uma memória que tenta a todo custo insistir na imagem no sentido de uma ilusão portanto e se lembrarmos a etimologia de ilusão in ludere podemos perceber o jogo de erro em que nos colocamos nessa insistência de um mundo comum total a grande memória cibernética constitui um apagamento de nossas possibilidades de pensar Nesse sentido pensar tem a ver com o desacordo com a possibilidade de encarar o abandono de modelos préestabelecidos e fantasiosos no que diz respeito à vida em comum Falamos em reorganização reesta belecimento renovação dos espaços públicos mas pouco pensamos sobre o re A quê essa partícula re se refere A um passado idílico que parece ser nosso horizonte A uma retomada Mas retomar o que Como pensar o novo ten do sim em conta o passado num sentido caro a Walter Benjamin mas não de 889 NANCY JeanLuc La communauté affrontée Paris Galilée 2001 pp 1112 890 LATOUR Bruno Il ny a pas de monde commun il faut le composer In Multitudes n 45 Special été 2011 Disponível em httpwwwmultitudesnetilnyapasdemondecommunil trad nossa 654 forma a ficarmos presos a modelos de pensamento Talvez sejam essas as tarefas mais urgentes de nosso tempo Lembrome aqui do mesmo JeanLuc Nancy em entrevista a Pierre Chaillan Em determinado momento o entrevistador diz que para Nancy trabalhar para um mundo e um homem melhores é pensar o presen te e pensar no presente e em seguida pergunta O senhor rejeita portanto a visão da mudança como projeto ao que o filósofo responde Como projeto sim A projeção o planejamento a prospectiva e a programação não fizeram mais do que projetar o que era possível de précalcular em um momento dado sempre E por consequência bloquear a imagem de um futuro já em liberdade vigiada assigné à résidence1 Claro é preciso prever e calcular mas é preciso antes chegar a ver o que deve ser visto e por consequência previsto É necessário projetar com antecedência mais carros Veículos movidos a energia diferente mas com o princípio idêntico de deslocamento quase individual Sem carros e outros transportes Quais Para qual gênero de cidade Qual gênero de viagem Che gamos rapidamente para além do projetável e do possível Ora tratase de um foradopossível sempre Os burgueses em 1430 não tinham nenhuma ideia do que iria acontecer em 1492 quando Colombo chegaria em uma ilha americana E em 1930 não tínhamos a menor ideia da Europa e do mundo em 1992 O que não quer dizer que não é preciso fazer nada é preciso estar atento mas atento ao que não é visível reconhecível formado891 Estar atento ao nosso lugar ao nosso hábitat ao nosso éthos num mote que nos lembra maio de 68 sejam realistas demandem o impossível892 Estar atento e olhar como quem sai à rua para bater pernas com um lápis em mão para lembrar a bela imagem de Virgina Woolf estar atento e olhar como um Guy Debord à deriva pelas por ele chamadas articulações psicogeográficas de um espaço urbano moderno estar atento e olhar não para um projeto de futuro tampouco para uma imagem petrificada de um passado perdido mas para aquilo que nos constitui nós estes viventes possuem linguagem e que constroem cidades como seres de potência e que não têm nenhuma obra destino ou finalidade por realizar Nesse sentido é preciso que em primeiro lugar tenhamos condições de sair da ingenuidade e possamos nestes tempos de urgência ter um pouco de lu cidez para ao menos poder ler nosso tempo Como diz Giorgio Agamben quem quer que tenha conservado alguma lucidez sabe que a crise sempre está sempre acon tecendo que ela é o motor interno do capitalismo em sua atual fase assim como o estado de exceção é hoje a estrutura normal do poder político E como o estado de exceção exige que existam porções cada vez mais numerosas de residentes privados de direitos políticos e que aliás e no limite todos os cidadãos sejam reduzidos a vida nua assim a crise tornada permanente exige não apenas que os povos do Terceiro Mundo sejam sempre mais pobres mas também que um percentual crescente de cidadãos das sociedades industriais seja marginalizado e destituído de trabalho E não há Estado denominado democrático que não esteja hoje comprometido até 891 NANCY JeanLuc O comunismo é o sentido do seremcomum por pensar Disponível em httpflanagens blogspotcombr201402ocomunismoeosentidodoseremcomumhtml 892 Possibilidade e impossibilidade aqui não são apenas modais no sentido de estabelecer alternativas reais ou ima ginárias de tipo ou isto ou aqui pex mas a emergência dinâmica do novo o imprevisível de uma revolução que é apenas linha de transformação linha de fuga e não um advento irreversível e total da sociedade finalmente messianicamente transformada digamos 655 o pescoço com essa maciça fabricação da miséria humana893 O tempo da crise da urgência a nós se abre como único horizonte pos sível Isso não quer dizer que tenhamos que lamentar a perda nessa indistinção generalizada entre público e privado de um espaço da política Pelo contrário apenas tendo consciência desse ponto de não retorno é que poderemos pensar e viver uma nova forma de estar em comum E é diante dessa estruturação de um caráter permanente de crise crise que é também e sobretudo do modo como nos colocamos em jogo nessa sociedade do espetáculo integrado do mundo que podemos não apenas bradar uma saída para a crise com os famosos re do retorno da reestruturação e mesmo de uma revolução mas abrir o flanco para uma guerra Como diz o Comitê invisível A profusão quotidiana de informações para uns alarmantes para outros apenas escandalosas molda nossa compreensão de um mundo globalmente não inteligível Seu aspecto caótico é a neblina de guerra por trás da qual ele se torna inatacável É por meio de seu aspecto ingo vernável que ele é realmente governável Aí está a malícia Ao adotar a gestão de crise como técnica de governo o capital não se limitou a substituir o culto do progresso pela chantagem da catástrofe ele quis reservar para si a inteligência estratégica do presente a visão de conjunto sobre as operações em curso É isso que com ele é importante disputar Tratase em matéria de estratégia de voltarmos a estar dois passos adiantados em relação à governança global Não há uma crise da qual é preciso sair há uma guerra que precisamos ganhar894 E por fim gostaria lembrar de um autor de quem gosto muito Pier Paolo Pasolini Ele que nostálgico de um mundo que já nos anos 60 via se destruir por aquilo que chamava de neofascismo fruto de um neocapitalismo desen volvimentista apontava para uma mutação antropológica que estaria em curso O homem mais do que simplesmente seus espaços de morada é que sobretudo estava mudando e não uma mudança banal mas justamente uma mudança que como diz se contaria em milênios Ainda que possa parecer pessimista eu diria mais polemista a lucidez com que Pasolini encarou seu tempo uma luci dez digna do adágio latino nec spe nec metu sem esperança sem medo talvez possa ser a tradução do realismo que demanda o impossível Termino assim com suas palavras de 1968 Palavras de um polemista que portanto devem ser aqui contextualizadas ainda que sejam extremamente contemporâneas Para mim suas palavras assim como seus filmes e poemas podem funcionar como uma espécie de saudação uma saudação para o nosso retorno a este frágil e precário e para nós único mundo sublunar Um indivíduo que faz algo propondo o melhoramento do mundo é um cretino A maior parte aqueles que publicamente trabalham para o melhoramento do mundo termina na prisão por trapaça Além disso o mundo sempre consegue por fim integrar os heréticos Na realidade o mundo nunca melhora A ideia de melhoramento do mundo é uma daquelas ideiasálibis com que se consolam as consciências infelizes ou as consciências obtusas incluo nesta classificação 893 AGAMBEN Giorgio Mezzi senza fine Note sulla politica Torino Bollati Boringhieri 1996 p 103 trad Nos sa 894 COMITÊ INVISÍVEL Aos nossos amigos São Paulo N1 2016 Trad Ed Antipáticas p 19 656 os comunistas quando falam de esperança Portanto um dos modos para ser útil ao mundo é dizer claro e redondamente que o mundo nunca irá melhorar e que seus melhoramentos são metahistóricos ocorrem no momento em que alguém afirma uma coisa real ou realiza um ato de coragem intelectual ou civil Somente uma soma impossível de tais palavras ou de tais atos efe tuaria o melhoramento concreto do mundo E esse seria o paraíso e ao mesmo tempo a morte O mundo ao contrário pode piorar isso sim É por isso que é necessário lutar continuamente e lutar depois por um objetivo mínimo ou seja pela defesa dos direitos civis quando foram conquistados através de lutas precedentes Os direitos civis estão de fato eternamente amea çados eternamente no ponto de serem suprimidos Também é necessário lutar para criar novos tipos de sociedade na qual o programa mínimo dos direitos civis é garantido Por exemplo uma sociedade verdadeiramente socialista895 REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Che cosè la filosofia Macerata Quodlibet 2016 Metropolis In Sopro 26 Abril2010 Trad Vinícius Nicastro Honesko Mezzi senza fine Note sulla politica Torino Bollati Boringhieri 1996 Note luminaire sur le concept de démocratie In Démocratie dans quel état Paris La Fabrique 2009 ARIÈS Philippe Morir en Occidente Desde la Edad Media hasta nuestros días Buenos Aires Adriana Hidalgo 2007 Trad Víctor Goldstein CACCIARI Massimo A cidade Barcelona Gustavo Gil 2010 Trad José J C Serra COMITÊ INVISÍVEL Aos nossos amigos São Paulo N1 2016 Trad Ed Antipáticas CONLEY Verena A Práticas urbanas ecológicas As Três ecologias de Félix Guattari In MOSTA FAVI Mohsen DOHERTY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Canedo CRARY Jonathan 247 Capitalismo tardio e os fins do sono São Paulo Cosac Naify 2014 Trad Joaquim Toledo Jr DELEUZE Gilles Conversações 19721995 São Paulo 34 2013 Trad Peter Pál Pelbart FARINELLI Franco A invenção da terra São Paulo Phoebus 2012 Trad Francisco Degani FOUCAULT Michel História da Sexualidade I A Vontade de Saber Rio de Janeiro Graal 2005 Trad Maria Loeil du pouvoir In FOUCAULT Michel Dits et écrits Vol II 19761988 Paris Galli mard 2001 Os Anormais São Paulo Martins Fontes 2001 Trad Eduardo Brandão Sécurité Territoire Population Cours au Collège de France 19771978 Paris Gallimard 2004 LATOUR Bruno Il ny a pas de monde commun il faut le composer In Multitudes n 45 Spe cial été 2011 Disponível em httpwwwmultitudesnetilnyapasdemondecommunil Quarenta anos depois de volta a uma terra sublunar In MOSTAFAVI Mohsen DOHERTY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Ca nedo NANCY JeanLuc La communouté affrontée Paris Galilée 2001 LÉquivalence des Catastrophes Après Fukushima Paris Galilée 2012 Vérité de la démocratie Paris Galilée 2008 O comunismo é o sentido do seremcomum por pensar Disponível em httpflanagensblog spotcombr201402ocomunismoeosentidodoseremcomumhtml PASOLINI Pier Paolo Melhoramento do mundo In Revista Cult N 196 Trad Davi Pessoa VIRILIO Paul O espaço crítico São Paulo 34 2014 Trad Paulo Roberto Pires 895 PASOLINI Pier Paolo Melhoramento do mundo In Revista Cult N 196 Trad Davi Pessoa p 30 657 PERCORRENDO LOCALIDADES E ENCONTRANDO O OLHAR REFLETIDO DA HUMANIDADE RECRIANDO O NOMOS NA GLOBALIZAÇÃO Wayne Morrison896 O santo Sínodo ordena que as imagens de Cristo são para serem mantidas particularmente nos templos e que a essas imagens deve ser dada a correspondente honra e veneração não por que se creia que nelas existe divindade ou virtude alguma pela qual mereçam o culto ou que se lhes deva pedir alguma coisa ou que se tenha de colocar a confiança nas imagens mas sim porque a honra que se dá às imagens se refere aos originais representados nelas Ensinem com muito esmero os Bispos que por meio das histórias de nossa Reden ção expressas em pinturas e outras cópias o povo é instruído e sua fé é confirmada e recapitulada continuamente Além dis so se conseguem muitos frutos de todas as sagradas imagens não apenas por recordarem ao povo os benefícios e dons que Cristo lhes concedeu mas também porque se expõe aos olhos dos fiéis os salutares exemplos dos santos milagres que Deus lhes concedeu com a finalidade que dêem graças a Deus por eles e regulem sua vida e costumes aos exemplos dos santos Se alguém ensinar ou sentir ao contrário a estes decretos seja anátema extratos da Sessão XXV Concílio de Trento 1547 896 Wayne Morrison é Professor da Faculdade de Direito da Universidade Queen Mary de Londres membro da British Society of Criminology Sociedade Britânica de Criminologia BSC da European Society of Crimi nology Sociedade Europeia de Criminologia da American Society of Criminology Sociedade Americana de Criminologia do Council for Education in the Commonwealth Conselho de Educação da Commonwealth da Society of Legal Scholars Sociedade de Juristas SLS e da LawAsia Em 2004 se formou Doutor em Direito LLD University of London e em 1991 Doutor em Filosofia PhD Universidade de Londres LSE premiado a distinção Morris Finer Memorial Studentship in Law e o WG Hart Studentship em 1983 concluiu o Mestrado em Direito LLM pela Universidade de Londres LSE com distinção e em 1978 Bacharelado em Direito LLB University of Canterbury na Nova Zelândia 658 Fig 1 lateral de um edifício na esquina da Av Independência centro de Porto Alegre foto Wayne Morrison 27 de outubro de 2017 INTRODUÇÃO CAMINHADAS NOMOS E ATOS DE ENCONTRO Centro de Porto Alegre 27 de outubro de 2017 Retornava a pé de um almoço no Mercado Público havia entrado em duas igrejas para observar as ima gens mas hesitei à tentação de caminhar em um parque com uma estátua um tanto angustiada Praça Dom Sebastião na qual decidi não caminhar Repenti namente fui surpreendido por uma imagem na lateral de um edifício neoclássico um tanto abandonado Ao lado de uma propaganda que eu presumo ser de uma incorporação imobiliária há uma imagem em preto e branco do que julguei ser uma mulher indígena A imagem está em um cartaz de tamanho médio e um pouco rasgado na parte de baixo Não há indicação do que signifique ou do por quê de estar lá não há inscrições além do nome Xadalu na parte inferior ao lado do rasgo Eu parei e contemplei quem é essa mulher ela está viva ou é falecida essa imagem aponta à sua ausência ou à sua presença Por que o cartaz está aqui Eu olhei nos olhos da mulher quase como se eles fossem revelar um sentido querendo que eles revelassem um sentido por trás dessa aparição mas o olhar dela não encontrou o meu Apenas mais tarde quando pesquisei Xadalu na internet aprendi que é o nome artístico de Dione Martins da Luz que mora e trabalha em Porto Alegre e usa a personagem da Xadalu que apareceu pela primeira vez em 2004 como uma forma de manifestação artística uma inserção na superfície no ambiente urbano cotidiano fazendo referência à destruição da cultura indígena 659 procurando fazer presente o que agora está ausente com a destruição da cultura anterior e outras formas sociais e ambientais Minha caminhada pelo centro de Porto Alegre naquele dia de outubro de 2017 é uma função do meu nomos o que Robert Cover chama de universo normativo 1983 Cover nos lembra de que vivemos inseridos e constantemente criamos e mantemos um mundo de certo e errado de lícito e ilícito de válido e nulo897 Nós singular e em medida variável coletivamente tomamos nossas próprias decisões interpretativas as quais podem por vezes ser contrárias a outras definições objetivas impostas por um modo Imperial e apoiado pela violên cia do Estado podemos fazer e fazemos concessões e às vezes nós ou outros sentimos as dores da violência do Estado em nome da epistemologia estatal Os nossos mundos são em parte privados nosso mundo nosso nomos mas habitamos formas especiais de um Globo dividido por um direito espacial o nosso nomos é sempre uma particularidade constituída de espaço e tempo Para o teórico alemão Carl Schmitt o nomos convencionalmente se refere ao direito ou aos princípios que governam a conduta humana mas essa foi uma disposição es pecial uma divisão do mundo Como uma disposição jurídicoespacial o Nomos foi a estruturação global que continha em si diferentes ordens legais econômicas e sociais Em sua base foi constituído por processos de apropriação distribuição e produção que então tomaram formas de positivismo e normativismo como se fossem um reflexo natural do mundo Schmitt 2003 1950 79 A Coloniza ção apoiada pela teoria do direito ocidental sujeitou o globo a processos de apropriação histórica distribuição e produção que nos legam hoje uma realidade geográfica estruturada por pretensões apoiadas por legalidade à posse defesa e compreensões normativas de amigo e inimigo de estrangeiros e familiares A tomada da terra dependeu do entendimento jurídico dos territórios a serem co lonizados como espaço livre e resultou em uma ordem espacial do mundo pen sada administrada e aplicada pela Europa o sistema estatal europeu inteiro foi dependente da colonização e imperialismo Esse processo também dependeu da divisão de humanos entre os civilizados os europeus e os outros esse processo Schmitt viu como um desdobrar do resultado das Grandes Guerras e um novo Nomos estava sendo constituído Escrevendo depois de Schmitt e influenciado por Hobbes e Peter Berger Co ver 1983 oferece uma noção mais personalista do nomos e contrasta o nosso nomos com as definições Imperiais do Estado e de organizações extraestatais nas quais a liberdade e anarquia da nossa habilidade interpretativa é situada em narrativas e em compromissos interpretativos que buscam a criação e a manutenção de uma vida 897 NT no origina void 660 comum de um mundo social Localizados nessa ordem social as pessoas tomam decisões decisões que são normativas com base em narrativas experiências e visões dentro de as quais a norma articulada é a resposta certa A ação humana é sempre estendida entre visão e realidade p 44 mas quem ou o que controla o que vemos até que ponto obtemos em algum momento a compreensão do que vemos para nem mencionar o processo envolvido em permitir que vejamos o que vemos Então comigo eu podia entrar nas igrejas de Porto Alegre entusiasmarme com as bancas e baresrestaurantes do Mercado Público mas achei aquele parque um espaço potencialmente hostil e não caminhei nele Meu nomos é construído pelos desenvolvimentos da minha vida minhas jornadas poderíamos chamálos de colono branco para o póscolonial ou profissionalmente précriminologia e comcriminologia alternativamente eu poderia descrever a minha própria vida como uma jornada para o pósreligioso o qual em um certo sentido se iguala a uma visualidade contida e incontida Ambos cobrem a mesma fissura e estão profundamente arraigados com o visual mas denotam características próprias da divisão Eu cresci em um lar moderadamente católico na pequena cidade de Timaru na Ilha Sul da Nova Zelândia na era de informação limitada que antece deu a internet e na qual o universo prático das pessoas focava nas belas paisagens do campo na agricultura e no esporte Minha educação foi em escolas católicas eu fui primeiro coroinha após 1983 chamados de servidores do altar e mulhe res são autorizadas a servir na pequena Igreja de São José depois na Basílica do Sagrado Coração e no ensino médio eu recebi o prêmio da escola por conheci mento religioso em dois anos consecutivos O meu prêmio demandava que eu fosse a cidades maiores para engajarme em debates com outros vencedores escolares de todo o país Lá Wellington e Christchurch eu encontrei catedrais com vitrais calvários detalhados e mais majestosamente representações do juízo final que talvez apesar de grandiosas deixavam de fora detalhes dos retratos do inferno sobre os quais eu lia e que forneciam os tropos898 centrais nos locais europeus O inferno conforme Hannah Arendt uma vez expressou em termos de um conceito político perdido era a grande presença que acompanhara a hu manidade ocidental por centenas de anos ele lembrava a todos de que qualquer que fosse a posição de alguém em vida todos ao final devem encarar o juízo final e a divisão eterna entre céu ou inferno Mais tarde eu vim à Europa Londres e trabalhei com comida e vinhos antes de me dedicar a estudos de pósgraduação em Criminologia e Teoria do Direito Subsequentemente viajei e tive extensas experiências contemplando interpretando 898 NT No original tropes do inglês mas a palavra é originária do grego trópos que significa desvio sendo assim o sentido aqui empregado tanto na língua inglesa e portuguesa será de tropo como emprego de palavra ou expres são em sentido figurado 661 E ao contrário da maneira pela qual a teoria social é normalmente apre sentada para mim bem como para a maioria dos seres humanos o visual veio antes do logos PODEMOS ESCAPAR DA NOSSA PRÓPRIA LOCALIDADE PELA VISÃO DA VERDADE EM IMAGENS DE ATROCIDADES Fig 2 Mãe conduzindo criança por uma das salas Museu Nacional da Libertação Dhaka Bangladesh 2004 Foto Wayne Morrison Então eu cresci a serviço de um poder a Igreja o meu Diretor tinha es peranças de que eu me tornasse um sacerdote que havia restringido os tipos de imagens que eu podia ver na Igreja e em meu tempo de crescimento as tecnolo gias de comunicação permitiam que poucas imagens perturbadoras penetrassem nas restrições do nosso normal O mundo do senso comum da Ilha Sul da Nova Zelândia Mas contrastemos o Concílio de Trento com a fig 2 O século XIII foi um tempo de grande controvérsia na Europa a respeito do poder da imagem e em particular das imagens das fontes de vida humana então aceitas e da estru turação do cosmos O Todo Poderoso e a união do divino e do terreno na figura de Cristo o Filho de Deus feito Homem Não é de se admirar que o poder institucional da Igreja tinha que convocar o grande Concílio de Trento e dispor diretrizes a respeito das imagens e provocar a forma correta de resposta Que a imagem tinha poder não estava em questão era a respeito de com que propósito 662 aquele poder era para ser usado e em que contexto uma apreciação adequada poderia ocorrer Entre o Concílio de Trento e uma mãe guiando a sua jovem filha ao longo de pilhas de crânios humanos ossos e imagens de atrocidades em um peque no museu em Dhaka Bangladesh dedicado a mostrar um crime de genocídio tentado sem punição está o iluminismo a modernidade e a constituição do Nomos no sentido de Schmitt O iluminismo é normalmente representado como a retirada do véu da visão humana a inauguração da habilidade de enxergar com precisão para encontrar a realidade livre de interpretações arbitrárias de autori dade A razão e não constrições institucionais arbitrárias de poder era para ser a autoridade da humanidade e uma emancipação deveria se seguir A moder nidade foi o complexo social político econômico e cultural que estava assim autorizado uma era de grandes mudanças de complexidade ampliada e fluidez nos modos da vida social de avanço tecnológico de preocupação com a saúde de enormes aumentos em população e tratamentos médicos de libertação do desejo humano e do engajamento de indivíduos e grupos em círculos de consu mo A modernidade viu também um aumento na habilidade humana e talvez na vontade humana de conscientemente e deliberadamente estuprar mutilar e matar outros humanos sob a direção do estado ou de órgãos associados ou com a aquiescência de estados civilizados e das mais insidiosas operações racionais de biopoder Então uma questão desconcertante e frequentemente obscura será a atrocidade em massa uma falta menor um fato que ocorre quando grupos particulares e específicos historicamente se tornaram maus como o resultado de algum fator determinante historicamente específico e contextualmente limitado Ou é a atrocidade e o genocídio de alguma maneira o gêmeo malvado da modernidade Talvez não seja estranho mas muito compreensível que isso não tenha sido uma questão dentro da imaginação criminológica Uma cria da mo dernidade e do nomos a criminologia nasceu na união contingente de uma fé na ciência nos seus métodos de pesquisa bem como na esperança de avanço da vida social pela aplicação dos seus resultados e o compromisso políticomilitar de Vestfália da divisão do globo conhecido em um sistema de estadonação com divisão de graduações entre a Europa e o outro colonial Nascidos nos horrores das guerras religiosas intraeuropeias de liberdade epistêmica a Soberania de Vestfália estabelecida depois do Tratado de Vestfália um nome dado a dois tratados firmados em 1648 e a soberania reconhecida como a força central da organização da vida política pela teoria política hobbe siana consideraram o estadonação como um estado territorial e fizeram da ob tenção das condições da vida social para seus súditoscidadãos a razão para a exis tência do estado A obtenção e a defesa do território envolvia policiar definido amplamente uma questão interna e uma capacidade militar de deter intrusão 663 desde fora Guerras deveriam ser geridas por questões de acordos internacionais entre estados soberanos com nãointerferência nos interesses de outro estado soberano como um princípio central Interesses internos ao estadonação eram questões para o governo daquela nação Com o tempo tornouse aceito que o governo legítimo deveria ser racional ou seja os seus servidores deveriam ser oficiais desempenhando o seu papel tal qual definido pelas normas legais apro priadas e agindo de acordo com os princípios de boa governança A criminologia convencional tem sido um conjunto de discursos que ofe recem uma ilusão de policiamento guiado por ciência Essa criminologia foi uma ciência aplicada um apoio ao estado na redução ou mesmo na solução no pro blema do crime Também deveria ter sido independente um conjunto multidis ciplinar de metodologias e teorias que pudessem ser testadas e reproduzidas ou descartadas de acordo com critérios científicos Mas essa habilidade de oferecer uma descrição fiel do crime e da criminalidade foi e permanece sendo compro metida pela sua fundação ontológica a habilidade do estadonação de definir o que é crime e o contrato social não escrito de ser indiferente ao que está fora da nação veja o frontispício do Leviatã de Hobbes de 1651 no qual o povo olha para dentro e apenas o olhar do Soberano é dirigido para fora Se estados tivessem o direito último de declarar ou seja de criar legislação que definisse a natureza de relações sociais legais e de controlar a reserva de legitimidade da força para processar incapacitar e em muitos casos matar aqueles ditos criminosos então o empreendimento científico da criminologia estaria contaminado para uma explicação completa veja Morrison 20062013 Em nenhum lugar isso foi mais evidente na busca do criminoso natural pela criminologia positivista Lombroso e demais enquanto ignoraramse as vastas atrocidades cometidas em nome do estado veja por exemplo o extenso texto ambiciosamente intitulado Crime and Human Nature the definite account of the causes of crime de Wilson and Hernstein 1985 o qual ignora tudo o que não fora incluído nas estatísti cas oficiais estadunidenses criminais e outras exemplificados acima no caso dos eventos de 1971 no Paquistão Oriental hoje Bangladesh Lá sob o disfarce de questões internas as autoridades militares do Paquistão Ocidental conseguiram tentar suprimir uma mudança política aniquilar uma elite sociopolítica e causar eventos que o governo subsequente daquele território agora Bangladesh inde pendente afirma terem custado 3 milhões de vidas em um genocídio tentado uma afirmação a qual eu contestaria considerando que o número atual seja aprox 400000500000 mas eu aceitaria os números de 10 milhões de refugia dos e de até 250000 mulheres estupradas Esse foi apenas um dos muitos even tos em larga escala nos quais é estimado que entre 1890 e 2000 foram tiradas as vidas de 170200 milhões de pessoas muito mais do que os números oficiais de homicídios mas fora do discurso da criminologia Em uma das mais bem conhe 664 cidas tentativas da criminologia moderna tardia de enquadrar uma teoria geral do crime que supere o problema ontológico e ofereça explicações para todos os crimes em todos os tempos Gottfredson and Hirschi 1990 essa generalidade foi alcançada pela fidelidade aos fatos observados de comissão criminal aqueles da criminologia convencional ocidental oficial O pósmoderno é embasado no entendimento de que os projetos para exercer controle racional na modernidade tiveram diversos efeitos novas tecno logias maravilhosas mas em parte a transformação de humanos em bioórgãos em modelos matemáticos de química e funcionalidade física com muitas das tentativas de estruturar a vida social de modo controlado por exemple Fascismo e Comunismo Soviético demonstrando sucesso por um curto período em mol dar um corpo social no qual destruiu a individualidade e foram no longo prazo fracassos monstruosos todos ocasionando um custo imenso em vidas humanas e abusos do espírito humano O refrão pósmoderno foi desistir de histórias de progresso humano em grande escala dizer que esquemas utópicos de organização social tinham produzido terror então não sonhem e busquem apenas peque nas narrativas submerjamse na imanência da localidade Porém o pósmoderno também repousa no reconhecimento da impossibilidade da localidade abstrata localidades são globalizadas mesmo se a autoconsciência dos andarilhos não for claramente ciente disso A crescente dificuldade dos estadosnações em repro duzir soberania globalização interdependência a proliferação de tecnologias o desmembramento de imagens de seu contexto e localidade a digitalização e a manipulação dos registros de realidade social o reconhecimento de que direito significa muito mais do que o direito estatal monolítico agindo em conexão com alguma sociedade homogênea são apenas alguns exemplos disso O pósmoderno agora desvaneceu somos póspósmodernos a globaliza ção consumiu o pósmoderno A globalização como eu seguindo Nancy 2007 entendo denota uma era na qual a disponibilidade arquivada das tecnologias da comunicação e da informação significa que não é mais possível conceber o mundo como um desconhecido a história está presente e não há espaços escuros no globo E não há lugar desde o qual podemos ver tudo para opor a Borges e à sua metafísi ca de presenças detrás de aparências não se pode ver Aleph pois se está no Aleph899 Quais são os prospectos então para os fundamentos e metodologias adequadas para uma criminologia global póspósmoderna Onde pode a estabilidade ser al cançada Somente no jogo constante de revelar e esconder ou de procurar e encon trar de interpretar e resistir ao imperialismo da interpretação estadista ou às vezes na habilidade de enquadrar essa interpretação E os atos de fala tais como a decla 899 NT Aqui o autor está se referindo à obra literária El Aleph do autor Jorge Luis Borges publicada em 1949 665 ração de que direitos humanos existem Então um criminologista contemporâneo pode promover direitos humanos universais e não específicos ao Estado como uma fundação ontológica para além do estadonação ou territorial crime como o abuso aos direitos humanos como o fornecimento de prejuízo social tendo a cons ciência de que não há coisas tais como os direitos humanos que não sejam como um produto de tal afirmação e caso sejam bemsucedidos no seu reconhecimento de atos de fala Uma narrativa comum para o desenvolvimento em direção a uma perspectiva global é o da emergência de um código de legalidade um código que não é a criação de um Estado ou e uma elite política mas da consciência do mun do empoderada pelas memórias de incontáveis falhas em proteger e nas esperanças de um futuro no qual atrocidades em massa sejam superadas Mas o que pode fornecer uma metodologia proporcionando provas não contaminadas Imagens de atrocidades propõem muitas questões Em um cam po nós podemos ver um modernista se apegando à imagem como uma nova forma de capturar a realidade de dizer a verdade nisso as posições do fotógrafo do sujeito da foto e do observador têm objetividade Dito sem rodeios como por Virginia Woolf as imagens de atrocidades são afirmações de fatos brutais e os fatos são simplesmente maus 1938 21 e 260 Para Levinson 1997 a fo tografia pode prover uma testemunha muda e imparcial da realidade Para outro campo exemplificado por Susan Sontag 1977 a fotografia fornece um novo meio o qual requer tantas habilidades interpretativas quanto a pintura Ela nos alertou a respeito de depositarmos muita fé nas imagens como um poder para o bem Imagens trespassam Imagens anestesiam elas podem também corromper a consciência 1977 20 Em algumas versões da análise cultural pósmoderna a fotografia veio para substituir a realidade para Jean Baudrillard 2001 147 a realidade funda a si mesma devido a uma infindável reduplicação do real Consequentemente ver a imagem é entrar em uma relação de equivalência de indiferença na qual testemunhamos apenas a extinção do original Em seu ex tremo tal tese parece nos condenar à inatividade e ao tédio Encarando a prolife ração da imagem estava a mensagem de que simplesmente nos tornamos voyeurs turistas em um mélange mistura de imagens e textos no qual o assassinato em nassa de 800000 inocentes em Rwanda em nove meses em 1994 ao menos nos proporciona oportunidades magníficas para tirar fotos e então baixar imagens do youtube ou livros de fotografia com design artístico Em um trabalho posterior tendo testemunhado a ocorrência continua de atrocidades em massa tais como o desmembramento da Iugoslávia Sontang 2003 modificou a sua posição e argumentou que imagens de atrocidades são capazes de construir pontes entre grupos ao proporcionar uma verdade da guerra da violência do sofrimento de maneiras que podem confrontar várias audiências incluindo os perpetradores confrontando portanto a vida diária no nomos das pessoas 666 FOCO QUATRO IMAGENS Em foco estão quatro imagens o que está sendo testemunhado O que podemos ler nessas imagens Qual é a política de se olharem imagens de atroci dades Podem as imagens de atrocidades serem etiquetadas definidas categori zadas Fig3 Fonte Bartolomé de Las Casas Brevísima relación de la destrucción de las Indias texto manuscrito 1542 publicado em espanhol vernacular em 1551 Tradução usada Griffin Penguin ed 1992 Imagem 2 de 18 na página 10 de 1599 da edição em Latim Frankfurt trabalhando a partir da tradução para o francês de 1579 Entalhes por Theodore de Bry esta imagem foi dita baseada em outra imagem mais antiga O Brevísima relactión foi uma tentativa de pressionar no leitor a urgência da experiência americana a importância de estar lá e de estar lá com intenções inocentes Pagden 1992 xxx O texto ao lado da imagem diz a ilha de Hisponiola atualmente Haiti e República Dominicana foi a primeira a testemunhar a chegada dos europeus e a primeira a sofrer a matança generalizada do seu povo e a devastação e a despopulação da terra Eles impuseram os seus desejos aos povoados nativos chacinando todos que eles encontraram lá incluindo crianças pequenas homens ve lhos mulheres grávidas e até mulheres que haviam recém dado à luz Eles os esquartejaram abriram as suas barrigas com as suas espadas como se fossem muitas ovelhas levadas a um curral Eles chacinaram todo mundo e a todos em seu caminho por vezes atravessando mãe e filha com um único golpe de suas espadas Eles não pouparam ninguém erguendo forcas nas quais pudessem pendurar acima do solo as suas vítimas pelos pés para depois queimálas vivas treze de cada vez em honra ao nosso Salvador e aos doze Apóstolos ou amarrar palha seca aos seus corpos e neles atear fogo Uma vez ocorreu de eu pessoalmente testemunhar a 667 queima de quatro ou cinco líderes locais dessa maneira quando os uivos das pobres criaturas se colocou entre o comandante espanhol e o seu sono Ele deu a ordem de que os prisioneiros deveriam ser estrangulados mas o homem encarregado do destacamento da operação que era mais sanguinário do que o carrasco médio eu sei a sua identidade e até conheci alguns de seus parentes em Sevilha e estava relutante em interromper o seu entretenimento pessoal pelo estrangulamento estava pessoalmente socando batoques de madeira nas suas bocas para que parassem com a gritaria e deliberadamente cuidou para que as fogueiras fizesse demorar a morrer conforme mandava a sua própria vontade Esta imagem é uma das 18 adicionadas a uma edição posterior de um texto inicialmente escrito em meados do século XVI Qual era o contexto A conquista espanhola das Américas está resultando em grandes remessas de ouro e outras ri quezas de volta à Espanha A Espanha Católica parece destinada a se tornar o gran de poder da Europa e estender o seu domínio sobre o mundo Estamos também no início de uma luta contrária de uma exposição de atrocidades e argumentos a favor dos direitos iguais de toda a humanidade que muitos agora consideram o nascimento ativo da campanha moderna por direitos humanos Mas se o cresci mento desse movimento depender das narrativas daqueles que foram testemunhas do sofrimento de companheiros humanos então ele tem problemas Em primeiro lugar a realidade sociopolítica dessa ocupação é tal que qualquer um que participe tem interesses ligados à sua continuidade Os sobreviventes dos massacres são ou vendidos como escravos ou dados aos oficiais espanhóis locais como seus direitos o declínio populacional da terra libera espaço para a colonização a única fraqueza é a contínua necessidade de trabalho para as minas e os campos uma necessidade que vai com o tempo demandar que negros africanos sejam trazidos como escravos através dos mares Todos inclusive os padres têm um interesse econômico Em segundo lugar há importantes argumentos ideológicos e aparentemente embasa dos na filosofia e na doutrina os quais defendem que os nativos daquelas terras são pagãos e inferiores aos espanhóis cristãos e naturalmente ocupam um lugar inferior na hierarquia da criação Mas outros intelectuais cristãos discordam então um conflito entre de um lado a realidade social dos interesses econômicos com o desejo de usar as descobertas para ganhos em termos de riquezas e o interesse nacional na expansão e na aquisição de riqueza Estatal parcialmente necessário para financiar guerras na Europa e a proteção de interesses históricos lá e de outro lado o reconhecimento teológico e filosófico de que toda a humanidade é digna de igual respeito A contradição toma uma forma precisa no encontro da neoescolás tica espanhola do século dezesseis com as realidades da dominação sobre o Novo Mundo A tentativa de sanar essas contradições e criar uma doutrina humana da exploração do encontro e da proteção legal da coabitação de diferentes grupos ét nicos veio na pessoa de Bartolomé de Las Casas Las Casas tinha primeiro vindo às Índias da Espanha em 1502 aos 18 anos de idade e depois de retornar à Espanha quatro anos mais tarde para continuar seus estudos foi ordenado ao sacerdócio e passou dois anos após o seu ordenamento estudando direito canônico Em 1509 ele viajou novamente ao Novo Mundo onde ele serviu como capelão na conquista 668 espanhola de Cuba e firmou residência em Hispaniola A vida para os espanhóis nas índias ocidentais incluindo para os sacerdotes se dava por meio da exploração dos índios de uma encomienda um sistema pelo qual foram dadas aos colonizadores espanhóis extensões de terras e o direito ao trabalho forçado do povo nativo em troca de uma promessa de instruílos na fé Os frades da Ordem dos Pregadores os Dominicanos acreditavam que o sistema não possuía justificação teológica e tentavam mediar a brutalidade Em 1514 Las Casas mudou profundamente de entendimento libertou os seus índios trabalhadores escravos e começou a desafiar as atrocidades que via Ele ingressou na Ordem Dominicana criou um grande corpo de tratados memoriais e testemunhos bem como se engajou politicamente tornandose o Protetor dos índios o cargo estatal oficial ao qual foi nomeado pela coroa Os argumentos de Las Casas contra o sistema da encomienda os seus relatos da crueldade e neofeu dalismo dos conquistadores em seu Historia de las Indias resultou na promulgação das Leis Novas de 1542 por Carlos V determinando que nenhum índio seria mais escravizado e que os funcionários públicos não dependeriam mais das suas encomiendas Desnecessário dizer que as Leis Novas jamais foram implementadas ou aplicadas como previsto Em 155051 um painel de teólogos e juristas foi instruído a ouvir a ambos a Las Casas e ao seu principal inimigo intelectual Juan Ginès de Sepúlveda a debater as bases filosóficas e teológicas da ocupação espa nhola das Américas e se as justificações de Sepúlveda deveriam ser publicadas Apesar de extensa e revestida de caminhos complexos e circulares a oposi ção era clara Seria a natureza do cosmos e do homem tal que estaria organizada em graus hierárquicos de valor e haveria portanto uma diferença natural entre os ti pos de humanos demonstrados em seus diferentes valores culturais e práticas com a consequência de que a escravidão pelo superior seria uma consequência natural e lógica Ou pode a estrutura de similaridade ser percebida sob o relativismo e a di ferença de comportamento crença e prática Em outras palavras será que a diver gência entre culturas provou não uma divergência lógica ou natural entre superior e inferior bem como entre civilizado e sem civilidade e dentro do ou sem direito mas apenas diferença Para Las Casas havia uma similaridade essencial sob a dife rença Qualquer ritual por exemplo que se seguisse eram requeridas dedicação e devoção assim sendo ele afirmou um desejo de comunicar com o todopoderoso invisível se põe por trás das práticas religiosas tanto de espanhóis quanto de índios A Verdade pode ser uma mas as expressões da Verdade eram variáveis e diversas a diferença pode não ser erro mas apenas uma diferença em expressão Em contraste para Sepúlveda a criação dividiu o cosmos em segmentos on tologicamente distintos e hierarquicamente organizados Enquanto para Las Casas a diferença em natureza não divide pois a diferença é parte do natural e a lei da natureza pode ser uma para todos Não há uma posição não há um indivíduo mais perto de Deus que o outro 669 O painel julgou em termos ambíguos aos textos de Sepúlveda não se permi tiu a publicação mas nenhuma nova lei foi criada e quaisquer proteções aos índios que tenham sido prometidas a Las Casas não se tornaram realidade Las Casas pu blicou o Brevísima relación que havia sido enviado anteriormente a Felipe II tendo como destinatário diretamente a Felipe II As afirmações de Las Casas pretendiam informar à coroa o que estava sendo praticado em seu nome Em seu prólogo ele estabelece o direito Divino de governar e adiciona a condição de que se o direito de governar é um presente de Deus então quando a comunidade sofre pelos defeitos de maldades a explicação só pode ser a de que o governante desconhece esse sofri mento e corrigirá a situação quando for informado da realidade O Brevísima relación foi publicado em vernáculo espanhol a língua do povo e não em Latim a língua da elite europeia Ele queria que isso se comunicasse com o povo que informasse Ele pensou de maneira otimista e incorreta que o teste munho das atrocidades influenciaria a opinião pública As suas ações fizeram dele uma figura histórica controversa santo ou traidor Las Casas é rotulado como o criador da lenda negra ou seja da narrativa usada na Europa Protestante de que a Espanha Católica era excepcionalmente cruel violenta e gananciosa por poder e riquezas Isso tem muita relação com as posteriores traduções e publicações tais como as de De Bry que publicou uma série de relatos das grandes viagens de exploração e conflito agora ilustradas com entalhes em cobre A inquisição havia forçado De Bry um Protestante a fugir de sua terra natal de Flandres controlada pela Espanha e a se estabelecer como um ilustrador e entalhador em Frankfurt Após uma visita à Inglaterra na década de 1560 De Bry e seus filhos planejaram um projeto ambicioso chamado Grandes Viagens à América uma iniciativa editorial a qual reeditaria séries de volumes de grande circulação recheados de relatos da exploração do Novo Mundo previa mente publicados agora com entalhes detalhados e imaginativos em cobre feitos por De Bry Mais de trinta volumes foram publicados por de Bry e seus filhos Foi influenciado pelo cosmógrafo Richard Hakluyt de Oxford um forte propo nente da colonização inglesa das Américas De Bry usou as suas Grandes Viagens para popularizar relatos de exploradores franceses ingleses e alemães e para gerar publicidade na Europa em prol de um projeto de colonização Protestante que pudesse competir com aqueles de Portugal e da Espanha Católicos A Espanha foi retratada como inerentemente cruel os índios como ou vítimas fracas ou em imagens semelhantes às poses nobres das imagens clássicas gregas e romanas As 18 imagens da Brevísima relaciónmostram cremações esfolamentos desmem bramentos selvagerias com cães e outras torturas diversas todas ilustradas de maneira fantástica de modo a prover mesmo à audiência analfabeta com uma ideia de o quão horríveis os Católicos podem ser veja Conley 1992 para uma interpretação aprofundada das imagens e explicação da estratégia de De Bry Esses relatos de atrocidades coloniais espanholas gerou um sentimento anties 670 panhol por toda a Europa e até mesmo dentro da própria Espanha com força suficiente para desestabilizar o poder espanhol no Novo Mundo Gibson 1971 É o bastante a respeito da imagem tradicional a pintura xilogravura ou enta lhes em cobre Susan Sontag 1977 153 argumentou que as imagens que têm uma autoridade praticamente ilimitada em uma sociedade moderna são principalmente imagens fotográficas em razão de propriedades peculiares a imagens registadas por câmeras Essas imagens são capazes de usurpar a realidade já que a fotografia é não apenas uma imagem como uma pintura é uma imagem uma interpretação do real mas também um vestígio algo estampado diretamente a partir do real como uma pegada ou uma máscara mortuária Uma pintura mesmo perfeitamente realística não é nunca mais do que a afirmação de uma interpretação uma fotografia nunca é menos do que o registro de uma emanação ondas de luz refletidas por objetos um vestígio material do seu sujeito de uma maneira a qual nenhuma pintura pode sêlo Fig 4 Garoto olhando para uma planta de borracha natural cortada extrato de látex pingan do em um balde Fonte Coleção Alice Harris AntiSlavery International Londres À primeira vista é impossível interpretar a Imagem 4 como uma imagem de uma atrocidade mas quando contextualizada e colocada em uma narrativa de direitos humanos ela se torna uma imagem reveladora da realidade por trás das práticas genocidas no coração da dominação pessoal do Rei Leopoldo II da Bélgica sobre o território na África hoje conhecido como República Democrática do Con 671 go uma extensão de terra maior do que a Europa Ocidental a qual tomou a vida de pelo menos 8 milhões de pessoas entre 1885 e 1908 Las Casas foi um partici pante de práticas genocidas que mudou Ele foi um viajante tal qual Joseph Con rad que desempenhou um pequeno papel às margens do Estado Livre do Congo legado a Leopoldo pela Conferência de Berlim que talhou a África e a dividiu entre as potências europeias 1884 Conrad 1899 apresentou o seu relato como o romance O Coração das Trevas o qual continha a frase memorável de que lá não havia controles externos Nenhum órgão externo podia intervir ninguém sabia Para Leopoldo seus estratagemas eram melhores deixados na sombra e escuridão e poucos suspeitavam que processos e miséria humana pagaram pelos maravilhosos monumentos que ele construiu para tornar Bruxelas uma rival de Paris com seus Arc de Triomphe e maravilhosos Museus particularmente aqueles de artefatos na tivos mementos das explorações de Stanley e animais empalhados em Tervuren para um comentário completo veja Morrison 2006 capítulos 5 e 6 A máquina de propaganda de Leopoldo estava organizada ao redor da nar rativa central de civilizar o Congo de derrotar o comércio árabe de escravos e de trazer os benefícios do comércio ocidental o território era denominado Estado Livre do Congo o Livre significando livre comércio A realidade era a de que esse comércio ocidental era um sistema neoescravatista de trabalhos forçados de exploração dos nativos na produção para o consumo ocidental primeiro de mar fim e depois da borracha que havia na natureza Apesar de haver alguma oposição interna foi por meio dos esforços de Missionários e ativistas estrangeiros Alice Harris e ED Morel que havia sido um funcionário e se deu conta de que enviar armas e munição e quinquilharias e receber de volta marfim e borracha não era livre comércio por exemplo que foram apresentadas imagens que quebraram a hegemonia da história oficial veja Hoschscild 1998 No Solilóquio do Rei Leopoldo 1905 de Mark Twain um monólogo imaginário que é conduzido por Leopoldo e ilustrado com fotografias da coleção de Harris Leopoldo afirma que a câmera Kodak foi a única testemunha que ele não conseguiu subornar Porém esse suposto realismo em favor da fotografia pelos direitos humanos precisa ser contextualizado tendo em vista que havia um universo de mídias que apoiavam a narrativa oficial A revista popular Le Congo Illustre Voyages et Traveaux des Belges dans lEtat Independent du Congo Congo Ilustrado Viagens Trabalhos de Belgas no Estado Livre do Congo operou de 1892 a 1895 e expôs muitas das imagens que estabeleceriam as bases imagéticas da representação do projeto do Congo Isso foi mais tarde fortalecido pela série de volumes intitulada Etat Independent du Congo e publicados pela Muse du Congo precursor do Museu Real da África Central em 19034 Publicada em 1904 como uma série de Anexos aos Anais do Museu do Congo sob o título LEtat Independent du Congo Document sur le pays et ses 672 habitantsa série usou cerca de 1500 fotografias As notas prévias estabeleceram o objetivo como o de trazer uma realidade às pessoas Aqui a Kodak é usada como um instrumento de reafirmação Essas fotos são fragmentos de um proces so complexo com muitos determinantes entrecruzados mas lá são apresentadas com pouca indicação dessa complexidade Reagrupadas elas são reunidas para constituir uma nova entidade uma realidade carimbada com a autenticidade científica do Museu Como uma totalidade eras vão constituir a evidência da natureza salutar do projeto colonial humanitário do Estado Livre do Congo O texto oferece a narrativa de um processo civilizatório transformando o nativo africano em um corpo disciplinado capaz de operar no novo espaço geosocial rotinizado e bemestruturado que era para ser o estado civilizado O texto fun ciona como uma instituição de autoridade Ocidental Por meio do museu e desses textos Leopoldo procurou reconhecimento sob o olhar belga já que era por esse mecanismo que a população da Bélgica poderia se apropriar dessa causa O leitor é seduzido em uma retórica de auto parabenização Se e isso não era de fato provável dadas as medidas sufocando publicações um membro da audiência tivesse ouvido os rumores da realidade do Congo e das medidas tomadas para a produção de borracha aqui estava uma rejeição autêntica O texto do Museu mostra algumas imagens da coleta de bor racha as quais fornecem uma imagem de agricultura sustentável na qual os na tivos haviam cuidadosamente feito cortes nas plantas e explorado a extração As imagens 3 e 4 apresentam realidades diferentes Debaixo de grande pressão para produzir borracha este jovem cortou a planta silvestre em seções isso trará um retorno máximo desta vez mas vai condenálo a um retorno decrescente Incapaz de reproduzir esse retorno ele em realidade já assinou a sua sentença de morte Em comparação uma das imagens mais dramáticas que Harris registrou foi de Nsala de Wala com a mão e o pé de sua filha em maio de 1904 Um homem local Nsala tinha vindo à estação missionária de Baringa com um pequeno embru lho contendo as extremidades mutiladas de sua filha pequena A prática de decepar mãos em particular havia se tornado relativamente comum pela ação de membros da Force Publique a força semimilitar semipolicial tecnicamente por causa do controle sobre o número de cartuchos usados durante as suas expedições para a co leta de borracha mas também como uma forma de aterrorizar a população com a finalidade de produzir mais borracha No caso de Nsala tanto a sua esposa quanto a sua filha haviam sido mortas e mutiladas e ele tinha conseguido resgatar apenas uma pequena mão e um pequeno pé para mostrar como prova Nsala foi fotografa do sentado e com um olhar perdido como as duas pequenas mãos ao fundo dois outros nativos observavam Alice esposa de John enviou a fotografia revelada de volta à GrãBretanha com o comentário A fotografia é muito reveladora e como uma avalanche vai despertar em qualquer audiência uma explosão de raiva veja Thompson 2007 Sob a influência de ED Morel que havia formado a Asso 673 ciação da Reforma do Congo o casal Harris percorreu tanto a Europa quando a América com uma apresentação de slides das Atrocidades do Congo em lanterna mágica contendo a sua coleção de imagens A imagem de Nsala apareceu na forma impressa em muitos lugares incluindo o panfleto de Mark Twain vários livros dedicados às atrocidades do Congo como O Regime do Rei Leopoldo no Congo de ED Morel e em vários outros jornais e periódicos Leopoldo tentou o seu trunfo Harris era um Protestante e a história havia mostrado como a Europa Protestante via o colonialismo Católico mas a maré da opinião pública estava contra ele ele vendeu a colônia para o Estado Belga em 1908 Na sua história Adam Hochschild chamou esta a primeira campanha de sucesso em favor dos direitos humanos na história mas eu sou mais contido Leopoldo lucrou ninguém jamais foi punido e quando ao Congo foi mais tarde dada a independência o país assumiu um débito nacional veja Morrison 2006 capítulo 5 Fig 5 Membros do Batalhão de Polícia Reserva 101 olhando e sorrindo para a câmera quan to um de seus companheiros registra uma foto de lembrança de suas ações aktions contra os judeus Fonte Taffet 1945 Para Goldhagen 1998 A disposição desses alemães de fazerem um registro fotográfico extenso de seus feitos incluindo as suas operações de matança no qual eles aparecem com expressões animadas e orgulhosas de homens inteiramente confor táveis com o seu ambiente a sua vocação e com as imagens que estão sendo preservadas é prova convincente de que eles não se concebiam como tendo se envolvido em crimes e muito menos em um dos maiores crimes do século Sontag havia afirmado que a câmera torna a todos um turista na realidade de outras pessoas e finalmente na sua própria isso é apropriado para todo um gênero de imagens que eu em outro momento chamei de turismo genocida Mor rison 2004 O advento da produção em massa e relativo barateamento da câmera significou a possibilidade de circularem imagens registradas pelos próprios perpe 674 tradores em condições nas quais as autoridades estatais não as teriam tolerado A primeira imagem que eu colocaria nessa categoria vem de uma imagem desbotada do Sudoeste Afriano Alemão hoje Namíbia no genocídio Herero de 1904 ela mostra uma fila de corpos e dois soldados alemães uniformizados e com sorrisos complacentes no plano frontal As imagens do Batalhão de Polícia Reserva foram usadas por Goldhagen como uma prova visual de que a sua tese de um período his tórico particular de antisemitismo alemão era uma explicação para o Holocausto Para ele esta imagem assim como outras imagens semelhantes demonstra prova visível da vontade dos alemães em participar no Holocausto eles não foram co agidos não foram enganados mas foram os Carrascos Voluntários de Hitler Ele assume um observador universal a imagem ilustra para nós como era célebre para os alemães o seu ativo descaso para com os Judeus como os brinquedos para a sua própria satisfação Mas elas não provam isso a existência de imagenstroféu nas memórias de soldados japoneses dentre outros demonstra que Goldhagen poderia deixar que a imagem provasse a ele a sua tese apenas porque não havia visto imagens de atrocidades suficientes E as imagenstroféu do abuso de prisioneiros pelos guardas militares estadunidenses em Abu Ghraib O presidente dos EUA George Bush 6 de maio de 2004 BBC online afirmou que ele pedia desculpas pela humilhação sofrida pelos prisioneiros iraquianos e pela humilhação sofrida por suas famílias mas que ele pedia desculpas igualmente pelo fato de que as pessoas que vissem essas imagens não entenderiam a verdadeira natureza e o coração dos EUA Para Sontag 2004 essas imagens revelaram uma mudança menos objetos a serem guardados do que mensagens a serem disseminadas circuladas A câmera digital agora significava que as imagens entraram em circulação imediatamente e assim os perpetradores aparentemente não tinham a noção de que havia qualquer coisa de errado no que as fotos mostram 675 Fig 6 Uma criança judia sendo fotografada pelo Instituto de Pesquisa Racial para que pu desse ser classificada de acordo com tipo raciais no Terceiro Reich Meados dos anos 1930 MEPLArquivo de Weimar O projeto de classificar de acordo com a raça penetrou profunda mente na consciência cotidiana Esta imagem também precisa de contextualização em uma narrativa de procedimentos racialistas científicos biopoder para darlhe poder explanató rio Genocídios não acontecem simplesmente Somos familiares com um padrão de processos históricos de estigmatização rotulação no qual a linguagem se torna um indicador de que um grupo está sendo preparado ou suscetível a ações que antecedem o genocídio A linguagem que retratava o judeu como um parasita um verme estava apoiada em descobertas científicas de eugenia e características hereditárias Em cartazes e imagens a pátria o espaço civilizado da Alemanha de veria ser protegida pela contenção e então solução do problema da contaminação O que fazemos dessa captura em imaginário as características de um outgroups900 Sontag 1977 5 afirma que a consequência de a fotografia se tornar o modo primário de se capturar a realidade é o desenvolvimento de uma catalogação bu rocrática nas quais populações móveis são vigiadas e mantidas estáveis Em uma das Leis de Nuremberg a Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemães a lei le gitimou o antissemitismo racista e tornou a pureza de sangue em uma categoria jurídica Dawidowicz 1975 63 Rubenstein 1978 4 O processo destrutivo demandou a cooperação de todos os setores da sociedade alemã Os burocratas elaboraram as definições e os decretos as igrejas deram evidências de descendên cia ariana os serviços postais levaram mensagens de definição expropriação des naturalização e deportação corporações empresariais dispensaram os seus empre gados judeus e retomaram propriedades arianizadas as ferrovias carregaram as vítimas aos seus lugares de execução um lugar disponibilizado à Gestapo e à SS pelo Wehrmacht Exército Alemão Onde se encaixa essa imagem no debate entre argumentar que apenas alemães em um ambiente cultural específico aquele de um antissemitismo eliminatista Goldhagen e aquele de homens ordinários situados em um complexo de forças muitas das quais eram banais incluindo pressão dos pares do grupo Browning 1998 Quando as forças comunistas Viatnamitas liberaram o Camboja dos horrores do Khmer Vermelho em 1979 e foram tratadas como invasoras de um espaço soberano pelos poderes ocidentais eles encontraram no centro de interrogatório de Tuol Sleng anteriormente uma escola depois um centro que processa mais de 15000 pessoas para a sua morte e agora um museu e trampolim para matanças na região pilhas de fotografias abandonadas retratando a todos que haviam sido interrogadoseliminados Cada detento tinha tido que sentar em uma cadeira especial com um encosto de cabeça 900 Outgrup remete a ideia de alteridade de grupos dos quais o eu ou o nós entende por não pertencer 676 proeminente e ajustável para terem as suas fotos tiradas de frente e de perfil ar quivos e registros do interrogatório e das confissões foram mantidos Para que propósito Eles não serviam a um propósito operacional na época mas deram um registro de todos os que foram processados Participação na manutenção de registros da modernidade Aceitase então Charny 1986 148 os assassinos em massa da humanidade são em grande medida seres humanos ordinários aquilo a que nós chamamos de pessoas normais de acordo com definições atualmente aceitas pela profissão da saúde mental ENTRANDO NA GLOBALIZAÇÃO Agora não temos desculpas para não saber Temos muitas imagens mas não há uma chave estabelecida para se lerem essas imagens nem um conjunto de definições e limites para o que uma imagem de atrocidade realmente é Nós ainda mantemos a controvérsia do século XIII a respeito do poder de uma imagem mas aqueles de nós que agiriam de maneira crítica não aceitariam diretrizes institucionais a respeito de como interpretar e nem onde postar ou o que ver Pode a criminologia se transformar em uma empreitada global Ela precisaria de transformação e se a imagem pode ajudar a criminologia a en frentar os grandes impunes crimes que tem ignorado então um lastro mais amplo possível de imagens deve ser considerado Algumas questões podem ser respondidas a gama de imagens deixa claro que humanos cometem atrocidades em massa em condições específicas com fatores explicativos específicos históri cos e complexos mas o alcance de processos e pessoas envolvidas significa que não há segurança derivada da afirmação de que atrocidades podem acontecer apenas em tais e tais condições Walter Benjamin 2008 1935 defendeu que a autoalienação alcançou um grau tal que a humanidade pode experienciar a sua própria destruição como um prazer estético da primeira ordem Podemos ser assombrados pela observa ção de Walter Benjamin apesar de ter ela ter sido feita sobre a arte durante o fascismo para a esperança e a confiança de que em tempos pósmodernos nós podemos confiar na imagem e a imagem pode trabalhar para a humanidade Uma das razões por que Las Casas escreveu o seu Brevísima relación foi o seu medo pelo futuro da Espanha Já que acreditava no Deus Todopoderoso e no Dia do Juízo Final ele tinha medo de que Deus aplicaria castigo divino em ra zão dos horrores que a Espanha estava causando à própria Espanha e destruir o seu poder e trazer terríveis sofrimentos aos seus povos Com o que substituímos aquele medo do grande Dia do Juízo Final Há algora uma série de museus de atrocidades repletos de imagens O que significa visitálos Bauman 1993 80 afirma que o eu moral é sempre assombrado pela suspeita de que não é moral 677 o suficiente se isso é verdade então qualquer ideia de um nós coletivo deve se abalar Ver imagens de atrocidades nos museus Nacional da Libertação Dhaka da Armênia de Nanking do Holocausto da Ruanda do Camboja caminhar pelo Museu Real da África Central em Buxelas é perceber que qualquer que seja a emoção provocada o mundo o mundo secular não faz justiça onde a questão é genocídio Podemos explicar isso afirmando que a modernidade dizia respeito ao estadonação e à construção de um espaço civilizado dentro de fron teiras territoriais e a extinção de nossas preocupações referentes ao estupro e à sujeição dos outros territórios do globo foi o preço oculto que pagamos pelo nosso espaço civilizado o nosso nomos Alternativamente poderíamos dizer que a escassez de informação poderia ter sido uma explicação O globo estava divi dido em termos de espaço tempo e forma mas não estamos mais naquele lugar Primeiro o telégrafo fotografia e agora a World Wide Web encolheram as divisões distâncias Mas isso foi substituído por um excesso de informação produzindo alguns suspeitam o semsentido e a incoerência do excedente Podemos ver nisso quaisquer razões para otimismo Uma das imagens que uso eu registrei em Tuol Sleng em 2007 Era para ter sido uma foto de uma foto maior tirada pelos burocratas do Khmer de uma mulher imobilizada em uma posição tal que a imagem poderia ser registrada de perfil A foto original é preservada por trás de uma proteção de vidro e a minha imagem final tem uma sombra É a imagem refletida de mim mesmo tirando a foto da foto e pouco mais ao lado há uma reflexão de outra pessoa me observan do tirar a foto da foto Quanto eu mostrei isso em uma apresentação alguém per guntou quem é esse observando e o que estão fazendo De fato quem Então de volta à imagem da mulher indígena em Porto Alegre o artista criou um cartaz e criou um evento procurou fazer visível a presença ausente perturbar o nomos Então a globalização a recriação do nomos mas o efeito e o futuro permanecem incerto Então Clarice Lispector A criação não é a compreensão é um novo mistério Quan do eu morri um dia eu abri meus olhos e lá estava Brasília Eu estava só no mundo Havia um táxi estacionado Sem um motorista Oh que assustador Esperei até o anoitecer como alguém esperando pelas som bras para fugir Quando caiu a noite percebi com horror que era inútil independentemente de onde eu estivesse eu seria visto O que me aterroriza é visto por quem Clarice Lispector 19622015 5712 678 REFERÊNCIAS Baudrilard Jean 2001 Symbolic Exchange and Death in Mark Poster ed Jean Baudrilard Selec ted Writings 2nd ed Cambridge Polity Bauman Z 1993 Postmodern Ethics Cambridge WileyBlackwell Benjamin Walter 2008 1935 The Work of Art in the Age of Its Technological Reproduction and Other Writing on Media ed Michael Jennings Cambridge Mass Harvard University Press Browning Christopher R 1998 1992 Ordinary Men Reserve Police Battalion and the Final Solution in Poland New York Harper Perennial Charny Israel W 1986 Genocide and mass destruction doing harm to others as a missing dimen sion in psychopathology Psychiatry 49 2 pp 144157 Conley Tom 1992 De Brys Las Casas in Amerindian Images and the Legacy of Columbus Rene Jara and Nicholas Spadaccini eds Minneapolis University of Minnesota Press 1992 Conrad Joseph 1899 1988 Heart of Darkness Robert Kimbrough 3rd ed New York WW Nor ton Company Cover Robert 1983 The Supreme Court 1982 Term 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Morrison Wayne 2004 Reflections with memories Everyday photography capturing genocide Theoretical Criminology 2004 Vol 8 3 341358 Morrison Wayne 2006 Criminology Civilisation and the New World Order Oxford and New York RoutledgeCavendish also 2012 Criminologia civilisation y Nuevo orden mundial Barcelona An thropos Nancy JeanLuc 2007 The Creation of the World or Globalization Francois Raffoul trans Albany State University of New York Press Rubenstein R L 1978 The Cunning of History The Holocaust and the American Future New York Harper Row Schmitt Carl 20031950 The Nomos of the Earth in the International Law of the Jus Publicum Euro paeum New York Telos Press Sontag Susan 1977 On Photography London Penguin Sontag Susan 2003 Regarding the pain of Others New York Farrar Straus and Giroux Sontag Susan 2004 Regarding the Torture of Others New York Times May 23 2004 Thompson J 2007 Capturing the Image African Missionary Photography as Enslavement and Libera tion Yale Divinity Library 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publicação com a Tese Espaço e população Para uma arqueologia do urbanismo Tutores prof Giorgio Agamben Universidade de Vero na e prof Bernardo Secchi IUAV 1997 recebeu distinção Laurea cum laude em arquitetu ra IUAV com a Tese Konzentrationslager Campo de concentração Uma análise biopolítica do espaço Oradores prof Bernardo Secchi IUAV e prof Giorgio Agamben Universidade de Verona AUGUSTO JOBIM DO AMARAL um dos organizadores que também apresenta um trabalho como autor nessa obra DANIEL INNERARITY é catedrático em filosofia política e social pesquisador na Universidade do País Basco e diretor do Instituto de Gobernanza Democrática Doutor em filosofia ampliou os estudos na Alemanha como bolsista da Fundação Alexander von Humboldt na Suíça e na Itália Foi professor convidado em diversas universidades europeias e americanas e recente mente no Centro Robert Schuman de Estudos Avançados do Instituto Europeu de Florença e na London School of Economics Atualmente é diretor de estudos associados na Fondation Maison des Sciences de lHomme em Paris É colaborador do jornal El País com artigos de opinião Foi considerado um dos 25 grandes pensadores do mundo pela revista francesa Le Nouvel Observateur DANIELA PETTI é antropóloga Doutoranda em Antropologia Social PPGASUFRJ Mestre em Sociologia e Antropologia PPGSAUFRJ Graduada em Ciências Sociais pela Fundação Getulio Vargas CPDOCFGVRio e ativista pelo direito à habitação DAVID JEFFREY MAURRASSE é pesquisador do Earth Institute Ele é o presidente e fundador da Marga Inc uma empresa de consultoria que presta consultoria e pesquisa para fortalecer a filantropia e parcerias intersetoriais inovadoras para abordar algumas das preocupações so ciais mais prementes da atualidade Ele atua como Professor Adjunto Associado na Escola de Relações Públicas e Internacionais ministrando um curso intitulado Estratégia Parcerias Co munitárias e Filantropia Ele publicou vários livros incluindo Beyond the Campus 2001 Strategic Public Private Partnerships 2013 e outros Seu próximo livro Filantropia e so ciedade explorará como a filantropia estratégica pode incluir as perspectivas e a participação das comunidades de beneficiários DAVID VILLANUEVA ACUÑA é Economista da Universidad del Tolima com mestrado em eco nomia na Universidad Javeriana tese sobre segregação socioeconómica em Bogotá Experi ência em planejamento gestão urbana e formulação e avaliação de projetos de infraestrutura pública no Instituto de Desarrollo Urbano e na Empresa de Renovación Urbana de Bogotá Investigador na linha de pesquisa sobre direito à cidade do Centro de Pensamiento y Acción 680 para la Transición CPAT DIANA BOGADO é arquiteta urbanista e ativista pelo Direito à Cidade Doutora em arqui tetura pela Universidade de Sevilha realizou pesquisa Pósdoutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade Coimbra CESUC e em Museologia na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Em sua trajetória coordenou e colaborou em projetos urbanís ticos participativos e participou da luta pelo direito à moradia junto a movimentos sociais de algumas metrópoles como Lisboa Rio de Janeiro e Sevilha Em 2016 fundou o Museu das Remoções junto à comunidade Vila Autódromo no Rio de Janeiro Um museu social constru ído no âmbito do projeto de extensão que coordenou no curso de Arquitetura da Universidade Anhanguera como parte da estratégia de resistência à remoção da comunidade no contexto de preparação da cidade para as Olimpíadas Rio 2016 DIDIER BIGO é professor do Kings College London Department of War estudos de guerra e professor de pesquisa no SciencesPo Paris é o diretor do Centro de Estudos de Conflitos Li berdade e Segurança CCLS e editor da revista trimestral da French Cultures et Conflits publi cada pela CCLS e lHarmattan foi o fundador e coeditor com Rob Walker da International Political Sociology uma das revistas da International Studies Association publicada pela Ox ford University Press é coeditor da Sociologia Política Internacional International Political Sociology e da Liberdade e Segurança Liberty and Security ambas coleções da Routledge além disso é responsável pelo KCL WP da FP7 SOURCE em Londres e coordenador da ANR UTIC em Paris Suas áreas de interesse são segurança e liberdade identificadores biométricos e bancos de dados políticas antiterroristas na Europa após 11 de setembro de 2001 conver gência da segurança interna e segurança externa migrantes e refugiados na Europa estudos de segurança crítica e Sociologia Política Internacional DIOGO SILVEIRA DOS SANTOS é Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS 2011 é Advogado atua na área de Direito Público cola borou na assessoria jurídica de processos relacionados à pauta habitacional na cidade de Porto Alegre 20162017 no caso da Ocupação Lanceiros Negros Possui Especialização em Direito do Estado Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2017 GIOVANILTON ANDRÉ CARRETTA FERREIRA é Doutor em Arquitetura e Urbanismo professor do Mestrado Arquitetura e Cidade e da Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Uni versidade Vila Velha UVV Pesquisa em andamento Transformações socioespaciais urbano metropolitanos em tempos de globalização e as políticas urbanas no Espírito Santo Email giovanilton2002hotmailcom GRÉGOIRE CHAMAYOU é pesquisador em filosofia no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França Chamayou é o autor de Les Corps vils Expérimenter sur les êtres humains aux XVIIIe siècle et XIXe siècle Corpos vis experimentando seres humanos nos séculos XVIII e XIX 2008 Manhunts A Philosophical History 2012 Teoria do Drone 2015 e La Société ingouvernable Une généalogie du libéralisme autoritaire A sociedade ingovernável Uma ge nealogia do liberalismo autoritário 2018 GUILHERME CASTRO BOULOS é um professor ativista político e escritor brasileiro Graduou se em filosofia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo FFLCHUSP Especializouse em Psicologia Clínica pela PUCSP tema O Lugar da Razão na Psicanálise É mestre em psiquiatria 2017 pela Faculdade de Medicina da USP dissertação Estudo sobre a variação de sintomas depressivos relacionada à participação coletiva em ocupações de semteto em São Paulo Foi também professor da rede pública de ensino da Faculdade de Mauá e da Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo é membro da Coordenação Nacio 681 nal do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto sendo reconhecido como uma das principais lideranças da esquerda no Brasil GUILHERME MICHELOTTO BÖES Doutor em Ciências Sociais PUCRS Mestre em Ciên cias Criminais e Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Pesquisador do Instituto de Criminologia e Alteridade ICA Inte grante do GPESCPUCRS Pesquisa sobre as configurações dos espaços urbanos e suas influ ências nas culturas contemporâneas as referências teóricas para os estudos são Antropologia Sociologia Urbana Criminologia e Controle Social GUILHERMO ADERALDO é mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp e doutor na mesma área pela Universidade de São Paulo USP Tam bém é membro do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade GEACUSP e realizou estágio de pósdoutorado na USP e na Universidad de Buenos Aires UBA É autor do livro Reinventando a cidade uma etnografia das lutas simbólicas entre coletivos culturais vídeoa tivistas nas periferias de São Paulo Annablume 2017 e um dos organizadores do livro Prá ticas conflitos espaços pesquisas em antropologia da cidade GrammaFapesp 2019 Suas pesquisas versam sobre os temas antropologia urbana antropologia das mobilidades e práticas culturais juvenis HÉCTOR MANUEL LUCERO nascido na Cidade do México em 1973 é arquiteto formado pela Universidade Autônoma de Baja California UABC e estudou o mestrado em arquitetura na University of Southern California USC em Los Angeles Foi diretor do projeto Border Cultu resCulturas Fronterizas do Centro de Estudos do Sul da Califórnia da Universidade do Sul da Califórnia Atuou como Chefe do Departamento de Patrimônio Cultural e Culturas Populares do Instituto de Cultura da Baja California e como Diretor de Auditoria Ambiental na Secreta ria de Proteção Ambiental da Baja California Atualmente é diretor do Estudio Héctor Lucero Arquitetura e Urbanismo e HL Design and Environmental Cosnultory É autor dos livros Mexicali 100 Años Arquitectura y Urbanismo en el Desierto del Colorado Mexicali Lo Moderno También es Historiae Poblando Baja California HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA um dos organizadores que também apresenta um trabalho como autor nessa obra ILEANA ARDUINO é argentina advogada com orientação em direito penal UBA coordenado ra do grupo de trabalho Feminismos e Justiça Penal do INECIP Mestre na Becs Cosecha Roja para jornalistas e editores da América Latina no módulo sobre violência de gênero e crimes de ódio JAMES M DOYLE é conselheiro sênior de júrijulgamento Defensores de Roxbury de Bos ton BA Bachelor of Arts em 1972 pelo Trinity College JD Juris Doctor em 1975 pela Northwestern University School of Law LLM Legum Magister em 1979 pela Georgetown University Law Center Este artigo é uma fração de um projeto muito maior no qual busco examinar as ressonâncias entre o mundo do HomemBranco os subalternos engenheiros e oficiais políticos da era imperialista e a dos profissionais que abarrotam nosso sistema de justiça criminal contemporâneo Eu deveria tornar explícitas aos leitores deste fragmento três coisas que numa versão maior emergiriam mais naturalmente Em primeiro lugar eu neste artigo promovo a crítica do que chamei de Visão do Homem Branco da justiça criminal e pode parecer que ao fazêlo reputome como melhor e mais sábio do que os profissionais que descrevo Nada poderia ser mais distante da verdade Eu mesmo sou branco e passei minha vida profissional inteira defendendo indigentes nas cortes criminais Escolhi a Visão do Ho mem Branco da justiça criminal como tópico precisamente porque reconheço que eu mesmo sou suscetível a sofrer dessa visão Em segundo lugar neste artigo valhome de um número de 682 disciplinas e não gostaria que os leitores pensassem que sou um especialista em cada uma delas Eu não sou um psicólogo social um historiador ou um crítico literário sou um defensor pú blico Não fui deliberadamente controverso em meu empréstimo mas os leitores deveriam ter em mente que o critério empregado para a inclusão de uma ideia aqui consiste na sua verdade sob a luz de minha experiência como defensor e não minha maestria sobre outra disciplina Por fim não quero ser compreendido como se estivesse sugerindo que todos no sistema de justiça criminal sempre operam dentro da Visão do Homem Branco Poucas pessoas sempre atuam sob a influência dessa visão algumas jamais o fazem Eu estaria sendo enganador e ingrato caso não nomeasse explicitamente dentro deste último grupo David Niblack Milton Wright e especialmente Margaret VanDeusen Sem seus exemplos contrastantes eu jamais teria enxer gado a Visão do Homem Branco em mim mesmo JEFF FERRELL é atualmente Professor de Sociologia na Texas Christian University EUA e Professor Visitante de Criminologia na Universidade de Kent Reino Unido Ele é o autor dos livros Crimes of Style Tearing Down the Streets Empire of Scrounge e com Keith Hayward e Jock Young Cultural Criminology An Invitation vencedor do Prêmio de Livros Distintos de 2009 da American Society of Criminologys Division of International Criminology é o coeditor dos livros Cultural Criminology Ethnography at the Edge Making Trouble Cultural Criminology Unleashed e Cultural Criminology Theories of Crime Jeff Ferrell é o atualmente editor e funda dor da série de livros Alternative Criminology da New York University Press e um dos editores fundadores da revista Crime Media Culture An International Journal vencedora do prêmio Charlesworth de melhor revista da Association of Learned and Professional Society Publishers em 2006 Em 1998 recebeu o prêmio Criminologista Crítico do Ano da Divisão de Criminolo gia Crítica da Sociedade Americana de Criminologia JESÚS SABARIEGO Pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Este texto forma parte do projeto de investigação DEMOCRIGHTS The Impact of Recent Global Social Movements on Public Awarenness of Democracy and Human Rights in the European Union A praxiscentred approachDEMOCRIGHTS O impacto dos recentes movimentos sociais globais na conscientização pública da democracia e dos direitos humanos na União Europeia uma abordagem centrada na práxis SFRHBPD1014902014 finan ciado em uma chamada competitiva internacional pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional FEDER da União Europeia através da Fundação para a Ciência e TecnologiaPor tugal Mail sabariegocesucpt JOSÉ PÉREZ DE LAMA é Doutor em arquitetura e professor da Escola Técnica Superior de Ar quitetura da Universidade de Sevilha em 2009 ele fundou o Fab Lab Sevilla na Universidade da cidade Andaluza Durante dez anos junto com Sergio Moreno e Pablo de Soto ele par ticipou do grupo hackitecturanet realizando projetos nos quais se relacionavam tecnologias livres redes sociais e territórios urbanos KARINE GONÇALVES CARNEIRO é Doutora em Ciências Sociais PucMinas2016 com par ticipação no programa de doutorado sanduíche no exterior PDSECapes no departamento de Sociologia da Universidad Nacional de Colombia mestre em Sociologia com ênfase em Meio Ambiente FAFICHUFMG2006 especialista em Arquitetura Contemporânea IE CPucMinas1999 e graduada em Arquitetura e Urbanismo EAUFMG1996 Professora Adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFOP e do Programa de PósGra duação Novos Direitos Novos Sujeitos da UFOP Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais GEPSAUFOP e Indisciplinarufop LAURA MACHADO é Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul possui Doutorado em Planejamento Urbano e Regional PROPURUFRGS Mestrado em Planejamento Urbano e Regional PROPURUFRGS e Especialização em Do 683 cência Profissional Técnica e Tecnológica IFF É arquiteta e urbanista na Universidade Fede ral do Pampa e pesquisadora no Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Urbanos LEUrb UFRGSCNPq Temas de pesquisa mobilidade urbana planejamento urbano paisagem de senho urbano políticas públicas urbanas lauralauramachadogmailcom LÍVIA SALOMÃO PICCININI é Professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFR GS Coordenadora da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura 20162019 Membro do Núcleo Docente estruturante da FAUFRGS 20112014 Membro da Com gradCOMOB 20102016 Membro da Comissão de Extensão possui o Doutorado pelo Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS CAPES 6 em 2008 Mestrado em Urban Development Planning University of London 1991 School of Economics Doutorado na University of Cambridge UK exceto defesa Graduação em Ar quitetura pela UFRGS 1982 Exerceu atividades de Chefia de Departamento e Vice Coorde nação do Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional PROPUR Tem experiência nos campos do Urbanismo Planejamento Urbano e pesquisa nas áreas de habi tação social políticas públicas sustentabilidade ecológicoambiental padrões urbanos e arqui tetônicos paisagismo e desenho urbano planos diretores municipais liviapiccininiufrgsbr LOÏC WACQUANT é professor de sociologia na Universidade da Califórnia Berkeley e pesqui sador no Centro de Sociologia Europeia Paris Seu trabalho trata da marginalidade urbana penalidade personificação e teoria social Seus escritos foram traduzidos para duas dúzias de idiomas Seus livros no Brasil incluem Os Condenados Da Cidade 2001 Corpo e alma 2002 As Prisões da Miséria 1999 e Punir os Pobres 2003 MARÍA BARRERO RESCALVO Huelva 1990 é arquiteta da Universidade de Sevilha 2014 mestre em reabilitação arquitetônica pela Universidade de Granada 2016 e atualmente pes quisadora do departamento de projetos arquitetônicos da Universidade de Sevilha no grupo de pesquisa ingentes HUM958 Suas linhas de pesquisa são patrimônio planejamento ur bano e arquitetura de uma perspectiva social com trabalhos sobre as relações entre patrimônio local participação cidadã e conflitos urbanos em Sevilha MARIA JOSE FARIÑAS DULCE é Professora Credenciada de Filosofia do Direito na Universi dade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto Joaquín Herrera FloresBrasil Pesquisadora do Instituto de Direitos Humanos Bartolomé de las Casas MARK NEOCLEOUS é professor de Crítica de Economia Política da Brunel University London Ele é autor de muitos livros incluindo Critique of Security 2008 e War Power Police Power 2014 Uma nova edição de seu livro The Fabrication of Social Order A Critical Theory of Police Power 2000 será republicada pela editora Verso em 2020 Atualmente ele está traba lhando em dois novos projetos de livros o primeiro é chamado de Poderes de Pacificação e o segundo chamado imunidades imaginadas MICHAEL JAMES DEAR é um geógrafo urbano leciona na Faculdade de Design Ambiental da Universidade da Califórnia Berkeley nos Estados Unidos é membro do Bellagio Center da Rockefeller Foundation em Villa Serbelloni no lago de Como na Lombardia Itália e do Center for Advanced Study in Behavioral Sciences da Universidade de Stanford em Stanford Califórnia escreveu vários livros incluindo Why Walls Wont Work Repairing the USMexico Divide publicado pela Oxford University Press em fevereiro de 2013 Doutor em Filosofia Regional Science Universidade da Pensilvânia Mestre em Artes Regional Science Universi dade da Pensilvânia Mestre em Filosofia Planejamento Urbano Universidade de Londres Bacharel em Artes Geografia Universidade de Birmingham Inglaterra PABLO LIRA Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo UFES Mes 684 tre em Arquitetura e Urbanismo pela UFES possui Especialização em Conservação e Manejo da Diversidade Vegetal pela UFES possui Aperfeiçoamento em Planejamento Urbano pela Université de CergyPontoise possui Graduação em Geografia Bacharelado e em Geografia Licenciatura Plena pela UFES Atualmente é servidor público da carreira de Especialista em estudos e pesquisas governamentais do Instituto Jones dos Santos Neves IJSN Coordena dor do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles UFRJIPPUR Professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha UVV Professor da Graduação de Arquitetura e Urbanismo Administração e Pedagogia da Universidade Vila Velha UVV Professor de Pósgraduação Lato Sensu Especialização da Universidade Federal do Espírito Santo UFES da Universidade Vila Velha UVV e do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Espírito Santo IFES Professor Convidado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD nos cursos de Segurança Cidadã Membro do Fórum Brasi leiro de Segurança Pública FBSP Membro revisor da Geografares Revista do Mestrado e do Departamento de Geografia da UFES e da Revista Cadernos Metrópole periódico do INCT Observatório das Metrópoles PAULA VITURRO MAC DONALD é Graduada em Direito pela Universidade de Buenos Aires Especialista em Direitos Humanos das Mulheres pelo Centro de Direitos Humanos da Univer sidade do Chile Mestra em Teorias Críticas do Direito e da Democracia na Ibero América pela Universidade Internacional de Andaluzia e Especialista em Estudos Avançados em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide Sevilha Espanha Docente e pesquisadora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires e Coordenadora da Área de Tecnologias de Gênero do Centro Cultural Reitor Ricardo Rojas da mesma Universidade paulaviturroderechoubaar STEPHEN GRAHAM é professor de Arquitetura e Planejamento na Universidade de Newcast le Inglaterra e lecionou anteriormente na Universidade de Durham e no MIT entre outras instituições A pesquisa de Graham se dá no campo da crítica social e da teoria urbana sobre alguns dos desafios que enfrentam nossa rápida urbanização global e se concentra em temas ligados a militarização da vida urbana relação entre cidades tecnologia e infraestrutura e aspectos urbanos da vigilância Autor editor e coautor de muitos livros incluindo Disrupted Cities Cities War and Terrorism The Cybercities Reader e Splintering Urbanism com Simon Marvin Também é autor de Cidades sitiadas o novo urbanismo militar e um dos autores da coletânea Bala perdida a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação ambos publicados pela Boitempo SULTAN BARAKAT é o diretor fundador do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos e professor de Política e Estudos de Recuperação PósGuerra na Universidade de York Anterior mente atuou como diretor de pesquisa no Brookings Doha Center Na Universidade de York ele fundou e liderou a Unidade de Reconstrução e Desenvolvimento do PósGuerra entre 1993 e 2014 atualmente Barakat é o diretor do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos do Instituto de Doha Barakat foi publicado amplamente seu livro mais recente Understanding Influence The Use of Statebuilding Research in British Policy foi publicado por Ashgate in 2014 Barakat tem mais de 25 anos de experiência profissional trabalhando em questões de geren ciamento de conflitos resposta humanitária e recuperação e transição pósconflito Ele regu larmente se compromete a fornecer orientação como consultor sênior e consultor das Nações Unidas Banco Mundial União Européia DFID OIT IFRC e vários governos e organizações nãogovernamentais internacionais incluindo CARE e Oxfam Ele liderou grandes avaliações e iniciativas de programação no Afeganistão BósniaHerzegovina Croácia Egito Jordânia Kosovo Líbano Palestina Filipinas Mindanao Somália Sri Lanka Sudão Darfur Síria Uganda Moyo e Adjumani e Iêmen O professor Barakat atua no Conselho Consultivo do Grupo de Política Humanitária do Overseas Development Institute em Londres Ele é mem 685 bro do Conselho Conjunto de Pesquisa Econômica e Social ESRC e do Painel de Comissio namento do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido DFID para pesquisas sobre redução da pobreza Barakat foi um dos membros fundadores do Painel de Especialistas do Índice Global de Paz onde atuou entre 2008 e 2014 SUSANA MURILLO é Dra Em Ciências Sociais Mestre em Política Científica Licenciada em Psicologia Professora de Filosofia pela Universidade de Buenos Aires Pesquisadora do Insti tuto Gino Germani da Universidade de Buenos Aires Membro do Doutorado em Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires Publicou livros e artigos sobre neoliberalismo ques tão social e questão colonial enquadrados em uma visão crítica de Michel Foucault THOMAS MATHIESEN é professor de Sociologia do Direito no Departamento de Criminologia e Sociologia do Direito da Universidade de Oslo Um dos principais comentaristas interna cionais sobre questões de vigilância ele está associado há muito tempo à análise penetrante de ataques à democracia e ao abuso de poder Seus aclamados trabalhos incluem Prison on Trial Across the Boundaries of Organizations The Politics of Abolition and Silently Silenced Essays on the Creation of Acquiescence in Modern Society UGO ROSSI é Professor Associado de Geografia Econômica e Política da Universidade de Tu rim Itália Seu último livro Cities in Global CapitalismCidades no capitalismo global foi publicado em 2017 De um modo geral o trabalho de Ugo está preocupado com uma crítica da economia política em sua forma urbanaEm sua pesquisa ele analisa tanto a economia quanto a política do urbanismo Ele também é editor da Dialogues in Human Geografia e membro da Euronomade um coletivo de pesquisadores e ativistas envolvidos em campanhas antiracistas feministas e de justiça social VINÍCIUS NICASTRO HONESKO possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina 2003 especialização em Direito do Estado também pela Universidade Estadual de Londrina 2005 mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina 2007 e doutorado em Literatura Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina Entre 2013 e 2015 desenvolveu estágio pósdoutoral no Instituto de Estudos da Linguagem IEL da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Atualmente é professor do Departamento de História da UFPR onde é coordenador do bacharelado em História Memória e Imagem e da linha de pesquisa Arte Memória e Narrativa do Programa de PósGraduação em História WAYNE MORRISON é Professor da Faculdade de Direito da Universidade Queen Mary de Lon dres membro da British Society of Criminology Sociedade Britânica de Criminologia BSC da European Society of Criminology Sociedade Europeia de Criminologia da American Society of Criminology Sociedade Americana de Criminologia do Council for Education in the Commonwealth Conselho de Educação da Commonwealth da Society of Legal Scholars Sociedade de Juristas SLS e da LawAsia Em 2004 se formou Doutor em Direito LLD University of London e em 1991 Doutor em Filosofia PhD Universidade de Londres LSE premiado a distinção Morris Finer Memorial Studentship in Law e o WG Hart Studentship em 1983 concluiu o Mestrado em Direito LLM pela Universidade de Londres LSE com distin ção e em 1978 Bacharelado em Direito LLB University of Canterbury na Nova Zelândia 686 EQUIPE DE TRADUÇÃO AUGUSTO JOBIM DO AMARAL organizador da obra CARLOS BÖES DE OLIVEIRA Bolsista PROSUCCAPES no curso de Doutorado em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale e University of New Mexico Mestre em Literaturas Modernas de Língua Inglesa pela UFRGS Email caioboesgmailcombr CARLOS HÉLDER CARVALHO FURTADO MENDES Doutorando e Mestre em Ciências Crimi nais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e o IBCCRIM Pósgraduado em Ciências Penais pela Universidade AnhangueraUniderpLFG Bacharel em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco UNDB Executou o projeto de pesquisa intitulado quot Fundamen tos e Limites Constitucionais do Direito Penalquot financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão FAPEMA orientado pelo Prof Dr Aury Lopes Jr PUCRS e pelo Prof Me Cleopas Isaías Santos UNDB Autor do Livro quot Do sentimento de impunidade à banalização da Extrema Ratio publicado pela Editora Empório do Direito 2016 Desenvolve pesquisas com ênfase nas áreas de Direito Penal e Pro cessual Penal Membro da Comissão de Defesa das Prerrogativas dos Advogados do Maranhão Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM Advogado Criminalista CÁSSIO TODERO CASTILHOS Estudante do curso de Direito na UCS participante do grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica bolsista BICUCS Iniciação Científica ao longo do ano de 2018 DANIELA DORA EILBERG Mestra com louvor pelo Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Bolsista CA PES 2018 Realizou o Programa de Visita Profissional na Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH 2018 Bacharela pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2016 com período de Mobilidade Acadêmica junto à Uni versité Paris I PanthéonSorbonne na Faculté de Droit 2014 Professora da Especialização em Processo Penal Contemporâneo Aplicado modalidades presencial e EAD convênio entre Uni versidade de Caxias do Sul UCS e o Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal IBRAS PP Advogada Consultora em Geraldo Prado Consultoria Jurídica Atualmente também é Consultora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes UNODC em Audiência de Custódia no Programa Justiça Presente em acordo firmado entre o Conselho Nacional de Justiça CNJ o Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento PNUD e a UNODC DIOGO SILVEIRA DOS SANTOS apresentou trabalho como autor e participou da equipe de tradução desta obra ELISA GOULART TAVARES Mestre em Direito com linha de pesquisa em Desenvolvimento Socioeconômico e Políticas Públicas Pós Graduada em Direito Civil com ênfase em contratos empresarial e compliance Professora convidada permanente da Escola Superior da Advocacia ESASC e de cursos de pós graduação das disciplinas de direito ambiental internacional res ponsabilidade social sustentabilidade e governança Advogada Membro efetivo da Comissão de Direito Ambiental do IASC Membro da Comissão de Educação Jurídica da OABSC Tem interesse nas áreas de direito internacional comércio sustentável responsabilidade e desenvol vimento socioambiental EVANDRO PONTEL PósDoutorando bolsista PNPDCAPES PUCRS Doutor e Mestre em 687 Filosofia pela Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Tese e dissertação aprovadas com louvor e indicadas à publicação Possui graduação em Filosofia pelo Instituto Superior de Filosofia Berthier Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões 2004 e graduação em Teologia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões 2009 Atuou como analista de educação supervisor de ensino tutor permanente e assessor técnico de secretaria integrando o Conselho Municipal de Gestão Integrada de Saneamento Básico e a equipe executiva de elaboração do Plano de Saneamento Básico Integra a base de dados do Instituto de Políticas Públicas en Derechos Humanos IPPDHFOCEM II e é Editor Assistente da Revista Veritas PUCRS É pesquisador palestrante conteudista e parecerista de revistas científicas tendo participado na organização de diversos eventos e grupos de pesquisa Tem experiência na área de gestão pública especialmente na elaboração de projetos de captação de recursos públicos e na área de Filosofia Educação Direito e Teologia atuando principalmente em Filosofia Política e justiça ética interdisciplinaridade modernidade e pósmodernidade biopolítica governamentalida de processos de subjetivação e dessubjetivação FELIPE DA VEIGA DIAS PósDoutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Ca tólica do Rio Grande do Sul PUCRS 2019 Doutor em Direito pela UNISC 2015 com período sanduíche na Universidade de Sevilla 2014 Mestre em Direito pela UNISC 2012 Pósgraduação em Direitos Fundamentais e Constitucionalização do Direito pela PUCRS 2009 Graduado em Direito pela ULBRASM 2008 Professor do Programa de PósGra duação em Direito da Faculdade Meridional IMED Mestrado Professor do curso de Direi to da Faculdade Meridional IMED Passo Fundo RS Tem experiência na área de Direito com ênfase em Criminologia Direito Penal Direitos Humanos e Fundamentais e Direito da Criança e Adolescente atuando principalmente nos seguintes temas criminologia crítica violência mídia dano social biopolítica crise do sistema penal poder punitivo do Estado direitos humanos e fundamentais sustentabilidade social e minorias sociais mulheres crianças e adolescentes FERNANDO LÚCIO Jornalista professor e tradutor formado pela Universidade de São Paulo autor do documentário Princesas Impossíveis exibido pela Associação da Parada LGBT de São Paulo sobre diversidade de gênero FERNANDA MARTINS Professora na Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI Doutorado em andamento no Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da PUCRS Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC na área de Teoria Filosofia e História do Direito Bacharela e Licenciada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e Bacharela em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI Integrante dos Projetos de Pesquisa CNPq quot Criminologia Cultura Punitiva e Crítica Filosóficaquot PUCRS quot As Fronteiras entre Tradição e Modernidade na Constru ção do Estado Brasileiroquot PUCRS e quot Bases para uma Criminologia do controle penal no Brasil em busca da brasilidade criminológicaquot UFSC Bolsista CAPES Guilherme Michelotto Böes apresentou trabalho como autor e participou da equipe de tradução desta obra HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA Organizador dessa obra LUCAS DAGOSTINI GARDELIN Mestrando em Direito Ambiental pelo Programa de PósGra duação em Direito da Universidade de Caxias do Sul PPGDirUCS na condição de taxista PROSUCCAPES Graduado em Direito pela UCS 2018 Integrante do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica cadastrado no DGPCNPq vinculado ao Centro de Ciências Jurídicas e Programa de PósGraduação em Direito PPGDir UCS 688 LUIZ FERNANDO SILVEIRA Cursou doutorado em Direito pela Universidade de Edimburgo Escócia Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e pósgraduação em Filosofia e Ensino pela PUCRS Atualmente é Professor da Universidade de Caxias do Sul UCS e coordenador da Especialização em Direito Civil e Processo Civil do Campus da Região das Hortênsias É professor convidado dos cursos de pósgraduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC tendo lecionado nas graduações da Universidade de Edimburgo da UNISINOS e da então Escola Superior de Administração Direito e Economia ESADE hoje FADERGS Tem experiência na área de Direito com ênfase na atuação em Direito Pro cessual Civil e Direito Privado e experiência acadêmica nas áreas do Direito Processual Civil Direito Empresarial Direito Privado e Filosofia do Direito Teoria do Direito e História do Direito É membro da Comissão de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do BrasilRS e foi membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual Foi Administrador de Falências na comarca de Porto Alegre MANOEL ALVES DA SILVA JUNIOR Mestrando em Ciências Criminais pela Pontifícia Univer sidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Processo Penal pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra MARIANA ROCHA BERNARDI Mestre em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul Dou toranda em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul Advogada OABRS 78732 espe cialista em Direito Civil Direito do Trabalho e Direito Digital Advogada dativa no Juizado Especial Criminal de Caxias do Sul Graduada em Direito pela Universidade de Caxias do Sul 2008 e pósgraduada em Direito Público Lato Sensu 2012 THEO SOARES DE LIMA Graduado Mestre e Doutorando em Geografia UFRGS Pesquisa dor junto ao Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente NEGA Editor do Boletim Gaúcho de Geografia da Associação dos Geógrafos Brasileiros Seção Porto Alegre AGB Proficiente em Inglês pela Universidade de Michigan e em Espanhol pela Universidade Federal de Santa Catarina wwweditorialtirantcombr
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Sugestões de leitura wwweditorialtirantcombr A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA AUGUSTO JOBIM DO AMARAL HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA FRANCISCO SIERRA CABALLERO JESÚS SABARIEGO A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA ORGANIZADORES Augusto Jobim do AmArAl Professor dos Progra mas de PósGraduação em Ciências Criminais e em Filosofia da PUCRS PósDoutorado na Università Degli Studi di PadovaITA em Filosofia Política jun to ao Dipartimento di Filosofia Sociologia Pedago gia e Psicologia Applicata FISPPA financiado pelo Coimbra Group Scholarship Programme for Young Professors and Researchers from Latin American Universities e PósDoutorado na Universidad de Málaga España na área de Teoría y Filosofía del Derecho junto à Cátedra Abierta de Derecho y Literatura Doutor em Altos Estudos Contemporâ neos Ciência Política História das Ideias e Estudos Internacionais Comparativos pela Universidade de Coimbra Portugal Doutor Mestre e Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Coordena dor da Série Ciências Criminais da Tirant lo Blanch Henrique miorAnzA Koppe pereirA PósDoutor em Ciências Criminais pela PUCRS com projeto de senvolvido sobre Biopolítica e Gentrificação Urba na Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC2014 na linha de pesquisa de Diversidade Políticas Públicas com tese focada em políticas públicas de saúde urbana e direito consti tucional nas cidades brasileiras Mestre em direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISI NOS2008 com linha de pesquisa direcionada em sociedade novos direitos e transnacionalização Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul 2005 Iniciou como docente no ensino supe rior em 2008 já foi docente de Curso de Direito na Ulbra em JiParanáRO na IMED em Passo Fundo RS e na UCS em Caxias do Sul RS foi professor do Programa de PósGraduação em Direito Mestrado Doutorado da Universidade de Caxias do Sul UCS Atualmente atua como pesquisador independente e participa como pesquisador colaborador Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq Criminologia Cultu ra Punitiva e Crítica Filosófica vinculado à PUCRS Email para contato henriquekoppegmailcom Augusto Jobim do AmArAl Henrique miorAnzA Koppe pereirA FrAncisco sierrA cAbAllero Jesús sAbAriego FrAncisco sierrA cAbAllero Catedrático de Teoría de la Comunicación de la Universidad de Sevilla In vestigador Principal do Grupo de Investigacão em Comunicación Política y Cambio Social Suas linhas de investigação compreendem a economia política da comunicação e a cultura a comunicologia desde o Sul a cibercultura a democracia e os movimentos sociais Jesús sAbAriego Historiador Doutor em Dere chos Humanos y Desarrollo Investigador MSCA da Universidad de Sevilla Suas linhas de investigação são a Tecnopolítica e os recentes movimentos soci ais globais ADORISIO LEAL ANDRADE ANDREA CAVALLETTI AUGUSTO JOBIM DO AMARAL DANIEL INNERARITY DANIELA PETTI DAVID JEFFREY MAURRASSE DAVID VILLANUEVA ACUÑA DIANA BOGADO DIDIER BIGO DIOGO SILVEIRA DOS SANTOS GIOVANILTON ANDRÉ CARRETTA FERREIRA GRÉGOIRE CHAMAYOU GUILHERME CASTRO BOULOS GUILHERME MICHELOTTO BÖES GUILHERMO ADERALDO HÉCTOR MANUEL LUCERO HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA ILEANA ARDUINO JAMES M DOYLE JEFF FERRELL JESÚS SABARIEGO JOSÉ PÉREZ DE LAMA KARINE GONÇALVES CARNEIRO LAURA MACHADO LÍVIA SALOMÃO PICCININI LOÏC WACQUANT MARÍA BARRERO RESCALVO MARIA JOSE FARIÑAS DULCE MARK NEOCLEOUS MICHAEL JAMES DEAR PABLO LIRA PAULA VITURRO MAC DONALD STEPHEN GRAHAM SULTAN BARAKAT SUSANA MURILLO THOMAS MATHIESEN UGO ROSSI VINÍCIUS NICASTRO HONESKO WAYNE MORRISON ACESSO À VERSÃO DIGITAL GRÁTIS NA NOSSA PLATAFORMA DE LEITURA A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA Valencia 2021 MARÍA JOSÉ AÑÓN ROIG Catedrática de Filosofía del Derecho de la Universidad de Valencia Ana Cañizares Laso Catedrática de Derecho Civil de la Universidad de Málaga Jorge A Cerdio Herrán Catedrático de Teoría y Filosofía de Derecho Instituto Tecnológico Autónomo de México José Ramón Cossío Díaz Ministro en retiro de La Suprema Corte de Justicia de la Nación y miembro de El Colegio Nacional EDUARDO FERRER MACGREGOR POISOT Juez de la Corte Interamericana de Derechos Humanos Investigador del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM OWEN FISS Catedrático emérito de Teoría del Derecho de la Universidad de Yale EEUU JOSÉ ANTONIO GARCÍACRUCES GONZÁLEZ Catedrático de Derecho Mercantil de la UNED LUIS LÓPEZ GUERRA Catedrático de Derecho Constitucional de la Universidad Carlos III de Madrid ÁNGEL M LÓPEZ Y LÓPEZ Catedrático de Derecho Civil de la Universidad de Sevilla MARTA LORENTE SARIÑENA Catedrática de Historia del Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid COMITÉ CIENTÍFICO DE LA EDITORIAL TIRANT LO BLANCH JAVIER DE LUCAS MARTÍN Catedrático de Filosofía del Derecho y Filosofía Política de la Universidad de Valencia VÍCTOR MORENO CATENA Catedrático de Derecho Procesal de la Universidad Carlos III de Madrid FRANCISCO MUÑOZ CONDE Catedrático de Derecho Penal de la Universidad Pablo de Olavide de Sevilla ANGELIKA NUSSBERGER Catedrática de Derecho Constitucional e Internacional en la Universidad de Colonia Alemania Miembro de la Comisión de Venecia HÉCTOR OLASOLO ALONSO Catedrático de Derecho Internacional de la Universidad de Rosario Colombia y Presidente del Instituto IberoAmericano de La Haya Holanda LUCIANO PAREJO ALFONSO Catedrático de Derecho Administrativo de la Universidad Carlos III de Madrid TOMÁS SALA FRANCO Catedrático de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social de la Universidad de Valencia IGNACIO SANCHO GARGALLO Magistrado de la Sala Primera Civil del Tribunal Supremo de España TOMÁS S VIVES ANTÓN Catedrático de Derecho Penal de la Universidad de Valencia RUTH ZIMMERLING Catedrática de Ciencia Política de la Universidad de Mainz Alemania Procedimiento de selección de originales ver página web wwwtirantnetindexphpeditorialprocedimientodeselecciondeoriginales Copyright 2021 Todos los derechos reservados Ni la totalidad ni parte de este libro puede reproducirse o transmitirse por ningún procedimiento electrónico o mecánico incluyendo fotocopia grabación magnética o cualquier almacenamiento de información y sistema de recuperación sin permiso escrito de los autores y del editor En caso de erratas y actualizaciones la Editorial Tirant lo Blanch publicará la pertinente corrección en la página web wwwtirantcom Este libro será publicado y distribuido internacionalmente en todos los países donde la Editorial Tirant lo Blanch esté presente TIRANT LO BLANCH EDITA TIRANT LO BLANCH C Artes Gráficas 14 46010 Valencia TELFS 96361 00 48 50 FAX 96369 41 51 Email tlbtirantcom wwwtirantcom Librería virtual wwwtirantes ISBN MAQUETA Tink Factoría de Color Si tiene alguna queja o sugerencia envíenos un mail a atencionclientetirantcom En caso de no ser atendida su sugerencia por favor lea en wwwtirantnetindexphpempresapoliticasde empresa nuestro procedimiento de quejas Responsabilidad Social Corporativa httpwwwtirantnetDocsRSCTirantpdf Augusto Jobim do Amaral Henrique Mioranza Koppe Pereira Francisco Sierra Caballero Jesús Sabariego AUGUSTO JOBIM DO AMARAL HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA FRANCISCO SIERRA CABALLERO JESÚS SABARIEGO organizadores A CIDADE COMO MÁQUINA BIOPOLÍTICA Valencia 2021 SUMÁRIO NOTA DOS ORGANIZADORES 11 PRÓLOGO 12 Francisco Sierra Caballero PREFÁCIO 18 Jesús Sabariego A CIDADE DOS SONÂMBULOS 20 Andrea Cavalletti SKATE E ESPAÇO PÚBLICO PROFANAÇÕES URBANAS 32 Guilherme Michelotto Böes e Augusto Jobim do Amaral OS ESPAÇOS DA CIDADE 42 Daniel Innerarity ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO E DESIGUALDADE URBANA 64 David J Mourrasse O MUSEU DAS REMOÇÕES DA VILA AUTÓDROMO LUTA POLÍTICOAFETIVA PELA RECONSTRUÇÃO DA VIDA DOS GRUPOS ATINGIDOS PELAS REMOÇÕES OLÍMPICAS DO RIO DE JANEIRO 97 Diana Bogado e Daniela Petti INSEGURANÇA GLOBALIZADA O CAMPO E O BANOPTICON 116 Didier Bigo PADRÕES DE VIDA UMA BREVE HISTÓRIA DE CORPOS ESQUEMÁTICOS 156 Grégoire Chamayou QUE CIDADE É ESSA 179 Guilherme Boulos DESAFIANDO A CIDADE SKATE ESPORTE VANDALISMO 192 Guilherme Michelotto Böes GEOGRAFIAS INSURGENTES NOTAS ETNOGRÁFICAS SOBRE INTERVENÇÕES VISUAIS NAS CIDADES BIOPOLÍTICAS 206 Guilhermo Aderaldo REGIME DE VERDADE HEGEMÔNICA NA JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS URBANOS EM PORTO ALEGRE OCUPAÇÃO LANCEIROS NEGROS NA LUTA CONTRA DISCURSOS BIOPOLÍTICOS DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL URBANA 226 Henrique Mioranza Koppe Pereira e Diogo Silveira dos Santos ENTRE VITIMIZAÇÃO OPRESSIVA E JUSTIÇA EMANCIPATÓRIA ARTICULAÇÕES ENTRE FEMINISMO E JUSTIÇA CRIMINAL 252 Ileana Arduino É O TERCEIRO MUNDO LÁ EMBAIXO A VOCAÇÃO COLONIALISTA E A JUSTIÇA CRIMINAL AMERICANA 261 James M Doyle OPEN CITY 313 Jeff Ferrell CIDADES DE MEDO E DESEJO NOTAS SOBRE O REGIME DISCIPLINAR DA SUBJETIVIDADE NEOLIBERAL EM CHTHULUCENO 342 Jesús Sabariego METRÓPOLES BIOPOLÍTICA METRÓPOLES EM REDE METRÓPOLES DOS COMUNS UMA INTRODUÇÃO PARA ESTUDANTES DE ARQUITETURA 354 José Pérez de Lama MARX E AS CIDADES LATINOAMERICANAS O 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ROBÓTICO 541 Stephen Graham CIDADES ZONAS DE GUERRA 580 Sultan Barakat PARA UMA SOCIEDADE DE VIGILÂNCIA A ASCENSÃO DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA NA EUROPA 587 Thomas Mathiesen BIOPOLÍTICA DA CONDIÇÃO URBANA FORMA DE VIDA E GOVERNO SOCIAL NO TARDO NEOLIBERALISMO 621 Ugo Rossi REFLEXÕES SOBRE OS ESPAÇOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS QUAIS AS NOSSAS CIDADES 642 Vinícius Nicastro Honesko PERCORRENDO LOCALIDADES E ENCONTRANDO O OLHAR REFLETIDO DA HUMANIDADE RECRIANDO O NOMOS NA GLOBALIZAÇÃO 657 Wayne Morrison AUTORES 679 EQUIPE DE TRADUÇÃO 686 11 NOTA DOS ORGANIZADORES Não seria possível a confecção desta larga e potente obra sem o cruzamento de esforços múltiplos O impulso inicial ainda fora dado antes que a covid19 acometesse o mundo Impressionará apenas os incautos o quanto a aceleração produzida pela pandemia em diversas dimensões pôde aprofundar acentuar e ampliar a importância das problemáticas tratadas pelo livro Sua atualidade tor nouse ainda mais radical Especial registro ao esforço incomensurável da equipe de tradução no trabalho cuidadoso em construir pontes com textos inéditos em língua portuguesa Tudo capitaneado pelo Professor Henrique M K Pereira à época em intensa produção pelo estágio de pósdoutoramento junto ao Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS sob a tutoria do Professor Augusto Jobim do Amaral Os autores reunidos e a excelência das pesquisas conferem um colorido inédito a uma obra que chega para se tornar referência no tema É mais uma vez assim que a rede de pesquisa estabelecida entre PUCRS e Universidad de Sevilla em especial entre os Grupos de Pesquisa Criminologia Cultura Punitiva e Crítica Filosófica POLITICRIM e o COMPOLÍTICAS Grupo Interdis ciplinario de Estudios en Comunicación Política y Cambio Social através dos Professores Francisco Sierra Caballero e Jesús Sabariego fazse presente Por fim registrase a gratidão pelo reconhecimento da Editora Tirant lo Blanch em trazer ao público A Cidade como Máquina Biopolítica em especial através do finan ciamento oferecido pela Universidad de Sevilla ao projeto Obrigado pelo apoio irrestrito 12 PRÓLOGO Francisco Sierra Caballero Lo común constituye en nuestro tiempo un ámbito de disputa y análisis de las prácticas sociales un problema determinante en la salida a la crisis civili zatoria del capitalismo para la emergencia de otra institucionalidad A partir de este concepto se ha de pensar la extracción y subsunción del capital y el trabajo vivo la cooperación social que la comunicación hace posible en una suerte de comunismo tecnológico como un problema de construcción de reglas prácticas de autonomía que se asoma en medio del capitalismo de plataformas y las ruinas de nuestras ciudades abandonadas a su suerte Y ello sin olvidar que el hiper desarrollo de Silicon Valley y de la economía uberizada es solo posible por una extrema precariedad Tal y como argumenta Remedios Zafra en El entusiasmo hoy como ayer como en la primera revolución industrial pobreza y creación innovación y transformación cultural van asociadas El excedente creativo es así hoy plusvalor del trabajo con o sin pasión y entusiasmo El entramado virtual ha transformado por completo incluso nuestro espacio local definiendo nuevos estratos y formas singulares del habitar en común William Mitchell resumía esta transformación de la ciudad informacional como el desplazamiento conceptual de la eTopía que altera la arquitectura como técnica y arte de diseño de volúme nes hacia la luz a la idea de la obra como el juego de la información digital bajo el espacio en la paulatina desterritorialización y abstracción de los lugares de con vivencia Así nuestros modos de hacer de habitar de comunicarnos se difumina o incluso esfuma inmersos en avatares de un entramado urbano redibujado y sin fronteras claras entre lo público y lo privado Desde este punto de vista la red de redes es hoy fundamentalmente un dispositivo de control social y enredos por la dependencia No hay ajuste y acu mulación por desposesión sin ciudades cableadas A propósito de la comuna di gital cabe en fin advertir que la comunicación no tiene razón de ser sino como COMUNICRTE en otras palabras como técnica tanto como arte y ciencia aplicada que exige una mirada lateral entre pensamiento y acción en el plano de la inmanencia de la vida hoy que somos conscientes de lo que está en juego en la biopolítica contemporánea Prevalece sin embargo en los últimos tiempos una lógica de la economía determinista que termina incidiendo en la falta de soberanía y en la dignidad Es hora pues de pensar confabular definir y cons truir alternativas de futuro de lo procomún sin esperar a que el propio desarrollo tecnológico lo haga posible porque no es así Antes bien el capitalismo ha hecho 13 de la socialización ampliada de los recursos de información todo lo contrario Por sistema el algoritmo de la política de la posverdad el universo Google proyecta a diario la distinción imperceptible en forma de estratificación la polarización y segregación social la dependencia y la explotación de los usuarios orientado por un objetivo básico negar el comunismo digital y todo derecho a la ciudad Por ello es preciso mirar en otra dirección Nos jugamos otro mundo posible y hasta la propia supervivencia de la especie que no podrá sobrevivir en forma de avatar por más que la inteligencia artificial nos lo sugiera Este libro nos ayuda avanzar en dicha dirección asumiendo como no podía ser de otra manera las dimensio nes constitutivas en pro de un direito na rua Esta hipótesis de partida que comparten los autores que colaboran en el volumen se corrobora por la constatable deriva dominante del sistemamundo y las políticas públicas de los distintos niveles de gobierno cuya lógica se ha tradu cido en nuestro tiempo en formas asimétricas de integración y exclusión social marginando a amplios contingentes de población y territorios que como resul tado han dado lugar a la emergencia de diversas iniciativas locales y comunitarias que frente a la lógica segregacionista de lo que Scott Lash denomina capitalismo desorganizado han tratado de articular nuevos espacios para la democracia y mo delos equilibrados y sustentables de desarrollo endógeno Así en las dos últimas décadas la crisis de gobernabilidad y confianza en la Administración Pública Lo cal ha propiciado en el contexto general de globalización económica y reestruc turación de los territorios y las culturas autóctonas la puesta en marcha de diver sas iniciativas de participación y regeneración democrática En tales iniciativas la planificación de la comunicación ha comenzado a jugar un papel importante como proceso de promoción de la participación ciudadana siendo no obstante ocasional y apenas sistematizada esta función pública al limitarse en la mayoría de los casos las experiencias conocidas a estrategias de marketing social o a mera publicidad y propaganda política institucional especialmente en el caso de pro cesos de intervención y transformación del territorio Las nuevas tecnologías de la información ofrecen sin embargo herramientas y posibilidades no exploradas de gobernabilidad potenciación y desarrollo cultural y socioeconómico descen tralizado que hoy por hoy resultan estratégicas en el proceso de definición de las nuevas formas de ciudadanía del nuevo contrato social Cabe pensar en este sentido en qué pueden contribuir los nuevos medios a la apropiación del espacio de vida trascendiendo el modelo de capitalismo zombie la ciudad espectáculo a partir de las transgresiones que el arte público los jóvenes o los movimientos urbanos nos proponen Las cartografías de las luchas por lo urbano las geografías insurgentes apuntan como nos mostrara David Harvey en Ciudades Rebeldes a formas inéditas de irrupción y de interrupciones productivas a tomar en cuenta Quizás por ello la UE ha recurrido al fetichismo tecnológico a la hora de resolver 14 contradicciones que exigen otro imaginario sociológicamente hablando como una suerte de elusión del núcleo central del orden reinante En esta línea desde las declaraciones del Consejo de Estocolmo 2001 y de Barcelona 2003 en Bruselas se viene apuntando la necesidad de impulsar la utilización interactiva de las tecnologías de la información para facilitar la par ticipación y comunicación con los vecinos para la presentación de documentos y la realización de trámites administrativos y desde luego facilitar las consultas ciudadanas Como útiles herramientas de intercambio las NTIC pueden cierta mente multiplicar los espacios de comunicación facilitando el derecho de acceso y la representación plural de las identidades diversas que conviven y pueblan toda entidad local con herramientas y técnicas que permiten una nueva configuración de las mediaciones sociales Más aún las nuevas tecnologías de la información facilitan condiciones de vinculación e interdependencia con las que los actores locales pueden aprender a definir mejor sus estrategias y participar activamente en la vida pública estrechando los vínculos recíprocos de sociabilidad La progre siva implantación de las nuevas tecnologías y su implementación en la gestión del desarrollo local constituye por lo mismo un reto prioritario que como es lógico en todo proceso de cambio acelerado suscita numerosas incertidumbres a la vez que proyecta fundadas esperanzas de un más eficaz y equilibrado desarrollo endógeno al hacer materialmente posible la aspiración democrática de un espa cio público dialógico y abierto accesible a todos los potenciales interlocutores mediante la implementación de fórmulas originales de empoderamiento y comu nicación de la ciudadanía En numerosas experiencias internacionales conocidas la participación a través de Internet amplía en efecto las potencialidades de intermediación con la articulación de redes cívicas en las que el ciudadano puede participar de una comunidad de productores de medios y mediaciones Así de consumidores y audiencias los actores locales pasan a ser sujetos activos de procesos de represen tación capaces de definir y capitalizar los procesos de desarrollo así como las po sibilidades de creación cultural autóctona El célebre principio hazlo tú mismo reivindicado por los medios alternativos digitales evidencia y hace notar que hoy son posibles formas de producción y difusión informativa participadas y nuevas lógicas de representación y decisión política basadas en la acción ciudadana y la definición pública del espacio local a partir de un proceso cooperativo de recolec ción sistematización análisis y edición de información En definitiva con el cambio de soporte material de la cultura de los me dios analógicos a los sistemas digitales y su apropiación por el tejido social la ciudadanía cuenta con un amplio abanico de recursos de expresión y representa ción informativa dispuestos para explorar y vivir la democracia de forma creativa y abierta a la experimentación Por lo pronto la creación de nuevos espacios 15 y formas de interacción públicas y el uso difusionista del poder distribuido de las redes telemáticas han generado procesos de reflexión de las entidades locales conscientes entre la perplejidad y la urgencia de medidas políticas de las posibi lidades y necesidad de adaptar la gestión municipal a realidades factibles como el voto electrónico la información e intercambio de ideas y los servicios públicos en línea o el uso potencial y enriquecedor de los foros y ágoras virtuales en Internet En esta reflexión sobre las formas y procesos de ejercicio de la ciudadanía y la democracia particiaptiva las autoridades locales no han transitado solas Antes bien en muchos casos ha sido el tejido asociativo los grupos y colectivos de apoyo mutuo y especialmente los grupos activistas los que han comenzado a propugnar un nuevo modelo de mediación social en el desarrollo territorial Al gunos ejemplos tanto en América Latina como en Europa se muestran en detalle en el libro Estos colectivos herederos del activismo sobre la cuestión urbana y la vindicación del derecho a la ciudad de los años sesenta y setenta son quienes primero han visualizado el horizonte cognitivo de la biopolítica en la gestión y mejora del gobierno local con participación ciudadana La socialización y desarrollo de las nuevas formas de interacción social que circulan y son accesibles para la ciudadanía en sus ámbitos de proximidad nos demuestra de hecho que las comunidades de usuarios y grupos locales día a día promueven modos de producción circulación y consumo de información pú blica completamente novedosos dando lugar como resultado a nuevas lógicas transversales de mudanza que afecta transversalmente al conjunto de la vida en común Las actuales condiciones de desigualdad y exclusión particularmente en territorios o ciudades periféricas de las grandes metrópolis plantean no obstante problemas neurálgicos en una sociedad que a decir de Manuel Castells distri buye y reproduce las formas de poder de acuerdo a la lógica de flujos La intro ducción y aplicaciones de las nuevas formas de intercambio en la ciudad posmo derna plantea en este sentido el reto de dar respuesta a tales carencias sociales procurando abordar desde una visión integral y prospectiva los desequilibrios y cambios implícitos en esta transformación estructural de nuestras ciudades a fin de garantizar una ecología y modelo de desarrollo y mediación local equilibrado que ante la imperiosa necesidad de reforma y modernización fomente formas avanzadas de participación y ciudadanía más allá de los tradicionales parámetros y modelos de difusión jerárquicos y centralizados El reto de producción de la diversidad cultural implícita en la Agenda 21 de la Cultura constituye aún hoy por ejemplo en esta línea un eje central en el ámbito de las políticas de desarrollo de las ciudades por ser el ámbito de proximidad el que permite cumplir este principio de reconocimiento de la dife rencia Ahora bien reconociendo el papel estratégico que pueden desempeñar los municipios en esta labor tal política pública plantea retos de articulación 16 intergubernamentales políticoadministrativos y socioculturales innovadores y problemáticos que requieren nuevas perspectivas y enfoques de investigación La conexión entre los aspectos culturales y comunicativos los tecnológicos y econó micos y los políticoinformativos apunta por poner un caso la exigencia de una comprensión global de la interrelación existente entre los diferentes niveles de acción y pertinencia a efectos del análisis adecuada al campo de las transforma ciones socioculturales que estamos experimentando Desde este punto de vista hablar de creatividad de cuencas de cooperación de clusters de comunicación y cultura remite a una mirada transversal sobre las complejas interconexiones de espacios creativos en los territorios y nuevas formas de cultura urbana de la modernidad líquida que promueven las nuevas tecnologías sobre los que la mentablemente el campo académico apenas ha comenzado a explorar problemas y realidades emergentes determinantes de la ciudadanía cultural como campo de intervención Hoy más que nunca la investigación social precisa por consi guiente aportar tanto nuevos conocimientos sobre las estrategias y diseños de las políticas públicas de las entidades locales arrojando luz sobre los factores y ele mentos de innovación que contribuyen hoy a la planificación para el desarrollo local con las nuevas tecnologías como información empírica sobre las lógicas de mocratizadoras de la sociedad de la información en el ámbito local a fin de tratar de explicar las condiciones formales que procuran o por el contrario limitan los procesos de autonomía y apropiación social de la cultura digital en la promoción comunitaria y el desarrollo endógeno urbano de las reconocidas como ciudades digitales o creativas Y ello procurando aportar nuevo conocimiento científico en un campo novedoso y en la frontera del saber de las ciencias sociales y las huma nidades al ocuparse de un objeto material de estudio que por principio a decir de Peter Burke exige de la investigación social una mayor atención a las fronteras y espacios de creatividad de las comunidades y pequeños grupos analizando sus estrategias de innovación y adaptación creativa en el límite de las complejas relaciones entre sociedad y cultura estructura y cambio social agenciamiento y determinación histórica infraestructura material y trabajo autónomo y creativo En definitiva la comunidad académica debe priorizar esta línea estratégica abordando cuestiones sustanciales sobre la interfaz que define hoy la nueva cul tura urbana definiendo qué sociedades y formas de agrupamiento local emergen de las redes desterritorializadas de información e intercambio Qué modelos de sostenibilidad y desarrollo endógeno promueven las complejas dinámicas de intermediación del proyecto gubernamental de ciudades creativas Cómo son las formas y dinámicas de apropiación y uso social del hábitat que tienen lugar en los municipios Qué inflexiones y cambios se están produciendo en las ciudades y diversas regiones geopolíticas desde el punto de vista de la cultura urbana y la apropiación de los ecosistemas culturales Qué desafíos y límites 17 políticos y culturales plantean las transformaciones urbanas aceleradas en el con texto de los planes de desarrollo municipal Qué metodologías y criterios de evaluación son pertinentes para integrar los procesos de transformación cultural de las poblaciones locales Las políticas públicas en la materia progresan en la dirección que apuntan los objetivos de democratización y autonomía locales Cómo es definida y practicada realmente la ciberdemocracia Las ciudades creativas están implementando metodologías y estrategias de evaluación adecua das a la nueva cultura urbana Qué indicadores y modelos de referencia en la evaluación son idóneos para producir la mudanza sistémica de las ecologías de vida a esta escala En otras palabras qué indicadores variables y tipos de procesos inciden hoy en la apertura de dinámicas de desenvolvimiento local en las ciudades cómo tienen lugar las nuevas lógicas de socialización y qué factores inciden de forma determinante en la mayor o menor apertura para la autodeterminación ciudadana son cuestiones a nuestro entender prioritarias en la política científica contem poránea para entender el impacto y alcance de la nueva semiosfera de la cultura en la medida que toda cuestión urbana interpela al investigador sobre el modelo de reproducción social pues la ciudad es producto y espacio de articulación que media en las lógicas expansionistas del capitalismo De ahí que el estudio sobre lo local pensar las religancias y el papel de los territorios en los procesos de sub sunción de la sociedad entera por el capital resulte estratégico para una crítica y empoderamiento del nuevo sujeto postfordista Como apuntara hace décadas Castells los nuevos medios de representación no son sólo máquinas de procesa miento de información sino fundamentalmente sistemas de relación social En la era de las Smart Cities y de colonización del espacio de la comunicación y la cultura urbana de los territorios de la vida en común en suma ha llegado el mo mento pues de repensar críticamente los procesos de mudanza y estructuración del nuevo espacio público local Los editores de este volumen esperamos que con el esfuerzo colectivo desplegado en este proyecto hayamos logrado contribuir por modesto y limitado que haya sido el resultado a arrojar luz y simientes para hacer real el cultivo de una promesa siempre postergada de la ciudad de todos y para todos 18 PREFÁCIO Jesús Sabariego Este trabajo es un compendio de investigaciones en torno a las posibilida des de la ciudad como interfaz sometida a dinámicas de control vigilancia y do minación expresadas en una biotecnopsicopolítica que se ceba sobre los cuerpos y las mentes sobre el sueño y la vigilia el tiempo y el espacio Los trabajos que integran este volumen discutidos en seminarios interna cionales de carácter interdisciplinar por todo el orbe en los últimos años integran la caja de herramientas que propone el proyecto Technopolitics The Challenge of Digital Media to Democracy in Europe an engaged approach financiado por el programa H2020 MSCA de la Comisión Europea con referencia 897796 La mitad de la humanidad habitará en ciudades en torno a 2050 según ONU Hábitat Frente a este desafío la participación proactiva de las culturas cí vicas en la constitución de infraestructuras de código abierto el compromiso co munitario y la centralidad de la interacción horizontal de lo vivo y su corporeidad como vector de las relaciones sociales económicas y políticas deben transformar profundamente la interfaz ciudadana actual orientando a los cocreadores y pro ductores a los agentes y las políticas públicas en un nuevo tipo de vinculación corresponsable horizontal y recíproca de cuidado que respete e integre las dife rencias y reduzca las desigualdades en clave equitativa La pujante agenda en torno a los riesgos de una digitalización focalizada en los beneficios restrictivos para una parte de la sociedad y su carácter corporativo de una tecnología invasiva y extractora de las interacciones humanas tout court cuya autonomía en dicha lógica le permite pensar lo humano en una perspectiva tecno lógica y no al contrario están acrecentando la vigilancia el control y la dominación sobre poblaciones enteras del planeta a escala global escindiendo la separación en tre lo público y lo privado el tiempo online y offline la integralidad ecológica del territorio las posibilidades de supervivencia de una democracia plural y diversa Es necesaria una acción coordinada entre académicos investigadores ins tituciones públicas entidades privadas agentes políticos hacedores comunitarios y las culturas cívicas en torno a las posibilidades de participación democrática ciudadana y la calidad de esta en un mundo interconectado pautado por los riesgos de la desinformación el auge de la intolerancia y los discursos de odio en torno a las llamadas redes sociales de Internet que intoxican la política en cualquier escala 19 La pandemia ha acrecentado nuestros miedos e incertidumbres elementos disciplinantes que forman parte de la socialización primaria de cualquier socie dad totalitaria Nos toca imaginar una sociedad cuyos elementos motores no se sitúen en estas dimensiones sino en el deseo y la creatividad inherentes a la diversidad y pluralidad humanas la riqueza de estas y su valor tomando a la vida como centro Sevilla julio de 2021 20 A CIDADE DOS SONÂMBULOS1 Andrea Cavalletti2 1 Cada cidade real é uma obra de arte não se cansava de repetir um grande historiador de arte Sergio Berrini A obra nunca está sozinha está sem pre em relação Para começar pelo menos em relação a outras obras de arte dizia Roberto Longhi A cidade como obra e a obra de arte como relação Duas citações excêntri cas que têm um valor instrumental para nós de outils ferramentas Nos ajudam a imaginar um lugar espaço da obra corte da tela ou da cidade que está sempre em relação porque nada nela nunca deixa de estar em relação As palavras de Longhi no famoso artigo do primeiro número de Paragone são de fato um convite a repensar a sua tendência madura tendência tem sido dito para o romance histórico como um desenvolvimento coerente de ensaios juvenis dava ideias a esse formalista longínquo ou purovisibilista ironicamente desde nhoso a qualquer recurso a séries documentais para as quais a história da arte se confrontava sem resíduos com crítica figurativa Toda a obra está em relação porque pertence antes de tudo à história imanente da forma isto é o campo definido por um relacionamento duplo sincrônico entre os elementos formais internos e diacrônico que liga a obra aos outros e retorna sua genealogia este é o olhar presbiópico do jovem Longhi que enquadra Mattia Preti por exem plo da distância histórica como salvador da pintura napolitana para a decaída mesquinhez realista de Ribera ou que de outra forma descobre o longo desen volvimento da pintura veneziana a partir da invenção formal de Piero Quando Bettinim inspirou Focillon um continuador da Escola de Viena escreveu que em Veneza tudo a composição assimétrica de uma fachada como o menor detalhe colorístico embutido na marcha ou no caminho sinuoso do canal como 1 Este texto foi publicado originalmente na revista Critica della Razionalità Urbanistica CRU 2021 n60 2006 2007 Napoli Alinea Editrice srl com o título La Città dei Sonnambuli A tradução para o português foi reali zada por Henrique Mioranza Koppe Pereira 2 Andrea Cavalletti atualmente é professor de Filosofia Moral na Universidade de Bolonha 20072010 Bolsista de Investigação Universidade de Veneza IUAV 20032004 obteve bolsa de pósdoutorado Europa Univer sidade Viadrina FrankfurtOder Graduiertenkolleg RepräsentationRhetorikWissenGrupo de Treinamento em Pesquisa RepresentaçãoRetóricaConhecimento sob a direção do prof Anselm Haverkamp 20022004 obteve bolsa de pósdoutorado Politécnica de Bari Tutor prof Giovanni Leoni 2000 se formou Doutor em planejamento urbano IUAV com dignidade de publicação com a Tese Espaço e população Para uma arqueo logia do urbanismo Tutores prof Giorgio Agamben Universidade de Verona e prof Bernardo Secchi IUAV 1997 recebeu distinção Laurea cum laude em arquitetura IUAV com a Tese Konzentrationslager Campo de concentração Uma análise biopolítica do espaço Oradores prof Bernardo Secchi IUAV e prof Giorgio Agamben Universidade de Verona 21 o reflexo da água no poliforo tudo Responde ao mesmo Kunstwollen3 a uma única vontade artística coerente deu a interpretação mais rigorosa deste princí pio De fato a noção de Riegliana4 define o campo coerente das relações entre as diferentes esferas da atividade humana o termo Kunst5 significa precisamente a poiesis6 o fazer no sentido mais amplo e inclui em si mesma a pintura e a escul tura mas também o direito e as práticas comuns isto é as maneiras pelas quais a vida responde a um certo ritmo a uma ideia formal chamada precisamente Veneza ou Paris Veneza e Paris são obras de arte enquanto lugares onde não há nada que não esteja na mais estreita relação E se a forma de Veneza ao seu modo se conecta à Roma erradicase diretamente do sentido espacial romano tardio em íntimo acordo com seu Kunstwollen poderia também ser uma série aparen temente mais distante e alienígena a das relações orgânicas das composições de Frank Lloyd Wright desde que claro ele saiba concordar com esse ritmo preciso que agora seria impróprio chamar de interno porque não há mais uma linha que separa o interior do exterior mas coerentemente com a ideia de vontade artística uma certa disposição para contatar uma tendência permeabilidade Bettini tinha tomado uma posição em favor do projeto de Wright para o Memorial Masieri no Canal Grande Algo inextricavelmente liga Veneza a Taliesin West o espaço da lagoa totalmente artificial em Fallingwater aplica a lei descoberta por Focillon de migrações e metamorfoses formais entre ambientes mais lentos ou mais rápi dos em diferentes intensidades 2 Ao se intencionar a pensar quão verdadeiras são as definições de Bettini e Longhi pensar a cidade como o que está sempre em relação significa antes de tudo pensar sobre essa esfera de relacionamento puro Agora talvez a imagem mais poderosa de um mundo em que tudo está continuamente relacionado é 3 NT Kunstwollen é um conceito artístico que significa literalmente a vontade da arte Esse conceito foi criado pelo historiador de arte Alois Riegl O conceito riegliano de Kunstwollen como é proposto em Die Spätrömische KunstIndustrie baseiase na percepção de que a obra de arte não é uma mera representação de um conteúdo que é supostamente subjacente termo de Panofsky à própria obra de arte mas que é a expressão de uma vontade que não existe independentemente de sua exteriorização específica na vida cultural de uma comunidade SY MONS Stephane Walter Benjamin presence of mind failure to comprehend social and critical theory Boston Brill Academic Publishers 2012 p 99100 e OLIVEIRA Carla Mary S Aloïs Riegl o conceito de Kunstwollen e o barroco algumas considerações em história da arte SÆculum Revista de História 28 João Pessoa UFPB janjun 2013 4 NT Riegliana vem do Historiador Alois Riegl O que Riegl propõe é francamente em termos de uma solução técnicometodológica provavelmente a mais hábil já sugerida talvez porque Riegl percebeu o problema mais diretamente do que outros Na verdade a kunstwollen nos permite ir dos objetos para o panorama Além disso ela nos liberta das hierarquias estéticas dos objetos desde que a princípio todas as artes toda informação arqueo lógica todo objeto e ornamento pode servir ao mesmo objetivo histórico de revelar uma kunstwollen gravada pela vontade de seu produtor na resistência das condições materiais em que ele ou ela trabalham ELSNER Jas From empirical evidence to the big picture some reflections on Riegls concept of Kunstwollen Critical Inquiry Chicago The University of Chicago Press v 32 n 4 2006 p753 Disponível em Acesso em 17 fev 2013 e OLIVEIRA Carla Mary S Aloïs Riegl o conceito de Kunstwollen e o barroco algumas considerações em história da arte SÆculum Revista de História 28 João Pessoa UFPB janjun 2013 5 NTKunst do alemão arte a autora ao referir a semântica que traz o significante Kunst faz alusão ao potencial que a arte tem em criar e transformar a cidade e o modo de vida que toca 6 NT Poiesis significa trazer à existência algo que não existia antes 22 aquela cunhada no final do século XIX por Gabriel Tarde Tudo para o Gabriel Tarde é associado e nada para de se associar em formas múltiplas e muitas vezes imprevisíveis Tudo é uma pequena sociedade de coisas e o mundo inteiro está conectado por uma série de relações sociais infinitesimais Este é o mundo para o qual Deleuze e Guattari prestaram homenagem Tarde tinha sido esmagado por Durkheim e sua escola É porque Durkheim encontrou um objeto privilegiado nas grandes representações coleti vas geralmente binárias ressonantes superlotadas Tarde objetou que as repre sentações coletivas pressupõem o que deve ser explicado a saber a semelhança de milhões de homens Para explicar essa semelhança o planejamento urbano não deve simples mente considerar os aspectos e as mutações da sociedade nem aprender com a sociologia urbana ainda seria muito pouco antes deve ser radicalmente trans formado em sociologia Deve adotar a lei geral de Tarde Cada coisa é uma sociedade cada fenômeno é um fato social Não há portanto paredes ou ruas ou praças em relação aos fenômenos sociais mas a estrada o elemento físico estrada é um fenômeno associativo não menos do que o número de transeuntes que passa por ela em um determinado momento Todo fenômeno ou fato existe apenas na medida em que está associado a outros e é por sua vez uma associação de fenômenos e fatos Não há nada além de relacionamento no mundo não é possível ser outra coisa ou outro fenômeno que não seja propagação contato união ou oposição de fenômenos e coisas É o absoluto sociomorfismo de Tarde repensando aos excêntricos lemas de Longhi e Bettini pensar na cidade como um relacionamento significa tentar abordálo 3 Tarde viu todo o universo sob as espécies de associações são imitativos inesperados simples ou inventivos Porque a sociedade significa para ele imita ção Como dois fenômenos diferentes se unem enquanto se comunicam entre si Precisamente se imitando Se tudo no mundo é social todo o social é imitativo Agora o que é imitação É o jogo mútuo da diferença e da repetição A nature za o espírito a história da natureza e a história do espírito a história universal não são que a tentativa contínua de estabelecer uma perfeita adequatio entre a diferença e a repetição não são além do anseio contínuo pela perfeita imitação O último é de fato um relacionamento dinâmico e comunicativo nunca é algo que possa ser alcançado de uma vez por todas em sua adaptação mútua a dife rença e a repetição permanecem vivas e essa mesma adaptação por mais perfeita que seja permanece por sua vez efêmera pois de fato por sua vez não pode ser imitada isto é repetida e diferida Diferença e repetição se Deleuze ensinou a pensar de uma maneira absolutamente novo o fez associando o seu nome aquilo que Tarde imitandoo e repetindoo e diferenciandose de Tarde suscitando a sua volta um vórtice imitativo que se captura ou arrasta ou como teria dito 23 Tarde se polariza Vamos seguir então Deleuze Toda a filosofia de Tarde é fundada sobre duas categorias de diferença e repetição a diferença é ao mesmo tempo a origem e o objetivo da repetição segundo um movimento cada vez mais poderoso e engenhoso que leva cada vez mais em conta os graus de liberdade Agora esta lei da imitação que pode então ser consciente ou inconsciente refletida ou espontânea subverte o princípio básico da dialética hegeliana Não que não haja oposição entre teses e antíteses Apenas ao dizer oposição já foi in dicada uma relação isso é uma associação e a dialética já foi descrita diria Tarde como um fenômeno social Mas não basta O fato é que também a oposição não é uma relação de repetição e diferença Em 1897 Tarde escreve um livro intitula do A oposição universal Lopposition Universelle no ano seguinte dedicalhe um capítulo daquela síntese de seu sistema que é As leis sociais esboço de uma sociolo gia Les Lois sociales equisse dune sociologie A ideia verdadeiramente genial que tanto teve que Deleuze bater é que a oposição não é algo autônomo uma relação entre duas entidades autônomas portanto um relacionamento que como tal permaneceria externo a elas não é simplesmente o relacionamento externo o terceiro em que duas coisas manifestam o máximo de sua diferença A oposição universal que corresponde à socialização universal é por outro lado para Tarde estritamente uma relação entre diferença repetição é uma repetição mínima em relação à própria diferença Essa não se dá simplesmente onde há um máximo de diferença é produzido em contato de acordo com a relação entre um máximo de diferença e um mínimo de repetição Como relação como fun ções universais dos dois termos diferençarepetição a oposição é por sua vez vari ável os seus graus e suas formas são múltiplas e Tarde as classifica Do ponto de vista formal as oposições podem ser estáticas simétricas ou dinâmicas oposi ções dinâmicas sucessivas ritmos ou simultâneas oposições lineares simultâneas polaridade ou irradiantes Do ponto de vista não mais formal mas material existem oposições qualitativas e quantitativas e então quantitativo de grau ou força A oposição portanto nunca se separa da repetição Em suas duas grandes formas o ritmo e a luta não se revela nada mais que um estágio ou fenômeno intermediário ou de alguma forma auxiliar à repetição Como o ritmo escreve Tarde em Les Lois sociales As Leis sociais a oposição não serve à repetição de modo direto ou indiretamente quando se torna variação E como luta isto é discussão concorrência guerra a oposição não pode fazer mais afinal do que provocar adaptações isso é imitações inventivas Adaptação invenção e imitação são as três variáveis gerais insubstituíveis da lei Tardiana E sobre isso retornaremos a tratar É necessário refletir primeiro sobre algo a cidade a cidade povoada do sé culo XIX Paris era o lugar de massa por excelência um lugar a partir do qual um regime particular de verdade chamado sociologia poderia ser constituído Mas 24 podemos pensar nos termos de Tarde imitando seu sociomorfismo universal a própria cidade como um tecido de coisas e fenômenos que imitam e se opõem mutuamente diferenciandose e repetindose sem solução de continuidade Isto é podemos pensar na cidade não como o teatro ou o produto de fatos sociais mas como algo que em sua materialidade e forma é imediata e absolutamente social portanto como algo tão sociológico que não é mais redutível ou referível a qualquer sociologia Podemos imaginar uma nova leitura da cidade ou uma leitura da obra de arte atenta a todas as mínimas diferenças às repetições às si metrias dos elementos e que notando as repetições não se concentram em formas singulares reconhecendoas e isolandoas mas por assim dizer nos seus halos nas irradiações a que pertencem e que os distingue como graus distintos de diferença ou repetição que individualizam que têm diante de si um complexo tecido de insistência que tipo de insistência uma estrada representa e limites onde as repetições se tornam máximas e as diferenças mínimas como pelo contrário os momentos mais decididamente inventivos Podemos imaginar uma urbanística que consista exatamente na descoberta contínua dos níveis de associações e em uma exposição das relações que tragam a sociologia de volta à cidade da qual ela nasceu e subtraia o pressuposto de sua constituição Pensar a obra de arte cidade como fenômeno no qual as formas de vida se materializam em repetições e oposições significa nada menos que isto 4 Adaptação nós dissemos é uma imitação inventiva Já que adaptarse significa inventar uma solução e toda verdadeira invenção é uma adaptação Tam bém nesse sentido embora ela seja adaptada a imitação nunca é completa mas sempre novamente possível O campo social portanto onde mais uma vez social é o próprio universo dos fenômenos como todo fenômeno em si é com posto de ondas e fluxos imitativos que se opõem que se encontram imitam até opondose uns aos outros e diferenciam um do outro Estes encontros são mais ou menos felizes são conclusões lógicas esperadas por um longo tempo ou combinações casuais às vezes pequenos atritos revoluções individuais vórtices no fluxo moral dominante ou contatos e intersecções entre diferentes tipos de correntes imitativas como a imitaçãotradição que pode encontrar uma linha de imitaçãomoda e engajarse nela como diferentes modas podem se encontrar ou ambientes imitativos com diferentes intensidades podem se sobrepor Pois as invenções são adaptações e as adaptações não são equilíbrios instáveis como a bacia de um rio ou o movimento das nuvens diz Tarde elas mantêm seu equi líbrio adaptandose continuamente à variação das correntes Todas invenções se reduzem ao feliz cruzamento em um cérebro inteligente agora com outra corrente de imitação que a reforça agora com uma intensa percepção externa que faz uma ideia aparecer sob uma luz inesperada todas as invenções e to das as descobertas são compostas de imitações anteriores e tudo no mundo nasce 25 formando a árvore genealógica dessas iniciativas bemsucedidas um conjunto não rigoroso mas irreversível de sua manifestação o desdobramento de cada invenção é a realização de uma possibilidade entre milhares possível entre as di versas possibilidades quero dizer entre as condições necessárias que a invenção mãe da qual deriva carregada em seu seio Assim que se manifesta a nova in venção impede a maioria dessas possibilidades e ao mesmo tempo torna possível um novo grupo de invenções que antes não existiam e que por sua vez nunca virá à luz de acordo com a forma a direção a intensidade o período e a extensão do raio imitativo Para nós a palavra cidade significará portanto radiação contínua múltipla e irreversível de invenções e adaptações 5 O que é a sociedade É imitação Resta uma pergunta o que é a imita ção Aqui disse Tarde o sociólogo deve deixar a palavra ao psicólogo A ideia é para esclarecer o que parece mais complexo através do mais simples explicar a combinação a partir do elemento singular o vínculo social mais complicado atra vés do qual para um tempo puro e reduzido à sua expressão mínima Ideia por sua vez elementar para explicar um mundo inteiro de relações imitativas através da ligação reduzida e tão felizmente realizada para o benefício do sociólogo em estado sonâmbulo Para inovar inventar para realmente descobrir alguma coisa um momen to é necessário acordar de seu próprio sonho seja familiar ou nacional para que haja imitação algo novo deve vir de algum lugar e para que algo novo seja dado a qualquer indivíduo ele deve fugir momentaneamente da sua sociedade deve se isolar e ser suprasocial em vez de social É como uma inversão completa do fragmento de Heráclito os que dormem agora têm um mundo comum e único enquanto cada um dos despertos se retira para si Para o sonâmbulo acordar por um instante a diferença deve possuir supremacia sobre a imitação Ele deve encontrar um diferente isto é adaptarse e da melhor maneira inventar a melhor adaptação possível dando origem a um novo rastro imitativo formando assim um novo centro de polarização e tornando o social possível novamente Inventar significa ser suprasocial mas adaptarse significa ainda imitar Portan to recuar para o próprio mundo significa sair da imitação apenas para renovála acordar momentaneamente do social para tornar o sonambulismo ainda possível O que está em jogo no despertar é o social como transformação possível Então há uma condição Isaac Joseph sublinhou isso que não coincide exatamente com o sono nem com o estado de vigília uma condição singular e pela qual todos nós passamos uns mais outros menos intensamente é o estado próximo ao de sonambolismo mas deste lado do sonambulismo que não está inteiramente no social mas em relação ao social é o que Antonio Delfini chamou 26 minha timidez A expressão está correta porque a timidez é acima de tudo um estado de perplexidade não um salto inventivo para além de uma certa es fera social mas um resíduo de consciência que nos impede e nos impede de nos abandonar completamente à atração do pólo magnético que organiza os fluxos imitativos que nos impede de seguir o tom e a moda daquele ambiente falan do sobre seu jargão copiando seus gestos O homem tímido diz Tarde acima de tudo não poderia abandonar a esses hábitos a ponto de perder a consciência desse abandono Magnetização consciente e portanto incompleta comparável à sonolência que precede o sono profundo em que o sonâmbulo fala e se move a timidez será portanto para Tarde um estado social nascente que é produzido toda vez que se passa de uma sociedade para outra Sonambulotímidoinventor nova declinação ou variação da lei triádica imitaçãoadaptaçãoinvenção o que de fato é o inventor É aquele que se adap ta a um novo ambiente Inventar é adaptarse e adaptarse é imitar Portanto o inventor é o imitador maa também é tímido devido a sua dificuldade de adap tarse ele terá que inventar algo e se tornar novamente um sonâmbulo Vencerá e junto perderá a sua timidez Não se sabe Quem é de fato verdadeiramente mais do que outro tímido qualquer Aquele que permanece inventando sua pró pria linha original de timidez os Diários de Delfini por exemplo são a história dessa linha aquele que abandona a si e se perde em sua própria timidez tornase inconsciente sem nunca perder a consciência do que o diferencia dos outros Existem três intensidades diferentes de imitação três tipos de sonambulis mo recíproco 6 Imaginemos a cidade atravessada por massas sonâmbulas Ou melhor imaginemos que a cidade seja o lugar de todas as imitações dos múltiplos incên dios de radiação do fluxo de fluxos de oposições e interseções novas polaridades capazes de atrair outros fluxos Imaginemos que a cidade não é mais do que a so ciedade e não é simplesmente habitada ou atravessada por uma sociedade de indi víduos Pensamos que todo fenômeno todo espaço ou problema espacial produz uma adaptação e tudo imita o outro ou dá lugar a uma imitação e portanto qualquer elemento espacial já é imanente no plano imitativo então não haveria outro espaço além daquele dos fluxos inventivos É o sonho de uma cidade em que todo movimento não é mais do que a entrada mais ou menos rica em atritos em um fluxo ou a formação de um córtex ou a saída desse fluxo que no entanto já abre outro fluxo o que por sua vez desvia correntes antigas ou provoca novas Quem é o urbanista e o que ele inventou Ele é um sonâmbulo entre ou tros e timidamente inventa seu próprio sonho 7 A história da cidade e do urbanismo moderno é diferente O que Ildefon so Cerdá chamou com um neologismo afortunado a urbanização é um dispositivo 27 de implicação mútua do contenente a cidade física a urbe como o lugar onde se conterá a população e sua formas de vida e do contenuto como con teúdo de população que se conterá na cidade As primeiras definições exaustivas deste dispositivo datam como foi mostrado das codificações da ciência policial do século XVIII para tratados franceses ou italianos e para os cameralistas alemães entre muitos livros Ökonomie des Raumes de Marcus Sandl possivelmente seu es tudo mais documentado sobre cameralismo reconstitui esta história e deixa claro para quem conhece Cerdá como a cidade como mare magnum de pessoas coisas e interesses com que se media a partir da Teoria geral da urbanização que já se encontrava no centro por exemplo das Grundfeste zu der Macht und Glücksligkeit der StaatenFundações para o poder e felicidade dos estados1761 de JHG von Justi Entre o espaço o ambiente e o homem a população surge uma técnica capaz de identificar todas as variáveis que interferem no comportamento moldálas e condicionálas enquanto aqueles são por sua vez moldados e condicionados Emerge entre o ambiente e o homem o governo como a arte de guiar essas relações e assim melhorar a vida da população para tornálo mais e mais útil para o fortalecimento do Estado cada vez mais rentável para os propósitos do pró prio governo cada vez mais correspondendo à economia virtuosa dessas técnicas governamentais O nascimento da economia civil ou política está portanto ligado ao destino de outra ciência estatística capaz de medir a condição mais ou menos feliz do Estado e portanto não apenas fornecer o quadro atual de relações entre habitantes e território mas para estabelecer este mesmo quadro de relações para trazer um espectro de positividadenegatividade que pode então ser projetado com ações mais ou menos diretas e incisivas sobre as formas da cidade física e sobre as formas de vida da população como então com o surgimento do governo como governo da população que Foucault chamou de biopolítica com a transformação da cidade moderna em cidade biopolítica esta visão estatística particular deve assumir as características da própria realidade quão perfeitamente a estatística de veria se tornar o princípio de realidade sobre o qual cada imagem da cidade tinha que ser fundada dizem as famosas palavras escritas por Le Corbusier em 1925 A estatística é o pégaso do planejamento urbano Terrivelmente chata meticulosa seca e fria é a plataforma da qual o poeta pode dar o salto colocando os pés firmemente em figuras gráficos em fatos concretos Dado ao fato de que o planejamento urbano não é portanto a cidade físi ca mas a relação entre contenente contêiner como aquilo que em que se contêm algo e contenuto conteúdo como aquilo que está contido em algo Por outro lado um pégaso e um poeta adequado eram necessários para que um certo co nhecimento imagem ou visão do mundo se tornasse um fato Sabemos que a análise do contêiner e do conteúdo Cerdá na sua esta tística urbana de Barcelona seguia as relações entre esses elementos quanto 28 ao funcionamento da população na cidade fazendo com que este trabalho coincidisse com a própria urbanização A matriz de todos os dispositivos de controle atuais isto é a gestão das desigualdades começando com a agora tão popular e avaliação cujos reais desafios foram demonstrados por JeanCalude Milner em La politique des choses 2005 A política das coisas até as aberrações ou melhor para o cru da discricionariedade brutal eleita sem demasiados fingimentos em termos legais no último projeto de lei das disposições sobre segurança urbana voltar a essa implicação mútua que poderíamos definir em um sentido preciso urba nística entre espaço e população entre os dois objetos do governo os viventes e o seu ambiente O paradigma atual do governo é melhor do que dizer de uma partição artificial e de modo algum tido como certo entre a vida e o ambiente vital A divisão a partir da qual somente pode ser dada sua relação e o controle das relações pode por sua vez ser exercitado tocando e moldando juntos o am biente e a vida É a partir desta cisão a partir do campo ilimitado ou mare mag num das relações as quais essa dá lugar que a estatística se confunde e prolonga na urbanística e a urbanística se torna um instrumento de segurança pública 8 Mesmo no sonho de Tarde a estatística aparece O quarto capítulo da obraprima Les lois de limitation As leis da imitação 1890 é de fato intitulado Larchéologie et la statistique A arqueologia e a estatística Tarde tinha publica do sete anos antes um ensaio homônimo O primeiro movimento consiste em reunir em uma única perspectiva dois tipos distintos de pesquisa que nosso tempo colocou em grande honra Ambas são essenciais do ponto de vista do sociólogo Por que a arqueologia Acostumados a uma extrema escassez de infor mações os arqueólogos desenvolveram uma sensibilidade superiorobrigados por ligar o desconhecido ao conhecido a procurar o segredo das gerações desapa recidas nas analogias mais distantes obrigados ligar o desconhecido ao conheci do a procurar o segredo das gerações desaparecidas nas analogias mais distantes naquelas de avaliação mais difícil para o olho profano em matéria de formas estilos cenas lendas figurativas de línguas costumes etc os arqueólogos exer ceram por toda a parte descobertas inesperadas umas com segurança investigati va e outras com diversos graus de verosimilhança de acordo com uma escala de probabilidade muito ampla Com isso eles contribuíram maravilhosamente para ampliar e aprofundar o domínio da disposição humana a imitar e para resolver a civilização de todos os povos mesmo os mais originais à primeira vista em um conjunto de imitações combinadas de outros povos Sabem que a arte árabe com sua fisionomia nítida é no entanto uma simples fusão da arte iraniana com a arte grega derivada da arte egípcia e talvez de outras fontes tal e qual outro processo e que a arte egípcia é formada ou sucessivamente ampliada para múltiplas contribuições asiáticas ou mesmo africanas Não podemos pôr fim a 29 esta decomposição arqueológica de civilizações não há molécula social que a sua química não espere justamente dissolver em átomos mais simples Graças aos arqueólogos aprendemos onde e quando pela primeira vez surgiu uma nova descoberta até onde e em que época se irradiava e como veio do lugar de origem até a pátria adotiva Para eles portanto a história simplificada e transfigura da consiste simplesmente em advento e difusão em acordos e conflitos de neces sidades originais em uma palavra que de tal modo tornamse as grandes figuras históricas e os verdadeiros agentes do progresso humano Como é a cidade e a própria urbanização aos olhos do arqueólogo Não como um lugar do relaciona mento mais ou menos seguro econômico ou útil entre contenente e contenuto mas como um tecido de radiações e centros de intensidade inventiva Não há duas entidades cidade física e população e sua relação ou funcionamento mas apenas que podemos chamar de uso uma adaptação contínua uma sucessão de imitações inventivas e descobertas imitativas uma linha de adaptações criati vas Uma casa um um antigo pavimento ou uma fronteira a ágora ou a planta inteira de uma cidade que lentamente aflora nada mais são do que cruzamentos de invenções diversas e distantes e seu espaço e seu espaço nada mais é que dimensão intensiva e ao mesmo tempo temporal o de sua irradiação Por isso a sociologia tardiana não pode separar a estatística da arqueologia não pode deixar de combinar essas disciplinas aparentemente diferentes Necessita reco nhecer que o campo da invenção parece mais especificamente precisamente da arqueologia a da imitação mais especificamente apropriada à estatística Quanto a primeira se dedica a destrinchar a filiação de descobertas subsequentes a segun da se sobressai em medir a expansão de cada um deles Sem uma dimensão arqueológica a estatística não poderia existir assim como nenhuma invenção surge do nada e nenhuma imitação pode ocorrer em um ambiente social perfeitamente uniforme Então qual é a contribuição qual é a tarefa possível do estatista sociológi co Isso de determinar o poder imitativo de cada invenção e em segundo lugar de mostrar cada um dos os efeitos favoráveis ou nocivos produzidos pelas imitações Mas o que significa ser favorável E nocivo O efeito positivo se dá apenas em se livrar de novos potenciais de socialização de tudo o que é favorá vel à radiação imitativa livre de invençõesFrançois Zourabichvili destacou este aspecto em relação ao problema da justiça A positividade sociológica nada mais é podemos até dizer do que sua qualidade arqueológica E o negativo em Tarde é uma perda de poder é o fenômeno da multidão das necroses da vida social um grupo efêmero de imitadores passivos sem inventividade É em vez disso uma questão de quebrar continuamente as linhas horizon tais das estatísticas intervir com uma arte de decomposição arqueológica para descobrir que nunca há constantes verdadeiras mas sempre haverá um ponto 30 em que uma invenção é obstaculada ou se manifesta como decisiva e que cada linha aparentemente horizontal dividida da maneira justo sempre revela uma pequena inclinação um pico até mesmo uma mínima invenção individual para descobrir que social e individual são realmente inseparáveis e que necessidades constantes não existem ou nunca existiram que o mesmo ambiente em que o homem vive não é um quadro invariável mas um fenômeno imitativo em cons tante mudança A estatística então mais do que uma ferramenta de controle tornase pro priamente um órgão deveríamos ser mais sensíveis aos dados estatísticos para navegar com maior facilidade nos fluxos imitativos deveríamos um dia ler os jornais que finalmente se emanciparam de qualquer desejo de comentar e que em vez disso apresentam um único conjunto atualizado de dados devemos ver as linhas das estatísticas como vemos no céu os movimentos de um pássaro a imagem da retina é uma curva gráfica assim como existe uma fisionomia da esta tística composta de sinuosidade quedas súbitas retomadas abruptas semelhantes ao voo de uma andorinha Os escritórios de estatísticas seriam então inteiramente comparáveis aos olhos e ouvidos constituem o verdadeiro órgão sensorial do sonâmbulo social que se moveria em uma cidade perfeitamente transparente Mas este sonâmbulo nunca se destaca do voo porque para ele nunca há dados de fato nem plataformas estáveis como não há contêineres contenente ou conteúdos tudo o que é estatístico é de fato imediatamente capturado nos fluxos de imitação e tudo o que é imitado é portanto variado e diferido Não há fato mas mais uma vez apenas uma associação contínua de fatos e fenômenos Não há limite nem fronteira inerte portanto nem subpopulação soberana mas apenas novas metamorfoses estratégias de adaptação e intensidade da invenção Não há mais fluxos para administrar conter ou bloquear porque não há nada além de fluxos A urbanística neste esquema ideal não gerencia valores nem controla nada nem ninguém porque é inseparável da linha variável e do próprio mare magnun associativo que poderíamos finalmente chamar repetindo e dife renciando esse nome urbanização Somnambuli in somnis plurima agant quae vigilando non auderent Os sonâmbulos agem em sonho como não ousariam agir quando acordados REFERÊNCIAS S Bettini Tempo e forma Scritti 19351977 Quodlibet Macerata 1996 G Deleuze Differenze et repétition PUF Paris 1969 G Deleuze F Guattari Mille plateaux Captalisme et schizophrénie 2 Le minuit Paris 1980 A Cavalletti La città biopolitica Mitologie della sicurezza Bruno Mondadori Milano 1995 R Longhi Proposte per una critica darte in Paragone1 1950 pp 519 M Sandl Ökonomie des Raumes Die Kameralwissenschaftliche Entwurf der Staatwirtschaft im 31 18 Jahrhundert Böhlau Köln 1999 G Tarde Les Lois de limitation 1980 Presentazione di B Karsenti Kimé Paris 1993 trad it le leggi dellimitazione in Id Scritti sociologici a cura di F Ferrarotti Utet Torino 1976 G Tarde Les lois sociales 1898 com il saggio di I Joseph Gabriel Tarde le monde comme féerie Les Empêcheurs de penser em Rond Paris 1999 G Tarde Lopposition universelle Essai dune théorie des contraires1897 Les Empêcheurs de penser em Rond Paris 1999 G Tarde Les Transformations du pauvoir 1899 Introduzione di F Zourabichvili Les Empê cheurs de penser em Rond Paris 2003 32 SKATE E ESPAÇO PÚBLICO PROFANAÇÕES URBANAS Guilherme Michelotto Böes7 Augusto Jobim do Amaral8 1 INTRODUÇÃO O espaço urbano sempre se dispôs a comungar diferentes interfaces de estudos para compreender a complexidade em jogo nestes lugares Por sua vez o fenômeno cultural do skate entre o lazer o esporte e a própria atitude encontra profunda presença nas praças das cidades sejam metropolitanas ou do interior fazendo com que os locais de sociabilidade não raro apresentem conflitos entre os citadinos e seus praticantes Os problemas advindos dessas relações reforçam uma imagem da cultura do skate como transgressiva que degrada polui e traz problemas para o uso do espaço público Abordar a importância da representação do espaço urbano como resultado de construção social e cultural por ele mesmo produzido permite acompanhar os processos de retomada do desenvolvimento destes locais por meio da observação daqueles que os reinventaram e dão novos usos a eles Assim as culturas urbanas e nesse caso o skate apresentam modos de profanações aos usos e sentidos regulares dos espaços culturais nas metrópoles restituindo ao comum aquilo que normalmente se segrega Diante dessa base relacional em pesquisar o espaço urbano como caleidoscópio cultural o objetivo desse trabalho é analisar o skate em interação com os locais públicos e questionar as experiências urbanas contemporâneas através das suas diferenças 2 O ESPAÇO URBANO O processo de modernização das cidades é desdobrável em graus peculia ridades e interdependências dependente de cada época Martina Löw nd nos faz compreender como a globalização influencia e modifica as relações espaciais conhecidas apontando como a cultura que emerge daí entra em confronto com a sua própria localidade desde as formas hegemônicas de ocidentalização e ame ricanização 7 Doutor em Ciências Sociais pela PUCRS 8 Professor do Programa de PósGraduação em Ciências Criminais e do Programa de PósGraduação em Filosofia da PUCRS 33 Nessa condição de entrechoque entre fenômenos de globalização e seus espaços de incidência o aspecto cultural manifestase no dilema de como não reduzir o urbano a um modo uniforme de vida Martina Löw 2013 responde que devemos considerálo não como versões de antigas civilizações mas produto de um mundo em polifonia cultural em que as conexões modificam as estruturas das relações espaciais Com isso o processo de modernização não deve ser uma perda cultural nos espaços das cidades mas sim um motivo de interpenetração contaminação hibridização mais ampla nos quais esses espaços não deveriam produzir sociedades homogêneas uniformes mas múltiplas modernidades ou seja configurações culturais em transformação permanente Qualquer estudo sobre cidades deve avaliar suas mudanças através das de sigualdades econômicas das políticas públicas e dos conflitos envolvendo direitos e cidadania Como aponta Teresa Caldeira 2000 2012 nos estudos sobre a cidade de São Paulo os níveis de pobrezas do século XXI são diferentes daqueles existentes nos anos de 1980 A infraestrutura das cidades apresenta novas formas físicas Entretanto tais pesquisas não são suficientes pois não privilegiam parti cularmente a comunidade e a representatividade social que a cidade destina A proposta de Martina Löw nd não se baseia em comparações entre as cidades seus espaços e as diferentes tendências de socialização mas em examinar a sociedade moderna em geral A autora propõe uma análise de cada cidade para que possamos distinguir diferenças nas investigações das políticas locais Assim o espaço da cidade tem um grande papel na vida social daí sua análise crítica ir além da forma física matemática ou filosófica Espaço é um conjunto de relações que está representado na cidade forjando redes e objetos próprios Para considerar os espaços na cidade devemos compreender o entrecru zamento dos processos materiais e culturais urbanos promovidos por distintas práticas por seus atores sociais Para entender a dinâmica dos espaços é necessário que encontremos o contexto cultural com que a globalização hoje se instala na cidade A capacidade de realizar uma leitura dos mecanismos de modificação ur bana e dos conflitos que surgem no tecido da cidade na experiência urbana con temporânea mostra que o seu desenvolvimento está estritamente relacionado ao espaço e à cultura que emergem destes mesmos conflitos Daí a importância da cultura do skate Assim o skate contribui para mostrar como processos urbanos interpretam e ressignificam os espaços das cidades cooperando essencialmente para a questão do seu significado cultural A globalização dos espaços em contrapartida permite identificar as carac terísticas especiais das cidades ou possibilita denunciar aspectos sociais gene ralizáveis através de estudos de suas culturas urbanas Suas experiências podem 34 apontar o significado compartilhado nas cidades permitindo análises das práti cas culturais como processo de subversão das visibilidades dos espaços urbanos Podem tratar a tona as falhas das políticas públicas e das formas de partilha do espaço público O estudo sobre as características do espaço urbano desde as culturas que dali emergem a partir dos próprios conflitos comporta um cenário atinente à transformação que a globalização implica nos espaços O espaço público con cebido na heterogeneidade de seu uso deve forjar seu acesso como local de en contro com o estranho ou seja instante de vivências plurais com as diferenças sociais Isto não significa ausência de conflito principalmente diante do crescente processo de modificação dos espaços urbanos diante das desigualdades presentes nesses ambientes por hierarquias e corporeidades diversas JAYME NEVES 2010 Espaço é condição de sociabilidade em que os humanos encontram sua existência hoje especialmente representada na cidade Reinventandose diante dos processos de globalização a cidade deve tomar consciência desse complexo fenômeno que é a construção da cultura em seus espaços Essas construções de significados foram analisadas já no início do século passado por Georg Simmel 2013 1903 ao escrever sobre as grandes cidades de então e a formação de seus indivíduos Tratase da clássica demonstração da atu ação humana na formação cultural e na reconfiguração de sua existência corporal nestes novos espaços no constante questionamento de seu corpo cultural Se o século XVIII trazia alguma possibilidade de clamar pela liberdade em contraposição às formações históricas atreladas à religião seja na economia na moral e no Estado com o século XIX nas sociedades modernas há a reinvindi cação por tais liberdades desde a formação histórica da divisão do trabalho onde os produtos da vida especificadamente moderna são questionados acerca de sua interioridade onde o corpo da cultura é questionado sobre sua alma como me parece ser atualmente o caso no que diz respeito às nossas grandes cidades SIMMEL 2013 p 312 Isso significa que o homem começou a se questionar diante das novas relações sociais da vida moderna por assim dizer questionar as implicações psicológicas da vida na cidade grande e as modificações técnicas intensificadas pelas diferentes relações do consumo A forma mental da cidade envolve indivíduos e seus vínculos condições e distinções que se entre laçam Seus significados transcursos e habitualidades compreendem aquilo que os identifica e individualiza Na imagem do processo de identificação da vida urbana nossa sociabilidade encontra a imposição daquilo que podemos chamar de rotina diária que organiza a consciência humana de acordo com sua relação econômica profissional social Esse domínio pauta as relações e as reações indi 35 viduais que favorecem a representação e a imaginação das narrativas da cidade Nesse sentido a questão de consciência do instante como Paulo Reyes 2015 p 151159 analisa está sempre por vir na consciência imaginada que o sujeito articula no instante presente entre seu passado e futuro Em Simmel a comparação entre a cidade grande e a pequena é feita pela imposição monetária que dirige os espaçostempo da atividade humana para as relações da esfera contábil Na formação desse espírito da grande cidade o homem controla sua identificação a partir destes modos de interação dinâmica que for mou a rotina do homem no urbano SIMMEL 2013 p 316 O estilo de vida e sua existência são condicionados pelas diretrizes determi nadas por modos de vida normalizados Atos diversos são postos como sentidos nulos O dinheiro exprime a distinção é a recompensa do modo igual com que trata de uniformizar as coisas Para se ajustar e se autoconservar neste universo restrito de possibilidades financeirizadas o comportamento social tende a não permitir o menor desvio Qualquer modo de vida que destoe gera desconfiança e estranheza O contato com o próximo toma a forma de antipatia proteção prá tica que produz o afastamento do diverso A dissociação tornase a única forma de socialização Limitar como exclusão delimitar como inclusão No frenesi produzido pela tecnologia no século XXI os espaços da cidade é por excelência o lugar da agitação das luzes incessantes dos motores dos ve ículos circulando nas ruas e das pessoas caminhando cabisbaixas em suas rotinas capturadas por seus celulares Nas redes sociais de um mundo virtual em que os contatos muito transmitem e pouco comunicam o espaço da presença do corpo é um chip que identifica o indivíduo Circulação e corpo acelerados numa socia bilidade que imita a possibilidade do espaço infinito Löw explora esse espaço humano como fruto da própria interligação dos objetos referindo que ele decorre da interpenetração dos sentidos gerados nas atividades coletivas e individuais de conexão fixas na composição do espaço Se jam quais forem os hábitos tradições conceitos e práticas cotidianas essas for mas tendem a reforçar a materialidade e as relações nela desencadeadas LÖW 2013 O espaço mental acaba por ser uma montagem derivada dos atos corporais dos indivíduos de suas trajetórias de mobilidade A cada instante da vida vivem se adaptações que reinventam os corpos em sociedade As confluências de corpos em deslocamento apresentamse em espaços que reinterpretam esta própria con dição moral e social Daí a fresta possível para se profanar cada espaço O uso do espaço moderno não é inefável Usálo de outro modo profanálo é sobretudo restituir ao uso comum dos homens AGAMBEN 2006 p 103 De alguma 36 maneira é libertarse do sagrado que em termos momentos atende pelo nome de dinheiro AGAMBEN 2017 p 115 Libertarse dos rótulos e das fórmulas estanques de presenciar o espaço público Profanar como corpoacorpo com os dispositivos de poder que procuram subjetivizar as ações humanas Profanar o uso do lugar destituir e habitar novos espaços com práticas trans gressoras está diretamente ligado ao engajamento de transformar o modelo de or ganização e utilização dos espaços urbanos Tratase de possibilitar novas subjeti vidades que colocam em questão as formas de vida consagradas e que limitam as interações sociais sob a égide da troca e do consumo A construção de modos alter nativos das experiências urbanas envolve a mudança da sua própria espacialidade Experenciar o espaço urbano é literalmente transitar para uma desapro priação dos usos urbanos consagrados tidos como apropriados na dinâmica do capital em direção ao estranhamento e subversão de territórios Tratase de criar como que numa ação de bricolagem com o que se tem à disposição na própria precariedade simbólica da cidade outros modos de imaginála e vivêla Mani festação de sua arte a seu modo de fruição do espaço fora dos tempos régios que determinam a organização da cidade Ao nosso propósito profanar é desestabilizar para reconfortar novos signi ficados para o uso da cidade Seja nas performances de pichação seja no fluxo dos skates ou das bicicletas persistir na profanação da cidade é flanar no território para que ele seja um local de sociabilidade e não mais uma função de uso de força e controle social Numa sociedade cada vez mais exclusiva como afirma Lefebvre 2001 p 117 o direito à cidade surge exatamente para afrontar a tendência de fugir à cidade deteriorada e não renovada à vida urbana alienada antes de existir realmente Se pela chamada gentrificação Smith Williams 1986 se tem o proces so de realizar a privação relativa do uso e consumo dos espaços decorrentes da reurbanização da metrópole encobrese a profunda degradação humana com o tratamento econômico da cidade A cidade é configurada desde guetos e separada entre aqueles podem consumir e aqueles refugos tratados pelas agências de con trole estatal tudo a alimentar o processo de especulação imobiliária pela restau ração de espaços degradados O controle da cidade passa pelo poder exercido através da violenta com posição dos espaços da arquitetura moderna onde são criados lugares dispostos por exemplo tanto a segregar a circulação daqueles inaptos ao consumo quanto daqueles que por deterem necessidades especiais não compensam o investimen to Na ânsia da utilização de espaços segregados não obstante surgem afetos compartilhados por tribos que compõem uma espécie de não lugar avesso a uma ordem predeterminada e também às identidades fixas AUGÉ 1994 37 3 PROFANAÇÕES URBANAS As profanações dos espaços urbanos emergem a cada uma das novas atri buições e desestabilizações de sentidos prévios dados pelos dispositivos de con trole social Transformar o espaço é forjar novos modos de vida no contexto que ele se destina A experiência de algo diferente do próprio uso de maneira comum uma espécie de transuso para além das formas fixas utilitárias e destinadas a alguma finalidade é o que a profanação permite como jogo da expressão cultural viva nas ruas da cidade Fluxos diferençados que refundam o que há de comum podem significar a criação de espaços culturais imprevistos dispositivos libertos de velhos controles sociais Jacobs 2013 p 440 nesta direção acentua a necessidade de promover diferentes usos das ruas e dos próprios planos arquite tônicos para evitar a monotonia da cidade Papel evidentemente partilhado com arquitetos e urbanistas Profanar portanto passa por se manifestar culturalmente através de um urbanismo vitalista que circula explora e inscreve novos espaços das cidades Em um mundo no qual a força de destruição das culturas locais se coa duna com a supressão dos lugares de socialização cabe à coletividade encontrar modos de resistir A produção racionalizada de uma cidade industrial é operada arquitetonicamente e planejada para dar contornos restritos aos espaços ditos públicos Logo anormal diante desse uso que subverte tal ordem é a patologia que obstrui o deslocamento adequado dirigida à mercadoria As cidades assim são os mais ricos espaços da vida cotidiana Contudo observálas somente através das materialidades produzidas nos espaços não per mite que possamos interrogar o porquê estes ambientes forma assim concebidos Os espaços urbanos surgiram fruto das experiências culturais históricas e socio lógicas no qual estudar o espaço urbano em sua crônica diária requer ir além das meras concretudes espaciais A cidade é composta por tensões anonimatos indiferenças anulações desprezos agonias e violências múltiplas Não se trata do local físico mas o que ela envolve e desenvolve para além das experiências indivi duais é têla como cenário de crônica e imaginação Assim temos o conjuntoimagem da cidade definida pela crônica e imagi nação No cotidiano os indivíduos transfiguram os espaços através de suas ex periências misturandose e interpretando a utopia da cidade na história É na organização da cidade que o corpo cultural deve estar disposto à emancipação social o panorama de sua revolução estará entre seus valores e símbolos culturais BENJAMIN 1985 A ascensão de práticas profanatórias nos espaços da cidade também acaba por servir de instrumento de denúncia de como as autoridades e as políticas 38 públicas estão mais interessadas em estigmatizar e suprimir tais comportamen tos e seus lugares como indesejáveis Suas próprias existências são mal vistas pela população Fala a pena neste ponto do presente ensaio proceder a um corte para no vamente remeter a certa incursão de campo realizada em pesquisa anterior pelo imprescindível teor do relato9 R havia me enviado uma mensagem avisando que iria saltar da escadaria da igreja Nossa Senhora da Conceição em ViamãoRS Não há nenhum registro de que algum skatista já houvesse realizado esse salto O dia estava excelente um pouco frio mas com sol o que possibilitava boas fotos Fomos em um grupo de quatro pessoas caminhamos pela praça e tiramos fotos Aguardamos para ganhar confiança R sobe caminha com seu skate até a frente da igreja analisa a possibilidade de erro da manobra Então ele se prepara para saltar mas acaba caindo do skate Faz uma nova tentativa enquanto senhoras que saíam da igreja conversavam conosco e incen tivavam a fotografia Presumiam que estivéssemos realizando um registro da Igreja Não viram o skatista O barulho do skate atraía o olhar de jovens que aguardavam o desfecho do salto Os comerciantes se postavam nas portas de seus estabelecimentos com cara de poucos amigos Percebo que não gostavam de nossa presença R salta e consegue A foto não ficou legal Ele volta e percebo que o segurança da igreja observa R pela janela Ele devolve o olhar e com educação pede para tentar saltar novamente O segurança concorda mas o salto não é completado Mais uma insistência enquanto o segurança olha firme Pedimos licença e com a concordância realizamos a última foto No entanto precisávamos de mais três saltos para acostumar o skatista e o foco Era meio de semana e o espaço público que integra a escadaria da igreja é usado pelas poucas pessoas que vão realizar suas preces Este espaço público fica cons tantemente vazio e sem circulação da população durante quase todo o tempo de nossas rotinas diárias Saímos a caminhar rindo e parabenizando R pelo salto realizado Os comer ciantes mantinham olhares firmes de desaprovação Podese considerar que o skate naquele instante emergia como forma de resistência à hegemonia cultural e à imposi ção de formas de condutas aos seus praticantes O resultado é o conflito da invasão dos espaços pelos skatistas para que sua vivência fosse desenvolvida de forma imaginativa 9 Aqui adaptamos o relato colhido Para maiores detalhes inclusive de contexto e de identificação das pessoas envolvidas permitimos remeter para BÖES Gilherme Michelotto Entre os Espaços e a Cidade a insurgência do skate na experiência urbana contemporânea Tese de Doutorado apresentada junto ao Programa de PósGra duação em Ciências Sociais da PUCRS Porto Alegre março de 2017 39 e que as práticas tidas como ilícitas ganhassem um significado espacial incomum FERRELL 2001 Vemos a imaginação como instante real de existências necessárias criadoras do presente e o futuro A cidade é precedida de conflagrações em seus espaços culturais A crônica é o cenário do espaço da cidade posta entre o público e o privado no coração dos vínculos sociais Expressões culturais criam espaços e remetem a formas heterogê neas de viver as cidades Visualmente o crivo vital se dá implicado em todo modo de vida singular que faz ressignificar o espaço da cidade não como mera atualização mo derna de vida cultural nem para postar alguma nostalgia do rural arcaico mas como fluxos variados que desestabilizam a ordem e fazem acontecer dando o testemunho da radical humanidade que antecede qualquer sentido determinado racionalmente Afeto que se instaura antes de qualquer relação simétrica encontros infinitos de modos culturais inéditos Ingovernável que teima em resistir aos blocos Diante deles basta a manobra imprevista 4 CONCLUSÃO O espaço urbano é constituído pelos fluxos culturais que o atravessa A cidade também corresponde a cultura que permanentemente a reinventa Sua paisagem é o outro nome para a incessante dinâmica de funcionamento social em que formas se realizam espacialmente SANTOS 2014 p 107 Qualquer pretensão de algo comum não pode prescindir de analisar seus conflitos e formas de governação Foi daí que o Estado fundou o uso legítimo de sua autoridade ancorando o público sob a administração sobre a totalidade das pessoas das empresas das instituições e do território SANTOS 2014 p 152 Performances culturais alternativas como a do skate característica dos es paços urbanos traz consigo o incômodo ao ritmo de toda rotina mercantilizada Andar sem destino ou finalidade senão a própria expressão estilística e disforme de utilização dos espaços planejados parece indicar o flâneur contemporêo Compreender as representações do espaçocidade passa por captar suas transformações correspondentes Se afinal não há sociedade aespacial O espa ço ele mesmo é social SANTOS 1977 melhor seria dizer tocar menos seu desenvolvimento e mais profundamente o envolvimento que inscreve o homem em seu espaço social Impondo diferentes movimentos e ritmos a cidade seleciona hierarquias e utilização de espaços O tempo é gerenciado e potencialidades abortadas Isso pressupõe que em cada lugar haja processos de utilização próprios que correspon dem a valores e papéis afirmados socialmente Significa dizer que a partir do que 40 é dado surge a exigência de interpretar as possíveis transformações nestes espa ços alavancados por elementos que traduzem a possibilidade de comunicação e sociabilidade SANTOS 2014 pp 2933 O espaço representado na cidade desdobrase cultural científico artístico e tecnologicamente Sua simbolização é criativa da cultura faz emergir invenções e conquistas que inspiram a interação humana Cidade longe de um simples local etnográfico estruturado socialmente é espaço de invenção vital Quando Milton Santos alertava que a utilização do território pelo povo cria o espaço SANTOS 1977 estava a apontar adiante do controle se exerce para as subje tividades possíveis de não serem por ele capturadas REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Profanações Tradução de Luísa Feijó Lisboa Cotovia 2006 AGAMBEN Giorgio Creazione e anarchia Lopera nelletà della religione capitalista Vicenza Neri Pozza Editore 2017 AGIER Michel Antropologia da cidade lugares situações movimentos Trad Graça Índias cordeiro São Paulo Terceiro Nome 2011 AUGÉ Marc Não lugares Introdução a uma antropologia da supermodernidade Tradução de Maria Lúcia Pereira Campinas SP Papirus 1994 BASTOS Billy Graeff Estilo de vida e trajetórias sociais de skatistas da vizinhança ao corre Dissertação Mestrado do Programa de PósGraduação em Ciências do movimento humano Escola de Ed Física da UFRGS Porto Alegre 2006 Orientação de Marco Paulo Stigger BÖES Gilherme Michelotto Entre os Espaços e a Cidade a insurgência do skate na experiência urbana contemporânea Tese de Doutorado apresentada junto ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da PUCRS Porto Alegre março de 2017 BOLLE Willi Fisiognomia da Metrópole Moderna representação da história em Walter Benjamin 2ed São Paulo Editora da USP 2000 CALDEIRA Teresa Pires do Rio Novas visibilidades e configurações do espaço público em São Paulo Trad Claudio Alves Marcondes Inscrição e circulação Rev Novos Estudo CEBRAP n94 novembro 2012 Pp 3167 CALDEIRA Teresa Pires do Rio Cidade de muros crime segregação e cidadania em São Paulo Tradu ção de Frank de Oliveira e Henrique Monteiro São Paulo Ed 34 EDUSP 2000 CARERI Francesco Walkscapes o caminhar como prática estética Trad Frederico Bonaldo 1ªed São Paulo editora G Gilli 2013 CARLOS Ana Fani Alessandri A reprodução do espaço urbano como momento da acumulação capitalista In Crise Urbana Org Ana Fani Alessandri Carlos São Paulo Contexto 2015 Pp 2535 CERTEAU Michel De A invenção do cotidiano artes de fazer Trad Ephraim F Alves 3ª ed Petró polis RJ Vozes 1998 FERRELL Jeff Tearing down the streets adventures in urban anarchy New York Palagrave 2001 FREHSE Fraya Quando os ritmos corporais dos pedestres nos espaços públicos urbanos revelam ritmos de urbanização Civitas Revista de Ciências Sociais Porto Alegre v 16 n 1 2016a JACQUES Paola Berenstein Notas sobre o espaço público e imagens da cidade Revista Arquitextos n 11002 10 jul 2009 JACOBS Jane Morte e vida de grandes cidades Trad Carlos S Mendes Rosa São Paulo Martinsfon tes 2013 LÖW Martina O spatial turn para uma sociologia do espaço Trad De Rainer Domschke e Fraya Frehse Tempo social revista de sociologia da USP V 25 n2 novembro 2013 Pp 1734 LÖW Martina A sociologia do espaço bases e objetivos Simpósio Passado e presente da globalização SalvadoBahia GoetheInstitut nd Disponível em httpwwwgoethedemmopriv6558982S 41 TANDARDpdf Acesso em setembro 2016 JAYME Juliana Gonzaga NEVES Magda de Almeida Cidade e espaço público política de revita lização urbana em Belo Horizonte Caderno CRH Salvador v 23 n 60 p 605617 SetDez 2010 LEFEBVRE Henri O direito à cidade Trad Rubens Eduardo Frias São Paulo Centauro 2001 MAGNANI José Guilherme C De perto e de dentro notas para uma etnografia urbana Revista Brasileira de Ciências Sociais v 17 n 49 fev 2002 REYES Paulo Projeto por cenários o território em foco Porto Alegre Sulinas 2015 método Boletim Paulista de Geografia 1977 pp 8199 SASSEN Saskia Occupying is not the same as demonstrating Global thought Columbia Univer sity 2012 Journal article from CGT faculty members Disponível em httpcgtcolumbiaeduwp contentuploads201401Occupyingisnotthesameasdemonstratingpdf Acessado por http wwwsaskiasassencomPDFspublicationsOccupyingisnotthesameasdemonstratingpdf SASSEN Saskia The global street comes to Wall Street Possibles futures a project of the social science research council Nova Iorque 2011 Disponível em httpwwwpossiblefuturesorg20111122 theglobalstreetcomestowallstreet SASSEN Saskia Sociologia da globalização Estado economia cidades globais e as redes digitais Tra dução Ronaldo Cataldo Costa Porto Alegre Artmed 2010 SASSEN Saskia As cidades na economia mundial Trad Carlos Eugênio Marcondes de Moura São Paulo Studio Nobel 1998 SASSEN Saskia A new geography of centers and margins summary and implications The city reader Org Richard T Legates and Frederic Stout New York Routledge 1997 Pp 7074 SANTOS Milton A natureza do espaço Técnica e tempo razão e emoção 4ed São Paulo Edusp 2014 SANTOS Milton O retorno do território Território Globalização e fragmentação Org SANTOS M SOUZA M A de SILVEIRA M L São Paulo Hucitec 1998 pp 1520 SANTOS Milton A urbanização brasileira São Paulo Hucitec 1993 SANTOS Milton Los espacios de la globalización Anales de geografia de la Universidad Compluten se n13 6977 Ed Comp Madrid 1993 SANTOS Milton A urbanização desigual a especificidade do fenômeno urbano em países subdesenvolvi dos Petrópolis RJ Vozes 1980 SANTOS Milton Pensando o espaço do homem São Paulo HUCITEC 1982 SANTOS Milton Sociedade e espaço A formação social como teoria e como método Boletim Paulista de Geografia 1977 pp 8199 SMITH Neil Williams Peter Eds Gentrification of the City LondonNew York Routledge 1986 SIMMEL Georg Questões fundamentais da sociologia RJ Jorge Zahar 2013 42 OS ESPAÇOS DA CIDADE10 Daniel Innerarity11 A ideia de espaço público está estreitamente ligada à realidade da cida de aos valores da cidadania e ao horizonte da civilização A convicção de que a cidade é o lugar por excelência da afirmação do espaço público é corroborada pela história do pensamento político a invenção da ágora democrática a figura das cidadesestado a formação da burguesia nas principais cidades europeias tal como foi mostrado por entre outros Max Weber 1956 Fernand Braudel 1979 Claude Lefort 1986 e John Pocock 2003 mas também se revela no nosso vocabulário político em que tende a se confundir com o respeitante à ci dade Em grego público queria dizer em primeiro lugar exposto aos olhares da comunidade ao seu juízo e à sua aprovação O espaço público é o espaço cívico do bem comum por contraposição ao espaço privado dos interesses particulares Em latim a palavra civis provinha diretamente de civitas A densidade deste cam po semântico nos autoriza a assegurar que a reflexão acerca da cidade constitui um instrumento muito adequado para o exame das conquistas dos dramas e das possibilidades da vida comum É lógico que ele constitua uma fonte metafórica dos principais conceitos do pensamento social e político Na cidade se torna visível o pacto implícito que funda a cidadania As cida des e os seus lugares públicos exprimem muito bem a imagem que as sociedades fazem de si próprias A cidade é uma particular encenação das sociedades É pos sível encontrar um eloquente resumo da nossa maneira de nos compreendermos mutuamente no modo de saudar nos itinerários percorridos nas relações de vizi nhança ou no modo de urbanizar esse espaço A vida política está ligada a formas de espacialidade Há uma correspondência estrutural entre a disposição física das coisas na ordem espacial e as práticas políticas associadas entre o espaço físico e 10 Texto aqui apresentado é um fragmento do livro INNERARITY Daniel O novo espaço público Tradução de Manuel Ruas Editorial Teorema SA Lisboa março de 2010 Pág 107141 Esse fragmento foi selecionado de vida à relevante contribuição à temática dos fenômenos biopolíticos nas cidades do século XXI como se propões a presente coletânea Texto foi adaptado do português de Portugal para o português brasileiro por Diogo Silveira dos Santos 11 Daniel Innerarity é catedrático em filosofia política e social pesquisador na Universidade do País Basco e diretor do Instituto de Gobernanza Democrática Doutor em filosofia ampliou os estudos na Alemanha como bolsista da Fundação Alexander von Humboldt na Suíça e na Itália Foi professor convidado em diversas universidades europeias e americanas e recentemente no Centro Robert Schuman de Estudos Avançados do Instituto Europeu de Florença e na London School of Economics Atualmente é diretor de estudos associados na Fondation Maison des Sciences de lHomme em Paris É colaborador do jornal El País com artigos de opinião Foi considerado um dos 25 grandes pensadores do mundo pela revista francesa Le Nouvel Observateur 43 o espaço cívico Numa época em que os condicionamentos materiais perderam o seu velho prestígio determinista é frequente pensar que o debate público é constituído unicamente pela palavra e pelas ações ao mesmo tempo que se desva loriza a importância do espaço físico concreto e material em que elas decorrem Do mesmo modo que as palavras e as ações geram um espaço público também o espaço gera determinadas formas da política O ambiente urbano não só reflete a ordem social como constitui na realidade grande parte da existência social e cultural A sociedade é tanto constituída como representada pelas construções e pelos espaços que cria As cidades que pela sua forma e pelo estilo de vida que promoveram foram catalisadoras da modernização social encontramse submetidas há já al gum tempo a uma série de processos que põem em questão a sua capacidade de promover a cidadania A grande interrogação que essas transformações suscitam respeita ao modo de pensar a urbanidade nas condições da globalização até que ponto se pode hoje realizar nos novos espaços aquela relação entre cidade e civili zação da qual procedem o nosso conceito e as nossas práticas da cidadania UM LUGAR PARA OS ESTRANHOS Os sociólogos sempre definiram a cidade como um espaço para os estra nhos o âmbito mais adequado para desenvolver uma cultura da diferença De Simmel e Bahrdt até Sennett a cidade é concebida como o lugar onde têm po dido conviver diferentes modos de vida culturas e concepções do mundo efetu ando ao mesmo tempo o mais produtivo intercâmbio que nós conhecemos As cidades são os lugares privilegiados dessa mescla produzida pelas deslocações dos homens que os expõem à combinação e à novidade Os seres humanos adquiri ram na polifonia da cidade a experiência da diversidade que hoje temos Descar tes gostava do ruído e da confusão de Amsterdam 1937 757 a grande cidade da imigração onde não parece casualidade que Spinoza e Locke tenham escrito as primeiras teorias modernas da democracia Em que consiste essa estranheza dos habitantes da cidade e por que se pro duz nela tão acusada heterogeneidade Em primeiro lugar isso depende da sua disposição espacial A escola de Chicago estabeleceu em meados do século XX três características distintivas da cidade que já se converteram num lugarcomum heterogeneidade espessura e grande tamanho Na cidade todos os elementos ha bitantes edifícios e funções estão em estreita proximidade condenados por assim dizer à tolerância recíproca No decurso dos séculos essa obrigação deu origem ao conjunto de regras que nós admiramos como cultura histórica da cida de O tamanho da população a densidade das edificações e a mistura dos grupos e das funções sociais a descomunal justaposição de pobres e ricos novos e velhos 44 nativos e forasteiros a sua composição intergeracional tudo isso faz da cidade um lugar de comunicação de divisão do trabalho de experiência da diferença de conflito e inovação em oposição ao que Marx designava por a idiotia da vida do campo Esta heterogeneidade se relaciona estreitamente com o fato de na cidade o espaço comum a vizinhança não se ter formado intencionalmente e constituir o resultado fortuito das opções de muitas pessoas Os vizinhos não têm uma herança cultural comum nem normas ou valores compartilhados se tiverem não será porque são vizinhos Também não têm especiais obrigações e direitos como vizinhos Por isso na cidade uma pessoa se admira de encontrar alguém conhecido ao invés do que sucede nas aldeias onde o normal é que todos se co nheçam Na aldeia as pessoas viram a cabeça quando se cruzam com estranhos O que num lugar é surpreendente é normal no outro É por isso que por vezes nos admiramos ao encontrar na cidade muitas pessoas conhecidas essa situação nos dá a sensação de viver no campo e nos faz dizer isto parece uma aldeia O protótipo do citadino é o estranho o estrangeiro a cidade é um conjunto de desconhecidos o espaço onde é uma rotina encontrar pessoas desconhecidas e em que a proximidade física coexiste com a distância social Nesta perspectiva compreendese por que é que a cidade foi sempre uma promessa utópica de emancipação econômica e política o espaço próprio das liberdades cívicas do ponto de vista civilizatório era um espaço de autogoverno do ponto de vista social era apesar de todas as tensões e conflitos um lugar de integração e do ponto de vista cultural tornava possível ao indivíduo se libertar das coações do clã familiar e das regulações sociais das comunidades locais As cidades se tornaram por isso centros da inovação e assumiram o protagonismo cultural e político nos processos de modernização A cultura urbana que gradu almente se formou com o aparecimento das cidades é uma mistura específica de estruturas sociais políticas e econômicas Nela se prefiguraram com todas as suas grandezas e misérias a sociedade burguesa o ideal de cidadania uma liberdade à qual se aspirava contra a dependência da natureza a tirania da tribo as restrições da vida rural a férula da vizinhança ou a estreiteza da sobrevivência Era possível existir sem o tecido da família e da vizinhança Esse ganho de autonomia modi ficou decisivamente as formas de integração social A cidade era o lugar onde o indivíduo se libertava da vizinhança e das formas de sujeição social O crescimento das cidades tornou possível a existência de sistemas de so ciabilidade independentes da regulação direta própria da vida rural As cidades são lugares onde os estranhos se encontram de uma maneira regular e onde pes soas que não se conhecem podem conviver de tal modo que se produza uma comunidade dos estranhos Lofland 1973 A cidade é o instrumento da vida impessoal o molde no qual se torna válida como experiência social a diversidade e complexidade de pessoas interesses e gostos Sennett 1996 738 A cidade 45 nos protege de uma ideia demasiadamente seletiva de nós e tende a transbordar das delimitações identitárias O documento que melhor explica as consequências culturais da vida da cidade deve ser o célebre escrito de Simmel de 1903 Die Grosstiidte und das Geistesleben elaborado para pensar na Berlim daquela época O que a Simmel interessava eram os efeitos que uma grande cidade podia produzir na mentali dade e no comportamento dos seus habitantes A grande cidade era para ele o espaço da modernidade Ao contrário do tom pessimista de boa parte dos seus contemporâneos Simmel via de um modo bastante elogioso a grande cidade moderna Pois bem a primeira coisa que ele nota é que numa grande cidade os encontros são principalmente impessoais e a comunicação é funcional Ao contrário da aldeia onde todos se conhecem uns aos outros e em todas as suas dimensões os habitantes da cidade se relacionam na parcialidade das suas fun ções Os diversos círculos de relação não se sobrepõem o círculo dos clientes não coincide com o dos amigos nem o dos vizinhos com o dos companheiros de trabalho As funções estruturam e limitam as relações sociais O indivíduo não sabe a que outros círculos pertence aquele com quem se relaciona Não sabe onde mora o empregado de mesa nem conhece os gostos do colega de trabalho ou onde trabalha o vizinho Ao contrário dos habitantes do campo ou da vila os contatos do habitante da cidade costumam ser segmentares e limitados ao âmbito que os motiva É precisamente por isso que as relações sociais entre citadinos parecem a Simmel especialmente adequadas para a integração dos de fora Como são limi tadas e impessoais as relações não exigem que se conheça a totalidade da pessoa A aceitação pessoal não é um pressuposto para o estabelecimento de uma relação funcional Aos amigos não se vende e não é preciso compartilhar os valores dos vizinhos para o ser Por isso é possível estabelecer uma relação com muitas mais pessoas que se fosse necessário aceitar os outros em todos os aspectos das suas personalidades E é por esta razão que a grande cidade constitui um espaço social para as diferenças aceitas no qual os desconhecidos e estranhos se movimentam com maior facilidade que nos círculos sociais fechados das povoações pequenas HansPaul Bahrdt outro dos clássicos da sociologia urbana estabeleceu 1996 1998 que o próprio da grande cidade era a polaridade do público e do privado em comparação com a indistinção desses dois espaços que caracteriza a vida rural As unidades pequenas que favorecem a comunicação e a confiança em que a identidade se estabiliza implicam também restrições que limitam o desen volvimento do indivíduo A urbanidade pelo contrário promete precisamente a emancipação em relação às sujeições sociais A ausência de um sistema social que predetermine as relações dos indivíduos é pressuposto necessário para que elas se possam consolidar na sua individualidade A cidade é o espaço onde são possíveis encontros com outras pessoas sem que isso conduza necessariamente à abolição 46 das fronteiras da intimidade Poder continuar anônimo é uma condição de liber dade individual O anonimato das grandes cidades dá ao sujeito a possibilidade de começar a vida de novo pois ninguém conhece completamente ninguém e do mesmo modo ninguém é absolutamente obrigado pelo passado Abstraindo a sua própria biografia o indivíduo pode reconstruir a sua identidade e decidir por si próprio que aspecto da sua personalidade irá mostrar ou ocultar aos outros Go ffman 1973 Neste sentido podemos afirmar que por efeito da urbanização dessa configuração de espaços públicos urbanos surge para os indivíduos uma verdadeira vida privada A liberdade individual é negativamente possibilitada não só pela ausência da sujeição social própria das comunidades pequenas mas também porque o mercado inaugura possibilidades para o desenvolvimento de um modo de vida individu alizado Uma conexão deste tipo tinha sido estabelecida por Max Weber entre o mercado contraposto à economia fechada de sobrevivência e a cidadania como associação voluntária dos indivíduos que se emancipam da sua pertença a senhores comunidades ou classes e se dotam de autogoverno 1956 929 Simmel relaciona este modo de vida com a economia que funciona na grande cidade que é uma eco nomia de mercado em que todas as diferenças qualitativas se reduzem a um valor quantitativo e a produção é produção para o mercado isto é para um consumidor qualquer Só quem não estiver em relação pessoal com os seus concidadãos poderá ter as características indiferença distanciação dos outros que Simmel atribui à grande cidade A integração no mercado de trabalho é uma condição da indepen dência econômica Quem a conseguiu já não precisa estar fortemente integrado na rede informal de relações de parentesco vizinhança e amizade para sobreviver Que tem o princípio de heterogeneidade cívica a ver com a economia de mercado Pois bem no mercado como na grande cidade os contatos são seletivos e estabelecem uma relação entre pessoas que em princípio não se conhecem nem precisam se conhecer Nem é preciso ser amigo do vendedor para lhe comprar a mercadoria nem é necessário confraternizar muito com os vizinhos O mercado da cidade é um caso característico do que Bahrdt designava por integração in completa 1998 86 que torna possíveis os contatos entre desconhecidos põe em relação os estranhos e não exige que se suprima essa estranheza Isso resulta de em cada interação só intervir um aspecto da personalidade Ao contrário das relações totais da vida rural onde cada um se encontra com o seu vizinho da mesma maneira em funções diferentes como cliente familiar companheiro de trabalho e de ócio as relações na grande cidade são funcionais e segmentares Na sua maior parte as relações se estabelecem por causa de uma única função como cliente mas não como amigo como familiar com outro com o qual é melhor não ter negócios comuns Está contido nisto o princípio de separação das esferas sociais central nos processos de modernização 47 O espaço público da cidade que torna possível a individualização e não suprime a heterogeneidade oferece um panorama de inusitada variedade prin cipalmente quando comparado com outras formas de vida Simmel começa a sua sociologia da cidade precisamente com uma descrição das impressões sensí veis que a grande cidade deixa no espectador o contínuo amontoamento de imagens em mudança a rapidez com que nos afastamos do que vamos vendo o caráter inesperado das impressões que nos impõem 1993 192 A cidade é descrita como um espaço em que nos assalta uma grande quantidade de impres sões breves intensas em mudança e diferentes tanto mais quanto maiores o número e a densidade dos habitantes Uma grande cidade é um espaço em que há uma grande quantidade de impressões que só podem ser suportadas mercê da distância atitude que é fundamental compreender para poder entender em que consiste a cultura urbana que pressupõe a capacidade de viver com mais seres humanos que os pessoalmente conhecidos A individualização das formas de vida e das possibilidades oferecidas pelo consumo conduz a uma crescente heterogeneidade Exibemse na cidade com iguais direitos as mais contraditórias formas de vida atingindo a extravagância e o exotismo Pois bem do mesmo modo que para suportar a exuberância de im pressões sensíveis é necessário elevar o limiar de ativação a heterogeneidade social formaliza em nós aquela distância ou relativa indiferença que está na origem da urbanidade e que segundo Simmel constitui um preservador da vida espiritual contra a violência da grande cidade 1993 193 O indivíduo despedaçarseia interiormente se reagisse aos múltiplos contatos que decorrem na grande cidade como o faria num espaço mais restrito onde todos se conhecem Na sua maior parte as normas da grande cidade servem para a manutenção da distância não ter de cumprimentar não se intrometer numa conversa não ter de prestar muita atenção são coisas que tornam suportável a proximidade espacial Imaginemos como seria molesto e até ridículo o comportamento inverso A função dessas regras consiste em refrear as relações não desejadas em proteger a intimidade própria e a alheia Goffman chamou desatenção educada à espécie de ritual informal que organiza as interações difusas do espaço público 1973 e que se gundo a definição de Montesquieu converte a cidade num lugar de relativa e generalizada indiferença As melhores reflexões acerca da natureza da grande cidade tiveram de enfrentar o mito da proximidade que considerava o mal como alienação im pessoalidade e frieza e era incapaz de compreender as vantagens libertadoras e culturais do convívio com estranhos Um dos grandes contributos de Simmel consistiu precisamente em mostrar que o que a crítica conservadora entendia como anonimato alienação desinteresse e decadência era um pressuposto do de senvolvimento individual chamoulhe Blassierheit uma atitude de desinteresse 48 indiferença e insensibilidade dos sentidos perante a contínua estimulação que a cidade e os seus habitantes exercem sobre eles Seria uma espécie de reserva ou indolência que nem se deixa influenciar nem se comove e que até pode chegar a uma ligeira aversão Simmel 1993 197 Poderíamos chamar liberalidade Innerarity 2001 158160 a esta atitude que Stendhal entendeu como a capa cidade de não se enfadar com as manias dos outros Bahrdt chamava a esta ma neira de proceder tolerância resignada que também respeita a individualidade do outro quando não há qualquer esperança de o entender 1998 164 A tole rância urbana deixa cada um ser feliz à sua maneira sem recriminar o seu estra nho modo de comportamento e pressupõe que até no mais raro comportamento deve haver qualquer coisa que o torne compreensível ou quando essa suposição se revela muito difícil decreta que há gente para tudo A liberalidade citadina implica que não se deve doutrinar os outros nem os obrigar a se adaptar podem ser diferentes à sua vontade Se há alguma coisa que define a urbanidade ela será precisamente a capacidade de se relacionar com estranhos sem sentir necessidade de lhes censurar essa estranheza nem de a suprimir Compreensível então que a indiferença favoreça a integração de estranhos Ao mesmo tempo a cidade cria um espaço para a diferenciação dos esti los de vida o que por sua vez é condição da força inovadora da sua cultura O distanciamento que se cultiva na vida urbana não serve somente de proteção é também um pressuposto do desenvolvimento da personalidade pois garante uma cultura produtiva da diferença Talvez seja esta uma das melhores definições da cultura a possibilidade de atuação dos homens em conjunto sem que nada os force a ser idênticos Sennett 1996 563 E será talvez essa diferença consentida que explica a força transformadora da cidade europeia desse lugar em que surgi ram a burguesia a sociedade civil e a comunidade de cidadãos MEDO DA CIDADE É claro que estas características salientes da forma urbana de viver não estão isentas de ambiguidades como também atesta a trágica história das nossas cida des As esperanças emancipatórias da cidade coincidem com o risco de solidão a desproteção e a incerteza acerca do futuro Por isso o elogio da cidade foi sempre acompanhado pela sua mais feroz crítica Foram repetidamente contadas muitas histórias de decadência das cidades No século XIX a mais contada foi a da deca dência dos costumes e da perda da ordem no nomadismo no desenraizamento e no desmedido da grande cidade industrial no século XX a crítica da cidade foi formulada como perda da urbanidade por efeito da construção funcionalista da cidade A tudo isso se misturava também uma velha tradição de desprezo pela ci dade ideologicamente recuperada no século XX por Heidegger Jünger e Spen 49 gler que ecoava a anterior rejeição da civilização por muitos poetas românticos o regresso à vida campestre à maneira de Tolstoi ou a fuga à Gauguin para junto das tribos primitivas Nas suas formas mais extremas adotava até o discurso que fazia da cidade o espaço da corrupção e do artifício por oposição a um campo erigido em conservador da pureza ambiental e dos bons costumes Do mesmo modo que o espaço privado da casa e da família não esconde só um convívio harmônico também o espaço público nunca realizou o seu ideal normativo Pensemos por exemplo no ideal de heterogeneidade e tolerância o que em Berlim parecia a Simmel uma indiferença emancipadora era para Engels em Manchester uma hipocrisia segregadora 1970 A cidade impulsiona uma individualização positiva enquanto inaugura a divisão do trabalho e a diferen ciação das possibilidades de consumo mas também negativa na medida em que desenraíza os indivíduos das suas tradições e regulações sociais A mais célebre versão desta parte negativa foi formulada em 1938 por Louis Wirth a cidade como isolamento massificação segregação e desigualdade social 1974 Esta crítica foi escrita a seguir à grande depressão do início dos anos 30 depois da experiência da grande criminalidade de Chicago centro na época da sociologia norteamericana e cidade que nas primeiras décadas do século XX experimentara uma forte imigração A questão da integração social foi precisamente uma das grandes ocupações da escola sociológica de Chicago Sociólogos como Burgess e Park descreveram a ambivalência da urbanização em toda a sua crueza a cidade é um espaço de individualização ao qual devemos a maior produtividade econô mica e cultural mas é também um cenário em que marcaram encontro todas as patologias da sociedade moderna Para que a urbanidade se realize tem de haver integração social sem a qual a tolerância estará sempre a um passo de se transfor mar em preconceito e segregação O caso norteamericano é especialmente ilustrativo de uma polarização ideológica mais geral O conservadorismo adota ali a forma com todas as res salvas que tivermos de notar de aversão à cidade Os republicanos são os que melhor herdaram o profundo ceticismo sobre as possibilidades da vida urbana tão fortemente enraizado naquela cultura e principalmente nos meios mais tra dicionalistas Todo o projeto norteamericano a utopia de uma comunidade humana renovada por via da ruptura com o passado europeu apresenta logo de começo feições antiurbanas As raízes desse medo à cultura urbana são muito variadas Podemos pesquisálas na história das comunidades puritanas da Nova Inglaterra ou no romantismo à Rousseau que alimentava o conservadorismo dos pioneiros Em qualquer caso é coisa que reaparece mais de uma vez no cenário da discussão pública e nas práticas de governo como uma característica identitária Thomas Jefferson um dos primeiros presidentes dos Estados Unidos praticou uma política fiscal que privilegiava os agricultores em relação aos co 50 merciantes a fim de assegurar a autossuficiência do país Defendeu a compra de territórios a oeste do Mississippi com o objetivo de garantir a sobrevivência da sociedade agrária A sua política acerca dos aborígenes fora pensada para os transformar em granjeiros e desse modo fazer deles bons americanos Jefferson estava convencido de que só a produção agrária e a vida em pequenas comunida des assegurariam a democracia na América Quando esteve em Paris não deixou de apreciar os encantos da capital francesa mas a sua estada ali também o levou à convicção de que a vida na cidade é uma pestilência para a moral a saúde e a liberdade do homem O ceticismo dos norteamericanos em relação às grandes cidades têm se mantido obstinadamente ao longo dos tempos A cidade de Boston foi concebida por John Winthrop e Cotton Mather como uma antítese de Londres O movi mento religioso de 1730 conhecido pelo nome de Great Awakening revelouse precisamente contra a decadência das cidades que o clero já não podia dominar por causa do aumento do número dos seus habitantes Este ideal de sociedade como uma comunidade manejável e governável está na origem da colonização do Oeste que representava a possibilidade de romper com o passado pôr terra de permeio e recomeçar de novo a possibilidade de escapar à corrupção Por isso quando em 1893 declarou que a colonização do território terminara o que o historiador Frederick Jackson esboçou foi uma imagem pessimista da decadência do país O amplo espaço que era uma garantia de liberdade e democracia estava transformado num bem escasso Desapareciam a partir de então as possibilidades de colonizar e começava a era da densificação isto é do crescimento e da mistura O antagonismo ideológico também se traduz no combate aos imaginários urbanos pois a ideia de cidade sintetiza muito bem o conceito de sociedade que está em jogo O medo conservador à cidade se torna visível na rejeição do outro seja ele representado pelos bêbados irlandeses que destoavam da moral puritana de Boston no começo do século XVIII ou pelos negros portorique nhos católicos e judeus que Nixon via se apinharem na cidade de New York interrogandose ironias da história se para ela não teria chegado a hora da destruição A antipatia pela cidade surge sempre da sensação de ela representar algo de estranho misto ameaçador e incontível E a tudo isso se junta agora um novo fato na era da globalização os grandes centros de comércio do mundo como New York Londres Tokyo ou Frankfurt são realidades extraterritoriais que atuam mais entre si que com o resto dos seus países e sobre as quais é já muito escasso o poder dos governos nacionais A vida urbana é evidentemente tão ambivalente como a cidade Uma cidade deve oferecer ordem e segurança mas também deve permitir uma certa irregularidade As críticas àquela outra face da urbanidade anonimato indife rença isolamento caos têm razão quanto ao que denunciam mas não quando 51 desconhecem que aquilo que criticam é ao mesmo tempo um pressuposto das esperanças que desde sempre estiveram ligadas à vida citadina que é um lugar onde se pode viver uma vida livre dos pesados constrangimentos da vida rural e recomeçar a vida sem o peso acabrunhante da biografia pessoal um lugar de espe rança As possibilidades libertadoras da vida urbana estão ligadas a essa cultura de liberalidade complexidade hibridação diversidade emancipação comunicação e hospitalidade A cidade constituiu sempre um lugar de surpresas e de polifonia em comparação com o espaço homogêneo e regulável que alguns imaginam po der ainda encontrar numa idealizada vida rural Os seres humanos impõem exigências contraditórias à cidade A cidade tem de ser pátria e máquina lugar de anonimato e de identificação deve proteger e dar possibilidades deve ser espaço de indiferença e de reconhecimento Numa cidade não é preciso ter uma vaca para beber leite nem ir à fonte para beber água não é preciso vigiar o fogo nem tratar pessoalmente das crianças e dos velhos A grande cidade é um lugar onde se organiza a responsabilidade um lugar de ano nimato e de liberdade perante os constrangimentos sociais Mas também quere mos que ela seja um lugar de identificação e reconhecimento Tudo isso contém uma ameaça perder os vínculos ficar isolado destruir os pressupostos naturais da vida Isto é assim porque não há maneira de se oferecer uma imagem da ci dade que não seja contraditória A urbanidade tem de ser pensada em categorias contraditórias e realizase no movimento das suas contradições entre a ordem e o caos entre o público e o privado entre a indiferença e o compromisso cívico entre alienação e identificação AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS No seu célebre ensaio sobre a cidade Simmel associava a urbanidade a uma determinada forma da cidade Esta imagem contém três elementos formais cen tralidade isto é uma articulação urbanística e funcional entre centro e periferia contraposição ao campo do qual ela se distinguiria com clareza mistura fun cional e social ou seja uma justa posição de habitações lojas empresas cafés lugares de ócio pobres e ricos novos e velhos num espaço limitado Gostaria de me apoiar nestas três características para analisar a questão de saber se as atuais transformações urbanas implicam ou não o fim da cidade pelo menos na forma em que até agora a temos conhecido No ano de 1966 houve em Bremen um congresso subordinado ao título O desaparecimento das cidades Não se estava naturalmente a pensar num desaparecimento físico mas num processo estrutural que a longo prazo modi ficaria as cidades espacial social e funcionalmente de tal maneira que o nosso velho conceito europeu de cidade acabaria por se revelar inadequado a essa nova 52 configuração Do ponto de vista espacial a suburbanização provocaria uma ur banização difusa e desconcentrada de modo que a tradicional relação da cidade com o campo circundante se tomaria irreconhecível do ponto de vista social à nova estrutura espacial corresponderia uma polarização das populações bem diferenciadas segundo os níveis de rendimento funcionalmente os núcleos das cidades perdem significado Há já muitos anos que as cidades vêm passando por um processo de cres cimento que não satisfaz os critérios de integração social espacial e cultural e que parece converter a cidade tradicional numa coisa obsoleta Dizem os especialistas que dentro de algumas dezenas de anos não haverá ninguém que viva num espaço rural a forma urbana será universal É evidente que isso só significaria um triunfo da cidade se nós déssemos este nome a qualquer aglomerado de edifícios O que isto nos apresenta é a questão de saber se representa um triunfo ou uma dissolu ção uma evolução caótica sem nenhuma exigência de organização do espaço edi ficado Se a própria ideia de espaço público surgiu com a cidade o fim da cidade será também o fim da possibilidade desse espaço É claro que a suburbanização não é propriamente um modo de vida urbano A cidade que era uma forma de convivência espacialmente e socialmente concentrada e que tinha dado provas de ser uma fórmula com relativo êxito transformouse num modelo imprestável Estamos a caminhar para um mundo periurbanizado de cidades deficientes no qual a cidade se dissolve numa aglomeração trivial e a metrópole se torna o círcu lo em cujo interior ocorrem as deslocações Comecemos por examinar a questão numa perspectiva morfológica Nós as sociamos a forma da cidade europeia a um núcleo histórico com edifícios baixos com exceção da igreja ou de alguns edifícios públicos praças centrais de utili dade pública bairros mistos no tocante à função e ao nível econômico limites nítidos entre a cidade e o exterior e uma edificação densa Esta densidade tem três dimensões física a relação entre o espaço edificado e a superfície da cidade de povoamento número de habitantes por unidade de área e social frequência dos contatos Na cidade do século XIX estas três dimensões estavam estreitamente associadas Uma cidade densamente construída era uma cidade densamente ha bitada em que havia densas relações comunicativas Esta coincidência factual de espessura física de habitantes e social é um dos motivos pelos quais ainda hoje nós continuamos a associar a urbanidade à cidade compacta do século XIX Em contraste com ela a forma da global city com a qual todas tendem a parecer Marcuse e van Kempen 1999 Sassen 2001 definese pela concentra ção de torres de escritórios num bairro central de negócios pela fragmentação e pela urbanização difusa Perdeuse aquela cidade espessa plural e mestiça que era o centro político econômico e cultural da sociedade O devir histórico modifi cou a forma da cidade europeia e em especial dois dos seus elementos a densida 53 de e a centralidade A modificação da forma da cidade tem origem na deslocação para a periferia da população da indústria e do comércio que anteriormente coexistiam num núcleo compacto Como notou Bahrdt 1996 222 o centro da cidade europeia perde valor como lugar clássico do espaço público A periferia ganha em poder atrativo No respeitante à população a suburbanização é impulsionada fundamen talmente pelas classes médias cujas aspirações de habitação parecem conduzir à figura das moradias alinhadas Alastra o ideal de uma vida em harmonia com a natureza mas sem se ter de renunciar às conquistas da vida urbana o que já estava é certo nos projetos de cidades utópicas dos primeiros socialistas e tam bém noutros mais pragmáticos Deste ponto de vista não podemos deixar de notar que este processo e outros semelhantes pressupõem a importação de mo delos norteamericanos de crescimento urbano Ocorreu na Europa meio século depois de nos Estados Unidos uma descentralização das instalações urbanas e industriais por efeito da qual dois terços dos postos de trabalho e das habitações estão hoje fora dos centros históricos O que aconteceu às atividades econômicas foi análogo a isso O comércio foi historicamente origem e agente central do processo de construção da cida de Por volta de 1900 os mercados se transformaram nos centros comerciais da cidade nas galerias e nos armazéns Os centros das cidades puderam suportar esse salto qualitativo mas não o que se verificou a partir dos anos de 1970 A nova transformação estrutural do comércio provocou grandes concentrações que tiveram como resultado os shoppingmalls parques temáticos centros de lazer e centros de entretenimento Nos arrabaldes foram criados centros comerciais com uma oferta tão variada que até oferece a sensação de se estar no centro da cidade Alguns desses centros são verdadeiros simulacros de cidades Os mais modernos já não são meros centros comerciais mas lugares de lazer onde também se pode fazer compras Os centros das cidades não podem competir com eles nem em superfície nem em acessibilidade Também a indústria abandonou gradualmente as cidades deslocandose para os polígonos industriais da cintura exterior onde igualmente se encontram centros de serviços parques tecnológicos business dis tricts espaços de congressos e hotéis de preferência perto de um aeroporto Em muitas cidades como Amsterdam no centro urbano há apenas pequenos escri tórios os pontos de venda estão fora da cidade em complexos de arquitetura pósmoderna Nessas Instant Cities se pode encontrar tudo que é necessário a uma cidade de serviços Que forma resulta deste processo de descentralização Fundamental mente um modelo de urbanização de baixa densidade um arquipélago urbano sem cidade uma sucessão aleatória de aglomerados Os espaços periurbanos já não são propriamente espaços periféricos antes dissolveram a centralidade tra 54 dicional da cidade na medida em que por sua vez construíram centralidades alternativas Desaparecida a forma tradicional da cidade europeia parece não haver já a possibilidade de um espaço urbano unificador Temse a impressão de que os anteriores dispositivos de unificação da sociedade se inverteram sob a aparência de uma urbanização generalizada Los Angeles pode ser a imagem ex trema de uma dispersão que se tornou a realidade ordinária das grandes cidades contemporâneas O processo de dissolução da cidade tradicional já iniciado em fins do século XIX ganhou aceleração ao longo do século XX Os planejadores urbanos suprimem a distinção entre o campo e a cidade com a ideia da cidadejardim por exemplo e aceleram o processo de diferenciação entre as funções urbanas do trabalho da habitação e do lazer é o que diz a Carta de Atenas o que pressupõe uma tendência contrária à densidade e mistura da cidade compacta Com a crise da cidade industrial as tendências centrífugas parecem corroer a velha cidade e a cidade urbana se transforma numa malha de instalações Atualmente a racionali dade econômica e as facilidades da técnica dão às funções urbanas a possibilidade de expansão em todas as direções O que noutros tempos exigia uma sede central para estar ao alcance dos trabalhadores e dos clientes não está agora submetido a nenhuma exigência de localização A cidade se dissolve na mesma proporção em que a mobilidade aumenta O que neste processo mais atrai a nossa atenção é a perda da contraposição entre a cidade e o campo que caracterizava as velhas implantações urbanas quan do a cidade era uma ilha de civilização no meio da natureza agora é impossível distinguir a cidade e o campo nas modernas paisagens urbanizadas nas nossas entre cidades Sieverts 1998 espaços que nem são campo nem cidade nem centro nem periferia e nos quais vivem cada vez mais pessoas A cidade atual se caracteriza pelo crescimento na sua periferia de uma urbanização frouxa cuja fronteira é impossível assinalar não há ruptura entre a cidade e o campo nem uma frente cujo avanço pudéssemos apreciar mas um tecido urbano ou pe riurbano como chamamos simplesmente a uma coisa indeterminada que se encontra em redor da cidade É o que nos Estados Unidos se chama urban sprawl a indicar que a urbanização se prolonga para fora de toda e qualquer noção de limite espacial e se organiza de um modo diferente Esta expressão significa que o processo já não se situa no universo dos subúrbios do período industrial É esta uma das causas de nas sociedades intensamente urbanizadas ter praticamente de saparecido a diferença dos modos de vida no campo e na cidade A cidade já não é o lugar específico e exclusivo do modo de vida urbano Uma das principais transformações urbanas é a perda do centro Periurba nização significa que a cidade se expande em volta do seu centro até perder todos os vínculos que a ele a ligavam Na cidade préindustrial viver no centro era um 55 sinal de distinção social O centro simbolizava o poder político concentravamse nele a população o trabalho e o comércio Nas cidades atuais o centro perde habitantes ou recuperaos como imigrantes postos de trabalho comércio fun ções de tempos livres A obsolescência da centralidade administrativa se traduz por exemplo em o centro de muitas das cidades norteamericanas não ser um lugar de identificação para a população mas um Central Business District que só tem utilidade comercial e no qual a residência e a cultura não desempenham qualquer papel A causa profunda de tudo isto está em que as sociedades modernas já não precisam da forma de centralidade espacial Innerarity 2001 113 O desapa recimento do centro ou pelo menos das funções que até há pouco lhe estavam cometidas resulta de o poder das redes ser tão considerável e a sua ubiquidade tão completa que de futuro nenhum lugar de implantação estará por princípio privilegiado perante os outros As redes de comunicação são cada vez mais in diferentes à geografia incluindo à geografia urbana Os centros de produção de gestão e de decisão podem ficar na cidade ou ir para fora dela Foucault se referia a esta nova configuração quando descrevia a nova fisionomia da cidade mediante o conceito de heterotropia como um espaço sem forma ao que Deleuze apli cou a imagem do rizoma configuração sem centro Nas civilizações antigas e este antigo é bastante recente o poder estava associado às concentrações num mesmo lugar de todos os instrumentos de do minação de influência ou de organização Foi esta concepção monumental do poder que se tornou caduca A crise da monumentalidade tradicional aquela que segundo Bataille se eleva como diques erguidos contra a multidão a lhe impor silêncio 1974 171 se manifesta no fato de haver cada vez mais edifí cios públicos parecidos com uma qualquer construção utilitária com a modesta arquitetura dos novos lugares públicos como se não soubéssemos ou não quisés semos exprimir a ideia da majestade da vida pública A densificação das redes tem também como efeito a relativa perda de função da metrópole Já não se pode edificar uma capital no velho estilo Uma capital da Europa por exemplo seria arquitetonicamente inconcebível A esta circunstância se deve o fato de a Comissão ter a sede em Bruxelas o Parlamento em Strasbourg o Tribunal no Luxemburgo e de o Conselho se reunir em Bir mingham Hannover Maastricht ou Corfu Por esse motivo podemos supor que Bruxelas nunca será um centro no estilo das velhas capitais europeias Nada o mostra melhor que o malogro das tentativas de fundação de macrocapitais pelos regimes totalitários do século passado Já não parece possível sequer estabelecer centros aos quais fossem atribuídas as funções que couberam a capitais moder nas como Ottawa Ankara Canberra ou Washington Uma sociedade reticular é uma sociedade tendencialmente descapitalizada O valor simbólico da capital 56 ainda parece forte mas podemos questionar se ela resistirá ao esgotamento da sua antiga função administrativa E até podemos pensar se haverá capitais no fim do século XXI A ideia de centralidade política e simbólica está a definhar Os lugares centrais perderam funcionalidade mas também perderam atrativos para a de monstração de presença e domínio Na maior parte dos casos a presença no centro resulta simplesmente do desejo de visibilidade O centro pode ser tão móvel como o seu representante Nas democracias atuais a presença efetiva do presidente é uma presença nos meios de comunicação sem territorialidade Um chefe de estado pode viajar sem que o acusem de desertar do seu posto o centro se desloca com ele Nunca mais haverá uma fuite à Varennes a célebre fuga de Luís XVI em 1791 Esta transformação do centro é tão radical que torna inúteis os esforços para o reabilitar Com a reconstrução estética do edificado antigo não se recupe ra a força integradora da cidade porque as metrópoles o seu significado a sua função e a sua vitalidade não podem ser recriados artificialmente De qualquer modo o centro de uma metrópole pode ser restaurado mas isso não é o mes mo que recuperar o seu antigo significado e inserila num dinamismo vivo O mais que se pode fazer é museificar a cidade encenar isoladamente algumas das suas funções perdidas com sorte por vezes ou caricaturando o centro urba no para o consumo A museificação da cidade consiste precisamente em que os centros históricos são hoje atrações turísticas Os turistas que visitam os centros das velhas cidades europeias não os encontram na sua vitalidade funcional mas como redutos museológicos Enquanto a população e os assuntos econômicos e administrativos partem da cidade o núcleo histórico se transforma em museu e destino de passeios do turismo internacional O centro da cidade se tornou um objeto de nostalgia Segundo as estatísticas um terço dos turistas visita a cidade histórica o velho centro isto é uma relíquia do seu passado O turista metropo litano procura nos vestígios arquitetônicos das capitais históricas a representação simbólica de algo comum que não se pode exprimir nos atuais espaços urbanos Do ponto de vista do estilo de vida as atuais transformações urbanas ten dem a fragmentar segundo critérios de homogeneidade A dissolução da cidade se realiza na tendência para a segregação social e funcional para a homogeneização de grupos segundo os proventos econômicos e o estilo de vida para o fracio namento social da cidade Configuramse desse modo unidades homogêneas e diferenciadas sem relação entre si onde dificilmente se realiza essa coexistência dos diferentes dos estranhos e desconhecidos num espaço não estruturado hie rarquicamente São formas de habitar que refletem ao contrário do modelo de convivência entre diferentes próprio da cidade clássica uma busca do semelhante em lugares homogêneos Quando os núcleos das cidades se enchem de grupos 57 problemáticos as classes médias e altas descobrem ambientes de vizinhança se melhantes aos seus nos arredores para onde se mudam em busca de homogenei dade social numa vida em círculos sociais mais restritos protegidos por elevados preços e até por barreiras físicas e sistemas de vigilância Há deste modo uma especialização funcional do espaço pelo que a cidade é vista como uma justaposição de elementos mais ou menos independentes que obedecem a normas ou regras específicas A ideia de um bairro vivo e plural a que todos os planos políticos aludem não passa já de uma nostálgica ilusão O urbano é cada vez menos sinônimo de cidade de valor urbano de pertença a uma mesma comunidade Esta fragmentação tornase manifesta por exemplo na ruptura da unida de temporal A diferenciação de várias zonas temporais da cidade faz perderse o ritmo de uma cidade como um todo o seu cadenciamento temporal público As tendências centrífugas a especialização das funções e dos lugares conduzem a uma fragmentação da vida já desprovida de centro estruturador Com a inter dependência global aumenta o número de profissionais cuja estrutura temporal se desligou completamente do lugar onde se encontram Poucos sabem em que cidade vivem propriamente pois onde se mora não se trabalha e onde se trabalha não se passa o tempo livre Até a residência se desdobra cada vez mais numa para os dias de trabalho e outra para os finsdesemana Os que vivem numa cidade não coincidem com os que a utilizam e nessa diferença desaparece pouco a pou co o cidadão Quando se mora num lugar se trabalha noutro e se faz as compras num terceiro já não existe o cidadão como habitante de um espaço público no qual eram discutidos e resolvidos os conflitos entre a vida a economia a política e a cultura Esse espaço público se fragmentou em clientelas diversas que que rem satisfazer interesses específicos um deseja morar num lugar tranquilo outro pretende um mercado de trabalho que seja flexível outro possibilidades de fazer compras e de se divertir outro enfim pede vias de comunicações rápidas Outra das manifestações da fragmentação urbana é a etnificação dos seus es paços Surgem bairros com uma grande homogeneidade étnica como Chinatown ou Little Italy em New York e noutras cidades como o bairro turco de Berlim Kreuzberg o Spitalfields de Londres onde se concentra a comunidade bengalesa ou os bairros de Sarcelles nos arredores de Paris e de Lê Panier em Marselha ha bitados principalmente por norteafricanos Vários estudos sobre os encravamentos étnicos asseguram que eles são configurados para manter as condições de confiança segurança previsibilidade e um sentido de convicções compartilhadas contra as incertezas da vida pública Whyte 1943 Gans 1962 O fenômeno da segregação não tem origem só num deliberado propósito de exclusão social cada grupo ocupa na cidade um território diferente para facilitar a integração dos indivíduos Quando estes encontram na cidade um nicho à sua medida surge um espaço de familiari 58 dade que protege da anomia Mas essa integração nem é plena nem é propriamente urbana pois não configura uma relação com os diferentes A atual realidade da ci dade segregada deve hoje ser entendida mais como paisagem da desigualdade social que como mosaico de culturas diferentes Paralelamente a este processo desencadeiase outro para as classes médias e altas gentryfication geralmente para garantir a sua segurança em vizinhan ças homogêneas Estes espaços regulados tendem a constituir uma cidade na cidade Selie 2002 51 O resultado final é uma extensão do espaço priva damente organizado à custa do espaço público São as gated communities nas quais se afirma sem má consciência uma urbanidade discriminatória a retirada defensiva de uma parte da cidade perante outra uma maneira de se colocar fora da sociedade de se subtrair às regras comuns se apropriando coletivamente do espaço Diversos autores têm assinalado o carácter autodestrutivo dessas ilhas de uniformidade comunitária O perigo que se esconde no trato com os estranhos é o típico caso de profecia que se confirma a si própria A visão do estranho se mistura com a sensação de medo e de insegurança o que começa como suspeita acaba por se tornar uma evidência e certeza comprovada Bauman 2000 127 O medo aos de fora cresce na mesma proporção em que os bairros com grande homogeneidade étnica se separam do resto da cidade A chamada à ordem e ao direito é mais forte quando grupos isolados se separam claramente dos demais Sennett 1996 194 Apesar da sua aparência pacificadora a separação promove exatamente o contrário insegurança civil e social Sem a capacidade unificadora dos espaços urbanos a distância é vivida como rejeição e alimenta a sensação de não pertencer à mesma sociedade Com a atual fragmentação a cidade parece ter perdido essa capacidade de dar corpo à sociedade aproximando os elementos que a compõem e mostrando tanto a sua diversidade como a sua interdependência Se a urbanidade significa alguma coisa essa coisa é precisamente a capacidade de viver com os diferentes e de que as diferenças não pareçam ameaçadoras A cidade é mais que outros estabelecimentos humanos o lugar dos descobrimentos e das surpresas tanto agradáveis como desagradáveis Hannerz 1992 173 Mas com a crescente seletividade social a vida nos espaços públicos perde surpresas e imprevistos e é cada vez mais inverossímil experimentar a pluralidade da cidade em toda a sua extensão Dáse uma redução da dissonância cognitiva Hiussermann e Siebel 2000 uma diminuição da experiência do encontro espontâneo com outros seres humanos O encapsulamento em casa no bairro homogêneo ou no automóvel empobrece o nosso mundo de experiências não planificadas Como forma espe cífica de vida a cultura urbana perde deste modo a sua base social Em suma todo este processo parece conduzir a uma privatização do espaço público ou talvez melhor ao aumento dos âmbitos que de acordo com a pola 59 rização que segundo Bahrdt definia a essência da cidade não são privados nem públicos Os espaços são públicos no sentido em que não são privados mas não são em absoluto públicos em referência à criação de uma forma de vida coletiva Há espaços que parecem comuns mas que não são verdadeiramente públicos É um desaparecimento do espaço público no sentido tradicional da expressão isto é um espaço no qual se exprima e represente a coisa pública como o faz a cidade monumental com a sua arquitetura fechada e organizada em redor de lugares simbólicos do poder Mas também necessitamos de espaço para o público isto é da cidade que torna possível a vida em comum de lugares como a rua os pas seios as praças os cafés os parques os museus as salas de espetáculos Quando desaparecem os espaços de vida comum desaparecem também as formas de socia bilidade que reuniam as diversas partes componentes da sociedade O que aconteceu foi uma verdadeira privatização da cidade das urbani zações dos serviços da segurança O espaço público desaparece sob o domínio privado tanto no extremo do mais exclusivo como no do mais excluidor Por um lado há os bairros de exclusão e sem lei por outro os espaços comerciais ou recreativos de acesso restrito e as comunidades cercadas com os seus sistemas de vigilância e segurança Poderíamos concluir que o atual espaço público são as vias de trânsito meros lugares de passagem simples instrumentos da deslocação A NOVA URBANIDADE O problema que hoje enfrentamos consiste em como pensar a cidade quando temos redes em vez de vizinhança quando o espaço homogêneo e estável é apenas um casolimite no seio de um espaço global de multiplicidades locais interligadas quando há já muito tempo o debate público se efetua num espaço virtual quando as ruas e as praças deixaram de ser os principais lugares de encon tro e encenação A questão consiste em saber se o espaço público como espaço de experiência humana intersubjetiva essencial à democracia necessita de um tipo de espaço físico segundo o modelo grego medieval renascentista e burguês ou se essa antiga relação entre civilização e urbanidade se pode realizar fora dos espaços da cidade clássica europeia A crítica da cidade sempre lamentou alguma perda no século XIX era a decadência da ordem e dos costumes hoje é a privatização do espaço público e o desaparecimento do espírito de cidadania As queixas pela perda da urbanidade e o apelo aos políticos para que detenham essa deterioração tem uma certa parecença com as velhas críticas conservadoras à cidade Naquele caso preconizavase o re gresso ao campo e à pequena cidade o atual discurso sobre o desaparecimento da urbanidade pretende conservar a grande cidade mas com uma lógica pessimista muito semelhante em ambos os casos se faz pressão para que alguma coisa seja 60 feita a fim de conservar um passado melhor perante um desenvolvimento da socie dade considerado ameaçador Todas essas histórias são verdadeiras mas esquecem que tais perdas são frequentemente transformações que trazem consigo não pou cos ganhos e que também correspondem ao mesmo desejo de emancipação agora com outra forma do qual surgiram as cidades Essas visões nostálgicas da cidade para cujas recuperações tais críticas apelam não costumam se deter um pouco para considerar se não haverá também bons motivos para o desaparecimento gradual da cidade europeia De outro modo não se poderia explicar por que motivo os seres humanos não opuseram muita resistência a essa evolução E também não se deve esquecer que a cidade do passado não estava tão integrada nem equilibrada como a nostalgia tende a fazernos crer A transformação da cidade tradicional também tem a sua lógica e os seus bons motivos Não convém esquecer que a cidade compacta do século XIX devia a sua espessura à pobreza e aos transportes deficientes Quem não atender a isto estará a elaborar uma utopia retrospectiva Pensar hoje as condições de possibilidade da urbanidade exigirá provavel mente que o façamos fora da tradicional contraposição cidadecampo que tem cada vez menos sentido Em ambos esses espaços há formas de vida urbana e de vida provinciana Os habitantes da cidade que se deslocam ao campo continuam a ser citadinos porque no fundo há cidade onde houver possibilidades de eman cipação Nos apelos à defesa da forma da cidade europeia há uma valorização excessiva da configuração material da cidade como esquecendo que restaurar o aspecto dela não é o mesmo que manter a sua qualidade específica A urbanidade é mais que a forma da cidade é um modo de vida uma atitude uma cultura cívi ca que talvez se possa realizar noutro cenário e que provavelmente já não poderá realizarse senão noutro cenário Não quero sugerir com isto que o urbanismo está isento de toda a res ponsabilidade quando se tem de articular o espaço público Não é indiferente a forma como são configurados os espaços urbanos mas também não devemos esquecer que a urbanidade não pode ser edificada nem simulada e não surge de um dia para o outro A forma urbana física por si só não pode substituir as prá ticas que lhe estão associadas Não faz sentido pretender reconstruir um passado mitificado Mais interessante que a nostalgia é recordar o que é que a cidade europeia representou e pode continuar a representar sob uma forma diferente A sua dimensão integradora e democrática não se mantém viva transformandoa em museu está intimamente relacionada com a configuração de espaços com partilhados em que o diferente e específico remete para implicações mais amplas âmbitos civilizadores que não amadurecem quando se tornam mais idênticos a si próprios mas sim na medida em que se articulam com o diferente deles Nas atuais circunstâncias ainda se pode falar de integração social urbani dade ou espaço público Creio que sim mas sob condição de distinguir os valores 61 de urbanidade da velha representação que temos da cidade europeia A urbanida de cidadania civilização é mais qualquer coisa que a forma da cidade europeia e mais até que uma forma urbana de viver As esperanças de libertação realização de si e integração têm de libertarse por sua vez da forma tradicional da cidade europeia Os valores que foram cultivados com especial intensidade em Londres Viena Paris Berlim Madrid ou Bilbao podem atualmente ser vividos naqueles sistemas reticulares para onde parecem apontar as futuras estruturas de povoa mento O projeto de uma vida urbana se deslocalizou e a cidade se transformou num valor simbólico a forma tradicional da cidade europeia é hoje simplesmen te uma metáfora cujo conteúdo se realiza nas democracias que funcionam nos mercados justos nos espaços globais humanizados onde quer que seja possível o convívio entre diferentes no horizonte de um mundo verdadeiramente comum Como pensar então a nova urbanidade Häussermann e Siebel 2001 na cidade desmaterializada do futuro Mitchell 1 995 2001 Quando Sim mel escreveu as suas célebres considerações a modernidade estava reservada para as grandes cidades Atualmente as características daquela forma de vida urbana cujo lugar próprio era a cidade europeia podem ser encontradas tanto nos habi tantes do campo como nos da cidade É provável que estejamos assistindo a uma universalização da forma urbana de viver que dá a cada um a possibilidade de se apresentar ao mesmo tempo de modos muito diversos A urbanidade como forma de vida pode ser realizada em qualquer lugar O que fica da cidade é o valor ubiquitário da urbanidade O exercício dos valores da urbanidade já não está condicionado pela cidade como seu lugar exclusivo Não é que a urbanida de tenha desaparecido o que acontece é que já não se realiza em nenhum lugar exclusivo Já não está ligada nem se produz em nenhum lugar concreto mas no carácter dos seres humanos De fato quando definiu o modo de comportamento típico das grandes cidades Simmel estava a falar mais da mentalidade moderna que dos habitantes da cidade As propriedades da urbanidade que as grandes cidades reclamam dos seus cidadãos são as mesmas que nas sociedades modernas são exigidas de qualquer identidade uma capacidade de suportar e gerir a insegu rança a diferença a contradição a ambiguidade e a estranheza Quando não havia automóveis telecomunicações ou meios de informação a densidade espacial da grande cidade era necessária para se levar a bom termo as grandes inovações econômicas políticas e culturais que a ela devemos Todos os que quisessem participar nessa grande oportunidade teriam de estar presentes Mas isto se tornou supérfluo Quando se abandona o modelo centroperiferia quando o centro está em toda a parte a implantação local muda de estatuto cada ponto é um centro nas múltiplas intersecções da rede Cada ponto local implica a rede global reciprocamente esta não é nada sem a multiplicidade dos lugares singulares As sociedades modernas não necessitam de centralidade espacial É 62 importante compreender isto para conceber o novo espaço público que se nos abre para lá do antigo paradigma arquitetônico e nos convida a pensar a cidade de outra maneira A emancipação da natureza ou da comunidade o autogover no e a integração social são objetivos que já não requerem a forma da cidade a opinião política se realiza fundamentalmente pelos meios de comunicação e não nas praças e nas ruas a organização democrática já não é propriedade exclusiva das cidades é um princípio de organização dos estados com a globalização o mercado já não é um lugar urbano a diferença entre o privado e o público existe igualmente no campo fora da cidade também se pode viver subtraído ao poder da natureza Esta perda da especificidade política econômica social e civilizadora da cidade é o motivo pelo qual desapareceu a forma física das cidades nas atuais aglomerações urbanas mas ela explica também a impossibilidade de se restaurar a urbanidade por meio de uma intervenção planificadora É certo que a menor densidade de povoamento faz com que as cidades sejam cada vez menos aqueles espaços em que mercê das interações involuntá rias motivadas pela proximidade se cultiva uma mentalidade que configura um espaço para a heterogeneidade no acanhado espaço social As cidades já não são pela sua mera composição espacial aqueles estabelecimentos educativos que Simmel descrevia Com a urbanização de toda a sociedade a urbanidade esse modo de vida tão útil para a integração dos estranhos tem de ser interiorizada por cada indivíduo já não pode ser deixada apenas nas mãos dos urbanistas e tem de ser confiada às diversas instâncias educativas se realmente desejamos que o nosso comportamento evolua de acordo com os valores que fizeram das cidades aqueles espaços de civilização que tornaram possível a passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna REFERÊNCIAS BAHRDT HansPaul Himmliche Plannungsfeshler Essays zu Kultur und Gesellschaft beck Mün chen 1996 Die moderne Stadt Soziologische überlegungen zum Städtebau Leske Budrich Opladen 1998 BATAILLE Georges Architecture em Œuvres Complètes I Gallimard Paris 1974 BAUMAN Zygmunt Liquid modernity Polity Press Cambridge 2000 BRAUDEL Fernand Civilisation matérielle Économie et capitalisme Armand Colin Paris 1979 DESCARTES René Œuvres et lettres Gallimard Paris 1937 ENGELS Friedrich Über die Unwelt der arbeitenden Klasse em Schriften ed Ulrich Conrads Fun damente Gütersloh 1970 GANS Herbert The Urban Villagers Group and Class in the Life of Italian Americans Free Press Glencoe 1962 Goffman Erwing La mise em scène de la vie quotidienne Minuit Paris 1973 HÄUSSERMANN Hartmut e SIEBEL Walter Neue Urbanität Suhkamp Frankfurt 1987 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melhor existência e subsistência Residentes que se assentaram nessas áreas em gerações anteriores estabeleceram economias baseadas em manufaturas ou varejo com grande fornecimento de habitações a preços aces síveis Os recémchegados são recebidos com uma economia do conhecimento com inúmeras oportunidades de emprego para mãodeobra altamente qualifi cada Hospitais e universidades são os empregadores locais mais significativos nessas regiões orientadas pelo conhecimento em vez de fábricas ou lojas de de partamentos A oferta de moradias acessíveis nessas regiões é muito menor já que a demanda para residir ou apenas possuir uma casa nessas áreas é bastante alta Essas dinâmicas exacerbam a desigualdade Elas colocam as populações de baixa renda com habilidades formais limitadas ou educação em uma posição ain da mais vulnerável De fato essas populações correm o risco de desalojamento Esta é a base para a gentrificação Em circunstâncias gentrificantes comunidades de baixa renda têm oportunidades residenciais limitadas Uma vez que sua única opção residencial expira eles são forçados a se mudar para não apenas mudar de residência mas deixar a área completamente A gentrificação é literalmente so bre o movimento de populações mais ricas em uma área deslocando uma popu lação anterior Mas a realidade da gentrificação se manifesta em um nível comer cial e cultural também Maurrasse 2006 A natureza das empresas que atendem 12 Texto traduzido do inglês para o português por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Felipe da Veiga Dias 13 David Jeffrey Maurrasse é pesquisador do Earth Institute Ele é o presidente e fundador da Marga Inc uma empresa de consultoria que presta consultoria e pesquisa para fortalecer a filantropia e parcerias intersetoriais ino vadoras para abordar algumas das preocupações sociais mais prementes da atualidade Ele atua como Professor Adjunto Associado na Escola de Relações Públicas e Internacionais ministrando um curso intitulado Estratégia Parcerias Comunitárias e Filantropia Ele publicou vários livros incluindo Beyond the Campus 2001 Stra tegic Public Private Partnerships 2013 e outros Seu próximo livro Filantropia e sociedade explorará como a filantropia estratégica pode incluir as perspectivas e a participação das comunidades de beneficiários 65 a população anterior também se muda em situações de gentrificação De fato as pequenas empresas também se deslocam diante do aumento dos valores imobili ários Mudanças demográficas e atividades comerciais também mudam a cultura 1 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE GENTRIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO 11 O SURGIMENTO E DESCRIÇÃO DA GENTRIFICAÇÃO DESDE 1964 Definição de gentrificação como um assunto relevante para a renovação urbana tanto a conceituação quanto a natureza da gentrificação têm evoluído ao longo do tempo e não há consenso sobre sua definição Smith 1996 O soció logo britânico Glass 1964 referiuse ao conceito de gentrificação ao descrever os fenômenos dos bairros da classe trabalhadora de Londres experimentando au mentos nas populações de classe média Glass 1974 ilustrou e ampliou ainda mais a definição de gentrificação argumentando que o processo de gentrificação incluía a renovação urbana os residentes mudando de propriedades alugadas para residir em casa própria aumento do preço da habitação e deslocamento da classe trabalhadora Smith 1982 também afirmou que a gentrificação foi o pro cesso pelo qual bairros residenciais da classe trabalhadora foram reabilitados por compradores de casas de classe média senhorios e desenvolvedores profissionais Ley 1996 chegou a considerar a renovação e o redesenvolvimento de locais não residenciais como parte da gentrificação além dos locais residenciais De ambas as perspectivas econômica e demográfica Smith 1998 forneceu outra defini ção de gentrificação que é o processo pelo qual os bairros urbanos centrais que sofreram desinvestimentos e declínio econômico experimentam uma reversão reinvestimento e migração interna de uma população de classe média média e alta Kennedy e Leonard 2001 definiram a gentrificação como o processo de mudança de vizinhança que resulta na substituição de residentes de renda mais baixa por aqueles de renda mais alta no relatório da Brookings Institution sobre Lidando com a Mudança de Vizinhança Uma Cartilha sobre Gentrificação e escolhas políticas Mais recentemente os esforços para definir a gentrificação parecem mudar da descrição do resultado ou processo de gentrificação para identificar as carac terísticas mais importantes do fenômeno Anthropologist Perez 2004 definiu a gentrificação de uma maneira compreensiva que abrange muitas características amplamente aceitas da gentrificação Um processo econômico e social por meio do qual o capital privado empresas imobiliárias incorporadoras e proprietários e arrendatários individuais reinvestem em bairros fiscalmente 66 negligenciados por meio da reabilitação de moradias conversões de loft e a construção de novo estoque de habitação Ao contrário da renovação urbana a gentrificação é um processo gradual ocorrendo um edifício ou bloco de cada vez reconfigurando lentamente a paisagem de vizinhança de consumo e residência deslocando moradores pobres e da classe trabalhadora incapazes de viver em bairros revitalizados com aluguéis crescentes impostos sobre a proprie dade e novas empresas que atendem a uma clientela de luxo Shaw 2008 também argumentou que a gentrificação é uma reestrutu ração generalizada de classe média ao lugar envolvendo toda a transformação de bairros de baixo status em playgrounds de classe média alta Davidson e Lees 2005 resumiram as características da gentrificação contemporânea da seguinte forma 1 reinvestimento de capital 2 renovação social do local pela entrada de grupos de alta renda 3 mudança de paisagem e 4 deslocamento direto ou indireto de grupos de baixa renda Além disso Maurrasse 2006 apontou que a gentrificação muitas vezes tem sido abordada em grande parte no contexto da habitação e o relativo acesso a unidades residenciais acessíveis No entanto a gen trificação tem muitas dimensões interrelacionadas e afeta os bairros em vários níveis Como sugerido por Maurrasse 2006 as dimensões incluem imóveis residenciais desenvolvimento comercial aspectos interpessoais e culturais TRÊS ONDAS DE GENTRIFICAÇÃO E SURTO DE ESTUDOS DE CASOS GLOBAIS As primeiras ondas de gentrificação tendem a ser esporádicas e lideradas pelo Estado antes da recessão econômica global no final de 1973 A Segunda onda é conhecida como a ancoragem da gentrificação Ela durou do final dos anos 70 até o final dos anos 80 e foi caracterizada pela expansão da gentrificação em cidades menores e não globais A gentrificação da Terceira Onda ou pósre cessão começou a partir do início dos anos 90 à medida que a gentrificação con tinua com uma escala maior de capital e muitas vezes com o apoio do Estado Hackworth e Smith 2001 Além disso com base no modelo de Hackworth e Smith Lees e Ley 2008 acrescentaram que algumas cidades americanas estão experimentando a quarta onda de gentrificação que é caracterizada por uma financeirização intensificada da habitação combinada com a consolidação de po líticas prógentrificação e políticas urbanas polarizadas Surto de estudos de casos globais desde o final dos anos 90 e início dos anos 2000 a gentrificação se tornou global em quase todas as grandes cidades do mundo e chamou a atenção de pesquisadores globais Por exemplo estu dos de casos relevantes para a gentrificação incluem Londres Carpenter e Lees 1995 Paris Glasgow Nova York Freeman e Braconi 2004 Toronto Caul field 1994 Filadélfia Beauregard 1990 Xangai He 2007 Pequim Zheng e Kahn 2013 e etc Van 1994 Beauregard 1990 67 12 RAZÕES PARA OS INTERESSES DE PESQUISA EM GENTRIFICAÇÃO De acordo com Hamnett 1991 há principalmente 5 razões para a ques tão de que tanta atenção tem sido dedicada ao assunto da gentrificação Essas ex plicações estão listadas em ordem decrescente de importância 1 a gentrificação representa um dos principais campos de batalha teóricos e ideológicos da geogra fia urbana ou mesmo da geografia humana como um todo 2 está nos limites da reestruturação metropolitana contemporânea 3 A questão central está na polí tica e nos debates políticas a respeito dos deslocamentos relacionados à gentrifi cação 4 representa um grande desafio para as teorias tradicionais de localização residencial e estrutura urbana 5 fornece assuntos convenientes e interessantes para estudos de casos pontuais baseados localmente 13 A DISCUSSÃO SOBRE AS CAUSAS DA GENTRIFICAÇÃO DE 1979 A 2000 A gentrificação é indiscutivelmente um processo caótico que não é ade quado para análise binária ou linear Beauregard 1986 Freeman 2001 De acordo com Hamnett 1991 o surgimento da gentrificação depende das três condições a seguir a existência de um conjunto potencial de gentrificadores uma oferta de habitação no centro da cidade e uma preferência cultural pela vida urbana O debate sobre as causas da gentrificação tem sido os principais esforços de pesquisa em gentrificação durante os anos 80 Como Lees 1994 indicou nos esforços de contabilizar as cidades gentrificantes as duas principais corren tes teóricas se localizam nos campos da economia política e da análise cultu ral pósmoderna A primeira vertente é a análise neomarxista da reestruturação econômica urbana e concentrase no lado da produção ou da oferta dos bairros gentrificados Smith 1979 1996 desenvolveu o conceito de rent gap lacuna de renda como um prérequisito para a gentrificação e argumentou que o retor no do capital produtivo dos subúrbios é o fator determinante da gentrificação e não o movimento de novos habitantes Ley 1987 criticou a teoria de Smith por sua falta de evidência empírica através da análise de dados concretos A segunda vertente é uma teoria da reestruturação social urbana pósindustrial que tenta explicar a gentrificação da perspectiva da existência e das escolhas dos gentrifica dores em outras palavras o lado do consumo ou da demanda Lees 1994 Smith e Williams 1986 Warde 1991 Outras explicações da gentrificação vêm da ecologia social da teoria da es colha cultural neoclássica da divisão de gênero e outras A ecologia social propõe 68 que as cidades têm estágios natural e inevitável do desenvolvimento e declínio formiga portanto apoiar a inevitabilidade da gentrificação e neutralidade da política de governo Shaw 2008 A teoria da escolha cultural neoclássica supõe que a mudança urbana é o resultado de constelações de decisões individuais do consumidor e requer que as preferências individuais mudem em uníssono inter nacionalmente ibid Como um ramo da teoria do consumo a explicação da gentrificação na perspectiva da divisão de gênero vem principalmente do traba lho de Bondi 1991 Warde 1991 e Butler e Hamnett 1994 Eles exploraram a correlação entre a gentrificação e os papéis alterados das mulheres na família e na sociedade e o crescimento das mulheres trabalhadoras 14 GENTRIFICAÇÃO E TENDÊNCIAS SOCIAIS GERAIS Gentrificação e desenvolvimento urbano Smith 2002 argumentou que a gentrificação que inicialmente era esporádica pitoresca e localmente anómala nos mercados imobiliários havia se tornado a estratégia urbana global com o pano de fundo do urbanismo neoliberal ou a chamada globalização Como uma forma de reurbanização a gentrificação desempenha um papel importante no desenvolvimento urbano e na reconstrução social e espacial portanto o processo de gentrificação foi direcionado e intervido pelos governos nacionais e locais Os governos podem regular diretamente e controlar o processo de gentrificação no lado do consumo ou da produção ou ambos Sassen 1991 considerou a gentri ficação como um dos aspectos mais importantes das cidades globais Gentrificação e desigualdade Smith 1996 usou revanchistas um mo vimento político que se formou na França no final do século XIX como uma metáfora da gentrificação no sentido político de que os brancos recuperam os centros urbanos expulsando as minorias e ou moradores de baixa renda Seu ponto de vista tem sido apoiado pela maioria dos estudiosos neste campo Os go vernos podem usar o termo revitalização do bairro para defender que a gentrifi cação pode reduzir a segregação social nos bairros pobres No entanto a maioria dos estudos chegou à conclusão oposta de que a gentrificação poderia realmente deteriorar a igualdade social e aumentar a segregação social ou piorar ainda mais a discriminação racial Walks e August 2008 Goldberg 1998 15 EFEITOS DA GENTRIFICAÇÃO E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS A PARTIR DE 2000 Desde o século 21 existem vários livros e livros que resumem de forma abrangente os aspectos centrais e as discussões sobre a gentrificação Lees et al 2010 Lees et al 2013 Smith e Williams 2013 e etc As disputas teóricas sobre 69 as causas da gentrificação gradualmente se assentaram e a fronteira de pesquisa mudou de perguntar o que leva à gentrificação para descobrir qual é o impacto da gentrificação e como lidar com as políticas correspondentes Particularmente para os moradores de baixa renda que são forçados a sair os governos devem ser responsáveis por aliviar ou compensar sua perda na gentrificação e reduzir a desi gualdade social causada pela gentrificação Porter e Shaw 2013 Em termos da importância da intervenção política Newman e Wyly 2006 forneceram evidências sobre a polarização de classes ou mercados habi tacionais urbanos em Nova York e criticaram que a intervenção no mercado o principal amortecedor contra o deslocamento dos pobres induzido pela gentri ficação estava sendo desafiado por defensores da gentrificação e desmantelados pelos formuladores de políticas Wyly e Hammel 2001 sugeriram que a gentrificação mudou o contex to do centro da cidade de tal forma que influenciou a formação da política de habitação pública Eles também apontaram que o foco dos EUA foi em como o ressurgimento da gentrificação pósrecessão foi ajudado pelos governos através do financiamento habitacional e da assistência habitacional de baixa renda mas as políticas estavam se tornando neoliberais como mostra a agenda neoliberal do HUD que inicia e fortalece a gentrificação Maurrasse 2006 pediu a consideração do governo de comunidades de baixa renda ao tomar decisões de alto nível sobre revitalização para resolver o pa radoxo do desenvolvimento urbano de que os moradores de baixa renda sofrem com as forças do mercado desenfreadas como o aumento do preço das casas e dos alugueis maior risco de deslocamento de casas e etc A vulnerabilidade das comunidades de baixa renda é altamente aparente nas situações de gentrificação porque essas populações carecem de opções devido ao acesso limitado a recursos financeiros e políticos Elas correm o risco de serem deslocadas e o contexto local se concentra cada vez menos em suas necessidades por causa do encolhimento do grupo e de sua declinante capacidade de serem ouvidos Portanto sob essa circunstância é necessário e urgente introduzir e pro mover a noção de desenvolvimento equitativo que considere continuamente as necessidades e benefícios das comunidades de baixa renda Como os mercados gentrificadores não podem fornecer automaticamente assistência social especial ou ajudar populações de baixa renda são necessárias intervenções do governo ou de organizações sociais para abordar as preocupações dessas populações desfa vorecidas No entanto como sugerido por Lees 2008 tanto na Europa como na América do Norte em alguns círculos políticos a gentrificação levará a co munidades menos segregadas e mais sustentáveis apesar de poucas evidências e do acirrado debate acadêmico sobre o assunto Portanto é muito urgente deixar 70 claro ao governo e à sociedade que a gentrificação está longe do crescimento in clusivo daí a necessidade de estratégias sociais e políticas intencionais em busca do desenvolvimento eqüitativo 2 A VARIEDADE DE ABORDAGENS PARA O DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO E INCLUSÃO SOCIAL Ao preocuparse com o aumento da desigualdade social o desenvolvimen to eqüitativo está se tornando mais enfatizado pelos formuladores de políticas e estudiosos como uma solução potencial importante O desenvolvimento eqüi tativo é definido por Treuhaft 2016 em seu relatório Desenvolvimento Eqüi tativo O caminho para um AllIn Pittsburgh O desenvolvimento eqüitativo é uma estratégia positiva de desenvolvimento que garante que todos participem e se beneficiem da transformação econômica da região especialmente residentes de baixa renda comunidades de cor imigrantes e outros que correm o risco de serem deixados para trás Requer um foco intencional na eliminação das desi gualdades raciais e barreiras e em fazer investimentos responsáveis e catalisadores para assegurar que os residentes de menor renda 1 vivam em vizinhanças sau dáveis seguras e ricas em oportunidades que reflitam sua cultura e não sejam deslocadas deles 2 conectarse a oportunidades econômicas e de propriedade e 3 ter voz e influência nas decisões que moldam suas vizinhanças Em um relatório feito em conjunto pelo Instituto Hass e Centro de Inclu são Social Curren et al 2015 o desenvolvimento equitativo é definido a partir da perspectiva da qualidade de vida Os resultados de qualidade de vida como habitação a preços acessíveis educação de qualidade emprego assalariado am bientes saudáveis e transporte são equitativamente experimentados pelas pessoas que vivem e trabalham atualmente em um bairro bem como por novas pessoas que se mudam para lá Kennedy e Leonard 2001 definiram o desenvolvimento equitativo como a criação e manutenção de comunidades economicamente e socialmente diver sas que são estáveis a longo prazo por meio de meios que geram um mínimo de custos de transição que são injustamente impostos aos residentes de baixa renda Um conceito relacionado ao desenvolvimento equitativo é a inclusão so cial Segundo o Banco Mundial 2018 a inclusão social é o processo de me lhorar os termos em que indivíduos e grupos participam da sociedade melho rando a capacidade oportunidade e dignidade dos desfavorecidos com base em sua identidade No relatório Inclusão Social para os Estados Unidos escrito por 71 Boushey et al 2017 a inclusão social incorpora simultaneamente múltiplas dimensões de bemestar É alcançado quando todos têm a oportunidade e os re cursos necessários para participar plenamente das atividades econômicas sociais e culturais que são consideradas a norma da sociedade Além disso o Conselho Australiano de Inclusão Social 2012 indicou que estar incluído socialmente significa que as pessoas têm os recursos oportunidades e capacidades de que necessitam para Aprender participar na educação e forma ção Trabalhar participar de emprego trabalho não remunerado ou voluntário incluindo responsabilidades familiares e de cuidadores Envolverse conectarse com as pessoas usar os serviços locais e participar de atividades locais culturais cívicas e recreativas e ter voz influencie as decisões que os afetam Das várias definições de desenvolvimento equitativo e de inclusão social não é difícil reconhecer que ambos os conceitos enfatizam a importância de aju dar as populações vulneráveis a alcançar os recursos e oportunidades públicos iguais às suas contrapartes privilegiadas A noção de inclusão social parece ser mais ampla do que o desenvolvimento equitativo porque a inclusão social não se refere apenas às dimensões econômica e social da igualdade mas também aos aspectos culturais e políticos Por outro lado a noção de desenvolvimento equi tativo é uma estratégia que se concentra em políticas e esforços específicos que podem melhorar a igualdade no futuro enquanto a inclusão social pode ser con siderada como um alvo ou ideia que foi projetada para a sociedade alcançar 21 HABITAÇÃO HABITAÇÃO PÚBLICA E ESTOQUE Historicamente um caminho para a habitação a preços acessíveis para pes soas de baixa renda habitações públicas é frequentemente sob escrutínio Nos últimos anos os esforços para desmantelar a habitação pública estão em anda mento Esses esforços incluem a demolição com ou sem redesenvolvimento e a disposição o que significa que unidades habitacionais são vendidas ou con vertidas para outros usos Goetz 2013 Desde a década de 1980 a privatização surgiu como a principal tendência de transformação socioeconômica para muitos países enquanto a privatização da habitação pública é um dos principais aspectos desse processo Os proponentes da privatização da habitação pública priorizam os objetivos de melhorar a eficiência do mercado e liberar o ônus do governo No entanto de acordo com análise abrangente de Forrest Murie 2014 da priva tização da habitação pública na GrãBretanha A longa tendência da habitação social britânica para se tornar um setor de habitação de bemestar está relaciona da com evidências de crescente polarização social e segregação 72 Enquanto alguns consideram as políticas de habitação pública fora de moda remanescente do keynesianismo ou do Estado de bemestar social do New Deal o desenvolvimento de moradias públicas ainda pode ser útil para preser var a diversidade demográfica abordar o desenvolvimento equitativo e suprimir a polarização social No entanto o número de unidades habitacionais públicas ainda é insuficiente para ajudar todos ou a maioria dos moradores de baixa ren da Por exemplo a Autoridade de Habitação de Nova York NYCHA é a maior autoridade de habitação pública dos EUA Sua missão é aumentar as oportuni dades para os novaiorquinos de renda baixa e moderada oferecendo moradias seguras e acessíveis e facilitando o acesso a serviços sociais e comunitários O NYCHA fornece 326 conjuntos habitacionais públicos para mais de 400000 residências de baixa renda de Nova York e emite subsídio de assistência de aluguel para 235000 residentes No entanto esse número ainda está longe de cobrir toda a população total de Nova York na pobreza que é mais de 1600000 calculada a partir do censo de 2017 Ainda NYCHA está enfrentando críticas significati vas sobre a qualidade de suas unidades habitacionais Tanto o número limitado de unidades disponíveis como a qualidade pintura calor aparelhos segurança etc desta caixa são motivos de preocupação Além disso o desenvolvimento habitacional a preços acessíveis referese à habitação alugada ou vendida a preços abaixo do mercado e fornecida apenas para famílias de baixa renda Suas maiores fontes de recursos são o Crédito Fiscal de Habitação de Baixa Renda LIHTC que utiliza o crédito do imposto de renda federal No entanto como o orçamento do HUD não conseguiu acompanhar a taxa de crescimento da população pobre essa lacuna crescente deve ser preenchi da Organizações filantrópicas e sem fins lucrativos intervieram para mitigar essas limitações Mas os recursos necessários para fornecer moradia e oportunidades ade quadas para populações de baixa renda excedem em muito esses esforços adicionais A Confiança de Equidade na Parceria Habitacional Housing Partnership Equity Trust HPET é um esforço nãogovernamental para apoiar e comple mentar o desenvolvimento habitacional público Foi lançado como um fundo de investimento imobiliário social com um investimento de US 100 milhões do Citi Morgan Stanley e outros gigantes comerciais A HPET concorre di retamente com os compradores com fins lucrativos no mercado imobiliário e trabalha para reforçar o estoque de residências para famílias com renda baixa ou moderada FINANCIAMENTO HABITACIONAL Como sugerido por Freeman e Schuetz 2016 as políticas mais ampla mente utilizadas o zoneamento inclusivo local e as leis estaduais de compartilha 73 mento justo fair share produziram números relativamente pequenos de unida des acessíveis e portanto é improvável que mitiguem substancialmente os efeitos do aumento dos custos de habitação Políticas mais eficazes para desenvolver e preservar moradias populares particularmente em bairros de alta oportunidade exigirão maior financiamento público e privado e apoio político O Voucher da Escolha da Habitação Housing Choice Voucher HCV é a principal fonte federal para financiar a habitação acessível O HCV administrado localmente pode subsidiar famílias de baixa renda a alugar casas particulares no mercado Recentemente o HUD propôs alterar as regras do HCV para permitir que os beneficiários de vouchers acessem bairros de alta qualidade Freeman Schuetz 2016 De acordo com o estudo de Galvez 2010 apesar de seu resul tado geralmente positivo o HCV ainda parece menos eficaz do que o programa LIHTC em permitir que famílias de baixa renda acessem bairros suburbanos de baixa pobreza Um Land Trust é uma forma alternativa de proteger a acessibilidade do alojamento e a diversidade da comunidade a nível local Por exemplo a Dudley Street Neighborhood Initiative Iniciativa do Bairro Rua Dudley uma entidade organizadora e organizadora sem fins lucrativos de base comunitária estabelecida em Boston forneceu com sucesso mais de 226 unidades de moradia permanen temente acessíveis na comunidade usando seu modelo testado pelo tempo Neste modelo a entidade fiduciária sem fins lucrativos possui a terra e a aluga para pro prietários de edifícios Os compradores podem comprar unidades habitacionais a preços com desconto e seu patrimônio nas propriedades é limitado a seus paga mentos iniciais com subseqüentes ganhos de valor modestos Transações futuras de seu patrimônio são restritas a um preço acessível PLANEJAMENTO E CAPITAL PARA O DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL A insuficiência de moradias populares também pode ser atribuída à fra ca capacidade do governo local no planejamento regional Segundo o relatório de Belsky et al 2013 página 65 o governo poderia criar Comissões de De senvolvimento Urbano e ou fundos de planejamento regional para iniciativas participativas a fim de abordar a frágil capacidade de planejamento regional de governança e investimento espacial Alguns estados podem considerar a adoção de regras de planejamento fle xíveis para comunidades com baixas taxas de acessibilidade por exemplo o Mas sachusetts 40B Lei de Licenças Abrangentes Comprehensive Permit Act que permite aos desenvolvedores anular o zoneamento local em áreas onde menos 74 de 10 do estoque residencial é acessível Desde que foi promulgada em 1969 estudos mostram que 40B responderam por 60 de todas as novas unidades acessíveis no estado Heudorfer et al 2007 22 DESENVOLVIMENTO COMERCIAL O crescimento econômico poderia desempenhar um papel central na pro moção da inclusão e da equidade se aproveitado para o benefício da baixa ren da e de outras populações historicamente vulneráveis A expansão econômica poderia trazer emprego e renda para populações de baixa renda O crescimento econômico pode aumentar as bases tributárias e portanto mais financiamento público para apoiar bens e serviços públicos que são necessários para apoiar as po pulações de baixa renda Mas estes não são processos automáticos Como os re cursos alcançam populações de baixa renda depende da formulação de políticas vontade política e esforços deliberados para garantir que a expansão econômica traga benefícios maiores possíveis INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO FINANCIAMENTO DE INCREMENTO FISCAL Os incentivos ao desenvolvimento econômico continuam sendo uma parte essencial dos esforços locais e estatais de políticas de desenvolvimento econômico Como ferramenta mais utilizada para promover o desenvolvimento econômico o Financiamento de Incentivos Fiscais Tax Increment Financing TIF é adota do para financiar o desenvolvimento local como infraestrutura em um distrito especificamente designado e os fundos normalmente em forma de títulos serão pagos por impostos de propriedade em alguns casos impostos sobre vendas incrementos coletados a partir do aumento do valor das propriedades dentro do distrito Em outras palavras os governos locais usam o TIF para destinar a receita do imposto sobre a propriedade a partir de aumentos nos valores avaliados dentro de um distrito designado da TIF O TIF é amplamente utilizado para projetos de redesenvolvimento co munitário e portanto desempenha um papel importante no desenvolvimento urbano equitativo Especificamente a maioria dos estudos de avaliação sobre TIF chegam à conclusão de que existe associação positiva entre a adoção de TIFs e o subsequente crescimento nos valores de propriedades residenciais resultados mais mistos para outras propriedades apesar de pouco ter sido provado se o crescimento é suficiente para cobrir as despesas e fazer o autofinanciamento do TIF Mais importante ainda o TIF ajuda a equilibrar a disparidade geográfica do crescimento econômico melhorando a infraestrutura e estimulando a revitaliza ção da comunidade apenas em certas áreas economicamente arruinadas 75 FERRAMENTAS DE ESTABILIZAÇÃO COMERCIAL Como indicado em um relatório da PolicyLink 2002 as ferramentas de Estabilização Comercial ajudam as comunidades a melhorar a força econômica de seus distritos comerciais vizinhos para reter residentes e atrair capital para me lhor atender às necessidades dos moradores e resistir às pressões de gentrificação Os elementos comuns da Estabilização Comercial incluem assistência de negócios direcionada investimento de capital ruas e calçadas diretrizes de design atração de negócios melhoria de fachadas e desenvolvimento comercial controlado pela comunidade os quais poderiam ser usados juntos ou independentemente Todos esses esforços de Estabilização Comercial têm que ser projetados e conduzidos por vários grupos de atores e idealmente uma organização poderia ser responsável na coordenação do processo Especificamente os residentes ou seus representantes devem participar na elaboração implementação e avaliação de frases das ferramentas de Estabilização Comercial pois precisam identificar suas necessi dades e visão de desenvolvimento comercial e garantir que os objetivos de desen volvimento sejam alcançados da maneira correta que eles desejam O governo local também pode contribuir através de vários apoios financeiros e melhoria de infra estrutura Os comerciantes locais devem ser envolvidos como uma das principais apostas no distrito comercial da vizinhança e podem fornecer ajuda valiosa com sua profunda compreensão do mercado e das necessidades locais 23 EMPREGO Uma vez que certas indústrias mais antigas da economia deixaram cidades de grandes centros urbanos comunidades de cor e residentes de baixa renda que originalmente trabalharam nessas indústrias enfrentaram inúmeras barreiras Como as forças de mercado não conseguem fornecer aos grupos desfavorecidos o mesmo nível de acesso a empregos e renda as agências governamentais organi zações sem fins lucrativos e comunidades devem trabalhar juntas para reduzir ou eliminar as barreiras econômicas e sociais que impedem que os grupos desfavore cidos realizem seus potenciais Enquanto as pessoas diferem em suas capacidades nunca há uma desculpa para deixar as populações vulneráveis fora do mercado de trabalho É responsabilidade e missão do governo e das organizações sociais garantir a inclusão social e a equidade USO DO FUNDO FEDERAL E INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO LOCAL PARA CRIAR MAIS EMPREGOS Um dos maiores fundos federais usados para prestar assistência a famí lias de baixa renda na crise econômica é o Fundo de Emergência de Assistência 76 Temporária para Famílias Necessitadas Temporary Assistance for Needy Fami lies TANF EF De acordo com Pavetti e LowerBasch 2011 o Fundo de Emergência do TANF colocou mais de 260000 adultos e jovens de baixa renda em empregos remunerados durante o período de recessão quando o desemprego era alto Os fundos da TANF EF foram utilizados para criar oportunidades de emprego principalmente das seguintes formas criação de empregos temporários como assistência infantil expandir o emprego no setor privado incentivando e subsidiando pequenas empresas que têm dificuldade de contratar ou intensificar a recessão subsidiar o salário de candidatos a TANF prontos para o trabalho e alterar os incentivos do empregador para contratálos e etc Muitos governos locais também usam o Abatimento do Imposto de Pro priedade para atrair as empresas que prometem trazer oportunidades adicionais de emprego para as comunidades locais Dalehite Mikesell e Zorn 2005 usam a frase stand alone property tax abatement programs ou SAPTAPsfique em pé programas independentes de redução de impostos prediais para caracterizar programas que 1 permitem uma redução total ou parcial da responsabilidade tributária sobre a propriedade para e ou parcelas de varejo 2 impor um limite de tempo para a redução 3 ter um propósito declarado além do alívio de altos impostos sobre a propriedade e 4 não precisam ser usados em conjunto com outros programas de desenvolvimento econômico estaduais ou locais O objetivo declarado da maioria dos SAPTAPs é o aumento do emprego ou da renda gerada na jurisdição que os oferece Wassmer 2009 Ao incentivar novos investimentos a redução de impostos aumentará ou manterá o emprego básico na comunidade incentivará o redesenvolvimento de áreas deterioradas eou estimulará o investimento em áreas específicas de uma comunidade Portanto a redução de impostos é um dos principais incentivos disponíveis ao governo local para promover o desenvolvimento econômico ABORDAGENS DE EMPREGO E PROGRAMAS PARA AJUDAR PESSOAS DE BAIXA RENDA A SEREM EMPREGADAS Segundo o relatório Abordagens e Programas de Emprego Inovador para Famílias de Baixa Renda do Instituto Urbano Martinson e Holcomb 2007 os programas de emprego poderiam ser categorizados em quatro classes todas com forte desenho e serviço pelo menos em escala moderada de aplicação implemen tação constante e resultados positivos A primeira é a preparação para o emprego com foco no serviço que inclui intervenções direcionadas especiais como o serviço de saúde mental para ajudar as pessoas de baixa renda a superar certas barreiras a serem empregadas 77 A segunda é a experiência baseada no emprego que inclui o uso de fun dos públicos para subsidiar o pagamento de salários dos empregadores por um período específico de tempo treinamento de trabalho temporário corretagem e outros serviços de apoio que são fornecidos por agências temporárias A terceira e provavelmente a mais sustentável e eficaz é o desenvolvi mento de habilidades que poderia ter como alvo os beneficiários da TANF As sistência Temporária para Famílias Necessitadas e os trabalhadores com baixos salários Os programas baseados em indivíduos são frequentemente servidos para o propósito de educação geral e incluem especificamente mudanças de instrução e currículo para habilidades básicas e educação póssecundária e auxílio financei ro Os programas baseados no empregador como iniciativas setoriais ou baseadas na indústria são mais orientadas para o trabalho e enfatizam o aprender fazendo A quarta categoria de programas de emprego é a renda e o apoio ao traba lho Ela pretende ajudar as famílias trabalhadoras a manter o emprego para pagar as contas Por exemplo a assistência pósemprego poderia ajudar os trabalhadores a acessar os apoios financiados com recursos públicos como o crédito do imposto de renda As estratégias de construção de ativos incentivam os trabalhadores a acumular recursos financeiros e a investilos no desenvolvimento da carreira Além disso iniciativas inovadoras estão reconsiderando como estabelecer não apenas empregos mas também empregos com salários e benefícios e oportu nidades de progresso na carreira Por exemplo o Banco Federal de Empréstimo Imobiliário de São Francisco Federal Home Loan Bank de San Francisco criou o Fundo de Emprego de Qualidade Quality Jobs Fund QJF qualityjobsfund org que é um Fundo de Doações Recomendadas de US 100 milhões alojado na Fundação Novo Mundo New World Foundation em Nova York Esse es forço está investindo em organizações intermediárias para expandir o capital em pequenas empresas locais permitindolhes criar empregos de alta qualidade em indústrias em crescimento para populações de baixa renda 24 EMPREENDEDORISMO A equidade empresarial é a segunda maior fonte de riqueza familiar após o capital próprio O empreendedorismo poderia oferecer um veículo para a au tosuficiência econômica a mobilidade e o desenvolvimento do bairro Laney 2013 Porque o empreendedorismo pode criar oportunidades de emprego que geralmente são preenchidas localmente e ampliar a base tributária local o que poderia melhorar o serviço público local por sua vez Mais importante ainda o empreendedorismo tem um efeito de transbordamento significativo sobre as atividades comerciais e sociais locais e portanto poderia promover a segurança 78 econômica para o bairro No entanto o empreendedorismo não deve ser consi derado como a rota primária para famílias de baixa renda alcançarem o empo deramento econômico porque é inerentemente arriscado e os custos relevantes podem ser intoleráveis para os grupos de baixa renda Ainda existem algumas barreiras enfrentadas por trabalhadores autônomos em áreas de baixa renda como a pesquisa de Kugler et al 2017 mostra que pro porções relativamente altas de trabalhadores autônomos em áreas de baixa renda são pessoas de cor negros e hispânicos e não têm mais do que o ensino médio em relação a trabalhadores autônomos em outras áreas As empresas em áreas de baixa renda têm menos funcionários têm uma folha de pagamento média menor e são mais propensas a não ter funcionários remunerados em relação aos negócios em outras áreas e etc PROGRAMAS DE EMPREENDEDORISMO FEDERAL No início dos anos 90 o Departamento do Trabalho dos EUA Depart ment of Labor DOL financiou dois programas de demonstração de trabalho autônomo e ambos provaram ser eficazes Kugler et al 2017 O objetivo desses programas de demonstração era descobrir se era viável promover o reemprego de trabalhadores desempregados ou cidadãos de baixa renda por meio da criação de pequenos negócios Desde 1993 o congresso autorizou os estados a estabe lecer programas de assistência autônoma selfemployment assistance SEA de acordo com as condições locais De acordo com a pesquisa do Instituto Aspen 2008 havia centenas de programas de microempresas nos EUA e 60 deles são financiados pelo governo federal Entre os programas federais 37 são patrocina dos pela Small Business Administration SBA GOVERNOS LOCAIS USO DE FUNDOS DE EMPRÉSTIMOS ROTATIVOS E PROGRAMAS DE TREINAMENTO PARA MELHORAR O EMPREENDEDORISMO LOCAL Um Fundo de Empréstimo Rotativo Revolving Loan Fund RLF é um conjunto de fundos do setor público e privado que emitem empréstimos de baixo custo e reciclam dinheiro à medida que os empréstimos são pagos O RLF oferece empréstimos a taxas inferiores às do mercado para ajudar pequenas empresas lo cais que tenham dificuldade em obter recursos financeiros de bancos tradicionais Os RLFs possuem fontes de várias agências e fundações federais Por exemplo em 2010 existem 146 fundos de Instituições Financeiras de Desenvolvimento Comunitário e seu valor total é de US 55 bilhões Como sugerido pelo De partamento de Agricultura 1996 os RLF são atraentes porque em princípio eles 79 são autorenováveis tornam o crédito mais disponível são uma maneira barata de fornecer assistência de crédito emprestar a tomadores de alto risco usar efetivamente seus recursos limitados e proporcionam benefícios às comunidades locais que excedem o custo da assistência Em contraste com os programas de treinamento profissional os Programas de Treinamento Profissional financiados por governos estaduais ou locais são projetados para subsidiar os custos de treinamento dos negócios locais A maio ria dos programas de treinamento personalizados financiados pelo Estado tem como gruposalvo de trabalhadores que são empregados por uma empresa em particular eles atendem a uma gama mais ampla de trainees estagiários que são menos desfavorecidos em comparação com os estagiários de programas federais de treinamento Isso significa que os programas estaduais de treinamento são vis tos mais como uma ferramenta para o desenvolvimento econômico do que como um investimento em capital humano FACULDADE COMUNITÁRIA COMMUNITY COLLEGE PODERIA DESEMPENHAR UM PAPEL IMPORTANTE Como indicado por McKay et al 2014 existem mais de 1200 faculdades comunitárias nos Estados Unidos que oferecem cursos de educação e treinamen to para empreendedores atuais e futuros As faculdades comunitárias são mais adequadas para a implementação de iniciativas de empreendedorismo de baixa renda do que a maioria das universidades de quatro anos e outras instituições de ensino porque 1 as faculdades comunitárias são mais acessíveis e equipadas para oferecer educação profissional e treinamento de habilidades aos estudantes de baixa renda 2 as faculdades comunitárias podem personalizar programas espe cíficos de acordo com as condições sociais e econômicas locais e as necessidades locais 3 as faculdades comunitárias têm conexões melhores e mais amplas com empresas locais bemsucedidas e governos locais o que potencialmente poderia ser favorável para potenciais empreendedores Por exemplo a Associação Nacional de Empreendedorismo de Colégio Comunitário National Association for Community College Entrepreneurship NACCE é uma organização membro de mais de 300 faculdades comunitárias que representam quase 2000 funcionários Presidentes educadores administra dores e diretores de centro estão focados em estimular o empreendedorismo em sua comunidade e em seu campus Os objetivos estratégicos do NACCE in cluem liderança de pensamento que é ampliar e influenciar o comprometimento das faculdadescomunitárias com uma abordagem empreendedora na operação fornecer informações e plataforma para promover o compartilhamento de co nhecimento e rastreamento de resultados para as faculdades comunitárias e re 80 conhecer e celebrar as melhores práticas Podese ver que mais e mais faculdades comunitárias estão cientes de sua capacidade e responsabilidade de fomentar o empreendedorismo local e aderir ao NACCE é apenas uma das várias estratégias e esforços que estão empreendendo 3 CASOS EXEMPLOS DE ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR AS OPORTUNIDADES PARA POPULAÇÕES DE MENOR RENDA Caso 1 Bay Area of California Estado e Desafios do Desenvolvimento Equitativo na Área da Baía 1 Diversificando a composição racial Figura 1 Composição racial étnica São FranciscoOaklandFremont CA Metro Area Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 A tendência de desenvolvimento da composição racial na área da baía é consistente com a tendência nacional dos EUA em que se espera que as pessoas de cor se tornem a maioria da população em torno de 2044 Com a crescente proporção de asiáticos e latinos em 2050 esperase que a população da área da baía seja quase igualmente dominada por latinos asiáticos e brancos portanto o bemestar social e econômico das pessoas de cor é ainda mais crítico para lidar com questões de crescimento equitativo e prosperidade geral 81 2 Aumentar a desigualdade de renda e ampliar o hiato de renda racial Figura 2 Desigualdade de renda índice de Gini São FranciscoOaklandFremont CA Metro Area Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 O Índice de Gini14 para a Área Metropolitana de San Francisco tem au mentado desde 1980 apesar de o Índice de Gini da Área da Baía ter sido mantido no mesmo nível da desigualdade de renda nacional Figura 3 Participação de trabalhadores que ganham pelo menos US 15 hora por raça etnia São FranciscoOaklandFremont CA Metro Area Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Pode ser visto na Figura 2 acima que a menor diferença de renda entre dife rentes grupos raciais está aumentando Em 1980 89 dos trabalhadores brancos podiam ganhar pelo menos US 15 por hora e era 79 por trabalhador de cor enquanto em 2015 o número foi aumentado para 91 para trabalhadores bran cos enquanto a proporção de trabalhadores de cor diminuiu para 76 14 NT O Índice de Gini que pode ser conhecido como Coeficiente de Gini é um instrumento matemático utilizado para medir a desigualdade social de um determinado de uma região país unidade federativa ou município 82 3 Nível médio de encargos de habitação mas sério proprietário de casa racial Figura 4 Carga habitacional por posse classificado San FranciscoOaklandFremont Área metropolitana do CA 2015 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Figura 5 Porcentagem de domicílios ocupados pelo proprietário por raça etnia San FranciscoOaklandFremont Área metropolitana do CA 2015 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Embora o nível de carga domiciliar da Área da Baía seja mais ou menos clas sificado na posição intermediária do espectro em comparação com outras regiões americanas o desequilíbrio racial significativo na propriedade imobiliária na Área da Baía nunca deve ser ignorado A habitação é o maior gasto individual para a maioria das famílias especialmente para aqueles de baixa renda ou pessoas de cor portanto o desequilíbrio na propriedade de casas pode asseverar a desigualdade através da redução dos recursos e despesas dos grupos desfavorecidos de pessoas 83 ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO EQUITATIVO HABITAÇÃO ACESSÍVEL COMO A PRIORIDADE MÁXIMA A cidade de São Francisco tornou a acessibilidade de moradias uma das principais prioridades A atenção à acessibilidade da habitação é aparente na es trutura das agências habitacionais da cidade O Gabinete de Habitação do Prefei to e o Escritório de Desenvolvimento Comunitário do Prefeito são responsáveis pela administração dos fundos de habitação e do Subsídio de Desenvolvimento Comunitário Community Development Block Grants CDBG nos bairros incluindo fundos comunitários de reabilitação de moradias respectivamente Outros departamentos oficiais relevantes à habitação incluem o Departamento de Planejamento o Conselho de Estabilização de Aluguel a autoridade habitacional de São Francisco e a agência de redesenvolvimento de São Francisco A cidade também fez inovações significativas em programas e iniciativas habitacionais de baixo custo como o Programa Melhores Bairros que inclui a identificação de locais adequados para o desenvolvimento de moradias Política Habitacional In clusiva que exige um mínimo de 10 de moradias populares em novos projetos de desenvolvimento habitacional Além disso para os projetos de planejamento de São Francisco 6 de 18 residências e bairros são relevantes Devido às pressões da redução do apoio financeiro federal para a demanda crescente de moradias populares para o desenvolvimento habitacional de taxa de mercado em São Francisco organizações nãogovernamentais como corpo rações estabelecidas pela comunidade fundações e outras organizações sem fins lucrativos desempenham papéis mais importantes o inevitável desenvolvimento equitativo O HUD iniciou um programa denominado Demonstração de As sistência ao Locatário Rental Assistance Demonstration RAD em 2012 para permitir que as cidades transferissem voluntariamente suas moradias públicas para operadores privados São Francisco transferiu 100 de sua habitação pú blica em uma forma de privatização com características San Franciscanas que proíbe empreendimentos prólucro possuírem totalmente as habitações públicas mas exigiam que os novos proprietários de habitação pública fossem pelo menos parcialmente sem fins lucrativos Portanto as corporações de desenvolvimento de moradias com fins lucrativos e entidades sem fins lucrativos como agências de desenvolvimento econômico e fundações moldaram o desenvolvimento eqüi tativo da habitação acessível e da diversidade da comunidade de São Francisco Por exemplo a Corporação de Desenvolvimento Habitacional de São Francisco the San Francisco Housing Development Corporation SFHDC formada em 1988 por residentes de San Francisco que estavam interessados em combater o desalojamento generalizado dos anos 60 e 70 já desenvolveu 400 casas acessíveis e 755 em desenvolvimento atualmente Além de seu principal negócio no desenvolvimento de moradias populares o SFHDC também está 84 envolvido em capacitação financeira serviços de apoio à comunidade e desenvol vimento local Para a corporação de desenvolvimento nos bairros por exemplo a Tenderloin Neighborhood Development Corporation TNDC Corporação de Desenvolvimento de Bairro de Tenderloin é a vanguarda de São Francisco na promoção de oportunidades e recursos equitativos A TNDC oferece residências e serviços a preços acessíveis para mais de 4100 moradores de baixa renda em seis bairros da região da baía Para resolver o dilema entre desenvolvimento eco nômico de vizinhança e capital residencial a TNDC estabeleceu uma abordagem simse para novos projetos de desenvolvimento novos projetos são bemvindos se puderem reduzir os efeitos negativos sobre os moradores do bairro e garantir que os moradores compartilhem os benefícios das mudanças do bairro Além dos desenvolvedores de moradias populares com fins lucrativos ou sem fins lucrativos várias fundações também participaram ativamente do proces so de desenvolvimento investindo em desenvolvedores ou empresas de investi mento envolvidas no negócio de moradias populares Por exemplo a Fundação São Francisco que é uma das maiores fundações comunitárias em termos de do ações e ativos está investindo milhões de dólares em moradias populares na área da baía A Fundação recentemente fez um Investimento Relacionado ao Progra ma PRI de US 1 milhão na Corporação de Apoio a Iniciativas Locais LISC que recebe financiamento de bancos corporações e agências governamentais e investe para fornecer financiamento empréstimos subvenções e capital próprio e assistência técnica e administrativa a parceiros locais e desenvolvedores Caso 2 Londres Inglaterra Estado e Desafios do Desenvolvimento Equitativo em Londres 1 Diversificação mas ainda composição racial dominada por brancos 85 Figura 6 Composição racial étnica Londres Inglaterra Fonte de dados Censo do Reino Unido 1991 2001 2011 A composição racial de Londres é menos diversificada do que as cidades americanas Apesar da mesma tendência de diminuir gradualmente a proporção de brancos a população de Londres ainda é dominada pelo grupo branco No entanto a porcentagem crescente de grupos asiáticos e brancos ainda pode trazer desafios consideráveis para o desenvolvimento equitativo étnico em Londres 2 Aumentar continuamente a desigualdade de renda com uma dimen são racial 2001 2007 2012 Figura 7 Distribuição de renda das alas Londres Inglaterra Fonte de dados London DataStore Na figura 7 acima o eixo horizontal é o intervalo de renda e o eixo verti cal é o número de alas em Londres no nível de renda média Podese ver que a distribuição de renda em diferentes alas em Londres está crescendo e se tornou mais distorcida o que significa que mais alas em Londres estão em intervalos de renda relativamente baixa Além do desequilíbrio seccional geográfico ou admi nistrativo na renda as minorias em Londres também estão atrasadas em termos de crescimento da renda De acordo com o relatório do think tank Resolution Foundation15 as minorias étnicas no Reino Unido sempre estiveram num estado de pior padrão de vida do que suas contrapartes brancas 3 Residência racial desequilibrada mas aluguel social relativamente efetivo De acordo com o relatório do Censo do Reino Unido sobre Tendências na Habitação 2013 a proporção na ocupação dos proprietários de brancos dimi nuiu entre 1991 e 2011 de 593 para 545 mas no mesmo período a ocupa ção dos proprietários caiu em mais significativamente 581 em 1991 para 495 por cento em 2011 Com o aumento do número de lares negros o aluguel privado 15 A Resolution Foundation é um think tank britânico independente estabelecido em 2005 Seu objetivo declarado é melhorar o padrão de vida das famílias de baixa e média renda httpswwwresolutionfoundationorg 86 aumentou mais de 400 de 1991 para 2011 mas com um crescimento relativa mente menor na taxa de compra de imóveis A taxa de aquisição de casa para a etnia negra ainda é significativamente menor do que suas contrapartes brancas ou asiá ticas No entanto como pode ser visto na tabela a seguir os programas de aluguel social em Londres são relativamente bemsucedidos e ajudaram a fornecer moradia para os grupos vulneráveis como deficientes ou desempregados em Londres Tabela 1 Atividade Econômica por Posse Londres 2011 Fonte Relatório do Censo do Reino Unido Trends in Housing Tenure 2013 HABITAÇÃO A PREÇOS ACESSÍVEIS A cidade de Londres está tentando incorporar mais voz dos cidadãos no desenvolvimento de sua estratégia geral de moradia A abrangente Estratégia de Habitação de Londres é elaborada pelo gabinete do prefeito e em seguida pu blicada como um esboço para consulta pública em 2017 A visão e prioridades principais incluem os seguintes pontos construção de mais casas para os lon drinos entrega de casas genuinamente acessíveis casas de alta qualidade e bair ros inclusivos um acordo mais justo para locatários e arrendatários privados e combater a falta de moradia e ajudar os que dormem mal Especificamente para oferecer moradias acessíveis os principais estão comprometidos com uma meta estratégica de longo prazo para metade dos empreendimentos habitacio nais ser acessível principalmente através da institucionalização do sistema de planejamento para garantir a proporção de moradias populares tipicamente 35 em cada zona habitacional Novos projetos de desenvolvimento e inves 87 timento de 315 bilhões para apoiar 90000 entradas a preços acessíveis em 2021 Como uma das peçaschave da London Housing Strategy Estratégia Ha bitacional de Londres o Affordable Homes Program201621 Programa de casas acessíveis 201621 é composto por três produtos principais o London Affordable Rent Alugueis Acessíveis de Londres aloca casas alugadas de baixo custo a residentes de baixa renda o London Living Rent Bolsa Sustento de Lon dres ajuda os londrinos com rendimentos médios a economizar Um depósito para comprar sua primeira casa e a London Shared Ownership Propriedade Compartilhada de Londres entrega a propriedade da casa para aqueles que não podem comprar casas usando o modelo de propriedade compartilhada Outras organizações também investirão em novas casas acessíveis Os subsídios serão fornecidos pelos conselhos e associações habitacionais por meio de recibos de direito à compra pagamentos em dinheiro de desenvolvedores e subsídio cru zado de vendas Os promotores de habitação privada também são encorajados a adotar o modelo Build to Rent construir para alugar em vez do principal modelo Buy to Let Comprar para Deixar no mercado para constituir mais oferta de habitação Entre as organizações sem fins lucrativos associações habitacionais independen tes e beneficentes e conselhos locais são as principais entidades que oferecem moradias populares para pessoas de baixa renda Como o grupo das 15 maiores associações habitacionais de Londres o G15 defende economicamente o inves timento em moradias populares e avalia o impacto das políticas de habitação e bemestar do governo De acordo com um estudo recente do G15 as associações habitacionais responderam às condições econômicas recentes e ao novo clima de financiamento por serem mais inovadoras na forma como financiam novas moradias a preços acessíveis No entanto o investimento do governo ainda é fundamental e sustenta a entrega de casas a preços acessíveis O G320 que é o grupo de 320 associações habitacionais menores também poderia ajudar no desenvolvimento e gerenciamento ou até mesmo assumir a propriedade de pequenos projetos de desenvolvimento No nível da comunidade o prefeito de Londres está apoiando o novo Centro de Habitação de Londres liderado pela comunidade para fornecer orientação sobre moradia orientação rede e apoio prático para a comunidade Caso 3 New York City Estado e desafios do desenvolvimento equitativo na cidade de Nova York 88 1 diversificação intensiva da composição racial Figura 8 Composição racial étnica New York City NY Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 A tendência de desenvolvimento da composição racial na cidade de Nova York também é consistente com a tendência nacional apesar de a porcentagem de população branca diminuir mais lentamente em comparação com a área da baía No entanto latinos negros e asiáticos como os principais grupos minori tários ainda contribuem para mais de 60 da população total de Nova York em 2015 Devido à diversidade racial e inclusão de NYC o desenvolvimento equi tativo em termos de equidade racial está se tornando um desafio cada vez mais difícil para a cidade 2 Aumentando drasticamente a desigualdade de renda e aumentando a diferença de renda racial 89 Figura 9 Desigualdade de renda índice de Gini New York City NY Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Figura 10 Participação de trabalhadores que ganham pelo menos US 15hora por raçaetnia Nova York NY Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Comparado com a área da baía a situação em Nova York é ainda pior Ín dice de Gini de NYC foi significativamente maior do que o nível médio nacional e ainda está aumentando A diferença entre as ações16 dos Brancos e das Pessoas de Cor ganhando pelo menos 15hora aumentou de 7 em 1980 para 16 em 2015 o que significa que em Nova York a proporção de pessoas negras que não podem arcar com as necessidades básicas da família aumentou significativamente enquanto para pessoas brancas esta proporção permanece relativamente estável 3 Alto nível de sobrecarga habitacional com uma propriedade extre mamente desigual Figura 11 Carga habitacional por posse classificado New York City NY 16 Ações no sentido de ganhos financeiros 90 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Figura 12 Porcentagem de lares ocupados pelo proprietário por raça etnia New York City NY 2015 Fonte de dados National Equity Atlas wwwnationalequityatlasorg 2016 Do ponto de vista da sobrecarga imobiliária e da aquisição de imóveis a cidade de Nova York também é mais desigual em comparação com a área da baía portanto os esforços de desenvolvimento equitativo são mais urgentemente necessários em Nova York Além da alta carga imobiliária e das baixas taxas de aquisição de imóveis em Nova York a casa própria em Nova York é extremamen te desigual de modo que apenas 155 dos latinos em média são proprietários de domicílios enquanto a proporção de suas contrapartes de brancos e asiáticos é tão alta quanto 418 e 398 relativamente em 2015 GOVERNO DOMINOU A HABITAÇÃO ACESSÍVEL A cidade de Nova York estabeleceu um plano abrangente de habitação de 10 anos chamado Housing New York Nova York Habitações e destinou US 82 bilhões para subsidiar moradias populares O plano Nova York Habitações inclui vários programas que abrangem todo o espectro de acessibilidade de mo radias desde a promoção de bairros diversificados e habitáveis preservando a qualidade econômica de moradias existentes até a construção de novas moradias acessíveis e a promoção de residências para idosos semteto e de apoio Em pri meiro lugar a equidade é enfatizada como um dos principais princípios para o planejamento da cidade de Nova York Como afirmam os princípios de plane jamento municipal a cidade usa políticas e ferramentas de zoneamento para melhorar o acesso de todos os novaiorquinos a moradias populares alimentos saudáveis e frescos qualidade em espaços abertos e outros serviços essenciais da vizinhança O Conselho da Cidade de Nova York modificou o Zoneamento para o texto de qualidade e acessibilidade em 2016 para atualizar as regras de 91 zoneamento desatualizadas para ser adequado para design residencial moderno e construção de habitação a preços acessíveis Além dos programas existentes de IH Voluntário de NYC Inclusionary Housing Habitação Inclusiva do R10 adotado em 1987 e do IHDA ado tado em 2005 os programas de Habitação Inclusiva Obrigatória Mandatory Inclusionary Housing MIH foram lançados em 2016 para tornar a moradia acessível obrigatória e foi considerada política mais forte e flexível do país O MIH combina subsídios da cidade e investimentos nos bairros e a Comissão de Planejamento da Cidade de Nova York e a Prefeitura determinam a porcentagem de reservas de habitação a preços acessíveis baseandose nos níveis de renda da área quando a nova capacidade habitacional é aprovada Além do papel dominante desempenhado pelo governo da cidade há tam bém muitas organizações sem fins lucrativos ou associações ajudando a construir habitações acessíveis e desempenhando funções suplementares como resumir fatos coletar informações e realizar campanhas para promover habitação e de senvolvimento econômico equitativo em nível de distrito ou bairro O Comitê da Quinta Avenida Fifth Avenue Committee FAC uma organização comu nitária sem fins lucrativos que trabalha na construção de moradias populares e no treinamento de moradores para ter negócios cooperativos nos bairros iniciou uma campanha junto a outras organizações da cidade de Nova York para incen tivar os proprietários a não deslocar inquilinos e exigirem o desenvolvimento de moradias a preços acessíveis incluído no desenvolvimento habitacional de taxa de mercado A Associação para o Desenvolvimento de Vizinhança e Moradia ANHD Association for Neighborhood and Housing Development é a orga nização guardachuva de 100 grupos de habitação econômica e desenvolvimento econômico sem fins lucrativos atendendo a residentes com renda baixa e mode rada em todos os cinco distritos de Nova York A ANHD lançou a Equitable Economic Development Initiative Iniciativa de Desenvolvimento Econômico Equitativo examinando todos os bairros de Nova York em busca de sua opinião sobre as oportunidades econômicas ameaçadas A ANHD também iniciou uma campanha para enfatizar os tipos de empregos criados pelo desenvolvimento eco nômico para garantir que empregos decentes sejam criados para aqueles que são deixados de fora SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES EM ESTRATÉGIAS PARA ESTRATÉGIAS HABITACIONAIS ACESSÍVEIS Em primeiro lugar todas estas três cidades enfatizam a importância da acessibilidade da habitação A promoção da diversidade de áreas residenciais ou 92 habitações inclusivas é também uma das principais perspectivas dos esforços das cidades para melhorar a habitação a preços acessíveis Além disso os governos das três cidades usaram abordagens semelhantes para lidar com moradias populares Do lado da oferta enquanto a confiança das três cidades nas soluções de mercado aumentou e a habitação mais acessível é for necida pelo setor privado a habitação acessível é produzida principalmente pelo sistema de ordenamento do território que requer uma percentagem mínima de habitação a preços acessíveis quando a capacidade de desenvolvimento da taxa de mercado é aprovada Isso poderia ser chamado de soluções baseadas em projetos no lado da oferta Do lado da demanda os aluguéis ou vouchers subsidiados são a principal forma de apoio habitacional a preços acessíveis pelo governo ou a abordagem baseada em inquilinos Para Londres e Nova York uma grande porcentagem dos recursos da ci dade foi usada para ajudar as famílias de renda mediana a maioria das quais estão dentro da força de trabalho convencional Marom e Carmon 2015 Lon dres publicou várias estratégias sobre desenvolvimento social e econômico e os cidadãos parecem estar mais envolvidos nesse processo de elaboração de estra tégias Além disso Londres também superou suas cidades parceiras em termos de compartilhamento de informações e utilização de tecnologia da informação Londres não só publicou seus relatórios de política do governo bem organizados e informações relevantes para os inquilinos online mas também planeja criar um portal de propriedade online chamado Casas para os londrinos Homes for Londoners para fornecer recursos de arrendamento em Londres Embora entidades sem fins lucrativos sejam um dos fatoreschave que mol dam a moradia acessível para todas as três cidades elas são mais influentes na área da baía porque todas as moradias públicas privatizadas são hospedadas por enti dades sem fins lucrativos em alguma extensão As corporações de desenvolvimen to de bairro sem fins lucrativos da Bay Area também estão ativamente engajadas no desenvolvimento e arrendamento de moradias acessíveis CONCLUSÕES Embora numerosas políticas tenham sido instituídas e várias organizações estejam discutindo e desenvolvendo estratégias para maior acessibilidade muitas questões permanecem Como essas grandes cidades continuam a atrair capital empreendimentos residenciais e comerciais e residentes de renda mais alta elas são desafiadas a equilibrar o crescimento econômico com políticas para incenti var maior acessibilidade Esforços genuínos para expandir o acesso às moradias populares teriam que intencional e substancialmente promover alguma forma de 93 crescimento equitativo Dado o papel significativo da raça na limitação do acesso a opções de moradia de qualidade o caminho para o crescimento equitativo de veria incluir uma ênfase na equidade racial Além disso a equidade para comunidades de renda historicamente baixa e vulneráveis transcende a acessibilidade da moradia O acesso a empregos de qualidade educação transporte assistência médica ar limpo e outros fatores são condições importantes para as populações vulneráveis Portanto a amplitu de das estratégias públicas e nãogovernamentais necessárias para promover um crescimento equitativo supera de longe qualquer iniciativa já implementada Os formuladores de políticas em todos os níveis devem considerar seriamente como organizar e garantir um capital maior para permitir abordagens mais abrangentes para garantir a equidade em todos os contextos Isso é especialmente verdadeiro em áreas onde a falta de acessibilidade atingiu níveis de crise como na Bay Area em Londres e na cidade de Nova York A magnitude do desafio requer uma polí tica mais substancial e melhor financiada Além disso as circunstâncias acabam por transcender o setor público Polí tica deve liderar o caminho No entanto recursos entre setores são necessários Os governos locais e organizações sem fins lucrativos com base na comunidade pode realizar somente tanto Desenvolvedores privados devem aumentar seu compro misso com a acessibilidade Instituições âncoras que perduram em comunidades tais como instituições de ensino superior instituições de saúde organizações filan trópicas várias corporações privadas comprometidas localmente e outras devem preencher alguns dos vazios criados pela desigualdade Estratégias intencionais para aproveitar coletivamente os recursos dessas diversas entidades ajudariam a gerar um pensamento inovador sobre equidade Essas instituições têm interesse no futuro de suas localidades e regiões já que suas perspectivas são interdependentes com o ambiente ao redor As instituições não podem funcionar efetivamente se os funcio nários não puderem viver razoavelmente próximos por exemplo Embora a liderança e a responsabilidade institucionais sejam importantes também é crucial lembrar que as populações mais afetadas pela desigualdade trazem grande sabedoria para nossa compreensão do efeito e das soluções para a desigualdade persistente É crucial incluir as vozes das populações historicamen te marginalizadas na concepção e implementação de estratégias equitativas As experiências vividas de populações de baixa renda e comunidades de cor devem desempenhar um papel essencial na pavimentação dos caminhos equitativos do futuro REFERÊNCIAS BEAUREGARD RA 1986 The chaos and complexity of gentrification The gentrification of 94 the city pp35550 BEAUREGARD RA 1990 Trajectories of neighborhood change the case of gentrifica tion Environment and planning A 227 pp855874 BELSKY ES DuBroff N McCue D Harris C McCartney S and Molinsky J 2013 Advancing inclusive and sustainable urban development Correcting planning failures and connecting communities to capital Joint 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Economics 411 pp128 97 O MUSEU DAS REMOÇÕES DA VILA AUTÓDROMO LUTA POLÍTICO AFETIVA PELA RECONSTRUÇÃO DA VIDA DOS GRUPOS ATINGIDOS PELAS REMOÇÕES OLÍMPICAS DO RIO DE JANEIRO Diana Bogado17 Daniela Petti18 O presente artigo tem como proposta apresentar o Museu das Remoções da Vila Autódromo como parte da luta pelo direito à cidade e à vida articulada pelo movimento social urbano do Rio de Janeiro às vésperas dos megaeventos esportivos Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 O Museu das Remoções é um museu social construído coletivamente pela comunidade Vila Autódromo a partir da realização do projeto de extensão do curso de Arquitetura e Urbanismo da universidade Anhanguera O objetivo deste museu ao ser criado é apoiar a resistência à remoção integral da Vila Autódromo e denunciar as consequências políticas sociais subjetivas e simbólicas da mercan tilização do território do Rio de Janeiro Neste contexto o referido museu apresentase como parte da luta afetiva e criativa que busca a regenaração da vida dos indivíduos atingidos pela remoção quase integral da Vila Autódromo levada a cabo pela prefeitura municipal do Rio de Janeiro de 2014 a 2016 A resistência que deu origem a este museu social pretende realizar a denúncia global da referida política remocionista a reestru turação da vida dos moradores atingidos pelas remoções assim como apoiar as comunidades que lutam pelo direito à moradia em diferentes partes do mundo19 17 Diana Bogado é ativista arquiteta e urbanista Doutora pela na Universidade de Sevilha com a tese intitulada Museu das Remoções da Vila Autódromo Potência de resistência criativa e afetiva como resposta socicultural ao Rio de Janeiro dos megaeventos e pesquisadora pósdoutoral vinculada ao Departamento de Museologia Social da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa e ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra coordenou como professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Anhanguera Niterói o projeto de extensão universitária que deu origem ao Museu das Remoções 18 Daniela Petti é antropóloga Doutoranda em Antropologia Social PPGASUFRJ Mestre em Sociologia e An tropologia PPGSAUFRJ Graduada em Ciências Sociais pela Fundação Getulio Vargas CPDOCFGVRio e ativista pelo direito à habitação 19 Este artigo possui fragmentos e ideias já apresentadas na tese de doutorado de Diana Bogado complementadas 98 INTRODUÇÃO A preparação do Rio de Janeiro neoliberal20se intensifica na realização dos megaeventos esportivos Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 sendo responsável por uma alteração socioterritorial significativa na cidade O período contextualizase com o momento histórico de implantação do empreendedoris mo urbano em diversas metrópoles do mundo Harvey 2005 2011 Tratase de uma nova forma de gestão que assume as características do mercado global na era das finanças Arantes 2000 das quais destacamse a rapidez das negociações e a soberania dos interesses privados no redesenho do espaço urbano Aguilera e Naredo 2009 O empreendedorismo urbano é o fenômeno que caracteriza a influência das ideias neoliberais na política urbana Harvey 1996 Harvey identificou o momento de passagem do administrativismo para o empreendedorismo urbano ao analisar as mudanças que estavam ocorrendo nas cidades americanas na déca da de 1970 tanto nos seus ambientes como nas referidas gestões institucionais Estas mudanças permanecem até os dias atuais tendo chegado nas metrópoles dos países periféricos na década 1990 como ocorreu com o Rio de Janeiro21 O empreendedorismo urbano sugere que a gestão da cidade se estabeleça nos mol des de uma gestão empresarial o que altera significativamente a condução da política urbana que passa a submeter a reconfiguração territorial aos processos de valorização do capital de forma altamente veloz A base do empreendedoris mo é a formação de alianças políticas e de classe o que significa que este modelo ultrapassa processos meramente administrativos da gestão Harvey 1996 p 52 A preparação da cidade neoliberal não foge às regras reproduzidas pelo sis tema coloca os interesses empresariais à frente dos interesses coletivos o projeto que emerge com a implantação da estrutura neoliberal carrega consigo a reto mada do poder pelas classes dominantes Harvey 2005 Guy Debord 1969 descreve o fenômeno como espetacularização urbana Lefebvre 1973 comple menta que esta transformação socioterritorial consiste na sobreposição do espa com reflexões trazidas pela antropóloga Daniela Petti As autoras apresentam reflexões de três anos de militância conjunta pelo direito à habitação no Rio de Janeiro tendo vivenciado juntas a imersão na Vila Autódromo durante as olimpíadas hospedadas na casa da Dona Maria Penha trabalham como cogestoras do Museu das Remoções junto aos demais apoiadores e moradores da Vila Autódromo desde a sua criação 20 O neoliberalismo surge no direcionamento do pensamento políticoeconômico entre as décadas de 19701980 Harvey 2005 21 A neoliberalização de cidades se coloca em curso no Brasil com a implementação do planejamento estratégico no Rio de Janeiro pelo exprefeito César Maia 19931996 O Planejamento estratégico adotado no primeiro mandato do exprefeito Cesar Maia também foi modelo a ser seguido nas Olimpíadas Rio 2016 na ocasião o exprefeito Eduardo Paes assinou um acordo de cooperação entre Rio de Janeiro e Barcelona cuja intenção era basearse no modelo implantado na Barcelonaolímpica para reafirmar a orientação do Rio de Janeiro para o turismo e para o consumo Consentino 2015 O que de fato ocorreu 99 ço concebido sobre o espaço vivido Esta perspectiva entiende que el espacio es producido respondiendo a las reglas imperantes de acumulación capitalista adecuándose a las reglas del mercado En la etapa neoliberal se hace aún más recalcitrante la condición de mercancía del espacio Lefevbre 1973 Harvey 1985 Franquesa 2007 apud Makhlouf 2016 A concepção mercadológica de gestão urbanística converte o território em um ativo financeiro e desconsidera as políticas de inclusão social Harvey 2016 Rolnik 2016 O resultado é a violação do direito à cidade o qual inclui diversos direitos como o de moradia e o de informação Rolnik 2016 Santos 2013 Nesse contexto Harvey complementa que os megaeventos emergem como o cerne da cidade transformada em ativo financeiro marcada com códigos de barras e exposta nas gôndolas dos mercados mundiais Harvey 201622 No caso do Rio de Janeiro às vésperas das Olimpíadas Rio 2016 a Prefei tura removeu arbitrariamente inúmeras favelas com a finalidade de desencadear processos de valorização imobiliária em diversas partes da cidade Segundo da dos 22059 famílias23 foram removidas nos anos que antecederam o megaevento Territórios antes ocupados por populações de baixa renda tornaramse espaços modelos produtos de um urbanismo burocrático Jacobs 2013 ou mercadó filo Mascarenhas 2016 O objetivo desse texto é descrever e refletir sobre o caso de remoção da favela Vila Autódromo situada na Zona Oeste da cidade brasileira do Rio de Janeiro uma favela que foi quase integralmente removida na qual vinte famí lias conseguiram resistir e permanecer morando no local Trazemos para debate como a remoção de favelas inserese nos dias atuais como uma estratégia dentre outras intenções institucionais para controle das populações marginais assim como para a regulação de condutas destes indivíduos ao ponto de fazer parte das tecnologias de governo para a gestão da vida em territórios urbanos A partir da descrição do cenário de remoção narramos também a emergência do Museu das Remoções24 museu comunitário como ferramenta da resistência popular e forma de reabitar a vida em meio à devastação A metodologia utilizada se desdobra na realização de observação direta e participante Becker 1993 tanto do cotidiano dos moradores durante o proces 22 Anotações da autora da aula proferida pelo professor David Harvey na Praça da Cinelândia Rio de Janeiro em Setembro de 2016 23 Disponível em httpolimpiadasuolcombrnoticiasredacao20160721olegadodasremocoesnoriovio lenciadividasepovonamaodemiliciashtm Acesso em dez 2017 24 Ressaltase que o referido projeto de extensão universitária da Universidade Anhanguera coordenado pela ar quiteta e urbanista Diana Bogado foi desenhado no âmbito do ativismo de resistência à remoção da comunidade Vila Autódromo no qual os moradores foram protagonistas da luta e das ideias que desenharam este museu em conjunto com os ativistas Diana Bogado Daniela Petti autoras deste artigo Luiza de Andrade Thainã de Me deiros Alexandre Magalhães Mário Chagas entre outros cocriadores e cogestores do Museu das Remoções 100 so de remoção como das atividades do Museu das Remoções oficinas de me mória por exemplo Além disso em diversos momentos ao longo desses anos conversas livres e entrevistas direcionadas foram realizadas com diferentes mora dores Vale ressaltar que ambas as autoras lutaram junto à comunidade pelo di reito à permanência da Vila Autódromo e são consideradas pelos moradores ati vistas e apoiadoras da resistência popular o que tem seus impactos na prática da pesquisa A identidade de apoiadoras da causa coletiva facilita nosso trânsito nos espaços observados bem como as negociações para a realização de entrevistas Mais do que isso o fato de sermos também cocriadoras e cogestores do Museu das Remoções na medida em que participamos tanto de sua gênese como dos trabalhos que se seguem até o presente momento 2018 dois anos posteriores de sua criação nos dá acesso privilegiado a informações Devido à intensa inserção e participação das autoras nas práticas políticas de seus interlocutores em muitos momentos do texto é utilizado o discurso direto O museu foi criado a partir da realização de um projeto participativo entre a universidade e a comunidade que apresentase como possibilidade de inclu são da população na construção da cidade uma vez que questiona de modo propositivo as determinações da prefeitura sobre o território urbano As propos tas participativas se contrapõem à prática do planejamento urbano autoritário própria do empreendedorismo urbano que não possui canais de diálogo com a população O método participativo é aberto sua aplicação é estratégica e não programática Montañés 2009 as ferramentas metodológicas apontam para a construção conjunta de soluções que visam à transformação social Desta forma a construção do Museu das Remoções consiste na própria demanda dos morado res da Vila Autódromo e reivindica a inclusão na produção da cidade A REMOÇÃO DA VILA AUTÓDROMO E A GESTÃO ESTATAL DAS POSSIBILIDADES DE VIDA A terra coberta por entulhos resquícios das casas demolidas que se mistu ram com os materiais acumulados com o passar do tempo Tijolos pedras blocos de cimento ao lado por sobre e mesclados com vergalhões ferros distorcidos e fios desencapados A poeira que se espacializa em diversas camadas do território incomoda os olhos e quase invisibiliza as formas que perduram em meio à devas tação Barulho ensurdecedor das máquinas que se articula aos corpos dos homens que cumprem as ordens de cima Quebra rola cai e junto ao pedaço da casa que se desfaz histórias destroçadas A sensação o sentir múltiplo dos cheiros ruídos da paisagem transformada trazendo o gosto amargo da expulsão forçada Esse é o cenário que marcava o território da Vila Autódromo quando lá chegamos em 2015 Localizada ao norte da Barra da Tijuca na Zona Oeste do 101 Rio de Janeiro a Vila Autódromo constituída enquanto comunidade desde os anos 1970 quando era composta por grupos de pescadores passou a ser alvo dos interesses do Estado e do poder econômico quando foi anunciada a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 201625 Apesar de os moradores possuírem a garantia legal de concessão real do uso da terra por 99 anos e mais 99 anos renováveis26 a ameaça da remoção se intensifica em 2013 ano marcado pelas primeiras reuniões com a prefeitura que justifica a necessidade de expulsão das 700 famílias pela obra de construção do Parque Olímpico no terreno ocupa do pela Vila Autódromo27 Após as primeiras reuniões entre a prefeitura e os moradores ocasiões em que os mesmos foram informados sobre a intenção estatal de remover parte da comunidade os funcionários do governo passam a se fazer mais presentes na localidade travando inicialmente contato com famílias específicas para apre sentar o empreendimento do condomínio do Programa de Habitação Federal Minha Casa Minha Vida PMCMV28 para onde os moradores que aceitassem negociar seriam realocados A presença dos agentes administrativos da prefeitura no cotidiano dos moradores não se expressa apenas nas pressões para o aceite das negociações com a prefeitura mas também nas incontáveis ocasiões nas quais os funcionários marcavam as paredes das casas a serem demolidas29 fotografando e medindo os espaços internos e cadastrando moradores sem informálos sobre o real objetivo do procedimento Sandra Maria moradora da Vila Autódromo des de os anos 1990 e mãe de três filhas disse que a marca do Estado na casa é forte a pessoa olha pra marcação e percebe um fim já determinado a casa vai sair Nos encontros cotidianos entre moradores e funcionários era comum a prática do ter ror psicológico por parte dos últimos que diziam a muitos moradores é melhor aceitar o apartamento senão vai ficar sem nada é melhor negociar ou vai pra rua No caso das remoções realizadas no Rio de Janeiro impera toda sorte de dispositivos de exce ção Entre os inúmeros mecanismos mobilizados pelos agentes públicos para lidar com as pes soas nestas situações de erradicação destacamse as práticas de pressões diárias tais como aque las feitas por estes agentes não adianta chamar ninguém para ajudar a gente virá derrubar 25 Os relatos dos moradores revelam que a remoção da favela sempre existiu na forma de ameaça ou rumor ao longo dos últimos anos mesmo antes da chegada dos megaeventos à cidade Esse dado reforça a insegurança da posse da terra que marca o cotidiano dos moradores de favelas no Rio de Janeiro 26 Nas décadas de 1980 e 1990 os moradores recebem a garantia da concessão real do uso assim como documentos que atestam a posse da terra 27 A Zona Oeste do Rio de Janeiro funciona como frente de expansão do mercado na cidade Azevedo e Faulhaber 2015 Rolnik 2016 Essa expansão se intensifica com a chegada dos megaeventos fazendo da Zona Oeste a grande centralidade urbana onde são construídos diversos equipamentos e estruturas olímpicas 28 Pesquisas demonstram como o PMCMV foi utilizado como ferramenta governamental para viabilizar desloca mentos forçados no Rio de Janeiro durante os últimos anos Amore Shimbo Rufino 2015 29 Durante os processos de remoção a prefeitura marca com tinta as casas a serem demolidas por meio do desenho de um número e da assinatura SMH referente à Secretaria Municipal de Habitação Esse foi um procedimento recorrente nos inúmeros casos de remoção durante o período de tempo entre 2009 e 2014 no qual foram removi das quase 22 mil famílias na cidade Azevedo e Faulhaber 2015 102 de qualquer maneira há um imenso esforço de fazer com que os próprios moradores entrem em conflito entre si através da manipulação da informação sobre a situação local limitando em alguns casos sua articulação contra o despejo Bogado e Magalhães 2016 não paginado A demolição das primeiras casas da comunidade junto ao terror psicológi co engendram um cenário comparado por muitos moradores as cenas da guerra na Síria Em muitos casos os tratores não demoliam as casas por inteiro mas apenas as descaracterizavam produzindo buracos nas paredes desfazendo algu mas partes da construção e não outras e deixando os entulhos que se formavam acumularem por sobre a terra A descaracterização de determinadas construções muitas vezes impactava as casas vizinhas servindo como instrumento de pressão para o morador que ainda não aceitara negociar com a prefeitura A presença dos tratores os buracos espalhados em paredes e muros o entulho e poeira que se multiplicavam aos poucos contribuíam para a formação de um cenário de escom bros de aspecto assombroso comparado ao de uma guerra Tais transformações socioespaciais executadas de forma avassaladora na Vila Autódromo são parte do processo de mercantilização da cidade que em al guns contextos é mais devastador que outros Garnier 2014 descreve estas reor ganizações socioterritoriais como fenômeno da reconquista urbana Para o autor assistimos a uma limpeza étnica uma operação de retirada da população pobre e outros indivíduos indesejados de áreas da cidade para dar o lugar destes a outros que podem consumir abrindo espaço à reprodução do capital Garnier 2014 Sendo assim estas práticas estariam a serviço da consolidação do controle estatal sobre estas populações e no caso do Rio de Janeiro alterando não somente a circulação e localização des tas no espaço da cidade mas também incrementando a acumulação de capital imobiliário Se estas situações por um lado podem nos esclarecer os pontos de incidência dos mecanismos de poder sua construção e reconstrução cotidiana por outro também nos apresentam a possibi lidade de verificar como se elaboram diversificadas estratégias de resistência à sua efetivação Bogado e Magalhães 2016 não paginado Neste contexto comunitário as ações de resistência dos moradores30 eram alvo de muita repressão pelo aparato estatal A presença da polícia e da guarda municipal tornouse uma constante na localidade Em diversas ocasiões muitos moradores foram feridos em confrontos Dona Penha uma de nossas principais interlocutoras e liderança da comunidade teve o nariz quebrado pela guarda municipal na ocasião em que os moradores tentavam impedir a demolição de uma casa Ao se referir às estratégias para execução dos despejos e remoções a mo radora Sandra Maria explica que existe um passo a passo pra remover que se repete em todos os casos de remoção de favelas O passo a passo pra remover 30 Os moradores da Vila Autódromo elaboraram diversas formas de resistência à remoção dentre elas as barricadas os protestos as vigílias os cercos às casas para evitar a demolição dentre outras 103 consiste em um conjunto de práticas técnicas e táticas de governo que contro lam populações e regulam condutas A casa como objeto das assinaturas do Esta do Das 2007 a desinformação que atesta a ilegibilidade Das 2004 das ações estatais a destruição que cria o cenário da guerra a violação das garantias legais de posse da terra bem como a utilização de leis e políticas públicas para viabilizar a expulsão das famílias do local consistem em algumas das táticas constitutivas da governamentalidade Foucault 1979 engendrada em um contexto de violên cia Assim como Foucault entendemos o Estado não como um a priori universal mas a partir de suas práticas e discursividades articuladas em suas margens Das 2004 Apreender as formas de governo das populações na contemporaneidade nos faz compreender que a guerra não é a ruptura algo que se desenrola nos in tervalos do cotidiano A guerra é justamente o motor da produção da ordem na medida em que a exceção é tornada regra especialmente para os habitantes das favelas e periferias urbanas A produção socioespacial das periferias urbanas representa uma das fratu ras mais importantes em um sistema que tende ao caos Zibechi 2011 p 18 O cotidiano destes espaços é marcado pela prática do habitar forma de ser estar e viver que faz alusão à vida e abrange a complexidade do ser humano nas dimen sões do desejo do corpo da sua multifuncionalidade e da subjetividade em contraposição ao habitatLefebvre 2001 A predominância do aspecto do vivido amplia as possibilidades da exis tência e produz uma dinâmica cotidiana que foge ao controle dos poderosos Zibechi 2011 p 20 uma vez que se opõe a tendência de homogeneização e estandardização da vida promovida pelo capital Lefebvre 2001 Este cotidiano fruto da atuação autônoma dos sujeitos sociais Souza 2006 com capacidade de resiliência e reapropriação faz emergir um novo cenário geopolítico decisivo Davis 2007 próprio da sociologia das emergências Sousa Santos 2004 O conflito que emerge da luta pela sobrevivência nas favelas derivada do enfrentamento dos mecanismos biopolíticos de controle utilizados pelo poder público Zibechi 2011 p 16 cria uma dinâmica autônoma comunitária Este urbanismo insurgente é capaz de desestabilizar a ordem normalizada Miraftab 2009 e por isto é respondido pelo governo com táticas violentas de regulação Na Vila Autódromo não apenas o terror psicológico como o barulho o entulho a poeira e as ocasiões de corte de serviços básicos como a luz e a água desestruturam as possibilidades de vida dos moradores Essa produção contínua da morte tendo como alvo as condições mínimas de vida foi denominada por Mbembe 2016 necropolítica O necropoder se constitui na medida em que a morte estrutura as formas de governo e as possibilidades do poder sendo a morte aqui entendida como essa impossibilidade de exercer a vida A guerra infraestru 104 tural Mbembe 2016 realizada na Vila Autódromo teve como alvo as condições e estruturas básicas de existência tanto em termos materiais como emocionais O adoecimento de muitos moradores e a sensação de incerteza expressa por exemplo na afirmação de Sandra Maria segundo a qual a gente ia dormir sem saber o que seria de amanhã demonstram como a vida tem sido cada vez mais objeto da gestão e regulação governamentais Ao cunhar uma ontologia biopolítica da habitabilidade Gonzalo Mendio la 2016 se baseia na relação entre habitante e lugar habitado como uma forma de estar no mundo que se projeta sobre a produção de subjetividades para ressal tar a dimensão espacial do viver Gonzalo 2017 p 226 O inabitável se produz na medida em que a vida exposta é desprovida de cuidado e em que a vulnera bilidade e a precariedade constitutivas de toda vida Butler 200631 se exacerbam sob circunstâncias de violência A destruição que subtrai o espaço do sujeito articulase à expulsão como prática de produção do inabitável O controle dos movimentos mobilidade governamentalizada e a contenção do espaço consti tuem a tática da expulsão capturando corpos e espaços Gonzalo 2017 p 229 Inspirado na ideia do fazer viver deixar morrer dispositivo sobre o qual se baseia a biopolítica foucaultiana Foucault 2008 Gonzalo formula o fazer deixarmorrer reconfigurado que em contextos de violência permite que os governos arranquem a vida minando suas possibilidades Gonzalo 2017 A produção do inabitável na Vila Autódromo desfez relações sociais e de afetivida de desestabilizou subjetividades causando dor sofrimento e desenraizamento para a população local Muitos trabalhos sobre remoções de favelas já refletiram sobre as práticas estatais nas margens dentre as quais os ilegalismos articulados a outras táticas fa zem emergir o deslocamento forçado como uma das formas de governo que pro duz cidade Bogado 2017 Magalhães 2013 Petti 2016 Silva 2016 Interessa aqui pensar como esses contextos nos dão pistas para a compreensão das formas pelas quais os governos e o poder econômico estabelecem fronteiras entre vidas passíveis de serem vividas e vidas indignas ou seja da produção estatal do valor e do desvalor da vida Agamben 2007 em contextos urbanos Significa dizer que o estudo dos conflitos urbanos cujas práticas políticas se centram nas condições mínimas e estruturas básicas da vida pode nos levar a uma reflexão crítica sobre a distribuição desigual das possibilidades de vida e morte no território urbano Em última instância é possível investigar os limi 31 Para Butler os sujeitos são marcados por correlatividades Isso significa que a precariedade da vida e a vulnerabili dade dos sujeitos têm caráter ontológico na medida em que o eu não existe sem o outro No entanto sob determi nadas circunstâncias materiais a precariedade se exacerba deixando claro que a distribuição das possibilidades de vida e do reconhecimento de uma vida enquanto vida humana e digna de ser vivida se dá de maneira desigual 105 tes produzidos continuamente pela gestão estatal dos corpos e dos espaços que condicionam o reconhecimento do estatuto de humano aos viventes32 Os deslo camentos forçados ou como diz Gutierres 2016 os processos de desabitação são em termos analíticos boas configurações para provocar a pergunta como se produz o fazer viver na precariedade Para entender as chamadas geografias do terror Garzón 2008 marcadas pelo uso do horror e da guerra como táticas de governo tornase necessário en tender o espaço não como mero cenário das vivências mas como parte constituti va e ativa da experiência Garzón 2008 p186 O espaço participa da produção cotidiana das relações sociais e das subjetividades Se por um lado a produção do inabitável devasta as vidas o poder que se exerce pela destruição abre um campo de possibilidades para a resistência a essa configuração Analisar os repertórios de mobilização e resistência elaborados pelos moradores entendendoos como estratégias de refazimento da vida é o tema da próxima seção REABITAR A VIDA EM MEIO À DESTRUIÇÃO O MUSEU DAS REMOÇÕES Muitas são as formas de resistência engendradas pelas populações periféri cas em contextos de violência O acionamento de repertórios clássicos relativos à construção de denúncias públicas pelo uso do vocabulário da luta por direitos que se materializa em manifestações embates na justiça e utilização da imprensa para ter voz consiste em apenas um dentre os diversos modos de resistir às formas de gestão e regulação governamentais Como afirma Sandra Maria moradora da comunidade a própria construção da estrutura da Vila Autódromo como os sumidouros feitos pelos moradores ao longo dos anos é uma forma de luta Teixeira 2018 O Museu das Remoções surge articulando a linguagem da arte e a gra mática dos direitos como um instrumento de luta e resistência ao mesmo tem po que como um caminho para refazer e reabitar a vida em meio à devastação O Museu das Remoções fundamentase na museologia social que tem como princípio a vida a defesa da vida antes de tudo conforme explicamBogado e Chagas 2017 Esta vida de que tratamos referese àquela que se realiza na con cretude dos dias de todos os dias da presença dos corpos dos movimentos e enfrentamentos dados no cotidiano da resistência Tratase da vida carregada de 32 Esse debate dialoga com a questão do racismo de estado proposta por Foucault 2005 como ponto de inflexão da sobreposição das formas de governo biopoliticas e soberanas fazer viver deixar morrer Se Agamben 2007 define a vida vivida nos limites da existência como vida nua Butler 2006 pensa a problemática em termos de vidas precárias que sob dadas circunstâncias materiais possibilitam a desrealização dos sujeitos 106 compromissos éticos políticos e poéticos A Museologia Social que fundamenta os museus comunitários serve não apenas à preservação de coisas objetos e arte fatos mas à valorização da vida em sociedade em todas as suas esferas Bogado e Chagas 2017 O Museu da Vila Autódromo nasceu do desejo coletivo de moradores e apoiadores de registrar as práticas sociais da comunidade que existiam antes da devastação do lugar levada a cabo pelo estado e da necessidade de comunicar a violência gerada pelo processo de remoção Durante o ano de 2016 surgiu a vontade de criar um museu social que desse visibilidade aos danos subjetivos e materiais provocados pela remoção das favelas e que ecoasse no mundo o grito da memória popular A memória de que falamos está no campo das relações e das lutas abran ge afetos representações e direitos assim como devires e compromissos Bo gado e Chagas 2017 A narrativa oficial das Olimpíadas Rio 2016 apresenta memórias e vitórias hegemônicas relacionadas ao poder do Estado A narrativa apresentada pelo Museu das Remoções trata de outras lutas apresenta o olhar popular outra face da memória das olimpíadas a memória que denuncia a vio lência travada contra os afetados pelo projeto olímpico implantado no Rio de Janeiro Partimos da memória dos excluídos e removidos da cidade olímpica e insistimos em preservar e comunicar a memória da Vila Autódromo Bogado e Chagas 2017 O Museu das Remoções começa a ser pensado a partir do entendimento de que a aniquilação do lugar o desaparecimento de suas estruturas espaciais e a dispersão populacional provocada pela remoção carrega consigo a desapropria ção territorial a desintegração social e o apagamento da história local Garnier 2014 A relação entre o espaço e a memória do lugar desintegrase com a demo lição das casas levadas a cabo pela política urbana fundamentada no avanço do processo global de descivilização Garnier 2014 O Museu das Remoções é um projeto que brotou como as flores num campo de guerra como os girassóis da Vila Em meio aos escombros nasce um museu a céu aberto que tem a missão de semear regar e multiplicar a história de resistência e luta que está sendo dia após dia cultivada no solo fértil da Vila AutódromoNathália Macena moradora da Vila Autódromo em entrevista às autoras 2016 Os moradores e apoiadores percebem que trazer à tona a memória social da comunidade por meio de oficinas brincadeiras narrativas orais fotos entre vistas vídeos e objetos colocados no território ou em exposição torna possível reconstruir em parte a história a memória a integração e reapropriação do lu gar que havia sido destruído pela prefeitura O Museu das Remoções em suas funções museais de preservação comunicação e pesquisa pretende reconstruir a relação entre o espaço e a memória da comunidade mas pretende além disto re 107 generar os vínculos e reafirmar os afetos existentes no cotidiano da comunidade O Museu foi construído em três etapas Na primeira etapa houve a con cepção do projeto com reuniões entre militantes e moradores A partir daí deci diuse trabalhar com a proposta de Museu de Território ou de museu de percurso segundo a qual a própria comunidade e seu território são um museu a céu aberto Na segunda etapa desenvolveuse dinâmicas de diálogo e oficinas de resga te da memória local com a participação de moradores exmoradores militantes e alunos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhanguera Nesta etapa também foi realizada uma oficina de reconhecimento do lugar conduzida pelos moradores com devir pela comunidade abrangendo a área da comunidade e par te da área desapropriada e incorporada ao Parque Olímpico Coletamos restos de equipamentos urbanos e escombros de edificações demolidas que foram incorpo rados ao acervo do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro33 Também foram produzidos e coletados registros orais fotográficos audiovisuais gráficos e elabora ção de um mapa feito em conjunto pela comunidade e pelos alunos de arquitetura elaborado a partir dos relatos dos moradores de suas vivências e memórias Na terceira etapa foi desenvolvida a primeira exposição do Museu das Re moções com a criação de sete esculturas elaboradas pelos alunos de Arquitetura e Urbanismo a partir dos materiais registrados nas oficinas de memória O Museu foi inaugurado oficialmente no dia 18 de maio de 2016 Dia Internacional dos Museus com a presença de moradores ativistas e da imprensa independente na cional e internacional Os moradores apresentaram as setes esculturas construídas com os escombros e entulhos das casas demolidas O Museu é aqui compreendi do como uma ferramenta inserida na políticas do lugar descrita por Escobar 2015 e Garzón 2008 como ações mobilizadas desde práticas que controver tem lógicas homogeneizantes do espaço Sandra Maria e outros moradores sempre associam em suas narrativas o processo de remoção e as ameaças de expulsão passadas ao desenvolvimento do bairro da Barra da Tijuca que segundo a moradora teria ficado valoriza do demais pra gente morar A valorização do bairro traz consigo os shoppin gs condomínios de alto padrão assim como o desmatamento e a expulsão de populações que ali residiam há décadas O conflito entre os moradores da Vila Autódromo e a prefeitura também se trata de um embate entre modos de existir e de habitar o território em última instância entre modos de conceber o mundo de habitar a vida que são elaborados ao longo da história a partir da articulação 33 A exposição permanente sobre resistência popular na história do Brasil abriga as peças Bomba sapo medidor de eletricidade azulejo de piscina dentre outros objetos recolhidos em meio aos escombros da Vila Autódromo Estas peças compõem o acervo do Museu das Remoções acolhido pelo Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro 108 entre os viventes e o território Neste sentido a luta da Vila Autódromo é uma luta ontológica na me dida em que os modos de existir no território se confrontam Escobar 2015 O Museu das Remoções ao preservar partes das casas e estruturas comunitárias demolidas em acervo bem como ao registrar a violência seguida de resistência por meio de fotografias documentos mapas etc reconstrói o modo de existir no território cultivado pelos moradores ao longo de décadas Mais do que isso ao resgatar as práticas sociais e políticas dos moradores este Museu reconstrói laços e relações bem como subjetividades que sofreram tentativas incessantes de apagamento por parte do Estado Em 2015 o apoio popular à luta da Vila Autódromo se intensifica Mora dores e apoiadores começam a realizar os chamados ocupas na Vila Autódro mo Os ocupas consistem em ocasiões em que a Vila recebia diversos apoia dores e exmoradores para realização de atividades culturais artísticas e políticas como exposições exibição de filmes festas debates teatro atividades circenses etc Em uma das oficinas de memória do Museu das Remoções Dona Penha comenta sobre os ocupas Jesus tava mandando anjos para nos apoiar porque era só uma perda atrás da outra uma perda atrás da outra os vizinhos o comércio tava acabando A gente tava ocupando esse território como ele tava a prefeitura devastava e a gente ocupava Ao mesmo tempo que o espaço tava devastado tinha muita alegria com os ocupas como se a gente afirmasse que ia ficar aqui Dona Penha em oficina de memória NESSA MESMA OFICINA SANDRA MARIA COMPLEMENTA Tudo sendo destruído tudo ficando feio quebrado e vinham os ocupas trazendo alegria trazendo a vida trazendo a beleza era um movimento que girava contra aquela destruição Quando o ocupa acabava a gente se sentia forte Sandra Maria em oficina de memória Segundo Sandra é desse movimento cultural que nasce em 2016 o Museu das Remoções Apesar de termos vivenciado muitos ocupas na Vila não nos era de todo clara a estreita relação entre a arte e a resistência expressas por essas atividades e o nascimento do Museu No entanto no decorrer das oficinas de memória percebemos que os moradores associam a criação do Museu ao am biente de efervescência cultural e política que permitia segundo os mesmos que a gente vivesse a destruição com felicidade O Museu era nossa resposta em um momento em que queriam remover nossa memória diz Sandra sempre que se refere ao lema do Museu das Remoções Memória não se remove A moradora costuma dizer que apagar a memória de um povo é uma das maiores violências possíveis Em um debate realizado no aniversário de dois anos do Museu em 18 de Maio de 2018 Sandra comenta que muitos moradores que negociaram com a 109 prefeitura o faziam com o objetivo de sair da Vila e refazer a vida Para a mora dora porém é impossível refazer a vida sem memória pois não dá pra continuar a viver quando se percebe que os laços afetivos e a sua história foram esquecidos A articulação de moradores e apoiadores em torno dos ocupas e do Museu das Remoções demonstra que o território da Vila Autódromo é produzido não apenas pelas tecnologias da destruição mas também por um esforço contínuo de reabitar a vida expresso nas ações de resistência que deixam suas marcas no espaço e nos sujeitos que permitem a reterritorialização e a reconstrução Não somente no espaço mas também no nível do corpo podem ser entrevistos os im pactos do poder Muitos moradores adoeceram ou faleceram durante o processo de remoção Os corpos adoecidos também funcionam como margem do Estado Das e Poole 2004 ou seja onde os governos também fazem sentir suas ações e truculências além disso expressamse entretanto como ponto chave da ação política quando se entrelaçam para formar o cordão de isolamento humano em torno das casas se justapõem para montar as barricadas ou quando sentem a potência da arte e se revigoram para seguir resistindo Inspirado em diálogos com Nietzsche Deleuze e Spinoza Feldman 1991 afirma que o corpo é um ponto de intersecção de distintas forças práticas polí ticas que se constitui apenas na troca e no estabelecimento de relações A troca as relações historiciza o sujeito na medida em que o corpo assume diferentes formas Feldman 1991 p177 O autor comenta dessa vez dialogando com Foucault que agência não se trata do que o sujeito faz na história mas sim de como o sujeito age a partir do que a história o poder faz no corpo Feldman 1991 178 É muito comum nos relatos dos moradores a ênfase na dissolução dos laços de vizinhança como parte do vasto repertório das técnicas de destrui ção Ao desfazer as relações afetivas que se configuravam no espaço da comuni dade o Estado desistoriciza34 os sujeitos desestruturando subjetividades tendo em vista que o eu só se faz a partir do outro O resgate da memória produzido pelas ferramentas da museologia social como diz Sandra Maria é a condição de possibilidade para refazer a vida após tanto sofrimento a garantia de que as vidas não cairão no esquecimento sucumbindo às tentativas estatais de apagamento Os moradores da Vila agem na história na medida em que refazem reformulam e reabitam a vida devastada por meio do resgate e registro da história da comu nidade As narrativas sobre a história são fruto de trabalhos sociais contínuos de en quadramento Butler 2015 Os moradores sempre dizem que uma das importân 34 Nota dos organizadores No conflito de narrativas que ocorre nos territórios urbanos brasileiros a narrativa he gemônica imposta pelo Estado há uma supressão da historicidade das populações vulneráveis com o intuito de eliminar a alteridade constituída por essas populações 110 cias do Museu das Remoções é contar uma história sobre a remoção da comunidade diferente do que é narrado pela prefeitura É de extrema centralidade para muitos por exemplo que as pessoas compreendam que as casas construídas para as 20 famílias que resistiram até o fim na comunidade foram conquistadas e arrancadas com muita luta e não dadas de presente pela prefeitura Para muitos moradores contar essa história é da ordem do necessário Por outro lado o silêncio é agenciado por outros que só conseguem seguir com o duro trabalho de fazer a vida congelan do a narrativa da remoção Das 1999 Em uma oficina de memória Dona Penha preocupada com o bemestar de uma outra moradora no espaço afirma dona Denise não gosta muito de ficar falando sobre a remoção né Mas ela pode falar das memórias boas que tem da comunidade antes disso tudo Seja pelo silêncio seja pelo resgate e afirmação da memória os moradores da Vila Autódromo resistem ao insistirem em permanecer vivos ao persistirem existindo E desta persistência nasce espontaneamente o Museu das Remoções no seio de uma luta que foi travada pela superação do medo pela inconformação com as violações levadas a cabo no território da Vila Autódromo mas sobretudo pela união dos moradores e apoiadores da comunidade que quase que por instinto permaneceram unidos em meio ao caos da remoção quase integral da comunidade CONCLUSÃO Como visto a reconfiguração territorial do Rio de Janeiro às vésperas dos megaeventos recaiu sobre as classes desfavorecidas uma vez que o espaço urba no foi reorganizado a partir dos interesses imobiliários e as remoções de favelas foram uma prática constante Os indivíduos não desejados foram retirados das áreas valorizadas e enviados às regiões distantes precárias e pouco estruturadas Ao contrário dos modos de vida das periferias o modelo de cidade mercadoló gico propõe possibilidades limitadas de sociabilidade cujo padrão de referência é o habitat que reduz a experiência da vida às funções metabólicas as quais devem ser supridas através do consumo Lefebvre 1976 2001 Esta redução da existência acentuase ainda mais no modelo de vida destinado às periferias cujas estruturas urbanas reservam condições ainda mais escassas muitas vezes até indignas à vida das classes baixas No contexto das chamadas remoções olímpicas a Vila Autódromo foi a única favela que conseguiu resistir à tentativa de remoção integral levada a cabo pela prefeitura o Museu das Remoções é um elemento central da luta de resis tência e de denúncia da política remocionista35 ele surge em um momento no 35 Nota dos organizadores As autoras se referem por política remocionista às políticas urbanas que banalizam a 111 qual moradores e apoiadores unidos por laços já sólidos não se conformam em assistir o território da comunidade desconfigurado espoliado e despossuído A necessidade de reapropriação era unânime na ocasião Cabe acrescentar que este museu apresentase como ferramenta de contestação do poder em primeiro lugar porque contraria o plano neoliberal para o território de supressão completa da Vila Autódromo e abertura de espaço para valorização do solo em segundo lugar porque denuncia a violência do Estado contra as favelas e contraria a tentativa de silenciamento da Vila Autódromo e demais excluídos da cidade olímpica e em terceiro lugar porque pratica estratégias de luta que podemos chamar de resis tências biopolíticas conforme descreve Naback 2015 uma vez que atuam nas esferas da subjetividade e forjamse em equivalência às estratégias das remoções biopolíticas instrumentalizadas pelo Estado Naback 2015 Reforçamos que apesar das violações na ocasião de concepção do Museu das Remoções a Vila Autódromo pulsava e festejava sua resistência nas campa nhas manifestações e barricadas realizadas era anunciado que a Vila não era o território e nem as casas da comunidade também não era o que havia restado delas nos escombros a Vila Autódromo era e é os nossos corpos as nossas his tórias individuais e coletivas a nossa memória coletiva e local e tudo o que cada um destes elementos carrega sobre a comunidade utilizamos aqui o discurso direto por nos considerarmos parte desta comunidade de pessoas que lutaram junto à Vila Autódromo pela sua permanência Durante o processo de remoções o psicológico dos moradores ficou consi deravelmente abalado pelas táticas biopolíticas das remoções cujas respostas de resistência com ações diversificadas espontâneas e afetivas atuavam também na regeneração emocional ao longo do processo da luta o apoio recíproco de apoia dores e moradores uns aos outros e o sentimento de coletividade e união que cada ação de resistência aportava à comunidade também atuava nas esferas subjetivas e psicológicas dos indivíduos Na ocasião de construção do Museu das Remoções era compartilhada a necessidade de comunicar a alegria e o amor presentes no cotidiano ingredientes decisivos na luta pela permanência da Vila Autódromo estes elementos funcio naram como ferramentas de reversão do medo de regeneração psicológica e de recuperação da esperança dos moradores e apoiadores nos momentos mais duros Tais sentimentos seguiam vivos e precisavam ser materializados e mostrados A Vila Autódromo precisava reterritorializar e se reapropriar daquele espaço des configurado e assim o fez As comemorações os momentos de sociabilidade a cumplicidade a soli remoção de populações vulneráveis que vem tomando força no Brasil na última década 112 dariedade e o carinho existente entre moradores e apoiadores são produtos dos modos de habitar que possibilitam recriações de uso reapropriações criativas e tudo o que provém da dança dos corpos que habitam como poeta Lefebvre 2001 o espaço da comunidade É a poesia e a inspiração da poesia que permite a fuga ao controle e à opressão do Estado que adentram o campo do vivido E na poética do habitar criativamente o espaço da Vila Autódromo os corpos espontâneos irracionais próprios da sociologia das emergências Sousa Santos 2004 contrariam o comportamento padronizado e estandardizado que o habitat reserva para a cidade neoliberal Na dança da reapropriação territorial poética da cidade improvisada no compasso das dimensões cotidianas subjetivas e simbólicas a Vila Autódromo tece suas estratégias criativas de resiliência recompõe parcialmente as rupturas emocionais provocadas pelas remoções e rearticula as forças comunitárias para a luta incessante de resistência e para a denúncia da violência sofrida nasce o Museu das Remoções As oficinas de memória os ocupas as vigílias as barricadas as manifes tações as exposições e todas as formas de resistência foram operadas em ações práticas mas também fortaleceram elementos do campo da imaterialidade da subjetividade e da espontaneidade próprios do habitar O habitar representa transgressão à proposta hegemônica do habitat porque nele é possível toda a natureza de ações que fogem ao campo da racionalidade No seio do vivido foram regadas as flores que nasceram dos escombros e deram origem ao Museu con forme demonstra a fala da moradora Nathália Macena mencionada Na trajetória de luta sociopolítica ficou gradativamente mais evidente mente para a comunidade o poder do valor comunitário do habitar e dos vín culos e o entendimento de que o valor de uso está acima do valor de troca oferecido nos subornos feitos pela prefeitura às famílias Para a resistência não há receita há poesia A Vila Autódromo pôde resistir à tentativa de sua remoção integral por que os sujeitos dotados de dignidade e autonomia Scott 1990 Souza 2006 optaram renunciar à sedução do capital expressa em subornos e inverter a lógica do valor de troca Transcendendoa ao colocar o valor de uso presente no habi tar acima das ofertas e ameaças oferecidas pelo estado Neste sentido habitar como um poeta Lefebvre 1973 Heidegger 2005 se estende ao resistir como um poeta e desta luta poética no seio de um espaço subjetivo emerge um Mu seu que também é transgressor porque propõe a descolonização das teorias do planejamento ao produzir um cotidiano criativo contrahegemônico Miraftab 2004 2009 imerso em coragem para se opor à narrativa oficial e em afeto para manter viva a Vila Autódromo e a sua memória 113 REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Homo saccer I O poder soberano e a vida nua Belo Horizonte Editora UFMG 2007 AGUILERA F y NAREDO J Interés y contexto del tema tratado Economía poder y mega proyectos Madrid Cromoimagen SL 2009 AMORE Caio SHIMBO Lúcia RUFINO Maria Beatriz Minha Casa e a Cidade avalia ção do programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros Rio de Janeiro Letra Capital 2015 ARANTES P A arquitetura na era digital Financeira 2000 AZEVEDO Lena AZEVEDO E FAULHABER Lucas SMH 2016 Remoções no Rio de Janeiro Olímpico Rio de Janeiro Editorial Mórula 2015 BOGADO Diana Movimento Okupa Resistência e autonomia na ocupação de imóveis nas áreas urbanas centrais Dissertação de meestrado defendida na Universidade Federal Fluminen se Niterói 2011 O Museu das Remoções da Vila Autódromo Potência de resistência criativa e afetiva como resposta sociocultural ao Rio de Janeiro dos megaeventos Tese de doutorado defendida na Universidade de Sevilha obtenção de mérito Cum LaudeSevilha 2017 BOGADO E MAGALHÃES Memória não se remove a luta dos moradores da Vila Autó dromo para continuar reexistindo 2016 BUTLER Judith Quadros de guerra Quando a vida é passível de luto Civilização Brasileira 2015 Vida precária el poder del duelo y la violência Buenos Aires Paidós 2006 CHAGAS M e BOGADO D Memória das Olimpíadas múltiplosolhares organizados no âmbito do projeto reservação da Memóriadas Olimpíadas processos e ações Casa de Rui Bar bosa Rio deJaneiro 2017 CONSENTINO R Barra da Tijuca e o Projeto Olímpico A cidade do Capital Dissertação deMestrado defendida no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional IPPUR daUniversidade Federal do Rio de Janeiro 2015 DAS Veena Fronteiras violência e o trabalho do tempo alguns temas wittgensteinianos Revista Brasileira de Ciências Sociais vol14 n40 pp3142 1999 The Signature of the State The Paradox of Illegibility In Life and Words violence and the descent into the ordinary BerkeleyLos Angeles University California Press 2007 DAS Veena POOLE Deborah Anthropology in the margins of the State Santa Fé School of American Research Press 2004 DEBORD G A sociedade do espetáculo Rio de Janeiro Ed Contraponto 1969 ESCOBAR Arturo Territorios de diferencia la ontología política de los derechos al territorio Desenvolvimento e Meio Ambiente v 35 p 89100 dez 2015 FOUCAULT Michel Em Defesa da Sociedade São Paulo Martins Fontes 2005 Nascimento da Biopolítica curso dado no Collège de France 19781979 São Paulo Martins Fontes 2008 Segurança Território População São Paulo Martins Fontes 2008 GARNIER JP Marsella 2013 el urbanismo como arma de destrucción masiva GeocritiQ 10 de enero de 2014 nº 24 GARZÓN M A Retando las geografias de terror estratégias culturales para la construcción del lugar Nuevos Nónadas n 28 p 183193 abril 2008 GONZALO Ignacio Mendiola De la biopolítica a la necropolítica la vida expuesta a la muer te Eikasia Revista de Filosofia n75 maio 2017 El dispositivo de la captura espacios y cuerpos bajo el signo de la excepcionalidade Athenea Digital n161 marzo 2016 114 GUTTERRES Anelise O rumor e o terror na construção de territórios de vulnerabilidade na Zona Portuária do Rio de Janeiro Mana vol22 no1 Rio de Janeiro Apr 2016 P 179209 HARVEY David The urbanization of capital Oxford Basil Blackwell 1985 From Space to Place and Back Again Reflections on The Condition of Postmodernity in BIRD J et al Eds Mapping the Futures Local Cultures Global Change Routledge Londres 1992 Do gerenciamento ao empresariamento a Transformação da administração urbana no capitalismo tardio In Espaço Debate São Paulo Núcleo de Estudos Regionais e Ur banos nº 36 1996 A produção capitalista do espaço São Paulo Annablume 2005 A condição pósmoderna São Paulo Loyola 2011 JACOBS Jane Morte e vida de grandes cidades São Paulo Martins Fontes 1961 LEFEBVRE Henri Espaço e Política 1973 La révolution urbaine Paris Gallimard 1976 The production of space Oxford Blackwell 1991 O direito à cidade São Paulo Ed Centauro moraes 2001 MAGALHÃES Alexandre Transformações no problema favela e reatualização da remoção no Rio de Janeiro Tese de Doutorado Instituto de Estudos Sociais e Políticos Universidade do Estado do Rio de Janeiro 2013 MAKHLOUF Muna Conexiones entre la Barcelona postolímpica y el Rio preolímpico a través de la resistencia a planes urbanísticos In CUNHA N FREIRE L MACHADI MARTINS M VEIGA F org Antropologia do conflito urbano Conexões RioBarcelona Rio de Janeiro Lamparina Le metro CNPq 2016 MASSEY D World City London Potety Press 2007 MASCARENHAS Gilmar 2016 p52 Revista USP São Paulo n 108 p 4956 Jan a mar 2016 MBEMBE Achille Necropolítica Arte Ensaios Revista do PPGAVEBAUFRJ n 32 dezembro 2016 MIRAFTAB Faranak Invited and Invented Spaces of Participation Neoliberal Citizenship and Feminists Expanded Notion of Politics In Wagadu Vol 1 Spring 2004 Insurgent planning situating radical planning in the global south Planning Theory 2009 MONTAÑÉS SERRANO Manuel Metodología y técnica participativa Teoría y práctica de una estrategia de investigación participativa Barcelona Editorial UOC 2009 NABACK Clarissa Remoções Biopolíticas O Habitar e a Resistência da Vila Au tódromo Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa do Departamento de PósGraduação em Direito do de Direito da PUC Rio de Janeiro 2015 PETTI Daniela Não tem preço ninguém esquece sua vida assim uma etnografia sobre a luta contra as remoções de favelas no Rio de Janeiro Trabalho de Conclusão de Curso ba charelado em Ciências Sociais Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas FGV 2016 ROLNIK Raquel A Guerra dos Lugares A colonização da terra e da moradia na era das fi nanças Ed Boitempo 2016 SANTOS Milton Por uma outra globalização Do pensamento único à consciência universal Rio de Janeiro Record 2013 SCOTT James C Domination and the Arts of Resistance Yale University 1990 SILVA Marcela Münch de Oliveira e Vila autódromo um território em disputa A luta por direitos desde sujeitos fronteiriços e práticas insurgentes Dissertação Mestrado em Direito Constitucional Universidade Federal Fluminense 2016 115 SOUZA M Mudar a cidade uma introdução crítica ao planejamento e a gestão urbanos Rio de Janeiro 4ª ed Bertrand Brasil 2006 SOUSA SANTOS Boaventura O futuro do Fórum Social Mundial o trabalho da tradução Revista del Observatorio Social de América Latina 15 7790 2004 Para descolonizar Occidente Más allá del pensamiento abismal 2010 ZIBECHI R Dispersar el poder Buenos Aires Tinta Limón 2006 Territorios em resistência Cartografía política de las periferias urbanas latinoameri canas Málaga 2011 116 INSEGURANÇA GLOBALIZADA O CAMPO E O BANOPTICON36 Didier Bigo37 INTRODUÇÃO Os discursos que os Estados Unidos e seus aliados mais próximos38promo veram alegando necessidade de globalizar a segurança assumiram uma inten sidade e alcance sem precedentes Eles se justificam por meio da propagação da ideia de uma insegurança global atribuída ao desenvolvimento de ameaças de destruição em massa supostamente provindas de organizações terroristas ou outros tipos de organização criminosa e os governos que as apoiam Essa globa lização tem o objetivo de tornar as fronteiras nacionais efetivamente obsoletas e obrigar outros atores na arena internacional a colaborar Ao mesmo tempo torna obsoleta a distinção convencional entre a constelação de guerra defesa ordem internacional e estratégia e outra constelação de crime segurança interna ordem pública e investigações policiais Exacerbando essa tendência ainda mais está o fato de que desde 11 de se tembro há uma especulação frenética pelo mundo político ocidental e entre seus especialistas em segurança quanto ao como as relações entre defesa e segurança interna devem ser alinhadas no contexto da insegurança global 36 Esta é uma versão modificada de estudos publicados pela primeira vez em Solomon John Sakai Naoki 2005 Translation Philosophy and Colonial Difference Traces a multilingual series of cultural Theory 4 Quero agradecer a todo o grupo de Cultures Conflits especialmente Jean Paul Hanon pelos seus comentários e su gestões que contribuíram com as ideias formativas deste artigo Também quero agradecer Anastassia Tsoukala e Miriam Perier assim como Diana Davies por sua ajuda e comentários a respeito do processo de edição Este tex to portanto intitulado originalmente como Globalized inSecurity the Field and the Banopticon publicado no livro deBIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Christian BONELLI Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006foi traduzido do inglês para o português por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Fernando de Oliveira Lúcio 37 Didier Bigo é professor do Kings College London Department of War estudos de guerra e professor de pesquisa no SciencesPo Paris é o diretor do Centro de Estudos de Conflitos Liberdade e Segurança CCLS e editor da revista trimestral da French Cultures et Conflits publicada pela CCLS e lHarmattan foi o fundador e coedi tor com Rob Walker da International Political Sociology uma das revistas da International Studies Association publicada pela Oxford University Press é coeditor da Sociologia Política Internacional International Political Sociology e da Liberdade e Segurança Liberty and Security ambas coleções da Routledge além disso é responsável pelo KCL WP da FP7 SOURCE em Londres e coordenador da ANR UTIC em Paris Suas áreas de interesse são segurança e liberdade identificadores biométricos e bancos de dados políticas antiterroristas na Europa após 11 de setembro de 2001 convergência da segurança interna e segurança externa migrantes e refugiados na Europa estudos de segurança crítica e Sociologia Política Internacional 38 O macartismo foi um fenômeno exclusivamente norteamericano A generalização das medidas de estado de emergência permanente foi restrita à Irlanda do Norte apenas e não afetou a sociedade britânica Essas duas lógicas no entanto estão agora se desenvolvendo ao nível da geografia mundial e estão se aprofundando para idealmente alcançar e incluir a todos os indivíduos 117 Na minha opinião é essa convergência entre defesa e segurança interna em redes interconectadas ou em um campo de profissionais da gestão do descon forto que está no cerne das transformações no que diz respeito ao policiamento global O campo emergente da gestão do desconforto explica por outro lado a formação de redes policiais ao nível global assim como a polarização de funções militares de combate e por outro lado a transformação a criminalização e a judicialização da noção de guerra Para além disso esse campo da gestão do des conforto também é responsável por como um tipo de dispositif Banopticon está estabelecido em relação a esse estado de desconforto Essa forma de governamen talidade do desconforto ou Ban é caracterizada por três critérios práticas de ex cepcionalismo atos de perfilamento e contenção de estrangeiros e um imperativo normativo de mobilidade Dados esses termos é possível usar as terminologias de uma cumplicidade global de dominação de construção de um Império e uma mudança em dire ção um novo fascismo suave de um adeus à democracia e o advento de um mundo secularizado e globalizado que justifique a preeminência de um projeto ocidental neocolonial em nome de exportar liberdade e combater o mal Existe na prática uma única estratégia que unifica diferentes grupos de profissionais no nível transicional quer sejam agentes da polícia do exército ou dos serviços de inteligência com uma política comum de policiamento e partilhando os in teresses da elite dos diferentes profissionais da política e busca mudar o regime existente cercear liberdades civis e submeter todos os indivíduos ao seu controle e vigilância Será que 1984 de George Orwell de fato previu 2004 Acho que não Ainda que presenciemos práticas não liberais e mesmo que a tentação de usar o argumento de um momento excepcional correlacionado ao advento da violência política transnacional de organizações clandestinas a fim de justificar violações de direitos humanos básicos e a extensão da vigilância seja muito forte ainda estamos em regimes liberais No próximo argumento mostrarei que estamos longe de uma cumplici dade global enquanto estratégia unificada Heterogeneidade interesses diversos anda de mãos dadas com a globalização Homogeneização vista como uma es tratégia cuidadosamente planejada contra as liberdades civis por uma elite global bem como a crença no seu sucesso é certamente uma característica comum do discurso de algumas ONGs e acadêmicos radicais assim como Noam Chomsky Porém eles não nos fornecem um retrato fidedigno das transformações em curso Minha análise difere da deles no sentido de que para mim a combinação de des conforto e o dispositivo Banopticon não produz uma estratégia unificada mas é antes um efeito dos múltiplos conflitos anônimos que no entanto contribuem com a globalização da dominação Eu desenvolverei então os dois instrumentos 118 de análise supramencionados o campo dos profissionais da gestão do desconfor to e o BanOpticon A TRANSNACIONALIZAÇÃO DA INSEGURANÇA O LOCAL DOS PROFISSIONAIS DA INSEGURANÇA NA GOVERNAMENTALIDADE DO DESCONFORTO ALÉM DO ESTADO Na abordagem dos processos de insecuritização que eu proponho aqui será importante evitar a tendência reinante a opinião popular do campo fre quentemente reproduzida pelos seus mais ferrenhos oponentes Isto comumente envolve atribuir uma gama coerente de crenças aos profissionais envolvidos no campo uma abordagem que eu evito a fim de não unificar gratuitamente os seus interesses divergentes ao analisálos erroneamente como aliados voluntários ou cúmplices A PRODUÇÃO DE UMA VERDADE TRANSNACIONAL Ao contrário é importante diferenciar claramente entre os pontos de vista de várias partes quanto ao modo priorizar ameaças Essas ameaças podem incluir terrorismo guerra crime organizado e a assim chamada invasão migratória ou colonização reversa enquanto ao mesmo tempo eles indicam a correlação entre várias profissões que podem incluir profissões de policiamento urbano policia mento criminal policiamento antiterrorista alfandegário controle imigratório inteligência contraespionagem tecnologia da informação sistemas de vigilância a longa distância e detecção de atividades humanas manutenção da ordem resta belecimento da ordem pacificação proteção combate urbano e ação psicológica Essas profissões não partilham a mesma lógica de experiência ou prática e não convergem organizadamente em uma única função sob a rubrica de segurança Em vez disso ambas são heterogêneas e estão em competição entre si Como veremos isso é verdade mesmo que as diferenciações mapeadas pela ideia quase mítica da fronteira nacional impermeável controlada pelo Estado tendam a desaparecer dados os efeitos da transnacionalização A transnaciona lização difere da homogeneização Ela corresponde em vez disso à continuação dos conflitos e à diferenciação em outro nível Três eventoschave estão ocorrendo agora que levou vários séculos para que essas profissões se diferenciassem em primeiro lugar uma desdiferenciação das atividades profissionais como resultado dessa configuração um aumento nos conflitos para redefinir os sistemas que classificam os conflitos sociais e culturais como ameaças à segurança e uma redefinição prática de sistemas de conhecimento 119 e knowhow que conectam as agências de segurança pública e privada que decla ram possuir uma verdade fundada em dados numéricos e estatísticas tecnolo gias de biométrica e perfis sociais de potencial comportamento perigoso aplicada aos casos de pessoas que sintam elas mesmas os efeitos da insecuritização vivendo num estado de desconforto Tais gestores profissionais do desconforto então afirmam pela autoridade das estatísticas ter a capacidade de classificar e priorizar as ameaças de determinar o que exatamente constitui a segurança Aqui destaquemos que esse assim chamado aumento do conceito é na verda de reduzido à correlação entre gerra crime e migração e não inclui a perda de emprego acidentes de carro ou boa saúde esta mesma abruptamente tornada insegura à medida que os benefícios sociais são desmantelados todos elementos considerados ao contrário riscos normais A segurança é então conceitualmen te reduzida a tecnologias de vigilância extração de informação coerção contra vulnerabilidades sociais e estatais em suma a um tipo de sobrevivência genera lizada contra ameaças vindas de setores diferentes mas a segurança é desconecta da de garantias humanas legais e sociais e proteção dos indivíduos Finalmente essa autoridade da estatística que advém das suas rotinas tecnológicas de coletar e categorizar dados permite que esses profissionais esta beleçam um campo de segurança no qual se reconhecem como mutuamente competentes enquanto se encontram em competição uns com os outros pelo monopólio do conhecimento legítimo sobre o que constitui um desconforto le gítimo um risco real Na produção desse regime da verdade e a batalha para estabelecer as causas legítimas do medo do desconforto da dúvida e da incerteza os profissionais da insegurança têm a estratégia de ultrapassar as fronteiras nacionais e formar alianças profissionais corporativistas para reforçar a credibilidade das suas asser ções e ganhar os conflitos internos nos seus respectivos campos nacionais39 Os profissionais dessas organizações em particular os serviços de inteligência retiram recursos de conhecimento e poder simbólico dessa transnacionalização No fim esses recursos podem lhes fornecer os meios para criticar abertamente os políticos 39 Para citar apenas um exemplo o ST Departamento de Inteligência Doméstica e contraespionagem francês equivalente ao MI55 britânico tentou provar sua força contra o DGSE encarregado da inteligência estrangeira equivalente ao MI6 britânico a respeito de informações sobre grupos terroristas no norte da África para realizar uma troca de serviços entre agentes engajados na guerra ao terrorismo e os engajados em contraespionagem Isso aconteceu para proporcionarlhe conhecimento e capacidade de atuar no exterior em modos nos quais estava impedido de atuar no interior O resultado foi o estabelecimento de ligações entre os serviços de inteligência da Tunísia de Marrocos da Argélia e da Síria que estavam opostos ao perfilamento racialnacionalcultural realizado pelas agências francesas com as quais elas vinham colaborando O DST Serviço de Inteligência de Contraes pionagem pôs alguns membros da oposição aos governos desses países que estavam vivendo na França sob vigilância boatos sugerem até mesmo que tenham sofrido tentativas de assassinato Em compensação o DST adquiriu informações mais precisas que o DGSE e usou essa rede transnacional para reforçar a própria posição interna Nos EUA as animosidades intranacionais tiveram impacto sobre a política de oposição no exterior como no caso do Afeganistão e de organizações clandestinas como a Al Qaeda nos anos 90 120 e as estratégias políticas dos seus respectivos países40 Isso explica como assim como já vimos quando o Presidente dos Estados Unidos invoca uma ameaça ele só tem credibilidade se não tiver sido contradito pela intelligence community co munidade de inteligência Se sua declaração se revelar infundada a credibilidade da sua recusa a revelar fontes para a sua afirmação supostamente baseada em razões de segurança nacional é posta sob séria dúvida41 Caso os profissionais da política e da insegurança venham a se confrontar diretamente manter esse tipo de conhecimento secreto já não é considerado prova de uma verdade oculta aces sível apenas aos políticos Ao contrário suscita dúvida sobre a possibilidade de eles sequer terem acesso a essa verdade e pode criar na população uma crença de que a verdade dos políticos poderia muito bem ser uma representação errônea ou uma completa falsidade Assim frequentemente a única alternativa que resta aos políticos é usar a arma do carisma para tornar sua opinião mais convincente Eles precisam então bancar um nível inflado de confiança pública e exigir que o elei torado mantenha uma fé quase religiosa no seu julgamento enquanto grupos de cidadãos se tornam ainda mais céticos quanto à informação à qual têm acesso42 REGIME TRANSNACIONAL DA VERDADE E TEORIA DO ESTADO SOBERANIA A noção de Estado concebida pela teoria das relações internacionais não pode se adaptar ao resultado dessas tensões criadas por ligações burocráticas transnacionais entre profissionais da política juízes polícia agências de inteli gência e o exército Ao contrário do que se afirma na principal corrente de escri tores céticorealistas sobre relações internacionais uma vez que essas burocracias diferenciadas com suas respectivas posições existam tornase impossível retornar a um interesse nacional ou assumir uma convergência nacionalista de interesses que permita a todos os partidos se unir em torno de um único governo Ao contrário essas burocracias diferenciadas são na verdade forjadas no crisol das redes internacionais e autonomizam diferentes setores políticos expressamente pelo propósito de assegurar que excedam o domínio dos políticos profissionais 40 Veja a contribuição de BONELLI Laurent Hidden in plain sight intelligence exception and suspicion after 11 September 2001 In Bigo Didier Tsoukala Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Christian Bonelli Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 41 Veja a declaração do antigo diretor da CIA George Tenet em 11 de Fevereiro de 2003 Testemunhando em frente ao Congresso ele contradisse a afirmação de George Bush televisionada no dia anterior em Cincinatti a respeito de informações sobre armas de destruição em massa no Iraque Mas ele foi obrigado a pedir demissão no ano seguinte 42 Na minha opinião essa dinâmica do campo é uma explicação mais efetiva que as teorias que enfatizam a in fluência fundamentalista de seitas religiosas os comportamentos messiânicos de líderes nacionais ocidentais como Tony Blair George Bush José Aznar ou Silvio Berlusconi 121 Essa tendência é particularmente aguda na arena europeia que se organizou so bretudo dentro dos limites do Estadonação Nos últimos trinta anos na Europa novas organizações surgiram leiase redes e grupos informais que transcendem as fronteiras nacionais e localizam os espaços de tomada de decisão política43 Apenas o trabalho sociológico sobre a transnacionalização das burocracias policial e militar foi capaz de mostrar que já não é viável manter a noção clássica do Estado Essa dispensa é especialmente evidente nos segmentos privatizados desses setores incluindo profissionais da gestão do desconforto e atores cuja pro fissão envolve avaliação de riscos e acompanhamento de assuntos de cobertura de seguro44 Esses trabalhos sociológicos identificam um campo transversal de processos de insecuritização pelos quais um certo número de profissionais de instituições públicas com domínios internos à nação tais como a polícia ou externos à nação tais como o exército ocupam as posições dominantes Ao manter essas posições eles excluem discursos alternativos e tornam virtualmen te impossível a resistência da parte dos nãoprofissionais O campo está assim estabelecida entre esses profissionais com regras do jogo específicas e regras que pressupõem um modo particular de socialização ou habitus Esse habitus é herdado das respectivas trajetórias profissionais e posições sociais mas não está claramente definido seguindo o exemplo de fronteiras nacionais Em termos muito simples já não podemos distinguir entre uma ordem in terna reinando graças à polícia pela posse do monopólio da violência legítima e uma ordem anárquica internacional mantida por um equilíbrio de poderes nacio nais frente aos exércitos e alianças diplomáticas Na prática o Estado já não é o deus Janus de duas faces com o qual estamos familiarizados desde a Antiguidade Posta em dúvida está a relevância de se ver uma separação rígida entre cenas internas e ex ternas tão fundamental à escola realista de Raymond Aron A logística de adminis trações estatais é completamente tênue O status da territorialidade estatal está sob 43 Entre os primeiros a perceber essa ligação Susan Strange a situou em dois contextos as economias políticas de gestão de crédito e mesmo a produção industrial e a política do conhecimento Porém ela não estendeu sua decla ração à segurança pensando que no setor de segurança da política ainda que apenas neste setor em virtude da soberania os profissionais ainda estavam em posição de tomar decisões E se ela concordava como outros que profissionais não eleitos do setor bancário tomam decisões no lugar dos profissionais da política ela ainda assim recusavase a acreditar que o mesmo ocorria no exército e na polícia cujas conexões profissionais ela não via e que ela continuava a imaginar como subordinados aos políticos nacionais Veja Strange S 1996 The Retreat of the State The Diffusion of Power in the World Economy Cambridge Cambridge University Press 44 Anderson M 1989 Policing the World Interpol and the Politics of International Police CoOperation Oxford New York Clarendon PressOxford University Press Anderson M Den Boer M Cullen P et al 1996 Poli cing the European Union Oxford Oxford University Press Bigo D 1996 Polices en Réseaux Lexpérience européenne Paris Presses Sciences Po Bigo D 2000 Liaison officers in Europe new actors in the European security field in J Sheptycki D Bigo Brodeur et al Issues in Transnational Policing London Routledge 67 100 Nogala D 1996 Le marché privé de la sécurité analyse dune évolution internationale Cahiers de la sécurité intérieure 24 6587 Deflem M 2000 Bureaucratization and Social Control Historical Foundations of International Police Cooperation Law and Society Review 343 87109 Neocleous M 2000 The Fabri cation of Social Order A Critical Theory of Police Power London Pluto Press Walker N 1994 European Integration and European Policing in M Anderson M Den Boer eds Policing across National Boundaries London Pinter Publishers 92114 122 discussão assim como as capacidades estatais para vigilância territorial e controle sobre esse mesmo território Mais além das questões da capacidade estatal de vigi lância e controle a equivalência entre sociedade nação e Estado é simbolicamente posta em dúvida Aqueles que governam já não se apoiam na retórica da soberania cidadania e a raison dEtatrazão de Estadocom a mesma performatividade A habilidade dos políticos de gerir é posta em questão assim como a correspondên cia entre suas crenças e as situações reais Essa forma de crise política sugere que o Estado poderia estar desatualizado não mais relevante e que e que ele é de fato mais apropriadamente visto no reino do ritual A suspeita inicialmente aplicada a políticos nos antigos regimes comunistas tornouse na verdade uma proprie dade geral de todos os tipos de arenas da vida política nas democracias ocidentais A dominação foi dissociada da forma territorial do Estado e suas classes políticas tradicionais Isso significa que a dominação não é menos poderosa senão que ela assume agora novas formas a transnacionalização das burocracias da vigilância e dos turnos de controle em sistemas de responsabilização entre empresas e políticos no que tange à definição de trabalho e às formas que sua redistribuição deve assu mir e os novos estilos de vida transicionais e culturas profissionais Porém à medida que encontram o transnacional essas formas apenas se somam à inalcançabilidade do Estado territorial como este foi classicamente definido por Hobbes e Max We ber e esse encontro pode de fato comprometer as bases da legitimidade que as classes políticas tradicionais ainda não conseguem efetivamente abandonar45 Pa ralelamente ao ascenso de um mundo essencialmente corporativo uma vez que se admita que o Estado já não é um ator unitário essa transnacionalização deixou seu impacto sobre todo o conjunto de burocracias e agentes que compõem o Estado Essa transnacionalização não afetou simplesmente as entidades privadas ONGs e movimentos de protesto afetou sobretudo atores comumente considerados enti dades públicas A transnacionalização das burocracias criou uma socialização e um rol de interesses profissionais diferenciados que adquirem prioridade em relação a solidariedades nacionais O CAMPO DOS PROFISSIONAIS DA GESTÃO DO DESCONFORTO OS RISCOS DO CONHECIMENTO Dado que este campo de profissionais existe há muito tempo é surpre endente que nunca tenha se tornado objeto de análise Por que esse ponto cego 45 Anderson M 1996 Frontiers Territory and State Formation in the Modern World Cambridge Polity Press Bigo D 1996 Security Borders and the State in J Sweedler S Allen eds Border Regions in Functional Transition Berlin Institute for Regional Studies 6379 Walker N 1994 European Integration and European Policing in M Anderson M Den Boer eds Policing across National Boundaries London Pinter Publishers 92114 123 ainda permanece sendo que essa exerce um papel tão central nas relações de dominação Isto se deve sem dúvida em grande parte à percepção comum do exército e da polícia como os executores obedientes e serventes zelosos do Estado uma narrativa igualmente encontrada no discurso interno desses profissionais e no discurso crítico sobre o aparato repressivo do Estado Além disso a composição do conhecimento disciplinar nas ciências sociais em particular a insistência de que a ciência política apenas tange a assuntos domésticos e que as relações internacionais são completamente autônomas em relação aos assuntos domésticos obscureceu as relações entre os profissionais As disciplinas vêm mostrando a tendência a dividir o campo em dois universos sociais inteiramente exclusivos idealizados como o mundo da polícia e o mundo do exército Isso acaba por desvalorizar de uma só vez todas as instituições interme diárias como a polícia militar os guardas de fronteira e os agentes alfandegários A estruturação do conhecimento acadêmico bloqueou a análise ao reproduzir o mapeamento das fronteiras do Estado em divisões organizacionais O resultado é que entidades separadas por fronteiras são criadas um domínio interno e exter no dividido de forma a que aquele controlado de acordo com o contrato social e o monopólio da violência se oponha ao sistema internacional antiteticamente anárquico deste e um horizonte hobbesiano expandido a um nível internacional postulando a possibilidade de guerra entre cada Estado e os demais Uma divisão correspondente se mantém entre polícia e os sistemas de justiça nacionais vistos como parte do domínio interno e o exército e a diplomacia considerados exter nos a este domínio O simples fato de descrever as ações policiais transpondo fronteiras como eu fiz antes em meu livro enfraquece a distinção entre as categorias de compre ensão tradicional que dependem da separação radical entre o interior e o exte rior46 Descrições de atividades militares dentro de um contexto doméstico ou a vigilância da internet por agências de inteligência os desenvolvimentos da justiça criminal ao nível internacional têm o mesmo efeito47 RBJ Walker mostrou em outras ocasiões como essa oposição interiorexterior serve tanto como limite da imaginação política quanto como fonte da sua coerência48 Como sublinha Ethan 46 Bigo D Polices en Réseaux op cit 47 Esses estudos foram conduzidos pelo por equipe do Centro sobre Conflitos e a rede ELISE Ver httpwww conflitsorg 48 RBJ A leitura de Walker sobre este ponto em InsideOutside dentrofora é particularmente importante porque nos lembra de até que ponto a grade analítica que diferencia entre o interior e o exterior a que nossas análises se encaixam de forma tão intuitiva é o produto do pensamento do Estado a lógica das disciplinas acadêmicas e as práticas e lucros simbólicos estabelecidos por essa diferenciação Ele mostra que uma concepção diferente da política em termos de fluxo e campo nos permite reunir categorias de práticas que haviam sido designadas para um espaço de dentro ou de fora em detrimento da análise e diferenciar essas práticas de outra forma Minha 124 Nadelmann em sua pioneira análise dos agentes DEA que conduzem o trabalho fora dos EUA Este livro representa o primeiro engajamento significativo de duas disciplinas acadêmicas política externa dos EUA e justiça criminal que tiveram tão pouco em comum uma com a outra A ampla maioria dos estudiosos da justiça criminal não estendeu suas atenções além das fronteiras de suas nações Entre estudantes da política externa dos EUA quase nenhum prestou muita atenção ao tema do crime e da imposição da lei 49 Agora outros trabalhos incluindo o meu deram um passo à frente alguns diriam um passo longe demais ao reconsiderar as linhas tradicionalmente estabe lecidas como fronteiras legítimas do conhecimento acadêmico Temos nos preocu pado especialmente em promover a sociologia política das relações internacionais que reintroduz fenômenos internacionais tornandoos fatos sociais diariamente normais e banais Quando desconstruímos a dicotomia entre o conhecimento interno e o externo a fronteira entre os mundos da polícia e do exército parece ser mais permeável Podemos assim considerar todas as agências intermediárias como as polícias com status militar guardas de fronteira agentes alfandegários ou agentes imigratórios para melhor entender as ligações que esses agentes estabele cem entre si e como os efeitos das suas posições têm implicações em suas respectivas narrativas Além disso desconstruir essa dicotomia nos permite entender como um continuum semântico é construído com a luta contra o terrorismo de um lado e a recepção dos refugiados do outro A desconstrução das fronteiras entre diferentes disciplinas do conhecimento permitiu que emergisse um campo coerente da aná lise uma configuração dotada de regras próprias e de uma coerência própria o campo dos profissionais da gestão do desconforto Esse campo se torna inteligível onde antes se viam apenas matérias marginais confinadas por disciplinas que se ig noravam mutuamente e se construíam em oposição umas às outras ou na melhor das hipóteses na intersecção entre diferentes campos Tais novos campos de inteli gibilidade incluem o trabalho da polícia além das fronteiras a justiça internacional condenando crimes militares ou a construção da imagem do inimigo interno pelos serviços de inteligência a tal ponto que seu perfilamento se aplique a certos grupos de habitantes estrangeiros dentro do próprio país Com essa teoria do campo dos profissionais da gestão do desconforto po dese assim ultrapassar a linha habitual traçada pelas ciências sociais entre inter no e externo entre problemas que repousam sobre termos de defesa e problemas da polícia e entre problemas de segurança nacional e problemas de ordem pú análise é fortemente grata a esse trabalho Ver Walker RBJ 1993 InsideOutside International Relations as Political Theory Cambridge Cambridge University Press 49 Nadelmann EA 1993 Cops across Borders The Internationalization of US Criminal Law Enforcement Uni versity Park PA Pennsylvania State University Press For a more detailed and critical analysis see Bigo D 1995 Compterendu de louvrage de Nadelmann Revue française de science politique 3 167173 125 blica Essa hipótese realmente reúne o exército assim como a polícia e todos os outros profissionais da gestão de ameaças nos seus próprios termos de figuração nas palavras de Norbert Elias ou habitus para usar o termo de Pierre Bourdieu Depois de ter hesitado através da extensão de vários artigos sobre como ex pressar precisamente essa hipótese interpenetração entre setores fusão de diferen tes universos sociais prefiro agora falar em termos de desdiferenciação dos temas da segurança interna e externa50 Essa desdiferenciação entre segurança interna e externa nos permite de fato relembrar o caráter social e historicamente construí do do processo de diferenciação em termos de sóciogênese do Estado Ocidental como delineado por Norbert Elias ou Charles Tilly Isso nos permite pensar o cam po da segurança como um campo que cruza o interno e o externo um novo espaço gerador de conflitos entre profissionais de segurança que produz interesses comuns um programa idêntico de verdade e novas formas de conhecimento Para compreender este campo como ele se estabelece dentro de um espaço transnacional da gestão do desconforto em sociedades de risco é necessário per formar a sua genealogia destacar as semelhanças que são consistentes ao longo do espaço e estabelecer o que é significativo sobre as diferenças que são tão pro fissionais quanto geográficas Um benefício dessa abordagem é mostrar como a cooperação policial está ligada à questão do controle das fronteiras à imigração à luta contra o terrorismo à relações com as forças armadas e às relações tran satlânticas poderíamos até mesmo incluir as relações entre a gestão privada e a pública da segurança sob este aspecto da coerção policial É importante não criar o problema acadêmico de uma torre de mármore ao considerar as organizações chamadas polícia nacional como objetos autocontidos que determinam a defini ção de polícia hoje Hoje em dia fazer o trabalho de policiamento constitui cada vez menos uma questão nacional e consiste cada vez menos em uma atividade restrita a organizações públicas conhecidas pelos nomes oficiais de forças policiais nacionais51 O POLICIAMENTO EM REDES POLICIAMENTO A DISTÂNCIA As atividades de policiamento se tornaram mais extensivas Atividades po liciais são formadas de conexões entre diferentes instituições e funcionam em re 50 Já explorei em outros contextos a interpenetração entre os respectivos setores que se interseccionam entre vários universos sociais a perda de marcas de referência e as fronteiras dos atores a confusão de identidades Veja por exemplo Bigo D 2001 Internal and External Securityies The Möbius Ribbon in M Jacobson D Albert Y Lapid eds Identities Borders Orders Rethinking International Relations Theory Minneapolis University of Minnesota Press 160184 51 Devido a limitações de espaço não listo as colaborações práticas entre diferentes forças policiais ao nível euro peu Muitos trabalhos anteriores já fizeram isso a minha prioridade é antes sugerir como entender as implicações metodológicas e teóricas da colaboração na polícia europeia pode beneficiar a nossa análise 126 des Sua formação também ocorre à medida que elas assumem um novo e amplo espectro de atividades e o projetam muito além das fronteiras nacionais Estas implementações geográficas de redes desterritorializam as atividades policiais em termos de missão e instituições e agora incluem o próprio judiciário com a liga ção entre a Eurojust e a Europol Essas atividades de policiamento em parti cular as dedicadas à vigilância e à manutenção da ordem pública agora ocorrem a distância além das fronteiras nacionais como com os detetives especializados em hooligans nas partidas internacionais de futebol ou pelos protestos e mani festações antiglobalização Mas isso também ocorre além das atividades policiais tradicionais e alcança as relações internacionais A prática de ignorar fronteiras por meio do policiamento da segurança interna também ocorre pelo envio ao exterior de conselheiros de segurança interna nos consulados que emitem vistos permitindo que pessoas entrem no Espaço de Schengen52 Isso afeta as linhas aéreas que em vez de polícia recebem a tarefa de verificar passaportes e contratar guardas de segurança privada e treinar o seu pessoal para realizar essas tarefas de controle Ela chega mesmo a transformar o papel dos exércitos em suas tarefas pacificadoras e reconstrucionistas como agora elas também recebem a missão de supervisionar atividades criminais potenciais que poderiam afetar a segurança interna Finalmente isso cria ligações com as agências de inteligência ao partilhar alguns dos mesmos bancos de dados Todas essas atividades participam no que se conhece como interrogatórios de segurança interna no exterior nos quais a vigilância se projeta sobre espaços estados e pessoas vistas como um perigo e uma ameaça à segurança nacional e à ordem pública Essa tendência a operar além das fronteiras nacionais ocorre não apenas por meio das atividades ligadas ao sistema Schengen de vigilância e às ações toma das nesse arcabouço pelo informante de cada Estadomembro Ela também ex cede as fronteiras reais da União Europeia quando cria demandas sobre os países candidatos à União Europeia como aquelas que se impuseram sobre os dez novos paísesmembros em 2004 ou quando se estende ao círculo de amigos da União Europeia ao condicionar o auxílio econômico à permissão de ter atividades poli ciais e imigratórias dentro de cada um desses países Ao mesmo tempo essas atividades policiais estão elas próprias sofrendo uma redefinição cujo efeito é o alargamento do espectro de um modo particular Seria patentemente equivocado concluir que essas atividades são principalmente orientadas ao crime ou a ações antiterror apesar da retórica A principal atividade 52 NT O Espaço de Schengen é criado pelo Acordo de Schengen o qual estipula a livre circulação de pessoas entre os países europeus signatários não se confunde com a União Europeia O nome Acordo de Schengen faz alusão à região luxemburguesa situada às margens do rio Mosela que fica próxima à tríplice fronteira entre Alemanha França e Luxemburgo onde já ocorria livre circulação 127 consiste antes em manter os estrangeiros mais pobres a distância por meio de con trole do fluxo de populações móveis Quinze anos de retórica intensiva criaram a crença em que pobreza crime e populações móveis estão intrinsecamente ligados mas a correlação entre crime estrangeiridade e pobreza é totalmente falsa53 O termo segurança interna agora usado para designar a segurança ao nível europeu é uma medida desses dois novos tipos de alcance Por um lado o alcance é geográfico com a dimensão da cooperação europeia e transatlântica por outro o alcance advém do papel e das obrigações das várias agências de in segurança O alcance geográfico e a redefinição de esferas de competência impli cados por ele vêm sendo objeto de numerosos comentários A dimensão real das mudanças ocorridas ao nível diário porém foi mal calculado devido à crença no discurso da suspensão de controles dentro da UE e a sua localização na fronteira externa da UE que supostamente cria liberdade de circulação para todos dentro da UE Na verdade devese enfatizar que controles foram descentralizados e mo dernizados mas não foram de forma alguma eliminados os controles permane cem dentro embora de modo aleatório na fronteira externa e mesmo fora Tanto os profissionais da insegurança quanto os políticos permaneceram em silêncio quanto à questão de como as atividades ligadas ao controle do fluxo transnacio nal de pessoas expandiram seu alcance Ao adicionar estas tarefas às tarefas tradi cionais do combate ao crime e assim proceder por uma extensão da definição de segurança esses atores fortaleceram sua posição institucional A consequência dessa extensão da definição de segurança interna ao nível Europeu é que ela clas sifica fenômenos extremamente distintos no mesmo continuum a luta contra o terrorismo as drogas o crime organizado a criminalidade transfronteiriça a imigração ilegal e para controlar mais ainda o movimento transnacional de pessoas seja na forma de migrantes refugiados ou outros cruzadores de fronteiras e mais amplamente ainda de qualquer cidadão que não corresponda à imagem social a priori que se tem da sua identidade nacional ex a primeira geração de filhos de imigrantes minorias O controle é assim ampliado para além dos parâmetros das medidas convencionais de controle do crime e o policiamento dos estrangeiros para também incluir o controle de pessoas que vivam em zonas rotuladas como de risco54 onde os habitantes são submetidos a vigilância por corresponder a um tipo de identidade ou comportamento ligado a predisposições consideradas como riscos 53 Tournier P 1997 La délinquance des étrangers en France analyse des statistiques pénales in S Palidda ed Délit dimmigration Brussels European Commission 133162 Tsoukala A 2005 Looking at Migrants as Enemies in D Bigo E Guild eds Controlling Frontiers Free Movement into and within Europe Aldershot Ashgate 161192 Wacquant L 1999 Des ennemis commodes Actes de la recherche en sciences sociales 129 6367 Dal Lago A 1999 NonPersone Lesclusione dei migranti in una società globale Milano Feltri nelli 54 Por exemplo os banlieues subúrbios franceses desfavorecidos ou centros urbanos em declínio 128 Este novo alcance de atividades permite uma nova lógica mais individua lizada da vigilância Seu novo alcance privilegia os ministros do interior e os mi nistros da justiça a ponto de esses ministros em particular terem percebido como combinar a nova lógica da vigilância ao nível da colaboração policial europeia por meio da forma de uma rede de relações entre servidores civis que lhes permite entender a situação além das fronteiras nacionais Isso possibilita a emergência de um corpo de expertise sobre assuntos extraterritoriais permitindo que vejamos ministros encarregados da segurança interna sendo internacionalizados Esse al cance se desenvolve da mesma forma que para alfândegas e ocorre em detrimento dos ministros sociais Ministro do Trabalho etc ou ministros especializados ministro dos assuntos europeus etc E esse alcance chega a ponto de impactar os domínios do ministro do interior e os ministros orientados aos assuntos inter nacionais assuntos estrangeiros e defesa Os vários ministros do interior então tomam iniciativas que abordam assuntos políticos estrangeiros a ponto de poder dizer que é para prevenir repercussões nos assuntos de segurança interna Vários trabalhos recentemente chamaram nossa atenção aos modos como os sistemas nacionais de polícia são estruturados em diferentes redes e se inspi ram em recursos internacionais de acordo com suas respectivas especialidades profissionais incluindo o tráfico de drogas o terrorismo a manutenção da or dem e as torcidas de futebol Essa diferenciação de especialidade significa que a polícia portanto não forma uma só rede única e homogênea Estaríamos mais bem servidos pensando em um arquipélago do policiamento ou um mosaico que preserva a unidade da polícia nacional da polícia militar do controle de alfândega da imigração dos consulados e mesmo dos serviços de inteligência e do exército da mesma forma como por exemplo essa polícia internacional opera atualmente nos Bálcãs Esses arquipélagos são estruturados além das suas atividades comuns seguindo as linhas da identificação cultural ex franceses britânicos alemães ou europeus do norte e do sul profissão ex polícia polícia com status militar agentes alfandegários nível organizacional ex nacional lo cal municipal missão ex inteligência controle de fronteiras polícia criminal conhecimento percepções de ameaças e de uma hierarquia de adversários e ino vação tecnológica sistemas informáticos vigilância eletrônica oficiais informan tes que sejam cruciais na gestão e na troca de informações entre agências Por muito tempo o campo da insegurança foi estruturado por meio de trocas transnacionais de informação e a rotinização de processos que lidem com informação de inteligência Seria ingenuidade ver esse fenômeno como um simples efeito da globalização As polícias nacionais vêm sendo transformadas em uma rede desde que foram criadas como instituições Ao contrário da polí cia judiciária e da criminal a prerrogativa da polícia de inteligência sempre foi conduzida independentemente das fronteiras territoriais e sempre se focou nas 129 identidades das pessoas sejam elas reais ou fictícias independentemente das suas origens ou locais de residência Desde o fim do século XIX a colaboração policial vem sendo muito ativa contra osas subversivosas Mas não há dúvida de que a ideia de europeização causou um aprofundamento das relações além das capacidades anteriores da Interpol desde o fim dos anos 1970 com a criação dos clubes de Berna e Trevi As ideias de movimento livre e controle de fronteiras aparecem com força total ao nível europeu nos anos 1980 As categorias legais de fronteira soberania e policiamento foram comprometidas por cinco transforma ções principais a distinção entre as fronteiras internas e externas da UE a criação das zonas de detenção do aeroporto internacional para imediatamente enviar de volta estrangeiros que não tenham os documentos certos para entrar no campo Schengen a tentativa de impor o termo refugiado econômico e de redefinir quem é refugiado com a decorrente diminuição das admissões concedidas a pes soas que busquem o direito ao asilo o uso do termo imigrante em vez do termo estrangeiro com a decorrente inclusão de alguns nacionais na classificação de estrangeiros suspeitos a relativização do termo estrangeiro oposto a nacional a fim de fortalecer a distinção entre membros da comunidade e Nacionais de um Terceiro País como nãomembros Mas devido à inabilidade de fincar e manter fronteiras como defendido pela retórica da segurança cada organização cada país separadamente ou em colaboração com outros tenta deslocar o locus do controle de volta à origem para bloquear e dissuadir a vontade de viajar no país de orgiem e para deslocar o ônus de controlar o movimento e o crime para outra polícia55 Essas mudanças causaram uma profunda disjunção entre o discurso sobre a segurança interna europeia e as práticas realmente levadas a cabo As fronteiras externas às vezes são de fato lugares arbitrários mas em circunstância nenhuma representam uma barreira eletrônica de segurança efetiva Fronteiras terrenas são muito facilmente rompidas e frequentemente a polícia permite que os candidatos entrem e contanto que esteja claro que não têm nenhuma intenção de permane cer no país não verificam sua identidade e até lhes explicam como chegar ao país vizinho Cf França e Reino Unido em relação a Sangatte De fato os controles de fronteira dentro da Europa não estão desmantelados como prometido pela retórica de livre movimento e seus freios e contrapesos O controle está privatiza do delegado a companhias aéreas e aeroportos que por sua vez subcontratam o trabalho a empresas de segurança56 O Controle é às vezes também mantido 55 Bigo D 1998 Europe passoire et Europe forteresse La sécuritisationhumanitarisation de limmigration in A Rea L Balbo eds Immigration et racisme en Europe Bruxelles Complexe 8094 56 Lahave G 1998 Immigration and the State The Devolution and Provision of Immigration Control in the EU Journal of Ethnic and Migration Studies 244 675694 Guiraudon V 2001 Denationalizing control analy sing state responses to constraints on migration control in V Guiraudon C Joppke Controlling a new migration 130 devido ao simples deslocamento de alguns quilômetros A maior medida do con trole é exercida por meio dos vistos e os controles nos consulados dos países de origem dos passageiros A articulação do SIS Serviço Secreto de Inteligência do Reino Unido e as práticas de controle da estrutura para alocação de vistos guiam as decisões táticas na guerra contra fraudes de documentos falsos e influenciam o processo de confecção de documentos induplicáveis usando tecnologias além das impressões digitais como fotografias numéricas reconhecimento facial ou de retina e outras técnicas biomédicas Essas tecnologias permitindo que a polícia discipline e puna além das fronteiras por meio da colaboração entre agências de segurança estão multiplicando uma tendência que polariza a profissão de poli ciamento Em geral dois tipos de policiamento aparecem dentro dos parâmetros da instituição da polícia nacional o primeiro emprega pessoal não qualificado ou minimamente qualificado que está no entanto presente e visível ao nível local como auxiliar da polícia do município do governo local ou outra O segundo tipo assume uma abordagem oposta ao empregar algumas pessoas altamente qua lificadas que estão em contato próximo com outras agências de segurança e con trole social caracterizadas por discrição e distância57 No que definem como uma relação osmótica entre esferas governamentais de alto escalão e atores privados estratégicos esses indivíduos tomam por sua a missão de prevenir o crime agindo sobre as condições de modo próativo prevendo onde o crime pode ocorrer e quem pode criálo Seu trabalho consiste em fazer análises prospectivas baseadas em conhecimento estatístico correlações hipotéticas e supostas tendências de pois prever um futuro considerando a pior das hipóteses e agindo para prevenila Esses profissionais creem ser mais profissionais e competentes que os outros e sua ambição é recolher com base em dados gerados informações abertamente dispo níveis dados socialcientíficos e as técnicas de operações de inteligência policial Esse sonho de uma comunidade epistêmica consensual conhecedora do futuro e definidora da linha do presente a partir desse conhecimento reversível persegue o imaginário desses profissionais que policiam transformações sociais a distância uma distância geográfica e uma temporal pilotada por essa lógica de previsão que funde ciência e ficção Esta perspectiva os põe em um espaço virtual do qual eles podem supervisionar tudo ao mesmo tempo que são tão discretos que não são eles mesmos vistos Nós também já não vemos aqueles que levam a cabo as ações do imaginário o alto número de policiais juízes e guardas prisionais A gestão populacional opera menos como uma prática enraizada de pastoreio que world London Routledge pages 121149 Guiraudon V 2002 Les compagnies de transport dans le contrôle migratoire à distance Cultures Conflits 45 124147 57 Estou em dívida com Laurant Bonelli por chamar minha atenção para o modo como esses dois tipos de controle estão polariados uma vez que percebamos isso é impossível ver a polícia nacional como uma profissão única e independente Vejam Monjardet D 1996 Ce Que Fait La Police Sociologie De La Force Publique Paris La Découverte 131 uma prática nômade que acompanha a migração sazonal de populações criada como efeito de tal lógica próativa Vigilância a distância significa trabalhar para controlar o movimento de populações para dentro e para fora Ela ocorre por meio de travas e mecanismos de exclusão como vistos controles estabelecidos pelas companhias aéreas depor tações e readmissões Além de restringir a liberdade de movimento ela ainda cria espaços penitenciários apesar de estes normalmente não poderem ser categoriza dos como tal na França na Grécia por exemplo os centros de detenção em ae roportos são chamados zonas de espera58 Já que seu policiamento descentralizado é delegado aos consulados localizados no país de origem do viajante esse modo de controle é muito menos visível que a polícia operando nas linhas de frente do controle de fronteiras A recusa a emitir um visto se torna a primeira arma da polícia e assim sendo se torna o local de grandes arbitrariedades em termos de tomadas de decisão A prática policial é dirigida à vigilância de estrangeiros pertencentes a minorias étnicas pobres e estende seu alcance além dos limites anteriores de investigação criminal por meio de ações próativas que capacitam a polícia a localizar grupos supostamente predispostos à criminalidade de acordo com o conhecimento sociológico O perfil dos culpados muda ele já não advém de uma suposta criminalidade mas de uma suposta indesejabilidade Prisões que confinam os culpados são menos significativas neste dispositif que os novos espaços penitenciários como os campos de contenção que repro duzem as mesmas condições carcerárias das prisões mas sem o julgamento de culpa O relaxamento da vigilância sobre a maioria dos indivíduos vista como pesada demais e totalizante demais beneficia a colheita global de informação e a perseguição dos grupos mais móveis as diásporas migrantes e se o argumento valer turistas Eu apliquei a noção de campo a esses profissionais engajados em segu rança interna para descrever os arquipélagos institucionais dentro dos quais eles trabalham seja no setor privado ou no público Em nome da segurança esses profissionais manuseiam tecnologias de controle e vigilância cujo objetivo é nos dizer quem e o que deveria inspirar desconforto em vez do que é inevitável CAMPO E REDES Como analisei em meu livro Polices en réseaux Lexpérience européenne assim como em vários artigos um campo deve ser definido em termos de quatro 58 See the 1996 23 issue of Cultures Conflits Circuler enfermer éloigner Zones dattente et centres de réten tion des démocraties occidentales Veja httpwwwconflitsorg para todas as edições do jornal 132 dimensões Primeiro o campo como um campo de força ou um campo magnéti co um campo de atração que polariza em torno dos riscos específicos dos agentes envolvidos segundo o campo como um campo de conflito ou um campo de batalha que nos capacita para entender as atividades colonizadoras de vários agentes as retiradas defensivas dos outros e os vários tipos de algoritmo tático que organizam conflitos burocráticos terceiro o campo enquanto campo de do minação face a face com outro campo o campo enquanto um posicionamento dentro de um espaço político e social mais amplo que permite a possibilidade de declarações que façam declarações de verdade baseados em conhecimento e knowhow e quarto o campo como um campo transversal cuja trajetória re configura universos sociais outrora autônomos e move as fronteiras desses reinos anteriores para que os incluam total ou parcialmente no novo campo Exempli ficando isso no caso da segurança está uma mudança que reconfigura algumas profissões policiais e militares assim como as profissões intermediárias que se guem a desdiferenciação de seguranças internas e externas por meio das práticas de violência e tecnologias de identificação e vigilância Se formos tentar uma definição preliminar do campo dos profissionais da insegurança ou de modo mais geral da gestão do desconforto começaríamos dizendo que o campo depende menos da real possibilidade de usar a força como nos relatos sociológicos clássicos de Hobbes ou Weber nos quais o campo seria definido puramente como uma função de coerção Ele depende antes da capaci dade dos agentes de produzir declarações sobre o desconforto e apresentar solu ções para facilitar a gestão do desconforto Ele também depende da capacidade das pessoas e técnicas de conduzir sua pesquisa a um nível rotineiro neste corpo de declarações que se desenrola para desenvolver correlações perfis e classificar aqueles que devem ser identificados e postos sob vigilância59 O desconforto pode suscitar temores riscos e a percepção de ameaças não intencionais Mas ao mes mo tempo agências usam sua capacidade analítica para antropomorfizar o perigo e constroem uma visão do inimigo às vezes causando intencionalmente ou não uma polarização social que estende ou reestrutura as alianças políticas O proces so de insecuritização repousa então nas habilidades rotineiras de agentes para gerir e controlar a vida de acordo com as palavras de Foucault atravessando as condições materiais concretas que estabelecem O CAMPO COMO UM CAMPO DE FORÇAS Se o campo da insegurança funciona como um campo de forças exercen do suas pressões sobre os agentes engajados nele é porque combina com uma 59 Veja os gráficos no apêndice 133 certa homogeneidade encontrada nos interesses burocráticos desses agentes seus modos semelhantes de definir o inimigo potencial e de acumular conhecimento sobre esse inimigo por meio de diversas tecnologias e rotinas Ele costuma ho mogeneizar os modos desses agentes de considerar uma gama limitada de tipos antropomorfizados para definir uma focalização partilhada por todos aqueles que se inspiram no campo60 Para entender as posições e discursos que situam esses agentes é necessário correlacionálos com sua socialização profissional e suas posições de autoridade em termos de seus papéis como portavozes das instituições legítimas dentro do campo dos profissionais da insegurança ou da gestão do desconforto O CAMPO ENQUANTO UM CAMPO DE CONFLITOS Campo de forças o campo da insegurança também funciona como um campo de conflitos dentro do qual os agentes se situam com os recursos e os objetivos diferenciados que estruturam suas posições Nesse sentido o campo da insegurança é um campo de conflitos para conservar ou transformar a configuração das forças do próprio campo61 Se esses conflitos correrem entre esses atores se essas competições acontecerem é porque de fato elas têm os mesmos interesses o mesmo senso do jogo e têm a mesma percepção do que está em risco Mas a fim de evitar estereótipos é necessário não presumir uma correspon dência automática entre posições e certos tipos de discurso A percepção dentro desses pequenos grupos do que está em risco pode ser afetada por dinâmicas tais como comportamentos interpessoais ou estratégias multiposicionais Além 60 Por exemplo se o imigrante costuma existir como o adversário comum da polícia do exército e dos políticos isso não é porque ele é designado como tal pelo consenso global Essa aparente convergência é na verdade efeito de diferentes modos de insegurança que convergem para tornálo inteligível como um sujeito de segurança para a polícia quanto ao crime ao terrorismo às drogas para o exército quanto à subversão zonas cinza para a imprensa economicamente por meio do desemprego demograficamente por meio da taxa de natalidade e o medo da mistura étnicoracial etc O discurso sobre assimilação tornase ele mesmo uma linha de segurança contanto que esteja preocupado coma integração de pessoas e não com o seu desenvolvimento interessado em precluir a futura oposição Essa mudança na imigração não é simplesmente uma mudança de percepção discurso ou política pública Sobretudo deriva de práticas concretas relacionadas a transformações de conhecimento prá tico know how e tecnologias Se quisermos analisar tais transformações no conhecimento precisamos primeiro reconectálas às reais práticas em vez de voltarmonos primeiro para racionalizações de segunda ordem que os agentes leram retroativamente nas suas práticas Em outras palavras precisamos observar as relações faceaface nas quais o impacto das tecnologias realmente usadas conta mais que as representações percepções e discursos que agentes atribuem a seus respectivos papéis Veja Dal Lago A NonPersone op cit Palidda S 2000 Poli zia Postmoderna Etnografia del nuovo controllo sociale Milano Feltrinelli Palidda S 1997 La construction sociale de la déviance et de la criminalité parmi les immigrés Le cas italien in S Palidda Délit dimmigration op cit 231266 Butterwegge C 1996 Mass Media Immigrants and Racism in Germany A Contribution to an Ongoing Debate Communications 2 203220 Tsoukala A 1997 Le contrôle de limmigration en Grèce dans les années quatrevingtdix Cultures Conflits 2627 5172 Huysmans J 1995 Migrants as a secu rity problem dangers of securitizing societal issues in R Miles D Thränhardt eds Migration and European Integration The Dynamics of Inclusion and Exclusion London Pinter 5372 Wacquant L Des ennemis com modes op cit Heisler MO 2006 The transnational nexus of security and migration to be published Bigo D 2002 Security and immigration toward a critique of the of unease Alternatives 27 6392 61 Bourdieu P Wacquant L 1992 Réponses Pour Une Anthropologie Réflexive Paris Seuil 78 134 disso a análise das diferenças entre posições não devem nos deixar esquecer que as táticas da colonização burocrática não avançam passo a passo e localmente por aumento incremental elas podem pular para outras atividades por exemplo desde a ameaça de terrorismo até desastres naturais em nome da velocidade e da disciplina Tal é o caso mesmo se for necessário acreditar pragmaticamente na proximidade dessas atividades por meio da construção de pontes semânticas dentro do continuum de riscos ameaças e insegurança62 O fundamental é que qualquer ação realizada por um agente para deslocar a economia de forças a seu favor tem repercussões em todos os outros atores como um todo Esses conflitos são fundamentais para entender a economia interna do campo e os processos de formação e alcance que a caracterizam No caso específico do campo in segurança o campo é determinado pelos conflitos entre polícia intermediá rios e agências militares sobre os limites e definição do termo segurança e em meio à privatização das diferentes ameaças assim como a definição do que não é uma ameaça mas apenas um risco ou mesmo uma oportunidade A questão central relevante à definição de segurança é assim saber quem está autorizado ou a quem é delegado o poder simbólico de designar exatamente quais são as ameaças A esse respeito é impossível avaliar o significado de ameaças julgando exclusivamente com base manifesta nas próprias declarações Para qualificar isso precisamos prestar atenção a quem está na posição de enunciação e às posições de autoridade dos próprios enunciadores ao mesmo tempo em que consideramos seus interesses pessoais políticos e institucionais dentro do campo Sem dúvidas é fácil demais definir definitivamente as forças centrífugas que compelem a polícia e o exército a partilhar os mesmos interesses as mesmas regras e a mesma visão do que está em risco ou seja quais são as ameaças emer gentes Apesar do atual estado do campo poderseiam imaginar forças centrí petas que operariam para levar o campo da insegurança a desviarse novamente ao longo do limite das atividades internas e externas ou mesmo pulverizálo em diferentes arranjos enquanto se mantêm as mesmas categorias por exemplo uma divisão guiada pela lógica das tecnologias Se as transformações de confli tos não tivessem um impacto direto e determinante no campo da segurança a chance de um reavivamento da ameaça militar da Rússia à China por remota que seja poderia ser imediatamente interpretada como extremamente perigosa e poderia reintroduzir um racha que traria de volta uma divisão do trabalho ante rior entre polícia e exército debilitando a tendência a partilhar recursos Mas na 62 Podemos aqui também mencionar o trabalho de Graham Allison sobre o segundo e o terceiro modelos e também o trabalho sociológico de Bourdeieu O trabalho de Allison é uma análise mais detalhada dos mecanismos de conflito e permite uma melhor compreensão da fluidez das posições de sujeitoVeja Allison GT Zelikow P 1999 Essence of Decision Explaining the Cuban Missile Crisis New York Longman Veja principalmente as competições que ocorrem em torno das fronteiras fluidas e das missões abertas que caracterizam as atividades colonizadoras das agências 135 verdade a extensão das ditas missões humanitárias ou a manutenção da ordem nos países não ocidentais ameaça acelerar os efeitos do campo ao fundir ainda mais o policiamento a inteligência e as atividades militares63 O 11 de setembro claramente exerceu um papel na produção de uma convergência entre posições tomadas quanto à segurança interna e à externa Mas essa convergência também revalorizou os esforços militares e legitimou o fato de que a guerra ao terroris mo não devia mais ser conduzida sob a égide da polícia Sobretudo sublinhou como os efeitos do campo foram propagados em ambas as direções a do aumento para incluir novas geografias64 e a funcional com a vontade de mobilizar e estender a todos os profissionais da gestão do des conforto o papel de vigilância antiterrorista65 O CAMPO COMO CAMPO DE DOMINAÇÃO O campo da insegurança também funciona como um campo de domi nação em relação a outros campos sociais incluindo às vezes o campo dos pro fissionais da política Ele costuma monopolizar o poder de definir as ameaças legitimamente reconhecidas crime organizado global terrorismo global guerra 63 Veja a contribuição de OLSSON Christian Military interventions and the concept of the political bringing the political back into the interactions between external forces and local societies In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Christian Bonel li Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 64 A colaboração transatlântica no antiterrorismo novas alianças e o reavivamento de uma OTAN diferente 65 Para dar um exemplo ao nível europeu a exacerbação dos conflitos ao nível nacional levou os atores neles envol vidos a pressionar os contatos internacionais a triunfar nacionalmente De modo a entender a europeização desse fenômeno e seu impacto precisamos ver como as alianças feitas além das fronteiras nacionais para promover uma certa concepção ou estilo de polícia dentro dessas fronteiras exerce força no processo mais agregado de europeização A polícia nacional francesa mais especificamente os seus serviços envolvidos com a luta antiter rorista foram capazes de usar a europeização como uma oportunidade de reforçar seu poder e em alguns casos libertarse dos domínios clássicos da contraespionagem As conexões são passadas do serviço central com uma tentativa de ser o único interlocutor da agência internacional Por outro lado a chegada tardia dos gendarmes for mou conexões ao nível local aproveitandose assim das suas forças estacionadas nas fronteiras e usou o trunfo transfronteiriço trabalhando com a polícia dos Länder países opostas elas próprias ao BKA Escritório Fede ral Alemão de Polícia Criminal trabalhando com a polícia francesa A historicidade desse contexto é importante Ao contrário do que sugere uma leitura superficial de Allison esses conflitos não são mantidos perpetuamente por uma economia de desejos pessoais ou por seu status estruturalmente inerente às burocracias mas pela relação dinâmica que emerge das suas trajetórias e conhecimentos recíprocos conhecimento prático e tecnologias que empregam A dinâmica de conflitos assume a configuração específica do campo que costuma recompor o proces so de insecuritização reconciliando o exército e a polícia e assim a modificação de sua distância relativa O que é necessário é persuadir os políticos de que conflitos sobre orçamentos missões e legitimidade são as áreas mais frutíferas para a gestão de ameaças transnacionais Aqui os fatores determinantes são as trajetórias das agências particularmente as que formam novas redes a partir de agências anteriormente desconexas Esse é o caso das gen darmerias que conectam os mundos policial e militar ou os juízes que conectam o mundo policial e o judiciário ou alternativamente o caso dos agentes alfandegários na guerra às guerras que criam pontes entre a polícia e os vários imperativos econômicos que privilegiam a livre circulação de bens Os interesses dessas agências interme diárias em ligar esses dois tipos de universo são opostos aos interesses das agências mais tradicionais e dentro das últimas aos interesses daqueles que tem tudo a perder como aqueles dedicados à contenção no exército e à segurança pública na polícia Assim a posição dos atores e ainda mais as suas trajetórias costumam determinar as posições que adotam os tipos de registro discursivo que eles usam e os tipos de retórica que eles mobilizam para seu conflito tornandoos praticamente cegos às suas reais semelhanças e interesses comuns 136 ao terror etc Isso quer dizer que os agentes do campo lutam pela autoridade de impor a sua definição de quem e o que inspira medo Na competição entre o campo dos profissionais da política e o campo dos profissionais da insegurança existem espaços indeterminados nos quais cada agente é obrigado a negociar e nos quais transações em conjunto operam no sentido forte do termo66 O campo como acabo de descrever essencialmente abarca as burocracias públi cas mas também inclui burocracias privadas negócios intermediários políticos e agrupamentos que funcionam para desenvolver uma mentalidade orientada à segurança na esfera pública Nosso entendimento desses atores privados é ainda incompleto mas há cada vez mais trabalho convincente disponível que nos ajuda a compreender a ligação complexa entre essas entidades e as burocracias públi cas67 O campo da segurança exerce a sua força ou capacidade de atração por seu poder de impor aos outros agentes por meio da crença que os integrantes do campo possuem enquanto especialistas o conhecimento suplementar e segre dos que apenas profissionais podem ter Essa crença é reafirmada pelo trabalho rotineiro diário tecnologias e a troca e partilha de informação como uma certa abordagem à mudança social riscos ameaças e inimigos que é constantemente invocada e reconfirmada O campo da insegurança é assim no seio do cam po do poder como um campo burocrático composto de especialistas que têm a capacidade de afirmar que sabem mais que os outros mesmo que os outros sejam os profissionais da política incluindo os chefes de Estado Nesse campo os agentes sejam governamentais ou não governamentais entram em conflitos com o objetivo de estabelecer uma esfera específica de práticas68 por meio das várias instituições de leis regras normas e o conhecimento rotineiro diário de quais regras e resoluções de tal estabelecimento são permitidos ou proibidos Mesmo que profissionais nacionais da política ainda exerçam um papelchave na estruturação de questões de segurança por causa do seu envolvimento diário no estabelecimento das práticas de segurança as agências e escritórios que compõem o mundo da segurança são talvez os únicos agentes capazes de afirmar com al 66 Sobre a ideia de uma transação conjunta veja Dobry M 1992 Sociologie des crises politiquesParis Presses de la FNSP Ao nível nacional o conflito entre o Conselho e a Comissão no retrato do terceiro pilar pilar de Justiça e Assuntos Domésticos da UE também reflete ocasionalmente esses conflitos Por ora essa abordagem das re lações entre os diferentes campos não está suficientemente analisada A pesquisa de Bourdieu sobre uma taxa de conversão do cpital por meio de um campo do Estado é pouco convincente e está limitada por sua dependência no pensammento da naçãoEstado O trabalho de Dobry é sem dúvida o mais pertinente e apropriado para analisar essas dinâmicas transnacionais de dominação mas seria necessário tomar a análise além do seu atual domínio de mobilização multissetorial Ambas as análises contribuem com a nossa análise mostrando o quão inatingível é a imagem da política conduzida pelos governos nacionais em oposição uns aos outros sob um guardachuva euro peu Esse tipo de análise nos força a questionar a autonomia dos atores mais poderosos no campo da segurança que são atores políticos no mesmo sentido que os banqueiros analisados por Susan Strange Sua análise por sua vez nos incita a refletir sobre as capacidades limitadas do plano de segurança definido como local e assumidas por políticos profissionais 67 Ocqueteau F 1998 Polices privées sécurité privée Déviance et Société 3 7299 Nogala D Le marché privé op cit 68 Operações que podem consistir em classificação categorização filtragem exclusão perfilamento ou cercamento 137 gum grau de sucesso a sua definição do que inspira desconforto Apesar de ser com certeza verdade que todas essas agências têm interesse em manter os termos que os atores políticos usam para rotular e retratar as ques tões elas encobrem e investem essas definições com as suas próprias significâncias e práticas A esse respeito os conflitos atuais entre agências operam em conjunto com o conflito que cada agência assume para ser reconhecida por políticos que ainda conservam o poder de abolir ou reformálas ou seja a segurança doméstica restruturando o equilíbrio burocrático de poder entre FBI CIA departamen to de Estado Departamento de Defesa Pentágono e guardas de fronteira ou o esforço para homogeneizar a avaliação de uma lista de terroristas e as relações conflituosas entre o segundo e o terceiro pilares com Europol Frontex Eurojust EACPO de um lado e Sitcen e o coordenador Antiterrorista de Vries de outro Esse conflito também ocorre em conjunto com o conflito para excluir outros ato res igrejas organizações Cruz Vermelha mídias alternativas desqualificando seus pontos de vista a respeito da definição de ameaças e das políticas públicas que almejem prevenir as ameaças69 OS EFEITOS DO CAMPO Os oito seguintes efeitos do campo da segurança nos permitem identificar os efeitos de dominação do campo Primeiro os sistemas de representação de agentes que anteriormente não compartilhavam esses sistemas convergem devido a seus interesses compartilhados em entrar nos conflitos para definir e priorizar as ameaças emergentes Segundo profissionais no campo da insegurança classifi cam toda transformação social global que afeta a sociedade à qual os políticos são incapazes de responder sob a denominação de ameaça cuja consequência final é definir um inimigo Essa convergência ocorre mesmo se a experiência imediata dos agentes os tiver levado a privilegiar os seus próprios papéis suas próprias mis sões específicas pelas quais eles entraram em competição em primeiro lugar cri me organizado global versus terrorismo global Terceiro agências de segurança reconhecem de um ponto de vista prático que qualquer perspectiva mesmo as de diferentes nações ou profissões pode estabilizar ou desestabilizar todo o corpo de relações que a agência mantém com os outros Assim cada agência integra o seu reconhecimento prático entre as suas estratégias Quarto algumas agências de segurança que anteriormente apareciam como marginais aos mundos da polícia e 69 Veja a contribuição de TSOUKALA Anastassia Defining the terrorist threat in the postSeptember 11 era In Bigo Didier Tsoukala Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLS SON Christian Bonelli Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Paris LHar mattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 138 do exército agora modificam suas imagens e parecem com ou sem razão estar no centro do dispositif de vigilância e controle agências como as alfândegas as de imigração a guarda nacional a polícia com status militar Quinto profissionais de política favorecem uma alocação diferenciada de missões e orçamentos que beneficia essas agências intermediárias e diminui a autoridade de agências mais tradicionais Sexto contatos e redes internacionais na economia do orçamento de conflitos nacionais ou regionais tornamse necessários Sétimo o conhecimento e knowhow na gestão do desconforto têm uma influência determinante em como as práticas de violência são resolvidas Oitavo tal gestão acontece a distância por meio de tecnologias voltadas a esse uso O CAMPO DA INSEGURANÇA COMO UM CAMPO TRANSVERSAL O problema não é portanto seguir uma concepção estática de fronteiras que nós imaginaríamos estabelecida de uma vez por todas mas adotar uma concepção dinâmica de fronteiras na qual as próprias fronteiras estejam em movimento Nessa abordagem o maior risco é definir precisamente em que consistiria tal concepção dinâmica Fronteiras são concreções de conflitos de poder em um espaço específico frequentemente materializado dentro de um território A fórmula de Michel Foucher vai além da moldura exclusiva da fron teira nacional para tocar o conceito de fronteiras sociais nas quais o espaço não está diretamente correlacionado a uma visão unidimensional do território70 Fronteiras são de fato às vezes instituições existentes no mundo material tais como as fronteiras físicas dos estados ou fronteiras adjudicadas pela relação ju rídica que regula a diferenciação entre o interior e o exterior Às vezes porém a propriedade da fluidez é mais importante que a sua existência material se o campo estiver em formação e não estiver suficientemente estabelecido para tornar proibitivos os custos de entrada A materialização das fronteiras por lei ou por normas profissionais está assim frequentemente atrasada em relação à realidade das fronteiras de um campo estruturado pelo conflito e as relações de atração A materialização das fronteiras legitima e consagra um momento particular no qual ela estava no interesse de todos os atores no modo preciso que resultou nessa materialização Esse espaço de tempo significa que é extre mamente difícil rastrear empiricamente as fronteiras do campo examinandoo somente do ponto de vista de suas características institucionais já que elas inevitavelmente remontam a um momento na verdade anterior às relações de força que ocasionaram a materialização desse momento 70 Foucher M 1991 Fronts et frontières Un tour du monde géopolitique Paris Fayard 139 A transversalidade do campo é um termo que nos permite limitar o espaço além das fronteiras nacionais que caracteriza as relações entre agentes essencial mente públicos do campo sem pressupor a existência de outro nível de demar cação como a União Europeia a ideia de Europa num sentido mais amplo ou o Mundo Ocidental71 Seguindo a noção de transversalidade podemos integrar a ideia de glocalidade trazida por empresas de gestão japonesas para marcar os mesmos produtos com propagandas diferentes elaboradas para pessoas locais e que James Rosenau popularizou para mostrar que muitos fenômenos conectam o global e o local A glocalidade e a transversalidade nos permitem entender que o campo da insegurança é empregado em um nível irredutível seja ao campo político nacional ou a um nível entre duas nações ou mesmo ao nível europeu O Estado aqui não é o espaço da conversibilidade ou moeda universal por modos diferentes do capital social Bourdieu aqui estava errado e não foi cuidadoso o suficiente com os caracteres transnacionais e transversais do processo de globa lização Além do Estado a noção do campo transversal da insegurança torna possível a análise de um espaço que é de fato social e político mas transcende a divisão internoexterno ou nacionalinternacional imposta pelo estado de espíri to territorial Esse espaço social ou esse campo de insegurança é empiricamen te construído como resultado das posições diferenciadas de diferentes agentes de segurança polícia nacional polícia local controle alfandegário serviços de con trole de fronteiras agências de inteligência exércitos etc em diferentes países europeus a centralidade da polícia francesa a diversidade da polícia britânica o federalismo alemão as tradições polonesas específicas etc Então é efetivamen te definido pelo lugar que essas agências ocupam enquanto atores nacionais mas também pelas redes transnacionais de relações que elas formaram em um espaço maior que os seus próprios cuja propriedade de definição cíclica é sua tendência a ampliarse incessantemente devido a sua recusa a reconhecer fronteiras quer sejam geográficas ou culturais 72 Por essas razões quando se descreve e analisa o campo da insegurança não basta apenas reconstruir o conhecimento prático dos respectivos atores por meio de entrevistas ou apenas inventariar as agências que criam esse knowhow 71 Sobre as relações entre a estrutura da UE e deu status de estado veja Caporaso JA 1989 The Elusive State In ternational and Comparative Perspectives Newbury Park Sage Publications Kleinman M 2002 A European Welfare State European Union Social Policy in Context New York Palgrave Convencionalmente cada vez que a fronteira é repensada ela é concebida em outro nível como uma entidade mais global limitando o espaço Ao contrário disso proponho pensar na natureza transversal da fronteira como um estado de não fechamento como a topologia da faixa de Möbius Veja Bigo D Internal and External Securityies op cit Balibar E 2003 LEurope lAmérique la guerre Réflexions sur la médiation européenne Paris La Découverte 72 Não é uma questão de uma série de campos autônomos racionais mas de um campo no qual por exemplo as decisões estratégicas do BKA têm impacto nas instituições alemãs do BG5 mas também no PJ francês ou no DIA italiano por uma série de mediações como as que descrevi Veja Bigo D 1998 Sécurité intérieure implications pour la défense Research Report DAS French Ministry of Defence 140 Porque ao fazêlo presumese que ao adicionar os atores burocráticos e políticos dos Estadosmembros da União Europeia supostamente parceiros naturais para essas relações temos uma estrutura lógica Essa estrutura é na verdade dada pelo fato de que os Estadosnação estão naturalizados como a arena onde todas as relações de insegurança são nego ciadas e onde os efeitos da insegurança devem ser compreendidos por meio da análise das interações desses membros julgando sua semelhança e diferenças face ao outro membro de acordo com uma cultura nacional ou critério de especificidade O meu método consiste em vez disso em descrever as rela ções derivadas de práticas de vigilância de controle etc e não de culturas supostamente nacionais Essas práticas que derivam sua agência do fato de es tar inseridas em ou transversais a várias organizações e instituições devem ser determinadas por meio de redes profissionais que estão inscritas em um espaço social além das fronteiras das culturas dos estados nacionais Esse campo além das fronteiras do Estado cria então formas de colaboração e competição que se estabelecem entre agências que tinham anteriormente pouco contato umas com as outras exércitos agências de inteligência polícia militar controle de frontei ras controle alfandegário polícia judiciária segurança civil o sistema de justiça Isso compele a polícia a estender parte de suas operações além das fronteiras do Estado e ali permanecer como demonstra o policiamento nas missões da ONU no Kosovo ou mesmo agora no Afeganistão De modo semelhante o campo compele o exército a se interessar cada vez mais pelo que ocorre dentro das fron teiras nacionais como demonstram os grampos telefônicos o monitoramento das atividades transfronteiriças e agora a detenção de intrusos inimigos dentro do território nacional73 O estímulo é ainda maior para as agências que medeiam dois domínios serviços de inteligência polícia com status militar ou escritórios alfandegários ou de migração ao forçálos a reestruturar suas missões em função da assim chamada nova ameaça global a qual varia ela própria no tempo crime organizado global Estados falidos ou agora a guerra ao terror O efeitocampo field effect traz novos sistemas de interação entre as agên cias ao reestruturar suas fronteiras de acordo com suas missões preparando o terreno para a eventual competição orçamentária e brincando com seus papéis dentro da função geral de coerção ou mais especificamente a gestão das ameaças Ele leva à privatização de certas formas de insegurança sobretudo sobre indi víduos mas também sobre questões locais ou comunitárias e às vezes chegando 73 Veja a contribuição de GUITTET EmmanuelPierre Military activities within national boundaries the French case In Bigo Didier Tsoukala Anastassia Terror insecurity and liberty Illiberal practices of liberal regimes after 0911 New York Routledge 2008 e In BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET Emma nuelPierre OLSSON Christian Bonelli Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Ga mes Paris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 141 mesmo à privatização das atividades militares e leva agências públicas a se con centrar nas formas de insegurança que se estendem entre os domínios interno e externo Ele pode mudar em raras ocasiões o senso geral de prioridades Ele faz o domínio do policiamento privilegiar o crime organizado e o terrorismo em vez de prevenção ou policiamento comunitário e faz o mundo militar alocar mais discursos públicos e às vezes recursos às assim chamadas ameaças transversais74 e à sua prevenção que às questões anteriores de contenção e proliferação O campo contemporâneo da insegurança ao nível europeu pode então ser des crito como um certo universo que produz um conhecimento específico confron ta agentes sociais existentes em diferentes posições institucionais Neste campo encontramos representantes de problemas de segurança não só entre os agentes instalados no território que esperaríamos como a polícia ou a polícia com status militar agentes alfandegários funcionários de alto escalão dos ministérios do interior das relações exteriores ou dos departamentos de defesa também en contramos políticos que se especializam nesses problemas Estrategistas militares aderem a este campo e entram em conflitos que modificam a complexa economia das relações entre as antigas agências de segurança interna polícia polícia com status militar alfândega imigração e serviços de asilo por mais tangencialmente que seja O novo alcance do exército dos correlatos militares com uma tendência geral em por ênfase estratégica na segurança interna enquanto se perde o interesse em questões mais classicamente relacionadas à defesa Esses profissionais da in segurança vêm tradicionalmente dos domínios da polícia alfandegários e polícia com status militar mas mais recentemente vem tendendo a vir de novos cam pos advogados diplomatas oficiais do exército e gestores de empresas que traba lham na produção de materiais usados por essas administrações políticos espe cializados em assuntos relacionados à defesa membros de grupos relacionados a esses meios e por último mas não menos importantes acadêmicos especializados em estudos de segurança75 Assim os agentes do campo da insegurança apesar da sua aparente diversidade podem ser definidos como profissionais da gestão da ameaça ou do desconforto produtores do poderconhecimento sobre o dualismo segurançainsegurança Ainda assim o que é essencial é não nomear exaustivamente esses agentes mas discernir e analisar o que mantém juntas essas diferentes partes constituin 74 Terrorismo crime organizado com o desenvolvimento da biométrica enormes bancos de dados de vigilância mudança em aeroportos guerra tradicional construção do Estado e reconstrução da democracia 75 Reconheço aqui a crítica de Ole Waever e Barry Buzan Eles argumentaram que o campo da segurança como eu definira em Polices en réseaux estava limitado demais e enfatizava demais as relações entre agências essen cialmente burocráticas criando assim um ponto fixo Consequentemente argumentavam eles era necessário afastarse do campo semântico criado por pontos de referência que explicitamente citavam a segurança e estender a análise para que inclua atores privados 142 tes o que as faz entrar em competição por um grupo de riscos que nunca antes haviam reconhecido quando eram indiferentes uns aos outros É por isso que minha pesquisa tratou das práticas e relações entre quatro termos conceituais anteriormente desconexos segurança interna segurança externa guerra e con flito e crime e delinquência na tentativa de pensar as relações entre a polícia e o exército o crime e a guerra mundos superiores e submundos as agências responsáveis pela vigilância e seus alvos e tecnologias Aqui é necessário amarrar trabalhos anteriores sobre essas questões a fim de mostrar como o espaço narrati vo dos agentes que acabo de discutir mediante ameaças são retraduzidos por um lado em um espaço de posições sociais por intermédio das suas posições sociais e institucionais particulares ou habitus e por outro por meio de um dispositif transversal que conecta as suas práticas Mas o que está imediatamente em ques tão aqui é entender como os efeitos práticos do campo entram em operação Falar do campo da insegurança exige que vamos além do inventório das agências que se suspeita de participação na função da coerção Exige que ques tionemos imediatamente as características limites e efeitos do campo Empirica mente é necessário descrever os efeitos do campo dando exemplos e mostrando como eles atuam quer isso ocorra em termo de polarização diferenciação desdobramento involução ou mesmo esvaziamento76 Precisamos de fato estabelecer os limites e oportunidades que o campo dá aos agentes efeitos que são visíveis e entender as suas relações menos visíveis tanto dentro quanto fora do campo Esses efeitos do campo rastrearão os limites do campo em contornos aproximados limites que nunca são dados mas dependem da configuração particular de um dado momento de um conflito dentro do campo e entre esse campo específico e outros campos e determinará os efeitos da dominação en tre os campos no que tange a verdade das normas contestadas ou seja a verdade sobre as armas de destruição em massa e a competição pela última palavra entre os profissionais da política e os profissionais da insegurança O DISPOSITIF BANOPTICON A gama de efeitos do campo que mencionei acima não provém somente dos processos e relações entre os agentes do campo É também resultado das suas relações com outros campos Essas relações são formadas pelo dispositif que per 76 A dinâmica do campo da segurança constuma aumentarse constantemente mas pode com certeza também diminuir É possível dessecurizar Um problema que resulta assim é o das lacunas criadas no espaço ou as diferenças em pressão que o refluxo dessas estruturas cria O espaço não é homogêneo nas fronteiras do campo Isso é verdadeiro tanto em termos de atividades e geográficos Em vez de assemelharse a uma esfera o campo assemelhase à topologia de uma gruyère francesa Eu devo essa ideia ao estudo apresentado por John Crowley a Jon Solomon na escola militar de SaintCyr Coëquidan sobre as formas da segurança contemporânea e a própria terminologia inglesa Essa topologia da lacuna ou gruyère deveria der conectada à ideia do laço de Möbius 143 corre instituições e não são redutíveis à lógica dessas instituições ou mesmo aos habitus dos seus agentes no sentido que Bourdieu deu ao termo Michel Foucault fala do dispositif da sexualidade e do dispositif da prisão Sabemos muito bem que o seu pensamento sobre a prisão foi inspirado pela ima gem de Jeremy Bentham do panopticon devido ao fato de que ele representava simultaneamente a arquitetura o discurso campo da racionalidade e do projeto estratégico ao mesmo tempo que incorporava a vontade de conhecimento cien tífico77 Muitas discussões sobre o uso foucaultiano de Bentham têm duas vias criticam a leitura parcial de Bentham por Foucault ao mesmo tempo que nos lembra de que o número de prisões de fato construídas segundo o modelo de Bentham foi bem pequeno e que a prisão mudou de função durante o período clássico como no caso da instituição dos escravos de galé quando não estavam em navios Mas respondendo a essa crítica é essencial reconhecer que o dispositif não se manifesta em uma única instituição da prisão É antes transversal Requer heterogeneidade diversidade Não é a função da prisão enquanto espaço fechado punitivo que é crucial mas antes o fato de que a prisão concentra em um espaço específico os mecanismos de controle e vigilância que estão pulverizados pela so ciedade como fábricas quartéis e escolas No trabalho de Foucault o panopticon é útil porque não apenas nos permite entender a prisão como o faz no trabalho de Bentham mas também serve como um modo de compreender como a socie dade como um todo funciona Se o programa de insegurança chefiado por alguns agentes é sem dúvida uma estratégia programática de uma escalada generalizada de vigilância a um nível que é ao mesmo tempo tão globalizado e individualizado quanto possível não é de modo algum o diagrama dos efeitos do poder e da resistência Se o dis positif do panóptico existe no sentido foucaultiano é de um modo fragmentado 77 A ideia de campo transveral ou rede deve ser conectada à noção foucaultiana de dispositif Como primeiro ex plicado e depois repetido por Foucault Le jeu de Michel Foucault Ornicar July 1977 10 and Dits et Ecrits III 299 translated by Grosrichard A as The Confession of the Flesh in C Gordon ed PowerKnowledge Selected Interviews and Other Writings 19721977 New York Harvester Press 1980 194195 um dispositif é primeiramente uma coleção completamente heterogênea de discursos instituições formas arquitetônicas decisões regulatórias leis medidas administrativas declarações científicas proposições concisas filosóficas e morais o dito tanto quanto o não dito Tais são os elementos desse aparato O aparato em si é o sistema de rela ções que pode ser estabelecido entre esses elementos Em segundo lugar o que estou tentando identificar nesse aparato é precisamente a natureza da conexão que pode existir entre esses elementos heterogêneos Assim um discurso particular pode figurar em um momento como o programa de uma instituição e em outro pode funcionar como um meio de justificar ou mascarar uma prática que permanece ela própria silenciosa ou como uma rein terpretação secundária dessa prática abrindo para ela um novo campo de racionalidade Em suma entre esses elementos discursivos ou não discursivos há um tipo de interação de mudanças de posição e modificações de função que podem também variar muito amplamente Em terceiro lugar eu entendo pelo termo aparato um tipo de digase formação que tem como sua principal função em um dado momento histórico a de responder a uma necessidade urgente O aparato tem assim uma função estratégica dominante há um primeiro momento que é a influência prevalente de um objetivo estratégico Depois o aparato como tal é construído e habilitado para continuar em existência contanto que seja o local de um duplo processo Por um lado há um processo de hiper determinação funcional por outro há um processo eterno de elaboração estratégica Rejeito aqui a tradução de dispositif como aparelho ou aparato para evitar uma althusserização de Foucault 144 e heterogêneo e não há nenhuma manifestação centralizada dele ao contrário das várias afirmações de dominação imperial norteamericana que se tem pro mulgado desde onze de setembro Se os seus efeitos persistem o senso de império ao qual se sujeita corresponde mais ao uso feito por Hardt e Negri do termo império no qual os vários processos políticos das coalizões estatais manobras de grandes corporações e os efeitos das pesquisas de opinião que empiricizam o desconforto da destruição em massa convergem em direção ao fortalecimento da informática e da biomédica enquanto modos de vigilância que se concen tram nos movimentos transfronteiriços de indivíduos Esse diagrama não é um panopticon transposto a um nível global é o que chamamos combinando o termo ban de Jean Luc Nancy refigurado por Giorgio Agamben e o termo opticon do modo como o usa foucault um banopticon78 Essa formulação do Banopticon nos permite entender como uma rede de práticas heterogêneas e transversais funciona e faz sentido enquanto forma de insegurança ao nível transnacional Permitenos analisar a coleção de corpos heterogêneos de discursos sobre ameaças imigração inimigo interno quinta coluna imigrante muçulma nos radicais versus bons muçulmanos exclusão versus integração etc de insti tuições agências públicas governos organizações internacionais ONGs etc de estruturas arquitetônicas centros de detenção zonas de espera e as pistas de trânsito em aeroportos da área de Schengen redes integradas de videocâmera em algumas cidades redes eletrônicas munidas de instalações de segurança e vídeo vigilância de leis de terrorismo crime organizado imigração trabalho clan destino refugiados ou para acelerar os procedimentos de justiça e para restringir os direitos dos direitos do réu e de medidas administrativas regulação dos sem papéis acordos negociados entre agências governamentais face a políticas de deportaçãorepatriação aviões comuns especialmente designados para deporta ção com custos divididos entre diferentes polícias nacionais etc Ela nos permite entender que a vigilância de todos não é um objetivo atual mas a vigilância de um pequeno número de pessoas que estão presas no imperativo de mobilidade enquanto a maioria é normalizada é definitivamente a principal tendência do policiamento da era global Eu gostaria de esmiuçar aqui três dimensões desse Banopticon para ex pressar como o controle e a vigilância de certos grupos minoritários acontece a distância Essa vigilância da minoria perfilada como indesejada é na minha opinião a função estratégica do diagrama uma função oposta à vigilância da 78 Esse tempo Ban que vem do alemão antigo tanto significa a exclusão realizada pela comunidade quanto serve como a insígnia da soberania É o que é excluído da soberania no alto como dispensa do comando e o que é ex cluído debaixo como discriminação rejeição repulsa e banimento René Girads já chamou nossa atenção a esse efeito emparelhador do soberano absoluto introduzido pelo ban Giorgio Agamben desenvolveu o ban exten sivamente na sua análise do homo sace mas continuou a insistir na dimensão de soberania e menos na exclusão e menos ainda na normalização 145 população inteira ou o Pan o que é apenas o sonho de alguns agentes do poder mesmo que a retórica pósonze de setembro articule uma informação total79 O Banopticon é então caracterizado pelo excepcionalismo do poder re gras de emergência e sua tendência a tornarse permanentes pelo modo como exclui certos grupos em nome do seu potencial futuro comportamento perfila mento e pelo modo como normaliza os não excluídos por meio de sua produção de imperativos normativos o mais importante dos quais é o livre movimento as assim chamadas quatro liberdades de circulação da UE que tangem bens capital informação serviços e pessoas Esse banopticon é empregado a um nível que sobrepuja a naçãoEstado e força os governos a fortalecer sua colaboração em espaços mais ou menos globa lizados tanto físicos quanto virtuais às vezes globais ou ocidentalizados e ainda mais frequentemente europeizados Os efeitos do poder e da resistência já não es tão assim contidos pela matriz política da relação entre Estado e sociedade Eles transpõem o limite de representações inscritas dentro do Estadonação desco nectam as relações diretas entre Estado e indivíduos dentro e entre o exterior do Estadonação em sua relação com outros Estados como um universo diferente EXCEPCIONALISMO DENTRO DO LIBERALISMO Falar no excepcionalismo do poder é referirse à relação entre a produção jurídica de leis especiais e os seus efeitos simbólicos legitimizantes estado de emergência medidas excepcionais e derrogatórias rotinas administrativas emiti das de legislação especial anterior e também como os dominados de um tem po e lugar específico são socializados pelos seus governantes para acreditar que estão decidindo que tipo de poder dominante é aceitável ou não Essa relação como conhecemos está longe de ser estável e longe de ser um dado permanente A distinção entre os governantes e os governados é um efeito ao macronível das relações moleculares de poder e resistência O liberalismo tentou legitimar a sua própria dominação com a ideia de separação dos poderes por meio da qual o poder deve limitarse a si mesmo especialmente por meio de freios e contrapesos com o efeito de que a população enfim consente ativamente em ser cúmplice da própria dominação e confiar na justiça e nos advogados para sua liberdade Retratado desse modo o liberalismo é o contrário do excepcionalismo O libera lismo é visto como o oposto de um pensar soberano ou uma razão de Estado Ainda assim entre as definições do excepcionalismo enquanto suspensão da lei ou rompimento da normalidade há espaço para outras visões do excepciona 79 Veja o Total Information Awareness Programme rebatizado como Terrorist Information Awareness Programme 146 lismo que combinam exceção tanto com liberalismo quando com o dispositif rotinizado das tecnologias de controle e vigilância A exceção funciona de mãos dadas com o liberalismo e dá a chave para entender seu funcionamento normal assim que passamos a evitar ver a exceção como apenas um caso de leis especiais Ainda assim uma das primeiras questões do presente é o status dessas leis especiais e os poderes excepcionais dos quais elas se encarregam Não me parece que elas suspendam cada lei apenas derrogam das legislações normalizadas algumas das quais são leis especiais com as quais nos acostumamos a viver Mas elas instalam no seio do nosso tempo presente a ideia de que estamos vivendo em um estado de emergência permanente ou em um estado de exceção permanen te Sua mera existência não reconfigura a existência de normas rotinizadas É a norma que define a exceção ou a exceção que define a norma Giorgio Agamben fortemente influenciado por Carl Schmitt invoca a possibilidade de que exercer a soberania signifique a possibilidade de estar ao mesmo tempo dentro e fora da ordem jurídica dada a possibilidade de que o poder soberano consiga proclamar um estado exceção Ausnahme assim suspendendo a validade da sua própria ordem jurídica80 A exceção é então mais interessante que a norma uma vez que ela define o limite que permite o estabelecimento da interioridade ou seja envolver o ex terior como escreve Blanchot Esse processo de interiorização permite à sobera nia ou exceção delimitar tanto o espaço quanto o objeto aos quais se aplica Mas para que isso aconteça é necessário que o soberano dependure esse espaço se exteriorize a fim de estabelecer os limites da inclusão O paradoxo assim nos remete às famosas mãos desenhadas em nanquim por Escher que se desenham um a outra Ao pensar a contingência da linha desenhada é necessário pensar não apenas em termos de interior e exterior mas também em termos do metanível que permite a contingência do traçado da fronteira entre interior e exterior É a isso que se poderia chamar hierarquia interseccional ou o efeito da au toorganização onde o instituidor e o instituído da linha são mutuamente cons titutivos A figura topológica que representa essa coprodução da instituição na qual o instituído depende do instituidor mas esse instituidor é ele próprio ins tituído pelo instituído é a mesma figura que aquela que nos permite entender a indeterminação objetiva das fronteiras e que faz a diferenciação entre interno e externo uma diferença intersubjetiva a figura do laço ou da faixa Möbius81 Essa figura sugere uma topologia que impede a linha traçada de um círculo de 80 Agamben G 1998 Homo Sacer Sovereign Power and Bare Life Stanford Stanford University Press 15 81 Bigo D 2000 When Two Become One Internal and External Securitizations in Europe in M Kelstrup MC Williams eds International Relations Theory and the Politics of European Integration Power Security and Community London Routledge 171205 147 simplesmente extirpar o sagrado do profano o interno do externo o instituidor do instituído Já não é possível à fronteira ser feita objetiva para sempre dada e inteligível simplesmente porque está inscrita no espaço e no tempo A fron teira depende do olhar dado pelo observador e da sua posição enquanto o seu julgamento do que é interno ou externo variará de acordo com essa posição do mesmo modo que a sua visão do que ele institui ou do que é instituído sobre ele Desse ponto de vista sobre o que é uma fronteira a relação de exceção não é derivada da relação soberana de exclusão é uma relação de exclusão que engendra o sentido de norma e ordem jurídica ao suspender por certo tempo um objeto da ordem jurídica e isso é diferente de uma simples relação de interdição espacial que fabricaria um exterior encapsulandoo em um círculo É essa suspensão das categorias jurídicas e a possibilidade de inventar ou tras novas ao mesmo tempo a fim de preencher a lacuna que criam incerteza e dúvida Incerteza da qual o poder pode se aproveitar na prática para desestabili zar as velhas categorias como o conceito de guerra de prisioneiro de guerra ou de refugiado redefinindoas contra seu significado jurídico anterior ao mudar suas relações por meio uma infusão de uma nova categoria isto é o combatente inimigo Assim contanto que o governo dos EUA continue a invocar a diferen ça no que concerne às regras aplicadas a prisioneiros de guerra entre a guerra ao terrorismo e a guerra ele exerce uma forma extrema de excepcionalismo que suspende a ordem jurídica e a reconfigura estabelecendo novas categorias que devem ser definidas e que ocupam um espaço anteriormente preenchido por outro conceito Esse processo persiste contanto que continue a redefinir o pacto proteção ao recusarse a aplicálo a estrangeiros radicados no seu solo como fez historicamente com os internos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial ou quando seu poder se afirma além do seu próprio território legítimo enviando mísseis para executar terroristas no Iêmen enquanto apresenta essa ação como uma operação de polícia internacional e uma decisão executiva da justiça Essa forma específica de excepcionalismo que se pode designar como práticas antili berais no seio do liberalismo parece ser uma das características contemporâneas do Banopticon EXCLUSÃO E GOVERNAMENTALIDADE PRÓATIVA A segunda característica essencial do Banopticon é sua habilidade de cons truir categorias de pessoas excluídas conectadas à gestão da vida O ban é uma condição limite da relação política82 Como um de quatro informantes de uma 82 Agamben sugere que substituamos o cisma entre homem e cidadão com uma distinção entre a mera vida e as múltiplas formas de vida abstratamente recodificadas em identidades jurídicosociais o eleitor o empregado o 148 agência de inteligência explicou se os meios de comunicação e a política judicial exageram o fenômeno a fim de tranquilizar os bons cidadãos e conter os outros eles estão na prática operando ao nível tático que pode ser modulado de acordo com a opinião pública Em contraste é estratégico coletar informações sobre a parte de uma sociedade que já não vive sob as mesmas regras com as mesmas normas do mainstream Longe do holofote alvejando os anormais um remo delamento do policiamento e da vigilância está ocorrendo capaz de ampliar seu escopo pelo uso de teconologias intensivas de biométrica e bancos de dados com partilhados Lá além do simulacro de uma política de proximidade designada para tranquilizar os bons cidadãos e a tolerância zero projetada para conter o resto o conhecimento dos outros o que é de longe o recurso mais significativo na gestão de multidões é adquirido Misturando arquivos do domínio público se guridade social impostos e o domínio privado seguros fornecedores de crédito supermercados com arquivos policiais é impossível classificar e organizar dentre os elementos para formular o que e quem deve ser alvo de interrogatório De acordo com esses especialistas policiais e criminais esses processos impedem que a máquina repressiva se congestione ao mesmo tempo que lhe permitem evitar passar uma imagem negativa que poderia invocar um senso de opressão mal sendo contida O objetivo da normalização e gestão dos riscos sociais não devem ser vistos puramente como responsabilidade da polícia esses especialistas dizem Sua distribuição por todo o conjunto de sistemas de gestão de riscos deve ser reconhecida seguros empresas de investigadores particulares megalojas de varejo e instituições públicas de bemestar social Esse programa de gestão de risco e normalização é baseado nos ideais de escolha racional e no uso de técnicas jornalista etc Ele sugere repensar a política do ponto de vista da experiência dos campos de concentração repen sar os dois lados opostos do poder soberano e da biopolítica o fato de adjudicar a morte e o fato de direcionar a vida ao qual se havia oposto Foucault Ele crê que o poder contemporâneo está fundado na dissociação de formas de vida e na vontade de restaurar o homem a sua mera vida isolada de sua forma codificada ao radicalizar a exclusão por excepcionalismo soberano Mas essa tese se afasta de uma situaçãolimite e assim exagera as capa cidades do poder e confunde seu sonho programático com o diagrama de forças e resistências Formas de vida estão constantemente em processo reemergir mesmo nos mais desesperados dos casos Formas de resistência semre existem como transcrições que parodiam o poder mesmo nos casos em que ele parece aplicarse de modo unilateral James Scott mostrou a resistência dos escravos e poderseia demonstrar resistência contínua da parte dos refugiados contra a vontade de tornálos nada além de corpos dóceis mal conseguindo protegerse Veja Scott JC 1990 Domination and the Arts of Resistance Hidden Transcripts New Haven Yale University Press Sua vontade individual apesar de seu desnudamento não pode ser reduzida à vontade dos Estados mesmo a despeito dessas pressões governamentais Exemplos em zonas de espera de aeroportos internacionais e em centros de de tenção mostram o quanto a administração é desviada de seu curso confundida aprisionada por suas capacidades de negar multiplas identidades Os refugiados são meros visitantes ilegais aos olhos dos governos e dos gestores profissionais do desconforto mas aos próprios olhos são cidadãos de múltiplos Estados ou cidadãos do mundo Veja Hammar T 1985 European Immigration Policy A Comparative Study Cambridge Cambridge University Press A habilidade de resistir incluindo a resistência que ocorre em um espaço como uma prisão ou um campo leva os profissionais a tentar evitar essas situações e gerir de uma localização superior que não é simplesmente anterior no espaço mas também no tempo O filme Minority Report em que a polícia é capaz de intervir antes mesmo de o crime ser cometido por um conhecimento antecipado do futuro é o sonho dessa polícia próativa Minority Report de Philip K Dick é mais sutil que o filme e tece feroz crítica a essa visão polical O filme dilui de certa forma essa crítica 149 próativas de gestão para prever movimentos de indivíduos Está disseminado por toda a sociedade e encoraja as pessoas a colaborar como no caso de contratos de segurança local ou de colaborações entre a polícia e os educadores ou como ocorre na Itália onde as visões convergentes de comitês de bairro autoridades municipais e polícia se combinam para culpar os imigrantes83 As unidades básicas que conduzem análise próativa não será limitada à po lícia mas variará para ocasionalmente incluir o exército e os oficiais alfandegários e para ser ligados aos seguros organizações sociais e de crédito escolas prefei turas organizações tributárias e organizações de se seguridade social consulados e criminólogos contanto que sejam orientados para a ação Todo esse esforço para coletar informações e para proliferar dados que são agora tecnologicamente possíveis busca sobretudo pôr a lógica da proatividade no lugar das outras duas lógicas repressão e prevenção84 A lógica repressiva pura inevitavelmente inter 83 Palidda S 1997 op cit 84 Para dar apenas um exemplo de tecnologias operativas ao nível europeu múltiplos bancos de dados são estabe lecidos para permitir o perfilamento dos riscos associados com certos indivíduos Em se tratando de crime além do banco de dados já não tão atualizado da Interpol o sistema Sirene facilita a rápida circulação de documen tos judiciários e a troca de informações Desde o Tratado de Amsterdã e a reunião de Tampere a justiça vem acompanhando o caminhar de outras agências de segurança e fez a mesma coisa a distância por meio das redes A rede Sirene que passa informações sobre procedimentos e decisões criminais entre Estados empossa juízes intermediários A criação do Eurojust e o esquecimento do corpus juris provocam desequilíbrio entre os juízes de instrução e os de acusação que são capazes de usar recursos da UE e os advogados dos suspeitos que estão confinados dentro de um limite nacional e não têm acesso a essa informação Ainda assim esse ponto é conside rado secundário à causa de velocidade e eficiência O sistema Schengen de informação gere dossiers individuais e funciona como um arquivo que impede imigrantes ilegais de retornar à UE Não é muito eficaz na gestão da criminalidade Na verdade a Schengen constantemente amplia sua esfera de aplicação sob a obrigação de vistos uniformes que funciona como uma norma não apenas na UE mas também ao nível do GATT Da mesma forma generalizamse em todos os paísesas possibilidades excepcionais de controle de identidade em zonas até vinte quilômetros da fronteira As autoridades policiais em questão mal contestam que a Schengen institui uma polícia imigratória que essa é a sua prioridade ainda que há apenas quatro anos tenha havido grande resistência em uti lizála e que não há foco na relação entre crime e pessoas desaparecidas Essa conexão que o ISI estabelece entre arquivos criminais e arquivos de estrangeiros a respeito de estrangeiros reafirma a suspeita contra eles e concentra a atenção em pequenos crimes ou pequenas ilegalidades ao mesmo tempo que comete sérias ofensas policiais e alfandegárias Certamente essas técnicas se reforçam mutuamente e interseccionam bases de inteligência mas pouco facilitam a elaboração de perfis De fato sob Schengen há bancos de dados mais sofisticados para analisar grupos que ofereçam risco ao contrário de manter seus movimentos sob vigilância O banco de dados da Eurodac contém impressões digitais de refugiados escaneadas digitalmente assim como uma explicação dos motivos dados por eles e as razões pelas quais lhes foi negada a entrada A tarefa é prevenir aplicações múltiplas mas também identificar as narrativas estereotípicas dos refugiados Em paralelo com a Eurodac uma rede securizada está sendo desenvolvida para abordar FAD documentos falsos e autênticos na sigla em inglês que funcionarão a base de intercâmbio de informações a respeito de falsos documentos A ideia é inverter a prática atual e atribuir o ônus da prova à pessoa que apresenta o documento No norte da Europa a firma norteamericana Printrack International está oferecendo seus serviços que habilitam o rastreamento e a identificação automática de pessoas que estejam atravessando fronteiras seja por cartões com impressões digitais escaneadas digitalmente em portos e aeroportos ou leitora de retina O objetivo é controlar as identidades da maneira mais invisível possível devido ao fato de que esta sociedade de indivíduos não gosta de ser afetada ou arrefecida quando controlada mas se eles não registrarem o ato de controle não protestam Podese portanto pensar em generalizar no futuro o sistema em aeroportos No presente a ligação entre cartão drédito e informação está sob investigação serão os mesmos cartões que contém essas informações alguns dos quais serão legíveis apenas pela polícia e não pelo portador O perfilamento feito para os arquivos da Europol costumam tornar mais refinada e precisa a vigilância em vez estender o seu alcance geral A Europol registra pessoas que sejam capazes de seguir adiante no seu potencial de cometer um crime Diferentemente dos bancos de dados da Europol cujos tópicos dependem de criminosos que sejam fugitivos efetivos da justiça os arquivos da Europol contêm criminosos procurados suspeitos que não entraram ainda no sistema de inquérito jurídico listas de possíveis informantes possíveis testemunhas que possam dar seus relatos sobre su visinho ou colega vítimas ou pessoas suscetíveis de ser vítimas Tratase aqui de reconstruir as trajetórias individuais ou sociais marcando territórios ou fronteiras entre populações em risco e 150 vém tarde demais e é direcionada ao indivíduo enquanto os policiais são os bombeiros do crime a outra é uma lógica estrutural preventiva que diminui as raízes da violência que segundo a polícia não é mais efetiva que uma cortina de fumaça ou uma reforma impossível de implementar sem mudar também os re gimes políticos ou econômicos A lógica da próatividade objetiva agir antes que uma ofensa seja cometida coletando informações orientadas à ação repressiva e prevendo o comportamento de indivíduos ou grupos perigosos A prevenção é portanto sempre munida de uma dimensão virtual coerciva O jogo já não é omitir um ato em si mas sinalizar que uma ofensa possa talvez ser cometida por um indivíduo ou um grupo que potencialmente represente um risco A prio ridade agora já não são as sanções mas a regulação A questão é menos a conde nação de um indivíduo que a contenção dos outros mas ela consiste sobretudo em gerir o movimento e o fluxo gerir grupos de pessoas de antemão analisando seu potencial futuro de modo a normalizálo A NORMALIZAÇÃO E O IMPERATIVO DO LIVRE MOVIMENTO Nas sociedades contemporâneas a normalização ocorre sobretudo por meio a do imperativo do livre movimento de pessoas principalmente na União Europeia ou no espaço de Schengen que é diferente do espaço norteamericano do NAFTA ao reconhecer explicitamente esse imperativo b a combinação de três elementos uma conexão entre velocidade e movimento o direito ao movi mento e a liberdade de se mover em escala global É a essa normalização que Zyg munt Bauman se refere quando invoca a nova lógica da exclusão entre aqueles que são livres para circular e aqueles que estão confinados no local Na verdade como nos alerta ele em Globalização as consequências humanas a globalização pode ser analisada como uma compressão espaçotemporal que modifica os mo dos como as pessoas vêm e vão85 outras analisando e decidindo quem é perigoso Aqui estamos no seio da lógica próativa 85 A globalização divide tanto quanto une divide à medida que une sendo as causas da divisão idênticas às que promovem a uniformidade do globo Lado a lado com as dimensões planetárias dos negócios da finança do comércio e do fluxo de informações dáse partida em um processo de localização definidor do espaço Entre eles os dois processos intimamente interconectados diferenciam agudamente as condições existenciais de populações inteiras e de vários segmentos de uma das populações O que aparece como globalização para alguns significa localização para outros sinalizando uma nova liberdade para alguns recai sobre muitos outros como uma sina indesejada e cruel A mobilidade sobe à categoria do maior entre os valores cobiçados e a liberdade de moverse perpetuamente uma mercadoria escassa e mal distribuída tornase rapidamente o principal fator de estratificação dos nossos tempos modernos tardios ou pósmodernos Todos estamos querendo ou não por desígnio ou inércia em movimento alguns de nós tornamse total e verdadeiramente globais alguns estão presos a sua localidade uma situação não agradável nem suportável no mundo onde os globais dão o tom e elaboram as regras do jogo da vida Ser local em um mundo globalizado é um sinal de privação social e degradação Os desconfortos da existência localizada somamse ao fato de que com espaços públicos afastados além dos alcances da vida localizada as localidades estão perdendo sua capacidade de geração e negociação de significado e estão cada vez mais dependentes de ações atribuidoras e interpretadoras de sentido que não controlam isso pelos sonhosconsolações comunitaristas dos intelectuais globalizados Parte integral dos processos globalizantes é a segregação separação e exclusão espacial Bauman Z 1998 Globalization The 151 Mas em contraste com a afirmação de Bauman precisamos distinguir mais precisamente entre movimento e ser livre e ver como a metonímia se esta belece por meio dessa fusão de circulaçãoliberdade tanto para diminuir a noção de liberdade e provocar desequilíbrio entre as noções de segurança e liberdade Zygmunt Bauman parece considerarse um beneficiário da liberdade dos ricos e propositor de maior mobilidade para os mais pobres não vendo nem o modo como esse imperativo de mobilidade se impõe nem o dispositifapenas para os pobres mas parece negligenciar suas consideráveis dimensões normativas e pro dutivas onde as duas são completamente indissociáveis O poder não é apenas repressivo Induz e produz modelos de comportamento Os discursos sobre livre movimento são centrais Eles normalizam a maioria e permitem que a vigilância seja concentrada numa minoria CONCLUSÃO Em conclusão esse dispositif cuja função estratégica é o controle e a vigi lância de certos grupos seletos de pessoas segregadas da maioria e que depende do campo dos profissionais da gestão do desconforto é efetivamente composto como um dispositif de a discursos ou seja narrativas policiais exército ins tituições alfandegárias e judiciais sobre o livre movimento a ameaça terrorista crime organizado internacional as ligações entre esses fenômenos e a imigração minorias e agora refugiados b instalações arquitetônicas específicas como os centros para separação de estrangeiros as zonas de detenção dentro de aeroportos internacionais os centros de retenção para deportação de pessoas que entraram em um território ilegalmente os centros de recepção de refugiados ou centros de asilo como os de Sangatte ou Lampedusa onde os prisioneiros que aguardam ação administrativa são consignados c decisões regulatórias como aquelas que determinam aos advogados ou aos pais do detento acesso a lugares que na práti ca invalidam o direito ao livre acesso d medidas administrativas de inspiração tanto arbitrária quanto humanitária como o fato de se manter pessoas nas zonas de detenção do aeroporto internacional Charles de Gaulle em um canil próximo normalmente usado pelos gendarmes para seus cães a fim de que não pareces sem tão numerosos nos quartos lotados do hotel nos quais eles são normalmente detidos e discursos científicos sobre as razões por trás da migração e do asilo declarações sobre a sua relação com a individualização e a transnacionalização da violência e proposições filosóficas e morais sobre os migrantes ilegais falsos refugiados ou filhos pequenos de pais imigrantes Human Consequences New York Columbia University Press 23 152 Esse dispositif já não é o panopticon descrito por Bentham É um banop ticon Ele já não depende da imobilização dos corpos sob o olhar analítico do observador mas dos perfis que sinalizam diferenças do excepcionalismo quanto às normas e da rapidez com que se evacua O dispositif parece uma montagem virtual transformação de todas as posições dos indivíduos no processo do fluxo De uma imagem inicial o imigrante o jovem do gueto a uma imagem final terrorista traficante todos os passos da transformação são reconstituídos virtu almente Assim esse dispositif canaliza fluxos em vez de dissecar corpos Como o dispositif panopticon esse dispositivo banopticon de transformação produz um conhecimento bem como declarações sobre ameaças e sobre segurança que reforçam a crença em uma capacidade de desencriptar mesmo antes do próprio indivíduo quais serão suas trajetórias e itinerários Esse dispositif depende do controle do movimento mais que o controle de estoques em um território Ele depende do monitoramento do futuro como no romance de Philip K Dick Minority Report em vez de interrogar o presente de acordo com o passado ofi cial É uma gestão a distância no espaço e no tempo dos anormais Onde ante riormente haviam sido designados locais de residência às pessoas elas agora são alocadas em zonas de espera e recebem identidades que nem são vividas como tal Uma cor de pele um sotaque uma atitude e se está confinado extraído das assas não marcadas e se necessário evacuado O policiamento é assim uma tarefa da margem de limpeza e só deve ocuparse minimamente com normas Essas novas lógicas de controle e vigilância não são necessariamente muito mais efetivas mais racionais A vantagem para as massas não marcadas é que elas têm a impressão de ser livres para benefício da instituição e já que o controle só atinge alguns é mais econômico Apenas o controle do crime é menos efetivo que antes em consequência desses a priori Sua esfera de aplicação permanece frágil e sujeita a resistência Não há dúvida de que precisamos realizar pesquisas mais detalhadas sobre a conexão entre as práticas dos profissionais de segurança e os sistemas de justi ficação das suas atividades ao mesmo tempo que ponderamos sobre como são formulados os procedimentos de alegação de verdade e como são localizados os centros de sua produção questões das quais os intelectuais não estão de maneira nenhuma excluídos É também importante entender as relações entre a transna cionalização a globalização das práticas das agências de insegurança e das dos seus alvos para pôlos em relação com na medida em que se pode o processo específico de Europeização Esse processo é conduzido mais ou menos nas dife rentes arenas políticas por sistemas de justificação da construção e prioridade do desconforto que correspondem a cada cultura nacional e profissional mas dos quais emerge a necessidade de uma organização como a Europol agir como um 153 tipo de bolsa de valores de ameaças temores e desconfortos e da sua gestão Essa institucionalização cria em troca uma transfiguração das ameaças ao darlhes a qualidade de ser global e então mais perigoso É finalmente necessário reco nectar as questões da construção de um espaço de liberdade segurança e justiça com as questões da construção de uma sociedade além do seu status enquanto Estado nacional apresentando o problema de como sua identidade é mapeada e entender como a convergência dos desconfortos orbitando a figura do migrante extracomunitário pobre diz muito sobre como o liberalismo funciona em uma sociedade de risco De fato como Foucault nos lembra se concordamos em ver no liberalismo uma nova arte de governar e governar uns aos outros não uma nova doutrina econômica ou judicial se no fim ele é realmente uma técnica de governamentalidade que almeja consumir liberdades e em virtude disso as gere e organiza então as condições de possibilidade para aceder à liberdade de pendem da manipulação dos interesses que envolvem as estratégias de segurança destinadas a afugentar os perigos inerentes à manufatura da liberdade onde as limitações controles mecanismos ou vigilância que se revelam em técnicas dis ciplinares encarregadas de se dedicar ao comportamento dos indivíduos desse ponto sobre a ideia de que viver perigosamente deve ser visto como a verdadeira moeda do liberalismo86 APÊNDICE 86 Entrevista com D Deleule and FP Adorno Lhéritage intellectuel de Foucault Cités 2000 2 95 107 154 REFERÊNCIAS AGAMBEN G 1998 Homo Sacer Sovereign Power and Bare Life Stanford Stanford Uni versity Press BAUMAN Z 1999 On Globalization Or Globalization for Some Localization for Some Others Thesis Eleven 54 3749 BIGO D 1996 Polices en réseaux Lexpérience européenne Paris Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques BIGO D 2000 When Two Becomes One Internal and External Securitizations in Europe in M Kelstrup MC Williams eds International Relations Theory and the Politics of Euro pean Integration London Routledge 171205 BIGO D 2001 The Moebius Ribbon of Internal and External Security in M Albert D Jacobson Y Lapid eds Identities Borders Orders Minneapolis University of Minnesota Press 91116 BIGO D 2002 Security and Immigration Towards a Governmentality of Unease Alterna tivesCultures Conflits 6392 BIGO Didier TSOUKALA Anastassia GUITTET EmmanuelPierre OLSSON Chri stian BONELLI Laurent Illiberal Practices of Liberal Regimes The insecurity Games Pa ris LHarmattanCentre dÉtudes sur les conflicts 2006 DAL LAGO A 1999 NonPersone Lesclusione dei migranti in una società globale Milano Feltrinelli FOUCAULT M Gordon C 1980 PowerKnowledge Selected Interviews and Other Wri tings 19721977 Hassocks Harvester Press GIRARD R Williams JG 1996 The Girard Reader New York Crossroad HUYSMANS J 1995 Migrants as a Security Problem Dangers of Securitizing Societal Issues in R Miles D Thränhardt eds Migration and European Integration The Dynamics of Inclusion and Exclusion London Pinter 5372 NADELMANN EA 1993 Cops across Borders The Internationalization of US Criminal Law Enforcement University Park Pennsylvania State University Press 155 NEOCLEOUS M 2000 The Fabrication of Social Order A Critical Theory of Police Power London Pluto Press SCOTT JC 1990 Domination and the Arts of Resistance Hidden Transcripts New Ha ven Yale University Press SHEPTYCKI JWE 2002 In Search of Transnational Policing Towards A Sociology of Global Policing Advances in Criminology Aldershot Ashgate TSOUKALA A 2005 Looking at Migrants as Enemies in D Bigo E Guild eds Control ling Frontiers Free Movement into and within Europe Aldershot Ashgate 161192 WACQUANT L 1999 Des ennemis commodes Actes de la recherche en sciences so ciales 129 6367 WALKER N 2002 Sovereignty in Transition Oxford Hart WALKER RBJ 1993 InsideOutside International Relations as Political Theory Cambri dge and New York Cambridge University Press 156 PADRÕES DE VIDA UMA BREVE HISTÓRIA DE CORPOS ESQUEMÁTICOS87 Grégoire Chamayou88 1 Na sua Teoria do Dérive de 1956 Guy Debord descreveu um mapa de Paris elaborado por um sociólogo urbano que descreve todos os movimentos feitos no espaço de um ano por um estudante que vive no 16º Distrito Seu itinerário ob servou ele forma um pequeno triângulo sem desvios significativos os três ápices dos quais são a Escola de Ciências Políticas sua residência e a de seu professor de piano89 Rotas tomadas durante um ano por uma aluna que vive no 16º Distrito de ParisPaul Henry 87 O Texto aqui apresentado tem origem no estudo intitulado Avantpropos sur les sociétés de ciblage une breve histoire des corps schématiques publicado no periódico Jefklak em setembro de 2015 e disponível em https wwwjefklakorgwordpresswpcontentuploads201509Corpsschematiquespdf que foi reeditado em uma versão em inglês httpsthefunambulistnethistorythefunambulistpapers57schematicbodiesnotesonapa tternsgenealogybygregoirechamayou portanto essa traduçãopara o português que foi realizada por Felipe da Veiga Dias tem como referência esses dois trabalhos do autor 88 Grégoire Chamayou é pesquisador em filosofia no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França Chamayou é o autor de Les Corps vils Expérimenter sur les êtres humains aux XVIIIe siècle et XIXe siècle Corpos vis experimentando seres humanos nos séculos XVIII e XIX 2008 Manhunts A Philosophical History 2012 Teoria do Drone 2015 e La Société ingouvernable Une généalogie du libéralisme autoritaire A sociedade ingovernável Uma genealogia do liberalismo autoritário 2018 89 Guy Debord Theory of the dérive The Situationist International Anthology ed Ken Knabb Bureau of Public Secrets Berkeley 1981 p 50 157 Chombart de Lauwe 195290 A objetivação cartográfica de uma forma de vida foi tomada como ponto de partida para uma crítica poética e política da vida cotidiana Essa foi uma crítica de sua estreiteza de suas rotinas da redução do mundo da vida que elas articulam Debord concluiu Tais dados exemplos de uma poesia moderna capaz de provocar reações emocionais agudas neste caso particular indignação com o fato de que a vida de qualquer pessoa pode ser tão pateticamente limitada serão sem dúvida úteis no desenvolvimento de derivas91 2 Hoje os designers de São Francisco se oferecem para vender jóias estranhas Eles são pequenos medalhões geométricos parecendo teias de ara nha ou estruturas cristalinas Seus padrões são realmente aqueles de suas rotas Meshu um novo tipo de negócio de ourives pequenos usa os dados de geolo calização coletados pelo seu smartphone para extrair o mapa esquemático de suas peregrinações A visualização de seus dados cronospaciais gera um gráfico que pode servir como modelo para esculpir seu pingente personalizado em metal ou madeira O mapa de rota de um indivíduo em São Francisco convertido em pingente por Meshu92 A história espacializada de suas viagens portanto tornase um sinal enig mático que você pode usar como ornamento É também um emblema personali zado a expressão de uma nova arte de retratos 3 Como objetos culturais esses gráficos podem ser comparados a um de seus precursores o retrato da silhueta desenvolvido no final do século XVIII Com a invenção de Johann Kaspar Lavater de uma máquina certa e conveniente 90 Paul Henry Chombart de Lauwe Paris et lagglomération parisienne Volume 1 Presses universitaires de Fran ce Paris 1952 p 106 91 3 Debord op cit 92 httpthecreatorsprojectvicecomblogturnyourfoursquarecheckindataintojewelry 158 para desenhar silhueta tais retratos se tornaram objetos populares uma tendên cia que trazia novos códigos estéticos para a apresentação de si mesmo mas tam bém novos suportes para um conhecimento antropológico que afirmava decifrar personalidades o estudo dos contornos da cabeça de alguém Retrato da silhueta de Lavater93 O perfil cronospacial tem em comum com o antigo perfil skiagraphique94 a multiplicidade de seus usos A diferença claro é que o traço se afasta do con torno morfológico do corpo para se concentrar nas linhas imaginárias de seus movimentos O perfil deve a partir de então ser entendido em sentido metafó rico não se refere mais à forma estática de um corpo mas à forma dinâmica de suas trajetórias95 Esse é o tipo de corpos esquemáticos que formam o tópico da minha investigação 4 Desde o século XIX os paleontólogos traçaram uma distinção esclare cedora entre fósseis de corpos e traços fósseis quando mencionamos gravuras moldes contraimpressões escreve Alcide dOrbigny em 1849 falamos apenas de traços orgânicos de partes sólidas de animais enterrados nos estratos mas há outros fósseis deixados por corpos vivos em sedimentos ainda não consolidados e esses têm menos a ver com essas partes sólidas de corpos do que com seus hábitos vitais e fisiológicos São gravuras de passos de animais sulcos caneluras rolos 93 Johann Caspar Lavater Lart de connaitre les hommes par la physionomie Prudhomme Paris 1806 frontispice 94 O presente termo francês skiagraphique é originário do grego para a arte de desenharescrever sombras 95 Isso é claro não significa que a lógica da identificação biométrica desapareceria a fim de ser substituída por esse outro modo de representação longe disso 159 deixados pelos órgãos móveis de animais que andam e nadam96 Edward Hitch cock nomeou esses fósseis de ichnites Em alemão eles também são chamados de Lebenspurren traços de vida ou Vestígios fósseis da vida Pegadas fósseis encontradas em Gill Massachusetts no século XIX97 Enquanto a moldagem de um corpo morto prisioneiro do barro fornece a réplica de um sólido com seus volumes e texturas uma série de pegadas encon tradas no solo fornece apenas uma explicação de seus movimentos Neste último caso a impressão não foi simultânea mas sucessiva O traço de uma atividade é uma precipitação de eventos sucessivos na simultaneidade de um espaço sua so lidificação durável no plano de uma superfície de inscrição É a imagem de uma duração espacializada 5 Em 1790 Kant escreveu Toda forma dos objetos dos sentidos é figura ou peça Neste último caso é um jogo de figuras no espaço a saber pantomima e dança ou o mero jogo de sensações no tempo A forma de uma dança ou mais geralmente de um movimento percebido não é a de uma coisa com seus contornos fixos a forma de um vaso É um jogo de figuras que só pode autenticamente aparecer em uma dupla diferença de espaço e tempo 96 Alcide d Orbigny Cours élémentaire de paléontologie et de géologie stratigraphiques Premier volume Masson Paris 1849 p 27 97 Edward Hitchcock Elementary Geology New York Ivison and Phinney 1855 p 187 160 Duas folhas ilustrando notações de passos de dança no século XVIII98 Durante a mesma época os sistemas de notação coreográfica foram inven tados Nos tratados correspondentes uma dança tomava o aspecto de sentenças onduladas escritas em uma linguagem simbólica estranha Dentro do espaço da folha essas sentenças evoluíram sob o eixo horizontal cronológico da partitura musical O layout do jogo de formas não era mais uma mera conta tornarase um roteiro que apenas transcrevia a atividade para melhor conduzila na prática 6 Na década de 1910 dois discípulos de Taylor Lilian e Frank B Gil breth desenvolveram um aparelho que chamaram de chronocyclegraph Depois de terem afixado pequenos bulbos elétricos na mão de um trabalhador eles tiravam longas fotos de exposição enquanto executava sua tarefa Assim eles obtiveram a imagem de um caminho contínuo de um ciclo de movimentos aparecendo em linhas brancas na emulsão fotográfica 98 Kellom Tomlinson The art of dancing explained by reading and figures 1735 Cf httpearlydanceorgcon tent6477minuet 161 Lilian and Frank Gilbreth Motion Efficiency Study c 191499 Acredito explicou um jovem engenheiro entusiasta um bom método para ilustrar como um modelo de movimento ajuda a pessoa a visualizar é com parálo com a esteira deixada por um transatlântico100 Quais são as várias técni cas que estou descrevendo em comum é que cada um nos apresenta um meio de capturar trilhas ou então adicionar efeitos de trilha mais ou menos duradouros a atividades que não necessariamente os geram espontaneamente101 Neste caso específico a tarefa de extrair a trajetória é realizada por meios fotográficos ou mais precisamente por uma cronofotografia tratando a fonte de luz como uma tinta espaçotemporal os processos cronofotográficos consti tuem trilhas como DidiHuberman diria por permitindo que o movimento do celular apareça por uma presença prolongada em vários pontos da imagem que assim assumem a aparência de simultaneidade102 O invisível é assim visível No entanto é igualmente verdade que esse pro cesso de visualização atinge uma operação concomitante de invisibilização ou apagamento Na fotografia de Gilbreth o corpo do trabalhador é borrado em uma espécie de auréola no fundo O corpo literalmente desaparece atrás das li nhas de seu gesto Do corpo evanescente apenas o fóssil brilhante de seu movi mento passado permanece Michel Foucault mostrou que a disciplina dos séculos XVIII e XIX estava 99 Fotografia do Museu Nacional de História Americana Behring Center Divisão de Trabalho e Coleta Industrial 100 Gilbreth Op cit p 207 101 cf Georges DidiHuberman Phalènes Éditions de Minuit Paris 2013 102 Caroline Chik Limage paradoxale Fixité et mouvement Presses Universitaires du Septentrion Villeneuve dAscq 2011 p 90 162 mobilizando uma espécie de esquema anátomocronológico de comportamen to103 Mas esse não é mais exatamente o caso aqui Se o esquema ainda é em certo sentido cronológico e até cronospacial não é mais anatômico Do corpo vivo do trabalhador resta apenas a órbita do movimento104 Órbita é uma metáfora instrutiva uma mudança por assim dizer de uma anatomia para uma microastronomia do gesto produtivo onde o brilho das pe quenas lâmpadas teria substituído o brilho das estrelas embora para um estudo bem diferente Essas órbitas não devem apenas ser visualizadas mas também modeladas para melhor serem transformadas Se se analisa a trajetória dos gestos é para simplificálos livrálos de seus desvios inúteis é o princípio da eliminação do desperdício105 A modelização é um prelúdio à padronização através de uma comparação gráficos ou modelos mostrando os caminhos de diferentes operado res fazendo o mesmo tipo de trabalho é possível deduzir o método mais eficiente e tornálo um padrão106 O método etimologicamente é o caminho a seguir O padrão é o caminho mais curto o mais econômico107 Os Gilbreths também esculpem esses modelos de movimento em três di mensões com fio e o usam para ensinar o caminho do movimento aos operado res O gesto do trabalhador reconstruído em laboratório volta a entrar na oficina de uma forma modificada desta vez como um fio condutor ao qual os corpos produtivos devem conformar sua dança 7 Em meados da década de 1960 um membro da Academia de Ciências da URSS Alfred Yarbus publicou um livro que renovou profundamente o es tudo da visão108 Para seus experimentos ele usou uma máquina sofisticada um pouco parecida com o dispositivo no qual coloca o queixo em um consultório oftalmológico exceto neste caso equipado com câmeras Tendo gravado os mi cromovimentos dos olhos ele pôde refazer o rumo rápido que os olhos de um sujeito seguem inconscientemente ao olhar para uma pintura Esses desenhos com seus solavancos e seus pontos fixos se parecem muito com as fotografias de Gilbreth Eles também são mapas de gestos mas de gestos oculares em que o objeto de visualização nada mais é do que a própria ação de ver109 103 Michel Foucault Discipline and Punish The Birth of the Prison New York Vintage Books 1995 104 Gilbreth Op cit p 46 105 17 Idem p 130 106 18 Ibid p 91 107 O padrão não é apenas o melhor itinerário de gestos em termos de produtividade para uma determinada ativida de mas também uma norma transferível Ao consultar uma espécie de inventário geral de gestos eficientes pode se em uma lógica de protobenchmarking exportar de um ofício ofício ou profissão para outro os segmentos de gestos mais econômicos Ibid p 92 108 Alfred Yarbus Eye Movements and vision Plenum press New York 1967 109 A este respeito veja o trabalho do artista Julien Prévieux Esthétique des statistiques in Isabelle Bruno 163 Alfred Yarbus traços do movimento dos olhos de um sujeito olhando para uma foto110 Atualmente as tecnologias de rastreamento ocular são mobilizadas pela pesquisa de marketing Na era da economia da atenção a visão do usuário é meticulosamente examinada para melhor capturálo Os heatmaps de rastre amento ocular são produzidos para realizar testes de usabilidade e escolher a rota de design mais eficiente para um determinado projeto de design gráfico Análise de mapa de calor de rastreamento ocular do olhar de um sujeito em uma página da Web111 Emmanuel Didier Julien Prévieux dir Statactivisme Comment lutter avec des nombres ZonesLa Découverte Paris 2014 httpwwwprevieuxnethtmltextesstatacthtml 110 Yarbus Op cit p 174 111 httpblognormalmodescomblog20090928eyetrackingheatmapgalleryapreviewdiscussionofuiconsi derations 164 Este método de análise aplicase ao design de páginas web à embalagem de produtos mas também à própria arquitetura dos espaços de varejo Atualmente algumas lojas conectam o vídeo de sua câmera de vigilância aos sinais de telefone captados pela rede WiFi para refazer o movimento de seus clientes112 Dentro do espaço físico da loja o cliente é um olho mas um olho com pernas Graças aos dados comportamentais coletados o espaço pode ser reorganizado para otimizar a captura de atenção Captura de tela aparelho de rastreamento de clientes em uma loja113 Apesar da semelhança entre esses gráficos e os de Gilbreth a relação de normatividade aqui não é a mesma A relação salarial é estruturada por uma re lação de restrição que fundamentalmente dá à norma o aspecto de um comando mesmo que também seja implementado por outros meios Na esfera mercantil é imediatamente através de medidas mais laterais que um esquema de atividade é prescrito aos corpos Nesse caso a estratégia consiste em redesenhar o espaço de visibilidade para orientar e magnetizar a mobilidade ocular e corporal de acordo com rotas de navegação préestabelecidas Esta normatividade procede de acordo com as táticas de captura através do design 8 No início da década de 1960 os etologistas americanos começaram a usar novos transmissores de rádio para estudar os movimentos dos animais sel 112 Veja Stephanie Clifford Quentin Hardy Big Data Hits Real Life New York Times July 14 2013 httpwww nytimescom20130715businessattentionshopperstoresaretrackingyourcellhtmlpagewantedallr0 113 Screenshot from the video Big Data Hits Real Life by Erica Berenstein New York Times Jul 14 2013 http wwwnytimescomvideobusiness100000002206849bigdatahitsreallifehtml 165 vagens Estes dispositivos fixados em corpos de coelhos de cauda de algodão ou veados de cauda branca permitiram que suas posições fossem conhecidas e seus itinerários pudessem ser retratados114 Para abordar a massa de dados rapidamen te produzidos por esses sistemas de rastreamento de rádio os cientistas projeta ram um programa capaz de converter automaticamente esses dados em mapas Mapa dos movimentos da Lebre 201 entre os dias 3 e 5 de maio de 1964115 O surgimento de tecnologias de telemetria também inspirou outras discipli nas Em 1964 em Harvard dois psicólogos comportamentais Ralph Schwitzge bel e seu irmão gêmeo Robert desenvolveram um sistema de supervisão com portamental com um transceptor de pulso Esse dispositivo testado em jovens delinquentes prefigurou a pulseira eletrônica adotada mais tarde pelo sistema pe nal O sonho deles era substituir as antigas técnicas de encarceramento por novas tecnologias de controle operando em um ambiente aberto Para esse fim eles ima ginaram um pequeno dispositivo vestível capaz de registrar e transmitir vários da dos comportamentais sem fio incluindo a posição geográfica do sujeito bem como seu pulso ondas cerebrais consumo de álcool ou outros fatos fisiológicos116 Se esse sensor de dedo eletrônico detectasse um comportamento de risco o indivíduo poderia ser localizado e se necessário submetido a uma intervenção preventiva 114 Veja por exemplo John R Tester Dwain W Warner and William W Cochran A RadioTracking System for Studying Movements of Deer in The Journal of Wildlife Management Vol 28 No 1 Jan 1964 pp 4245 115 Donald B Siniff and John R Tester Biotelemetry BioScience Vol 15 No 2 Feb 1965 pp 104108 p 107 116 Anthropotelemetry Dr Schwitzgebels Machine Harvard Law Review Vol 80 No 2 Dec 1966 pp 403 421 p 409 166 Mas o que também motivou profundamente essa invenção teve a ver com a libido sciendi117 Através da coleta remota automatizada de dados comporta mentais a pulseira eletrônica permitiria às ciências comportamentais acessar con tinuamente uma massa de informações detalhadas sobre a vida cotidiana Não poderia o psicólogo imitar o etologista e ter sua própria rede de colares de trans ponders colocados nos corpos de animais humanos Esta arte de medição remota de comportamentos humanos foi denominada antropotelemetria A tarefa de coletar dados comportamentais que seriam confiados a senso res especiais é atualmente amplamente realizada pelos próprios indivíduos que autodocumentam sua própria atividade em um contexto de rastreabilidade ge neralizada Tom MacWright é engenheiro de sistemas de informação geográfica Ele também é um corredor amador Ele criou recentemente um aplicativo que permite visualizar suas rotas de corrida na cidade bem como suas flutuações de batimento cardíaco durante o esforço Visualização de dados das rotas de corrida e da frequência cardíaca de Tom MacWright A aceleração de pulso é representada pelas variações de intensidade da cor azul118 Este mapa ilustra um princípio importante a fusão de dados referese a dados coletados de fontes heterogêneas que estão fundidas ao mesmo corpo es 117 Libido sciendi desejo de saber 118 httpwwwmacwrightorgrunning 167 quemático cronológico A única condição é que essas informações devem ter sido referenciadas antecipadamente de acordo com as coordenadas espaçotemporais 9 Ainda na década de 1960 um movimento inovador na geografia huma na comprometeuse a revolucionar sua disciplina era o projeto da cronogeografia ou do tempogeografia A ideia fundamental era que se poderia dar conta das vidas humanas tratandoas como caminhos dentro do espaçotempo Isso implicou en tre outras coisas a invenção de novos tipos de mapas que articulariam o tempo com o espaço Torsten Hägerstrand um dos fundadores dessa metodologia resu miu seu postulado da seguinte forma No tempoespaço o indivíduo descreve um caminho o conceito de caminho da vida ou caminho como o caminho do dia a semana caminho etc pode ser facilmente mostrado graficamente se concordar mos em colapsar um espaço tridimensional em uma planície bidimensional e usar uma direção perpendicular para representar o tempo119 A ilustração a seguir é uma primeira instância desse tipo de representação ainda em um estado rudimentar Um fio é enrolado em torno de bastões verticais que foram martelados em um mapa tridimensional representando o itinerário de um indivíduo durante um determinado período Um modelo de simulação geográfica por tempo de programas de atividades individuais120 Atualmente esse tipo de representação cartográfica foi integrada a podero sos sistemas de dados geográficos usados para pesquisa de análise geovisual 119 Torsten Hägerstrand What about people in regional science Papers of the Regional Science Association Volume 24 1 1970 pp 621 p 10 120 B Lenntorp A TimeGeographic Simulation Model of Individual Activity Programmes in T Carlstein D Parkes and N Thrift Eds Human activity and time geography London Edward Arnold 1978 pp 162180 168 Visualizando caminhos de espaçotempo e atividades individuais com o ArcGIS121 Como assinala Mark Monmonier esse tipo de objeto é fundamentalmen te mapeamento em vez de mapas porque a cartografia não se limita a mapas estáticos impressos em papel ou exibidos em telas de computador Nas novas cartografias de vigilância os mapas observados são menos importantes que os sistemas de dados espaciais que armazenam e integram fatos sobre onde vivemos e trabalhamos122 As ferramentas da cronogeografia concebidas na década de 1960 foram concebidas principalmente como ferramentas dos planejadores urbanos e sociais geralmente associadas a agendas políticas reformistas Hoje em dia funções mui to menos benevolentes estão sendo cada vez mais atribuídas a elas O postulado fundamental da geografia do tempo segundo o qual as biografias individuais podem ser rastreadas como trajetórias de vida no tempoespaço está em vias de se tornar a base epistemológica de outros tipos de práticas de poder 10 Em 2010 as mais altas autoridades da comunidade de inteligência dos EUA estabeleceram os princípios de um novo paradigma Era a doutrina Ac tivity Based Intelligence ABI desenvolvida sob a égide da irmã siamesa mas 121 Captura de tela do gráfico cronoespacial obtida através do módulo de visualização 3D ArcScene do software ArcGIS da ESRI httpwebutkedusshawNSFProjectWebsitepagesactivitieshtm 122 Mark Monmonier Spying with Maps Surveillance Technologies and the Future of Privacy University of Chicago Press Chicago 2004 p 1 169 ainda desconhecida da NSA a National Geospatial Intelligence Agency NGA Os teóricos da inteligência descrevem essa mudança como a conversão para uma nova filosofia um novo método de conhecimento Derek Gregory descrevea com perspicácia como uma espécie de ritmálise militarizada até mesmo uma geometria temporal armada baseada no uso de programas que fundem e visualizam dados geoespaciais temporais e de inteli gência de múltiplas fontes combinando o onde o quando e o que como uma matriz tridimensional que replica os diagramas padrão de tempogeografia de senvolvidos pelo geógrafo sueco Torsten Hägerstrand nos anos 1960 e 1970123 Como conclui Gregory consiste em rastrear múltiplos indivíduos através de diferentes redes sociais para estabelecer um padrão de vida consistente com o paradigma da inteligência baseada em atividades que forma o núcleo da contrain surgência contemporânea124 Essa metodologia baseiase entre outras coisas no uso de mineração de dados aplicada a trajetórias de movimentos para descobrir dentro de sortimentos gigantescos de caminhos padrões periódicos ou assinaturas correspondentes a segmentos característicos de hábitos Além de rastrear itinerários singulares o objetivo aqui é extrair progressivamente esquemas típicos de atividade Rotas regulares engrossam progressivamente na tela como caminhos frequentemente tomados por um bando cavando seus sulcos na grama de um campo A figura a seguir é um mapa produzido por um módulo de Inteligência Baseada em Atividades concebido por engenheiros da Lockheed Martin e testado em viagens de táxi em uma cidade americana 123 Derek Gregory Lines of descent Open democracy 8 novembre 2011 httpwwwopendemocracynetder ekgregorylinesofdescent 124 Derek Gregory From a view to a kill drones and late modern war Theory culture and society 28 6 2011 pp 188215 p 195 e 208 170 Links de rede e nós detectados e em um conjunto de dados de rastreamento de cabine125 O que funciona com viagens de táxi pode é claro ser aplicado em outros objetos como por exemplo rotas de pedestres em uma aldeia iraquiana monito rada pela câmera de um drone Bairro perto de Al Mahmudiyah no Iraque onde a maioria dos transportes é a pé Caminhos pedestres simulados foram explorados para descobrir redes126 11 Originalmente a cronogeografia nasceu da recusa da predominância de métodos estatísticos nas ciências sociais Se descrevermos a realidade social principalmente por meio de agregados de grandes números como os dados por um censo consideramos a população composta de indivíduos em vez de indi víduos lamentou Hägerstrand127 Os agregados estatísticos como PIB ou grupos de renda não nos dão acesso a um conhecimento primário sobre indivíduos concretos mas apenas de forma indireta a seres estatísticos que são reconstruídos como frações de um número global A cronogeografia ao contrário afirma representar os indivíduos como eles existem de maneira contínua como pontos físicos afetados por trajetórias espa çotemporais A convicção era que entre o trabalho do biógrafo e o do estatístico há uma zona crepuscular a ser explorada uma área onde a noção fundamental é que as pessoas mantêm sua identidade ao longo do tempo e onde o com portamento agregado não pode escapar esses fatos128 Em outras palavras como Nigel Thrift colocou a cronogeografia começa a partir da premissa metodológica 125 Ray RimeyJim Record Dan Keefe Levi Kennedy Chris Cramer Network Exploitation Using WAMI Tracks Defense Transformation and NetCentric Systems 2728 April 2011 Orlando 126 Idem 127 Hägertsrand Op cit p 9 128 Idem p 9 171 da indivisibilidade do ser humano129 O que foi então proposto para a ciência social foi reconstruir agregados de dados começando da granularidade indivisível dos indivíduos cuja corporeidade vivida poderia então ser esquematicamente representada por caminhos rastreáveis e mensuráveis no espaçotempo É surpreendente que para expressar essa ideia Hägerstrand tenha usado o mesmo vocabulário que Gilles Deleuze mobilizaria vinte anos depois para de finir o que ele chamou de sociedades de controle Não nos encontramos mais lidando com o par massaindivíduo Os indivíduos tornaramse dividuais e mas sas amostras dados mercados ou bancos130 Por um lado havia sociedades dis ciplinares estruturadas em torno de uma relação entre o indivíduo e a massa por outro lado sociedades de controle articuladas pela dupla de dividuais e bancos de dados Por um lado instituições de confinamento por outro lado processos de controle operando em ambientes abertos Por um lado as assinaturas e nume ração administrativa tomadas como marcos da individualidade por outro lado códigos e senhas como condições de acesso Hägerstrand e Deleuze tomaram emprestada essa distinção conceitual en tre individualidade e dividualidade de algumas reflexões sobre a forma que o pintor Paul Klee desenvolveu durante os anos entre guerras Segundo seu ponto de vista esse par de noções poderia ser esquematizado da seguinte maneira 129 Nigel Thrift An introduction to time geography Institute of British geographers London 1977 p 6 130 Gilles Deleuze Postscript on the Societies of Control in journal OCTOBER 59 Winter 1992 MIT Press Cambridge 37 172 Dividual 1 e individual 2 de acordo com Klee131 O indivíduo é ilustrado por uma figura linear uma forma de um corpo em movimento figura 2 É definido negativamente como algo do qual nada pode ser cortado sem destruir o todo sem tornálo irreconhecível Nesse sentido o in divíduo é primeiro algo indivisível dividilo seria mutilálo destruir sua unidade orgânica constitutiva O divino ao contrário é definido por sua divisibilidade Divida ou corte as linhas na figura 1 corte uma ou algumas delas e o padrão ainda não desaparecerá Ele permanecerá apesar de sua partição Essa é em resu mo a diferença entre o padrão de uma tapeçaria cujos ritmos são repetitivos e o desenho da forma orgânica de um corpo Por sua vez o que Deleuze diz no final da década de 1990 mas desta vez como um diagnóstico histórico e político é que estamos mudando de 2 para 1 ou seja que antigos mecanismos de poder centrados na individualidade eram em parte sendo substituído por novos cujo objeto seria o dividual Por ora nossa pergunta é a seguinte o que acontece com o prognóstico de Deleuze quando o postulado básico da cronogeografia principalmente a amar ração de uma agregação de dados a caminhos cronospaciais individualmente in dexados tornase tão prevalente a ponto de servir como base operacional efetiva para toda uma série de práticas de poder O que então obtemos é à primeira vista algo diferente do individual pelo contrário encontramos as individualidades cronogeográficas consideradas ambas como objetos de conhecimento e de intervenção Como Derek Gregory mostrou os usos contemporâneos de vários meios eletrônicos de identificação rastreamento e localização de alvos equivalem de fato a uma operação de produção técnica de indivíduos como artefatos e algoritmos132 Se isso certamente implica um certo modo de individuação a questão seria então caracterizála conceitualmente No entanto uma das dificuldades para fazêlo é que ele dificilmente se encaixa na ca tegoria de individualização disciplinar lembrada por Deleuze em seu Postscript As tecnologias em questão certamente se concentram na busca de assina turas isto é segundo o filósofo um dos sinais favoritos na semiótica política da disciplina mas também se espalham hoje em ambientes abertos como os aparatos de controle Eles se concentram nas individualidades concebidas como unidades cronoespaciais indivisíveis mas para constituílas elas também mo bilizam material individual agregado em bancos de dados e tratado de maneira 131 Formal analysis of 19353 Grid dance Paul Klee Notebooks Volume 2 The nature of nature Lund Hum phries London 1973 p 284 These explanatory figures have in fact been compiled by the editor of the volume Jürg Spiller 132 httpgeographicalimaginationscomtagglenngreenwald 173 algorítmica Esse conjunto duplo de características faz com que elas se encaixem mal no modelo de Deleuze Eles não correspondem nem à individualização da disciplina nem à dividualização do controle Para entender o que estamos lidando aqui acho que podemos nos referir a uma terceira figura também encontrada no trabalho de Klee Dança da grade de Klee133 Dividual e individual não estão necessariamente em oposição eles também po dem ser combinados Esta terceira figura ilustra um caso de síntese individualindivi dual134 Tal síntese acontece quando certas atividades produzem formas estruturais muito definidas que podem se tornar observáveis individualmente135 isto é quando os caracteres estruturais são unidos ritmicamente em um todo individual136 O fio dividual ondulado em que foi cortado na figura individual linear que igualmente delineia seu contorno externo aparece então como uma grade de dança O objeto correspondente de poder aqui não é o indivíduo tomado como um elemento em uma massa nem o indivíduo aparecendo com um código em um banco de dados mas algo mais uma individualidade padronizada que é teci da a partir de dividualidades estatísticas e cortadas em um fio de atividades reti culares contra as quais progressivamente silhuetas no tempo como uma unidade perceptível distinta nos olhos da máquina A produção dessa forma de individualidade não pertence nem à discipli na nem ao controle mas a outra coisa a segmentação em seus procedimentos 133 Klee op cit p 285 134 Idem p 63 135 Idid p 247 136 Idid p 234 174 mais contemporâneos cujas características formais são hoje compartilhadas entre campos tão diversos quanto o policiamento o reconhecimento militar e o marke ting Pode bem ser por falar nisso que estamos entrando em sociedadesalvo 12 Para os promotores militares dessas metodologias a esperança inicial era de acordo com uma metodologia de Inteligência Vigilância e Reconheci mento ISR herdada da Guerra Fria ser capaz de modelar assinaturas compor tamentais associadas a padrões de vida terroristas Mas essa ambição enfrenta pelo menos um problema epistemológico fundamental Em um contexto mar cado por uma escassez de dados significativos e uma baixa relação sinalruído ou seja onde o elemento ruim parecem e agem da mesma maneira que os elementos bons não se pode obter padrões de vida não ambíguos que permitam uma identificação positiva137 Especialistas em inteligência estão cientes dessa dificuldade Hoje eles re tratam o paradigma da Inteligência Baseada em Atividades como uma tentativa de superar esse obstáculo Essa metodologia eles insistem é focada em entender entidades que não têm assinaturas em qualquer fenomenologia de sensor úni co138 Nos discursos sobre método que eles escrevem o problema assume for mulações quase metafísicas O mistério é o seguinte como descobrir desconhe cido desconhecidos139 Um desconhecido conhecido é um indivíduo cuja iden tidade singular é desconhecida mas cujos atributos perceptíveis correspondem a um tipo conhecido Um desconhecido desconhecido é aquele que escapa tanto de uma identificação singular quanto de uma genérica não se sabe quem ele é ignorância de seu nome ou rosto nem o que ele é seu perfil de atividade não corresponde aos inventariados A solução imaginada então está de certo modo já contida nos termos da pergunta para identificar formas desconhecidas logicamente já se possui um inventário de formas conhecidas A ideia é portanto identificar o típico para identificar o atípico É preciso desenvolver padrões de vida para identificar quais atividades são normais e quais são anormais140 Dentro de tal modelo por acumular trilhas ao longo do tempo podese por exemplo modelar os padrões de movimento dos pedestres e detectar ano 137 Veja também Jeff Jonas and Jim Harper Effective Counterterrorism and the Limited Role of Predictive Data Mining Policy Analysis Cato Institute December 11 2006 httpwwwcatoorgsitescatoorgfilespubspdf pa584pdf584 138 Mark Phillips A brief overview of ABI and Human Domain Analytics Trajectory Magazine 2012 http trajectorymagazinecomwebexclusivesitem1369humandomainanalyticshtml 139 Idem 140 From data to decisions III IBM Center for the Business of Government November 2013 p 32 httpwww govexeccommediagbcdocspdfsedit111213cc1pdf 175 malias de tendências comportamentais aprendidas141 Por exemplo uma vez que os itinerários normais de alguém transportando uma bandeja de refeição em uma cantina foram identificados podese ao contrário ver o surgimento de uma certa quantidade de trajetórias aberrantes Modelando caminhos normais e detectando comportamentos anormais em uma cantina142 Além desses tipos de estudos de teste conduzidos em espaços fechados o objetivo é implantar essas metodologias de classificação comportamental dentro de programas de detecção de anomalias em larga escala 141 Kevin Streib Matt Nedrich Karthik Sankaranarayanan James W Davis Interactive Visualization and Behavior Analysis for Video Surveillance SIAM Data Mining International Conference on datamining Columbus Ohio 2010 142 RichardO Lane KeithD Copsey Conference Paper Track anomaly detection with rhythm of life and bulk activity modeling Information Fusion FUSION 2012 15th International Conference 176 DETECÇÃO DE ANOMALIA ATRAVÉS DE ASSINATURAS DE COMPORTAMENTO143 A racionalidade que ordena tal trabalho de detecção depende de uma di visão normativa uma certa concepção do que é normalidade Mas do ponto de vista filosófico devese notar que a noção de padrões ou formas normais de vida não se baseia aqui ao contrário por exemplo no discurso da moral transcen dente em qualquer imperativo específico deve ser ou normativo Estas são em certo sentido normatividades sem norma Sua noção do normal é na verdade estritamente empírica é aprendida pela máquina com base em uma análise de frequências e repetições em determinados conjuntos de atividades É então uma discrepância com esses padrões de regularidade uma anomalia em vez de uma anormalidade que acionará o alerta vermelhoalaranjado na tela do analista Mas uma das questões clássicas com tal concepção de normalidade é que como Georges Canguilhem explicou nós teríamos necessariamente de tratar como anormal isto é acreditamos patológico todo indivíduo anormal todo portador de anomalias cada indivíduo aberrante em relação a um tipo especí fico estatisticamente definido144 Embora uma discrepância singular possa ser interpretada de várias maneiras por exemplo como uma falha ou como uma 143 Brett Borghetti Anomaly Detection Through Behavior Signatures ISRCS Briefing 10 Aug 2010 144 Georges Canguilhem Knowledge of Life Fordham university Press New York 2008 p 127 177 tentativa como uma falha ou como uma aventura um aparato paranoico ime diatamente tende a sinalizála como uma ameaça potencial145 ALERTA De uma maneira bastante irônica é dentro das próprias sociedades cuja ide ologia dominante considera sagrada a liberdade individual de seguir seu próprio modo de vida que a singularidade de tal rota logo acaba sendo automaticamente sinalizada como suspeita Devese notar no entanto que isto não é devido neste caso à predominância de uma lógica de padronização ou uniformização Ao usar esses padrões cronoespaciais para filtrar comportamentos esses dispositivos não têm uma trajetória de modelo específica que procuram impor nas várias vidas que monitoram Sua normatividade sem norma é animada por outro objetivo outro tipo de apetite devorador detectar discrepâncias para adquirir alvos e isso em um modo de pensar em que como alvos desconhecidos é o desconhecido que se torna alvo Outra maneira de colocar isso é que em tais regimes de conheci mento e poder um alvo potencial aparece fundamentalmente como um desvio REFERÊNCIAS Anthropotelemetry Dr Schwitzgebels Machine Harvard Law Review Vol 80 No 2 Dec 1966 pp 403421 p 409 BERENSTEIN Erica New York Times Jul 14 2013 httpwwwnytimescomvideobusi ness100000002206849bigdatahitsreallifehtml BORGHETTI Brett Anomaly Detection Through Behavior Signatures ISRCS Briefing 10 Aug 2010 CANGUILHEM Georges Knowledge of Life Fordham university Press New York 2008 CHIK Caroline Limage paradoxale Fixité et mouvement Presses Universitaires du Septen trion Villeneuve dAscq 2011 p 90 CLIFFORD Stephanie HARDY Quentin Big Data Hits Real Life New York Times July 14 2013 httpwwwnytimescom20130715businessattentionshopperstoresaretrack ingyourcellhtmlpagewantedallr0 DEBORD Guy Theory of the dérive The Situationist International Anthology ed Ken Knabb Bureau of Public Secrets Berkeley 1981 p 50 DELEUZE Gilles Postscript on the Societies of Control in journal OCTOBER 59 Win ter 1992 MIT Press Cambridge 37 DIDIHUBERMAN Georges Phalènes Éditions de Minuit Paris 2013 FOUCAULT Michel Discipline and Punish The Birth of the Prison New York Vintage Books 1995 GREGORY Derek From a view to a kill drones and late modern war Theory culture and society 28 6 2011 pp 188215 p 195 e 208 GREGORY Derek Lines of descent Open democracy 8 novembre 2011 httpwwwopen democracynetderekgregorylinesofdescent HÄGERSTRAND Torsten What about people in regional science Papers of the Regional 145 Idem p 125 178 Science Association Volume 24 1 1970 pp 621 p 10 HITCHCOCK Edward Elementary Geology New York Ivison and Phinney 1855 p 187 IBM Center for the Business of Government From data to decisions III November 2013 p 32 httpwwwgovexeccommediagbcdocspdfsedit111213cc1pdf JONAS Jeff HARPER Jim Effective Counterterrorism and the Limited Role of Predictive Data Mining Policy Analysis Cato Institute December 11 2006 httpwwwcatoorgsites catoorgfilespubspdfpa584pdf584 KLEE Paul Notebooks Volume 2 The nature of nature Lund Humphries London 1973 p 284 These explanatory figures have in fact been compiled by the editor of the volume Jürg Spiller LANE Richard O COPSEY KeithD Conference Paper Track anomaly detection with rhythm of life and bulk activity modeling Information Fusion FUSION 2012 15th Inter national Conference LAUWE Paul Henry Chombart de Paris et lagglomération parisienne Volume 1 Presses universitaires de France Paris 1952 p 106 LAVATER Johann Caspar Lart de connaitre les hommes par la physionomie Prudhomme Paris 1806 frontispice LENNTORP B A TimeGeographic Simulation Model of Individual Activity Pro grammes in CARLSTEIN T PARKES D e THRIFT N Eds Human activity and time geography London Edward Arnold 1978 pp 162180 MONMONIER Mark Spying with Maps Surveillance Technologies and the Future of Pri vacy University of Chicago Press Chicago 2004 p 1 ORBIGNY Alcide d Cours élémentaire de paléontologie et de géologie stratigraphiques Premier volume Masson Paris 1849 p 27 PHILLIPS Mark A brief overview of ABI and Human Domain Analytics 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Institute of British geographers London 1977 p 6 TOMLINSON Kellom The art of dancing explained by reading and figures 1735 Cf http earlydanceorgcontent6477minuet YARBUS Alfred Eye Movements and vision Plenum press New York 1967 179 QUE CIDADE É ESSA Guilherme Boulos146 Exemplo de Segregação da Cidade do Capital Paraisópolis e Morumbi SP A vida nas grandes cidades brasileiras costuma ser definida por meio de termos mais ou menos comuns caos violência congestionamento falta de planejamento contraste social e por aí vai De fato as chamadas metrópoles no Brasil e em outras partes do mundo tornaramse símbolos do desenvolvimento caótico e da desigualdade social O caos está por toda parte na quantidade de automóveis que cada vez se mo vem menos em meio a tanto congestionamento na violência característica da barbárie que opõe na maioria dos casos pobres contra pobres no crescimento populacional urbano sem limites que transformou por exemplo a região metro politana de São Paulo num amontoado de mais de 20 milhões de habitantes São muitos os sintomas do caos 146 Guilherme Castro Boulos é um professor ativista político e escritor brasileiro Graduouse em filosofia pela Fa culdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo FFLCHUSP Especializouse em Psicologia Clínica pela PUCSP tema O Lugar da Razão na Psicanálise É mestre em psiquiatria 2017 pela Faculdade de Medicina da USP dissertação Estudo sobre a variação de sintomas depressivos relacionada à participação coletiva em ocupações de semteto em São Paulo Foi também professor da rede pública de ensino da Faculdade de Mauá e da Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo é membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto sendo reconhecido como uma das principais lideranças da esquerda no Brasil 180 Mas é preciso lembrar que este caos obedece a uma lógica embora seja uma lógica profundamente irracional e voltada aos interesses de uma minoria Ao conhecermos um pouco sobre como as cidades chegaram a ser o que são hoje vemos melhor quem ganha e quem perde com o caos COMO AS CIDADES SE DESENVOLVERAM Há mais ou menos 70 anos atrás em 1940 as duas maiores cidades brasi leiras São Paulo e Rio de Janeiro tinham pouco mais que 1 milhão de habitantes cada uma A maior parte da população ainda vivia no campo e a industrialização que foi o que atraiu milhões de trabalhadores para as cidades ainda estava em seu início no país Os trabalhadores urbanos já viviam mal em cortiços cômodos de aluguel e nas chamadas vilas operárias que eram conjuntos de casas que as empresas ofe reciam aos empregados que pagavam com parte de seu salário E já naquela época os trabalhadores faziam luta por melhores condições de moradia A primeira grande luta conhecida em relação a essa questão foi entre 1917 e 19 com a formação da Liga dos inquilinos contra despejos e o valor dos aluguéis Os semteto buscaram organizar uma greve de aluguéis Entre 1945 e 47 também ocorreram grandes movimentos em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro com as mesmas reivindicações Mas naquele período havia uma grande diferença em relação à cidade de hoje A periferia praticamente não existia Os trabalhadores moravam em bairros centrais próximos do local de trabalho e também próximos das casas dos ricos Com o crescimento da população a burguesia desenvolveu um projeto para matar dois coelhos numa paulada só jogando os trabalhadores para regiões distantes eles tiraram os pobres do seu convívio e ainda criaram um negócio milionário Como se deu isso Veremos este processo a partir do exemplo de São Paulo sobre o qual foram feitos importantes estudos como os de Lucio Kowarick Raquel Rolnik e Eder Sa der De todo modo o processo de formação da periferia em São Paulo tem muitas semelhanças com o de outras grandes cidades do Brasil e da América Latina Como vimos até 1940 os trabalhadores moravam nos bairros centrais A periferia não existia Eram chácaras e fazendas só mato Nesta época cerca de 75 dos imóveis de São Paulo eram habitados por inquilinos isto é casas de aluguel nos bairros centrais da cidade Os grandes proprietários de terrenos e casas entraram em ação Com o apoio do governo fizeram o que chamaram de uma limpeza no centro de 181 moliram cortiços despejaram favelas e aumentaram o valor dos aluguéis que se tornou inviável para maior parte dos trabalhadores Ao mesmo tempo abriram loteamentos clandestinos em áreas distantes onde não havia nada para vender os lotes aos trabalhadores Sem ter outra alternativa os trabalhadores compravam estes lotes tendo ainda que usar os finais de semana para construir suas casas com as próprias mãos Tanto para comprar o lote como para construir muitos tinham que se en dividar Além disso foram jogados em lugares com infraestrutura precária água eletricidade asfalto e sem qualquer serviço público saúde creche escola etc Para possibilitar que os trabalhadores chegassem ao trabalho o governo que deixava os proprietários e loteadores agirem livremente chegava depois com infraestrutura básica como estradas e linhas de ônibus Afinal os patrões precisavam ter seus empregados na empresa para explorálos e lucrar Mas o melhor ainda estava por vir Os proprietários utilizaram uma malandra gem que os fez ganhar ainda mais Ao abrir os novos loteamentos deixavam sempre uma grande área vazia entre o local do loteamento e o centro da cidade Grandes pedaços de terra no meio do caminho que ficavam ali sem serem loteados Por exemplo faziam um loteamento onde hoje é o Campo Limpo na zona sul de São Paulo E deixavam imensas áreas vazias no Butantã Vila Sônia Morumbi e outros bairros que ligam o centro ao Campo Limpo Mas por quê A resposta veio com o tempo Depois do loteamento clandestino o gover no pressionado pelos proprietários levava uma estrada uma linha de ônibus rede de água e de energia elétrica até a região Mas para que toda esta estrutura chegasse até o bairro mais distante precisaria passar pelos bairros que estão no caminho Isto é a estrada que vai ao Campo Limpo passa pelo Butantã assim como a rede de água e eletricidade E daí Ora com todos estes benefícios os terrenos deixados vazios no meio do caminho se valorizavam muito e os proprietários podiam loteálos a um preço muito maior O nome desta malandragem é especulação imobiliária Os especuladores deixavam e ainda deixam os terrenos vazios esperando o melhor momento para vendêlos a preços elevados Enquanto isso os trabalhadores são jogados ao sofrimento em regiões distantes e sem nada Assim formaramse as periferias urbanas Quem ganhou e quem perdeu com isso Os donos de terra especuladores e loteadores ganharam de 3 maneiras principais 1 Venda de lotes Os proprietários muitas vezes grileiros de terras pú blicas pegavam grandes áreas que eram rurais e loteavam como terre 182 no urbano que tem um valor muito mais alto Assim transformaram terra em ouro e ganharam milhões em cima das suadas economias dos trabalhadores 2 Valorização de terrenos intermediários As áreas que ficavam no meio do caminho dos novos loteamentos foram vendidas mais tarde a pre ços inacreditáveis Exatamente por isso não puderam ser habitadas por trabalhadores São os chamados bairros de classe média ou da própria burguesia 3 Valorização das áreas centrais Ao tirar os pobres e demolir as casas mais antigas e precárias das regiões centrais da cidade o valor dos imó veis destes bairros subiu muito O trabalhador deixou de poder pagar um aluguel no centro que virou propriedade exclusiva dos ricos Nesta história toda os trabalhadores só perderam Foram expulsos das me lhores áreas jogados em regiões sem estrutura e distantes do local de trabalho A partir daí começou a se definir de modo claro a separação da cidade dos ricos com a cidade dos pobres De um lado os bairros centrais de outro a periferia A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA HOJE Quem pensa que essa história toda acabou e que hoje a situação é outra está muito enganado Daquele período pra cá a situação só se agravou e a especulação imobiliária se tornou ainda mais forte E o que é pior tem cada vez mais o apoio do Estado que deveria garantir condições de vida digna aos trabalhadores urbanos Não precisa de muito discurso para saber que os pobres continuam mo rando nas periferias E em periferias cada vez mais distantes Basta ter olhos pra 183 ver Retomando o exemplo de São Paulo os loteamentos clandestinos da década de 1970 ocorreram em bairros como o Campo Limpo hoje o Campo Limpo vem se tornando um bairro mais caro e os trabalhadores estão sendo jogados para outras cidades Taboão da Serra Embu Itapecerica da Serra e sabese lá onde mais O mesmo ocorreu na zona leste da cidade com bairros como Vila Matilde ou Penha e atualmente com Itaquera A especulação leva as periferias para ainda mais longe O fato é que o capital imobiliário os donos de terra e as grandes cons trutoras nunca foram tão poderosos no Brasil como nos dias de hoje Basta observarmos os dados da valorização dos imóveis nas grandes cidades e do cresci mento dos empreendimentos imobiliários no país todo Dados que tomamos das próprias instituições do mercado imobiliário como o Creci Conselho Regional dos Corretores de Imóveis e o Secovi Sindicato da Habitação e Condomínios Tomemos o caso da capital federal Brasília tem liderado as pesquisas de valorização da terra e dos imóveis entre as cidades brasileiras Em 2007 quem pretendia comprar uma casa na Asa Norte bairro valorizado da capital pagava nada menos que R4000 por metro quadrado Muito caro não é Para os espe culadores não Em 2010 este valor já havia subido para mais de R9000 por metro Mais que o dobro Em 3 anos No Rio de Janeiro a situação não é diferente Um apartamento no Leblon ou em Ipanema não sai por menos que R16950 por metro quadrado Para que se tenha uma ideia do que isso significa quase 60 mil cariocas tornaramse milionários isto é passaram a ter mais de R1 milhão simplesmente por terem imóveis em regiões valorizadas Não precisamos pensar muito para saber que estes novos milionários não vivem na Rocinha ou nos bairros pobres da zona oeste da cidade Em São Paulo os números são assustadores Uma casa localizada no Jar dim Europa pode ser vendida a R17900 por metro quadrado Mais o valor médio do aluguel na cidade cresceu 146 só em 2010 E esta valorização não atinge apenas bairros da elite como o Jardim Europa O metro quadrado em Perus está em R4540 e R3730 no Campo Limpo que é o distrito com maior concentração de favelas da cidade Alguém poderia questionar que esta valorização na periferia é boa para os trabalhadores que poderiam com isso aumentar seu patrimônio Mas isso quase nunca é verdade porque a maior parte das casas em bairros periféricos é irregular não tem escritura A valorização pelo contrário torna os trabalhadores destas regiões alvo constante de despejos que visam a construção de novos empreen dimentos Sem falar no aumento dos aluguéis que expulsa os inquilinos para regiões mais periféricas 184 As cidades são um grande negócio para os capitalistas Sem pensar em quem está no caminho a burguesia investe e lucra com o espaço de vida de 85 dos brasileiros O investimento imobiliário em São Paulo chegou a atingir até 270 de valorização em 2010 rentabilidade maior que qualquer aplicação financeira do país Como no período que vimos de formação das periferias ga nham com a especulação aqueles que já tem muito e perdem os trabalhadores Citamos 3 grandes cidades brasileiras Mas esta realidade pode ser vista em todos os centros urbanos do país Poderíamos citar Belo Horizonte Recife ou Salvador que tiveram uma valorização igualmente absurda Dentre muitas outras cidades Isto se mostra numa pesquisa feita pelo instituto Global PropertyGuide que apontou o Brasil como o líder mundial da especulação imobiliária em 2010 com uma média de 335 de valorização Não é por acaso que nosso país está também entre os líderes mundiais da desigualdade social Este monte de números serve para mostrar que os donos de terra e emprei teiros nunca ganharam tanto Mas paremos um pouco para entender como isso ocorre e as consequências desta situação A ALIANÇA ENTRE ESTADO E CAPITAL IMOBILIÁRIO Como se deu este crescimento tão grande dos empreendimentos imobiliá rios no Brasil nos últimos anos De onde vem tanto dinheiro Como pode um pedaço de terra que era vendido por 10 passar a valer 20 no outro dia Será mágica Vamos analisar estas questões O crescimento do mercado imobiliário e da especulação tem vários mo tivos Um deles é o crescimento do crédito o aumento dos financiamentos para que a classe média possa comprar imóveis Se por um lado isso pode ser visto como algo bom por possibilitar a uma parte dos trabalhadores o acesso a mais produtos por outro lado cria um endividamento eterno com prestações a serem pagas até o fim da vida Vimos o que aconteceu nos Estados Unidos os trabalhadores financiaram casas não conseguiram arcar com as dívidas e acaba ram despejados e sem teto Outro motivo desta explosão especulativa foi a concentração das empresas imobiliárias em pouquíssimas mãos Nos últimos anos várias construtoras se fundiram criando um monopólio As grandes construtoras muitas delas contro ladas já por capital estrangeiro ao venderem ações na Bolsa de Valores tiveram condições financeiras de comprar muita terra nas cidades brasileiras Boa parte das áreas urbanas vazias pertence hoje a essas poucas empresas 185 Tendo o controle das terras tornaramse ao mesmo tempo construtores e especuladores Passaram a ganhar duplamente na valorização especulativa dos terrenos e na construção dos imóveis Puderam impor livremente seus preços Mas nenhum destes fatores teria sido possível sem a principal razão da for ça do capital imobiliário no país sua aliança com o Estado brasileiro em todos os níveis desde as prefeituras e câmaras de vereadores até o governo federal Esta aliança não é nova Os donos de terra sempre tiveram muito poder na política brasileira É só lembrar dos coronéis latifundiários no campo ou da forma como cresceram as cidades Na formação das periferias o papel do Estado foi decisivo tanto ao permitir os loteamentos clandestinos quanto ao levar sob medida a infraestrutura que valorizou as áreas dos especuladores De lá pra cá esta aliança só se fortaleceu Os donos de terragrandes em preiteiros construíram com os políticos que governam o Estado um esquema em que todos ganham menos é claro o povo trabalhador Funciona assim os polí ticos precisam de dinheiro para financiar suas milionárias campanhas eleitorais e permanecerem no poder Os empreiteiros precisam de favores dos governos para lucrarem mais e mais Fácil de resolver Os empreiteiros financiam as campanhas eleitorais e os políticos ao se elegerem devolvem o presente com todos os favo res que o capital imobiliário precisa Que favores são esses Vamos listar apenas alguns principais 1 Dar dinheiro público aos empreiteiros A contratação de obras públi cas rodovias pontes avenidas casas etc muitas vezes superfatura das é uma festa para as empreiteiras Ganham demais com isso Vimos que o Minha Casa Minha Vida despejou de uma vez só R33 bilhões na mão de empreiteiros 2 Levar infraestrutura para áreas da especulação Neste método bastante conhecido o Estado leva uma série de melhorias para regiões onde os grandes empreiteiros que financiaram a campanha do governan te têm terrenos Assim estes terrenos se valorizam e garantem lucros maiores 3 Despejos e remoções de comunidades Quando os trabalhadores insis tem em morar em lugares valorizados através de ocupações antigas os capitalistas pressionam o Estado para despejar a comunidade Sempre que consegue vencer a resistência dos moradores o Estado despeja E quando muito oferece conjuntos habitacionais nas áreas mais perifé ricas Logo após o despejo frequentemente começam a ser erguidas torres de condomínios luxuosos na região 4 Mudanças na legislação Existem no Brasil leis que regulam o uso 186 do solo urbano como o Estatuto das Cidades e os Planos Diretores Quando estas leis entram em conflito com o interesse do capital são frequentemente ajustadas Um terreno destinado para moradia po pular vira do dia pra noite área comercial ou residencial de alto pa drão conforme o interesse em jogo Publicado no Jornal Folha de São Paulo Assim os governantes mostram que sabem retribuir favores Até porque haverá sempre a próxima eleição E para garantir seus interesses os empreiteiros não brincam em serviço São de longe os maiores financiadores de campanhas eleitorais do país segundo dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral É assustador Mais da metade exatamente 54 dos deputados federais e se nadores eleitos em 2010 receberam doações de grandes construtoras As mais ge nerosas foram a Camargo Corrêa que triplicou suas doações em relação a 2006 chegando a R80 milhões e a Andrade Gutierrez com R58 milhões As grandes empreiteiras sozinhas representaram 25 de todos os gastos com campanha eleitoral no Brasil E isto só em doações registradas sem contar o famoso e gordo Caixa 2 E para não ter risco de perder financiam todos os lados da disputa Foram elas as maiores doadoras tanto da campanha presidencial de Dilma Roussef PT como da de seu adversário José Serra PSDB Não interessa o partido apenas o retorno de quem ganhar E este retorno é sempre certo Houve um caso escandaloso em 2011 de uma empreiteira de Maringá PR que aumentou em 12 vezes seus contratos 187 com o governo federal após ter dado generosas doações a políticos que vieram a ocupar cargos importantes no governo 12 vezes Não podemos esquecer que essas retribuições são feitas sempre com di nheiro público Assim tendo os políticos de plantão a favor de seus interesses e as terras va zias em suas mãos os especuladores e empreiteiros tornamse os verdadeiros donos das cidades Abocanham dinheiro público mudam leis determinam despejos e lucram sem qualquer limite Moldam a cidade de acordo com seus interesses e pre judicam os trabalhadores em nome de seus lucros Esta é a cidade em que vivemos A CIDADE DO CAPITAL A consequência de tudo isto é um modelo de cidade profundamente de sigual e opressor É a Cidade do Capital Muitos estudiosos críticos pensaram e escreveram sobre a forma como o capitalismo desenvolveu as cidades Por isso vamos apontar aqui somente uma das características fundamentais deste modelo urbano a segregação causada pelo domínio dos interesses privados A Cidade do Capital é segregada Palavra difícil mas que todo trabalha dor urbano já viveu na pele Segregada quer dizer separada dividida Quantos trabalhadores já não sofreram abordagens humilhantes da polícia ao estarem em bairros ricos Quantas vezes não vimos no noticiário moradores de rua sendo espancados ou mortos no centro de alguma cidade O nome disso é segregação É como se na cidade existissem duas cidades a dos ricos e a dos pobres E cada vez mais separadas Já vimos como a especulação imobiliária fez surgir as periferias As periferias são para eles verdadeiros depósitos de pobres O que a burguesia sempre quis e hoje as cidades permitem é que os pobres se matem entre si longe dos olhos deles e sem incomodálos Para isso constroem muros Já se espalharam por todas as grandes cidades brasileiras os tais condomínios fechados que são torres de apartamentos lu xuosos cercadas por altos muros com cerca elétrica e seguranças armados Ali pobre só entra pelo elevador de serviço e sempre muito vigiado pelas câmeras de segurança No Rio de Janeiro o governo criou um sistema de segregação ainda mais escancarado Passou a erguer muros em torno das favelas sem a autorização dos moradores separandoos do resto da cidade Tática que faz lembrar os campos de concentração erguidos pelos nazistas no século passado Em Curitiba um shopping center entrou com pedido na justiça para po der barrar a entrada de jovens da periferia vestidos no estilo hip hop O argu 188 mento dos empresários era que os jovens poderiam constranger os clientes Este tipo de situação ocorre todos os dias ainda que sem ordem judicial em vários shoppings e mercados do país Em São Paulo a prefeitura de José Serra construiu em 2005 na região da famosa Avenida Paulista as rampas antimendigo São rampas de concreto no meio da calçada para evitar que moradores de rua possam dormir por ali Na mesma linha vários condomínios de bairros burgueses criaram também a lixeira anticatador fechando com cadeados as lixeiras de suas calçadas para evitar que os trabalhadores da reciclagem circulem em suas ruas No momento em que escrevo este texto um grupo de comerciantes e mo radores de um bairro da classe média paulistana organizou um abaixoassinado para tentar impedir a instalação de um albergue da prefeitura no bairro Pouco tampo antes um grupo de moradores de Higienópolis o bairro da burguesia tradicional de São Paulo havia pressionado o governo para impedir a instalação de uma estação de metrô nas redondezas A alegação deles era que o metrô traria gente diferenciada isto é trabalhadores para seu convívio Por aí vai Estas ações segregadoras não são exceção Representam a lógica nua e crua da Cidade do Capital as cidades devem servir para dar lucro mesmo que seja às custas de imensas perdas sociais para a maioria dos seus habitantes O capitalismo transforma tudo em mercadoria inclusive o espaço em que as pessoas vivem Como segregar valoriza eles segregam O interesse pri vado está acima de tudo e impede que nesta lógica social a organização do espaço seja racional e igualitária Acaba por produzir as cidades caóticas em que vivemos Tomemos o exemplo do trânsito caótico das metrópoles que é assunto diário dos jornais A cada dia se bate um novo recorde de congestionamento To dos reclamam mas poucos se perguntam o porquê Em São Paulo o número de automóveis da cidade atingiu em 2011 a marca de 7 milhões No Rio de Janeiro chegou a 2 milhões Ora como se espera que as ruas estejam livres Por mais avenidas túneis e pontes que façam não resolverão a situação O motivo é evidente as grandes montadoras querem vender mais e mais carros Lucram com o aumento do con gestionamento até porque seus executivos têm helicópteros E para atender aos grandes empresários do ramo o Estado deixa de investir verdadeiramente em transporte público especialmente trens e metrô que seriam a solução real para os congestionamentos É mais uma vez o interesse privado na frente do interesse social E mais uma vez o Estado a serviço dos capitalistas O papel do Estado na conservação de 189 uma cidade segregada é fundamental Basta analisarmos a diferença no forneci mento de serviços públicos no centro e nas periferias Já vimos alguns dados sobre essa questão no capítulo 1 Vejamos outros mais agora Em Belém 69 das famílias mais pobres que vivem com me nos que 3 salários mínimos moradores das periferias não têm fornecimento adequado de serviços água esgoto energia elétrica coleta de lixo etc O mesmo não ocorre nos bairros onde vivem aqueles que tem renda maior que 10 salários neste caso o número é de 5 Em Fortaleza essa diferença é de 77 a 3 Em Belo Horizonte de 67 a 2 E assim por diante em todas as cidades brasileiras A Prefeitura de São Paulo disponibiliza alguns mapas que dispensam qual quer comentário Vejam a diferença entre coleta adequada de lixo no centro e na periferia da cidade As bolas maiores mostram as regiões onde o serviço é mais precário Este outro mapa mostra as regiões onde há maior carência de creches na cidade 190 As regiões mais escuras mostram aonde falta muito as mais claras onde quase não falta A própria política habitacional dos governos como já vimos no caso do Minha Casa Minha Vida amplia ainda mais esta segregação A lógica é despejar os mais pobres que ainda vivem em regiões valorizadas e jogálos em conjuntos habitacionais no fundão das cidades Este último mapa mostra a localização dos conjuntos da CDHU Companhia Habitacional de Desenvolvimento Urbano e da Cohab na cidade de São Paulo As regiões mais escuras é claro são aquelas em que foram construídos os empreendimentos para os trabalhadores morarem 191 Como se isso não bastasse para manter os pobres sob controle nas perife rias o Estado tem se servido cada vez mais de uma gestão militar da cidade O único serviço público que funciona bem na periferia é a polícia para oprimir humilhar e exterminar trabalhadores Nos bairros periféricos em especial nas favelas a polícia age de acordo com uma lei de exceção um estado de sítio invade as casas que julga suspeitas sem necessidade de mandado judicial e a qualquer hora do dia ou da noite bate e humilha antes de perguntar julga e executa a pena de morte sempre que quiser e sem qualquer punição Os jovens e negros são as principais vítimas dos abusos e do extermínio policial A mesma polícia que diz Sim senhor ao arrogante filho de banqueiro do outro lado do muro Quando a polícia não dá conta chamam o Exército como no caso do Rio de Janeiro Para eles a favela é um território inimigo contra o qual tem de se fazer guerra Assim os tanques entraram no Complexo do Alemão em 2011 Mesmo lugar onde em 2007 a polícia exterminou pelo menos 19 moradores numa ação militar Um dos mortos foi uma criança de 13 anos de idade Depois vão na televisão e dizem que os mortos eram traficantes Pronto está resolvido O Estado extermina livremente os pobres com o argumento de que são bandidos traficantes ou seja lá o que mais A burguesia aplaude a mídia fala bem e uma parte dos trabalhadores fica confusa sem perceber que o próximo pode ser ele Foi o que ocorreu num bairro da periferia de Osasco SP em setembro de 2011 Um trabalhador teve sua casa invadida pela Rota tropa da Polícia Militar de São Paulo e foi executado porque pensaram que fosse um bandido Uma pa rente sua após o assassinato declarou na televisão que ele admirava e defendia a Rota Até que chegou o dia em que foi morto por ela Esta é a segregação da Cidade do Capital É uma segregação de classe ricos e pobres cada um de um lado Para uns a cidade dos shoppings dos condomí nios fechados e das belas avenidas Para outros a cidade da polícia violenta das moradias precárias onde falta tudo 192 DESAFIANDO A CIDADE SKATE ESPORTE VANDALISMO Guilherme Michelotto Böes147 INTRODUÇÃO O skate tem uma profunda estética de apresentarse como contemporâneo esporte que danifica os aspectos das cidades e seus espaços públicos Carregan do esses estigmas da destruição dos espaços públicos e suas estruturas convencio nais as ruas das cidades apresentam as diversas formas de estar em um contexto urbano desde modos de vida identitários a diferenças culturais no amplo terri tório da cidade Dentre as possibilidades de se ver a relação com espaço público importa encontrar modelos de produção das identidades urbanas nos espaços culturais que moldam a constituição da cidade Esta revela forma particular de distinção social no âmbito da fragmentação social urbana Assume conotação de verdadeira instituição que avalia os desempenhos de quem a compõe Aponta os potenciais de quem a utiliza criminaliza e incapacita aqueles tidos como resíduos em sua organização A dimensão cultural que emerge pelos influxos da modernidade tardia aca ba por descontinuar uma visão de cidade planificada racionalizada e herméti ca espaço de ordenação e alienação das experiências cotidianas HAYWARD YONG 2004 Diversamente as cidades estabelecem fenômenos de identidade social em seus espaços públicos Nelas significados são contestados e todo tipo de resistência ocorrem FERRELL 1996 Partindo dessas perspectivas pretendemos levantar os questionamentos da problemática de poder sobre a cultura urbana do skate Em essência ver a cidade a partir de sua existência cotidiana é encontrar modelo de sentido na produção de identidades para a constituição das formas de sociabilidade O espaço mudan do em suas formas presentes aponta e selecionam comportamentos que seriam próprios do sistema No qual seria como aponta Milton Santos 2014 objetos 147 Doutor em Ciências Sociais PUCRS Mestre em Ciências Criminais e Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Pesquisador do Instituto de Criminologia e Alteridade ICA Integrante do GPESCPUCRS Pesquisa sobre as configurações dos espaços urbanos e suas influências nas culturas contemporâneas as referências teóricas para os estudos são Antropologia Sociologia Urbana Criminologia e Controle Social 193 que estariam próprios da ciência e não da experiência O espaço como objeto destinado mercantil e não movido por sua relação social Essa possibilidade de contestação de vandalismo ao espaço da cidade são forças da própria cultura em forjar as relações humanas permitindo o exercício de criatividade Evitando a totalização do espaço da cidade Atualmente o processo cultural da cidade passa por essa exposição corpo ral uma espetacularização do consumo na cidade A mercantilização dos espaços é sua estetização culturalização e comportamento A lógica é o corpo enquanto consumo cultural Se os Situacionistas lutaram contra esses cenários de degrada ção cultural surfistas e skatistas promoveram a alternativa de experiências nos espaços da cidade É a partir desse acompanhamento das realidades culturais que se transformaram e formaram os espaços na cidade como composição de flâneur contemporâneo Eles constituem os precedentes que colocam a história da sociedade sobre a construção do tempo entre a formação dos grupos sociais e seus setores de poder A moderna imaginação de uma esfera pública parte dos processos culturais e políticos A cultura urbana nesses espaços é a possibilidade que a converge em suas formas e conflitos nos espaços contemporâneos São os conjuntos nos quais o homem realiza sua vida e produz o espaço para si mesmo SANTOS 2014 Nesses espaços os grupos urbanos consideram o conjunto de seus sistemas e ações da interação à abertura do espaço público como essencial resultado dessa interação que propiciam às culturas a imagem de personalidade e na cidade entre a multiplicidade e diversidade as situações de seus processos culturais e coletivos se inventam e negociam como progresso da formação das práticas cotidianas e nos objetos que situam a vida cotidiana o signo que simboliza sua redefinição de pertencer a determinado espaço e na crença de liberdade do movimento em suas relações sociais Entre as perspectivas dos modelos de administração dos espaços públicos sofrem e apresentam em constantes transformações diante do espaço social na presença da sociedade Essas transformações não estão afetando tão somente as estruturas políticas mas também seus modelos jurídicos para o controle social Assim como os skatistas visam uma apropriação temporária dos espaços Esses espaços são postos como a dominação territorial pela sua subcultura Dian te dessas perguntas as respostas dos gestores públicos em associar o uso de skate como vandalismo para isso constroem pistas públicas A gestão dos espaços pú blicos está diretamente vinculada pela teoria subcultural o vandalismo está nos significados diários utilizados pelo discurso público e as políticas públicas Esses argumentos diários retratam cada subcultura transgressiva como mal máfia hiperativo primitivo selvagem Assim essa fundamentação aponta que o signi 194 ficado do humano desviante na cultura está em os diferentes desvios sociais que representam específicos problemas e soluções Ferrell 2001 O skate no contexto de seu envolvimento com as cidades parte de pers pectivas de atos transgressivos em ambientes privados e públicos nos espaços das regiões metropolitanas O skate na simbolização de movimento e liberdade dos espaços proporciona o processo de decifrar enigmas da sua cultura se postar e relacionar com a corporeidade da cidade contemporânea A representação nor mativa dos espaços das cidades entre proibição de uso e classificação de seu uso apresenta uma expansão dos controles alternativos sobre pessoas e culturas Por tanto skatistas infringem normas para produzirem obstáculos transformarem a própria cultura da cidade em processo de resistência aos valores da ordem social A análise dessas práticas culturais e sociais ao modo que segrega os espaços para o consumo não se trata necessariamente do esvaziamento do sentido des ses espaços urbanos ou o esvaziamento do uso de apropriação política dos lugares mas a sua qualificação como espaço público148 A natureza da cidade é seus espaços A cidade é criação que possibilitou a expansão de integração de diversas formas de sociabilidade As relações nas esfe ras públicas é integralizarse com os diversos ritmos dos espaços públicos Nessas perspectivas o skate é uma significante cultura engajada com a interação social produzida por esses espaços O skate como esporte constrói profissionais que para manterem suas car reiras como esportistas realizam diversas manobras em ambientes urbanos e pri vados Mas nessas complexidades sociais o skate também produz adeptos que desafiam as manobras produzidas no âmbito esportivo e realizam manobras nos ambientes públicos como ato de pertencimento cultural e social e provavelmente skatistas são definidos como um grupo de jovens que promovem atos ilícitos nos espaços das cidades Isso é reforçado com estigma estéticos corporais disponíveis em atividades criminosas ou atos que reforçam essas identidades Já que o con sumo de álcool ou drogas ilícitas o vandalismo de andar de skate é instado para cultura juvenil Portanto nesse artigo consideramos o momento em que skatistas estão reafirmando diversos códigos que reduzidos pela arquitetura da cidade e dos espaços urbanos como aspectos de construção da experiência diante a exclusão espacial que a sociedade intenta como locais de poder Nesse caso o ambiente urbano é a possibilidade de se apresentar aos skatistas como pertencimento social e cultural contra as técnicas de dominação de sua cultura Isso pode considerar 148 LEITE Rogério Proença Contrausos da cidade lugares e espaço público na experiência contemporânea Cam pinas SP UNICAMP 2007 195 que a cultura do skate emerge como forma de resistência a hegemonia cultural e a imposição de formas de condutas em seus praticantes o estilo de vida dissimu lado e as condições de regulamentadas para andar de skate SKATE MARGINAL Para que possamos compreender essa questão do skate como estilo subcul tural nos espaços das cidades ou no subespaço de experiência vamos apresentar alguns dados sobre o skate a partir de análises empíricas A seguir aponto algumas dinâmicas de sua cultura No Brasil há um programa de televisão que acompanha diversos grupos de skatistas nos picos149 Esse programa passa com exclusividade no canal por assinatura Off Chamado de Programa Olho de Peixe150 ele acompanha prin cipalmente skatistas brasileiros em diversos locais do mundo fazendo com que a divulgação do skate esteja disponível para skatistas e simpatizantes Um dos principais meios de gravação desse programa é a exploração da cidade Os ska tistas não são filmados exclusivamente e principalmente em pistas destinadas para a prática do skate Os videomakers e fotógrafos acompanham os skatistas no diaadia contando sobre os principais locais nas cidades em que a prática de skate pode ser explorada Ao assistir a esse programa e com a interpretação feita por Snyder 2011 é possível observar que a questão de classe seja da favela da classe média tra balhadora ou da pobreza urbana não é um fator determinante para despertar o talento do skate ou o suporte familiar A tecnologia do mundo moderno tem um impacto sobre a juventude que ao acessar um vídeo fotografia ou ao observar o skatista na rua tem acesso às oportunidades para construir carreira como skatista Podemos considerar que esse é o momento em que os skatistas estão rea firmando diversos códigos nos espaços urbanos A ascensão de uma prática sub cultural nos espaços da cidade mostra como as autoridades e as políticas públicas estão mais interessadas em intervir nas subculturas para estigmatizar seus com portamentos e lugares A situação estética pessoal não é mais um componente objetivo de sua subcultura mas sim se tratam de ações e locais de pertencimento que os definem como indesejáveis O skate era considerado um esporte artístico nos anos de 195060 algo como uma breve demonstração de equilíbrio e habilidades em uma quadra plana Mas foi no final de 1960 durante um período de baixa das ondas no Oceano Pa 149 Pico é o lugar local próprio ou explorado para a prática do skate 150 httpwwwprogramaolhodepeixecomsite 196 cífico151 que os surfistas apreensivos com a falta de ondas para surfar começaram a andar de skate simulando as manobras que realizavam na água Mas essa troca só foi possível com a fabricação do poliuretano em escala industrial O poliuretano já era conhecido desde a Segunda Guerra Mundial na prá tica da substituição da borracha Foi durante um período como empregado em uma fábrica desse material nos EUA que Frank Nashworthy desenvolveu o ureta no para a fabricação de rodas de skate já que sua utilização melhorava a aderência da roda em relação ao solo Essa modificação possibilitou as manobras radicais e o deslocamento entre diversas ruas das cidades o que aproximou aquela juventude facilitando o seu deslocamento entre cada ponto dos espaços das cidades oportu nizando estar no espaço urbano como se estivesse surfando no mar Esse domínio da técnica material permitiu que a cultura de skate evoluísse em seu ambiente cultural construindo uma rede de vizinhança de simultaneida de de pessoas de coisas de acontecimentos e de locomoção rápida inventado os espaços de possibilidades aos esculpirem as ruas com segurança e prazeres com o skate se afluindo diante da técnica do progresso dos corpos e das matérias que se relacionam com a rede viária e como alternativa de transporte e lazer na cidade contemporânea O sul pobre da Dogtown apresentou a criação de encontros nas ruas des truindo os vínculos de uma sociedade padronizada ao constituir suas próprias ideias de proximidade e vizinhança apresentandose como base de uma apro ximação social e espacial Esses jovens criaram uma nova interpretação para a prática cultural do skate ao usarem espaços degradados da cidade Venice Beach A relação como sujeitos sociais nesses espaços marginais e abandonados criaram uma proximidade diante da distância que os espaços produziram pelos zonea mentos das cidades A movimentação nesses espaços ocorre como sinal de liberdade domínio e apropriação com a possibilidade de dispor os seus corpos sociais em uma radica lidade segura e para além de uma cultura artística de andar de skate A condução dessa cultura em sua técnica dá origem a uma passagem de cidade moderna para contemporânea É uma cultura de caos de romper com uma ordem social e com os padrões dos espaços sociais da cidade entre sua reinvindicação pública e privada Em decorrência de uma crise hídrica que atingiu a Califórnia combinada com um período de mar flat152 para o surf o governo californiano decretou que 151 Oceano que banha a Costa Oeste do EUA 152 Gíria que significa mar sem ondas para o surf ondas pequenas 197 as pessoas não enchessem as piscinas de suas casas Como a maioria desses cida dãos de classe média californiana estavam em período de férias eles foram viajar deixando as piscinas vazias em suas casas Isso pode significar que o movimento da cultura do skate dentro dos espaços das cidades sinalizou uma transformação desses espaços que se tornavam ineficientes e estagnados para os seus usos surgin do uma significativa libertação da criatividade cultural e uma tentativa de romper com a mercantilização dos espaços e a divisão de classes Tony Alva um dos skatistas de Dogtown em entrevista à Spin Magazi ne153 trás a memória que a juventude pobre daquela localidade estava determina da a mostrar suas habilidades Criados entre o mar e as ruas da cidade eles come çaram a imaginar o surf em suas ruas em cada ponto de sua localidade Estavam a descobrir suas habilidades como surfistas na negociação com os aspectos das modificações urbanas nas ruas das cidades Eles promoviam um movimento que não se importava com as barreiras invisíveis que os espaços urbanos das cidades apresentam Nessa mesma entrevista ele conta que exploravam as piscinas vazias dos quintais de classe médiaalta nas localidades de BelAir Malibu com uma ousa dia que misturava aventura e transgressão Deslocavamse nas ruas dessas regiões com seus skates procurando por casas vazias já que a maioria dos seus moradores saíra de férias ou as casas estavam para alugar Havia a adrenalina de pular as cercas e encontrar piscinas vazias ou às vezes com a necessidade de usar uma bomba de sucção para esvazialas Com isso eles se envolveram num significativo espaço de apropriação cultural e de classe e conforme o documentário Dogtown ambos os skatistas afirmavam que também havia a adrenalina produzida pela possibilidade de serem descobertos e pegos pela polícia ao invadirem as casas para andar nas piscinas Isso tudo é reforçado pela separação social imaginária da cidade tal como descrita pelo processo de gentrification quefaz com que acontracultura dos jovens da Dogtown invada essas piscinas e simulem manobras mais radicais na prática do skate Somado ao nivelamento que o projeto urbano desenvolveu para a criação de praças públicas com quadras poliesportivas o skate não tinha espaço próprio para sua prática criouse uma encosta inclinada em 15 pés na qual os skatistas se imaginavam em uma enorme onda limpa e cristalina possibilitando momentos de apresentar um estilo de surf como o dos surfistas australianos esse estilo que a Califórnia surfista tanto prestigiava Isso mostra uma pista pública que se moldou pela arquitetura da cidade com skatistas desenvolvendo seus estilos de andar de skate e usando esse espaço de forma contrária ao que foi inicialmente pensado 153 Disponível em BEATO 1999 httpwwwangelfirecomcaalva3spinhtml Acesso em julho 2015 198 Podemos notar que em cada aspecto da formação dos espaços disponíveis os skatistas encontram novas formas e possibilidades de fazer uso desses lugares Com isso eles então iniciaram a negociação cultural com os espaços públicos e privados organizandose em uma rede informal de skatistas em busca de piscinas vazias andando pelos becos das cidades para uma satisfação comum FERRELL 2001 BEATO 1999 No documentário154 sobre esse movimento de skatistas há muita informa ção sobre suas concepções de sociedade e indústria do skate Se dos anos 50 aos 60 o skate era uma cultura alternativa associada ao uso de skooters155 na qual o ato de andar sobre esse objeto de madeira que deslizava sobre rodas era uma demons tração de equilíbrio artístico em 1965 esse andar de skate retratava uma diversão familiar se apresentando como ginástica rítmica sobre rodas Nos anos de 1960 as scooters começaram a ser chamadas de sidewalk sur fing o que podemos traduzir para surf em calçadas No final dessa década o skate já estava ligado e influenciado pela cultura do surf sendo a extensão da praia e o mar para o asfalto e a cidade No início de 1970 com a evolução da tecnologia sobre as rodas de poliuretano o skate se tornou mais vertical com a facilidade e adrenalina de andar nas piscinas vazias ou descer as ruas realizando as manobras semelhantes a que se faziam no mar com pranchas de surf e que consolidaram o skate como esporte e sua identificação subcultural através dos Zboys Essas breves referências à história do skate mostram que a tecnologia e a cultura estão sempre interligadas na invenção das atividades nos espaços de socialização mesmo quan do são impostos limites espaciais Essa identificação subcultural é a manifestação de como esses skatistas uti lizavam as ruas da cidade e as invasões de piscinas nas casas de Santa Mônica O propósito das invasões não era a transgressão mas sim a socialização entre eles Mas como a sua iconografia está incrementada nessa manifestação subcultural da juventude faz com que a vida skatista seja uma constante transgressão Podese considerar que a subcultura do skate emerge como forma de resis tência à hegemonia cultural e à imposição de formas de condutas dos seus prati cantes do estilo de vida dissimulado e das condições regulamentadas para andar de skate O resultado é o conflito da invasão dos espaços pelos skatistas para que a subcultura seja desenvolvida de forma imaginativa e os lugares de uma forma ilícita com significado espacial FERRELL 2001 154 Dogtown and ZBoys 2001 155 Na pesquisa de Brandão 2011 o mesmo atesta que scooters eram caixas de madeiras laranjas fixadas em rodas que serviam como meio de locomoção entre jovens estadunidenses no início do século XX Podemos entender as scooter como patinetes 199 A cultura o espaço e a cidade estão conectados nesses processos de visibili dade social Sua base histórica reside no processo de globalização e fragmentação dos fenômenos culturais urbanos no qual as concepções sobre o papel da cultura nos espaços das cidades contemporâneas são conjuntos de relações em multipli cação de espaços e de proximidade corporal A troca cotidiana a socialização esteve afastada da composição de Venice Rompendo com a cultura de surf como padrão de ligação entre cidade cidadão e corpo foi com o skate que a cidade acabou por estabelecer uma conexão entre suas ideias de fluidez de dimensão pública de seus espaços e de pertencimento social de uma parcela da juventude daquela localidade Se no surf o mar se en volvia com movimentos de liberdade e pertencimento cultural foram as piscinas ruas e diques vazios que proporcionaram primeiramente a exposição do corpo em movimento da dimensão pública e cotidiana na cidade e depois a adrenalina como onda Essa onda era saber que a polícia podia chegar a qualquer momento e deter esses skatistas algo como que perceber que a transgressão tornava mais prazerosa a ação de andar de skate Os skatistas se encontravam no limite rom piam com a ordem e estabeleciase o caos Por isso que o skate no espaço urbano da cidade está na aparição de sua afirmação na dinâmica dos espaços que se trans formam e na reinvenção entre o corpo e o seu movimento Skate é crime e vai continuar sendo Ele é Rock n Roll não é modinha é destroyer e radical Se tiver que criminalizar como fizeram em São Paulo que seja Assim Funeralterminou nossa conversa O sentimento que apresenta o jo vem skatista entrevistado mostra que a resistência à indústria cultural está presen te no grupo skatista não somente pelos visuais mas pelas posições anárquicas Eles não querem que a sociedade molde neles os padrões culturais midiáticos não se veem como um produto a ser idolatrado Isso reflete que as injunções proibitivas das atividades nos espaços públicos das cidades sobre as subculturas estão diretamente relacionadas com a teoria da formação das classes perigosas A formação das subculturas com a estratificação social é um misto de mo ralismo com descrição sem omitir a teoria Uma abordagem maior dessa filosofia tem início entre os anos 1950 e 1960 com os trabalhos de Albert Cohen e Ri chard Cloward no campo da delinquência e Gresham Sykes e Erving Goffman estudos sobre as instituições totalitárias FERRELL HAYWARD YOUNG 2008 Esses estudos apontam para as características que a subcultura tem na sua organização entre a circulação do legal e ilegal e nos processos de significação cultural que atuam e existem nas sociedades capitalistas Mencionamos esses trabalhos surgidos nos anos 50 como os pressupostos das respostas aos problemas das minorias marginalizadas em suas estéticas cultu rais em que condicionam o delito como uma opção coletiva do grupo subcul 200 tural A delinquência é resposta e solução cultural compartilhada para os pro blemas criados pela estrutura social As políticas públicas se envolvem entorno do policiamento e do controle dos espaços públicos que está direcionado para a formação cultural que se manifesta nos diversos níveis de interação comunitária fazendo com que a noção de subcultura no desenvolvimento da teoria subcultu ral esteja claramente ligada ao desenvolvimento da noção de cultura como antro pologia cultural e social O comportamento desviante é visto como uma significativa tentativa de resolver os problemas enfrentados por um grupo isolado ou marginalizado é necessário portanto explorar e compre ender as experiências subjetivas dos membros subculturais Cultura neste sentido antropológi co das inovações que as pessoas têm desenvolvido em confrontar coletivamente os problemas da vida cotidianaFERRELL HAYWARD YOUNG 2008 p 34 traduzimos Não estamos tomando por objetivo mostrar as definições de delinquente ou do que seria delito e muito menos caracterizar a subcultura do skate como processo de associação para violação da norma social Estamos mostrando que ao tentar estabilizar e legitimar cientificamente a figura do skatista através das teo rias da criminalidade se quer consolidar a imagem do seu comportamento como status típico e como na imagem de modelo padrão skatista jovem de nossa socie dade com comportamento transgressor Algo como skate é crime e todo skatista comete transgressão à norma Portanto os modelos subculturais são comunicados por seus comporta mentos e representam a reação de minorias desfavorecidas e a tentativa por parte delas de se orientarem dentro da sociedade não obstante as reduzidas pos sibilidades legítimas de agir de que dispõem BARATTA 2002 p 70 A for mação dos espaços das cidades e a construção da cidade tardomoderna apontam o skate como invenção cultural articulada entre seus atos conflituosos com os modelos jurídicos contemporâneos de controle O crime não está somente na definição dada pelo Estado mas também na própria imposição normativa sobre os atos culturais Nos contestados significados desses espaços produzem as determinações históricas dos indivíduos A representação de cidade na sociedade existe involucra em sua história determinada Seus interesses estão em permitir o conhecimento técnico e específico reproduzidos para reconheceremse em cada uma das suas formações e além de sua movimentação e ocupação através de e na cidade Um espaço sem possibilidade de sua previsibilidade de preenchimento é algo que não supre as expectativas da sociedade e não tem a possibilidade de prepararmonos para o que está preenchendo esse espaço o hábito não regular sem correspondên cia com a experiência esperada nas passagens de espaço e tempo O espaço representado na cidade é a própria instituição cultural da ciência arte e tecnologia Sua simbolização é produtiva e criativa da cultura como um 201 todo como uma emergência de cumulação das invenções e conquistas que vali dam a interação humana e a vida Esse espaço da cidade adquire para a investi gação etnográfica não a qualificação de sua estrutura social mas o espaço como invenção do procedimento do outro nos termos e sentidos da imagem cultural Já que espaço é a totalidade que a sociedade lhe deu como função e for ma de representar os processos passados e presentes que representam as relações sociais essa estrutura manifesta o processo e suas funções nas ações da cidade Já que a utilização do território pelo povo cria o espaço SANTOS 1977 o espaço é o controle seja mascarado ou efetivo sobre a ação consciente da cultura O controle sobre o ambiente o espaço as culturas os cidadãos são os problemas que criamos como ordem moral e exigimos de nossos governos como uma necessidade de construir uma sociedade que se aperfeiçoa como técnica e co nhecimento na manutenção de controle Fora que tipo eu não acho ruim essa história de skate é coisa de malo queiro Na real eu não vejo o skate como coisa de maloqueiro Mas eu acho que o skate é MARGINAL Com essas palavras Funeraldefine o skate O Skate um sentimento de extrapolar a raiva no qual o brigar com alguém que se sente incomodado com a presença do skate na rua é uma ação necessária para se extra polar o sentimento Funeral lembra que pixar o local é a mesma ação de andar de skate Pixar isso é marginal tipo é skate Skate é marginal e é maloqueiro fodase Não se trata de uma tentativa de compreender ou aprofundar o sistema de normas sociais o sistema penal ou sua função na sociedade democrática Antes disso focase no refletir sobre a concepção da subcultura na sociedade e seus va lores de socialização reconhecendo que a tendência de controle do skate em sua forma subcultural é mais uma tentativa de apresentar o uso do skate no espaço ur bano como uma ameaça ao desenvolvimento da cidade Esse uso do controle dos espaços tem produzido a antítese do resultado pretendido e que ignora a relação do skate com o espaço urbano Diante disso não devemos basear exclusivamente o skate na teoria subcultural pois ficaríamos limitados ao processo descritivo de seus níveis econômicos e suas condições no processo de criminalização de suas condutas sociais ignorando a história que os moldou nos espaços das cidades Devemos estar atentos ao processo que descreve o skate como marginal da mesma maneira apontada por Snyder 2011 ao realizar a pesquisa sobre os skatistas como prática subcultural e o paradoxo que o controle social produz na tentativa de dissimular a existência dessa cultura nos espaços das cidades O skate se torna cultura de resistência nos espaços públicos urbanos Ferrell 2001 aponta a manifestação do skate como prática contracultural uma posição que queremos estabelecer na qual o skate também pode ser visto 202 como uma forma de deslocamento contrária ao uso de automóvel ou do uso de skate nas praças e locais públicos trazendo uma forma diferente de utilização dos espaços da cidade Apresenta as ruas como uma forma de exclusão política dentro dos signos que servem para codificar a possibilidade de uso do espaço cultural As formas de uso desses espaços são codificadas para que eles tenham vigilância e controle rigoroso sobre as gestões de risco e o consumo se qualificando e co dificando a previsibilidade ordenada em tal espaço tal qual Funeral apontou na relação de skate com pixo Os skatistas teriam essa possibilidade de interagir com as condições de dis ponibilidade das ruas atualmente e questionariam se devemos realmente apontar o skate como hobby juvenil Não como hobby mas como a constituição da ima gem transgressiva com que a mídia tenta retratar os skatistas na identificação do marginal no espaço público O skate analisado por Ferrell 2001 aponta para a possibilidade de realizar a construção da identidade cultural alternativa já que ao se lançarem na rua os skatistas encontram diversas contraculturas e subculturas que podem vir a ter uma similaridade em sua vida diária tais como os punks moradores de rua e pichado res No entanto reconhecese que algumas ações dos skatistas tem uma profunda ligação subcultural visto que certas placas signs fazem com que se apresentem a proibição de andar de skate em determinados locais Esses signos implicam na reconfiguração do espaço público criando uma batalha cultural nas formas de uso desses espaços Como consequência os skatistas invadem os espaços para manter a subcultura do estilo na forma imaginativa de reforço dos lugares na forma ilícita de significação espacial Isso permite que o processo cultural que define o skate como ato criminal esteja no próprio discurso de autoridade Ambos discursos designam e definem o contexto da cultura nas cidades nesse processo de globalização A percepção desses significados culturais é retratada no diálogo com Fune ral Ele lembra que o skate é arte Skate é destruição como em um famoso slogan Skate and destroyer156 Isso quer dizer que o skate é muito além de um esporte ou de uma técnica Skate é uma atitude anti autoridade um movimento que define o skatista como ele mesmo no significado de música arte e das formas de se vestir e de permanecer na cultura urbana do século XXI CONCLUSÕES Ao separar as formas particulares que definem as práticas culturais de resis tências em oposição aos processos de poder a atividade cultural é a continuação 156 httpwwwskateanddestroycom Acesso em janeiro 2016 203 da oposição à ordem da cultura e a destruição da ordem pela arte O funcio namento dos espaços públicos pela interferência das culturas urbanas apresenta as práticas transgressoras como arte de compreensão dos significados da cultura urbana e aqui o skate tem uma profunda missão a partir daquilo que Adorno 2001 p 215 reduziu em uma expressão A missão da arte é hoje introduzir o caos na ordem a maneira de ser original diante dos espaços que intentam incorporar condutas padronizadas para um bom funcionamento da cidade do espaço Representar a arte contra a ordem da cidade é a tarefa do skate que se opõe a onda conservadora que se sobrepõe sobre a cultura urbana O skate é crime marginal e de maloqueiro O skatista não está mais produzindo o lado trabalha dorda cultura de consumo no sentido em que precisa aumentar sua capacidade de produção para os agentes da lei Ser skatista é ser reprimido perante essa ordem como no vídeo disponível na web no qual policiais da Prefeitura de São Paulo reprimem os skatistas que estão andando em uma praça No vídeo157 é possível ouvir um agente da lei proferir a seguinte frase Você não trabalha porra ne nhuma você é um vagabundo que fica andando de skate seu arrombado Andar de skate não tem nenhuma outra relação com a conservação do habitar a praça que não seja com sua arte de neutralização neutralizar a cultura o espaço e o habitar É por isso que o skate constrói e destrói Ele é a arte de sua maneira que resiste em monetizar e mercantilizar os reais espaços urbanos A insurgência nesses espaços é a livre exposição que assume a verdadeira expressão de ser autêntico e criativo em sua experiência urbana contemporânea na qual fixam os limites de vida uma e colaboram assim na destruição da arte que é a sua salvação ADORNO 2001 p 66 Andar de skate em um lugar significa diversas vezes destruir esse local estragálo Skatistas relatam que já andaram em locais onde quebraram paredes seja com as marcas de andar seja para conseguir moldar a parede ou o obstáculo para a prática do skate Me deu pena disse um skatista Querendo ou não eu destruí o local mas é uma consequência daquilo que se faz É a consequência do processo de andar de skate Burne Funeralfazem uma comparação com a pessoa que dirige um carro sob influência de álcool e estraga uma mureta ou o guard rail da estrada O questionamento deles foi cobrase o dano do motorista ocasionado por seu ato A questão também seria se ao conturbar o trânsito as pessoas proferem a mesma raiva ou pedem as mesmas providências das autoridades para reprimir o motorista 157 httpsyoutubeePZ1bGUdXtE Acesso em janeiro 2016 204 Os skatistas têm consciência de que seus atos vão deixar marcas ou danos em locais que não são destinados à sua prática mas eles não negam esse ato pois fica claro ali que tu destruiu o lugar Esse é o ponto que Burnconsiderou como paradoxal pois ao quebrar o local nós também vai lá e constrói sic Só que por outro lado eu te digo o skatista é muito mais criativo que muita gente Sabe Sim eu sei Parece que essa destruição criativa de Bakunin está incorporada na forma anárquica do skate A paixão pela destruição como vimos e questiona mos anteriormente Essa destruição é a arte de romper a ordem para qualificar o espaço urbano como espaço público O skate possibilitou recolocar o espaço público como experiência na arti culação entre as ruas os espaços e as cidades em convergentes sentidos de inter pretação de suas práticas e políticas culturais nos espaços públicos contemporâ neos O skate portanto não está posto nesse contexto atual como uma cultura que tem tradição ou geografia específica O skate já está constituído como um elemento cultural que se envolve amplamente com a cidade pois implica em relações com a sociedade o espaço a sociabilidade a matéria necessária para prá tica dessa cultura Compreender o skate em seus aspectos universais é me colocar no ambiente investigado para discutir a objetividade relativa de pertencer a essa cultura urbana e a relação que ela produz sobre a questão de igualdade cultural Bem como abordar a relatividade cultural das relações entre as variadas cul turas urbanas contemporâneas em seus pontos de vistas ao que diz respeito ao pertencimento cultural social Ou como aponta Ferrell 2001 os conflitos que desenrolam nos conflitos urbanos em suas controvérsias aos proporem novos mecanismos de controle social demonstram que culturas movimentos culturais coletivos se unem em estratégias com práticas espontâneas para a libertação dos espaços públicos Ou simplesmente a destruição desses espaços ordeiros REFERÊNCIAS ADORNO Theodor Mínima moralia Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 2001 BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução á sociologia do direito penal 3 ed Tradução de Juarez Cirino dos Santos Rio de Janeiro Revan Instituto Carioca de Criminologia 2002 BEATO G The Lords of dogtown SPIN magazine March 1999 Disponível em http wwwangelfirecomcaalva3spinhtml BRANDÃO Leonardo A cidade e a tribo skatista juventude cotidiano e práticas corporais na história cultural Dourados Ed UFGD 2011 BORDEN Iain A performative critique of the city the urban practice of skateboarding 195898 In The city cultures reader Malcon Miles Tim Hall e Iain Borden eds Londres Routledge 2000 FERRELL Jeff Tearing down the streets adventures in urban anarchy New York Palagrave 2001 205 FERRELL Jeff Crime of styles urban graffiti and the politics of criminality Boston North eastern University Press 1996 FERRELL Jeff HAYWARD Keith YOUNG Jock Cultural criminology an invitation Lon dres SAGE 2008 HAYWARD Keith YOUNG Jock Cultural criminology some notes on the script Theoreti cal Criminology vol 8 3 pp 259273 2004 LEITE Rogerio Proença Contrausos da cidade lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea 2ª ed Campinas Editora UNICAMP Aracaju Editora UFS 2007 SANTOS Milton A natureza do espaço Técnica e tempo razão e emoção 4ed São Paulo Edusp 2014 SANTOS Milton Sociedade e espaço A formação social como teoria e como método Bo letim Paulista de Geografia 1977 pp 8199 SNYDER Gregory J The city and the subculture career professional street skateboarding in LA Ethnography SAGE journal Disponível em httpethsagepubcomcontentear ly201110261466138111413501fullpdfhtml Acesso em dezembro de 2011 206 GEOGRAFIAS INSURGENTES NOTAS ETNOGRÁFICAS SOBRE INTERVENÇÕES VISUAIS NAS CIDADES BIOPOLÍTICAS158 Guilhermo Aderaldo159 CIDADE VISUALIDADE E IMAGINÁRIOS INSURGENTES é verdade que o mundo é o que vemos e que contudo precisamos aprender a vêlo Ponty 2014 16 Reconhecidamente polifônicos e pluriétnicos os espaços urbanos con temporâneos são igualmente caracterizados pela presença de uma visualidade160 específica a qual decorre entre outras coisas do contato entre percepções de mundo marcadas por experiências sociais profundamente diversas e assimétricas Tal visualidade há muito se expressa por meio da presença de tags graffitis pi chações marcas publicitárias entre outras expressões responsáveis por tingir as fronteiras que recortam a paisagem segregada das metrópoles Contudo nos últimos anos mediante o desenvolvimento e a populariza ção das tecnologias comunicativas a disputa simbólica relacionada à produção de imagens nas e sobre as cidades e seus cenários biopolíticos Foucault 2010 1997 parece ter alcançado um novo patamar estimulando inclusive o desen volvimento de formas renovadas de associativismo e engajamento político por 158 Uma versão prévia deste artigo foi publicada sob o título Territórios mobilidades e estéticas insurgentes Refle tindo sobre práticas e representações coletivas de realizadores visuais nas metrópoles contemporâneas na revista Cadernos de Arte e Antropologia Vol 6 Nº 2 disponível em httpsjournalsopeneditionorgcadernosaa1272 Acesso em 25072018 Agradeço especialmente à comissão editorial da revista pela autorização para sua re publicação com modificações nesta coletânea e também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP pelo financiamento das pesquisas de doutorado Processo Nº 2009501532 e pósdoutorado Processo Nº 2014042438 que dão lugar à reflexão que segue 159 Guilhermo Aderaldo realizou estágio de pósdoutorado na USP e na Universidad de Buenos Aires UBA é Dou tor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo USP e mestre na mesma área pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp também é membro do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade GEAC USP é autor do livro Reinventando a cidade uma etnografia das lutas simbólicas entre coletivos culturais vídeoativistas nas periferias de São Paulo Annablume 2017 e um dos organizadores do livro Práticas conflitos espaços pesquisas em antropologia da cidade GrammaFapesp 2019 Suas pesquisas versam sobre os temas antropologia urbana antropologia das mobilidades e práticas culturais juvenis Email guiadeymail com 160 Compreendo por visualidade um processo amplo e complexo o qual como lembram Marques e Campos 2017 6 envolve não somente a percepção visual do mundo mas também as competências criativas por meio das quais a própria realidade passa a ser alvo de disputas entre grupos sociais separados por posições reconheci damente assimétricas 207 parte sobretudo de jovens que apesar do perfil bastante heterogêneo encon tramse similarmente interessados no aperfeiçoamento de dispositivos e modelos de manifestação pública voltados à expansão das possibilidades acerca do que é dizível e visível a respeito das desigualdades sociais urbanas bem como do modo de interpretálas Tais atores valendose de uma profunda capacidade reflexiva costumam lan çar mão da combinação de recursos visuais diversos com a finalidade de confronta rem certo imaginário maniqueísta que segundo Stephen Graham 2016 2011 consiste em demonizar as cidades como ambientes essencialmente ameaçadores ao transformar a diferença num outro e esse outro em alvo constante de suspeição e violência alimentando sonhos de fronteiras permanentes e onipresentes Tratam assim de transformar as lógicas de poder que constituem as cidades em estruturas visíveis estimulando o surgimento das condições necessárias para a produção de novas ancoragens subjetivas para o abrigo da experiência urbana Buscando adensar a reflexão sobre tal problemática tratarei no decorrer destas páginas de demonstrar que a supracitada visibilidade longe de corres ponder a um simples recurso ilustrativo consiste numa ferramenta política fun damental para núcleos sociais subalternizados uma vez que como afirma Butler 2017 2015 a viabilidade das vidas dos sujeitos vinculados a esses grupos de pende da legitimação de sua presença nos espaços públicos Ou seja o acesso às esferas de aparição é o que notabiliza determinadas reclamações concernentes ao direito a serem reconhecidos e a poderem levar uma vida passível de ser digna mente vivida e protegida Sem perder de vista as ideias defendidas pelo filósofo franco argelino Ja cques Rancière 1997 2005 2000 evito distinguir as noções de estética e política dado que se tratam de dimensões mutualmente constituintes já que toda luta política envolve ao mesmo tempo uma disputa em torno da partilha do sensível Rancière 2005 2000 Tomo então como plano de referência esta complexa relação entre por um lado 1 a popularização do acesso às tecnologias comunicativas e por outro 2 as novas formas de associativismo urbano com o propósito de ainda que brevemente perscrutar as ações e relações desenvolvidas por três experiências de ativismo cultural que acompanhei no decorrer de duas pesquisas etnográficas recentes realizadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro161 Começo apresentando o caso da rede de comunicadores populares inti tulada Coletivo de Vídeo Popular CVP para em seguida refletir em tópi 161 Refirome aqui mais especificamente às minhas pesquisas de doutorado e de pósdoutorado atualmente em curso 208 cos específicos sobre algumas das práticas realizadas pelos coletivos Projetação e Imargem Por fim me encaminho para as considerações finais onde buscarei sistematizar algumas reflexões a respeito das novas formas de intervenção estética e política que vem ganhando cada vez mais espaço nas grandes cidades globais e mais especificamente nas metrópoles latinoamericanas COLETIVO DE VÍDEO POPULAR CVP Pesquisei o Coletivo de Vídeo Popular também conhecido como rede do vídeo popular ou simplesmente CVP durante minha investigação de doutorado realizada entre os anos de 2009 e 2013162 Esta rede que teve como um de seus principais desafios a tarefa de desen volver um sistema autônomo de comunicação e trocas entre áreas e populações marginalizadas de São Paulo havia sido formada no ano de 2007 a partir da iniciativa de um grupo de jovens realizadores os quais já vinham se associando de maneira independente em torno de coletivos dedicados ao uso político de dispositivos audiovisuais163 Boa parte desses realizadores havia aprendido a operar tais ferramentas co municativas logo após passarem por diferentes oficinas e cursos voltados à chamada educação audiovisual popular Cirello 2010 os quais costumavam ser ministra dos sobretudo por ONGs em favelas e áreas periféricas da capital paulista164 Todavia meu interesse em investigar a rede CVP deuse na medida em que pude constatar que a mesma havia nascido como uma espécie de desdobramento de um conflito que envolveu de um lado seus jovens integrantes e de outro um conjunto de ONGs entre outras instituições responsáveis pelo oferecimento dos mencionados cursos de educação audiovisual a populações marginalizadas Em linhas gerais a principal controvérsia responsável pelo litígio surgiu 162 Ver Aderaldo 2016 2017 163 Tais coletivos em linhas gerais podem ser definidos como pequenos núcleos geralmente sem formalização jurídica formados por poucos integrantes quase sempre vizinhos ou amigos que além de produzirem vídeos também costumam atuar exibindo filmes próprios ou produzidos por outros coletivos em diversos espaços mar ginalizados ou subutilizados da cidade 164 Na primeira década dos anos 2000 mediante o advento da tecnologia digital e o consequente barateamento e por tabilidade dos meios de produção audiovisual diversas instituições assumiram a responsabilidade de formar em cursos e oficinas voltados à produção de vídeos populações ligadas a regiões periféricas em todo o Brasil sob a justificativa de oferecelas a oportunidade para que pudessem construir suas próprias representações a respeito dos ambientes sociais que as circundam confrontando assim as narrativas hegemônicas sobre o problema da de sigualdade Em um mapeamento feito em 2010 Cirello 2010 registrou 113 instituições dedicadas a este trabalho no país até aquele momento O volume crescente dessas organizações por sua vez deu margem à consolidação de uma trama institucional que envolveu empresas baseadas no princípio da chamada responsabilidade so cial as quais financiavam parte destes trabalhos com base em certos benefícios fiscais garantidos por subsídios públicos além de toda uma rede de festivais voltados principal ou exclusivamente a moradores de favelas e periferias como o Cinecufa Festival da ONG Central Única de Favelas e o Festival Visões Periféricas no Rio de Janeiro ou o Festival Cine Favela em São Paulo 209 quando alguns dos jovens que haviam passado por essas experiências de forma ção sobretudo àqueles com maior capital escolar ou histórico de engajamento em movimentos de luta popular passaram a sentir a necessidade de adota rem um distanciamento crítico em relação às instituições do chamado terceiro setor pelo fato de notarem que a linguagem administrativa e pautada pelo princípio da chamada responsabilidade social normalmente utilizada nesses ambientes institucionais acabava reforçando certos estigmas sociais ao invés de combatêlos Não raro as regiões periféricas da cidade eram traduzidas nos termos dos projetos sociais vinculados às ONGs de maneira isolada como se se tratassem de áreas geográficas fixas marcadas por uma situação de carência e vulnerabi lidade sendo que suas populações comumente acabavam descomplexificadas e reduzidas à simples condição de vítimas à espera de ajuda Tal representação e sua linguagem moral bastante eficaz na busca de financiadores externos tendia assim a fixar aqueles que eram percebidos como públicoalvo das instituições num certo imobilismo político e geográfi co amarrandoos ao mesmo tempo numa espécie de prisão identitária Agier 2011 2009 2013 relacionada a identificações rígidas e opacas como jovens de periferia ou jovens de projeto Caracterizações que amiúde legitimavam processos de evidente subalternização e exploração laboral Era o caso por exemplo de situações onde após adquirirem uma certa ex pertise técnica no tocante à produção audiovisual os jovens acabavam sendo sub contratados por uma determinada organização recebendo quando recebiam valores muito abaixo do mercado e sem nenhum tipo de registro profissional para realizarem campanhas publicitárias sendo que posteriormente a mesma instituição obtinha renome e reconhecimento justamente pelo fato de dar as oportunidades aos jovens da periferia Tal lógica de subalternização se assemelhava àquela que servia para vin cular as marcas de determinadas empresas que patrocinavam algumas oficinas de educação audiovisual buscando o selo de empresas socialmente respon sáveis à suposta qualificação desses jovens Sobre isso faço uso da reflexão de Daniel Fagundes membro do coletivo Núcleo de Comunicação Alternativa NCA165 que também era um dos coletivos integrantes da rede do vídeo po pular quando durante uma conversa a respeito de sua trajetória disseme as seguintes palavras Os caras principalmente dessas oficinas de vídeo vieram com essa coisa de que todo mundo já falou de favela e agora eles estavam trazendo essa ideia de que dariam o direito de a gente 165 Para mais informações ver httpncanaredeblogspotcombr Acessado em 27072018 210 falar Mas eles vendem sabe Era isso eles vendiam a oficina Eles tinham a aquisição dos equipamentos e a gente tinha o olhar que depois virava uma propaganda para as próprias instituições não é Eu era aquele menininho que vinha com o carimbo do Itaú da Camargo Correia e eles iam carimbando porque depois a gente virava dado para as próprias propagandas dessas empresas onde eles diziam imita Olha o Itaú apoia o jovem da quebrada que saiu com a câmera na mão Daniel Fagundes Entrevista ao autor Grifos meus Em grande medida portanto a decepção de jovens como Daniel se devia ao fato dos mesmos entenderem que apesar de terem mais e melhores condições para produzirem imagens sobre a cidade e suas desigualdades isso não neces sariamente implicava numa ampliação das condições para a alteração de um imaginário que insistia em essencializar a noção de periferia reforçando uma série de estereótipos vinculados às populações subalternizadas Algo que me foi revelado de forma particularmente elucidativa por Fernando Solidade que na época da pesquisa também integrava o coletivo NCA ao dizer que Foi discutindo a questão sobre o imaginário e não as imagens que a gente começou a notar a importância da nossa produção referência às produções audiovisuais dos coletivos vincula dos ao CVP Foi a hora que a gente começou a ficar puto com as ONGs porque elas vinham com esse papinho bonitinho de que os jovens agora fazem suas próprias imagens os jovens agora contam sua própria história como se alguma chave no processo histórico estivesse sendo mudada Concordo que tem mudança a vida é dinâmica só que as ONGs se colocam muito como os protagonistas dessa cena Esse discurso nós possibilitamos que os jovens da periferia pudessem contar sua história estão vendo o que a gente fez começou a irritar A gente come çou a ficar muito decepcionados e nos questionar mas que porcaria de imaginário a gente está mudando Fernando Solidade entrevista ao autor grifos meus Foi portanto esse sentimento de desamparo e de falta de representativi dade pública que reforçou certos vínculos de solidariedade e simultaneamente encorajou jovens como Daniel e Fernando a se engajarem em torno do CVP que conforme adiantei era uma associação informal responsável por por um lado 1 conectar uma série de coletivos que como o NCA vinham se dedicando à realização independente de vídeos politicamente comprometidos na cidade e por outro demonstravase capaz de 2 aproximar por meio da conexão estabele cida esses coletivos diversas regiões e populações marginalizadas que a despeito de sua descontinuidade espacial possuíam entre si fortes vínculos simbólicos e políticos Entre 2009 e 2012 a rede foi contemplada por um financiamento pú blico voltado ao fomento de iniciativas culturais desenvolvidas por grupos não hegemônicos166 e com os recursos obtidos a associação pôde produzir várias 166 Refirome ao Programa de Valorização às Iniciativas Culturais VAI Uma lei municipal N 13540 que des tacase por privilegiar o financiamento de atividades culturais produzidas por agrupamentos não formalizados juridicamente o que significa que as verbas do programa são repassadas diretamente aos coletivos contemplados sem a necessidade de intermediários ONGs empresas etc através de um dos membros que se inscreve na con dição de proponente O uso desses subsídios que posteriormente devem constar em uma prestação de contas ao município pode ser alocado de muitas maneiras como na aquisição de equipamentos comprovadamente essenciais para a execução do projeto Mais informações em httpprogramavaiblogspotcombr Acessado em 211 ações das quais destaco as três mais importantes que foram 1 a elaboração de uma publicação semestral intitulada Revista Vídeo Popular 2 a organização de pacotes de DVDs produzidos pelos membros da rede e separados por linhas temáticas os quais eram gratuitamente distribuídos juntamente com a revista em albergues escolas públicas bibliotecas comunitárias associações de bairro universidades sedes de movimentos sociais entre outros lugares e 3 a estru turação de um circuito de exibição e debate de filmes em áreas marginalizadas da capital paulista Durante três anos o acompanhamento etnográfico desta rede frequen tando suas reuniões e eventos participando das listas de discussão na internet e acompanhando de modo mais detido as atividades de alguns dos coletivos que a integravam permitiume perceber que o esforço por construírem pontes comunicativas que fossem capazes de interligar uma série de áreas e populações marcadas por intensos processos de precarização sóciourbana em São Paulo tra zia para além do desejo de promover uma interlocução mais alargada entre essas populações também um esforço de ressignificação da própria noção de perife ria e consequentemente da própria forma de conceber e representar a cidade Isso porque a produção audiovisual coletiva assim como as trocas diálogos e manifestações viabilizados pela organização reticular do CVP foi mostrando a es ses interlocutores o fato de que a periferia que pretendiam abordar não poderia ser resumida aos limites de um ambiente geográfico fixo posto que se tratava de um processo que ia além dos limites da materialidade dos espaços normalmente designados como periféricos Da forma como pensavam e buscavam trabalhar nos seus vídeos textos e discussões mais do que um ambiente geográfico a periferia poderia e deve ria ser caracterizada como uma experiência social urbana definida por um tipo de mobilidade decorrente do acesso desigual a direitos Em outras palavras nos termos utilizados pelos integrantes da rede CVP tal categoria deveria ser interpre tada como uma experiência passível de ocupar o centro dada sua dinâmica itinerante Deste modo falar em periferia na perspectiva destes atores ne cessariamente implicava em discutir o próprio modelo urbanístico hegemônico pondo a nu as lógicas necropolíticas Mbembe 2018 2003 ancoradas nas suas dinâmicas de gestão socioespaciais 27072018 212 Capa da Revista do Vídeo Popular N 5 Ao contrário de buscarem gerar comunicação entre os termos centro e periferia demarcados por uma fronteira supostamente fixa e estável portanto o interesse dos atores vinculados à rede do vídeo popular caracterizouse pela tentativa de utilização da linguagem audiovisual como um modo de questionar as forças que produzem e administram as hierarquias responsáveis pela manutenção e pelo controle desses espaços liminares Posição que em grande medida conver ge com aquela partilhada pelo segundo caso a ser examinado no tópico seguinte relacionado à experiência do coletivo carioca Projetação cujas ações foram acom panhadas no âmbito de uma investigação de pósdoutorado ainda em curso COLETIVO PROJETAÇÃO Formado durante as manifestações multitudinárias que ficaram conhe cidas no Brasil e no exterior como jornadas de junho no ano de 2013167 e contando com a colaboração de diversos integrantes moradores de diferentes áreas do Rio de Janeiro com níveis de formação profissões idades e perfis muito 167 Sobre essas manifestações que pararam as ruas do país durante vários dias no mês de junho de 2013 já há um considerável acúmulo de bibliografia Todavia vale destacar que um interessante artigo sobre o modo como ferra mentas tecnológicas e comunicativas foram usadas nas supracitadas mobilizações foi publicado por Hamburger 2016 213 heterogêneos o coletivo Projetação caracterizase pelo uso de dispositivos como notebooks caixas de som e projetores com a finalidade de fazerem grandes pro jeções contendo mensagens de cunho político em diferentes suportes físicos pré dios veículos fachadas de instituições praças etc principalmente na capital carioca e municípios adjacentes Seus integrantes também costumam promover atos debates e exibições em espaços públicos de filmes dedicados a temáticas políticas com o objetivo de trazerem à visibilidade o modo como uma série de problemas que afetam de maneira muito direta a vida da população encontramse relacionados com me canismos de produção de um modelo urbanístico acentuadamente individualista e excludente Contando com mais de vinte e seis mil seguidores em sua página na rede social Facebook o coletivo arrecadou por meio de uma campanha de Crowdfun ding em 2014168 o equivalente a vinte mil reais Valores que foram destinados à compra de uma série de equipamentos como caixas de som com tecnologia bluetooth sem fios projetores computadores gerador de energia além de uma bicicleta adaptada para o transporte desses equipamentos Debate sobre o filme À queima roupa sobre o tema da violência policial na Praça São Salvador LaranjeirasRio de Janeiro organizado pelo Coletivo Projetação Créditos Guilhermo Aderaldo 168 O vídeo da campanha produzido pelos integrantes do coletivo pode ser visto no seguinte endereço httpswww youtubecomwatchvE0DlSaolyA Acessado em 27072018 214 Bicicleta adaptada Coletivo Projetação Créditos Guilhermo Aderaldo Protesto contra a Monsanto Créditos Guilhermo Aderaldo 215 O acompanhamento etnográfico de algumas das práticas protagonizadas pelo coletivo a exemplo do que já havia ocorrido no caso da rede CVP conforme mencionei adensou a compreensão da importância que vem sendo adquirida pelo uso das novas tecnologias visuais e comunicativas no tocante às lutas contra certas formas predatórias e urbicidas Graham 2016 2011 de representação das cidades Da mesma maneira tais observações chamaram a atenção para o dinamismo que decorre da capacidade que certos agentes possuem para amarrar por meio do uso de dispositivos de comunicação distintas redes e núcleos de ativismo urbano aparentemente fragmentados Em certa ocasião por exemplo acompanhei o coletivo durante um ato crítico a uma universidade particular localizada na região de Bonsucesso no subúrbio do Rio de Janeiro O protesto se devia ao fato de que representantes da referida instituição haviam se manifestado durante uma reunião na secretaria municipal de transportes contra a construção de uma ciclovia nos arredores do campus sob alegação de que os alunos deixariam de ter lugar para estacionarem seus automóveis particulares Para a ação além de mim compareceram à sede da universidade apenas quatro pessoas mas a postagem das fotografias contendo as projeções feitas no lo cal com uma série de críticas à universidade somada ao uso de hashtags marcando redes de ciclo ativistas coletivos de mídia jornalistas politicamente engajados na causa da mobilidade urbana além de defensores de direitos humanos fez com que as imagens disparassem por diversos caminhos gerando assunto para blogs e outras postagens que seguiram sendo replicadas No dia seguinte em outra reunião na secretaria de transportes a uni versidade voltou atrás em sua posição e se colocou favorável à construção da ciclovia Apesar de não ter sido possível saber até que ponto a atuação do Projetação impactou nesta mudança de posição por parte da instituição fato é que o caso evidenciou o modo como a rede costuma ser utilizada por esses interlocutores Tal prática mostrase capaz de notabilizar uma diversidade de embates sim bólicos e políticos localizados em torno das diferentes formas de interpretar e traduzir os sentidos por trás da topografia e arquitetura excludente que caracte rizam a atual paisagem do Rio de Janeiro Num contexto marcado pela recente preparação de um ambiente urbano voltado a receber dois megaeventos esportivos globais Copa do Mundo e Olim píadas as sucessivas gestões políticas responsáveis pela administração municipal da capital carioca vinham e ainda seguem recrudescendo cada vez mais os mo dos de tratar as populações das favelas e áreas periféricas tentando investir na 216 imagem de uma cidade pacificada unida em torno do combate à violência169 Desta forma muitos esforços e recursos se voltaram a uma tentativa de fortalecer fronteiras através da construção de muros sistemas de controle e vigi lância eletrônica além de outras barreiras menos visíveis mas igualmente efi cazes como por exemplo a interrupção de certas linhas de ônibus que ligavam as áreas mais pobres nas zonas norte e oeste da cidade às regiões mais abastadas concentradas na área sul visando delimitar o campo de circulação das populações menos privilegiadas Tais formas de contenção física por sua vez têm sido significativamente legitimadas por um sistema simbólico de contenção articulado principalmente por setores hegemônicos da imprensa como bem mostrou o geógrafo Rogério Haesbaert numa recente pesquisa na qual o autor fez um recorte onde no perí odo de um ano comparou o modo pelo qual os dois jornais impressos de maior circulação e voltados a distintos públicos no Rio de Janeiro cobriram as notícias envolvendo favelas na cidade Uma das constatações às quais foi possível chegar com a análise do material consultado pelo pesquisador foi o fato de que a cobertura geográfica em um e outro caso variava consideravelmente de acordo com o público e os interesses re presentados por cada diário O jornal O Globo por exemplo prioriza claramente as notícias e conflitos ocorridos nas favelas da zona sul e do centro da cidade áreas reconhecidamente mais privilegiadas onde se localiza a maior parte de seu público leitor Já O Dia periódico voltado a um público de perfil mais po pular se caracteriza por uma cobertura mais abrangente dos casos relacionados às favelas da cidade Ao se direcionarem a públicos de classes sociais distintas e que tendem a se concentrar em áreas diferentes do município portanto os jornais analisados acabam elaborando duas representações cartográficas visivelmente distintas do espaço urbano carioca170 Desta forma como conclui o autor ao ocultar uma parte expressiva da vida metropolitana a mídia hegemônica acaba por estimular uma visão do urbano segmentada privilegiando certos espaços e negligenciando ou tros como se fosse promovida uma contenção que invisibiliza simbolicamente e contribui para depreciar ainda mais as áreas mais pobres da cidade O Globo ao invisibilizar ou minimi zar as ocorrências em boa parte do espaço urbano pode trazer também sérias implicações no direcionamento das políticas públicas Enquanto principal jornal diário formador de opinião no Rio de Janeiro especialmente em relação às classes mais favorecidas e influentes ele de 169 Sobre as políticas destinadas à chamada pacificação urbana e seus desdobramentos ver por exemplo Haes baert 2014 De Tommasi e Velazco 2013 e Telles 2015 Ver também um recente dossiê sobre o tema Pa cifications urbaines publicado pela revista francesa LHomme 2016 cujo sumário pode ser consultado no seguinte endereço httpswwwcairninforevuelhomme20163htm Acessado em 29072018 170 No texto Haesbaert 2014 263 inclusive produz dois mapas que corresponderiam às cartografias relacionadas à cobertura que cada um dos diários faz dos conflitos urbanos na cidade 217 alguma forma direciona o olhar do Estado para aquilo que midiaticamente é produzido e veiculado como sendo a informação o problema eou o espaço mais relevante da cidade Se a representação das questões básicas privilegia ou aparece vinculada apenas a algumas áreas é para elas naturalmente que se dirigirá de forma prioritária a ação do Estado Haesbaert 2014 265 São por conseguinte essas representações hegemônicas sobre os espaços urbanos e os efeitos de poder que se desdobram de sua aceitação irrefletida por parte principalmente dos setores médios e altos da população que se tornam a principal matéria prima para as intervenções produzidas pelo Projetação assim como por outros coletivos e agentes com os quais estes mantêm relações contínu as de afinidade e trocas171 Deste modo é possível dizer que a presença em algumas das atividades performativas organizadas pelo coletivo em distintas situações parece de certa forma confirmar a reflexão tecida por Vera Pallamin quando esta autora a partir de um diálogo com a obra do filósofo Jacques Rancière coloca o seguinte argu mento a performance enquanto uma maneira de produção de cultura urbana pode ser também um meio eficaz pelo qual embates simbólicos são veiculados concretizados ou postos à prova no espaço público Suas linguagens ampliam as possibilidades e meios estéticos de verificação das partilhas do sensível e do que estas significam no plano do político Esta verificação ao mesmo tempo estética e política tem por base a observação do princípio da igualdade e sua presença nas formas de sociabilidade permitindo ou não a participação naquilo que é co mum Os movimentos dissensuais que enfrentam a atualização deste princípio são aqueles que configuram o motor do político rearticulando formas de ação e percepção preestabelecidas Pallamin 2015 158 É o que acontece quando para trazer alguns outros exemplos o coletivo Projetação decide projetar sobre um prédio caracterizado pela residência de po pulações de camadas médias e altas na zona sul do Rio de Janeiro uma mensa gem com os dizeres A PM mata pobre todo dia seguida por uma animação que vai listando os nomes de uma série de moradores de favelas que haviam sido mortos por ações repressivas da polícia militar da cidade172 Também podemos perceber essa tentativa de verificação do princípio de igualdade na produção e regulação dos espaços urbanos quando o mesmo cole tivo projeta sobre uma viatura policial a frase Todo favelado é um perseguido político como é possível ver na imagem apresentada abaixo 171 Alguns outros exemplos de coletivos e atores que vem se destacando pelo modo como se valem de recursos visuais com o objetivo de interpelarem a paisagem segregada da cidade são o coletivo Mariachi assim como os artistas visuais Alex Frechette e Tavarez Vandal pseudônimo adotado pelo autor cuja verdadeira identidade não é revelada publicamente pelo mesmo 172 Um vídeo desta ação produzido e postado pelos integrantes do Coletivo Projetacão pode ser visto em https wwwfacebookcomplataformaprojetacaovideos639392196114731 Acessado em 26072018 218 Intervenção do Coletivo Projetação Créditos Coletivo Projetação Algo da mesma natureza dissidente pode ser igualmente percebido quando refletimos sobre o terceiro caso a ser analisado neste artigo Refirome ao projeto Cartograffiti promovido pelo coletivo paulistano Imargem CARTOGRAFFITI E O COLETIVO IMARGEM Banhada pela represa Billings e conhecida pelo fato de ser uma das áreas mais populosas e pobres de São Paulo figurando entre os dez piores índices de desenvolvimento humano IDH da capital paulista173 a região do Gra jaú também se destaca no roteiro da arte urbana da metrópole pois dali saíram alguns dos artistas mais conhecidos do país Nos muros do distrito podem ser encontrados graffitis de nomes de expressão nacional e global como Alexandre Orion Enivo entre outros174 Do Grajaú também surgiram músicos importantes do atual cenário fono gráfico brasileiro como o rapper Criolo E foi ali na mesma região que nasceu o 173 Ver http fotos estadao com br galerias cidades idh os 20 melhores e os 20 piores distritos de sao paulo 24925 Acessado em 27072018 174 Ver httpwwwbrasilpostcombr20150817grafitepichacaograjaun8001398html Acessado em 27072018 219 coletivo Imargem formado inicialmente pelos irmãos Mauro e Wellington Néri Dois artistas e arte educadores locais175 O Imargem costuma ser descrito por seus idealizadores como um mo vimento e têm como uma de suas principais propostas a realização de ações estéticas que sejam capazes de colocar a rigidez do binômio centroperiferia sob perspectiva crítica criando desta forma uma paisagem relacional que ao evitar essencializações seja capaz de revelar as próprias contradições que constituem a capital paulista Nesta parte abordarei uma das intervenções visuais produzidas por alguns dos integrantes deste coletivo chamada de Cartograffiti176 Entre os anos de 2012 e 2015 o projeto Cartograffiti viabilizado pela conquista de um financiamento público obtido junto à Secretaria de Cultura do município de São Paulo177 teve como objetivo conectar simbolicamente as áreas localizadas no extremo sul da cidade particularmente o Grajaú ao centro da vida política social e cultural da urbe paulistana Tratavase de 21 intervenções de graffiti realizadas por diferentes artistas urbanos convidados por Mauro Néri as quais se localizariam em pontos estra tégicos que posteriormente se transformariam em referências pontos para o trajeto de um ônibus aberto ao público A ideia do projeto portanto seria a de produzir uma percepção itineran terelacional do espaço urbano que fosse capaz de estimular os visitantes a um tipo de experiência sensorial responsável por fazêlos a partir do contato com as obras graffitis enxergarem e perspectivarem criticamente a própria cidade assim como a problemática rigidez da divisão centroperiferia Ocorre que apesar de estarem sendo financiados com recursos obtidos junto a um edital promovido pela Secretaria de Cultura do município durante a execução das intervenções paradoxalmente muitos dos graffitis realizados no contexto do projeto foram seguidas vezes apagados por funcionários terceiriza dos do setor de zeladoria urbana da mesma prefeitura que os havia subsidiado 175 Vale mencionar que Mauro Néri formouse em artes plásticas na Itália País onde viveu após conseguir um financiamento inicial obtido através do contato com uma ONG católica chamada Centro de Convivência Santa Dorotéia Embora criado por Mauro e seu irmão Wellington Néri o Imargem congrega uma rede de colabora dores oriundos de diversas regiões e com variadas trajetórias origens sociais e níveis de formação Os mesmos são chamados de agentes marginais nos termos do coletivo e se organizam eventualmente com o propósito de realizarem intervenções colaborativas em múltiplas regiões da cidade de São Paulo O coletivo também pro tagonizou um dos episódios de uma série de filmes intitulada Rua realizada pela cineasta Tata Amaral Outras informações sobre o coletivo Imargem podem ser obtidas diretamente no site do grupo em httpimagemdamar gemblogspotcombr Acessado em 27052018 Já sobre a participação dos mesmos na série Rua é possível assistir ao vídeo completo em httpswwwyoutubecomwatchvMPpyix3kQtw Acessado em 27072018 176 Ver httpprojetocartograffitiblogspotcombr Acessado em 27072018 177 RefiromeaquiaoeditalArtenaCidadecujasinformaçõesdetalhadaspodemserconsultadasnose guintesitehttpwwwprefeituraspgovbrcidadesecretariasculturanoticiasp7835Acessa doem27072018 220 Isso por sua vez ao invés de simplesmente dar espaço à reclamação dos artistas junto ao poder público gerou uma verdadeira disputa narrativa e visual em distintas partes da cidade na medida em que os mesmos passaram a integrar os apagamentos chamados por eles de apagões à própria obra Pouco a pouco os graffitis que iam sendo apagados pela tinta cinza utiliza da pelos funcionários da prefeitura foram dando lugar a frases como Prefeitura paga e apaga ou simplesmente Apagaram a arte da cidade178 As frases então tornavamse pontos do itinerário do ônibus vinculado ao projeto tal qual ocorreria com os graffitis que deveriam figurar em seus lugares e por meio delas os artistas acabaram evidenciando a existência de tendências con flituosas envolvendo princípios e percepções distintos e divergentes em relação à representação e às formas de gestão espacial da cidade dentro do próprio poder público Se por um lado a secretaria de cultura parecia apostar numa ideia de espaço público caracterizada pela percepção positiva do conflito entre formas estéticas variadas por outro outras secretarias não pareciam partilhar da mesma posição buscando uniformizar a paisagem urbana sobretudo nas áreas mais centrais e com maior visibilidade179 Em 2015 um tempo após ter sido finalizada a série de intervenções aca bou se desdobrando num documentário180 e numa exposição realizada no Centro Cultural São Paulo CCSP além de ter alimentado uma variedade de debates relacionados ao tema do direito à cidade os quais foram organizados em dis tintas regiões da metrópole 178 Ainda sobre as praticas de apagamento de graffitis por parte de funcionários da prefeitura de São Paulo recen temente os diretores Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo realizaram um documentário intitulado Cida de Cinza cujo trailer pode ser visto no seguinte endereço httpswwwyoutubecomwatchv7NpppZaGfJo Acessado em 29072018 179 Cabe dizer que tais problemas se agravaram consideravelmente durante a gestão do prefeito João Dória PSDB entre 2017 e 2018 uma vez que o mesmo teve como uma de suas principais bandeiras o combate às pichações em um polêmico projeto de zeladoria urbana denominado de Cidade Linda No período mencionado após ser detido enquanto refazia um de seus graffitis que havia sido apagado apesar de possuir autorização legal Mauro Néri tornouse novamente um dos principais símbolos da arbitrariedade da administração municipal No entanto ironicamente após dialogo com o prefeito o mesmo aceitou participar da produção de um edital de arte urbana elaborado pela mesma gestão que havia sido responsável por sua detenção o que despertou conflitos e revolta por parte de outros artistas 180 Ver httpsvimeocom141747076 Acessado em 27072018 221 Frase escrita pelos integrantes do Imargem em muro apagado por agentes da prefeitura Créditos Coletivo Imargem Exposição Cartograffiti Centro Cultural São Paulo Créditos Guilhermo Aderaldo 222 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS O contato com parte da literatura acadêmica recente cujos autores vem se dedicando à investigação de fenômenos situados na fronteira que relaciona as di mensões da estética e da política nos espaços urbanos como é o caso de Campos 2011 Caldeira 2012 Pereira 2012 2015 Aderaldo 2016 2017a 2017b Castells 2013 Mesquita 2011 2015 Di Giovanni 2015 a 2015 b e Palla min 2015 nos ajuda a compreender o fato de que nos últimos anos interesses de natureza política tem cada vez mais se fundido com formas estéticas atreladas ao desejo de ocupar e ressignificar espaços temporalidades e ao mesmo tempo alargar o alcance daquilo que é dizívelperceptível nas e sobre as cidades atuais Tais práticas e formas de associativismo parecem evidenciar a emergência de novos campos para ações reivindicativas alocados na confluência localizada entre de um lado o desgaste dos modelos tradicionais de engajamento e repre sentação política Mesquita 2011 Castells 2013 Di Giovanni 2015a 2015b Butler 2017 2015 Reguillo 2017 e de outro a crise do chamado campo artístico autônomo Canclini 2012181 Foi buscando pistas para compreender algumas facetas desses processos que me esforcei por aproximar os três exemplos aqui reunidos bem como suas respectivas formas de confrontação de referenciais normativos do espaçotempo urbano por meio da manipulação tática De Certeau 1994 1980 e imagina tiva Appadurai 2005 1996 de recursos estéticoscomunicacionais Ao promover esta justaposição de experiências meu objetivo foi tentar evidenciar os modos pelos quais o desenvolvimento e a popularização do acesso às novas tecnologias comunicativas num momento de significativas transforma ções políticas e sociais do país vem estimulando modalidades de engajamento e interação bastante particulares nas metrópoles brasileiras Consideradas as especificidades de cada caso cabe notar a existência de al gumas regularidades entre eles pois todos os exemplos em certa medida parecem deixar claro o modo como a ampliação do acesso às novas mídias têm contribu ído para a concretização de práticas que tem se revelado capazes de combinar os efeitos desterritorializadores relacionados à popularização dessas ferramentas 181 Para Canclini 2012 vivemos o momento da hegemonia de uma arte pósautônoma ou seja um referencial ar tístico mobilizado pela intersecção do sistema de arte junto a outros campos de enunciação Nas palavras do autor o termo arte pósautônoma busca definir o processo das ultimas décadas no qual aumentam os desloca mentos das práticas artísticas baseadas em objetos a práticas baseadas em contextos até chegar a inserir as obras nos meios de comunicação espaços urbanos redes digitais e formas de participação social onde parece diluirse a diferença estética p 24 Ainda segundo Canclini 2012 2425 mais do que os esforços dos artistas ou dos críticos em romper a couraça são as novas posições atribuídas ao que chamamos arte que estão arrancandoa de sua experiência paradoxal de encapsulaçãotransgressão 223 tecnológicas na medida em que as mesmas estimulam contatos não determi nados pelos limites espaciais com processos reterritorializadores os quais se voltam à iniciativas de desenvolvimento de referenciais simbólicos num espaço em movimento no e pelo movimento Haesbaert 2010 279280 É justamente o que parece ocorrer quando por exemplo o CVP por meio do uso do vídeo relaciona uma ocupação urbana promovida por distintos movimentos de luta por moradia na região central de São Paulo e uma favela em alguma das pontas desta mesma metrópole denominando como periferia a experiência de contiguidade política e narrativa existente entre esses universos Da mesma forma é o que vemos quando os integrantes do Projetação desconectam as imagens de moradores de favelas assassinados pela polícia militar carioca do registro direto de suas comunidades de origem e as inserem em faixadas de prédios reconhecidamente habitados pelas camadas médias e altas da cidade onde predomina o ordenamento urbano mantido pela lógica privada e individualista que alimenta o sistema segregador e punitivo dominante Igualmente o projeto Cartograffiti na medida em que aposta no desen volvimento de uma cartografia itinerante de São Paulo modulada pela conexão entre os pontos ligados pelos graffitis e também pelo registro de seus apagamen tos elabora uma narrativa que compreende o território para além da dicotomia estanque centroperiferia A intervenção visual produzida pelo coletivo Imargem parece assim evidenciar a existência de um urbanismo excludente responsável por criar zonas de visibilidade e invisibilidade que nos impedem de perceber a cidade policêntrica que marca as mobilidades dos artistas vinculados ao projeto assim como de muitas pessoas que cruzam cotidianamente a cidade No fundo são as próprias fronteiras e seus mecanismos de regulação e con trole que parecem estar servindo de matéria prima para as práticas criativas e insurgentes desses atores Ao apostarem em intervenções visuais que nos levam a refletir mais detidamente sobre a dimensão relacional dos territórios os mes mos não apenas usam a cidade como painelcenário para suas atividades artísti cas mas também e sobretudo parecem estar se valendo dessas atividades com o propósito de abrirem espaço para a reinvenção de outras formas de perceber e interpretar o que entendemos como cidade Mais ou menos à maneira do per sonagem Marco Pólo que ao descrever a cidade imaginária de Olinda no famoso livro As Cidades Invisíveis do escritor italiano Ítalo Calvino diz Quem vai a a Olinda com uma lente de aumento e procura com atenção pode encontrar em algum lugar um ponto não maior do que a cabeça de um alfinete que um pouco ampliado mostra em seu interior telhados antenas clarabóias jardins tanques faixas através das ruas quiosques nas praças pistas para as corridas de cavalos Aquele ponto não permanece imóvel depois de um ano já está grande como um limão depois como um cogumelo depois como um prato de sopa E eis que se tor na uma cidade de tamanho natural contida na primeira cidade uma nova cidade que abre espaço em meio à primeira e impelea para fora Calvino 1972 1990 119 224 Logo é possível dizer que tais práticas e representações antes de qualquer coisa revelam o desejo por um urbanismo que estimule o surgimento e conserve a existência de mundos plurais e não hierarquizados Modelo utópico que incita à imaginação e leva a um movimento constante de busca por uma cidade que seja o lugar de todos os lugares REFERÊNCIAS ADERALDO Guilhermo 2017 a Reinventando a cidade uma etnografia das lutas simbólicas entre coletivos culturais vídeoativistas nas periferias de São Paulo São Paulo EdAnnablume Fapesp 2016 Entre imagens e imaginários estética e política nas intervenções visuaisaudio visuais de coletivos culturais paulistanos In Kowarick Lúcio Frúgoli Jr Heitor Org Plu ralidade urbana em São Paulo vulnerabilidade marginalidade ativismos sociais 1edSão Paulo Editora 34 v 1 p 5579 2017 b Territórios mobilidades e estéticas insurgentes Refletindo sobre práticas e representações coletivas de realizadores visuais nas metrópoles contemporâneas Cadernos de Arte e Antropologia 6 2 3148 AGIERMichel 2011 2009AntropologiadacidadelugaressituaçõesmovimentosSãoPaulo TerceiroNome 2013 La condition cosmopolite lanthropologie à lépreuve du piège identitaire Paris Éditions La Decouverte APPADURAI Arjun 2005 1996 Après le colonialisme les consequences culturelles de la globa lisation Paris Petit Bibliotèque Payot BUTLER Judith 2017 2015 Cuerpos aliados y lucha política hacia uma teoria performativa de la asemblea Ciudad Autonoma de Buenos Aires Ed Paidós CALDEIRA Teresa Pires do Rio 2012 Inscrição e circulação novas visibilidades e configu rações do espaço público em São Paulo InNovos estudos CEBRAP São Paulo N 94 pp 3167 Nov CALVINO Ítalo 1972 1990 As cidades invisíveis São Paulo Ed Cia das Letras CAMPOS Ricardo 2011 Identidade imagem e representação na metrópole in CAM POS R ANDREA B e SPINELLI L Orgs Uma cidade de imagens Produções e consumos visuais no meio urbano Lisboa Ed Mundos sociais pp 1530 CANCLINI Néstor Garcia 2012 A sociedade sem relato antropologia e estética da imi nência São Paulo Ed Edusp CASTELLSManuel 2013Redesdeindignaçãoeesperançamovimentossociaisnaeradainterne tRiodeJaneiro Zahar CIRELLO Moira 2010 Educação audiovisual popular no Brasil Panorama 1990 2009 Tese de doutorado Comunicações Universidade de São Paulo DECERTEAUMichel 1994 1980AinvençãodocotidianoVol1ArtesdefazerRiodeJaneiro Vozes DE TOMMASI Lívia e VELAZCO Daniela 2013 A produção de um novo regime discur sivo sobre as favelas cariocas e as muitas bases do empreendedorismo de base comunitária In Revista Instituto de Estudos Brasileiros São Paulo n 56 pp 1542 jun 2013 DI GIOVANNI Júlia Ruiz 2015a Cadernos do outro mundo o Fórum Social Mundial em Porto Alegre São Paulo Ed HumanitasFAPESP 2015b Artes de abrir espaço Apontamentos para a análise de práticas em trânsito entre arte e ativismo in Cadernos de Arte e Antropologia Vol 4 No 2 1 1327 225 GRAHAM Stephen 2016 2011 Cidades Sitiadas o novo urbanismo militar São Paulo Ed Boitempo HAESBAERTRogério 2010Omitodadesterritorializaçãodofimdosterritóriosàmultiterrito rialidade Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2014 Viver no limite território e multitransterritorialidade em tempos de inseguran ça e contenção Rio de Janeiro Ed Bertrand Brasil HAMBURGER Esther 2016 Saímos do Facebook In Kowarick Lúcio Frúgoli Jr Heitor Org Pluralidade urbana em São Paulo vulnerabilidade marginalidade ativismos sociais 1ed São Paulo Editora 34 v 1 p 293320 MBEMBE Achille 2018 2003 Necropolítica biopoder soberania estado de exceção política da morte São Paulo n1 MESQUITA André 2011 Insurgências Poéticas arte ativista e ação coletiva São Paulo An nablume 2015 Esperar não é saber a arte entre o silêncio e a evidência São Paulo Ed Do autor PALLAMIN Vera 2015 Arte cultura e cidade aspectos estéticopolíticos contemporâneos São Paulo Ed Annablume PEREIRA Alexandre Barbosa 2012 Quem não é visto não é lembrado sociabilidade es crita visibilidade e memória na São Paulo da pichação Cadernos de Arte e Antropologia Vol 1 No 2 1 5569 2015 Escritas dissonantes escolarização letramentos novas tecnologias e práticas culturais juvenis inHorizontes antropológicos Porto Alegre v 21 n 44 p 81107 dez PONTY Merleau 2014 O visível e o invisível São Paulo Perspectiva REGUILLO Rossana 2017 Paisajes Insurrectos Ed Moelmo Ebook Kindle TELLESVera da Silva 2015 Cidade produção de espaços formas de controle e confli tos Revista de Ciências Sociais Fortaleza Vol 46 n 1 pp 1541 226 REGIME DE VERDADE HEGEMÔNICA NA JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS URBANOS EM PORTO ALEGRE OCUPAÇÃO LANCEIROS NEGROS NA LUTA CONTRA DISCURSOS BIOPOLÍTICOS DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL URBANA Henrique Mioranza Koppe Pereira182 Diogo Silveira dos Santos183 NARRATIVAS URBANAS JUDICIALIZADAS DISPUTA POR TERRITORIALIDADE Com o objetivo de contribuir à temática deste livro Cidade como máqui na biopolítica o estudo aqui trazido por um dos organizadores dessa obra está estritamente ligado aos conflitos urbanos e propagação de discursos autoritários que incidem de forma opressiva sobre populações vulneráveis Ao seguir questio nando digressões teóricas sobre a lógica de soberania estatal observada pela teoria Biopolítica com marco teórico referenciado principalmente em Foucault e outros autores pertinentes observar situações concretas vividas por populações em rela ção direta com o poder Estatal é fundamental para compreender os fenômenos de governamentalidade que se tem imputado nas cidades No presente estudo se analisara a atuação do judiciário sobre demandas geradas por populações citadinas segregadas que clamam ao Estado auxílio ime diato para que tenham uma moradia que atenda minimamente as garantias cons 182 PósDoutor em Ciências Criminais pela PUCRS com projeto desenvolvido sobre Biopolítica e Gentrificação Urbana Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC2014 na linha de pesquisa de Diversidade Políticas Públicas com tese focada em políticas públicas de saúde urbana e direito constitucional nas cidades brasileiras Mestre em direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS2008 com linha de pesquisa direcionada em sociedade novos direitos e transnacionalização Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul 2005 Atualmente atua como pesquisador independente e participa como pesquisador colaborador Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq Criminologia Cultura Punitiva e Crítica Filosófica vinculado à PUCRS Email para contato henriquekoppegmailcom 183 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS 2011 é Advo gado atua na área de Direito Público colaborou na assessoria jurídica de processos relacionados à pauta habita cional na cidade de Porto Alegre 20162017 no caso da Ocupação Lanceiros Negros Possui Especialização em Direito do Estado Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2017 227 titucionais Para isso apresentase o caso da Ocupação Urbana Lanceiros Negros firmada no centro de Porto Alegre em novembro de 2015 e a atuação realizada pelo judiciário sobre as demandas dessa população Esse estudo tem um caráter de denúncia para demonstrar como os discursos biopolíticos são utilizados dia riamente pelo judiciário para suprimir as demandas sociais a partir de seus julga dos O próprio judiciário manifesta que tais demandas deveriam ser tratadas no executivo todavia não podem se escusar de julgálas mesmo que provisoriamen te principalmente diante a omissão dos demais poderes competentes Ao mesmo tempo percebese os conflitos discursivos dentro da própria instância judicial que se contradiz frequentemente como se a disputa entre narrativas autoritárias e democráticas transbordassem os gabinetes judiciais através de seus despachos e sentenças Dessa forma decidiuse realizar esse trabalho sobre um caso específico para que se possa extrair discussões que passam desapercebidos sobre a atuação dos tribunais ao se observar um grande volume de demandas Estudar diretamente como os tribunais vêm julgando propicia detectar as decisões que atentam con tra os direitos humanos e as garantias constitucionais assim como evidencia os discursos autoritários e segregacionistas que ainda imperam entre os desembar gadores e reforçam uma atuação negligente e insuficiente por parte das políticas públicas e da atuação dos demais poderes Quando o judiciário apresenta uma atuação condescendente com o despreparo das políticas públicas e da ineficiência do Estado quanto ao atendimento das garantias constitucionais destinadas às po pulações carentes dáse o fenômeno biopolítico de governabilidade dos corpos e da vida perpetuase o status quo da opressão social e em especial da segregação espacial em solo urbano Para isso se realizará o estudo hermenêutico dos julga dos sobre o caso inserindose em todo o andamento processual realizado até o final do processo judicial Os autores Dardot e Laval apontam que em meados de 1980 Foucault já começava a se interessar cada vez mais pelas técnicas de si exercidas sobre si mes mo pelos indivíduos através dos discursos biopolíticos de constituição de sub jetividade para controle dos corpos Dessa forma o termo governamentalidade 184 que expressava as diversas formas pelas quais são exercidas as atividades de 184 Foucault elabora o conceito de governamentalidade descrevendoo como um conjunto constituído pelas instituições procedimentos análises e reflexões cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder que tem por alvo a população por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança Em segundo lugar por governamentalidade entendo a tendência a linha de força em todo Ocidente para a preeminência desse tipo de governo que pode mos chamar de governo sobre os outros soberania disciplina e que trouxe por um lado o desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específicos de governo e por outro lado o desenvolvimento de toda uma série de saberes Enfim por governamentalidade creio que se deveria entender o processo ou antes o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado administra tivo viuse pouco a pouco governamentalizado FOUCAULT Michel Segurança Território e População São 228 governo ou seja formas diversas de conduzir as condutas é ampliado Portanto governar é conduzir a conduta humana o que caracteriza a biopolítica porém o termo conduta passa a carregar uma nova faceta que engloba não só a perspectiva de para com o outro isto é a condução de outros homens e mulheres mas também uma perspectiva de para consigo mesmoDARDOT LAVAL 2016 p18 Assim teremos um aprimoramento das concepções a partir da aproxima ção entre técnicas de dominação que são exercidas sobre o outro e técnicas de autogoverno que são exercidas sobre si mesmo Porém ainda é necessário esclarecer como que através de discursos biopo líticos uma narrativa hegemônica poderá suprimir outras narrativas imputan doas como não verdadeiras ou formas de vida que não devem ser promovidas pelo soberano e portanto serem deixadas à morte Foucault em seu seminário do dia 28 de janeiro de 1976 2010 5571 deixa claro que a narrativa discursiva viabiliza a construção de uma verdade para o exercício da soberania sobre povos como a narrativa que colonizadores impões sobre os colonizados a fim de subju gálos e transformar seus modos de vida para adequarse às formas de exploração Portanto às narrativas que não estiverem de acordo com as normas normalizado ras serão excluídas da verdade hegemônica por incorrerem em discordância com o poder e a depender dos efeitos que resultarem nos interesses soberanos poderão então essas narrativas serem perseguidas Essa análise é feita em termos binários o corpo social não é composto por uma pirâmide de ordens ou por uma hierarquia não constitui um organismo coerente e unitário mas é com posto por dois conjuntos não só perfeitamente distintos mas também opostos E essa relação e oposição existente entre esses dois conjuntos que constituem o corpo social e que trabalham o Estado é de fato uma relação de guerra de guerra permanente pois o Estado nada mais é que a maneira mesma pela qual continua a travarse essa guerraFOUCAULT 2010 p7374 Essa citação corrobora a compreensão que o Estado como soberano não tem como pressuposto pacificar os conflitos entre os corpos sociais mas viabilizar a perpetuação da guerra dentro das normas estabelecidas o que viabiliza a supressão das narrativas que contradizerem os discursos hegemôni cos pois elas desafiariam as normas e as formas de vida impostas Mas o que poderiam essas narrativas contra hegemônicas apresentar que ameaçariam as estruturas soberanas A resposta é elas poderiam propagar discursos que es timulariam a outras formas de vida que contradizem às necessidades do mer cado Neoliberal e dos demais fluxos de poder existentes nos núcleos urbanos Nesse sentido se pretende demonstrar aqui que o judiciário brasileiro nesse caso específico em Porto Alegre tem construído pretensas verdades hegemôni cas em suas retóricas judiciais que suprimem a narrativa de populações vulne Paulo Martins Fontes 2008 p 143144 229 ráveis que ao adentrar em instâncias judiciais são silenciadas por estruturas processuais que impedem o repercutir das vozes oprimidas e impõem uma verdade processual vencedora O poder soberano é exercido pelo Estado que age como um pivô do mercado global moderno ao aderir às estruturas neoliberais que se constituem ao longo do século XX assim o Estado não se apresenta para limitar nem para corrigir o mercado concorrencial mas para desenvolvêlo por intermédio de estruturas jurídicas O que permite ao mercado a imposição de uma narrativa institucional e soberana assim como instrumentaliza normas que definirão o padrão de conduta desejado conduta normal Essa reestruturação do Estado e do Liberalismo para um Estado Neoliberal não se dá por acaso o seu momento fundador se dá no Colóquio Walter Lippmann no dia 26 de agosto de 1938 DARDOT LAVAL 2016 p71 em que se discute a necessidade de estruturar o Estado como resposta para inibir as consequências de um liberalismo não intervencionista que ao final do século XIX e ao longo do século XX deram origem às narrativas que culminaram nas revoluções anticapitalistas Essa explanação sobre como os discursos biopolíticos realizam um traba lho de constituição de uma narrativa hegemônica que se propõe como verdade corrobora no presente estudo a reflexão sobre a narrativa judicial como uma estratégia biopolítica que governa os corpos que podem ou não viver na cidade A imposição judicial é a espada do soberano que recai sobre o cidadão e os procedimentos processuais são a forma de firmar legalidade nos atos do Estado dos quais se resultarão uma Verdade uma revelação que negará as demais nar rativas colocandoas como narrativas não verdadeiras impuras injustas que não devem ser promovidas nem propagadas e até mesmo serem perseguidas A Ocupação Lanceiros Negros era formada por 70 famílias que integrava na cidade de Porto Alegre o Movimento de Lutas nos Bairros Vilas e Favelas MLB Pessoas oriundas dos bairros periféricos em comum identificadas pela situação de precariedade habitacional em uma escala que vai desde o risco permanente de desalojamento decorrente da pressão financeira dos aluguéis até a completa ausência de habitação Grupos familiares integrados não só por adultos em situação de vida laboral ativa mas também por bebês crianças adolescentes e idosos Havia também embora em pequeno número indígenas e estrangeiros cuja situação de transitoriedade territorial é usualmente aproveitada como justi ficante para a omissão estatal quanto ao atendimento por uma política pública de moradia No dia 14 de novembro de 2015 essas famílias ocuparam o prédio locali zado na Rua General Andrade de Neves nº 352 no centro da cidade de Porto Alegre O prédio é de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul e estava sem 230 uso há quase uma década sem qualquer menção de projeto ou atividade para o cumprimento da função social Essa edificação que já serviu de sede do Minis tério Público após uma década fechado passou a servir clandestinamente como local de acolhimento para essas famílias carentes proporcionando um ambiente seguro organizado salubre com luz água refeitório até que essas pessoas pos sam ser incluídas em alguma política pública de moradia concreta Ou até que eventualmente tivessem condições de voltar à sua residência com isso a popu lação de forma precária fazia uso daquelas instalações como uma forma de vive sobreviver no ambiente urbano portoalegrense sempre à margem da efetividade ao direito fundamental de moradia disposto na Constituição Federal Todas as famílias da ocupação foram cadastradas no atendimento do Sis tema Único de Saúde SUS e estão sendo atendidas por postos de saúde da região Além disso as crianças e adolescentes estão matriculadas na rede pública de ensino e contam com o apoio de sindicatos coletivos e demais madrinhas e padrinhos da Ocupação Lanceiros Negros A localização geográfica da ocupação foi um marco o coração do centro histórico de Porto Alegre a duas quadras do Palácio Piratini sede do Governo do Estado e a poucas quadras do Paço munici pal Uma afronta à rígida territorialidade excludente das metrópoles brasileiras185 Nesse contexto a cidade de Porto Alegre foi marcada por um histórico de remo ção em massa das populações pobres das regiões centrais para as margens Em especial durante o Regime Militar quando ocorreram as remoções forçadas de milhares de famílias para o extremo sul do território do município na região que viria a constituir o bairro da Restinga hoje símbolo da resistência e da luta social Como fazia todas as manhãs Antônio Miguel de Almeida juntou os apetrechos de engraxar sapatos o colocou na caixa de madeira e partiu da Vila Ilhota no Bairro Cidade Baixa em Porto Alegre onde morava com a mãe irmão tios e primos rumo à rua Lima e Silva Era fevereiro de 1967 e ele tinha dez anos Cinco décadas depois a memória de Antônio mantém intactas as horas que se seguiram depois de mais um dia de trabalho lustrando os calçados dos comerciantes da região Quando voltei a nossa casa não estava mais lá só a marca no terreno Fiquei olhando cho rando e perguntando para os vizinhos se minha mãe tinha fugido e me deixado Um senhor me pegou e disse Não a casa de vocês já foi para a Restinga E a nossa vai amanhã tu fica com nós Amanhã tu vai junto recorda A partir daquele momento Antônio passou a fazer parte da história que originou o primeiro núcleo de moradores da Capital construído à força numa intervenção institucional promovida pelo regime militar e cujo lema era Remover para Promover Naquele ano quase mil famílias foram retiradas de outras vilas da área central da cidade e levadas para a região inóspita que viria a se tornar o bairro Restinga um dos maiores de Porto Alegre 185 No Brasil a produção de habitação em áreas centrais entrou no debate a partir dos anos 1990 quando movi mentos sociais de luta por moradia adotaram a estratégia de ocupação dos prédios vazios ou ociosos no centro de algumas cidades Em São Paulo as primeiras ocupações organizadas por movimentos populares de moradia se deram em 1997 COMARU Francisco Em defesa da habitação social nas áreas centrais Le Monde Diplomatique Brasil ano 6 nº 62 setembro de 2012 pág 36 231 Enquanto seguia no caminhão com outros vizinhos em direção ao extremo sul Antônio permanecia assombrado com a remoção inesperada da casa para o desconhecido Lembro das ruas acabando na Hípica Só tinha um corredor com mato para todos os lados Não era lugar para morar Na mudança com os meus vizinhos tive vontade de me atirar do caminhão porque achei que estavam me roubando Só me acalmei quando vi minha mãe e meus parentes numas cabanas improvisadas com restos de madeira Ficamos dois dias dormindo embaixo delas até reconstruírem a nossa casa O chão era cheio de espinhos rosetas e a gente estava sempre com os pés machucados Também tinha muito maricá Olhava para todos os lados e não tinha água luz Não tinha nada Só pensava como é que nós vamos comer e beber aqui Antes da mudança repentina Antônio a família e os vizinhos moravam na Vila Ilhota comunidade formada por escravos foragidos ou libertos e exmoradores do interior Na época a comunidade encravada na área central de Porto Alegre tinha duas ruas e dezenas de becos em meio aos antigos arroios Dilúvio e Cascatinha A partir de 12 de fevereiro de 1967 ela e as vilas Marítimos Santa Luzia e Dona Teodora consideradas as mais pobres da Capital na época deixariam de existir em menos de cinco anos Sairiam das áreas alagadiças da zona central para as terras espinhentas de uma cidade em plena expansão imobiliária e territorial Funcionários do Departamento Municipal de Habitação DEMHAB acompanhados de mais de 50 policiais militares começaram naquela data a remover os moradores e as centenas de ca sebres de madeira para as glebas da Restinga compradas pela prefeitura no ano anterior Cada família teve direito a um terreno de 8x25 metros no núcleo controlável um dos nomes dados pelo governo para identificar o novo vilarejo erguido pelo regime militar Foi a forma encon trada para formalizar o projeto Renascença que abriria novas ruas praças e avenidas como a Erico Verissimo em partes dos bairros Cidade Baixa e Menino Deus186 O nascimento da Ocupação Lanceiros Negros reacendeu o debate sobre a democratização do acesso à moradia na região central Diversos meios de comu nicação repercutiram Foram veiculadas matérias por vários meios de comunica ção e o Coletivo Catarse realizou a produção de um documentário com o intuito de mostrar a resistência dos moradores e de seus apoiadores perante a postura do Estado do Rio Grande do Sul que desejava reaver a posse do imóvel público sem qualquer destinação social187 DUELO DE NARRATIVAS VENCIDOS CONTRA VENCEDORES Antes de adentrarmos no debate sobre o conflito urbano referente à ocu pação LanceirosNegros lembrase que as estruturas políticas serão o palco de dis cussão Narrativa essa que dará sentido à política que por sua vez terá o poder de definir quem viverá e quem morrerá Agamben 2002 ao observar sobre a reflexão aristotélica de que o homem seria um animal político o autor propõe 186 ZERO HORA Do espinho ao asfalto a Restinga nasceu há 50 anos como um loteamento para abrigar mora dores desalojados de vilas pobres da área central de Porto Alegre Cresceu tornandose um dos maiores bairros da Capital constituindo uma espécie de cidade dentro da cidade Reportagem Especial veiculada em dezembro de 2017 Texto de Aline Custódio Disponível em httpsespeciaiszhclicrbscombrespeciaisrestingaareporta gemhtml Acessado em 20052018 187 Disponível em httpcoletivocatarsecombrhomelanceirosnegrosestaovivos e também em canal do youtu be httpsyoutubeY97fhAH7Cyc 232 que o humano depende da política para viver Com isso podese dizer que é a política que possibilita que o indivíduo deixe para trás a sua condição anima lesca e passe a ser considerado por si mesmo como serhumano e como tal tenha o direito de viver Desta forma ao se remeter à figura do soberano existente a partir do exercício da política definirá quem são os sujeitos animais a quem se concederão o status humano Por isso os discursos que estabelecerão os critérios de inclusãoexclusão de humanidade indicarão as narrativas justas ou injustas para humanizar e desumanizar narrativas essas que terão o poder de definir a verdade A de se ressaltar que até aqui já fica clara a existência de duas narrativas discursi vas diferentes uma hegemônica que se assenta ao lado do poder e movimentará o poder deliberativo sobre humanizardesumanizar e outra uma narrativa não hegemônica que não parte de um locus discursivo de poder e se encontra à mercê da decisão do soberano Em poucas palavras e com o intuito de contextualizar a presente aborda gem dáse a devida importância ao como se transmitirão as retóricas discursivas que contarão a história dos vencedores e dos vencidos dos merecedoresnão me recedores dos que têm direitonão têm direito a partir de uma ou mais narrativas Retóricas essas que imputam aos sujeitos a obrigatoriedade de ser ou seja uma obrigatoriedade existencial que delimita o sujeito a uma forma de vida específica que é estabelecida como uma norma exterior ao sujeito heteronomia que têm o poder de controlar os espaços urbanos e a vida que nele se desenvolve Sendo assim se a política é o palco de discussão das narrativas o judiciário será a estru tura de imposição das retóricas hegemônicas sobre a vida A construção de uma narrativa que se propõe falsamente como verdadeira para subjugar os sujeitos e delimitar o direito de circularpermanecer contraria mente aos princípios constitucionais e normas internacionais de direitos huma nos nos espaços urbanos é fundamental para construir a legitimidade do exercí cio de poder do soberano autoritário sobre os seus súditos portanto não há uma legitimidade na narrativa em si deve ser construída para justificar o sofrimento imputado às populações como vem ocorrendo nos núcleos urbanos brasileiros Para reforçar esse contexto de observação podese trazer uma reflexão de Deleuze que pode auxiliar a compreensão desse sentido Postulado da subordinação o poder encarnado no aparelho de Estado estaria subordinado a um modo de produção tal como a uma infraestrutura Talvez seja possível fazer corresponder os grandes regimes punitivos a sistemas de produção os mecanismos disciplinares especial mente não são separáveis do crescimento demográfico do século XVIII e o crescimento de uma produção que visa a aumentar o rendimento a compor as forças a extrair dos corpos toda a força útil Mas é difícil ver aí uma determinação econômica em última instância mesmo se dotarmos a superstrutura de uma capacidade de reação ou de ação de retorno Toda economia a oficina por exemplo ou a fábrica pressupões esses mecanismos de poder agindo de dentro sobre os corpos e as almas agindo no interior do campo econômico sobre as forças produtivas e as relações de produçãoDELEUZE 1998 p36 233 O autor demonstra aqui as estruturas Biopolíticas que permeiam os discur sos emanados pelo Estado como soberano que incidem sobre os corpos viventes como lógica de controle e imposição de forma de vida Essa imposição se dá por intermédio da constituição de uma narrativa de subjetividade uma estratégia discursiva que dirá ao sujeito o como deve ser como deve se portar como é certo viver uma narrativa que se coloca como verdade uma verdade total no sentido de verdade totalitária que de forma maniqueísta refutará as narrativas que se contraporem a ela MBEMBE 2018 Ao direcionar o olhar para o espaço público tanto físico como virtual vislumbrase a pluralidade de narrativas ou seja falas que se mostram a favor e outras contrárias aos discursos emanados pelo Estado e as estruturas de poder biopolítico assim como se encontrarão narrativas étnicas de gênero de formas de vida diversas que podem ou não serem absorvidas pelos discursos biopolíticos Todavia ingenuamente podese pensar que a presença mesmo que apenas vir tual do trânsito de narrativas plurais representaria a concretização de um espaço democrático Porém um atendo observador perceberá que a diversidade não ne cessariamente resulta em um diálogo entre alteridades como expões Franco de Sá a comunicação com o diferente a compreensão do estranho a tolerância e a abertura diante de outros modos de vida surgem aqui como a base que sustenta as democracias liberais con temporâneas Contudo o modo como uma tal comunicação se concretiza o modo como os cidadãos das democracias liberais são hoje educados numa escola da comunicação mostra que a comunicação se exerce entre propostas opiniões vivências e princípios que não podem deixar de se considerar quer como válidas no plano privado quer e este é o ponto decisivo como inválidas e inaceitáveis no plano público Por outras palavras uma tal comunicação mostra que se pensa implicitamente a discussão como um diálogo de surdos privandoa da publicidade da eficácia pública que qualquer discussão genuína não pode deixar de requerer Ela mostra enfim que se pensa uma relação sem relação uma comunidade sem acção recíproca E tal implica confessar o cepticismo e o relativismo na base da própria tolerância camuflados pela imitação de um diálogo que não é mais do que a simultaneidade cacofônica de um conjunto de monólogos fechados sobre si mesmos FRANCO DE SÁ 2004 p41 Portanto em um contexto de conexão em rede que possibilita encontrar a pluralidade de narrativas isso não quer dizer que haja comunicação e aceitação entre elas o que leva a crer na possibilidade de domínio de uma narrativa sobre a outra e questionarse como isso refletirá na constituição das subjetividades dos sujeitos envolvidos nesse processo comunicativo e principalmente na relação entre si para com outros e com o soberano Podese dizer o mesmo dos debates apresentados pelos magistrados nas instâncias judiciais sobre esse caso de conflito urbano como se verá adiante os discursos são plurais e contraditórios visto que são todos emanados pelo mesmo órgão estatal Porém a pluralidade discursiva é devida aos corpos de magistrados ou seja diferentes juízes que apresentam em seus fundamentos e decisões posicionamentos diferentes ora opressores contra a população vulnerável ora favorável ao cumprimento de normas constitucionais Por isso se chama atenção ao conceito de narrativashegemônicas pois essas 234 se utilizarão das estruturas biopolíticas para disseminar sua retórica discursiva como normas normalizadoras ou seja estabelecerão os parâmetros de normali dade normais que introduzirão na subjetividade dos indivíduos submetidos ao poder soberano os padrões de conduta ser existência psíquico cultural enfim a forma de vida que é exigida pelo poder Ainda nesse sentido o conceito de bio política de Foucault apresentado no seminário É preciso defender a sociedade 2006 p 293 redefine a estrutura de se observar o poder soberano dos séculos XVIII e XIX em que a soberania se dava no direito do soberano em decidir en tre deixar viver e fazer morrer os sujeitos governados Nesse período histórico as possibilidades de controle que o soberano exercia sobre os corpos e as vidas dos sujeitos eram limitadas pelo poder físico do soberano em matar os indesejados executandoos de alguma maneira àqueles a que se oportunizavam o deixar viver seguiriam o seu curso de vida por conta própria seja por não serem caçados ou porque interessava ao soberano que vivessem Foucault insiste claramente que o exercício do poder soberano sobre a vida somente se dá através do direitopoder de matar visto que não há soberano que possua o poder de dar vida mas somente poder de retirála o soberano só marca o seu poder sobre a vida pela morte ou seja direito de matar FOUCAULT 1988 p 1258 Todavia a forma de exer cício da soberania sobre a vida desde o final do século XIX e ao longo do século XX se transforma remodelandose para uma também lógica binária de inclusão exclusão decidir entre fazer viver e deixar morrer ou seja o poder soberano define quem terá acesso as estruturas promovedoras de vida e quem será segregado e deixado para a morte FOUCAULT 2002 As reflexões que aqui se propõem partem desse pressuposto de mudança de exercício de soberania sobre os corpos É importante esclarecer que quando Foucault fala de biopolítica não está se referindo a uma política da vida mas de práticas de governo que possi bilitam o controle dos corpos e das populações Explicase ainda que o controle do corpo traduz o literal corpo do sujeito da sua carne e de sua subjetividade enquanto existência A noção de vida situase no centro da cena não só como objeto de tematização das ciências biológicas mas também como um espaço pri vilegiado para garantir a governabilidade e a gestão das populações nas sociedades modernas CAPONI 2016 p 236 Para exercer a governabilidade das popula ções colonizadas a racionalidade soberana vertical cria estruturas de interrelação que implícita ou explicitamente nega tudo o que pode ameaçar as estruturas de poder de forma que degrada a forma de vida que o soberano deseja promover sobre os sujeitos que controla Nesse sentido esclarecese que a promoção da vida não será apenas para um tipo de sujeito incluído mas será principalmente da forma que esse sujeito vive que deverá estar de acordo com as normas discursivas narrativas hegemônicas que propagam a verdade uma verdade que irá lhe render a benção da vida de uma boa vida uma vida de sucesso ser uma pessoa de bem 235 ser aceito na salvação ser sujeito de direito CONFLITO JUDICIAL E LUTA COTIDIANA OCUPAÇÃO URBANA LANCEIROS NEGROS AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE Nº00111501924401 Embora tenha existido uma tentativa de diálogo com representantes do Governo durante uma reunião na Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Hu manos realizada no dia 16 de novembro de 2015 no mesmo dia em que realizou promessas de que seriam estabelecidas continuidades nas negociações o Estado do Rio Grande do Sul declinou seu posicionamento ao protocolar a ação de rein tegração de posse do prédio público O pedido de reintegração de posse foi acolhido pela 7ª Vara da Fazen da Pública do Foro Central de Porto Alegre e a decisão judicial concedeu me dida liminar para ser cumprida no prazo de 72h determinando que em caso de não cumprimento da decisão fosse requerido o uso da força pública para cumprimento da medida conforme trecho da decisão extraída do processo nº 00111501924401 Desta maneira estando a ação amparada por elementos suficientes devidamente instruída no que respeita aos limites da tutela liminar é que defiro o pedido liminar para o fim de de terminar a reintegração de posse do bem objeto deste litígio Para cumprimento concedo aos ocupantes do imóvel o prazo de 72 horas para que providenciem em sua retirada do local com o transporte de seus bens pessoais Caso o prazo acima não seja obedecido procedase à reinte gração de posse do autor requerendose se necessário o uso de força pública para cumprimento da medidaAo mesmo tempo deve a parte autora providenciar para que outras pessoas não venham a ocupar o bem devendo oa Sra Oficiala de Justiça nominar todos os ocupantes por oca sião da intimação para desocupação Expeçase portanto mandado de intimação para desocu pação no prazo de 72 horas de identificação dos ocupantes e reintegração de posse caso não seja o bem desocupado voluntariamente Intimemse Após citese grifo do pesquisador 188 O Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas MLB recorreu da medida liminar através do Agravo de instrumento nº 70067673970 pleitean do a reforma da decisão a fim de que o cumprimento da reintegração de posse fosse condicionado à prévia apresentação de alternativa concreta de realocação das famílias sob pena de haver literal despejo dos moradores nas ruas de Porto 188 Eis a primeira verdade emitida pelo judiciário existem elementos suficientes para atuar ou seja iniciase a persecução contra os sujeitos que integram a ocupação seus corpos e suas vidas estão sob a ameaça do Estado que supostamente deveria os proteger 236 Alegre em momento que coincidia com a chegada do frio inverno gaúcho o qual atinge habitualmente temperaturas inferiores a 0ºc Ainda assim foi nega do provimento ao agravo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul189 que refutou os pedidos de suspensão da reintegração de posse mantendo a decisão de primeira instância que determinou a imediata desocupação do imóvel Na decisão o magistrado discursa que O direito de moradia e a função social da pro priedade tais institutos jurídicos não podem ser vistos de maneira absoluta o que poderia justificar abusos de direito por parte de alguns em detrimento do interesse público da coletividade Nessa narrativa imposta pelo magistrado estabelecese como não absoluto direitos constitucionais demandados pelos ocupantes e ao mesmo tempo declara que absoluto é aquilo que se defende ao expulsálos de lá Portanto questionase o que protege a narrativa do magistrado a pro priedade o bem público Não é possível detectar com clareza mas certo que não protege a constituição tão pouco a vida e que aquela população não é bem vinda ali Ainda alerta com irônica preocupação que o risco de dano irreparável no caso a integridade física dos ocupantes somente poderá haver desde que esses se opunham fisicamente à ordem judicial além dos atos necessários de parte da força pública O discurso biopolítico é evidente na fala do magistrado que impõe a docilidade na conduta dos ocupantes e os condena ao flagelo físico anteci padamente e na medida de sua força de resistir ao poder de polícia A narra tiva da decisão é flagrantemente autoritária e antidemocrática que revestida de procedimentos legais toma para si a hegemonia da legalidade para oprimir populações No momento seguinte a essa decisão judicial foi interposto Recurso Es pecial requerendo a reforma do acórdão proferido pela 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul justificando que o cumprimento da medida liminar poderia acarretar danos irreparáveis aos ocupantes no que diz respeito a integridade física à moradia e a dignidade humana Ainda foi inter posto Recurso Extraordinário com fundamentos de admissibilidade oriundos do 189 Ementa AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE MOVIMENTO DE LUTA NOS BAIRROS VILAS E FAVELAS MLB IMÓVEL INVADIDO DE PROPRIEDADE DO ESTA DO DO RIO GRANDE DO SUL INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA PROCESSUAL Tratandose de área pública mostrase inadmissível a sua ocupação sem a devida autorização permissão ou concessão da respectiva Administração Não há decisão pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitu cionalidade acerca de inconstitucionalidade de norma infraconstitucional Código de Processo Civil pertinente a ação de reintegração de posse e tampouco há elementos suficientes para impor reconhecimento disto em recurso contra decisão liminar de inconstitucionalidade ou inconvencionalidade material da lide em apreço O direito de moradia e a função social da propriedade tais institutos jurídicos não podem ser vistos de maneira absoluta o que poderia justificar abusos de direito por parte de alguns em detrimento do interesse público da coletividade Finalmente o risco de dano irreparável no caso a integridade física dos ocupantes somente poderá haver desde que esses se opunham fisicamente à ordem judicial além dos atos necessários de parte da força pública Decisão liminar de reintegração de posse mantida NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRU MENTO Agravo de Instrumento Nº 70067673970 Décima Nona Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS Relator Eduardo João Lima Costa Julgado em 07042016 Data de Julgamento 07042016 Publicação Diário da Justiça do dia 18042016 RIO GRANDE DO SUL 2016 237 Novo Código de Processo Civil que versam sobre a repercussão geral que deve se extrair da questão constitucional debatida neste caso O recurso buscava a solu ção adequada ao impasse em torno da ocupação pugnando por uma decisão que resguarde o direito fundamental à moradia O conflito que se estabelece aqui para a sociedade e a comunidade jurí dica é em torno do dever do Estado de assegurar o acesso à habitação digna às pessoas e seu posicionamento de desalojálas em ato reintegratório de posse para reaver o bem imóvel pertencente ao poder público ocupado em decorrência da situação extrema de ausência do acesso à moradia É interessante que os discursos para justificar a importância de reaver a posse desse prédio não vão além do feti chismo jurídico porém a compreensão biopolítica possibilita evidenciar que esse fetiche possui uma raiz de controle territorial e de corpos assim como é por esse fetiche o Estado possui mecanismos legais para remover os corpos indesejáveis daquele espaço urbano Ademais em razão da pendência de admissibilidade do Recurso Especial e o perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional o MLB protocolou um pedido de tutela de urgência cautelar com fundamentos também no NCPC buscando conceder efeito suspensivo ao recurso de especial interposto pugnando pela imediata suspensão da decisão que determinou a desocupação e a reintegra ção de posse de imóvel em razão do iminente o cumprimento da ordem judicial de reintegração de posse confirmado pelo tenentecoronel Mario Ykeda titular do Comando de Policiamento da Capital CPC programado para iniciar a par tir das seis horas da manhã do dia 24 de maio de 2016 Na noite do dia 23 de maio de 2016 ao mesmo tempo em que o MLB postulava a suspensão da decisão que determinou a desocupação do prédio uma operação da Brigada Militar começou a ser montada com bloqueios policiais em todos os acessos ao prédio disputado Com um forte aparato formado por dezenas de policias do Batalhão de Choque cavalaria viaturas e motocicletas a Brigada Militar impediu diversos moradores apoiadores e manifestantes de entrarem na Ocupação Durante toda a madrugada as 70 famílias moradoras conviveram com a tensão de que polícia poderia iniciar a reintegração de posse a qualquer momen to Mas no início da manhã a assessoria jurídica da Ocupação informou que o Desembargador de plantão no Tribunal de Justiça Jorge Luis DallAgnol deferiu o pedido apresentado pelo MLB pela imediata suspensão da decisão que deter minou a desocupação e a reintegração do imóvel Nos fundamentos de sua decisão o juiz citou como jurisprudência uma decisão do Ministro Ricardo Lewandowski a Ação Cautelar nº 4085 que orienta que devem ser observados os riscos de conflitos sociais em litígios de natureza 238 habitacional principalmente quando a decisão judicial é levada a efeito por força policial vejamos como é cediço a jurisdição é atividade estatal que tem como escopo principal a pacificação de conflitos sociais garantindo os direitos que os atores sociais já não podem mais defendêlos ou tutelálos individualmente Na hipótese a retomada da posse pode ser vista como fator de exacerbação do litígio em questão em especial quando o cumprimento da ordem judicial é levada a efeito por força policial desacompanhada de maiores cuidados com o destino dos evictos Nesse contexto considerando as informações trazidas aos autos de que é iminente o cumprimento de mandado de reintegração de posse agendado para o dia 1712016 para a retirada de mais de 10000 dez mil pessoas sem a apresentação dos meios para a efetivação da remoção como caminhões e depósitos sem qualquer indicação de como será realizado o reassentamento das famílias e tendo em conta o risco considerável de conflitos sociais exem plificados por episódios recentes como a desocupação da área do Pinheirinho em São José dos CamposSP bem como a de um antigo prédio na Avenida São João em São PauloSP entendo que o imediato cumprimento da decisão poderá catalisar conflitos latentes ensejando viola ções aos fundamentais daqueles atingidos por ela Portanto neste exame perfunctório do caso próprio das ações de natureza cautelar entendo presentes os requisitos necessários à concessão da medida de urgência pleiteada Isso posto defiro o pedido liminar para atribuir efeito sus pensivo ao recurso extraordinário suspendendo os efeitos do acórdão recorrido até julgamento dessa ação cautelar Determino em consequência a suspensão da ordem de reintegração de posse agendada para 1712016 Comuniquese com urgência ao Tribunal de Justiça do Esta do de São Paulo Publiquese Brasília 13 de janeiro de 2016 Ministro Ricardo Lewandowski Presidente AC 4085 MC Relator a Min DIAS TOFFOLI julgado em 13012016 publi cado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe010 DIVULG 20012016 PUBLIC 01022016 BRASIL 2016 A citada jurisprudência servindo de orientação ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para exarar a suspensão da reintegração de posse do prédio ocupado pelos Lanceiros Negros resguardou a característica excepcionalíssima dos moradores de ocupações brasileiras que resistem de forma combativa à afronta aos direitos constitucionais e aos diversos Pactos Internacionais dos quais o Brasil é signatário Essa decisão marca o primeiro conflito discursivo dentro das retóricas judiciais no caso da Ocupação Lanceiros Negros pois o de sembargador não apenas freou a força policial contra a população mas trouxe a consciência discursiva das narrativas das ocupações urbanas no Brasil que tem sofrido vilipêndios autoritários por parte do Estado com suporte jurispruden cial do Supremo Tribunal Federal STF A suspensão da ordem liminar de reintegração de posse abriu um novo capítulo no processo Instaurouse inédita rodada de negociação com a re messa do caso ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania CE JUSC espaço criado pela Justiça estadual e destinado à resolução dos litígios pela via da conciliação Houve a criação pela CorregedoriaGeral de Justiça em conformidade com as Deliberações do Comitê Interinstitucional sobre Conflitos Fundiários Urbanos de Regime de Exceção na modalidade jurisdição compartilhada a contar de 01062016 e pelo prazo de um ano para promover a conciliação 239 entre as partes nos processos que versem sobre conflito fundiário urbano co letivo edital nº 0372016CGJ O que ensejou a remessa pelo Juízo de ori gem dos autos do presente processo ao CEJUSC onde restou instaurada mesa de mediação com audiências realizadas ao longo dos meses de junho a agosto de 2016 Em decorrência do processo de negociação estabelecido no CEJUSC houve a instauração pelo Poder Executivo Municipal de Porto Alegre Portaria n 3042016 de Grupo de Trabalho voltado a elaborar proposta de colabo ração com o Estado na resolução conciliada da ocupação principalmente no que diz respeito à garantia de realocação digna das famílias após sua saída do imóvel do Estado O referido Grupo de Trabalho teve um cronograma de reu niões cumprido ao longo dos meses de setembro outubro e novembro sem contudo poder chegar a um encaminhamento conclusivo em razão do silêncio do estado até então acerca da possibilidade de construção de um projeto con junto com o município Diante da rejeição dos recursos interpostos e desconstituição do efeito suspensivo por decisão da Vicepresidência do TJRS houve o restabelecimen to da ordem liminar reintegratória do imóvel que num primeiro momento só não foi imediatamente cumprida graças à intervenção da Defensoria Pública e Ministério Público Estadual ambos manifestando preocupação com as con sequências da desocupação quanto ao acesso das famílias à rede de assistência social disponibilizada no Centro Histórico local onde está situada a Ocupação A Procuradoria Geral do Estado PGE viabilizou então um novo espa ço de diálogo paralelo ao processo em seu Centro de Conciliação e Mediação onde foi possível pela primeira vez desde que teve início o litígio promover um encontro entre as representações da Ocupação autoridades municipais e o representante do órgão de governo responsável pela política habitacional na esfera estadual Essa rodada de conciliação teve contudo uma margem de ne gociação estreita Para todos os efeitos o Estado buscou naquele meio a forma menos gravosa de dar fim à ocupação Houve visivelmente uma preocupação com o potencial impacto midiático de uma nova tentativa de desocupação for çada mediante uso da força policial Por outro lado vêse que essa preocupa ção com a redução de danos não esteve vinculada a um efetivo comprometi mento com a pauta do movimento A prioridade sempre foi reduzir os danos para a imagem do gestor público de plantão Esgotado o espaço de mediação da PGE retomouse o andamento do processo judicial reintegratório culminando na fatídica decisão da Juíza Aline Santos Guaranha àquela altura titular da 7ª Vara da Fazenda Pública em 12 de junho de 2017 240 Expeçase mandado de reintegração da posse do imóvel tal como determinado na decisão de fls 9698 ficando autorizado o uso da força policial caso necessário Ainda determino que Oficial de Justiça contate o Procurador do Estado tal como postulado à fl 254 item c con forme já consta na decisão de fls 267 Dada a excepcionalidade da medida que envolve imóvel situado no centro da Capital onde há muito movimento durante semana autorizo o cumpri mento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente se necessário evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade Oficiese aos órgãos já referidos nas decisões de fls 9698 140 e 140 verso e 267 1 à Brigada Militar e ao Corpo de Bombeiros solicitando acompanhamento para cumprimento da ordem 2 diante da possibilidade de presença de menores no local oficiese outrossim ao Conselho Tutelar para acompanhar o cumprimento da medida Conforme já mencionado na decisão de fl 172 compete à parte autora o fornecimento dos meios necessários para cumpri mento Cumprase com urgência190 Dessa vez a ordem judicial foi cumprida pela Tropa de Choque da Briga da Militar a Polícia Militar do estado do Rio Grande do Sul durante a noite culminando em uma violenta desocupação amplamente reportada pela mídia O prédio que desde novembro de 2015 abrigava a Ocupação Lanceiros Negros na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves foi alvo de uma reintegração de posse na noite desta quartafeira Para cumprir a decisão judicial a Brigada Militar utilizou gás lacrimogêneo spray de pimenta e bombas de efeito moral A ação policial se iniciou por volta das 19h horário em que uma audiência pública sobre a ocu pação era realizada no plenarinho da Assembleia Legislativa Os policiais tentaram derrubar a porta do prédio no Centro Histórico mas não conseguiram Amarraram então uma corrente na porta para arrancála com o uso de uma viatura Eram cerca de 19h30min quando policiais ingressaram na construção Um morador da ocupação que se identificou como Douglas conta que mulheres e crianças passaram mal por conta do cheiro de gás das bombas lançadas no momento que manifestantes tentavam impedir a ação Titular do Comando de Policiamento da Capital CPC o coronel Jefferson Jacques afirma que a utilização da força em casos como esse se dá conforme a resistência apresentada pelos manifestantes Foi uma resistência acima do nível que esperávamos Acreditávamos que fosse haver resis tência mas passível de negociação Os ânimos se acirraram não houve recurso e tivemos de empregar o uso da força disse o oficial acrescentando que poucas pessoas foram detidas Os advogados que representam os moradores da ocupação ligada ao Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas MLB fizeram um recurso para suspender a ação No final da noite a magistrada plantonista indeferiu o pedido Na saída do prédio um homem de origem indígena gritava A minha família passava fome e desde que eu coloquei meus pés aqui eu fui acolhido E o governo faz o que por nós Nos joga na rua Em nota o governo do Estado afirma que o local será reintegrado e ocupado pela Defesa Civil e por setores da Casa Civil Ressalta também que foram feitas sucessivas mediações e esgo 190 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Sétima Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre Processo n 11501924401 Decisão proferia pela Juíza Aline Santos Gua ranha Disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico n 6048 em 13062017 241 tadas todas as alternativas de resolução consensual de conflito ao longo de um ano e meio191 A decisão que determinou a reintegração promoveu uma singular inversão de valores e desconsiderou as argumentações constitucionais defendidas anterior mente ao autorizar o despejo das famílias no período noturno com o propósito de evitar transtornos ao trânsito Este fato somado à violência decorrente da ação militar desencadeada não passou desapercebido mesmo pelos setores mais conservadores da imprensa gaúcha A forma como ocorreu a reintegração de posse do prédio do Estado onde funcionava a Ocu pação Lanceiros Negros na noite de quartafeira 14 em Porto Alegre descumpre princípios constitucionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente segundo o comentarista da Rádio Gaúcha Claudio Brito Em seu espaço diário no programa Gaúcha Hoje desta quintafeira 15 Brito questionou a situação a que as crianças que moravam no prédio ocupado foram expostas Me perdoem os que assim determinaram e que assim fizeram mas não poderia ter aconteci do às 19h30min num local onde havia crianças que ficaram largas horas na calçada no frio esperando que houvesse a remoção para o local que o Estado determinou É dever do Estado em relação às crianças a proteção integral E ela não se dá com bomba de gás às 19h30min afirmou Brito não contestou a necessidade da realização da reintegração de posse de um imóvel perten cente ao Estado mas sim as circunstâncias em que esta ocorreu Além disso ele também cita a Constituição Federal para questionar o horário escolhido para realização da desocupação O artigo 5º inciso XI da Constituição Federal afirma que a casa é asilo inviolável do indiví duo ninguém nela podendo penetrar sem autorização do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou ainda para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial disse192 No dia 21 de junho de 2018 um ano após a reintegração o poder judici ário emite sentença193 e o edifício onde existia a ocupação Lanceiros Negros per manece fechado lacrado sem destinação alguma até hoje A sentença prolatada pelo Juiz Gilberto Schäfer reconhece a obrigatoriedade constitucional de que os bens públicos estão sujeitos a cumprir função social e que o Governo do Estado tem obrigação em promover serviços públicos às populações vulneráveis e afirma As pessoas vulneráveis não podem ficar indefinidamente em cadastros ou depen der apenas da caridade de parentes ou de pessoas de bom coração Todavia sua tardia decisão julga procedente a ação de reintegração de posse o que define a 191 ZERO HORA BM cumpre reintegração de posse em prédio que abriga a Ocupação Lanceiros Negros em Porto Alegre Notícia veiculada em 14062017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscombrportoalegre noticia201706bmcumprereintegracaodeposseempredioqueabrigaaocupacaolanceirosnegrosempor toalegre9816507html Acessada em 18042018 192 ZERO HORA Claudio Brito A proteção das crianças não se dá com bomba de gás Notícia veiculada em 15062017 Disponível em httpsgauchazhclicrbscombrportoalegrenoticia201706claudiobritoaprote caodascriancasnaosedacombombadegas9816877html Acessado em 18042018 193 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Sétima Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre Processo n 11501924401 Decisão proferia pelo Juiz Gilberto Schäfer Disponibilizada no Diário de Justiça Eletrônico n 6294 em 28062018 242 legalidade dos atos opressores do Estado contra a Ocupação Lanceiros Negros e ainda condena ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R120000 E assim termina a trajetória processual da Ocupação na justiça brasileira Narrativa final a Ocupação não possuía direito ocupar o espaço urbano foi expulsa e condenada por tentar viver na cidade O JUDICIÁRIO COMO AGENTE MANTENEDOR DA EXCLUSÃO SOCIAL CONFLITO DE DISCURSOS NO INTERIOR DO ÓRGÃO JULGADOR A judicialização da ocupação Lanceiros Negros trouxe à tona a dura insen sibilidade do Poder Judiciário para com as pautas sociais Explicitou a bem da verdade uma instituição que ainda está longe de incorporar na plenitude o pa pel garantidor dos direitos fundamentais sociais preconizados pela Constituição Federal vigente desde 1988 A solução final encontrada pelo sistema de justiça para a ocupação culminando no violento despejo deflagrado na noite de 14 de junho de 2017 revelou ao fim a fragilidade da própria democracia brasileira cujo Estado de Direito não está de fato acessível a todos como bem observou a jornalista e cronista Eliane Brum Em Porto Alegre a Polícia Militar do governador José Sartori PMDB promoveu uma ação de guerra contra 70 famílias da Ocupação Lanceiros Negros que há um ano e sete meses ocu pavam um prédio público abandonado por uma década Escolheu fazer isso numa noite fria e com a cidade esvaziada por um feriado prolongado Esta última violência de Estado tem uma particularidade que ajuda a iluminar a deformação de nossa democracia que se infiltra em todos os territórios simbólicos com efeitos de catástrofe no plano concreto A PM cumpria uma reintegração de posse da juíza Aline Santos Guaranha na qual ela explicita em que condições o despejo das famílias deve ser feito o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente se necessário evitando ao máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e o funcionamento habitual da cidade Que a vida humana de homens mulheres e crianças seja ameaçada e que sejam jogados nas ruas geladas durante a noite não é um problema O que importa é que o trânsito de carros continue fluindo e que o funcionamento da cidade que pertence apenas a alguns pelo que se deduz não seja perturbado por gritos e desespero de crianças aterrorizadas O mais importante não é a integridade da vida humana mas a reintegração de posse de um bem que o Estado deixou abandonado sem nenhum uso social e público194 A judicialização da ocupação se deu pela via da ação de reintegração de posse No CPC1973 lembrando que a ação foi ajuizada ainda na vigência desse 194 BRUM Eliane A Lava Jato como purgação e maldição para refundar a democracia é preciso bem mais do que combater a corrupção é preciso produzir justiça e memória dos crimes contra a vida humana cometidos pelo Estado Coluna veiculada na edição digital do jornal El País em 26062017 Disponível em httpsbrasilelpais combrasil20170626opinion1498488947331660html Acessado em 18042018 243 Código a Ação de Reintegração de Posse integra o rol das Ações Possessórias no Livro dos Procedimentos Especiais arts 924 ao 928 Trecho normativo con cebido exclusivamente para tutelar a defesa do direito privado e digase alheio à realidade dos conflitos fundiários urbanos O Novo CPC nesse aspecto revela maior sensibilidade ao dispor tratamento especial para os casos de ação possessó ria em que figure no polo passivo grande número de pessoas assegurando por exemplo citação pessoal e intimação do MP e Defensoria Pública para compor o processo nos casos em que houver pessoas em situação de hipossuficiência econô mica art 554 1 além de dispor que deve haver audiência de mediação como condicionante legal para o prosseguimento do processo de reintegração O processo da ocupação Lanceiros Negros é emblemático porque revela a forma como o Estado enquanto não garantidor de direitos fundamentais trata as demandas habitacionais como demandas de natureza de Direito Privado A destacar por parte da PGE a opção pela propositura de ação de reintegração de posse E por parte da Justiça Estadual o pronto reconhecimento da hipótese de incidência da reintegração liminar do art 928 do CPC pela qual basta a petição inicial estar devidamente instruída leiase basta provar a posse e o esbulho para o juiz deferir sem possibilitar ouvir a narrativa das populações definidas proces sualmente como o réu a expedição do mandado liminar de reintegração Essa es tratégia discursiva dos órgão judiciais são muito além de um mero reducionismo é uma forma de supressão de narrativa como forma de governamentalidade bio política que impede o devido debate de questões constitucionais que poderiam dirimir demandas sociais habitacionais A questão que se apresenta é a seguinte considerando o contexto de notó ria omissão do Estado em assegurar o acesso universal da população à moradia considerando que o déficit habitacional submete os desprovidos de moradia a uma situação severa de vulnerabilidade em especial em se tratando de pessoas desalojadas dentro do espaço urbano das metrópoles considerando ainda que a Constituição Federal consagra o princípio da função social da propriedade urba na art 182 2º pode o Estado pela via da ação reintegratória de posse desa lojar pessoas ocupantes de prédio público ao qual não é conferido qualquer uso sem ao menos assegurar a realocação destas pessoas em habitações que preen cham os padrões básicos da garantia da dignidade humana Eis questionamentos da narrativa vencida que não foi ouvida pela instância judicial A repercussão geral da matéria é flagrante tendo em vista que o pleito por acesso à moradia está presente em todos os entes federados havendo a constante repetição de casos semelhantes em que a reintegração de posse dos bens imóveis urbanos do Estado frequentemente desconsidera i a análise da inexistência de efetiva destinação social destes imóveis como fator determinante da ocupação por pessoas desprovidas de habitação ii a possibilidade de se conferir ao imóvel 244 sem uso destinação voltada às políticas de garantia do acesso à moradia dentro do contexto social de ocupação como forma de provocação do Estado a suprir omissão de garantia de habitação às pessoas que não são alcançadascontempla das pelos programas tradicionais de financiamento de moradia ou que se encon tram em situação de miserabilidade que inviabiliza a vinculaçãoquitação destes programas de financiamento iii o dever do Estado de assegurar previamente ao ato reintegratório a realocação das famílias desalojadas em habitações dignas para sua subsistência básica Ao proceder dessa forma o judiciário opera como dispositivo de controle biopolítico e não mais como lugar de solução de confli tos nem de cumprimento de normas constitucionais tão pouco como órgão de promoção de justiça e de democracia Portanto mesmo estando presentes elementos suficientes ao acolhimento do litígio no espaço do Direito Público e mesmo após três décadas de vigência do regime constitucional do Estado Democrático de Direito persiste a judiciali zação dos conflitos fundiários urbanos sob a lógica restrita do direito privado E a perpetuação dessa lógica não se dá ao acaso por isso que s aponta as estratégias biopolíticas de supressão de narrativa das populações vencidas como lógica de governamentalidade dos corpos A guerra contra as populações continua FOU CAULT 2010 p7374 a ser travada nos territórios urbanos o judiciário é um dos campos de batalha em que se tornam legais os atos contra a população Os juízes podem estar divergindo entre si mas por enquanto as políticas autocráticas e segregacionistas ainda prevalecem na democracia brasileira do século XXI Proposta a ação reintegratória pelo Estado em nenhum momento o Ju diciário se dispôs a acolher sequer a discussão sobre o cabimento de uma ação dessa natureza para tratar de uma questão cujo cerne é o direito fundamental à moradia as políticas públicas a ele associadas e em última instância a omissão do Estado enquanto garantidor do acesso universal à habitação Não há nas deci sões proferidas tanto na primeira quanto na segunda instância qualquer determi nação ou encaminhamento relacionado à judicialização da questão habitacional enquanto tema de direito público SIMON 2007 Mesmo no CEJUSC ambiente teoricamente voltado à conciliação dos li tígios atuando sob regime de exceção voltado à conciliação nos processos que tratem de conflitos fundiários urbanos houve uma abordagem restritiva do pro cesso buscando apenas a forma mais ágil de se proceder à desocupação O Judi ciário apresenta às ocupações um espaço de nãoacolhimento de supressão de narrativa um corredor polonês no qual as pessoas são reprimidas e lançadas ao desalojamento como único fim possível Para que regressem às periferias de onde jamais deveriam ter saído Assistir às audiências conciliatórias do CEJUSC é em essência uma aula de sociologia da opressão de como o Estado instrumen taliza o Direito como arma de seu Poder Policial de manutenção dos excluídos 245 na sua condição de nãocidadãos apátridas desterrados nas periferias de nossas metrópoles Sobre a responsabilidade do Poder Judiciário no agravamento da desigualdade social brasileira cabe referir a seguinte análise feita por Luís Felipe Miguel professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Em seu conjunto o Poder Judiciário atua como avalista da desigualdade e das relações vigentes de dominação o que corresponde aliás à posição do direito como código da violência pú blica organizada como escreveu Poulantzas O que chama atenção do Brasil é que o Judiciário ocupa a posição de ponta de lança da luta de classes cumprindo papel crucial na produção aplicação e em particular legitimação das medidas que implicam retrocessos para a classe trabalhadora e outros grupos em posição su balterna O que permitiu isso foram mudanças ocorridas nas últimas décadas e saudadas em geral como avanços Desde a promulgação da Constituição de 1988 observadores da política brasileira têm falado do crescente protagonismo do Poder Judiciário A Carta constitucional garantiu prerrogativas estendidas e propiciou mudanças de comportamento dos agentes levando aos fenômenos pa ralelos da judicialização da política que faz as disputas passarem a ser resolvidas nos tribunais e do ativismo judiciário pelo qual o poder relativiza sua caracterização tradicional como iner te avoca a si a iniciativa da ação e toma decisões que seriam do Legislativo ou do Executivo Outra inovação da Constituição foi a enorme ampliação do âmbito de atuação do Ministério Público órgão vinculado ao Poder Executivo mas que cumpre funções judiciárias O papel do Judiciário na canalização das disputas e a crença disseminada de que os tribunais são capazes em algum grau de aplicar a lei tal como ela está formulada fazem nascer uma sensação de abandono quando deparamos com uma situação de arbitrariedade judicial indis farçada A quem vamos recorrer quando até a Justiça é injusta É a realidade de um país que passou de uma democracia formal limitada para uma democracia menos que formal cujas instituições não se preocupam mais em disfarçar sua tendenciosidade em favor dos poderosos Como instituição política que é o Poder Judiciário é sensível à correlação de forças na socieda de É a resistência contra os retrocessos o aumento na mobilização social o protesto contra as arbitrariedades e a desobediência civil que podem restaurar o funcionamento mínimo de uma justiça burguesa que ainda que sem perder o qualificativo burguesa possa aspirar ao nome de justiça195 Sob essa conjuntura o sistema de justiça resiste em acolher os conflitos fundiários urbanos no campo do direito público Algo necessário para que se dê efetividade à tutela do Estatuto das Cidades e demais normativas relativas ao campo do direito habitacional garantindo às ocupações sua legitimação enquan to atos reivindicatórios promovidos por cidadãos em estado de vulnerabilidade habitacional com propósito de obter do Estado a efetivação das políticas públicas indispensáveis ao direito fundamental à moradia Embora a Judicialização não se preste a substituir a luta política sua atu ação complementar é de grande importância para a concretização das pautas so 195 MIGUEL Luis Felipe Poder Judiciário a ponta de lança da luta de classes Le Monde Diplomatique Brasil Ano 11 número 128 março de 2018 Pág 45 Disponível em httpsdiplomatiqueorgbrpoderjudiciariopontade lancadalutadeclasses Acessado em 18042018 246 ciais O direito como espaço de cobrança do povo frente ao Estado em lugar do direito como mero mantenedor do status quo de opressão e do Estado policial eis o desafio que se põe às assessorias jurídicas dos movimentos sociais CANO TILHO 2010SIMON 2007 No contexto temporal atual especificamente de enfraquecimento dos espaços institucionais que tradicionalmente acolhiam as pautas sociais sindicatos partidos políticos de esquerda e entidades pastorais de base da Igreja Católica ressurge o protagonismo dos movimentos sociais concebidos em torno de pautas específicas E o desafio da legitimação destes mo vimentos enquanto instituições representativas dos excluídosSANTOS 2002 onde a ocupação social dos espaços é o instrumento reivindicatório possível não podendo ser caracterizado como esbulho possessório a legitimar a reintegração de posse sob pena de se conferir à ação reintegratória uma finalidade inibitória do exercício do direito político de reivindicação hipótese jamais prevista na norma processual que regulamenta referido instrumento No caso da ocupação Lanceiros Negros há a convergência de pessoasfa mílias em estado de vulnerabilidade habitacional em torno do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas MLB enquanto entidade que se propõe a de fender a cobrança de políticas públicas que assegurem a universalização do acesso à moradia digna na região metropolitana de Porto Alegre Sobre essa questão cumpre referir importante decisão proferida no processo que opôs o Departa mento Municipal de Habitação de Porto Alegre DEMHAB e alguns dos prin cipais movimentos por moradia que atuam na cidade Uma ação de reintegração de posse ironicamente196 proposta pelo órgão encarregado de cuidar das políticas públicas de habitação contra as organizações coletivas que ocuparam sua sede administrativa a fim de pressionarem pela acolhida das pautas de enfrentamento da estagnação e precarização dos programas habitacionais de responsabilidade do município Decisão proferida pela Juíza Karla Aveline de Oliveira da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre processo n 00111600924787 demonstra que o judiciário brasileiro tem total clareza da discussão que envolve esse conflito e mais importante a denúncia de que o ju diciário tem se portado como dispositivo de controle não decorre da postura da totalidade dos magistrados197 Do pedido liminar Da leitura fria e isolada do artigo 561 do NCPC de início poderseia concluir pelo deferimento do pedido liminar afinal constituise fato incontroverso que a au 196 Apear da ironia dada a essa realidade fica evidente que o DEMHAB integra às estruturas de controle populacio nal ao subverter a sua finalidade declarada evidencia seu propósito biopolítico que é catalogar e identificar as populações dissidentes a serem perseguidas pelo poder de polícia e pelos órgãos judiciais 197 Aqui delongase a examinar a decisão pois esta é de extrema relevância para o tema em questão visto que possibilita demonstrar que a crítica que aqui se imputa ao judiciário não é generalista mas voltada aos órgãos e magistrados que trabalham contra as demandas sociais habitacionais e afastam as reflexões sobre a responsabili dade Estatal e os direitos constitucionais desses debates judiciais 247 tarquia detém a posse e propriedade do bem imóvel Ademais como dito traduzse em fato público e notório que diversos movimentos sociais ocupam o saguão do imóvel em questão desde o dia 14072016 Contudo tenho que sob a simplista ótica processual deduzida na peça inicial não se pode visualizar por completo o fenômeno que se apresenta Repito os movimentos sociais não têm qualquer intenção explícita ou fugidia de se apossar do bem público sede da autarquia autora Na verdade o ajuizamento da presente ação possessória ainda que se trate de mecanismo processual colocado à disposição da autora para a proteção dos seus alegados direitos apresenta um falso problema pois desde o início jamais se tratou de simples questão possessória198 Desse ponto de vista o aforamento da presente ação assinala antes de mais nada a dificuldade que a autarquia apresenta de lidar com as questões que lhe são afetas ultrapassando etapas salutares e construtivas de aproximação empatia e flexibilização de postura na medida em que ao ajuizar a presente ação menos de vinte e quatro horas da ocupa ção deixou de aproveitar a oportunidade de construir espaço de diálogo e entendimento com parcela significativa da sociedade Como resta evidente os movimentos almejaram criar um fato político tendente a chamar a atenção do Município para direito coletivo não o direito de determinada família ou indivíduo mas de toda a coletividade de cidadãos pobres marginaliza dos e invisíveis A intenção sempre foi a de ampliar a visão sobre aqueles que não são atendidos adequadamente pelas políticas públicas municipais na área da habitação199 Com idêntico olhar no sentido de que singelo pedido de reintegração de posse em ação posses sória está absolutamente divorciado do real conflito existente por trás das ocupações transcrevo trecho de recente declaração de voto vencedor nº 31637 da lavra do Revisor Magalhães Cou to por ocasião do julgamento do AI nº22432322520158260000 comarca de São Paulo TJSP em que se negou a concessão de ordem de reintegração de posse nas escolas públicas do Estado de São Paulo ocupadas por estudantes secundaristas em arremate a questão não pode ser resolvida pela judicialização na via possessória mas pelos canais institucionais próprios ao diálogo entre as diversas visões do problema próprios aliás daqueles envolvidos na relevante política pública da educação Aliás é preciso ter coragem de se dizer que o ajuizamento dessa ação além de sua evidente impropriedade técnica consti tuise verdadeira irresponsabilidade e irracionalidade porque não se resolve com repressão um legítimo movimento de professores e alunos Não será portanto com essa postura de crimi nalizar e Satanizar os movimentos sociais e reivindicatórios legítimos que o Estado Brasileiro alcançará os valores abrigados na Constituição Federal a saber a construção de uma sociedade justa ética e pluralista no qual a igualdade entre os homens e a dignidade de todos os cidadãos deixe se ser uma retórica vazia para se concretizar plenamente200 Tratandose de conflito natural em um estado democrático onde de um lado temse a autar quia proprietária e possuidora do bem e de outro inúmeras famílias e movimentos sociais insatisfeitos com a ausência de políticas habitacionais para a população de baixa renda cumpre ao juiz exercer sua função jurisdicional visando otimizar esses direitos e garantindo um espaço que proporcione o debate democrático a respeito dessas carências e das obrigações do Municí pio frente às demandas e a ordem constitucional A Ocupação não quer se apropriar do bem público A Ocupação quer ter voz e vez O direito à moradia vem sendo reconhecido como um direito humano fundamental desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos artigo XXV passando pelos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econô 198 Aqui a magistrada demonstra claramente compreender a existências de duas diferentes narrativas uma autoritária vinda do Estado Policial e outra proveniente de uma demanda social de população vulnerável 199 O discurso da magistrada vai muito além da sensibilização com causas sociais denuncia a omissão estatal em dialogar com a população e adotar postura vertical sobre a problemática social de maneira o conflito possa ser agravado devida a essa forma de atuação 200 Mais uma vez aquele que representa em carne o poder judiciário mostra não estar sozinho em defender a consti tuição a democracia e a vida diante aos conflitos urbanos e aponta jurisprudência absolutamente pertinente para atacar o dogmatismo policialesco 248 micos Sociais e Culturais instituídos pelas Nações Unidas em 1966 e com entrada em vigor em 1976 respectivas ratificações através do Decreto nº 592 de 06 de julho de 1992 e Decreto nº 591 da mesma data Ainda restou expressamente consignado na Constituição da Repúbli ca caput do art 6º que São direitos sociais a educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o transporte o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados na forma desta Constituição Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90 de 2015 E nesse sentido impõese reconhecer a legitimidade dos movimentos populares que repre sentam as pessoas de baixa renda sem acesso à moradia Sabese que cumpre ao município de Porto Alegre em razão da obrigação constitucional dos entes municipais de executar política de desenvolvimento urbano destinada a ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes CF art 182 caput a execução da política urbana com amparo no Estatuto da cidade Lei nº 102572001 entre outras Assim do quadro que se percebe destes autos a omissão da autarquia é que está sendo denunciada e publicizada através da Ocupação201 O Estado brasileiro em todas as instâncias de poder deve estar comprometido com a adoção de medidas que visem assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno exercício dos direitos por ele reconhecidos razão pela qual constitui obrigação a construção de uma legislação instrumentos programas e planos de ação sobre política habitacional de modo a garantir efetivamente esse direito para todos os cidadãos brasileiros Por evidente ressalta NELSON SAULE JÚNIOR essa obrigação não significa que o Estado brasileiro deve prover uma moradia para cada cidadão mas sim que fundamentalmente deve impedir a regressivi dade do direito à moradia impedindo ações e medidas que dificultem ou impossibilitem o exercício desse direito e ainda intervir e regulamentar as atividades do setor privado referen te a política habitacional como a regulamentação do uso e acesso à propriedade imobiliária em especial a urbana de modo que atenda sua função social regulamentar o mercado de terra dispor sobre sistemas de financiamento de habitação de interesse social regulamentar e dispor sobre o uso do solo urbano sobre o direito de construir dispor sobre instrumentos tributários dispor sobre os regimes de locação de concessão de uso para fins de moradia como forma de garantir o acesso de todos ao mercado habitacional em especial para aqueles que não tem esse acesso e aos que vivem em condições precárias de habitabilidade sem uma vida digna Como subscritor de vários dessas convenções e declarações tendo ainda ratificado os pactos acima indicados e consequentemente introduzindo na nossa ordem jurídica o direito à mo radia antes mesmo da Emenda Constitucional nº 26 de 14 de fevereiro de 2000 compete ao Estado em todas as suas expressões de poder a adoção de medidas concretas para sua implementação Portanto patente a responsabilidade do município de Porto Alegre o qual pode recorrer ao parcelamento edificação ou utilização compulsórios da propriedade urbana Estatuto da Cidade art 5º conta com instrumentos tributários para sua implementação art 7º e pode desapropriar em nome da política urbana art 8º e por interesse social Por tudo isso diante das variadas demandas dos movimentos sociais que ocuparam o saguão da sede da autarquia tenho por qualificar o movimento dos ocupantes como manifestação de desobediência civil202 que nas palavras de Antônio Carlos Wolkmer pode ser conceituado como um ato de protesto público e não violento um modo de resistência pacífica à injustiça das leis e das decisões do EstadoWOLKMER 1990 E de fato a ocupação aconteceu de forma pacífica e pública com o objetivo de sensibilizar e angariar apoio dos mais diversos setores da sociedade aliás várias entidades e associações assim 201 Observase que nesta decisão a julgadora compreende claramente a inversão de papel que a autarquia realiza ao oprimir aqueles que deveria acolher 202 A magistrada reconhece diretamente a narrativa emitida pelos movimentos sociais em denunciar a opressão Estatal 249 já procederam Ainda a ocupação se deu modo voluntário com plena consciência de que o ato é correto e justo justificando sua ação por uma incompatibilidade que existe entre a lei que questiona e suas convicções políticomorais e pacífico A desobediênciacivil por sua própria definição implica a particularidade de certos requisitos a urgência da situação objetivada a imperiosidade de dar a conhecer pontos de vista arbitrariamente relegados opressão das mi norias violações constitucionais por parte dos órgãos estatais etc Em razão disso é de reconhecer que o direito de reivindicar o atendimento e realização de direito fundamental à moradia estabelecido pela Constituição da República que em última análise é no que se traduz a Ocupação do DEMAHB situase no campo dos direitos de cida dania e pois constituise em atividade legítima Não se trata contudo de antecipadamente reconhecer sempre a justeza dessas condutasmas de reinterpretálas e contextualizálas compreendendo o campo do direito também como um espaço de conflitos onde reivindica ções sociais podem ser debatidas e decididas à luz de critérios jurídicos que não se resumem à lei Assim em razão de todo o exposto indefiro pedido de reintegração de posse Ainda que encarnando a mobilização pela via da desobediência civil os movimentos sociais devem ser reconhecidos e incorporados ao ordenamento ju rídico enquanto instituições representativas do exercício da cidadania ativa por quem de algum modo esteja submetido à condição de vulnerabilidade preca riedade ou marginalização no que diz respeito ao acesso ao pleno exercício dos direitos fundamentais O espaço de cobrança dos excluídos de resistência pela democracia pela vida e por poder viver no espaço urbano Tratase basicamente de dar liberdade ao povo para colaborar na construção das instituições que em conjunto dão forma àquilo que pretende ser um Estado Democrático de Direito O intuito de se trazer a íntegra do discurso da magistrada não é de lecionar mas de evidenciar o fluxo discursivo pródemocracia próconstituição e em defe sa da vida que existe no judiciário brasileiro Por isso a principal denúncia que se faz nesse estudo não é de que o judiciário brasileiro é autoritário mas que apesar do autoritarismo que ainda reside nos órgãos julgadores o fluxo das narrativas democráticas plurais e constitucionais está acontecendo Apesar dos discursos biopolíticos subverterem as instituições para manter o controle dos territórios e populações com a hegemonia das narrativas jurisprudenciais dogmatistas e poli cialescas as narrativas dos vencidos e segregados nos núcleos urbanos brasileiros têm se acumulado nas jurisprudências atuais Pois são três décadas de democra cia em um país que o autoritarismo marcou violentamente toda a sua formação histórica e o advento da constituição de 88 não foi o suficiente para alterar os discursos presente nos órgãos judiciais Ao encerrar esse texto sobre a atuação do judiciário e órgãos estatais sobre o caso da Ocupação Lanceiros Negros é importante lembrar que se apresentam críticas generalistas de que todos aqueles que atuam nessas instâncias agem con tra as normativas constitucionais e oprimem essas populações Pelo contrário ficou demonstrado como os discursos biopolíticos de opressão proveniente de desembargadores magistrados e demais órgãos Estatais são controversos e que inclusive é refutado dentro do próprio judiciário por aqueles que compreendem 250 as teorias democráticas de gerenciamento de espaço urbano e da importância de uma atuação copartícipe por parte do Estado conjuntamente com as populações segregadas Dessa forma a discussão do caso da Ocupação Lanceiros Negros pos sibilita repensar as narrativas que transitam na prática da epistemologia jurídica brasileira REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Homo sacer o poder soberano e a vida nua v 1 Belo Horizonte UFMG 2002 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional como ciência de direcção núcleo essencial de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade contriguto para a reabili tação da força normativa da constituição social In CANOTILHO J J Direitos fundamen tais sociais São Paulo Saraiva 2010 CAPONI Sandra Michel Foucault desdobramentos Org NALLI Marcos MANSANO Sonia Regina Vargas Belo Horizonte Autêntica Editora 2016 COMARU Francisco Em defesa da habitação social nas áreas centrais Le Monde Diploma tique Brasil ano 6 nº 62 setembro de 2012 CHIGNOLA Sandro Foucault oltre Foucault una política della filosofia Roma DeriveA pprodi 2014 DARDOT Pierre LAVAL Christian Comum ensaio sobre a revolução no século XXI São Paulo Boitempo 2017 DELEUZE Gilles Foucault São Paulo Brasiliense 1998 FRANCO DE SÁ Alexandre Metamorfose do Poder prolegómenos schmittianos a toda a sociedade futura Coimbra Ariadne Editorial 2004 p 41 FOUCAULT Michel É preciso defender a sociedade Curso no Collège de France 1975 1976 Tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira Lisboa Livros do Brasil 2006 História da sexualidade Volume I vontade de saber 13ª Ed Rio de Janeiro Graal 1988 Sociedade punitiva São Paulo Martins Fontes 2002 Segurança Território e População São Paulo Martins Fontes 2008 LEFÈBVRE Henry La presencia y la ausencia Contribucion a la Teoria de las Representacio nes Cidade do México Fondo de Cultura Econômica 1983 O direito à cidade São Paulo Editora Moraes 1991 MBEMBE Achille Necropolítica Sobre el gobierno privado indirecto Santa Cruz de Tene rife Melusina 2011 Necropolítica São Paulo N1 2018 MIGUEL Luis Felipe Poder Judiciário a ponta de lança da luta de classes Le Monde Di plomatique Brasil Ano 11 número 128 março de 2018 Pág 45 Disponível em https diplomatiqueorgbrpoderjudiciariopontadelancadalutadeclasses Acessado em 1804 2018 ROLNIK Raquel O que é cidade São Paulo brasiliense 2004 SANTOS Boaventura de Sousa AVRITZER Leonardo Introdução para ampliar o cânone democrático In SANTOS Boaventura de Sousa Democratizar a democracia os caminhos da democracia participativa Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 251 SIMON Jonathan Governing Through Crime how the war on crime transformed American Democracy and created a Culture oh fear Oxford Oxford University press 2007 SPÓSITO Maria Encarnação Capitalismo e urbanização São Paulo Contexto 2000 Multipolicentralidade urbana Presidente Prudente UNESPGASPERR 1996 SPÓSITO Roberto Bios biopolítica e filosofia Lisboa Edições 70 2010 WEIZMAN Eyal Hollow Land London New Left Books 2007 WOLKMER Antônio Carlos Desobediência civil nas sociedades democráticas Revista Sequ ência estudos jurídicos e políticos v11 n20 1990 252 ENTRE VITIMIZAÇÃO OPRESSIVA E JUSTIÇA EMANCIPATÓRIA ARTICULAÇÕES ENTRE FEMINISMO E JUSTIÇA CRIMINAL203 Ileana Arduino204 CENA PUNITIVA A reflexão sobre a associação entre feminismo e punitivismo deve ser co locada em relação ao contexto mais amplo da questão de segurança com a nova racionalidade política dominante A expressão Governing through crime livremente traduzida como go vernando através do crime cunhada por Jonathan Simon 2011 resulta útil para pensar essa articulação como uma expressão concreta em que os discursos as subjetividades as técnicas de governo estão regidas pela lógica da segurança e da regulação do crime Assim categorias como penalidades garantismo resso cialização segurança junto com debates em torno da figura de juízes e discussões encaixadas no binômio vítimasvitimizadores desbordam os domínios habituais do campo jurídico Se governa com o controle do crime e da quimera do risco zero como epicentro se regulariza a intervenção penal diante as formas mais dis similares de conflito social Não se trata de ampliação da discussão pública avançando sobre domínios do conhecimento que como o jurídicojudicial estão geralmente nas mãos das corporações especializada A discussão diante de formas cada vez mais diversifi cadas de conflito social é enquadrada em uma cena prémoderna e reacionária em que a intervenção punitiva não é colocada em discussão todo conflito é reduzido a uma expressão criminosa é normalizado que vivemos cercados de cri mes e ao mesmo tempo opera a ilusão da ordem agora impelida por um outro perigoso aumentando o crescimento de uma divisão social e cultural entre nós 203 Texto original em espanhol intitulado Entre la victimización opresiva y la justicia emancipatoria Articulaciones entre feminismo y justicia penal publicado no livro de Nijensohn Malena Lorey Isabell Cano Virginia Minici Florencia Arduino Ileana Los feminismos ante el neoliberalismo Ediciones la Cebra Latfem 2018 Pág 5162 tradução para o português feita por Fernanda Martins 204 Ileana Arduino é argentina advogada com orientação em direito penal UBA coordenadora do grupo de traba lho Feminismos e Justiça Penal do INECIP Mestre na Becs Cosecha Roja para jornalistas e editores da América Latina no módulo sobre violência de gênero e crimes de ódio 253 e eles juntamente com os novos níveis de medo e insegurança que causaram a muitos a por favor o ressurgimento de um poder estatal mais repressivo Gar land 2005 p 196ss A concepção do Século XIX de que a intervenção repressiva somente é legítima na medida em que se trate de um recurso excepcional perdeu sentido atualmente a legitimação vem do reconhecimento da condição de vítimacujos contornos se delineiam em oposição à condição de vitimários Exemplos co muns como estar com as vítimas ou com os criminosos ou a aprovação de leis com nomes de vítimas são exemplos desses efeitos Simon sobre o assunto afirma 2011 p 153 Somos vítimas do crime Nós somos os entes queridos das vítimas do crime Em primeiro lugar somos nós que vivemos com medo de sermos vitimados pelo crime dos nossos entes queridos Embora não seja a identidade em que a maioria de nós se reconhece nossas práticas sociais e o modo como nossos legisladores elaboram leis são testemunhas disso Ao promulgar leis que im plícita e cada vez mais vezes explicitamente nos consagram como vítimas reais e potenciais os legisladores definiram a vítima do crime como o sujeito político idealizado o sujeito modelo cujas circunstâncias e experiências eles se tornaram sinônimo do bem comum Nesse sentido a reflexão sobre o par feminismopunitivismo e suas rela ções deve ser considerada reconhecendo a amplitude do contexto para não cair no deslize de reduzir o problema ao surgimento de demandas feministas ou na redução do feminismo a expressões punitivas quase colocálos em relação sinô nima Desde o feminismo tal como ocorreu com a lucidez esclarecedora no fe minismo afro que se consubstanciou com as reivindicações abolicionistas ad vindas das lutas antirracistas Davis 2005 e Hooks 2004 pp 4950 resulta importante compreender e posicionarse melhor frente às instrumentalizações das demandas contra a violência de gênero a serviço da expansão do aparelho de persecução criminal O GARANTISMO CÚMPLICE Existem certas versões do garantismo que forçam a objeção punitivista sob um sistema de interpretações que desmerecem as demandas mais elementares de justiça e confundem reivindicações de eficácia com inflação penal Ao mesmo tempo costumam invocar argumentos subalternizantes como os da ingenuida de daquelas dispostas como devotas irracionais frente ao sistema de justiça mas nunca como atrizes lúcidas ao assumir taticamente a reivindicação de uma ferra menta hierárquica de conflitos como é o sistema de justiça criminal Esse tratamento das pautas por direitos diante dos casos de violência de gênero desde as mais diversas gravidades é possível quando o campo judicial co 254 loca as partes em posições de suposta simetria negando a existência das múltiplas hierarquias concorrendo sobre os corpos entre as quais o sistema sexogênero ocupa um lugar fundamental Aí as noções dogmáticas de neutralidade e igual dade cumprem o papel de ficções jurídicas que encobrem violências Tratase de invocações do sistema de garantias que contradizendo inclusi ve seu pressuposto básico garantir limites frente ao abuso de poder Ferrajoli 1999 resultam produtoras dessa impunidade seletiva bebendo da tradição não tão distante de considerar a violência interpessoal como um assunto privado de menor envergadura e encobrir opressões legais baseadas no gênero A tarefa se completa com a presciência de toda epistemologia feminista e o desconheci mento sobre os aportes do feminismo em geral com efeitos muito específicos na maneira de visibilizar e compreender A insistência da dogmática jurídica em ignorar os estudos feministas Laur rari 2007 p 77 ss conduz a que situações ressignificadas e redefinidas sob o en tendimento da opressão de gênero e a desnaturalização do que até recentemente era normal continuam a ser negadas como formas relevantes de violência justo por parte do sistema de justiça auxiliado pelas produções acadêmicas205 A crítica que se desdobra em relação ao feminismo quando se encapsula nos confins do punitivismo e se reduz ao fenômeno da inflação penal convive com a indiferença absoluta ao funcionamento concreto dos sistemas de justiça que quando se trata de direitos em que a condição de gênero é relevante operam protegendo o que temos chamado de impunidade seletiva Por outro lado geralmente não há nenhum acompanhamento da justiça garantista quando aquelas que caem no sistema de justiça criminal são as mulhe res em posição de vitimárias Com efeito assim como a neutralidade e a igual dade são invocadas quando elas denunciam para erradicar qualquer dimensão epistemológica que permita ver os conflitos penais sob a perspectiva de gênero quando são denunciadas acontece exatamente o mesmo sistemas penais mais ensaiados frente ao desafio dos estereótipos e nenhuma invocação garantista para acompanhar judicialmente as lutas abolicionistas provenientes do feminismo a criminalização do aborto e o lugar marginal que a questão ocupa na reflexão garantista é um exemplo eloquente 205 Um exemplo dessa relação de indiferença total é fornecido por uma referência de criminologia local quando convidado a comentar sobre um marido espancando sua parceira Eu não acredito que seja uma relação linear vítimavitimário mas um relacionamento muito mais complexo Também não faz sentido remover transitoria mente o marido do lar com o qual além disso ele é estigmatizado Estamos transferindo um conflito pessoal cheio de vínculos e sentimentos para o quadro estigmatizante do crime Estamos convertendo o comportamento de alguém que espancou sua esposa que é algo feio agressivo e desagradável em comportamento crimino soVirgolini 2005 p 254ff O reflexo de Virgolini ignora que no momento em que ele escreveu que o crime de lesão já tinha sido 84 anos previsto no Código Penal 255 CONSTRUIR VÍTIMAS MASCARAR A OPRESSÃO A resposta penal como única intervenção além de ser quase sempre poste rior às violências cujas consequências já foram produzidas é sempre uma inter venção com consequências confortáveis na cena neoliberal na qual a precariedade é instrumental o desejo de segurança individual se mantém de maneira espe cífica e tende a se afirmar em vez de questionar as demandas de autoproteção preventiva e individualista da autoimunização na precarização Lorey 2016 p 96 A crença da responsabilidade individual segundo a qual cada um responde por suas ações e pela extensão de suas capacidades legalmente padronizadas atra vés do homem médio ainda quando constitua uma resposta eficaz considera da caso a caso entendendo por eficaz a sanção em si mesma não diz nada sobre as condições estruturais e coletivas em que esses fatos se produzem A intervenção caso a caso junto com o viés da seletividade penal206alimentam a falsa ideia de que as violências de gênero são atos excepcionais cuja ocorrência se explica pe las patologias que exibem aqueles autores que excepcionalmente são detectados quando não pelas desatenções da vítima culpável ou incauta Madriz 1996 Temos então fatos desviantes aberrantes que através da judicialização obturam a compreensão do fato individual como um sintoma ou emergente de um estado de relações percorrido por hierarquias muito específicas Segato 2003 O dispositivo legal é encapsulado em categorias normativas violência homicídio femicídio fatos sociais E a intervenção limitada à racionalização jurídicojudicial costuma desconectar ou interromper os diálogos que promovem interpelações que ultrapassam a relação vítimavitimário pois como um ato é reconhecido como crime e reduzido à sua conotação legal perde reconhecimento como um conflito social coletivo que é expresso em uma série de relações de po der assimétricas Num sentido mais amplo um ato policial nunca é um mero fato Em uma sociedade em movimento o ato policial é um epicentro Jablonka 2017 p11 Não se trata de limitar a discussão para dar uma resposta afirmativa ou negativa à questão das sanções individuais mas para destacar que o retorno es tritamente punitivo é funcional para a opacidade de todos os quadros e assime trias que sustentar conflitos incluindo aqueles que a lei então reduz à lógica da infração 206 Por seletividade criminal entendese a lacuna existente entre os fatos fornecidos como crimes na lei e os fatos especificamente conhecidos nos quais a lei é efetivamente aplicada É um processo complexo em que operam muitos fatores de seletividade incluindo a operação de hierarquias com base no gênero por meio dos quais casos de violência de gênero são desconsiderados como legalmente relevantes 256 Por outro lado a resposta punitiva desliza confortavelmente quando di rigida a determinados réus mas tem que lidar com todos os tipos de dificulda des quando quem é selecionado ostenta capitais de distintas ordens diante da acusação Essa mesma falta de antecedentes criminais quando o réu se sustenta em outros privilégios é usada para reforçar a retórica do bom homem oprimi do do excesso eou do surto excepcional que se constroem exaltando etiquetas tutelares como a condição de classe caráter profissional a etiqueta do bom pai da família e da opinião favorável da comunidade Essa tarefa geralmente reforça objeções às credenciais que a suposta vítima exibe para ser reconhecida como tal Estes dias quando se obteve conhecimento do caso do estupro seguido de morte de uma menina de 11 anos na cidade de Junín província de Buenos Aires o que se tornou a principal notícia foi a ausência de registro criminal anterior do acusado Isso produziu um hiato explicativo que discursivamente começou a ser preenchido com outros atributos do acusado aqueles que derivam de sua posi ção marginal Nesse cenário o surgimento de demagogias punitivas diminuiu talvez porque o lombrosianismo habitual não pudesse ser implantado embora saibamos há muito que na prisão são identificados apenas os psicopatas os estupradores em série que mutilam bucetas com cacos de vidro ou pedófilos que atacam meninas jovens Porque os condenam o estupro Mas isso que eles prati cam isso é outra coisa sempreDespentes 2016 p30 A condição de reincidente oferece conveniência discursiva um guia de leitura que embora pudesse estar lá iluminando o fracasso estrutural de inter venções punitivas materializadas em um recinto com certas características supera o aparente fracasso para se tornar um pilar explicativo do próximo crime e do recrudecimento punitivo que virá na sequência O punitivismo é cômodo também com a versão da vítima exigida pelo pa triarcado aquela que com a sua conduta moral e social tenta e sem extrapolar os riscos que o regime de status em razão de gênero consente pode acreditar que de nenhuma maneira colabora com o fato vítimas fracas e vulneráveis Há aí tam bém um script a responder porque se realmente não quiséssemos ser estupradas teríamos preferido morrer ou teríamos conseguido matálos se as vítimas saem do ataque vivas é porque o estupro não as enojou tanto assim Despentes 2016 29 A centralidade do consentimento como um elemento cuja ausência é uma evidência fundamental para provar ofensas sexuais uma exigência que não se apresenta em nenhum outro delito implica para as vítimas uma exibição pro batória que excede em muito as circunstâncias do caso específico e traduz para 257 além dos esforços processuais para limitálo207 em uma revisão exaustiva de suas biografias porque a sobrevivência é sempre uma abertura de suspeita ao compor tamento da vítima Faz alguns dias Rachel Denhollander a jovem advogada que liderou o caso que conduziu à condenação em Michigan de Larry Nassar por abuso sexual de dezenas de meninas quando ele era o treinador de atletismo para os Jogos Olím picos publicou este testemunho Em 29 de agosto de 2016 quando eu apresentei a primeira queixa judicial contra Larry Nassar por abusar sexualmente de mim quando eu tinha 15 anos e optei por tornar pública a história que detalhava o que ele havia feito parecia como um tiro no escuro Eu me preparei da melhor maneira que pude eu trouxe comigo revistas médicas que explicavam como era um verdadeiro exame do assoalho pélvico levei meu histórico médico tinha em mãos os nomes de três especialistas preparados para testemunhar à polícia que o tratamento de Larry não era médico levei outros registros de uma visita médica que documentava que divulguei meu caso de abuso em 2004 meus diários da época e uma carta do promotor distrital do distrito vizinho que co locava as mãos no fogo por mim Eu estava preocupada que se não tivesse uma documentação muito extensa ninguém acreditaria em mim uma preocupação que mais tarde percebi que estava bem fundamentada Denhollander 2018 A resposta punitiva estatal como única intervenção reconduz o conflito a expressões normativas e individualizadoras o fato se reduz ao inquérito uma questão entre vítima e vitimário enfraquecendo a atenção para outras interpela ções que apontam para as condições coletivas de opressão que precederam esse fato e aqueles que tornaram possível além das biografias daqueles diretamente envolvidos208Assim nos avisa Tamar Pitch A noção de opressão referese a uma condição composta fruto de muitos fatores dos quais apenas alguns poderiam ser teorizados como ações intencionais das quais participam dife rentes tipos de sujeitos A vitimização por outro lado referese a uma situação simples que é o resultado de ações precisas e intencionais que individualizam apenas os atores que são objetos de ações vitimizadoras A categoria de opressão é abrangente denota todos os aspectos da identidade e todas as esferas e modos de ação compreende o passado como história coletiva e identifica os atores que carregam o peso de suas próprias restrições A categoria de vitimização por outro lado traduz a história coletiva em biografia individual Pitch 2003 p 145 Nessa linha e seguindo a distinção de Tamar Breu esse lapso da opres são em relação à vítima é consistente com reações mais ligadas a demandas por 207 Regras como as que estão em vigor nos sistemas de common law que consistem em impedir a investigação da história sexual são ridicularizadas nos fatos mas também regem desde que a vítima não abra a porta Nos casos em que o julgamento de reputação ancestral passa por toda a cena e a credibilidade é a chave para dar peso ao teste essa abertura é frequentemente uma alternativa única para fazer avançar uma acusação O mesmo vale para os chamados testes de credibilidade realizados por vítimas de crimes sexuais 208 A exaustiva investigação de Jablonka do feminicídio de Laëtitia Perrais na noite de 18 a 19 de janeiro de 2011 em Pornic na França é eloquente O autor determinado a contar mais do que sua história como vítima diz que ela não conta apenas para sua morte Sua vida também é importante para nós porque a jovem é um fato social In corpora dois fenômenos maiores que ela a vulnerabilidade das crianças e a violência de gênero Esses dramas nos lembram que vivemos em um mundo onde as mulheres não acabam sendo sujeitos de direitos o destaque me pertence Jablonka 2917 p12 258 proteção reativas de controle do que com transformações típicas de lutas pelo reconhecimento Por último esse deslocamento que o punitivismo assegura permite em seguida mais confortavelmente não só a implementação do aparelho punitivo sobre os setores populares que sempre veem seus corpos priorizados quando se trata de ações repressivas mas os próprios protagonistas que distanciados dos atributos de vítima na medida em que não satisfazem os estereótipos de gênero e acima de tudo quando insistem em denunciar a opressão encontram rapida mente a intervenção criminalizadora sobre elas Alguns exemplos 1 A reação punitiva contra a demanda pela autonomia do corpo e a capa cidade gestante através da criminalização do aborto 2 Execução penal de trabalho sexual autônomo 3 A perseguição seletiva dos corpos femininos empobrecidos que se vol tam para os elos mais escravizados das economias ilegalizadas cuja perseguição declarada está satisfeita com a feminização do aprisionamento feminizado en quanto a estrutura financeira não apenas não intervém mas é cada vez mais dependente do fluxo financeiro proveniente da ilegalidade AGORA NÃO NOS CALAMOS MAIS E DEPOIS Assim como o garantismo quando ignora a perspectiva de gênero confun de demandas muito diversas ao vincular vigorosamente o feminismo ao puni tivismo o punitivismo nos reduz a vítimas ou a vitimários em um movimento reificante que se exaure na dimensão individual e juridicamente capturada do conflito e esconde a matriz opressora que permanece intacta garantindo esferas de injustiça Jablonka 2017 p 365 Nestes tempos a dinâmica da reação popular feminista é reeditada a qual tem motivos de sobra para não esperar nada de um aparato judicial deslegitimado precisamente porque é funcional para a impunidade e sua perpetuidade A explosão de escrachos populares ampliada pelo uso de redes sociais e com a renúncia explícita da intervenção estatal como cúmplice ou ineficaz está crescendo É imparável É desejável que seja É apenas um estágio de um pro cesso de várias reviravoltas que envolve a consciência mobilizada através da luta feminista Essas intervenções chocaram além das áreas mais públicas ou visíveis do show business o campo das organizações sociais e políticas O surgimento de fenômenos como nosotras no nos callamos más209 ou basta de abusos no rock 209 NTnosotras no nos callamos más traduzse para o português como Nós não nos calaremos mais porém o 259 explica a passividade cúmplice e a longa história de subestimação das exigências feministas incluindo uma altíssima tolerância com as formas extremas de violên cia de gênero210 Ali onde coexiste a normalidade violenta misógina com empatias éticas ou políticas que implicam repúdio a outras violências ou subordinações o impacto dos escrachos tem também o poder de escalonar a consistência dos espaços cole tivos que os toleram ou consentem O escracho como tem aparecido diz sobre o denunciado mas diz também sobre as solidariedades misóginas que o tem sustentado Em plena maré feminista a ação em todas as luzes é inevitável e na imensa maioria dos casos as reações se esgotam em um misógino pediu sanidade Assim como achamos intolerável iniciar discussões sobre violações falando sobre o comprimento da saia iniciar o debate com o convite para dócil silêncio ou mo derar o tom daquelas que estão denunciando violências é pura cumplicidade de quem descoberto no lado da cumplicidade voluntária ou não com violência eles postulam uma medida de disfarce até disputar a mesma condição das vítimas No nos callamos más é um grito cada vez mais difundido mas acima de tudo precedido por ações e propostas de intervenção feminista que não gozam do mesmo interesse e atenção que as práticas de escracho ou sinalização cuja vio lência é enfatizada fingindo que se trata de intervenções súbitas desconectadas sem historicidade Aponto essas questões porque a impugnação do mecanismo pelo próprio mecanismo sem contextualizar é funcional ao que chamamos aqui de normalidade violenta Não são os escrachos a condição de produção de novas violências são as violências consentidas por um e já não mais toleradas por outras que o precedem como prática Talvez se esgote na reprovação na descarga de raivas contidas na provoca ção do medo no efeito de alerta Isso é um efeito político desejável para os mo vimentos que lutam contra a opressão É uma prática conjuntural de transição dirigida a quem É em si mesma uma ferramenta dúctil para a transformação ou é limitada a um ou outro para dizer com Jablonka desgaste da imensa me cânica da submissão Responde à lógica do linchamento Concordamos com essa lógica acumulamos com ela Pensamos estratégias contra as contraofensivas conservadoras que vêm sob a invocação de insulto e difamação Como resis timos à transferência para a cena judicial patriarcal A promoção do medo de um escracho sucessivo de apontar para a denúncia ou para a exposição é uma oportunidade para que a semântica da opressão adquira centralidade e rompa o sujeito nós no espanhol nosotras referese especificamente ao gênero feminino 210 Para dizêlo com Despentes Muitos desejam explicar que o combate feminista é secundário um esporte de ricos sem pertinência nem urgência É preciso ser um cretino ou alguém asquerosamente desonesto para consi derar uma opressão insuportável e outra cheia de poesia Despentes 2016 p 22 260 cerco do conflito reduzido ao indivíduo centrado na figura da vítimavitimário Ou ainda está passando por tudo sob a lógica da reificação que de uma maneira ou de outra é construída e opera enquanto construímos sem romper o binarismo vítimas e vitimários O feminismo permite enfocar e calibrar uma visão genealógica cada vez mais fina e sensível um escaneamento contra o qual parece não haver volta que leva muito a sério sacudir o que foi naturalizado e encobriu sua visibilidade entre outras coisas pela imposição das mil e uma formas de silêncio Se aquele si no hay justicia hay escrachese não há justiça há escracho for entendido como a inexorável deriva que leva à impunidade anterior o nós não calamos também deve ser entendido até mesmo para desativar seus aspectos mais polêmicos não como consequência da decisão unilateral pessoal e depois abraçadas coletivamente ao contar em primeira pessoa situações de violência que são constitutivas de toda a experiência feminina mas como um produto de tole rância transbordante diante das mais diversas cenas de impunidade que é o que realmente se denuncia Assim as questões não são tanto relacionadas ao desconforto ou não que produz aos outros a experiência de escracho ou denúncia popular mas pelas im plicações que têm para nós em termos de emancipação REFERÊNCIAS DAVIS Angela 2005 Mujeres raza y clase Madrid Akal DESPENTES Virginie 2008 Teoría King Kong Madrid Editorial Melusina DESPENTES Virginie 2016 Teoría King Kong São Paulo n1 edições DENHOLLANDER Rachel 2018 El precio que pagué por denunciar a Larry Nassar publicado en New York Times Edición en español 30 de enero de 2018 disponible en httpswwwnyti mescomes2018 0130rachaeldenhollanderlarry nassarsmidfbespanolsmtypcur FERRAJOLI Luigi 1999 Derechos y Garantías La ley del más débil Madrid Trotta Garland Da vid 2005 La cultura del Control Barcelona Gedisa HOOKS Bell 2004 Mujeres negras Dar forma a la teoría feminista Madrid Traficantes de Sueños JABLONKA Ivan 2017 Laëtitia o el fin de los hombres Madrid Anagrama LARRAURI Elena 2007 Criminología crítica y violencia de género Madrid Trotta LOREY Isabell 2016 Estado de Inseguridad Gobernar la precariedad Madrid Traficantes de sueños MADRIZ Esther 1996 A las niñas buenas no les pasa nada malo Mexico Siglo XXI PITCH Tamar 2003 Responsabilidades limitadas Actores conflictos y justicia penal Buenos Aires Ad Hoc 2003 SEGATO Rita 2003 Las estructuras elementales de la violencia Ensayos sobre género antropología y Derechos Humanos Buenos Aires editorial Prometeo Ediciones Unqui SIMON Jonathan 2011 Gobernar a través del Delito Barcelona Gedisa VIRGOLINI Julio 2005 La polémica Delito o conflicto En Violencia familiar a 10 años de la sanción de la Ley de Violencia familiar Una herramienta eficaz Buenos Aires Editorial Altamira 261 É O TERCEIRO MUNDO LÁ EMBAIXO A VOCAÇÃO COLONIALISTA E A JUSTIÇA CRIMINAL AMERICANA211 James M Doyle212 OS HOMENS BRANCOS O fardo do homem branco conjura instantaneamente um problema real ainda que alguém possa pensar que ele deveria ser alterado para o fardo do homem negro George Orwell em seu ensaio Rudyard Kipling 213 Seria interessante para a ciência observar as mudanças mentais de indivíduos in loco mas Joseph Conrad em Coração das Trevas 214 211 Texto originalmente publicado com o título Its the Third World Down There The Colonialist Vocation and Ame rican Criminal Justice na revista da Escola de Direito de Harvard nº 27 CRCL L Rev 71 1992 tradução para o português feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Lucas Dagostini Gardelin 212 Conselheiro sênior de júrijulgamento Defensores de Roxbury de Boston BA Bachelor of Arts em 1972 pelo Trinity College JD Juris Doctor em 1975 pela Northwestern University School of Law LLM Legum Magister em 1979 pela Georgetown University Law Center Este artigo é uma fração de um projeto muito maior no qual busco examinar as ressonâncias entre o mundo do HomemBranco os subalternos engenheiros e oficiais políticos da era imperialista e a dos profissionais que abarrotam nosso sistema de justiça criminal contemporâneo Eu deveria tornar explícitas aos leitores deste fragmento três coisas que numa versão maior emergiriam mais naturalmente Em primeiro lugar eu neste artigo promovo a crítica do que chamei de Visão do Homem Branco da justiça criminal e pode parecer que ao fazêlo reputome como melhor e mais sábio do que os profissionais que descrevo Nada poderia ser mais distante da verdade Eu mesmo sou branco e passei minha vida profissional inteira defendendo indigentes nas cortes criminais Escolhi a Visão do Homem Branco da justi ça criminal como tópico precisamente porque reconheço que eu mesmo sou suscetível a sofrer dessa visão Em segundo lugar neste artigo valhome de um número de disciplinas e não gostaria que os leitores pensassem que sou um especialista em cada uma delas Eu não sou um psicólogo social um historiador ou um crítico literário sou um defensor público Não fui deliberadamente controverso em meu empréstimo mas os leitores deveriam ter em mente que o critério empregado para a inclusão de uma ideia aqui consiste na sua verdade sob a luz de minha experiência como defensor e não minha maestria sobre outra disciplina Por fim não quero ser compreendido como se estivesse sugerindo que todos no sistema de justiça criminal sempre operam dentro da Visão do Homem Branco Poucas pessoas sempre atuam sob a influência dessa visão algumas jamais o fazem Eu estaria sendo enganador e ingrato caso não nomeasse explicitamente dentro deste último grupo David Niblack Milton Wright e especialmente Margaret VanDeusen Sem seus exemplos contrastantes eu jamais teria enxergado a Visão do Homem Branco em mim mesmo 213 George Orwell Rudyard Kipling in THE COLLECTED ESSAYS JOURNALISM AND LETTERS OF GEORGE ORWELL 193 Sonia Orwell Ian Angus eds 1968 214 JOSEPH CONRAD HEART OF DARKNESS 75 1950 262 Dois livros esmagadoramente bemsucedidos foram publicados em 1987 Bonfire of the Vanities Fogueira das Vaidades na tradução brasileira e Presumed Innocent Inocente Presumido de Scott Turow215 Ambos os livros assim como enchentes de novelas menos ambiciosas memórias profissionais e shows policiais respondem a uma sede aparentemente imbatível do público por contos de tropas de linha que abarrotam as cortes criminais urbanas Ao explorarem essa sociedade Wolfe e Turow empregam enredos notavelmente similares Em cada novela o homem branco em seus trinta anos bemsucedido em seu próprio direito mas não desprovido de dúvidas persegue um caso ex tramarital e coloca a si mesmo numa situação em que é erroneamente acusado de homicídio Sua prisão em ambos os casos resulta numa queda vertiginosa para dentro do sistema de justiça criminal que precisa ser encarado em seus próprios e exóticos termos sem a armadura do status social O caso nas duas tramas inspira um circo midiático e oferece um veículo para enriquecimento político e escandalosa venalidade Os elementos comuns dos dois livros evocam uma preocupação de escri tores antigos como Rudyard Kipling Joseph Conrad George Orwell e Graham Greene que examinaram a experiência dos funcionários coloniais e indagaram o que aconteceria se os homens brancos encarregados de administrar a justi ça colonial caíssem por acidente em suas próprias máquinas e se tornassem objetos do processo e não mais operadores Estando Wolfe e Turow certos os profissionais que integram o sistema de justiça criminal contemporâneo veem seu mundo da mesma maneira com que os colonialistas viam o seu Wolfe e Turow descrevem personagens que não são simples homens brancos como os de Kipling na Índia os de Orwell em Burma ou os de Conrad na África e no Oriente eles são Homens Brancos Esta descoberta não os embaraçaria na verdade é uma identificação de si mesmos na qual eles próprios insistem Sua mensagem para o resto de nós é o grito do prefeito de Nova York em Bonfire o Vanities É o Terceiro Mundo aqui embaixo Você realmente acha que está insulado do Terceiro Mundo216 Ser um Homem Branco neste sentido não é uma questão de raça Há brancos no sistema de justiça criminal que não são Homens Brancos assim como há Afroamericanos que são A despeito da fria evidência estatística de dispari dade no tratamento das raças pelo sistema a maioria de seus Homens Brancos 215 TOM WOLFE BONFIRE OF THE VANITIES 1987 SCOTT TUROW PRESUMED INNOCENT 1987 A despeito da acentuada similaridade nas tramas centrais os dois livros são diferentes em aos menos um quesito fundamental Turow um advogado e antigo procurador escreve do interior da visão profissional da justiça crimi nal Wolfe ao contrário descreve a mesma visão mas criticamente e do exterior 216 WOLFE ObCit p 7 263 negaria com toda a sinceridade qualquer intenção conscientemente racista217 Ao contrário como Edward Said escreveu acerca da versão colonial Ser um Homem Branco era uma ideia e uma realidade Envolvia uma posição racional a respeito de ambos os mundos o branco e nãobranco Significava nas colônias falar de certa forma comportarse de acordo com um código de regras e mesmo sentir certas coisas e não outras218 Os Homens Brancos do sistema de justiça criminal são o objeto deste ar tigo Quero utilizar as ressonâncias entre seu mundo e o dos colonialistas para começar uma investigação e não para encerrar uma Pouco ou nada se aprenderá pela insistência súbita de que os oficiais que administram a justiça na América urbana são exatamente iguais ou igualmente maus aos Homens Brancos co loniais que evocam219 Olhando em retrospecto parece óbvio que os modos de falar comportarse e sentir escolhidos pelo Homem Branco colonial eram em muitos aspectos tragicamente equivocados moralmente indefensáveis histori camente obtusos e pragmaticamente auto sabotadores Quem apelaria hoje a Kipling por conselhos sobre a Índia Quem emularia TE Lawrence para analisar o dilema palestino Este artigo explora se igualmente temos justificativas para apelar aos profissionais do sistema de justiça criminal por descrições da sociedade contemporânea da qual eles fazem parte Espero examinar a perspectiva do Ho mem Branco como uma teoria viajante que pode ter encontrado seu caminho para dentro do sistema de justiça criminal bem como questionar Se pelo fato de se mover de um lugar e tempo para outro uma ideia ou uma teoria ganha ou perde força bem como se uma teoria em um período histórico e em uma cultura nacional específicos tornase completamente diferente para outro período ou situação220 Qualquer comparação entre as carreiras colonial e de justiça criminal re velará continuidade mas também mudança Pretendo usar ambas mas a fim de explorar e não processar Os paralelos entre esses dois grupos são fáceis de se ver Como seus pre decessores coloniais os operadores da justiça criminal escolhem carreiras que parecem prometer rápida autonomia em ambientes exóticos Como os Homens 217 Uma exaustiva revisão das compilações estatísticas levou Norval Morris à seguinte e relutante conclusão Todo o movimento de lei e ordem de que tanto ouvimos é em operação mas não intencionalmente antinegro e antipobre não em plano não em desejo não em intento mas em operação Norval Morris Race and Crime What Evidence Is There That Race Influences Results in the Criminal Justice System 72 JUDICATURE 111 113 1988 Ver também Randall L Kennedy McCleskey v Kemp Race Capital Punishment and the Supreme Court 101 HARV L REV 1388 1988 Charles R Lawrence III The Ego The Id and Equal Protection Recko ning With Unconscious Racism 39 STAN L REV 317 1987 Theodore Chiricos Phillip Jackson Gordon Waldo Inequality in the Imposition of the Criminal Label 19 Soc PROBLEMS 53 1974 218 EDWARD W SAID ORIENTALISM p 227 1979 219 Ainda que tal acusação fosse útil eu não seria a pessoa a construíla Passei 16 anos minha vida profissional inteira defendendo indigentes em cortes criminais Não vejo razão para me sentir eu próprio convencido de que estou livre das imperfeições dos Homens Brancos 220 EDWARD W SAID Travelling Theory reprinted em THE WORLD THE TEXT AND THE CRITIC 226 1983 264 Brancos Coloniais os oficiais da justiça criminal habitualmente descrevem suas vidas com uma retórica de serviço sacrifício carregada de fardos Como os co lonialistas habitam mundos inteiramente masculinos onde parece totalmente impossível encontrar papel para os valores com os quais cresceram Catapultados para ambientes estranhos jovens policiais e advogados como jovens oficiais co loniais começam suas carreiras sozinhos ignorantes e responsáveis221 Nas es tações policiais e cortes descritas por Wolfe e Turow como nos pequenos clubes assombrados de Kipling222 retratados por Orwell e Conrad os Homens Brancos sentemse isolados e vulneráveis Eles estão convencidos de que são ameaçados igualmente por inescrutáveis e malignos nativos e decisores ignorantes e distan tes Acreditam que estão paralisados por legalidades insanas Jovens advogados procuradores assistentes distritais como jovens Comissários assistentes distritais apressadamente apossamse e então defendem com veemência de uma sabedo ria convencional como proteção contra essas ameaças Comprometemse com um código profissional que vê um mundo no qual as pessoas são divididas em vários coletivos Onde poderiam ter visto indivíduos veem ao contrário raças tipos e cores Como os colonialistas antes deles abraçam um rígido binômio de oposição de nossos e deles223 Tanto no sistema de justiça criminal como nas fronteiras do império a ideia impessoal e comunal de ser um Homem Branco impera ela tornase um modo muito concreto de sernomundo um modo de apropriarse da realidade da linguagem e do pensamento224 Profissionais da justiça criminal garantem nossa atenção portanto não em virtude de seus números que não são grandes nem por causa da fascinação pública com seu trabalho refletida pelos programas de televisão mas por sua po sição Encontrar criminosos e punilos de acordo com seus crimes não são os ob jetivos últimos do sistema de justiça criminal Essas tarefas são meros meios para comunicar uma mensagem comportamental uma ideologia de responsabilidade individual faça isso e você será devidamente punido controlese e tudo ficará bem 225 Na atual organização das coisas os oficiais do sistema de justiça criminal compreendem a membrana através da qual essas mensagens de valor individual 221 MICHAEL EDWARDES BOUND TO EXILE 16465 1969 222 GEORGE ORWELL BURMESE DAYS 69 1962 223 SAID ObCit p 227 224 Idem 225 Ver de maneira geral PETER ARNELIA Rethinking the Functions of Criminal Procedure The Warren and Burger Courts Competing Ideologies 72 GEO LJ 185 1983 É claro que essa mensagem comportamental não é o único objetivo do processo criminal nem necessariamente constitui um objetivo adequado Não obstante muitos comentadores mesmo aqueles que a consideram um falso objetivo a reconheceriam como uma questão descritiva que integra a religião comum da justiça criminal americana Vide eg RA DUFF TRIALS AND PUNISHMENTS 1986 RICHARD C BOLDT Restitution Criminal Law and the Ideology of Individuality 77 1 CRIM L CRIMINOLOGY 97980 1986 265 e responsabilidade devem passar a fim de que possam alcançar a sociedade mais ampla226 Casos criminais são iniciados por profissionais perseguidos por profis sionais e resolvidos em barganhas entre profissionais Em adição à transmissão de mensagens de grande alcance os profissionais da justiça criminal são também a fonte primária de informação que vem do front Sem de fato cumprir o trabalho os Homens Brancos foram incumbidos pela mídia a desempenhar um papel específico descrito por Albert Murray como sendo o do DoisDedos LatinoPorco Experto em Swahili um técnico de imagens que preenche os relatórios de vigilância e safári sobre Ghettoland nos EUA e que realiza safáris na zona profunda negra e tórrida do interior da Bola Oito Ele é considerado um especialista em costumes e maneiras da selva americana consolidando seu status superior sobre aquelas pessoas brancas do campo que subsidiam seus relatórios porque estão interessados em ler sobre negros mas se aterrorizam com a mera possibilidade de entrarem na Bola Oito227 O rótulo sardônico de Murray Bola Oito captura com perfeição a visão do Homem Branco do interior da cidade228 Em suas versões Harlem Roxbury o South Bronx e Watts são habitados completamente por negros autossuficien tes distantes dos e inacessíveis para leitores e espectadores dos Homens Bran cos inacessíveis é claro até que a orientação do especialista dos Homens Brancos esteja assegurada229 O discurso público sobre o sistema de justiça criminal não se baseia em análises estatísticas de dados científicos ou diagnósticos minuciosos de casos par 226 O professor DanCohen traça o reconhecimento de que o direito criminal potencialmente incorpora dois grupos de regras regras de decisão endereças a mas tomadas privativamente por oficiais administrando o direito e regras de conduta disseminadas em parte por esses oficiais para o amplo público Ver MEIR DANCOHEN Decision Rules and Conduct Rules On Acoustic Separation in Criminal Law 97 HARV L REv 625 1984 Um segmento da população recebe essas regras com intensidade particular Em dado dia 23 dos homens afroamericanos entre 20 e 29 anos está na prisão em custódia em liberdade vigiada ou em condicional Ou seja praticamente um em cada quatro jovens afroamericanos está sob direto controle dos oficiais da justiça criminal O número de jovens afroamericanos sob controle oficial 609690 é maior do que o número total de todos os homens afroamericanos de todas as idades matriculados em universidades MARK MAUER THE SEN TENCING PROJECT YOUNG BLACK MEN AND THE CRIMINAL JUSTICE SYSTEM A GROWING NATIONAL PROBLEM 1990 No estado de Nova York 24000 afroamericanos estão atualmente encarce rados em instituições penais apenas 23000 estão matriculados em colégios estaduais ou em universidades 282 HARPERS 19 Feb 1991 Esses números dramáticos como são na verdade diminuem o papel desempenhado pelo Homem Branco da justiça criminal como a voz mais imediata da sociedade branca nos guetos urbanos As estatísticas não pretendem incluir homens jovens que são abordados e revistados mas não presos ou presos mas não julgados ou afroamericanos que são convencidos simplesmente por assistirem o que aconteceu com seus irmãos e amigos de que eles próprios são vulneráveis aos caprichos de qualquer um que detenha uma autoriza ção da justiça criminal 227 ALBERT MURRAY THE OMNIAMERICANS 6970 1970 228 Escrevi sobre este tópico em maior detalhe JAMES DOYLE Into the Eight Ball The Colonialists Landscape in American Criminal Justice 19 BC THIRD WORLD LJ 1992 229 Quando a personagem titular de Saul Bellow de The Deans December quer investigar o que para Harper se tornou sua cidade Natal ele vai consultar um defensor públicoeles discutem o terceiro mundo BELLOW Saul THE DEANS DECEMBER p 222 1982 Wolfe dedica Bonfire a seu amigo o promotor assistente Eddie Hayes Virgil para Wolfes Dante que andava entre as chamas apontando para as luzes escandalosas T WOLFE ObCit dedicação As informações que vazam para a sociedade em geral sobre a vida em Roxbury no sul do Bronx ou em Watts têm muito mais probabilidade de aparecer como uma história de crime do que em qualquer outro formato 266 ticulares Na verdade a informação acerca do mundo da justiça criminal é obtida quase que exclusivamente por anedotas por estórias escolhidas pelos participan tes para entreter representar instruir justificar Esses contos sempre chamados de estórias de guerra são a linguagem comum dos corredores dos tribunais e da viatura policial mas seu impacto é sentido a distâncias longínquas Todos se lem bram que Willie Horton foi licenciado230e aterrorizou um casal de Maryland231 Mas quantos eleitores conhecem a porcentagem de prisioneiros que fez algo do gênero Quantos conhecem detalhes específicos sobre como Horton veio a ser liberado Deveríamos confiar na seleção de contos que o sistema dos Homens Brancos nos oferece e no modo com que eles são narrados Ou deveríamos re lembrar a observação feita por TE Lawrence um Homem Branco se alguma vez existiu um de que uma pessoa ganha mais medalhas quando escreve seus próprios despachos232 Essas questões recebem menos atenção dos comentadores legais do que se esperaria mas pode ser em primeiro lugar que o problema não precise de comentários legais Disfunções entre as tropas de linha do sistema são afinal menos propensas a surgir de motins doutrinários ou ideológicos do que das pers pectivas especiais adquiridas durante uma vida nas linhas de frente e dos impac tos da experiência e dos requisitos da ação O problema não são tanto as ideias os funcionários adotam mas as vidas que estes acabam por aderir e suas vidas são melhor examinadas pelo novelista o biógrafo e o roteirista do que pelo escritor de revisão legal 233 Um caminho surpreendentemente bom para se examinar o papel dos Ho mens Brancos talvez seja o de aceitar o convite oferecido com muita frequência nos relatos dos participantes do sistema de justiça criminal presumir que a expe riência do Terceiro Mundo ofereça um precedente para a conduta do sistema de justiça criminal colocar as vidas dos funcionários coloniais e da justiça criminal lado a lado ver no que diferem e no que se igualam Ver em suma o que se pode aprender a partir da experiência colonial A primeira lição que a metáfora do Terceiro Mundo nos ensina é a de que as narrativas de especialistas que dominam o discurso público sobre crime e justiça não são menos parciais do que aqueles que descrevem a experiência dos 230 NT no original furloughed que se refere a trabalhadores em licença 231 Ver eg OWEN THOMAS Easy Answer on Prison Furlough Eludes Dukakis CHRISTIAN SCIENCE MONI TOR Sept 8 1988 p A3 232 TE LAWRENCE Seven pillars of wisdom 492 1973 233 Ver eg RICHARD A POSNER The Depiction of Law in Bonfire of the Vanities 98 YALE LJ 1653 1654 1989 Posner conclui que Bonfire tem um enredo legal personagens legais cenas legais mas não é sobre a lei em nenhum sentido rico e interessante Enquanto Posner concorda que se Bonfire descrevesse com precisão os operadores do sistema jurídico e a natureza da prática jurídica seria interessante o suficiente para envolver o interesse profissional do advogado ele ignora a relevância concreta da representação como feita no romance 267 operadores coloniais A visão da Europa sobre o Terceiro Mundo colonial é uma construção imaginária criada pelos relatórios memórias e retratos ficcionais do que os operadores coloniais experimentaram Em muitos casos esses relatos têm grande poder literário mas permanecem não obstante como relatos da experi ência branca em governar maiorias nãobrancas Enquanto tais são inestimáveis mas enquanto compreensíveis relatos da experiência colonial são desesperada mente incompletos A compreensão do Terceiro Mundo requer um esforço honesto para incluir a experiência dos colonizados juntamente com a do colonizador234 Há questões que podem ser respondidas pela leitura de Kipling ou Lawrence o que os Ho mens Brancos fizeram Por que o fizeram Existem outras e mais importantes questões que ninguém abordaria sem considerar CLR James Chinua Achebe Frantz Fanon George Lamming ou Bob Marley os Homens Brancos tinham o direito de fazer isso Que efeitos isso produziu Ficamos satisfeitos com uma versão do sistema de justiça criminal que in clui a perspectiva de Hill Street Blues mas não as do autor John Edgar Wide man do cineasta Spike Lee ou dos grupos de rap como Public Enemy e Niggas With Attitude As classes subalternas urbanas ouvem a mensagem dos Homens Brancos dirigida a elas como se fosse feita nas ruas e ouvem por acaso a mensa gem dos Homens Brancos sobre eles enquanto ela é transmitida para a socieda de É impossível compreender o mundo da justiça criminal contemporânea sem mensurar a reação dessa audiência geralmente negligenciada Uma segunda lição retirada da experiência colonial deriva rapidamente da primeira a de que embora os relatos dos Homens Brancos sejam tendenciosos e incompletos isso não os torna sem importância Mesmo sendo como geral mente é tão violentamente errada a perspectiva dos Homens Brancos precisa ser entendida A Índia de Kipling não era a Índia era uma construção imaginá ria235 Isso soa óbvio para nós hoje em dia e perceber isso auxilianos a ver que a mesma coisa pode ser dita a respeito do Bronx de Wolfe do Cabrini Green de Turow ou da Los Angeles de Wambaugh236 Ainda pensar a respeito de Kipling nos ensina que seria um tremendo erro simplesmente descartar o Bronx de Wolfe ou o Gueto Genérico da Televisão Ao mesmo tempo em que existia como uma ideia parcial tendenciosa e ficcional da Índia histórica a Índia de Ki pling existia como uma realidade inescapável ela definiu o significado da Índia 234 ALBERT MEMMI The Colonizer and the Colonized IX 1965 A relação colonial que tentei definir acorren tou o colonizador e o colonizado a uma dependência implacável moldou seus respectivos caracteres e ditou sua conduta 235 LEWIS D WURGRAFT The imperial imagination magic and myth in kiplings india XiXXX 1983 236 JOSEPH WAMBAUGH The New Centurions 1970 268 real para gerações de britânicos fundou uma literatura apoiou uma ideologia determinou em grande parte a resposta pública à política colonial britânica e moldou a forma com que os Homens Brancos Coloniais viam a si próprios Le onard Woolf relembrando seus cinco anos de serviço como funcionário colonial no Ceilão admitiu Eu jamais poderia decidir se Kipling havia moldado seus personagens acuradamente a partir da imagem da sociedade AngloIndiana ou se nós estávamos moldando nossos personagens acuradamente a partir da imagem de uma estória de Kipling 237 Qualquer um com esperançar de lidar com os problemas da Índia genuína no período pósKipling teria primeiro de fazer as pazes com a Índia de Ki pling e compreender o papel que os Homens Brancos enaltecidos por Kipling e que viam a Índia a partir de seus olhos desempenhariam na decisão execução e avaliação da política indiana O enorme sucesso dos livros de Wolfe e Turow dos filmes que os suce deram e os inevitáveis rounds de talkshows e comentários que os livros e seus sucessores provocaram tornam certo que o Bronx de Wolfe e o Cabrini Green de Turow criarão uma realidade pública para os guetos que eles pretendem des crever Quando o New York Times pediu os comentários do procurador distrital de Bronx que como todos os demais no sistema havia sido um ávido leitor de Bonfire ele disputou apaixonadamente com Wolfe pelo rótulo aplicado ao Tribunal do Condado de Bronx Este lugar não se chama a fortaleza238 A imagem de Wolfe entretanto já havia se infiltrado em seu próprio vocabulário uma semana antes em um discurso dedicado à construção da memória de seu predecessor o Procurador Distrital disse que esta fortaleza representa o indo mitável espírito do Bronx 239 Um repórter britânico convocado a descrever os arredores de um incêndio ocorrido num clube noturno do Bronx simplesmente incorporou Wolfe A descrição de Tom Wolfe da vizinhança do Bronx em sua novela Bonfire of Vanities aplicase acuradamente à área Disparos de arma de fogo podem ser ouvidos em qualquer noite da semana 240 A possibilidade de alguma versão da visão do Homen Branco ter viajado para esse e outros relatos do sistema de justiça criminal é uma questão urgente por uma razão simples não é o Terceiro Mundo ali O colonialismo foi um sistema malig no mas sua administração era plausivelmente adequada aos seus fins amorais O trabalho do funcionário colonial como Orwell o definiu era o de manter o nativo 237 LEONARD WOOLF Growing 46 1961 238 STEVEN ERLANGER Bonfire in Bronx Wolfe Catches Flak NY TIMES Mar 11 1988 p B4 239 Id 240 LEONARD DOYLE Arson Suspected as 87 Die in New York Disco Blaze The Independent Mar 26 1990 p 1 269 sob controle enquanto os empresários assaltavam seus bolsos241 Mas no sistema de justiça criminal urbano a situação é diferente Primeiro porque o pobre urbano não tem nada em seus bolsos Os funcionários da justiça criminal devem então desempenhar outro papel Os Homens Brancos do sistema de justiça criminal são pagos para administrar a justiça a seus vizinhos e caros cidadãos pessoas que falam a mesma língua professam a mesma religião assistem a mesma televisão prestam os mesmos votos e que de acordo com o princípio auto evidente da sociedade americana são seus iguais e não seus inferiores Sejam nossas razões pragmáticas ou morais a maioria dos americanos afirma que temos um sistema de justiça criminal que serve igualmente para manter a ordem e para expressar nosso comprometimen to com conceitos de igualdade e de dignidade e responsabilidade individuais Mas e se os funcionários da justiça criminal na verdade pensam falam e agem como os Homens Brancos coloniais E se eles empregam estratégias táticas e meios de pensamento com os quais a Europa temporariamente subordinou grande parte do mundo É irrazoável presumir que o povo governado pelos Homens Brancos reagi rá a seus esforços do mesmo modo que os colonizados fizeram com seus dirigentes colonialistas Falar comportarse e sentir como um Homem Branco enquanto se realizava a administração da ordem colonial criou a cidade que Frantz Fanon des creveu dividida entre duas metades separadas comunicadas por uma lógica de terror contraterror violência contraviolência242 1 VOCAÇÃO COMEÇOS DO BURNOUT CASE O Filho do Homem sai em guerra Uma coroa real para ganhar Sua faixa vermelha de sangue se desenrola Quem segue em seu trem Kipling emendando o hino do Bispo Heber em O homem que seria rei243 2 A VOZ BURNTOUTESGOTADA Ali estavam eles e ali estava ele e para onde ele estava indo Quais eram esses casos com os quais ele estava lidando Pedaços de merda Coleção de li 241 ORWELL ObCit p 40 242 FRANTZ FANON THE WRETCHED OF THE EARTH 89 1968 243 RUDYARD KIPLING The Man Who Would Be King in A CHOICE OF KIPLINGS PROSE 76 Craig Raine ed 1987 The Son of Man goes forth to warA kingly crown to gainHis blood red banner streams unfurledWho follows in his train 270 xo244 É deste modo que Larry Kramer o promotor de 30 anos de Bonfire of the Vanities resume sua carreira Na mesma idade Rusty Sabich o promotorprota gonista de Presumed Innocent lamenta seu rebaixamento ao papel de burocrata do bem e do mal245Em relatos contemporâneos do sistema de justiça criminal o profissional são inteligente e razoavelmente feliz simplesmente não existe De acordo com uma tradição tão rígida quanto o teatro Kabuki a miséria reina entre as tropas de linha do sistema e Kramer e Sabich personificam a voz caracterís tica do sistema Cínicos desiludidos desapontados e não reconhecidos os dois homens estão preocupados em transmitir a completa dificuldade da vida nesse sistema Os veteranos do sistema não afirmam ter superado as dificuldades de sua profissão Na verdade eles são abertamente sinceros sobre os custos que suas carreiras tiveram Eles não fazem segredo algum de sua boa vontade em conde nar perjúrio em fabricar evidências a brutalizar suspeitos trair clientes beber e conquistar mulher em abandonar de modo geral os valores que aprenderam na escola Alcoolismo impotência e fracassos domésticos abundam O trocadilho no título Hill Street Blues não é acidental Não há razão para questionar a sin ceridade das lamúrias dos Homens Brancos eles indubitavelmente se sentem tão mal quanto dizem Não importa particularmente se eles têm ou não o direito de se sentir assim agonias injustificadas certamente possuem o mesmo impacto nas performances do que as que são O fato de ser praticamente impossível imaginar um ambiente mais adequado do que as cortes criminais a estocar pessoas cujas circunstâncias sejam imensuravelmente piores do que as dos próprios oficiais apenas aumenta assim o interesse na angústia subjetiva dos Homens Brancos Ao escrever sobre Kipling Orwell percebeu que O fardo do homem branco conjura instantaneamente um problema real ainda que alguém possa pensar que ele deveria ser alterado para o fardo do homem negro246 Os Ho mens Brancos da justiça criminal candidamente admitem que os fardos que sen tem traduzemse rapidamente em problemas para as pessoas em seu entorno e isso transforma seu descontentamento crônico num problema real também Os relatos mais capazes da vida dos funcionários da Bola Oito exploram aspectos de desapontamento humano dor e alienação que podem e devem incitar empatia não importa quão desgraçadas possam ser as atividades dos personagens que os povoam Mesmo o show policial de TV mais perfunctório consegue transmitir algo da infelicidade e confusão prevalentes entre aqueles que aplicam as leis É 244 WOLFE ObCit p 106 245 TUROW ObCit p 4 246 GEORGE ORWELL RUDYARD KIPLING in THE COLLECTED ESSAYS JOURNALISM AND LET TERS OF GEORGE ORWELL 193 Sonia Orwell Ian Angus eds 1968 271 impossível acreditar que esses sentimentos não possuem impacto nas mensagens que a sociedade confia aos funcionários da justiça criminal para que sejam co municadas Ademais há um perigo nesta incansável concentração das frustrações da vida no sistema A convenção de se empregar as vozes amargas e desiludidas de policiais promotores ou defensores ao fim de suas carreiras ao fim de suas amarras tornouse tão entrincheirada que agora é necessário um ato de coragem para lembrar que as carreiras da justiça criminais da mesma forma que começam terminam Uma das primeiras coisas a ser aprendida das carreiras dos Homens Brancos coloniais é a de que esses começos não deveriam ser negligenciados 3 AS DEMANDAS BURNOUT A literatura do serviço colonial é outra fonte de exemplos de Homens Brancos em desintegração os irmãos espirituais dos exaustos policiais pro motores e advogados que seguem as regras batem nos suspeitos enquadram os inocentes e explodem seus próprios cérebros no sistema de justiça criminal O exemplo mais conhecido e espetacular é o de Kurtz chefe da Estação do Interior no Coração das Trevas de Conrad que acaba na insanidade e talvez no canibalismo Kurtz que vai longe demais A avaliação convencional da carreira de Kurtz funda uma tradição a partir da qual os apologistas do sistema de justiça criminal se valem Kurtz nessa avaliação tornouse nativo e age não em virtude de quaisquer necessidades incutidas ou adotadas nele por sua própria comunidade mas porque se contaminou pela natureza brutal do povo que veio salvar247 A afirmação implícita dos funcionários da justiça criminal é a mesma feita pelos críticos que mitigam os feitos de Kurtz Há circunstâncias sob as quais um homem mesmo um bom homem pode ter dificuldade em resistir a tornarse besta novamente248 Os Homens Brancos das histórias da vida da justiça criminal são quase sem exceção bons homens Verdade eles podem estar fazendo coisas deplorá veis de todos os tipos no momento mas as dores são tomadas para enfatizar que os veteranos não foram sempre como aparecem agora Em algum momento de seus catálogos de transgressões e desapontamentos os funcionários da Bola Oito sempre pausam para rememorar seus começos e o entusiasmo e idealismos com que ingressaram em suas carreiras O exdefensor público Randy Bellows por exemplo vê seu início deste jeito 247 JOHN A MCCLURE KIPLING AND CONRAD THE COLONIAL FICTION 133 1981 descrevendo essa visão dos escritos de Conrad não endossandoa 248 BERNARD MEYER JOSEPH CONRAD A PSYCHOANALYTIC BIOGRAPHY 158 1967 272 Eu me tornei um defensor público porque acredito apaixonadamente em nosso sistema de justiça no sistema adversarial Numa grande empresa de direito de interesse público eu raramente tinha a noção de impacto individual eu raramente tinha noção de que havia uma outra pessoa lá fora que estava desesperadamente dependendo de mim E é por isso que eu vim para o PDS Serviço de Defensoria Pública Para valer Para fazer a diferença em vidas individuais E talvez se tivesse sorte para ser capaz de dizer quando terminasse que havia salvo algumas vidas 249 Essa jornada entre dois pontos de um entusiasmo jovial para um cinismo exausto de sabedoria da rua no sentido de se movimentar com desenvoltura nas ruas perigosas traquejo malandragem é o tópico de praticamente todos os relatos de vida no sistema de justiça criminal Novatos ingênuos embarcam com veteranos grisalhos eles sofrem derramam ilusões e o processo culmina numa sabedoria adquirida a duras penas O estado dilapidado do protagonista é o preço pago pelo conhecimento É um preço alto mas compensado uma vez que a carreira do jovem policial defensor ou procurador compreende um Pro gresso do Peregrino uma Educação um Esclarecimento O Dirty Harry de Clint Eastwood o Capitão Furillo de Hill Street Blues o Larry Kramer de Bonfire of Vanities e o Rusty Sabich de Presumed Innocent se confessariam todos eles como homens mais tristes mas também mais sábios Krammer e seus colegas são realmente high on what tough filhos da mãe desenganados que são250 Seus retratos que se apresentam como autocrítica são na verdade afirmações masca radas de autoridade afirmações de autoridade muito abrangentes Policiais promotores juízes e defensores veteranos não ficam preguiçosos cansados ou entediados ficam burnedout estado de colapso mental Ran dy Bellows decide deixar o Serviço de Defensor Público quando explica me encontro burnedout uma síndrome que eu achava que só acometesse outros advogados251 Burnout também ameaça Kramer e Sabich Burnout é trata da como um risco profissional endêmico discutido em comitês dissecado em artigos e o uso do termo é repleto de implicações interessantes O termo é reti rado como muitas outras coisas no âmbito mental da carreira de justiça criminal de uma novela que se passa no Terceiro Mundo A Burnt Out Case de Graham Greene O título de Greene se refere num primeiro momento a um leproso cuja doença consumiu todo tecido capaz de consumir e em efeito consumindo a si própria e então se alastrou ao estado espiritual de Querry o protagonista do li vro que é curado de uma autoabsorção neurótica durante o serviço voluntário em um leprosário 252 249 RANDY BELLOWS Notes of a Public Defender in THE SOCIAL RESPONSIBILITIES OF LAWYERS CASE STUDIES 9798 Philip B Heymann Lance Liebman eds 1988 250 WOLFE ObCit p 361 251 BELLOWS ObCit p 97 252 GRAHAM GREENE A BURNT OUT CASE 1960 273 Ao utilizarem o termo burnout esgotamento como uma abreviação para sua própria condição os profissionais da justiça criminal transmitem três coisas que nenhum termo alternativo ou combinação de termos poderiam ex pressar do mesmo modo Em primeiro lugar a descrição burntout sugere co nhecimento adquirido de um modo diferente do que os termos aparentemente sinônimos experimentado e ficar esperto possam indicar Ao passo que o conhecimento derivado da experiência depende de percepção interpretação e julgamento o obtido através do burning out esgotandose apresentase como o produto físico de um processo orgânico O conhecimento do esgotado como as lesões de um leproso ou o calor de um incêndio não é algo escolhido mas irresistível Se você apenas ficasse o suficiente no sistema de justiça criminal você se esgotaria também o inelutável esclarecimento seria forçado sobre você O segundo ponto é que o contrário também é verdade No curso do esgo tamento você inevitavelmente deve compreender certas mas esse conhecimento é por sua vez apenas alcançável através do esgotamento As lições aprendidas pelos esgotados não podem ser aprendidas pela leitura de experiências de outras pessoas ou pela quantificação delas Se você espera absorver a verdade da justiça da Bola Oito você precisa ir lá precisa experimentar suas propriedades corrosi vas especiais Cientistas sociais podem se considerar atordoados ao provar que a Regra de Miranda253 não teve qualquer efeito visível no reforço da lei254 mas suas estatísticas não representam nenhum desafio ao conhecimento secreto dos esgo tados O capitão Furillo não está interessado em suas estatísticas ele foi feito de modo a compreender de maneira diversa Essa atitude é uma consequência do terceiro elemento especial do termo burnout Burnout esconde uma afirmação não apenas de superioridade prática mas também moral Uma pessoa não pode tornarse esgotada sem primeiro escolher colocarse no caminho do dano carregar fardos correr riscos e absorver feridas No burnout a carreira de justiça criminal é imaginada como uma prova crucial da qual portavozes emergem não como usados cansados sujos ou cínicos mas purificados e possivelmente santificados Se você não escolheu testar a si próprio no fogo você não deveria e de fato não pode contestar as conclusões daqueles que assim o fizeram Seu conhecimento não é apenas errado mas de ordem inferior 253 Miranda v Arizona 384 US 436 1966 254 Ver Michael Wald Richard Ayers David Hess Mark Schantz Charles Whitebread III Project Interrogations in New Haven The Impact of Miranda 76 YALE LJ 1519 1967 JOHN GRIFFITHS RICHARD AYERS A Postscript to the Miranda Project Interrogation of Draft Protesters 77 YALE LJ 300 1967 Richard Medalie Leonard Zeitz Paul Alexander Custodial Police Interrogation in the Nations Capital The Attempt to Imple ment Miranda 66 MICH L REV 1347 1968 Ver também NEAL MILNERTHE COURT AND LOCAL LAW ENFORCEMENT THE IMPACT OF MIRANDA 1971 274 Kipling era também viciado em Esclarecimentos e Educações em seus relatos sobre o serviço imperial Por exemplo em The Enlightenments of Pa gett MP255 Pagett um reformador de mente confusa está visitando seu antigo colega de escola Orde enquanto viaja pela Índia Orde um dos prototípicos Homens Brancos de Kipling é um veterano calejado da experiência indiana Pagett pondera que o nascente Partido do Congresso deve estar causando grande excitação no meio das massas o que acaba por conceder a Orde como Angus Wilson descreve a excepcionalmente fácil oportunidade de produzir testemu nhos e evidências de vários tipos sobre a agricultura as finanças e a indústria indianas somente para refutar com veemência o infeliz comentário de Pagett 256 Para livrarse de Pagett Orde emprega muitas das armas que costumeiramente vemos sendo usadas pelas mãos dos apologistas do sistema de justiça criminal experiência in loco desdém por ilusões uma visão coerente e convencida do povo governado A história destinase a ser uma reivindicação estrondosa da au toridade de especialista do veterano desiludido É claro com cem anos de distân cia os leitores percebem que neste caso Pagett estava certo e Orde e Kipling errados O movimento do Congresso ridicularizado por Orden provouse como a fundação da independência indiana Há mais a ser aprendido da leitura do colonialismo além de saber se Kipling estava errado e se estava Dirty Harry também poderia estar O importante é que eles estão errados da mesma maneira Kipling acredita que num desentendimento entre um recémchegado como Page e um Homem Branco veterano como Orde este último sempre estará certo e aquele sempre errado Para afirmar isso ele emprega uma dinâmi ca familiar aos contos do serviço de justiça criminal em que o jovem advogado idealista ou um policial um repórter um político ou outro civil é sempre uma ameaça a si próprio e a todos que o cercam até que a experiência comprove que o policial esgotado como quem ele discutia sempre estava certo desde o início257 Em ambos os cenários a experiência crua sem mediações traça a diferença entre correto e errado e a assunção principal neles é a de que a quantidade de expe riência é a única diferença Kipling e os cronistas do sistema de justiça criminal escrevem como se a ideologia o julgamento o preconceito e a expectativa não desempenhassem papel algum na absorção e interpretação da experiência Todos que tiveram a mesma experiência em qualquer contexto chegaram às mesmas conclusões Nas colônias e no sistema da Bola Oito os Homens Brancos vete 255 RUDYARD KIPLING The Enlightenment of Pagett MP CONTEMPORARY REVIEW Summer 1890 256 ANGUS WILSON THE STRANGE RIDE OF RUDYARD KIPLING HIS LIFE AND WORKS 115 1977 257 A lógica do esgotamento torna as ideias e motivações do visitante iniciante no sistema Bolaoito totalmente irrelevantes Quando os recémchegados aparecem nos despachos do Homem Branco sobre a vida na justiça criminal eles aparecem como burros ou vítimas Os leitores e telespectadores que possam se sentir inclinados a ficar do lado dos recémchegados são avisados de que correm o risco de se envolver nessas mesmas funções pouco lisonjeiras 275 ranos oferecem aos noviços críticos a mesma resposta você discorda de mim porque não teve a experiência que tive aqui e portanto continua a cultivar ideias equivocadas sentimentos e ideologias que a experiência de esgotamento bur ned out tirou de mim há muito tempo Se você apenas passasse pelas mesmas ex periências certamente compartilharia de minhas opiniões meu cinismo minha desilusão Falaria sentiria e se portaria como eu Kipling seria uma arma perfeita para qualquer um interessado em acertar os Homens Brancos do sistema de justiça criminal na cabeça Kipling está tão desacreditado hoje em dia que o simples fato de identificar suas opiniões com aquelas dos seus sucessores da justiça criminal poderia facilmente ser suficiente para demolir o grupo moderno aos olhos de muitos Mas o reconhecimento da crença na autoridade soberana do Homem Branco esgotado compartilhada por Kipling e os cronistas do sistema de justiça criminal é importante por outro mo tivo Esse reconhecimento oferece acesso aos críticos contemporâneos das visões de Kipling Em particular chama atenção ao crítico mais incisivo à afirmação da era imperialista de que a longa duração da carreira do Homem Branco é uma ga rantia de retidão e de que sua fase terminal é um repositório único de sabedoria Joseph Conrad 4 QUESTIONANDO O ESGOTAMENTO Aos olhos de muitos africanos Conrad é nada mais nada menos que o rematado racista258 Há pouquíssimo nos escritos de Conrad sobre africanos que contradiga esta acusação Não obstante os retratos de Conrad sobre seus colegas coloniais europeus são imensamente mais esclarecedores do que os de Ki pling ou de outros contemporâneos As circunstâncias de Conrad proveramno de uma dupla perspectiva sobre os problemas do imperialismo É bem sabido que ele serviu na marinha mercante britânica no ápice da aventura imperial e que sua família sofreu sob o jugo das autoridades imperiais russas na Polônia Não tão co nhecido mas igualmente significativo é o fato de que sua família também viveu por gerações como nobres agrários numa região da Polônia onde uma pequena minoria de poloneses étnicos dominava grandes massas de camponeses russos259 Conrad seria temperamentalmente resistente à mística do desencantamento em qualquer situação Para Conrad a capacidade de o desencantamento conferir autoridade depende das ilusões que foram vertidas Afinal há algumas ilusões tão 258 CHINUA ACHEBE An Image of Africa Racism in Conrads Heart of Darkness in HOPES AND IMPEDI MENTS SELECTED ESSAYS 1 1988 259 AVROM FLEISHMAN CONRADS POLITICS COMMUNITY AND ANARCHY IN THE FICTION OF JOSEPH CONRAD 4 1967 276 bizarras que o fato de elas terem sido em primeiro lugar capazes de entreter serve contra qualquer confiança especial depositada nos julgamentos dos recentemente desiludidos Mas em virtude do seu contexto Conrad é particularmente severo no que diz respeito às afirmações colonialistas Como Kipling Conrad representa forçosa e simpaticamente os tormentos emocionais e psicológicos da situação do colonialista Ao contrário de Kipling Conrad insiste no fato geralmente esquecido de que é possível tornarse mais triste e mesmo assim não necessariamente mais sábio Kurtz por exemplo pas sou um longo tempo na África e viveu isso com grande intensidade Ele é um caso de esgotamento Aparentemente Ele é uma autoridade em virtude de seu esgotamento Sua solução para o dilema colonial exterminar todos os bru tos260 é merecedora de deferência Na visão de Conrad não Uma leitura atenta de Coração das Trevas refuta a visão convencional de que a mensagem de Conrad é um aviso contra as seduções moralmente debili tadoras das culturas nativas Conrad não enxergou evidência alguma de ataque de uma sociedade agressiva corrosiva e primitiva aos valores do Homem Branco Como Marlow narrador de Conrad e seu alterego coloca isso ao descrever um encontro sangrento entre seu navio e os nativos africanos O que nós posteriormente tratamos como ataque foi na verdade uma tentativa de repulsa A ação foi muito longe de ser agressiva e sequer era defensiva no sentido usual foi empreendida sob o estresse do desespero e era em sua essência puramente protetiva 261 Uma das contribuições mais importantes de Conrad é sua observação de que a coisa realmente peculiar sobre a vida nas colônias não é nenhuma força corruptora dos nativos primitivos trazida por estes para afligir o colonialista a vida nas colônias é diferente porque os colonizados praticamente não possuem poder para afetar a vida interior dos colonizadores A característica saliente da vida branca no Terceiro Mundo era a relativa ausência dos constrangimentos que a sociedade europeia teria imposto John McClure sumariza a descrição de Con rad sobre o efeito que essa liberdade produziu nos colonialistas Todos incluindo Marlow agem de modo irritado irracional até mesmo histérico no Congo Fresleven o capitão que Marlow substitui é um bom exemplo a mais quieta e gentil criatura que já andou sobre duas pernas ele espanca um chefe de vilarejo quase até a morte numa dis puta sobre duas galinhas A reação do companheiro de Marlow matar alguém é típica dos outros colonialistas que Marlow encontra 262 Um visitante nas cortes criminais urbanas rapidamente notará sintomas si milares Juízes e litigantes deixamse constantemente arrebatar por mantras sobre 260 JOSEPH CONRAD HEART OF DARKNESS 128 1950 261 Id p 115 262 MCCLURE ObCit p 13334 277 as mais triviais questões da rotina mecânica Eis aqui o Juiz Kovitsky de Wolfe apelando à rotina do calendário um advogado está dois minutos atrasado Seu queixo estava tão baixo que parecia quase tocar a cadeira Seu esqueleto ossudo e seu nariz afiado projetaramse para fora da toga num ângulo tão baixo que ele parecia um urubu Kramer podia ver suas íris flutuando e se movendo no branco de seus olhos enquanto esquadrinhava a sala e sua coleção horrível de humanidade suas tiradas eram muitas vezes pessoais e designadas a humilhar Onde está o Sr Sonnenberg disse Kovitsky Não houve resposta Então ele disse novamente desta vez como um incrível barítono que pregou cada sílaba nas pa redes de trás e assustou a todos os recémchegados à sala de audiência do Juiz Myron Kovitsky ONDE ESTÁ O SENHOR SONNENBERG A não ser por dois garotinhos e uma garotinha os espectadores congelaram Um a um eles se congratularam Não importava o quão miseráveis eram seus destinos ao menos não haviam chegado a um nível tão baixo como o Senhor Sonnenberg aquele inseto miserável seja lá quem ele fosse 263 Não há nada de injusto sobre o retrato rápido de Wolfe esse tipo de coisa acontece todo o tempo As transações mundanas das salas de audiência oferecem solo fértil para a excentricidade judicial Eu costumava me apresentar diante de um juiz cuja única preocupação com os processos diante dele era a de que a palavra placebo fosse pronunciada com um pesado c Isso poderia ser uma questão aberta entre latinistas mas não consigo imaginar outro contexto em que ela seria aceita como justificativa aos paroxismos de raiva que invariavelmente advinham de pronúncias alternativas Nesta sala de audiência pronunciamos PLAKabo O juiz excêntrico tornouse uma figura tão tradicional nos con tos da vida de audiência quanto Punch nos shows de marionetes No filme And Justice for All por exemplo Jack Warden interpreta um juiz suicida e depressivo que almoça no suporte da janela de sua sala e mantém a ordem brandindo um revólver na mesa Ninguém afirma que essas performances são típicas mas ficou claro que elas não são surpreendentes e caso você se aventure pelo mundo da justiça criminal deve esperar vêlas Quando conto a história do placebo e quando Wolfe retrata os tantras de Kovitsky utilizamos esse tipo de comportamento como uma tonalidade local excêntrica A leitura de Conrad entretanto sugere que isso talvez seja algo mais Conrad reputa como significativo o fato de os brancos coloniais sentiremse livres para habitualmente se entregarem ao tipo de comportamento pelo qual caso rea lizado na Europa seriam esbofeteados Conrad compreendeu que em virtude da licença irrestrita de poderem se comportar como bem entendessem no contexto colonial o estado de Kurtz e seus colegas tem algo a dever aos desejos ambições e ilusões próprias dos Homens Brancos A estranheza da África não poderia ser a 263 WOLFE ObCit p 108 278 única resposta Com efeito Conrad argumenta que a questão O que aconteceu com Kurtz na Estação do Interior não pode ser solucionada sem que primeiro se responda a uma outra questão O que trouxe Kurtz para a Estação do Interior para começo de conversa Ao argumentar assim Conrad antecipa as descober tas clínicas de Octave Mannoni um psicólogo francês que praticava no Mada gascar colonial tratando pacientes tanto malgaxes quanto colonialistas franceses 264 Após muitos tratando os últimos Mannoni convenceuse de que havia uma personalidade colonial passível de ser identificada No entanto Mannoni tam bém concluiu que a personalidade do colono é composta não das características adquiridas durante e após a experiência nas colônias mas de traços já existentes num estado de latência e repressão na psique europeia que a experiência colonial apenas fez com que emergissem e se manifestassem265 Mannoni explica oferecendo uma metáfora A vida social na Europa exerce certa pressão sobre o indivíduo e essa pressão mantém a per sonalidade em uma determinada forma quando é removida entretanto os contornos da per sonalidade mudam e incham assim relevando a existência de pressões internas que até então haviam passado despercebidas A forma assumida por um peixe de profundeza quando trazido à superfície devese é claro às diferenças na pressão mas também à sua própria estrutura ana tômica interna 266 Considerados em conjunto Mannoni e Conrad levantam essa questão aos Homens Brancos que em novelas filmes e programas de televisão incansa velmente insistem que o mundo da Bola Oito reencarna o serviço imperial do corrosivo Terceiro Mundo Por que alguém para começo de conversa escolher servir ali III ATRAÇÕES DO SISTEMA 5 OPÇÕES Uma vez que o público nunca escuta uma voz satisfeita do sistema da Bola Oito pode parecer que a carreira na justiça criminal abocanha os infortunados que ou não possuem escolha ou estão desprovidos de informações cruciais Na verdade o oposto é verdadeiro carreiras na justiça criminal como as do serviço 264 OCTAVE MANNONI PROSPERO AND CALIBAN THE PSYCHOLOGY OF COLONIZATION Pamela Powlesland trans 1990 Vários escritores incluindo Frantz Fanon criticaram as opiniões de Mannoni sobre o complexo de dependências que ele alegou ter observado no povo malgaxe que tratava Ver FRANTZ FANON PEAU NOIRE MASQUES BLANCS 1952 Estou preocupado aqui com a visão de Mannoni dos coloni zadores não dos colonizados Devese notar no entanto que se a crítica de Fanon à teoria do complexo de dependência de Mannoni está correta ela tende a corroborar a versão de Mannoni da psicologia do colonialista encontrando seus temas no próprio Mannoni 265 MANNONI ObCit p 97 266 Id p 9798 279 imperial são produtos de escolha livre e deliberada A infelicidade dos veteranos então simplesmente reivindica a disputa de Santa Teresa de que são vertidas mais lágrimas sobre orações atendidas do que as que não são No nível mais superficial a escolha dos Homens Brancos tem algo em comum com a escolha que cria sua audiência Uma carreira da Bola Oito parece excitante e interessante A audiência preferiria assistir a um show policial do que a um documentário da PBS sobre a contabilidade de dupla entrada de livros simplesmente porque um parece mais divertido que o outro Mas escolher uma carreira é diferente de trocar de canal e os Homens Brancos fazem suas escolhas perante desincentivos poderosos que poderiam manter policiais e advogados prospectivos da busca por carreiras da justiça criminal Isso é particularmente verdadeiro na profissão legal Educação universitária jurídica especialmente a prestigiosa educação universitária jurídica nacional de escritores como Scott Turow e James Kunen ou de substitutos fictícios como Larry Kramer e Rusty Sabich é direcionada à preparação para atuação corporativa em grandes empresas267 Em termos de prestígio e salário a prática criminal ocupa o último lugar da escala As aulas das faculdades de direito são programadas em torno das entrevistas de emprego realizadas pelas grandes empresas nos campi mas os estudantes que buscam por um trabalho na justiça criminal ficam desamparados Mesmo assim optar por uma carreira na justiça criminal não é de modo algum um pulo no escuro Da mesma forma que o serviço colonial o serviço na justiça criminal embora não de modo típico é uma bem conhecida mesmo tradicional carreira alternativa268 Em Bonfire Tom Wolfe descreve a análise retrospectiva de Larry Kramer sobre sua própria decisão Kramer a caminho do trabalho no escritório do Pro curador do Distrito de Bronx encontra seu antigo colega de aula da Faculdade de Direito de Columbia Andy Heller e relembra como ambos viam suas opções profissionais ao fim da graduação Como Kramer se sentiu superior quando Andy o gorducho pequeno e brilhante Andy havia feito a coisa normal notadamente trabalho no Centro para a Angstrom Molner Andy e cen tenas de outros como ele passariam os próximos cinco ou dez anos debruçandose sobre suas mesas conferindo vírgulas citações de documentos e frases em bloco para fechar e fortalecer a ambição de vendedores de hipotecas de fabricantes de anúncios de saúde e beleza árbitros de fusão e aquisição de companhias vendedoras de seguros269 Porque para Kramer ao emergir da longa adolescência da graduação a prática jurídica convencional parece prometer mais do mesmo supervisão cer 267 Ver LEONARD L BAIRD A Survey of the Relevance of Legal Training to Law School Graduates 29 J LEGAL EDUC 264 1978 268 Os homens brancos coloniais da era Kipling não eram exploradores mas funcionários e foram para a Índia por exemplo não em busca do desconhecido mas em busca de um exemplo puro do conhecido Ver MANNONI ObCit p 97 269 WOLFE ObCit p 35 280 rada rotina opressiva permanente servidão aos enigmáticos mestres do capita lismo uma identidade imposta pelas leis imutáveis da vida de classe média a ele e a centenas como ele Kramer não está errado sobre isso a vida de um jovem associado numa grande empresa de advocacia é praticamente tão sombria quanto ele afirma270 Se existem dúvidas se uma carreira na Bola Oito permite que estes homens evitem a escravidão corporativa para sempre ela certamente lhes oferece meios para postergar certas escolhas de carreira No livro Identity Youth and Crisis Erik Erikson observa que toda sociedade mune seus jovens da possibilidade de um moratório psicossocial durante o qual cada jovem adulto através de livre experi mentação de papeis possa achar um nicho em determinada seção de sua socieda de que embora firmemente definida possa parecer unicamente feita para ele 271 Cada sociedade possui específicas moratórias institucionalizadas que po dem ser um tempo para horse stealing272e vision quests273 um tempo para Wan derschaft274 ou work out west275ou down under276 um tempo para a juventude perdida ou vida acadêmica um tempo para autossacrifício ou pegadinhas277 Todas essas moratórias postergam os comprometimentos adultos e a visão pa drão do Homem Branco sobre o serviço da Bola Oito promete a Kramer e seus colegas uma oportunidade de evasão temporária do inferno corporativo por ele descrito como o mundo do American workadaddy pai trabalhador america no278 Parcialmente essa promessa de postergação reflete tradições nas carreiras da justiça criminal Mesmo o recruta policial mais pessimista pode absorver o consolo do ritual de encantamento expresso pelo pode contar meus vinte anos Isso porque para os advogados do sistema a visão do serviço do Bola Oito como uma moratória é uma ferramenta de recrutamento explícita A prática conven cional das grandes empresas é permanente simplesmente não há razão para que você se sujeite à rotina de vida esmagadora como um associado em uma grande 270 Ver eg JAMES B STEWART THE PARTNERS INSIDE AMERICAS MOST POWERFUL LAW FIRMS 1982 Robert L Nelson Ideology Practice and Professional Autonomy Social Values and Client Relationships in the Large Law Firm 37 STAN L REV 503 1985 271 RIK ERIKSON IDENTITY YOUTH AND CRISIS 15556 1968 272 NT Nesse parágrafo o autor se refere a diversas expressões utilizadas pelos ingleses colonizadores nessa primei ra Horse stealing advém da expressão alemã mit jemandem pferde stehlen können que significa literalmente alguém com quem eu possa roubar cavalos o autor aponta propositalmente essa expressão que pode ser utiliza da no sentido de aproveitarextravasaraprontar com amigos 273 NTVision quest referese aos rituais de passagem dos povos ameríndios 274 NTWanderschaft do alemão quer dizer viagens em um sentido de aventurarse em viagens 275 NTwork out west trabalhar oeste à fora referindose à colonização das Américas 276 NTwork down under ao se referir em trabalhar na colonização da Austrália ou Nova Zelândia 277 Id p 156 278 WOLFE ObCit p 33 281 firma a não ser que você planeje permanecer por muito tempo e colher as re compensas da sociedade A prática criminal num escritório de procurador ou de defensor por outro lado é um método aceito para arrebanhar experiência nos julgamentos e construir um fundamento antes de partir para outras coisas279 Por fim a mídia que transmite os despachos do Homem Branco para re crutas em potencial comunica a ideia de que entrar no sistema de justiça criminal não significa sentenciar a si mesmo a ele para sempre Os Homens Brancos que fazem promessas sobre a vida no sistema geralmente escrevem apenas depois de terem passado para outros aparentemente satisfatórios modos de vida James Kunen 280 Seymour Wishman 281 e Randy Bellows 282 escrevem todos de modo inclemente sobre os estresses e as frustrações de defender criminais indigentes mas suas próprias vidas são a evidência de que alguém pode experienciar esses es tresses e depois se dedicar a outras coisas de que você pode de fato transformar as experiências da Bola Oito para sua vantagem Os leitores de Bellows podem esperar assim como Bellows a possibilidade de deixarem o Serviço de Defensoria Público depois de três ou quatro anos e dizer Eu jamais verei a maioria desses clientes novamente Por um breve período de tempo eu to quei suas vidas e eles tocaram a minha Sou grato por isso ter acontecido E sou grato por ter acabado 283 Kramer e seus colegas estão fugindo das constrições das grandes empre sas mas não estão em uma rota infinita e temerária Estão indo para frente em direção a recompensas particulares que o sistema de justiça da Bola Oito parece prometer A aversão ao modo corporativo de vida não é suficiente por si só para explicar como alguém abandona um salário de seis dígitos e o prestígio imediato da prática comercial enquanto aceita a relativa insignificância do serviço civil O sistema criminal oferece algumas compensações extremamente cruciais para atrair seus recrutas Kramer por exemplo completa suas reflexões acerca das escolhas que ele e Heller tomaram descrevendo o caminho que ele mesmo percorreu Ele Kramer abraçaria a vida e se lançaria com a água batendo aos quadris nas vidas dos miseráveis e danados ficaria de pé nas cortes e lutaria mano a mano diante da balança da justiça 284 Eis a visão que Kramer e seus colegas perseguem no sistema de justiça cri minal Onde para começo de conversa eles acharam a ideia de que tal vida existe 279 Ver LISA MCINTYRE THE PUBLIC DEFENDER 1985 James Fishman The Social and Occupational Mo bility of Prosecutors New York City in THE PROSECUTOR 239 William F MacDonald ed 1979 280 JAMES KUNEN How CAN You DEFEND THOSE PEOPLE THE MAKING OF A CRIMINAL LAWYER 1983 281 SEYMOUR WISHMAN CONFESSIONS OF A CRIMINAL DEFENSE LAWYER 1981 282 BELLOWS ObCit 283 Id p 101 284 WOLFE ObCit p 35 282 É impossível separar a substância dessa visão dos veículos que a transmi tem as histórias de guerra dos Homens Brancos predecessores Homens jovens na iminência da escolha de carreira são tão completamente expostos aos contos da vida da justiça criminal que saturam a mídia popular quanto todos os outros Para eles como para o resto de nós é praticamente impossível abrir um jornal ligar uma televisão ou analisar uma resenha de filme sem encontrar alguma re presentação da vida entre as tropas de linha da Bola Oito 285 Essas representações dramáticas da vida no sistema informam suas escolhas Assim como o jovem in glês teria escolhido a Índia de Kipling e ido à Índia um policial prospectivo es colherá a Hill Street do Capitão Furillo e encontrará a si mesmo na Hill Street A visão do Homem Branco está em todo lugar ao passo em que os fatos verídicos da guerra ao crime estão escondidos em Watts Roxbury ou no South Bronx Para que seja possível considerar o porquê de homens jovens escolherem a carreira de justiça criminal fazse necessário o exame não dos fatos mas do mundo que a visão dos Homem Branco a eles promete Para esses propósitos a precisão da visão do Homem Branco não é importante certa ou errada a sua informação de segunda mão é tudo o que está disponível aos recrutas Se suas promessas são eventualmente mantidas é uma questão à parte Por ora o que importa é o que as profissões da Bola Oito vistas de fora parecem inclinadas a proporcionar Essas questões invocam ou eco espectral da experiência colonial À parte tudo o que poderia ser dito contra Kipling ele não pode ser acusado de mascarar as durezas que o serviço imperial implicava Isso porque Kipling demonstra se qualquer ou tra coisa um prazer doentio ao insistir na doença isolamento e desconsideração aos quais se sujeitam seus soldados oficiais e subalternos Não obstante gerações de inteligentes jovens ingleses Orwell por exemplo 286 leram os contos de Kipling e não ficaram minimamente dissuadidos Por que não O fato é que ado lescente não precisam de histórias de sucessos de seus predecessores Ainda que os contos das vidas colonial e da justiça criminal prometam apenas fracasso ao menos parecem prometer fracassos heroicos que valem a pena com significado Para muitos aspirantes morrer jovem num impetuoso carro de polícia parece preferível à morte viva de um associado numa firma de direito corporativo As histórias dos veteranos de guerra servem como um motivo adicional para que os jovens deixem as faculdades de direito e universidades por carreiras nas cortes e na polícia Elas parecem proporcionar um mapa de estradas muito 285 Vários comentaristas pesquisaram as representações de funcionários da justiça criminal na cultura popular Ver eg ANTHONY CHASE Lawyers and Popular Culture A Review of Mass Media Portrayals of American At torneys 1986 AM B FOUND RES J 281 Steven D Stark Perry Mason Meets Sonny Crockett The History of Lawyers and the Police as Television Heroes 42 U MIAMI L REV 229 1987 Paul J Mastrangelo Lawyers and the Law A Filmography 3 LEG REF SERVICES Q 31 Francis Nevins Law Lawyers and Justice in Po pular Fiction and Film HUMAN EDUC 3 May 1984 286 PETER STANSKY WILLIAM ABRAHAMS THE UNKNOWN ORWELL 127 1974 283 útil sobre as armadilhas a serem evitadas Na obra The Uses of Disorder287 Richard Sennett escreve sobre a capacidade dos adolescentes de usarem as experiências dos outros para se isolarem de suas próprias experiências Ao imaginar o significado de uma classe de experiências com antecedência ou distanciamento para vivêlas uma pessoa jovem é liberada de ter de passar pela experiência em si para compre ender seu significado Ela constrói o significado em isolamentoSe a projeção do significado da experiência funciona como um substituto estável então a pessoa de fato adquiriu uma poderosa arma para prevenir qualquer exposição de si mesma em outras palavras ela aprendeu a como se insular com antecedência de experiências que poderiam pressagiar deslocamento e desordem 288 Contos de esgotamento embora com quase certeza aterrorizem muitos recrutas em potencial podem vir a confortar outros Uma vez que os despachos dos Homens Brancos carregam de maneira prévia a própria atitude do Homem Branco esgotado eles parecem permitir a aquisição da sabedoria do esgota mento sem a necessidade de experimentar o fogo Os Homens Brancos velhos tiveram de sofrer porque quando entraram no sistema não sabiam como sentir como falar e como se comportar Novos recrutas equipados antecipadamente com a sabedoria duramente conquistada de seus predecessores não conseguem acreditar que experimentarão as mesmas durezas do mesmo modo Muitos as pectos da mensagem dos Homens Brancos para recrutas em potencial não são produto de desonestidade intencional são parte essencialda mídia que transmite a mensagem Para que logre encontrar qualquer lugar na mídia popular a in formação sobre a vida no sistema criminal de justiça deve entreter informar instruir chocar ou confirmar uma visão existente da realidade Ela deve atrair e segurar uma audiência Quase sempre terá de ser uma história durante a qual algo acontece Albert Murray está correto quando reclama que grande parte do que a América branca pensa que sabe sobre a cena urbana é produto de um novo e muito especial tipo de caçador branco ou um tanto branco que coleta dados em safáris profundos negros e tórridos na zona interior da Bola Oito289 Mas a situação é na verdade ainda pior Ninguém a não ser outros caçadores de dados ao menos lê os dados O que as pessoas leem e assistem são as histórias escolhidas para ilustrar as lições contidas nos dados artigos de destaque acompa nhando o lançamento das inspeções episódios completos em trinta minutos de shows policiais ou entrevistas com policiais em ação apresentados para ilustrar animar e confirmar as descobertas das inspeções Não se trata de uma questão de conspiração ideológica O público fica entediado com algumas coisas e entretido por outras e as companhias da mídia vivem ou morrem caso logrem reconhecer 287 RICHARD SENNETT THE USES OF DISORDER PERSONAL IDENTITY AND CITY LIFE 20 1970 288 Id p 20 289 MURRAY ObCit 284 a diferença290 As leis férreas do acesso à mídia tornam muito improvável que um Homem Branco em potencial seja bem informado sobre os enervantes dias de espera no tráfego da corte sobre oficializar nos julgamentos de condenação ou sobre embaralhar papéis no motor do veículo da divisão A preferência dos Homens Brancos por histórias de guerra complementa a ânsia da mídia por contar histórias e as duas tendências definem a informação usada pelos recrutas na escolha de uma carreira 6 IDENTIDADE Mannoni observou em seus pacientes colonialistas um dilema similar ao de Larry Kramer No mundo consolidado e estratificado da França metropolitana os colonialistas haviam sido posicionados de forma segura sobre o esquálido desespero dos camponeses e dos pobres rurais mas de forma igualmente segura abaixo de uma porção substancial da população branca Essa inferioridade po dia ser o resultado de estigma de classe ou de obstáculos financeiros mas de qualquer maneira isso era uma peça fundamental da realidade social Optar por uma carreira como um clérigo ou um burocrata menor demandava na França a admissão de tudo o que a inferioridade implicava e em efeito a condenação de alguém para viver uma vida respondendo aos outros seguindo suas ordens acei tando sua disciplina e admitindo sua superioridade Do lado oposto a vida nas colônias vista da Europa oferecia uma imediata e compreensível superioridade Simplesmente pela virtude de ser branco uma pessoa tornavase parte de uma elite restrita e onipotente que governava sobre uma vasta maioria nãobranca Mannoni conclui que a vida colonial é simplesmente um substituto àqueles que ainda se encontram obscuramente atraídos por um mundo sem homens isso é para aqueles que falharam no esforço necessário de adaptar imagens infantis à realidade adulta291 O modelo de Mannoni para esses colonos foi o Próspero de Shakespeare ostensivamente um homem em exílio mas um homem para qual o ambiente do exílio criou um contexto no qual seu poder não era nada menos que mágico292 290 Como Neil Postman coloca O entretenimento é a supraideologia de todo discurso na televisão NEIL POST MAN AMUSING OURSELVES TO DEATH PUBLIC DISCOURSE IN THE AGE OF TELEVISION 87 1989 Ver generally JOHN B THOMPSON IDEOLOGY AND MODERN CULTURE 1990 JULIE SALA MON THE DEVILS CANDY BONFIRE OF THE VANITIES GOES TO HOLLYWOOD 1991 exami nando essas forças no trabalho durante as filmagens de Bonfire 72 MANNONI ObCit p 108 291 MANNONI ObCit p 108 292 Próspero pareceu a muitos outros comentaristas simbolizar perfeitamente o colonialista Ver eg PHILIP MA SON PROSPEROS MAGIC SOME THOUGHTS ON RACE AND CLASS 1962 GEORGE LAMMING THE PLEASURES OF EXILE 1960 RUDYARD KIPLING HOW SHAKESPEARE CAME TO WRITE THE TEMPEST 1916 Trevor P Griffiths This Islands Mine Caliban and Colonialism 13 THE YEAR BOOK OF ENGLISH STUDIES 159 80 1983 285 Definida nestes termos frios a metáfora parece adequada como descrição apenas de homens como Kurtz homens em cujas vidas como Alan Sandison pontua o embarque do self em sua conquista cognitiva voraz para superar a outridade do mundo encontra expressão física na ideia imperial293 Mesmo nas frontei ras coloniais nem todos eram como Kurtz assim como nem todos no sistema de justiça criminal são como Dirty Harry Solitários selvagens ensaiando suas fantasias de onipotência com total desconsideração pelo mundo circundante são considerados aberrações em ambos os casos Mannoni não questionaria esse fato Ele aponta que o impulso por trás da realização da vocação colonial é sempre uma questão de comprometerse com o desejo de um mundo sem homens294 Mannoni admitiria que muitas pessoas irão se comprometer e que pessoas dife rentes firmarão diferentes compromissos O trabalho de Mannoni é importante porque ajuda a esclarecer duas res postas costumeiras quase reflexivas ao colonialismo que podem obscurecer seu significado contemporâneo A primeira é a tendência de encarar o colonialismo exclusivamente como um sistema de exploração econômica Mannoni insiste que os Europeus no Terceiro Mundo não estavam apenas explorando suas possibili dades comerciais estavam também explorando suas possibilidades psicológicas Aqui Mannoni contribui para a compreensão do pessoal do sistema de justiça criminal da Bola Oito Não é necessário aceitar Mannoni em seu extremo ou aceitar uma empresa como o pesadelo de Kramer a Angstrom Molner na condição de única definição possível de realidade adulta para enxergar que os colonialistas de Mannoni e Homens Brancos como Kramer são conduzidos a suas carreiras pela mesma atração debaixo de seu superficial exotismo comparti lhado os dois ambientes parecem inusitadamente promissores como locais para se moldar a identidade própria de um indivíduo bem como para escapar das inaceitáveis definições que a sociedade de outro modo imporia Kurtz e Dirty Harry Callahan são exceções não em virtude dos impulsos que os movem Man noni vê esses impulsos como típicos na verdade eles são extremistas porque recusamse a se comprometer em cumprir esses impulsos típicos Mannoni também aborda a tendência de se pensar a ideologia imperial como um conjunto de doutrinas e políticas que não tiveram origens próprias Os estudos de Mannoni indicam que algo na visão de mundo imperial apelou aos colonialistas Ele acredita que eles a aceitaram e não que ela foi sobre eles impos ta Mannoni baseou seus escritos em patologias de indivíduos e é importante re lembrar a cautela de Erik Erikson de que podemos apontar similaridades apenas 293 ALAN SANDISON THE WHEEL OF EMPIRE 62 1967 294 MANNONI ObCit p 108 286 provisórias tentativas entre as crises do indivíduo e o comportamento de grupo com o propósito de indicar que em dado período história eles se encontram em obscuro contato um com o outro295 Compreender os compromissos por baixo das vocações dos profissionais da justiça criminal que parecem mais são que Dirty Harry não responderá com autoridade toda e qualquer questão sobre os modos com que eles falam sentem e se comportam No entanto reconhecer que esses compromissos estão tomando lugar fornece um primeiro passo indispensável Se aceitarmos a verdade da observação de Erikson de que a instituição social guar diã da identidade é o que nomeamos por ideologia296 tornase possível pensar a ideologia tanto como um efeito quanto como uma causa Algum tipo de ideo logia atrai o Homem Branco que escolhe a carreira de justiça criminal Estando ele dentro do sistema entretanto essa ideologia pode precisar de modificação mesmo substituição se deve servir moldar e sustentar sua identidade enquanto ele persegue essa carreira Algumas ideologias serão melhores que outras para esses propósitos A diferença reside no ajuste entre os contornos da ideologia e as necessidades da identidade em desenvolvimento Podemos identificar forças atrás da vocação do Homem Branco que o predisponham a uma posição ideológica ou que implantem aversão a outra 7 REGRAS DOS MENINOS Numa área de vida a promessa do sistema da Bola Oito de postergar o comprometimento adulto é particularmente clara a versão do Homem Branco do sistema de justiça criminal proporciona apenas uma brusca aproximação ao mundo sem homens de Mannoni mas chega perto de alcançar um mundo sem mulheres É difícil ignorar o impressionante foco da justiça criminal do Homem Branco em questões de masculinidade e identidade individual Essa visão ima gina um mundo do qual as mulheres jamais participam inteiramente e no qual raramente aparecem a não ser em papéis estilizados que simbolizam vários pon tos de referência na jornada em busca da maturidade masculina Para um homem jovem que pretende criar um intervalo entre escapar da casa da mãe e desaparecer na de sua esposa uma carreira que atrase esse último momento exerce uma forte atração A viatura de polícia a sala de audiência e o escritório parecem todos oferecer aos Homens Brancos uma fuga das mulheres e das ambivalências e am biguidades da vida doméstica O ambiente da Bola Oito assim como o militar é prenhe em suportes de gênero o cuspir o amaldiçoar as gírias roughan 295 ERIKSON ObCit p 172 Por outra cautela no mesmo ponto ver GERALD PLATT FRED WEINSTEIN PSYCHOANALYTIC SOCIOLOGY 1973 296 ERIKSON ObCit p 133 287 dtumble297 que os bemcriados jovens profissionais que compõem o sistema jamais teriam utilizado em casa298 O relato de Tom Wolfe sobre Larry Kramer e seus colegas numa conversa é um bom exemplo Qual é Larry disse Andriutti diga a verdade No fundo você não gostaria de ser italiano ou irlandês Sim responde Kramer porque assim eu não saberia o que estava acontecendo neste maldito lugar Caughey começou a rir Bom não deixe que Ahab veja esses sapatos Larry ou ele terá uma crise de Jeanette e fará um maldito memorando Não ele vai con vocar a droga de uma conferência de imprensa Essa sempre é uma aposta segura E assim mais um maldito dia no maldito bureau de homicídios do maldito Escritório do Procurador Distrital do Bronx estava pronto para um maldito começo299 Presumed Innocent materializa as preocupações dos Homens Brancos sobre o gênero com uma profundidade quase cômica A esposa de Rusty Sabich é uma caricatura da mãe préedípica que incansavelmente arrasta Sabich aos gravames e obrigações do lar e da família Sua amante por outro lado sexualmente voraz e traiçoeira é uma mãe edípica que trai Sabich ao dormir com pelos menos dois de seus exemplos de pais profissionais enquanto conspira para que ele ganhe uma promoção merecida300 Se isso não fosse suficiente a esposa assassina a amante e deixa que Sabich tome a culpa uma culpa inextrincavelmente associada em sua mente como o estupro homossexual e interracial que ele prevê na prisão301 Quando se encontra fora da Bola Oito o Larry Kramer de Bonfire passa por si tuações similares Em primeiro lugar ele é sufocado numa minúscula colônia de formigas do West Side com sua esposa e seu filho e então arruína sua carreira profissional ao alugar de forma ilegal um ninho do amor onde pretendia sedu zir uma integrante do júri As asserções da Bola Oito em fornecer um santuário contra esse tipo de problema são plausíveis o suficiente para que sobrevivam A verdade é que as mulheres estão realmente subrepresentadas no sistema de justiça criminal mas uma subrepresentação ainda mais drástica ocorre em relatos ficcionais e auto biográficos do sistema de justiça criminal Nessas versões as mulheres aparecem apenas como inconvenientes tentadoras ou donzelas em perigo Mesmo as atri zes geralmente descritas como personificações da nova mulher profissional de Hollywood não constituem exceção a essas convenções No período de dois anos Cher uma defensora pública em Suspect teve seu caso vencido e sua vida salva 297 Expressão que remete ao sentido de homens durões mal encarados barulhentos desordeiros entre outras se mânticas de masculinidade violenta 298 Donald J Mrozek The Habit of Victory The American Military and the Cult of Manliness in MANLINESS AND MORALITY MIDDLECLASS MASCULINITY IN BRITAIN AND AMERICA 18001940 p 220 JA Mangan James Walvis eds 1987 299 WOLFE ObCit p 103 300 Ver NANCY CHODOROW THE REPRODUCTION OF MOTHERING PSYCHOANALYSIS AND THE SOCIOLOGY OF GENDER 1978 301 TUROW ObCit p 230 288 por um membro homem do júri Ellen Barkin uma procuradoraadvogada dis trital assistente em The Big Easy teve sua frigidez curada e sua vida salva por um policial homem e Glenn Close uma advogada de defesa em Jagged Edge apai xonouse por seu cliente homem e teve de ser salva Nos relatos da vida da justiça criminal que atraem os Homens Brancos principiantes essas criaturas fêmeas perturbadoras geralmente só servem para estragar as coisas Seymour Wishman no seu autobiográfico Confessions of a Criminal Defense Lawyer aborda o proble ma no tom preciso de um fanático por baseball de 12 anos de idade que protesta contra o pedido da mãe para que inclua sua irmã mais jovem no time A luta por poder e controle tão central para muitas das competições nas salas de tribunal po deria ser vista como um campo de batalha em que homens lutam com seus próprios problemas não resolvidos de machismo e tais problemas eram projetados no adversário mesmo se e especialmente se o adversário era uma mulher Eu lembro de ter provocado uma promotora que tomou ao longo do julgamento minhas objeções como ataques pessoais Enquanto me dirigia ao júri nas minhas conclusões caminhei para a mesa em que ela estava e a centímetros de distância de sua face insisti veementemente de que ela teria de explicar adequadamente cer tas inconsistências Eu venci e embora não houvesse um jeito de saber com certeza caso ela não fosse uma mulher teria conseguido evitar ficar tão envolvida pessoalmente Advogadas feministas poderiam ter sido piores do que essa mulher afobada tantas vezes rígida e frágil para agarrar as oportunidades inusitadas 302 As mulheres civis não são melhores Nenhum drama de justiça criminal está completo sem pelo menos uma cena em que um Homem Branco esgotado tenta convencer uma esposa ou uma amante ou na natureza das coisas uma ex esposa ou uma examante da crucial importância moral da sua carreira na Bola Oito As mulheres não são convencidas A esposa do defensor público Randy Bellows nem ao menos consegue ir ao escritório dele sem ficar enjoada com as histórias de guerra que povoam os corredores Barb começou a se questionar se o homem com quem se casara não estava involuntariamente servindo ao mal Ele certamente não estava servindo à justiça Quanto mais ouvia mais de primida ficava mais convencida de que não se tratava em absoluto de Atticus Finch Isso era simplesmente ruim Talvez mesmo imoral certamente amoral 303 Não obstante os recrutas ao lerem o relato de Wishman podem encon trar conforto ao saber que quando uma fêmea ocasional aparece nas cortes sua presença é tão incongruente que pode ser facilmente vencida Mesmo as sim páticas séries de televisão The Trials of Rosie ONeil e Cagney and Lacey embora retratem suas heroínas defensoras públicas e policiais como profissionais capazes salientam a variedade de formas em que é difícil ser uma policial ou uma defensora Num mundo como o de Wishman qualquer tendência a valorizar 302 WISHMAN ObCit p 3839 303 BELLOWS ObCit p 72 Larry Kramer de Bonfire tem uma reação semelhante ao seu papel de promotor Sua própria esposa A ideia dela de se defender foi dizer Larry tem tantas pessoas de cor para prender que ele não tem tempo para tratálas como indivíduos WOLFE ObCit p 236 289 relacionamentos lidar com diferenças ou tentar reconciliação tendências geral mente identificadas como femininas 304 conduz a uma deficiência evolutiva no patamar daquela que extinguiu os dinossauros Eu não conheci muitos advogados criminais que eram ao mesmo tempo mulheres e compe tentes Poucos advogados criminais eram mulheres e a maior parte das que eu conhecia parecia inclinada a se envolver emocionalmente com seus clientes ou a se tornar habitualmente vítima das doses massivas de sexismo infligidas por juízes advogados pessoal da corte e até mesmo por seus clientes O duro mundo da corte criminal parecia ser aos olhos de seus participantes um mundo de homens em que o distanciamento necessário e a agressividade dos advogados possuíam um espesso aspecto macho305 A visão de justiça da Bola Oito sugere que em seu interior a confusão sobre como se aproximar de mulheres não importará e que a complexa ambi valência das relações adultas entre homens e mulheres os comprometimen tos obrigações ansiedades e prazeres podem ser evitados Essa situação pare ce adequada aos Homens Brancos que representam esse sistema Mulheres são bemvindas somente quando contribuem para o avanço do protagonista em sua jornada rumo à identidade Em Presumed Innocent a amante de Rusty Sabich Carolyn o traiu aban donou o ridicularizou e o conduziu direto para a terapia Mas assim que ela é assassinada ele é designado para investigar e processar seu caso Sabich estuda as fotografias do corpo de Carolyn na cena do crime e ela está amarrada nua sua face macabra E então o pior de tudo quando a sujeira é removida do baú de tesouro começa a surgir algo dentro de mim livre de vergonha ou mesmo medo uma bolha de algo leve o suficiente para que eu reconheça isso como satisfação Carolyn Polhemus aquela torre de graça e fortaleza está deitada aqui diante do meu campo de visão com um olhar que ela nunca teve em vida Eu finalmente vejo agora Ela quer minha piedade Ela precisa da minha ajuda306 A satisfação de Sabich advém do fato de que o devorar de sua mãe edípica entrou no sistema de justiça onde ele tem o poder de reimaginála como uma donzela em perigo Agora Sabich pode trabalhar O capítulo final de Presumed Innocent leva o nome de Closing Argument Sabich foi absolvido do assassinato de sua amante e ele argumenta agora em tom de aceitação agridoce que as coi sas foram restauradas a um facsímile de como elas deveriam ter sido 304 Ver CAROL GILLIGAN IN A DIFFERENT VOICE A PSYCHOLOOICAL THEORY AND WOMENS DE VELOPMENT 1982 explorando as diferentes maneiras pelas quais homens e mulheres respondem a proble mas morais Se essas tendências são de fato femininas é uma questão debatida Catherine MacKinnon por exemplo argumenta que a voz alternativa que Gilligan descreve é simplesmente a voz dos impotentes sob condições de desigualdade Catherine MacKinnon Feminist Discourse Moral Values and the LawA Conversa tion 34 BUFFALO L REV 11 1985 Embora eu não tenha nenhuma esperança de resolver essa questão aqui acredito que o modelo de Gilligan permanece útil como contraste Para uma indicação de como uma jurisprudên cia feminista pode inspirar um tipo diferente de prática legal ver PHYLLIS GOLDFARB A Theory Practice Spiral The Ethics of Feminism and Clinical Education 75 MINN L REv 1599 1991 argumentando pelo reconhecimento de semelhanças metodológicas fundamentais entre educação clínica e jurisprudência feminista 305 WISHMAN ObCit p 3839 306 TUROW ObCit p 29 290 Mas vale a penar mesmo que por um momento examinar o que foi restau rado A amante de Sabich está morta Sua esposa a verdadeira assassina e seu fi lho vivem agora numa cidade distante e ele não os visita a não ser que o trabalho permita Sua figura profissional paterna o antigo promotor de justiça rastejou em busca de perdão e arranjou a promoção de Sabich como o novo promotor de justiça Esta não seria a ideia de final feliz para todos mas é a de Sabich No fim de um livro explicitamente estruturado como um julgamentoporordália essa é a sabedoria que ele alcança no fim Essa é a vida com o nãoessencial e o falso esgotados Sabich está livre de qualquer reivindicação emocional adulta Os funcionários colonialistas tiveram a mesma tendência de encarar as mulheres com alarme Era sabedoria popular entre os contemporâneos de Ki pling o fato de que a Índia e as relações com indianos tomaram um rumo dra mático para pior quando a política e a higiene tornaram possível que os ingleses se juntassem às suas esposas no subcontinente Em Burmese Days o relato de Orwell sobre a vida imperial o protagonista é conduzido por uma memsahib uma mulher branca de alta sociedade para um fútil e ingênuo namoro que transforma sua habitual infelicidade numa miséria histérica ao fim ele acaba se suicidando307 Para os colonialistas a separação entre homens e mulheres evitou muitos problemas Mas a separação dos comprometimentos domésticos não é um fim em si mesmo Liberdade frente as demandas das mulheres é apenas um dos aspectos do objetivo central dos Homens Brancos A leitura dos contos da justiça criminal dos Homens Brancos quando se têm em mente os colonialistas torna claro que para ambos os grupos de homens a ausência de mulheres não apenas ajuda a separar os homens das mulheres também ajuda a separar os homens dos garotos Afinal de contas Masculinidade não é apenas diferente da feminilidade mas também da infância e da adolescência308 8 AUTONOMIA O mundo sem mulheres materializado nos contos do Homem Branco en coraja o Homem Branco em potencial a ter esperança de que poderá se concen trar em se tornar um homem entre homens A busca por esse projeto demanda um grau de independência e a atração mais significativa apresentada pela Bola Oito aos seus recrutas é a de inusitada e imediata autonomia Ela não promete a autonomia absoluta como a fronteira imperial fazia todos no sistema de justiça 307 ORWELL ObCit p ver DENNIS KINCAID BRITISH SOCIAL LIFE IN INDIA 1938 308 MROZEK ObCit p 221 291 criminal possuem o chefe identificável dentro de 200 milhas Na verdade uma das convenções mais vigorosas do drama da justiça criminal é a de que esses chefes são sem exceção idiotas covardes irritantes e metidos Embora o Dirty Harry Callaghan de Clint Eastwood seja eternamente amaldiçoado por políticos imbecis e pelos segundos em comando na delegacia no original Deputy Chiefs cargo inferior somente ao de xerife os Homens Brancos em potencial notarão que Harry sempre triunfa sobre eles no fim Mais precisamente dramas da vida policial ou da corte deixam claro a potenciais recrutas que Dirty Harry somente se encontra sob o controle de seus supervisores quando está na presença deles uma circunstância que raramente se concretiza A maioria das decisões feitas por qualquer um que trabalhe no sistema de justiça criminal é invisível apenas uma pequena fração das abordagens e revistas policiais as negociações entre acusado res e defensores e escolhas de táticas realizadas diariamente na sala do tribunal nunca são vistas e mesmo revistas por qualquer um a não ser os participantes di retos Enviar novos oficiais de distrito para afundar ou nadar em distantes arredo res do império era uma política empenhada do Escritório Colonial Britânico309 O envio de defensores promotores e policiais inexperientes à ação após algumas semanas de treinamento superficial é uma questão de necessidade financeira para os burocratas da justiça criminal A não ser que façam algo terrivelmente emba raçoso os funcionários da justiça criminal estão por assim dizer praticamente por conta própria310 Assim que os recrutas ingressam no sistema o sentimento de que estão sozinhos ignorantes e responsáveis311 pode ser avassalador e aterrorizante Mas para um recruta que esteja enxergando o sistema por meio dos contos do Homem Branco esses sentimentos de isolamento são difíceis de prever Muitas pessoas vão reconhecer em si mesmas uma necessidade de supervisão e os contos dos Homens Brancos da justiça criminal irão intimidar essas pessoas elas encon trarão outro trabalho As pessoas que não estão dissuadidas entretanto são for temente atraídas pela ausência de constrangimentos e relativamente tranquilas com a falta de suporte A questão então não diz respeito a como a autonomia oferecida pelo siste ma de justiça criminal pode ser comparada com a oferecida pela Fronteira Afegã retratada por Kipling mas sim a como as carreiras da justiça criminal são com paradas com as opções alternativas disponíveis As apáticas características do sis tema criminal apresentam um frio contraste com a supervisão intensa constante 309 Ver EDWARDES ObCit p16465 310 Ver AJ Reiss Discretionary Justice in HANDBOOK OF CRIMINOLOGY Daniel Glaser ed 1974 Joseph Goldstein Police Discretion Not to Invoke the Criminal Process Low Visibility Decisions in the Administration of Justice 69 YALE LJ 543 1960 311 EDWARDES ObCit p 16465 292 e opressiva numa grande empresa Então quando David Heilbroner apresentase para trabalhar como Advogado Assistente Distrital Assistente de Procurador312 ele e seus colegas são cumprimentados desta maneira Este é o único escritório de direito na cidade de Nova York o supervisor disse em que vocês entram como parceiros Aplausos e gritos de entusiasmo encheram a sala Vocês serão advogados assistentes distritais Apenas o Sr Morgenthau é o Advogado Distrital Procurador Todos os outros são mais ou menos iguais313 A supervisão que a maior parte das carreiras implicaria aos Homens Bran cos carrega uma inconfortável semelhança com a supervisão patriarcal à qual eles foram na infância e na adolescência sujeitos O papel de um parceiro supervi sor numa empresa de advocacia parece não ser mais do que a sustentação por um longo longo período do mesmo ranking de status inferior que os Homens Brancos experimentaram até então Do outro lado a sucessão de sargentos emi nentes que proporcionam um tipo de centro moral para o Hill Street Blues é algo avuncular não paternal Os sargentos demonstram uma autoridade que parece ser livre das rivalidades ambivalências e tensões sexuais presentes numa relação paifilho de verdade O papel do sargento é principalmente o de ajudar o novo recruta de forma dura e severa mas com um coração de ouro durante sua iniciação para um novo modo de vida e de auxiliálo a lograr a separação de sua infância e adolescência A ausência de supervisores no sistema de justiça criminal é reforçada por um aparentemente inesgotável suprimento de camaradas como se vê nos filmes de policialcamarada Ademais o potencial do sistema para camaradagem pa rece prometer aos filhos da burguesia um passaporte fácil através das linhas de classe Em Presumed Innocent Rusty Sabich regozijase com a amizade conferida a ele por Lipranzer e Kenneally dois policiais durões e ele sente uma especial afeição pessoal por Morgan Hobberly um informante negro que morreu após ajudálo em seu caso mais célebre 314 Em Bonfire Larry Kramer está preocupado com o fato de que ele parece estar angariando a aceitação de Martin e Goldberg os policiais designados à investigação do caso central do livro 315 Os contos do Terceiro Mundo é claro apresentam um infindável catálogo de relações similares Quando TE Lawrence é aceito como um igual ao menos de acordo com a opinião de Lawrence por Auda Abu Tayi o salteador beduíno 312 NT A função de Advogado Distrital desemprenhada nos Estados Unidos é comparável à dos Procuradores Públi cos brasileiros explicase essa correlação para uma melhor compreensão do contexto debatido pelo texto quando aplicada a uma observação dos Homens Brancos e Funcionários públicos da justiça no Brasil Essa observação é pertinente para análise dos discursos de procuradores públicos em sua esmagadora maioria homens brancos que impõem narrativa de protagonismo nacional em extrema evidência no panorama político brasileiro atualmente 313 DAVID HEILBRONER ROUGH JUSTICE 18 1990 314 TUROW ObCit p 189 315 WOLFE ObCit p 189 293 ou quando o portavoz de Kipling Orde é tratado como pai pelos ferozes Le ões do Punjab o mesmo sonho tornase realidade a sensível demasiadamente instruída admissão do Homem Branco à masculinidade é ratificada por um pri mitivo que em virtude de representar a essência destilada de masculinidade é o árbitro mais qualificado Os jovens Homens Brancos podem não fazer uma conexão explícita entre por exemplo a relação de Lawrence e Auda e seus pró prios prospectos de aceitação pelos homens de verdade sejam eles policiais ou criminosos do sistema de justiça criminal há muitos ancestrais em comum por exemplo Ishmael e Queequeeq Huck e Jim Deerslayer e Chinagcook Prince Hal e Falstaff316que permitem a assunção de uma herança direta e exclusiva Ainda assim uma vez lidas as memórias dos defensores públicos James Kunen e Randy Bellows é suficientemente fácil imaginálos indo à corte com o Seven Pillars of Wisdom de Lawrence em suas pastas do mesmo jeito que Lawrence via jou pela Arábia com Morte dArtur em seus alforjes317 A ideia de Larry Kramer ser aceito como igual por dois policiais de Nova York é tão plausível quanto a plena aceitação de um Lawrence loiro e de olhos azuis como um Beduíno Mas a Bola Oito como as fronteiras imperiais oferece um ambiente em que essa caracterís tica fantasia de desejo de alguém que gostaria de pensar que tudo é possível de que alguém pode ir para qualquer lugar e ser qualquer coisa318 parece possível de ser sustentada Mesmo o desejo de conexão com seus camaradas não é entretanto tão fundamental à vocação dos Homens Brancos quanto sua relação específica com a maior parte dos membros do público geral A Bola Oito como o Terceiro Mundo colonial oferece um vasto suprimento de nativos a governar A divisão do poder no sistema de justiça criminal não é tão friamente discrepante como era a divisão entre colonizador e colonizado mas o domínio do sistema crimi nal de justiça abriga muitas pessoas que em decorrência da pobreza da falta de educação do vício classe ou raça possuem uma habilidade muito limitada para controlar as ações dos funcionários Todo show policial rotineiro torna isso bas tante claro ao mostrar como suspeitos são tratados informantes são ameaçados e como os profissionais da justiça criminal conseguem o que querem 319 O lado da aplicação da lei do sistema de justiça criminal oferece uma atração adicional para o Homem Branco se a situação assim o demandar ou se o Homem Branco 316 MARTIN GREEN DREAMS OF ADVENTURE DEEDS OF EMPIRE 1979 317 TE LAWRENCE THE SELECTED LETTERS 24 n1 Malcolm Brown ed 1989 Ver também JOHN MACK A PRINCE OF OUR DISORDER THE LIFE OF TE LAWRENCE 1987 318 EDWARD W SAID Introduction to RUDYARD KIPLING KiM 44 1987 319 Como Joseph Goldstein apontou na sociedade americana a prisão e acusação representam uma cerimônia de degradação do status GOLDSTEIN ObCit p 590 Esse desequilíbrio no poder surge de várias maneiras inesperadas também Ele se esconde por exemplo mesmo no relacionamento entre advogados de defesa e seus clientes 294 em comando assim o desejar qualquer um especialmente qualquer um que seja negro ou pobre mas em última análise qualquer um pode ser preso e rebaixado a um status de nativo Na verdade o reconhecimento desse fato está no coração de ambos os livros Bonfire e Presumed Innocent Os protagonistas de am bos começam como pilares aparentemente invulneráveis da comunidade e são imediatamente transformados pela acusação e pela prisão em um tipo totalmente distinto de pessoa intensamente vulnerável impotente e exposto Esses são os benefícios que a visão do Homem Branco da carreira da justi ça criminal anuncia como compensação por seus salários miseráveis e seu baixo status profissional Eles são conferidos a qualquer um que simplesmente faça a es colha antes mesmo de fazer qualquer coisa Estão implícitos no status da justiça criminal do Homem Branco A visão do Homem Branco do serviço da Bola Oito oferece um salário estável e a consequente liberdade frente às agudas preocupa ções financeiras um mundo totalmente de homens e a consequente liberdade frente às ambivalências e exigências da vida doméstica autonomia rápida e a consequente liberdade frente às definições dos outros um suprimento de cama radas e a consequente liberdade frente o medo de isolamento e superioridade automática sobre uma porção substancial das pessoas que serão encontradas no dia a dia Esse status foi alcançado com suficiente facilidade no mundo imperial e não está facilmente disponível para os atuais americanos de classe média fora do sistema de justiça criminal 9 AVENTURAS Por ter dissipado as várias distrações da vida de workadaddy a visão do Homem Branco do mundo da justiça criminal gera um lugar quase único na sociedade moderna que eficientemente costura os vários elementos da clássica aventura de cavalaria320 Como a aventura toda história de guerra narra uma se paração da vida cotidiana descreve uma imersão em ambientes exóticos e amea çadores movese coerentemente em direção a um objetivo específico está repleta de propósitos idealistas e altruístas e culmina num teste final de masculinidade O aparente exotismo do sistema de justiça criminal urbano oferece ao jovem Homem Branco uma importante arma social Larry Kramer reconhece isso ao contemplar suas chances de seduzir uma linda integrante do júri Os membros do júri de primeira viagem nas cortes criminais tinham um jeito de se deixa rem intoxicar pelo romance a voltagem crua do mundo cruel que eles agora enxergavam 320 Ver MARK GIROUARD THE RETURN TO CAMELOT CHIVALRY AND THE ENGLISH GENTLEMAN 1981 John A MacKenzie The Imperial Pioneer and Hunter and the British Masculine Stereotype in Late Victorian and Edwardian Times in MANGAN WALVIN ObCit p 176 descrevendo a prática rituais e significado social da caça na cultura britânica 295 de camarote e as jovens mulheres se tornaram as mais inebriadas de todos eles Para elas os defensores não eram lanche321 tudo menos isso Eles eram desesperados E esses casos não eram porcaria Eram dramas frios da cidade de bilhões de pés E aqueles com a coragem de lidar com os desesperados de lutar com eles controlálos eram homens de verdade mesmo um funcionário da corte com um tubo de gordura de dez centímetros caindo sobre seu cinto Mas quem era mais másculo do que um jovem promotor que permanecia a não mais que dez passos do acusado com nada entre eles a não o ar fino e que arremessava as acusações do Povo em seus dentes322 Uma das coisas legais sobre o ar de perigo que Kramer descreve é a de que ele é quase completamente falso Você estaria em perigo se tivesse saído para ma tar um dragão e você estaria em perigo se fosse o único Inglês na fronteira Afegã mas você não está em perigo se é o promotor numa audiência criminal Mesmo os policiais os únicos trabalhadores da justiça criminal detentores de uma quase plausível reclamação de que sua profissão é perigosa são estatisticamente me nos suscetíveis a ferimentos do que muitos trabalhadores industriais e mesmo esses ferimentos decorrem com maior frequência de acidentes de carros do que das ações de desesperados323 Ademais o ambiente propositalmente exótico do sistema de justiça criminal não apenas oferece relativa segurança contra o perigo físico mas também contra a exposição das próprias e vergonhosas inadequações dos Homens Brancos John McClure levantou a questão de que os agentes co loniais e aqui eu incluiria não apenas os soldados e os administradores mas também os jornalistas antropólogos e outros brancos em atuação no Terceiro Mundo desfrutavam em suas viagens do luxo de conhecer sem a dor de ser conhecido 324 A memória de TE Lawrence Seven Pillars of Wisdom é um bom exemplo O livro é um imenso compêndio do que Lawrence sabia ou ao menos pensava saber sobre os árabes mas não sugere que os árabes sabiam qualquer coisa a respeito de Lawrence a não ser o que ele queria que soubessem As histórias de guerra da justiça criminal compartilham dessa promessa de segurança e Presumed Innocent oferece um exemplo típico Sabich e o Detetive Lipranzer estão visitan do um projeto de habitação popular uma zona de guerra uma terra em que não há futuro um lugar em que havia pouco sentido de causa e efeito Mas os dois brancos têm acesso seguro a esse lugar infernal porque enquanto sobem as escadas Lipranzer deixa seu distintivo à mostra porque não quer ser confun 321 NT No original chows que é uma expressão referente a comida no sentido usado pelo autor da citação a expres são chows com semântica depreciativa das personagens envolvidas 322 WOLFE ObCit p 126 323 ROBERT M FOGELSON BIG CITY POLICE 1977 324 MCCLURE ObCit p 49 ver eg WISHMAN ObCit p 100 Com pouco estímulo os clientes descre veriam suas vidas como lúgubres apaixonadas por detalhes vidas desesperadas e cheias de violência drogas e sexo 296 dido com um homem branco qualquer325 O distintivo de Lipranzer serve como passaporte e talismã Sabemos como Rusty Sabich quer se apresentar a Morgan Hobberly seu informante negro mas não nos é dada qualquer indicação de que Hobberly possa estar um pouco cético sobre essa apresentação As reminiscências de Randy Bellows e James Kunen estão repletas de intuições sobre a psicologia e a moralidade de seus clientes indulgentes mas não há evidência de que os dois advogados estivessem preocupados com a possibilidade de um processo de avalia ção recíproca estivesse tomando lugar Ambos estavam dispostos a conceber que os réus indigentes poderiam desconfiar de conselhos genericamente apontados mas nenhum deles sugere que no que lhes dizia respeito as dúvidas dos réus po deriam ser algo pessoal 326 Em certo sentido o sistema de justiça criminal é uma indústria cujo propósito fundamental é definir e excluir outro de vários tipos De forma errada ou correta a ideologia da justiça criminal americana vê os criminosos como uma variedade especial de pessoas diferentes das normais possuidoras de todas as características que uma pessoa possui327 Todo conto de investigação ou lide criminal desenvolvese em direção ao objetivo de conferir status especiais às pessoas alguém é incluído na comunidade como um de nós ou expulso e formalmente rotulado como um outro 328 Quando eles descrevem sua busca por esse objetivo os historiadores do sistema de justiça criminal são viciados a uma retórica que explicitamente evoca a imagem de uma batalha cavalheiresca Joseph Wambaugh por exemplo deificou um policial derrotado numa novela e mais tarde uma série de televisão chama da The Blue Knight O advogado do réu é sempre o campeão do acusado329 e a revista da Associação Nacional de Advogados de Defesa Criminal na realidade se chama The Champion A metáfora do combate por procuração é penetrante e os advogados en volvidos manifestam uma persistente necessidade de atribuir aos seus clientes propriedades que os tornariam merecedores de um campeão da cavalaria Este é o ponto por exemplo da conversão da depravada examante de Rusty Sabich em donzela em perigo É também o ponto da reconstrução feita por Larry Kramer 325 TUROW ObCit p 359 326 BELLOWS ObCit KUNEN ObCit 327 JOHN GRIFFITHS Ideology in Criminal Procedure or a Third Model of the Criminal Process 79 YALE LJ 359 37879 1970 328 Essa segurança também aumenta o poder de uma das estratégias tradicionais usadas na definição da própria identidade a de proclamar uma identidade negativa encontrando alguém para contrastar com o próprio eu emergente ERIKSON ObCit LARRY KRAMER por exemplo é capaz de se contrastar com Andy Heller e sua prosaica escolha de Angstrom Molner O expromotor David Heilbroner enfaticamente não é advogado de Assistência Jurídica de Nova York Defensores públicos como Kunen e Bellows passam boa parte do tempo apontando que por sua vez não são Larry Kramer ou David Heilbroner 329 GRIFFITHS ObCit p 36869 297 de seu informante o Rei do Crack da Avenida Evergreen em um facsímile de um estudante de Lawrenceville contemplando os Poetas do Lago330 Na visão de Kramer essa transformação não é apenas uma questão de persuadir jurados ou reforçar a reputação de alguém na sala de julgamento Você sentiu que precisava higienizálo para você Você precisava acreditar que o que você estava fazendo com essa pessoa expressamente tentando usálo para levar outra pessoa para a cela era não apenas eficaz mas certo Esse verme esse germe esse punk esse antigo babaca era agora seu camarada seu companheiro na luta do bem contra o mal e você mesmo quis acredi tar que uma luz brilhava em torno desse organismo desse antigo verme debaixo da pedra agora um elevado e uma juventude incompreendida Ele sabia disso mas Roland Auburn era diferente331 A prática criminal oferece aos jovens Homens Brancos uma oportunidade incomparável de engajamento em combates estilizados em nome dessas figuras desencarnadas Oferece uma oportunidade para experimentar o que Erikson des creve como alguma correspondência fortemente sentido entre o mundo interior das ideias e maldades e o mundo social com seus objetivos e perigos 332 Claro essa é uma batalha apenas num sentido especial e na verdade é o exato oposto das tradições do combate cavalheiresco No sistema de justiça criminal os com batentes propriamente ditos não são feridos na batalha os acusados e as vítimas que eles defendem pagam o verdadeiro preço 333 O que quer que explique a imagem cavalheiresca os Homens Brancos geralmente são forçados a no fim entrar em acordo com o real impacto de seu trabalho Em seu livro de memórias Rough Justice David Heilbroner conta a his tória de um acusado que ele condenou e que depois cometeu suicídio 330 WOLFE ObCit p 410411 Ver também WILLIAM H SIMON The Ideology of Advocacy Procedural Justi ce and Professional Ethics 1978 Wis L REv 29 94113 argumentando que a criação de clientes artificiais é o requisito lógico de uma certa ideologia positivista da advocacia 331 WOLFE ObCit p Ill 332 ERIKSON ObCit p 18788 333 Esse desapego pode ser um produto da posição social dos profissionais de justiça criminal que servem como portavozes de seus colegas Caracteristicamente os homens brancos que escrevem sobre o sistema de justiça criminal são em certa medida homens à parte homens que não fazem parte do sistema mas homens que optaram por fazer parte dele Esse fato está diretamente dentro da tradição dos homens brancos que escreveram sobre o serviço imperial Kipling escreveu sobre os Soldiers ThreeSoldados três de baixa vida mas da perspectiva de um homem de escola pública que se tornou jornalista Orwell serviu na polícia da Birmânia mas sabia desde a infância que queria ser escritor e não escreveu sobre suas experiências na Birmânia até voltar à Inglaterra STANSKY ABRAMS ObCit Alguns excelentes exemplos aparecem entre os portavozes do sistema de jus tiça criminal Considere Donald Graham descendente da família Meyer e agora editor hereditário do Washington Post oferecendo suas memórias de serviço como patrulheiro da Polícia Metropolitana nas páginas do OpEd Opposite Editorial Page oposto à página editorial espaço jornalístico destinado às colunas ou comentários de opiniões que se encontram na página oposta à página editorial Ver Donald Graham Ten Years Later A Ride in Scout 148 WASH POST Aug 17 1990 pp A25 Joseph Wambaugh se baseou em sua própria experiência po licial ao escrever The New Centurions 1970 The Blue Knight 1972 e The Choirboys 1975 mas Wambaugh nunca foi um policial típico ou médio de Los Angeles já que possui diplomas avançados em ciências sociais Scott Turow publicou One L 1977 e James Kunen publicou The Strawberry Statement 1972 antes de iniciar o serviço de justiça criminal que levava respectivamente a Presumed Innocent e How Can Defend That People Esse grupo particular de homens brancos o grupo que ouvimos com mais frequência é retirado do elemento em que George Orwell se localizou e seus colegas coloniais eles não são zangões da classe trabalhadora mas os amortecedores da burguesia GEORGE ORWELL THE ROAD TO WIGAN PIER 126 1965 298 Antes de ser preso ele estava pronto para embarcar em uma nova carreira como eletricista com a esperança de melhorar sua condição Agora com uma condenação mentirosa diante dele esses sonhos foram destruídos Eu tive de parar por um minuto e considerar o efeito podero sos que minhas decisões tinham nas vidas dos outros Era vagamente nauseante saber que dia após dia minhas energias eram direcionadas a promover a punição 334 Em Confessions of a Criminal Defense Lawyer Seymour Wishman conta a história oposta Ele conhece uma vítima de estupro uma enfermeira que ele interrogou em nome de um acusado Assim que eu cheguei em casa uma coisa ficou clara a raiva da enfermeira me aterrorizou Não que estivesse esperando que ela me agredisse fisicamente mas eu estava aterrorizado pela pessoa que ela viu aterrorizado com o fato de que eu pudesse ser visto desse jeito aterrori zado com o fato que eu pudesse ser essa pessoa335 Os advogados estão unidos ao apresentar esses momentos como epifanias fulgurantes de clímax Cada homem usa a história para explicar o motivo de ter deixado o serviço da Bola Oito cada um vê sua descoberta da humanidade de testemunhas opostas com significado Cada um espera convencer os leitores da novidade de sua descoberta Os leitores estão mais propensos a se convencer de que os dois Homens Brancos não fizeram suas descobertas a não ser no fim de suas carreiras Para os leitores o significado residirá nos anos que cada homem perdeu perseguindo imagens fantasmagóricas de combate cavalheiresco e nas centenas de acusados e testemunhas que ficaram no caminho IV OS DESAPONTAMENTOS DA BOLA OITO Eu não descrevo as atrações oferecidas pela visão do Homem Branco do sistema de justiça criminal para atacar os homens cujas atrações os levaram a construir carreiras na justiça criminal Por que se sentir superior a homens que buscaram independência excitação e idealismo em suas carreiras Deveriam ter buscado em contrário subordinação tédio e ganho financeiro Fáceis assunções de superioridade sobre os Homens Brancos da Bola Oito convidam o criticismo cogente que George Orwell fez em sua avaliação ambivalente de Kipling É pelo fato de identificar a si mesmo com a classe oficial que ele possui uma coisa que as pessoas esclarecidas raramente ou nunca possuem e que é um senso de responsabilidade A classe média de esquerda odeia tanto Kipling por isso quanto por sua crueldade e vulgaridade 336 A maioria dos Homens Brancos da Bola Oito sente que seus esforços irão melhorar a vida na Bola Oito Eles podem estar errados a respeito disso mas a motivação não é por si inferior a uma mais determinação mais elegante de 334 HEILBRONER ObCit 335 WISHMAN ObCit 336 ORWELL ObCit p 18687 299 lamentar as condições da Bola Oito à distância Ao menos os Homens Brancos tentaram fazer algo Ademais os Homens Brancos do sistema de justiça criminal não são necessariamente anomalias as atrações que eles seguiram para dentro do sistema de justiça criminal refletem desejos que todos sentiram Os Homens Brancos no sistema de justiça criminal ou no Terceiro Mundo simplesmente as querem mais e estão dispostos a sacrificar mais com o propósito de alcançálas Reconhecer essas coisas é essencial para compreender o esgotamento e para avaliar sua afirmação de que é um distintivo de autoridade experiente A visão convencional do Homem Branco esgotado que é o guia para o submundo da justiça criminal urbana é a de que a importância dele deriva do que ele passou ele é interessante em virtude das incompreensões sobre a vida urbana que deixou para trás Na verdade o que é diferente e significativo na voz do Homem Branco é o que permanece o sonho obstinadamente persistente de um mundo de ideal autonomia O Homem Branco da justiça criminal sempre se dirige a nós no momento em que ele reconhece esse sonho como inalcançável um momento com o qual todos são familiares O fato de que todos nós compartilhamos dessa experiência que faz do Homem Branco da justiça criminal uma figura cativante mesmo para pessoas que abandonaram há um bom tempo a esperança de uma autonomia romântica em favor de uma existência workadaddy O sonho do Homem Branco é inalcançável Mas ele não é inalcançável por causa da natureza selvagem do povo que ele é forçado a governar assim como o sonho de Kurtz não era inalcançável por causa do povo que ele governava Nem é inalcançável em virtude das regras constitucionais e regulamentos que as cortes impõem assim como o descontentamento dos Homens Brancos coloniais não era causado pelos esforços bastante frágeis de Londres para controlar seu poder A ambição do Ho mem Branco é inalcançável e os Homens Brancos estão desapontados porque a vida adulta não confere tal completa autonomia a ninguém Kipling de todas as pessoas entendeu esse truísmo e o fez centro de uma de suas estórias mais bemsucedidas The Man Who Would Be King337 A estória revela o conto de dois Homens Brancos prototípicos Dravot e Carnehan que inseridos numa vida cada mais dominada e limitada por regras partem com o intento de se tornarem Reis do Kafiristan Dois dos mais simpáticos trapaceiros da história da ficção picaresca eles na verdade alcançam seu objetivo em parte por sorte em parte por coragem e perseverança Mas o reinado de Dravot como reideus é temporário Quando ele exagera ao casarse com uma humana e assim contradizendo seu status como deus os monges locais erguemse em rebelião e ele é morto Carnehan escapa e é visto na praça do mercado delirando em virtude do 337 RUDYARD KIPLING The Man Who Would Be King in A CHOICE OF KIPLINGS PROSE Craig Raine ed 1987 300 sol e cantando o hino que serve como epígrafe para essa seção Na versão original de Bishop Heber o hino começa O Filho de Deus marcha para a guerra Uma coroa dourada a ganhar338 Kipling corrige as palavras para O Filho do Homem marcha para a guerra indicando seu reconhecimento de que quando os filhos do homem esforçamse por alcançar prerrogativas reais eles ultrapassam os limites não importando quão compreensível seja a necessidade de tornarse rei ou quão atraente sejam os homens que a buscam A aventura de Dravot e Carnehan bus cada nos lugares isolados do Terceiro Mundo é uma com que facilmente se pode criar empatia e ninguém a trataria mais simpaticamente do que Kipling No fim esses fatores apenas compõem a agudeza da história Kipling insiste quase contra a sua vontade que a aventura está condenada pela natureza da existência mortal E se esses temas na justiça criminal sobrevivessem depois de os Homens Brancos terem entrado no sistema Eles possuem o mesmo poder para moldar o pensamento dos Homens Brancos na Bola Oito que a vocação dos colonialistas exerceu no Terceiro Mundo Eles influenciam seu caráter e suas percepções e comportamentos Eles afetam fundamentalmente as mensagens do sistema para a grande sociedade para a qual os profissionais são praticamente a fonte exclusive Quero tentar ilustrar o po tencial de distorção dessas forças ao oferecer dois exemplos de reações profissionais a questões que à primeira vista parecem exclusivamente políticas e ideológicas mas que podem dever muito e igualmente à biografia e à filosofia Um exemplo a controvérsia a redor do caso Miranda v Arizona é pequeno e discreto O segundo o debate sobre os dois modelos de procedimento criminal de Herbert Packer é compreensivo e penetrante A MIRANDA VS ARIZONA No caso Miranda v Arizona339 a Suprema Corte definiu que encontran dose um suspeito em custódia a polícia deve tentar dissipar a inerentemente coercitiva atmosfera da detenção policial informandoo acerca de seu direito de permanecer calado de seu direito à assistência por um advogado e por fim de seu direito de ter caso não disponha de recursos suficientes um advogado de signado a assistilo Estudos empíricos sobre o impacto de Miranda começaram logo depois de a decisão ter sido anunciada e mostram geralmente que Miranda tem no máximo ou no mínimo dependendo do seu ponto de vista um im pacto bastante marginal nas taxas de condenação340 Alguns atribuem esse fato à 338 H AUGUSTINE SMITH HYMNAL FOR AMERICAN YOUTH 149 1919 339 384 US 436 1966 340 Ver eg Michael Wald Richard Ayers David Hess Mark Schantz Charles Whitebread III Project Interro gations in New Haven The Impact of Miranda 76 YALE LJ 1519 1967 John Griffiths Richard Ayers A Postscript to the Miranda Project Interrogation of Draft Protesters 77 YALE LJ 300 1967 Richard Medalie Leonard Zeitz Paul Alexander Custodial Police Interrogation in the Nations Capital The Attempt to Imple 301 melhoria do profissionalismo policial outros a uma cultura de perjúrio policial outros à possibilidade de as advertências de Miranda nunca terem demonstrado para começo de conversa qualquer impacto nos suspeitos Seja qual for a razão o fato de que Miranda apresenta um obstáculo muito frágil à condenação não é surpresa para ninguém que seja regularmente ativo no sistema de justiça criminal Mas essa mesma conclusão chocaria o público em geral que confia nos e depen de de despachos do Homem Branco do front Nos contos dos Homens Brancos sobre a vida da justiça criminal suspeitos sarcásticos são sempre liberados em virtude de detalhes técnicos para que possam matar novamente Ainda mais impressionante que a frequência com que essas estórias ocorrem é a intensidade com que são relatadas As piores pessoas imagináveis são liberadas em virtude das mais triviais omissões cometidas pelo policial mais bemintencionado que já nasceu e esse processo resulta numa vingança de sangue coagulado contra nossa vaga e confusa sociedade Num episódio de Hill Street Blues por exemplo uma defensora públi ca ganha a liberação do cliente em uma tecnicalidade inspirada em Miranda apenas para que esse mesmo cliente assassine seu melhor amigo outro defensor público Sem suporte estatístico essas anedotas são o suficiente para convencer grandes números de juízes conservadores comentaristas e políticos que continu am a empregar uma tremenda fatia de energia contra Miranda como se ela fosse o real problema Eles parecem ter também convencido o público geral de que a regra de Miranda implementada pela supervisão judicial injustamente ata as mãos da polícia Mas se as estatísticas estiverem certas e Miranda for extrema mente ineficiente qual o motivo para todo esse furor A reação pública pode ser explicada pelo fato de o público absorver mais os contos dos Homens Brancos do que as estatísticas Parte saudável da direção e intensidade dos próprios comentários dos Homens Brancos à Miranda pode ser explicada como uma reação não à substância da norma constitucional anunciada pela Corte mas à ideia de própria supervisão Por terem escolhido uma carreira em virtude da autonomia que ela prometia os Homens Brancos da justiça cri minal tendem a reagir histericamente contra qualquer esforço para cercear essa autonomia ainda que os efeitos das limitações sejam em grande parte ilusórios Essa foi a explicação da reação dos Homens Brancos coloniais aos gestos patéticos em direção a uma responsabilidade legal que raramente foram a eles solicitados Em Burmese Days Orwell retrata Westfield um oficial da Polícia Imperial de Burma tomando uma posição muito familiar ment Miranda 66 MICH L REV 1347 1968 Ver também NEAL MILNER THE COURT AND LOCAL LAW ENFORCEMENT THE IMPACT OF MIRANDA 1971 302 Inútil velho amigo disse Westfield Inútil demais O que você pode fazer com toda essa fita vermelha atando suas mãos Os mendigos dos nativos conhecem a lei melhor do que nós Insultam você na sua cara e então fogem no momento em que você bate neles Você não pode fazer se não se impor com firmeza Isso é tudo o que a lei e ordem fizeram por nós A ruína do Império Indiano por causa de legalidade excessiva era um tema recorrente para Westfield De acordo com ele nada salva uma rebelião massiva e o consequente reino da lei marcial po deria salvar o Império da ruína Todo esse mascar papel e envio de memorando Burocratas de escritório são os verdadeiros governantes desse país agora 341 Quando Westfield diz isso no contexto colonial seus motivos parecem transparentemente óbvios para nós agora Ele quer sua autoridade sobre os na tivos e liberdade da fiscalização dos burocratas muitos de nós questionariam se o fato de ele desejar essa prerrogativa significa que eles são de fato necessários a qualquer função governamental Sabendo o que sabemos sobre os colonialistas e sua vocação o máximo que poderíamos dizer é que essa autoridade autônoma é necessária para a felicidade pessoal de Westfield Seria ridículo usar esse exemplo como razão para ignorar completamente qualquer informação oferecida de primeira mão pelos Homens Brancos sobre o impacto de Miranda Mas tendose em mente o exemplo de Westfield parece no mínimo imprudente falhar em levar a vocação dos Homens Brancos em conta ao determinar o peso dos contos dos Homens Brancos sobre Miranda possam ter Talvez uma grande parte da veemência do ataque dos Homens Brancos contra Miranda pode ser explicada através de uma observação feita por um preciso e simpático observador da polícia Isso porque as pessoas que escolheram a polícia como sua carreira assumindo que ela consiste na luta contra as forças do mal e tendose em mente que eles serão livres para fazer em qualquer encontro específico seu próprio julgamento exigido pelas circunstancias precisam ver cada restrição reguladora e qualquer esforço de escrutínio como uma mudança fundamental nas condições de seu emprego 342 Compreender a ânsia por aventura e autonomia que animou a jornada dos Homens Brancos ajudanos a entender o motivo tanto para os Homens Brancos da justiça criminal quanto para seus precursores coloniais regulações inofensivas assim como as nocivas são frustrantes irritantes e ilegítimas B O MODELO DE FAMÍLIA VS O MODELO DE BATALHA Um segundo exemplo do impacto potencial da vocação dos Homens Bran cos é dado pelo esforço mais famoso em desenvolver uma análise compreensiva da ideologia do processo penal americano o ensaio de Herbert Packer chamado 341 ORWELL ObCit p 32 342 EGON BITTNER ASPECTS OF POLICE WORK 375 1990 303 Dois Modelos de Processo Criminal de 1964343 Neste exemplo os Homens Brancos aparecem em outro papel carregando mensagens da grande sociedade para a audiência especificamente visada da Bola Oito O artigo de Packer foi enormemente ambicioso ele prometeu realizar nada menos do que uma descri ção do inteiro espectro de escolha normativa que é ao menos em teoria aberto para definir a forma do processo criminal 344 A mais incríveis das afirmações de Packer de que ele teria identificado com sucesso os dois modelos distintos na ideologia do processo criminal que devem formar geralmente com algum com promisso a base para as estratégias do sistema foi efetivamente aniquilada por John Griffiths num artigo publicado no Yale Law Journal em 1970345 Griffiths demonstrou que o Dois Modelos de Processo Criminal de Packer não discutiu dois modelos de jeito algum Griffiths definiu que o Modelo de Controle do Cri me e o Modelo do Devido Processo eram apenas glosas diferentes de um modelo único unificado e penetrante de modelo de processo criminal Griffiths chamou esse modelo de Modelo de Batalha Packer consistentemente retrata o processo criminal como uma luta uma guerra estilizada entre duas forças opostas cujos interesses são implacavelmente hostis o Indivíduo em particu lar o indivíduo acusado e o Estado Seus dois Modelos não são nada mais que derivações alter nativas daquela concepção de profunda e irreconciliável desarmonia de interesses Como uma ou outra parte de um processo destinado a resolver disputas entre irreconciliáveis deve vencer em todos os casos a questão crucial para o procedimento penal assim transmitida é a que se refere a qual tendência deve se afirmar nas normas É aí que os Modelos de Packer diferem 346 Griffiths argumenta que Parker embora não soubesse o que estava fazen do descreveu com eficiência a ideologia o rol de crenças assunções categorias de compreensão e similares que afetam e determinam a estrutura da percepção 347 do sistema de justiça criminal Griffiths prova a abrangência da ideologia do Modelo de Batalha e então demonstrar que trabalhando o Homem Branco tanto como promotor e aderente das políticas de Controle do Crime quanto como de fensor e aderente das proteções do Devido Processo é no Modelo de Batalha que 343 Herbert L Packer Two Models of Criminal Process 113 U PA L REV 1 1964 A peça também aparece em HERBERT L PACKER THE LIMITS OF THE CRIMINAL SANCTION 1968 As citações aqui serão para o livro doravante referido como LIMITS 344 Id p 2 Packer argumentou que as muitas ideologias potenciais do sistema de justiça criminal poderiam ser descritas como um espectro entre dois polos o Modelo de Controle do Crime de um lado e o Modelo de Devido Processo do outro O Modelo de Controle do Crime considera a repressão do crime como de longe a função mais importante do sistema de justiça criminal Sua característica distintiva segundo Packer é a preocupação com a eficiência Id p 159 No outro extremo o Modelo de Devido Processo está mais preocupado com o conceito de primazia do indivíduo e o conceito complementar de limitação do poder oficial Id p 165 Para os aderentes ao modelo de processo devido o modelo de controle de crimes parece uma correia transportadora movendose inexoravelmente em direção a uma condenação Para os adeptos do modelo de controle do crime o modelo de processo devido parece uma pista de obstáculos lançando incessantemente barreiras ao bom funcionamento das autoridades policiais Id p 163 345 Griffiths ObCit 346 Id p 367 347 Id p 359 n 1 304 ele acredita O método de comprovação de Griffiths é tão interessante quanto as proposições que ele conclama Griffiths ilumina os contornos do Modelo de Batalha ao empregálos em outra instituição na sociedade que ocasionalmente inflige punições a ofensores por suas ofensas mas que é não obstante construído sob a premissa fundamental de interesse e amor348 Griffiths encontra essa instituição na família e descreve em certa medida qual forma um Modelo de Família de procedimento criminal tomaria Griffiths estava escrevendo antes do surgimento do que explicitamen te afirmou representar uma jurisprudência feminista mas o Modelo de Família contém muito do que se poderia chamar de feminista O Modelo de Família de Griffiths por exemplo acomoda preocupações como a preservação dos relaciona mentos e a importância do cuidado que Carol Gilligan em In a Different Voice identifica como temas centras no desenvolvimento moral das mulheres jovens349 A sua instituição demandaria uma série de mudanças fundamentais no modo com que o processo criminal é visto O fato básico sobre a punição em famílias é o de que um pai e uma criança possuem muito mais para fazer um com o outro do que obediência dissuasão e punição e qualquer processo entre eles refletirá o completo alcance de sua relação e as preocupações que daí decorrem350 Griffiths não afirmou que o Modelo de Família existe no mundo real mas ressaltou um momento na história recente em que um facsímile seu se realizou o movimento de reforma da corte juvenil da primeira metade deste século351 As doutrinas des se movimento de reforma demandavam que o jovem fosse pensado mais como a criança do que como o acusado e que a corte deveria solucionar casos de delinquência pela promoção dos melhores interesses da criança352 Conforme Griffiths notou Assim procedendo as regras procedurais feitas apenas para equalizar o equilíbrio entre o Estado e o acusado não teriam lugar uma vez que o Estado não teria interesse diverso do da criança353Deste modo as novas cortes juvenis reformadas eram operadas por um processo informal destituído das proteções procedurais à disposição dos acusados adultos que logo foi reconheci do como um retumbante fracasso Nas palavras de Griffiths foi um processo de pressa rotina aglomeração arbitrariedade às vezes de miséria e mesmo de brutalidade354 348 Id p 372 349 GILLIGAN ObCit Ver ANN SCALES The Emergence of Feminist Jurisprudence An Essay 95 YALE LJ 1373 1986 350 GRIFFITHS ObCit p 373 351 Id p 399404 Ver também MARTHA MINOW MAKING ALL THE DIFFERENCE INCLUSION EXCLU SION AND AMERICAN LAW 25054 1990 352 GRIFFITHS ObCit p 399 353 Id p 400 Ver In GAULT 387 US 1 1967 354 GRIFFITHS ObCit p 400 305 Quando Charles Silberman analisou o caos presente nas cortes juvenis em seu livro Criminal Justice Criminal Violence ele intitulou seu capítulo Juvenile Justice How Could It Have Happened When We Were So Sincere355 Griffiths provê a resposta à questão de Silberman argumentando que o movimento de re forma da corte juvenil foi uma ideia imposta artificialmente sobre um substrato inalterado do Modelo de Batalha 356 O exemplo da experiência da corte juvenil ilustra duas coisas Em primeiro lugar quando a grande sociedade decide usar as cortes criminais para comunicar uma mensagem ela deve contar com a coope ração dos mensageiros do sistema suas tropas de linha Em segundo há algumas mensagens e a metáfora da Família é uma que as tropas de linha não podem ou não irão transmitir Para que se possa apreciar completamente a profundeza e a extensão da resistência do Modelo de Batalha às tentativas de reforma do Mo delo de Família é crucial considerar o porquê de a cultura do sistema de justiça criminal ser tão inerentemente inóspito para as premissas morais e éticas de um Modelo de Família do processo Por qual motivo os profissionais da justiça crimi nal que operavam as cortes juvenis falharam em implementar o redirecionamento explicitamente ideológico do movimento de reforma da corte juvenil O cerne de uma explicação é encontrado nas atrações que levaram os ope radores do processo às suas carreiras dividido em grande medida por eles com seus precursores colonialistas Para operar um Modelo de Família é necessária a maturidade para integrar aspectos das éticas masculina e feminina357 Foi incrivelmente otimista esperar que homens que haviam escolhido um mundo to talmente masculino de aventura adotassem um Modelo de Família Considerese a reação de Randy Bellows o antigo defensor público à atual Corte Juvenil do Distrito de Columbia uma corte bem mais formal e com consciência normativa do que a visão original do movimento de reforma da corte juvenil Eu não gostava da Corte Juvenil Os clientes adultos eram simples Eles precisavam sair da prisão Meus clientes juvenis precisavam de muito muito mais Eles precisavam de pais e mães que se importassem com eles Eles precisavam de amigos que não os levariam para o mau caminho Eles precisavam de disciplina e aconselhamento e de aprendizagem de leitura e outras mil e uma coisas que eu não poderia oferecer a eles Eu não havia sido treinado para ser um assistente social358 Em certo sentido família é para começo de conversa justamente o que esses homens queriam evitar Não se pode pedir a pessoas que estimam as atrações 355 CHARLES SILBERMAN CRIMINAL VIOLENCE CRIMINAL JUSTICE 1978 356 GRIFFITHS ObCit p 400 Um destino semelhante pode aguardar a atual moda de policiamento comunitá rio Ver BOB COHN A Peoples Cop Ruffles His Macho Men NEWSWEEK Aug 27 1990 p 38 357 LLIGAN ObCit argumentando que a capacidade de integrar a ética do cuidado e a ética dos direitos sina liza maturidade e desenvolvimento moral pessoal 358 BELLOWS ObCit p 8687 Para uma visão de como a quadra juvenil em que Bellows praticava se tornou típica do Modelo de Batalha ver DC SUP CT JUVENILE AND FAMILY COURT RULES 1988 306 de definir a si próprias pela definição de outros que admitam em grande me dida que o outro é na verdade o mesmo e que o outro e o self são finalmente reconciliáveis359 De modo que os Homens Brancos da justiça criminal como seus ancestrais colonialistas almejam autonomia idealismo e o reconhecimento de que são homens entre homens ao ponto de que ao buscarem o status dos Homens Brancos sua lealdade pertencerá ao Modelo de Batalha De forma simi lar eles serão hostis às reivindicações para que respeitem diferenças individuais reconheçam a humanidade compartilhada e valorizem relacionamentos que a abordagem feminista que Griffiths delineia acabaria por impor Os colonialistas buscaram um tipo de Modelo de Família mas o modelo que seguiram não era o de Griffiths ou o de Carol Gilligan A família dos colonialistas era o patriar cado da ficção Vitoriana que mascarava os anseios autoritários na retórica da benevolência360 A família deles é como a de Próspero uma família em que o pai possuía poder mágico absoluto sobre seus dependentes Próspero afirma va possuir motivos benevolentes o santo comissário distrital de Kipling Orde professava o mesmo Assim como o Procurador Distrital do Bronx em Bonfire Conforme ele explica o Bronx para Larry Kramer Nós somos como um pequeno grupo de cowboys conduzindo um rebanho Com um rebanho o melhor que você pode esperar é que consiga mantêlo inteiro ele fez um grande gesto de círculo com suas mãos sob controle e que não perca muitos ao longo do caminho Oh chegará o dia e talvez chegue muito cedo em que as pessoas ali embaixo terão seus próprios líderes Mas agora eles precisam de nós e nós temos de fazer a coisa certa com eles 361 O projeto do Procurador Distrital é igual ao de Lorde Jim Ele quer que ambos substituam e nutram os líderes naturais da comunidade sujeitada 362 Consideradas as forças por trás de sua vocação seria idiota esperar qualquer outra coisa dele Os Homens Brancos da justiça criminal vão para um lugar visto por eles como exótico e isolado Uma vez lá se os interesses entram em conflito eles buscam o interesse de Crusoe não o de Friday o de Próspero e não o de Caliban o dos Homens Brancos de Kipling não o dos Punjabis o de Lorde Jim e não o dos Malaios Os Homens Brancos estão preocupados em sustentar suas próprias posições de autonomia e poder V CONCLUSÃO O PREÇO DO ESGOTAMENTO Conrad viu algo a ser respeitado na vocação do Homem Branco impe rial Equilibrou seus retratos do megalomaníaco Kurtz com sua longa e simpá 359 BARBARA JOHNSON A WORLD OF DIFFERENCE 189 1987 360 MCCLURE ObCit p 107 361 WOLFE ObCit p 488 362 McCLuRE ObCit p 129 307 tica análise de Lorde Jim 363 Jim é levado para o mar e depois para o Terceiro Mundo pela ética da ficção de aventuras de garoto Quando ele abandona um navio repleto de peregrinos indefesos no Oceano Índico e perde a licença de seu companheiro em desgraça recusase a abandonar a autoimagem e visão de mundo que guardam pouca semelhança com a verdade da experiência 364 Um homem de intenções benignas ele escolhe modelos heroicos o marinheiro e o governante paternal para enfatizar a santidade do serviço comunal 365 Como John McClure destaca mesmo seus defeitos são atraentes sua teimosa recusa em comprometer seu ideal heroico de conduta faz dele uma pessoa excepcional não importa o que pensemos sobre a qualidade de seu ideal366 Tampouco há qual quer horrivelmente errada com o conteúdo de seu ideal como Albert Guerard nota há muitas situações em que o romantismo infantil pode ser preferível ao realismo cínico367 Kipling iria assim tão longe e de fato no The Man Who Would Be King ele vai Mas como sempre Conrad procura mais fundo Jim repara sua desgraça ao estabelecer a si próprio como o governante patriarcal de Patusan na costa da Malásia Sua superioridade é garantida pelo fato de que todos que ele conhece são nativos e essa primazia do Homem Branco restaura sua confiança ao protegêlo da complexidade do mundo europeu Quando esse mundo se intromete entre tanto a superioridade de Jim é perdida no momento em que falha em proteger seu rebanho das depredações de um salteador branco Como resultado Dain Wa ris o príncipe malaio e herdeiro natural ao trono de Patusan é morto Quando Dain Waris é morto Jim se apresenta para execução no trono do pai de Dain e aceita ser morto em expiação Como Jim Dravot e Carnehan pagam com suas vidas por sua tentativa desgraçada de viver seus sonhos de aventura no Kafiristão Os Homens Brancos da justiça criminal também pagam um preço embora ele não seja tão espetacular Seu preço está na dura experiência no desapontamen to na desconsideração Se os enxergarmos com os olhos de Kipling entretanto talvez sejamos tentados a reagir com nada mais do que um encolher de ombros melancólico Mas Conrad salienta algo que Kipling não apontou Conrad insiste que não foram apenas os Homens Brancos que pagaram o preço por sua inútil busca de sonhos adolescentes Conrad é sensível ao custo terrível que caiu sobre as comunidades tradi cionais cuja liderança os Homens Brancos suplantaram durante suas aventuras 363 JOSEPH CONRAD Lord JIM 1986 364 MCCLURE ObCit p 126 365 Id p 122 366 Id p 121 367 ALBERT GUERARD CONRAD THE NOVELIST 161 1967 308 As depredações de Kurtz entre seus seguidores equivalem a genocídio O herói mais benigno de Lorde Jim causa a morte do líder natural da comunidade malaia Esses temas de Conrad que são grandemente expandidos se nos guiam como deveriam guiar para novelistas póscoloniais como Chinua Achebe368 levantam questões para o nosso próprio tempo Qual é o efeito por exemplo numa coesa e tradicional comunidade urbana negra como a Homewood de John Edgar Wideman quando os Homens Brancos do sistema de justiça criminal perseguem sua versão análoga da vocação colonialista às custas da comunidade369 A leitura de Conrad nos faz recordar de que um preço também foi pago pelas sociedades europeias que permitiram os sonhos dos Homens Brancos e concederam a esses homens o monopólio das comunicações entre as sociedades metropolitanas e seus povos dominados Mensagens das capitais imperiais eram distorcidas pela fala sentimento e comportamento dos Homens Brancos nas colônias e as relações com os povos dominados eram desnecessária e destrutivamente inflamadas As in formações das quais as capitais imperiais dependiam e cuja retirada das fronteiras do império foi incumbida aos Homens Brancos eram geralmente tão distorcidas por estes que decisões tragicamente equivocadas eram nelas baseadas As comunidades tradicionais aleijadas de Conrad foram capazes de realizar um tipo de retribuição Em Lord Jim é o pai Doramin o representante vinga tivo de uma tradição demolida e não Dain a mais esperançosa corporificação de um futuro esclarecido e sintético que finalmente põe fim à aventura colonial de Jim370 Esse reconhecimento também tem um sentido em termos contem porâneos A ação de Bonfire é iniciada pelas atividades do Reverendo Bacon um ativista negro geralmente identificado com o Reverendo Al Sharpton O Reve rendo Bacon persegue o protagonista branco o corretor de empréstimos Sher man McCoy pelo simples expediente de insistir em alto e bom tom que o sistema de justiça criminal e seus Homens Brancos se aplicam à acusação de McCoy nos mesmos termos com que se aplicariam a um residente negro do Bronx em iguais circunstâncias No caso de McCoy o Reverendo Bacon obtém sucesso em reque rer que os Homens Brancos da justiça criminal sigam o processo da justiça crimi nal que eles praticam todos os dias Fazendo isso ele expõe esse processo como uma paródia grotesca da justiça criminal que os Homens Brancos ritualmente esposam Muitas recensões de Bonfire caracterizam Bacon como um vilão Quando Próspero governava sua ilha deserta em The Tempest ele perseguiu seu próprio sonho de onipotência confinando Caliban e adotando a atitude de 368 CHINUA ACHEBE THINGS FALL APART 1958 ANTHILLS OF THE SAVANNAH 1987 369 JOHN WIDEMAN HIDING PLACE 1981 DAMBALLAH 1981 SENT FOR YOU YESTERDAY 1983 370 MCCLURE ObCit p 130 309 um pai rígido controlando Caliban para o bem público e ostensivamente para o seu próprio Como os Homens Brancos coloniais e como seus sucessores no sistema de justiça criminal Próspero considerou Caliban ingrato por seus esfor ços civilizatórios Mas Caliban enxergava a piada Ele fala a Próspero Você me ensinou a falarE meu ganho nisso reside No fato de saber como amaldiçoar371 Em Bacon e em Sharpton ouvimos a voz de Caliban e o lugar para procurar os Prósperos que os ensinaram a como amaldiçoar está entre os representantes do sistema de justiça criminal Pode ser que os Bacons e os Sharptons se diri jam aos seus tutores na única língua que esperam que eles possam compreender Como à luz da lição da era imperialista poderíamos esperar que fizessem outra coisa A busca pelo sonho imperialista dentro da Bola Oito ameaça recriar a cida de que Frantz Fanon denunciou uma lógica de terror contraterror violência contraviolência começa a ganhar espaço Sem dúvida essas são questões de correspondência e ressonância não de identidade e são impossíveis de ser cali bradas ou quantificadas Mas ao menos isso parece ser verdadeiro para mim nós prestamos demasiada atenção aos charmes exóticos e superficiais através dos quais os relatórios dos Homens Brancos coloniais e da justiça criminal nos entretêm e pouquíssima às características mais negras que eles também compartilham372 REFERÊNCIAS AJ REISS Discretionary Justice in Handbook of Criminology Daniel Glaser ed 1974 ALAN SANDISON The Wheel Of Empire 1967 ALBERT GUERARD Conrad The Novelist 1967 ALBERT MEMMI The Colonizer and the Colonized IX 1965 ALBERT MURRAY The OmniAmericans 1970 ANGUS WILSON The Strange Ride Of Rudyard Kipling His Life And Works 1977 ANN SCALES The Emergence Of 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trans 1990 OWEN THOMAS Easy Answer on Prison Furlough Eludes Dukakis CHRISTIAN SCIENCE MONITOR Sept 8 1988 PETER ARNELIA Rethinking the Functions of Criminal Procedure The Warren and Burger Courts Competing Ideologies GEO LJ 1983 PHILIP MASON Prosperos Magic some thoughts on race and class 1962 PHYLLIS GOLDFARB A TheoryPractice Spiral The Ethics of Feminism and Clinical Education MINN L REv 1991 RA DUFF Trials And Punishments 1986 RANDY BELLOWS Notes of a Public Defender in The social responsibilities of lawyers case studies Philip B Heymann Lance Liebman eds 1988 RICHARD A POSNER The Depiction of Law in Bonfire of the Vanities YALE LJ 1989 RICHARD C BOLDT Restitution Criminal Law and the Ideology of Individuality in CRIM L CRIMINOLOGY 1986 RICHARD MEDALIE LEONARD ZEITZ PAUL ALEXANDER Custodial Police Interroga tion in the Nations Capital The Attempt to Implement Miranda MICH L REV 1968 RIK ERIKSON Identity Youth And Crisis 1968 ROBERT L NELSON Ideology Practice and Professional Autonomy Social Values and Client Rela tionships in the Large Law Firm STAN L REV 1985 ROBERT M Fogelson Big City Police 1977 RUDYARD KIPLING How Shakespeare came to write The Tempest 1916 RUDYARD KIPLING The Enlightenment of Pagett MP Contemporary Review Summer 1890 RUDYARD KIPLING The Man Who Would Be King in A Choice of Kiplings Prose Craig Raine ed 1987 312 SAUL BELLOW The Deans December 1982 SCOTT TUROW Presumed Innocent 1987 SEYMOUR WISHMAN Confessions of a Criminal Defense Lawyer 1981 SHAKESPEARE The Tempest Act I Scene 2 STEVEN D STARK Perry Mason Meets Sonny Crockett The History of Lawyers and the Police as Television Heroes U MIAMI L REV 1987 TE LAWRENCE The Selected Letters 24 n1 Malcolm Brown ed 1989 THEODORE CHIRICOS Phillip Jackson Gordon Waldo Inequality in the Imposition of the Criminal Label Soc PROBLEMS 1974 TOM WOLFE Bonfire of the vanities 1987 TREVOR P GRIFFITHS This Islands Mine Caliban and Colonialism in The yearbook of english studies 1983 WILLIAM H SIMON The Ideology of Advocacy Procedural Justice and Professional Ethics Wis L REv 1978 313 OPEN CITY373 Jeff Ferrell374 A batalha contemporânea por espaço público a luta para uma comunida de urbana aberta continua a desenrolarse por um longo fronte de controvérsia e conflito Desde a calçada Tempe da Mill Avenue375 até as esquinas e parques po lifônicos de Flagstaff376 e Amsterdam desde as ondas aéreas ilícitas na Bay Area377 às ruas domesticadas de Londres até mesmo dentro do Towering Inferno378 de Denver conflitos sobre espaços culturais borbulham sobre a rotina ensujeirada da vida cotidiana Esses conflitos continuam a emergir e acumularemse exigin do novas políticas econômicas da vida urbana novos mecanismos de controles social e espacial Ao mesmo tempo eles demonstram novas estratégias de resis tências sobre este controle e abordagens inovadoras para empreender políticas urbanas alternativas e libertadoras Tal como a conceptualização progressista de Murray Melbin acerca da noite como uma fronteira temporal instável esses con flitos sugerem que os espaços públicos das cidades continuam a ser um terreno urbano incerto um espaço fronteiriço onde controle e insubordinação colidem tal qual aqueles que resistem ao destino manifesto de colonização cultural lutam e recuam sistematicamente379 Enquanto essas batalhas são claramente desconectadas por suas peculiari dades e naturezas locais afinal há uma grande distância entre fazer música em 373 Este texto que se apresenta é um trecho do livro Tearing Down The Streets por esse motivo optouse por deixar o título em inglês para que o leitor possa absorver o máximo da escrita do original O trabalho faz parte de uma pesquisa etnográfica em que o autor realiza a experiência etnográfica para escrever suas percepções dos espaços públicos urbanos a partir de uma concepção anarquista O texto foi traduzido para o português por Guilherme Michelotto Böes e Carlos Böes de Oliveira 374 Jeff Ferrell é atualmente Professor de Sociologia na Texas Christian University EUA e Professor Visitante de Criminologia na Universidade de Kent Reino Unido Ele é o autor dos livros Crimes of Style Tearing Down the Streets Empire of Scrounge e com Keith Hayward e Jock Young Cultural Criminology An Invitation vencedor do Prêmio de Livros Distintos de 2009 da American Society of Criminologys Division of International Crimino logy é o coeditor dos livros Cultural Criminology Ethnography at the Edge Making Trouble Cultural Crimino logy Unleashed e Cultural Criminology Theories of Crime Jeff Ferrell é o atualmente editor e fundador da série de livros Alternative Criminology da New York University Press e um dos editores fundadores da revista Crime Media Culture An International Journal vencedora do prêmio Charlesworth de melhor revista da Association of Learned and Professional Society Publishers em 2006 Em 1998 recebeu o prêmio Criminologista Crítico do Ano da Divisão de Criminologia Crítica da Sociedade Americana de Criminologia 375 NT Famosa rua no Estado de Arizona Estados Unidos 376 NT Cidade no Estado de Arizona a sudoeste de Tempe 377 NT Região na Califórnia que compreende entre as cidades de São Francisco Oakland e São José 378 NT Espaço cultural do underground de Denver onde grafiteiros moradores de rua excluídos etc ocuparam O Towering Inferno é o nome dado a um prédio de sete andares do início do século XX abandonado onde uma vez uma fábrica de refino de farinha se estabelecia 379 Murray Melbin Night as Frontier New York Free Press 1987 314 uma esquina de Flagstaff e dançar em Trafalgar Square380 elas são claramente conectadas pelas identidades e ideologias de seus participantes Como visto ao longo destes conflitos autoridades políticas e econômicas repetidamente estabe lecem seus controles do espaço público na proclamação da necessidade do desen volvimento econômico e revitalização urbana fazem referência às ideologias de senso comum sobre restauração da civilidade urbana e comunidade excludente e exibem uma paixão pobremente maquiada por regulação da ordem e con trole elitista de cima para baixo No outro lado da rua aqueles que resistem a autoridade não compartilham apenas um do gosto empírico por insubordinação anárquica mas também estratégias fundamentadas no campo cultural anárquico do façavocêmesmo DIY381 e ação direta Além disso é possível perceber em muitos casos um entendimento sofisticado da história anarquista e de sua teoria Talvez o mais significante para uma politica alternativa de rua aqueles que resistem a extinção dos espaços públicos abrangem diferenças pessoais e situacio nais através da complexidade inclusiva de suas próprias identidades de vanguarda e contracultura382 Juntos eles criam um submundo informalmente integrado em que operadores de microradio atuam como defensores dos semtetos os skatistas punks se transformam em ativistas políticos BASE jumpers383 tornamse video grafistas ilícitos grafiteiros transmitem rádio piratas e ciclistas da Massa Crítica ocupam as ruas por um dia ressignificandoas Claro como um ocupante de longa data deste submundo ecleticamente insubordinado eu felizmente tentei incorporar a mesma sensibilidade espacial transversal perambulando através de minha vida anárquica no meio de intersecções de identidades de grafiteiro ar tista de rua ativista da Massa Crítica pedestre e comunicador de rádio pirata Todas essas identidades todos esses conflitos sobre o espaço público e sig nificado público por sua vez fortalecidos por oposições mais profundas tão fundamentais como complexas inclusão versus privilégio anarquia versus autori dade emergência versus ordem Enquanto os últimos programas de ação de au toridade espacial são feitos Enquanto cada vez mais padrões de exclusividades e privilégios são codificados e estabelecidos nos espaços das cidades habitantes de ruas e ativistas de ruas regularmente movemse para desvendarem essa ordem espacial emergente Ao fazêlo eles reinventam as dinâmicas políticas essenciais dentro dos espaços da vida cotidiana lançando o desafio anarquista diante a face das forças legais e econômicas inventando resistências práticas às estruturas de 380 Praça localizada em Londres 381 Do It Yourself 382 NT Destacamos da tradução diferences through the inclusive complexity of their own undergroung identi ties 383 NT Building Antenna Span Earth BASE Sigla de onde os paraquedistas fazem queda livre Prédio B Antena A Ponte S e Terra E Earth quer se referir à cliff Penhasco 315 controle em expansão minando os quadros da autoridade espacial com momen tos de inovação e espontaneidade confrontando as comunidades de privilégios e exclusão com o peripatético festival dos oprimidos Neste requisito pensar sobre os proprietários corporativos constantemente fazendo campanha contra as pes soas de rua e os Gutter Punks384 sobre suas enormes SUVS passando por cima de bicicletas sobre a Flour Mill Lofts385 usurpando o Towering Inferno sobre a FCC386 e a Associação Nacional de Radialistas atacando as estações de microra dios estou tentado a conjurar outra oposição fundamental caracterizar o que está acontecendo nas ruas como bem uma legítima guerra de classes Enquanto os Wobblies387 sem dúvida concordariam eu suspeito que Mbanno KantakoTracy JamesRobert F Williams Mildred Jones e Napoleon Williams chamariam de outra coisa talvez uma guerra racial ou genocídio cultural Então com tanto em jogo na luta pelo espaço público outras oposições fundamentais questões fundamentais também surgem Quem por exemplo está destruindo as ruas Funcionários da justiça criminal líderes de negócios e os empreendedores certamente apontariam para as pessoas nas ruas grafiteiros ciclistas da Massa Crítica BASE jumpers e operadores de rádios pirata como aqueles responsáveis por destruírem a vida na cidade maculam virtudes cívicas debilitando a comunidade urbana e colocando a baixo a segurança das ruas e calçadas Membros do Reclaim the Streets388 militantes da bicicleta e ativistas dos sem tetos sugeririam em vez disso que desenvolvedores urbanos planejadores da cidade e residentes de bairros gentrificados389 destroem a possibilidade de vida comunitária nas ruas por criação de um mundo claustrofóbico de habitação superfaturada autoestradas lotadas e espaço público super regulado Eles advo gariam em resposta literalmente destruindo as ruas como elas agora existem e especialmente com o que elas estão se tornando e reconstruindoas ao longo 384 NT Os Gutter Punks ou Punk de sarjeta na tradução são pessoas que usam cabelos espetados ou dreadlocks tatuam seus rostos perfuram os narizes e ficam sentados nas ruas das cidades Em sua maioria vagam de cidade a cidade pedindo esmolas ou fazendo serviços de biscate São pessoas que vivem desempregados voluntariamente httpsenwikipediaorgwikiGutterpunk 385 NT Bairro histórico de Denver onde funcionou o moinho de farinha Apartamentos em edifícios de luxo 386 NT Federal Communications Commission Comissão Federal de Comunicações Órgão regulador da área de telecomunicação e radiofusão dos Estados Unidos 387 NT Organização sindical httpswwwiwworghistory Muito antes da liquidez moderna do capitalismo tardio de volta ao período do capitalismo industrial de porcas e parafusos por exemplo um grupo mais claro e corajosamente engajado no confronto direto à economia predatória do capitalismo os Wobblies mais formal mente conhecidos como os Trabalhadores Industriais do Mundo De fato os Wobblies eram conhecidos por sua capacidade de organizar os trabalhadores itinerantes e marginais por sua dedicação em dirigir a ação econômica e por sua facilidade de inversão subversiva dos símbolos e de recodificação criativa HAYWARD Keith FERRELL Jeff Possibilidades insurgentes as políticas da criminologia cultural Sistema Penal Violência vol 4 n 2 Porto Alegre julhodezembro 2012 Pp 2062018 388 Movimento anárquico que busca mostrar os efeitos da cultura automobilística sobre as cidades e a sociedade 389 A gentrificação é um processo de renovação e reconstrução que está ligada ao influxo de pessoas de classe média a áreas deterioradas Este processo frequentemente realoca os residentes mais pobres ao tornar a área cara de mais 316 das linhas dos espaços abertos ciclovias e moradia a preços acessíveis Gutter punks e skatistas punks também argumentariam que aqueles que julgam sentar dormir ou andar de skate nas ruas um ato ilegal efetivamente são aqueles que acabam com a vitalidade das ruas Operadores de rádios pirata e músicos de ruas nos lembrariam que a existência das ruas não se reduz apenas ao espaço físico mas traduzse em éter disputado do espaço sonoro e comunicativo apontariam portanto para o papel dos governos locais e da FCC no fechamento cacofônico da cidade390 E falando dessa cacofonia como deve uma cidade soar afinal Como de veria parecer Se a noção de espaço cultural oferece qualquer coisa de uso é o entendimento que inevitavelmente nós imbuímos o espaço urbano nós o ocu pamos com significado e emoção com eflorescências da beleza e humanidade De quem então e de que tipo Tal questão parece residir no coração de quem nós somos como residentes de uma cidade como membros de uma comunida de urbana Questões de significado beleza e emoção podem claramente serem respondidas teologicamente ou epistemologicamente Mas especialmente nas experiências compartilhadas da cidade elas também devem serem respondidas espacialmente Portanto uma derradeira questão uma questão que parafraseando a in fame especulação de Brecht sobre a moralidade de possuir bancos ou roubálos nos leva ao cerne da batalha sobre o espaço urbano Qual o pior crime proibir o espaço público ou abrir o espaço público para os forasdalei391 TERRITÓRIO OCUPADO Enquanto os zeladores das cidades trabalham para proibir o espaço público aberto deixando as ruas exclusivamente a circulação de carros e consumidores a economia política de suas operações dificilmente poderiam ser mais obvias Em todos os casos avaliados nos capítulos anteriores vemos o papel essencial dos donos de comércios no centro da cidade associações de comerciantes departa mento de desenvolvimento econômico agências de turismo grupos comerciais e empreendimentos urbanos de altos custos orquestrarem campanhas contra aque les que politicamente são marginalizados e pobres Vemos tais campanhas ope 390 Como Keith argumenta em referência aos espaços públicos urbanos mas tais espaços nunca podem serem assumidos nós sempre temos que responder a pergunta de Harvey na imagem de quem a cidade é feita A esfera pública é sempre quase auto evidentemente marcado por traços de suas historicidade e espacialidade KEITH Michel Streets SensibilityNegotiating the Political by Articulating the Spatial IN Andy Merrifield amd Erik Swyngedouw editors The Urbanization of Injustice New York New York University Press 1997 páginas 13760 391 Ver FERRELL Jeff Crimes of Style Urban Graffiti and the Politics of Criminality Boston Northeastern Univer sity Press 1997 páginas 178186 317 rando para limpeza dos espaços culturais da cidade para puxar a descarga desta malcheirosa carnificina humana e a sua irritante estática extra que interfere na promoção da escala de consumo e o aprimoramento dos negócios e valores das propriedades E vemos os prefeitos das cidades comprados e vendidos os con selhos municipais subservientes os órgãos locais da justiça criminal até mesmo os burocratas federais apoiando tais campanhas com novos estatutos e estratégias agressivas para a sua implementação Nestas campanhas a força bruta nunca está longe a brutalidade imediata dessa justiça contemporânea nas ruas é tão aparente quanto aos arranjos de poder que as subscrevem Novamente considere os casos vistos nos capítulos anterio res uma coleção que evidentemente incorpora apenas uma pequena fração das degradações diárias das ruas Somente nessas coleções os policiais da cidade de Nova Iorque cerceiam prendem e tiram as pessoas de ruas flagradas ou jogando lixo no chão ou cometendo outros crimes à qualidade de vida autoridades da cidade de Tempe e outras cidades proíbem quem se senta na calçada ou anda de skate sobre ela Os policiais de São Francisco interrompem e fecham as reuniões dos Food Not Bombs392 removem os ciclistas da Massa Crítica de suas bicicletas levandoos ao chão pela força prendendoos coletes das forçastarefas multi jurisdicionais equipes armadas da SWAT393 atacam estações de rádios uma atrás da outra confiscando equipamentos e informações E isso sem mencionar a agressão passiva de inúmeros novos controles de ambiente todos aqueles arbus tos espinhosos e gramados irritantes os antigos bairros coagidos a entrar em uma ruína cultural e as intermináveis levas de prisões diárias por impedir o tráfego grafitar acampar em espaço público mendicância e invasão Assim o que quer que esteja ocorrendo uma coisa é clara a atual proi bição de espaços abertos na cidade anuncia uma expansão do controle legal e cultural para os cantos mais distantes mais marginalizados da vida pública um alargamento da rede e uma restrição da malha de tal forma que a própria exis tência de comunidades de ruas alternativas tornase criminosa394 De fato revela o funcionamento de uma guerra de classes de uma guerra racial em outras pa lavras uma guerra literalmente territorial que codifica as desigualdades raciais e de classe no espaço de experiência da vida cotidiana contra os excluídos e ex cêntricos impondo e reforçando uma longa história de escandalosas injustiças 392 NT Coletivo independente que serve comidas veganas e vegetarianas a outras pessoas de forma gratuita Esse movimento global e voluntário busca no comércio local comidas em boas condições que serão descartadas Com isso promovem a manifestação politica de que há comida em abundância no mundo e que a fome pode ser com batida a partir da racionalização e redução do custo para sua produção Ver wwwfoodnotbombsnet 393 NT Grupo especializado da polícia americana para combate similar ao nosso GOE e BOPE 394 Ver COHEN Stanley The Punitive City Notes on the Dispersal of Social Control Contemporary Crises 3 1979 339363 Stuart Henry editors Social Control Aspects of Nonstate Justice Aldershot UK Dartmouth 1994 Jeff Ferrell Review of Social Control Social Pathology 2 n 1 1996 4247 318 sociais395 E neste sentido espaços públicos abertos que foram censurados ao uso comum representam um território ocupado uma vez aberto ou pelo menos menos assentado estes territórios agora estão dominados por um exército de po liciais e construtores invadidos por uma horda feliz de residentes da Flour Mills Loft e consumidores de luxo que os seguem como um rebanho atrás da falange da lei do desenvolvimento e de todas as políticas de exclusão que varrem as ruas Esse território ocupado esta apropriação política e econômica da cidade contem porânea não poderia ser mais óbvia do que uma bandeira nazista agitandose no alto da Torre Eiffel Ou poderia Na verdade ao menos se você viva na rua ou leia um livro como este aqui talvez você não fosse capaz de perceber nada sobre isso Primeira mente porque você pode se encontrar completamente e prazerosamente perdido nas indulgências precisas e préplanejadas dos espaços fechados das cidades de tal modo que você nem se incomodaria em procurar Centros reestruturados bair ros residenciais gentrificados a certeza de ondas de rádios aprovadas da cidade o interior isolado do automóvel todos eles constituem o espaço cultural em que relações de poder e controle são produzidas e reproduzidas mas não categori camente nem descaradamente A contenção das pessoas e suas identidades com esses espaços a constituição de suas escolhas ao redor de agendas de obediência e consumo surgem dentro de uma dinâmica sutil em que tais escolhas são co mercializadas como apropriadas e desejáveis dentro de um modo de vida mais atraente Para muitos tais espaços não são intimidantes mas convidativos até sedutores eles os atraem e muitas vezes ironicamente apropriando higieni zando embrulhandoos para revender a própria cultura urbana sabores locais originalidade excitação urbana deslocando eles Afinal por mais estranho que pareça para um anarquista punk como eu as pessoas de fato pagam pelos privilégios de entrar na Disneylândia e não apenas na original mas nos recintos urbanos Disneificados Disneyfied da cidade recém plastificada Levada ao pé da letra dois momentos nos primeiros dias de punk Belsen Was a Gas do The Sex Pistols umaode a um dos campos de extermínio nazista e a incorporação da suástica costurada na roupa punk constituem uma grosseira insensibilidade à história humana Tomado como comentário cultural constituem algo mais perturbador a sugestão nas palavras de Greil Marcus é que nos livros de história ao contrário o fascismo venceu a segunda guerra que o Reino Unido contemporâneo é uma paródia do fascismo no Estado de BemEstar social onde as pessoas não tem liberdades para fazerem suas próprias 395 Ver FERRELL Jeff Trying To Make Us a Parking Lot Petit Apartheid Cultural Space and the Public Nego tiation of Ethnicity in Dragan Milovanovic and Katheryn Russell editors Petit Apartheid in Criminal Justice Durham NC Carolina Academic Press 2001 p 5567 319 escolhes de vidas pior ainda onde ninguém tinha o desejo de fazêlo396 E se esse era o caso da Bretanha de 1970 os EUA em 2000 parecem mais um Estado Disney paródia do fascismo um lugar onde pessoas voluntariamente vão para campos de concentração urbanos embelezados definidos por regulação vigilância e entretenimento programado Em The Punitive City esse brilhante ensaio de 1979 sobre controle social Stan Cohen pergunta quão isolada e confinada tem que ser uma instituição antes de tornarse uma prisão e não digamos uma instalação residencial comunitária Hoje uma paráfrase O quão redesenhado tem que ser Belsen o quão sofisticado e divertido antes que alguém perceba que é um campo de extermínio Nesse mesmo ensaio Cohen notou que com a cidade punitiva tentativas são feitas para incrementar a visibilidade ao menos a teatricalidade do con trole social aqui na nossa comunidade397 Embora ao mesmo tempo uma distinta contradinamica no controle social contemporâneo sugere um segundo fator que inibe a nossa percepção de fechamento e clausura da higienizada se gurança do espaço público Quando realizado de maneira eficaz o fechamento espacial não aumenta a visibilidade do controle social ao longo do tempo mas o diminui deixando pouco ou nada para se notar No primeiro capítulo desse livro eu invoquei Engels e sua noção de que problemas sociais deslocavamse como uma forma de descrever o estado policial da pósmodernidade que aborda as injustiças pastoreando e escondendo suas vítimas apagandoos tanto quanto seus significados subversivos através da relocação física e simbólica E isso é pre cisamente o que os capítulos subsequentes confirmaram na ocupação da cidade outsiders e suas culturas são expurgados desaparecidos tornados invisíveis e inaudíveis Não surpreende que as autoridades políticas e econômicas se satisfaçam em mudar seus problemas para outro lugar escondendo os semteto para apagando grafiteiros e seus escritos de lugares públicos silenciando estações de microrádio e regulando os músicos de rua eliminando a injustiça apenas na superfície da cidade Tais estratégias refletem não apenas um fracasso de humanidade e von tade política por parte deles não apenas uma hipoteca míope do futuro contra a lucratividade do presente mas refletem também uma economia política maior do capitalismo tardio Cada vez mais a economia corporativa não vende somente bens de consumo mas estilos de vida e a ilusão de satisfação em incorporarse a 396 MARCUS Greil Liptick Traces A secret history of the Twentieth Century Cambridge MA Havard University Press 1989 p 118 Para ver mais sobre graffiti feito na parede do Britains Buckstone Browne Animal Research Establishment a few years later Death Camp Animal Belsen IN Jill Posener Spray It Loud London Pando ra 1982 page 71 397 COHEN The punitive city páginas 344 360 Ver também COHEN Stanley Folk Devils and Moral Panics Lon don Macgibbon and Kee 19721980 GARFINKEL Harold Conditions of Successful Degration Ceremonies American Journal of Sociology 61 1956 420424 320 determinados estilos de vida e a economia urbana opera da mesma forma ven dendo ecos imaginários da cultura urbana através da autenticidade fraudulenta de distritos históricos e dos Flour Mill Lofts Campanhas políticas e iniciati vas de justiça criminal funcionam de maneira similar oferecendo não soluções honestas mas sim mitologias baratas de segurança construções simbólicas do bem comum Portanto os espaços culturais essenciais a esta economia política dirigida pela imagem são geridos da mesma maneira através de um policiamento da percepção uma remoção de intrusos desagradáveis uma codificação subre pugnante do controle social destes arbustos espinhosos que separam os prédios edifícios repintados e a ausência de qualquer distúrbio perceptível Mas por tudo isso vale a pena lembrar que verdadeiras batalhas estão sen do travadas nessa superficial irrealidade da imagem e percepção Como o pesqui sador Michael Keith argumenta podemos entender melhor a política da cidade rejeitando qualquer oposição simplista entre o real e o imaginado ou espaços metafóricos de identidade398 Como visto nos capítulos anteriores mesmo as batalhas mais pósmodernas de espaços culturais permanecem fundamentadas nesses mesmos espaços incorporados na sensualidade vivida de pessoas e lugares De fato o policiamento da imagem e da percepção tem importância justamente porque399 a política e a economia não se transformaram em abstrações flutuan tes mas permaneceram práticas fundamentadas na vida cotidiana disputadas no domínio das esquinas das ruas calçadas rádios e edifícios abandonados Como aqueles que procuram fechar o espaço público e aqueles que buscam libertálo sabem as ruas ainda importam e importam o suficiente para serem redefinidas como imagem e ideologia As ideologias que subscrevem o fechamento do espaço público funcio nam da mesma maneira que os distritos comerciais do centro a mudança dos problemas sociais para outros lugares e as imagens excludentes de comunidade introduzidas no primeiro capítulo ofuscando o funcionamento do controle so cial e distraindo a atenção da ocupação do território urbano A tese janelas que bradas promulgada por Wilson e Kelling nos anos 80 por exemplo a tese de que janelas quebradas pichações e outros pequenos problemas de alguma forma promovem formas sérias de criminalidade e afetam o senso de comunidade ra pidamente se tornou a base para a repressão agressiva ao graffiti mendigagem vadiagem e outros crimes de qualidade de vida em Nova York e em outros lu gares400 É claro que esta é uma criminologia incrivelmente ruim quaisquer que 398 Keith Street Sensibility página 139 399 NT Destaque no original 400 Ver WILSON James Q KELLING George The police and neighborhood safety broken windows Atlantic Monthly 127 1982 2938 ver MILLER D W Poking holes in the theory of Broken Windows The Chron icle of Higher Education 47 n 22 February 9 2001 A14A16 321 sejam suas orientações particulares a maioria dos criminologistas concordam que o crime não origina nas janelas quebradas mas de uma mistura entre desigual dade econômica valores culturais discordantes marginalização subcultural e da exagerada reação e represália oficial Pior janelas quebradas é uma demagogia muito eficiente atribuindo a culpa pelo crime de rua não à pobreza e à margina lização mas aos pobres e marginalizados Particularmente desonesta ela por sua vez justifica a remoção de tais grupos dos espaços que ocupam e em um truque vigarista esconde a gentrificação nesses espaços janelas reparadas pichações removidas dentro de uma ideologia de prevenção ao crime e comunidade restaurada De acordo com essa mesma orientação ideológica há ainda outro fator importante na restauração comunitária nas ruas e calçadas da cidade civilida de De fato o conceito de civilidade parece funcionar como uma espécie de narrativa mestre para aqueles que fecham o espaço público desordenado eles consistentemente escondem suas operações revanchistas por trás dessa noção va zia e hipócrita Autoridades locais como Rod Keeling chefe da associação de negócios da Comunidade de Downtown Tempe argumentam que as iniciativas direcionadas aos semtetos realmente mudaram a civilidade das ruas401 Auto ridades nacionais concordam Um grande402 estudioso da ordem social como George W Bush salientara em seu discurso de posse que a civilidade não é uma tática ou um sentimento É a escolha determinada da confiança sobre o cinismo da comunidade sobre o caos A socióloga Sharon Zukin observa que ao longo de muitas campanhas atuais para fechamento e limpeza dos espaços públicos o denominador comum é civilidade Os projetos urbanos tentam usar a estética visual para evocar uma ordem cívica desaparecida associada a uma classe média igualmente desaparecida ou pelo menos transformada Eles usam a civilidade por sua vez para evocar uma homogeneidade social desaparecida403 Uma hegemonia social desaparecida também Quer dizer sejamos hones tos quanto os poderosos e privilegiados discursam sobre restaurar a civilidade e a comunidade é muito difícil quebrar o código deste discurso Ao falar de civi lidade eles se referem a ordem ausência de convulsão e inquietação um mundo em que os marginalizados silenciosamente vão para uma boa noite de injustiça Ao falar em restaurar tal civilidade e as comunidades que as sustentam eles men 401 Citado em JONES Melissa L Ambassador to homeless The Arizona Republic April 5 1999 pages B1 B2 citação página B2 402 NT Aspas acrescentada para captar a ironia do autor 403 ZUKIN Sharon Cultural strategies of economic development and hegemony of vision in Merrifield and Swyngedouw The urbanization of injustice páginas 223243 citação páginas 235236 Zukin oferece aqui uma detalhada descrição da inoperância das comunidades planejadas como uma nostálgica celebração na Disney ver capítulo um desse livro 322 cionam uma época em que os jovens sabiam seus lugares e sabiam que isso não estava incomodando os consumidores pagantes enquanto desciam a rua uma época em que pouquíssimas minorias se atreviam mostrar seus rostos e culturas em plena luz do dia Agora conhecendo a história dos Wobblies o movimento pelos direitos civis os protestos antiguerra e os motins dos zootsuits404 não está claro se tal época sequer existiu Como é frequentemente o caso a nostalgia pode ser principalmente por um tempo o que nunca aconteceu No entanto o que é importante e revelador não é a exatidão desse anseio mas seu afeto e as falsidades fundamentais suas referências em relação à ordem ao consenso e à comunidade A ironia é importante também Como visto nos capítulos anteriores progra mas destinados a policiar espaços culturais restaurar civilidade e comunidade em tais espaços na verdade reforçam padrões de desigualdade espacial e econô mica apartheid étnico e abuso em nível de rua que não são apenas incivilizados mas obscenos405 Quanta civilidade existe em uma revista pessoal realizada por policiais ou em um ataque da SWAT Hoje em dia o quanto de comunidade é oferecido aos desabrigados Os Wobblies sempre disseram que a caridade é a aspersão de colônia nos montes do capitalismo uma aspersão destinada a mascarar o perpétuo cheiro de injustiça e desigualdade406 As invocações da civilidade e da comunidade são a co lônia barata de hoje borrifada sobre as acumulações fétidas de injustiça espacial e reclusão pública que moldam cada vez mais a cidade contemporânea Perfuma dos dessa maneira os espaços reconquistados da cidade passam a ser ocupados pelos privilegiados e poderosos não apenas fisicamente mas ideológica e per ceptivamente seus significados excludentes mascarados por trás de mitologias de segurança e desenvolvimento Eles passam a existir como especulações culturais definidas por um conjunto decididamente falso de imperativos culturais E assim este livro407 considero minha vocação garantir que o odor oleoso da arrogância e da injustiça sobreponhase por este perfume para que as pessoas sintam o fedor e reflitam sobre a sua fonte Esse chamado pode ser realizado de maneira humanista fornecendo um fórum publicado para ideias e experiências anarquistas músicos de rua punks gutters punks ativistas da Massa Crítica operadores de microrradio e outros que são geralmente dispensados de um enten dimento aceitável sobre o espaço público Também pode ser realizado de forma 404 NT Traje muito usado na década de 40 pelos homens das comunidades latinas afroamericanas italianas ameri canas e filipinoamericanas 405 Ver Ferrell Theyre Trying to Make Us a Parking Lot 406 Industrial Worker July 11 1913 página 2 Da mesma forma ver Industrial Worker October 10 1912 página 4 Os políticos não importa o seu nome não cheiram tão bem A politician no matter what his name dont smell so sweet 407 NT And thus this book 323 mais agressiva Completando um livro anterior escrevi em um rascunho do últi mo capítulo que devemos fazer com que as autoridades saibam que são tolos pe rigosos408Vendo isso o editor escreveu na margem Você não pode dizer isso Mas eu posso e fiz e vou novamente podemos começar a dissipar a colônia de civilidade e comunidade desdobrando impiedosamente as contradições que aqueles com a autoridade não são capazes de administrar expondo mentiras ba ratas e os manifestos absurdos que eles divulgam como senso comum e a política pública em relação ao espaço da cidade Embora eu deixe principalmente para o leitor lembrar esses absurdos dos capítulos anteriores alguns destaques devem ser repetidos Convênios em co munidades planejadas proíbem a bandeira dos EUA ditam a cor da pintura da casa e do cascalho decorativo e assim obrigam uma espécie de canteiro de flores Belsen409 As injunções das gangues civis proíbem os alvos de escalar cercas ficar perto de latas de cerveja ou uns aos outros ou aparecer em público Funcionários públicos e o jornal diário em Phoenix definem a falta de moradia como um pro blema de paisagismo e imagem As autoridades em Tempe confinam os artistas de rua à áreas de entretenimento específicas da cidade proíbem as pessoas de sentarem na calçada minam a cena de rua pulsante e a cultura abundante mente exposta Em San Franscisco a administração do prefeito argumentando que a Massa Crítica é a causa do congestionamento do tráfego tenta fechar um acordo com os líderes de uma organização sem liderança e um supervisor da cidade preocupado com uma sociedade desordenada onde vale tudo propõem proibir a que as pessoas fiquem paradas nas esquinas das ruas A Associação Na cional de Emissoras afirma que devido ao crescimento da microrradio milhares de pessoas não poderão ouvir a estação de rádio de sua cidade A FCC apoia esta preocupação com ataques armados contra estações de microrradio E em Denver Jill Crow se muda para uma cobertura de 900 metros quadrados no Flour Mills Lofts que é completamente higienizada e privatizada porque ela deseja uma ex periência mais cultural e por Deus porque ela está interessada na diversidade e preocupandose com a igualdade Tolos perigosos de fato Mas é claro que não basta limpar o perfume li vrarse das seduções de privilégio civilidade comunidade Se Marx tivesse sido um anarquista ele poderia dizer da seguinte maneira os escritores só expuseram as contradições o ponto é recuperar as ruas libertar o território ocupado e abrir a cidade410 408 Ver FERRELL Crime of Style páginas 191192 409 NT O canteiro BergenBelsen Museu de flores em homenagem a vítimas da Alemanha Nazista 410 Ver Karl Marx Teses sobre Feuerbach decimaprimeira tese Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes a questão porém é transformálo In Robert C Tucker editors The MarxEngels Read ers New York WW Norton 1972 página 109 NT As Teses sobre Feuerbach está disponível em português 324 CIDADE ABERTA Em 1945 na época em que os Aliados estavam libertando Belsen Roberto Rossellini decidiu fazer um filme Liberto de seus deveres de produção cinema tográfica sob os fascistas Rossellini começou a documentar os abusos que Roma e seus cidadãos tinham sofrido sob os fascistas italianos e seus companheiros nazistas e ao mesmo tempo documentar a resiliência da resistência cotidiana à ocupação fascista Filmando um pouco além do alcance do exército alemão em retirada filmando cenas na rua nas margens da cidade apenas411 alguns dias antes empregando uma mistura de profissionais cinematográficos e cidadãos comuns Rossellini fez um filme que inaugurou uma nova onda de cineastas412 neorrealis tas do pósguerra E reconhecendo o assunto e as circunstâncias de seu cinema ele intitulou seu filme Roma Citta Aperta ou em seu título em inglês Open City413 Anarquistas e outros que lutam para libertar o espaço público hoje em dia fazem o mesmo filme Encenando cenas em meio a um exército de policiais e desenvolvedores embora infelizmente não recuando eles trabalham para criar uma nova onda de urbanismo libertador para celebrar as possibilidades de uma cidade aberta e uma comunidade urbana eclética e como Rossellini eles enga jam cidadãos comuns a irem com eles para as ruas a fim de enfrentar o tema e a as circunstâncias de seus esforços Da mesma forma que as cenas gráficas de Open City e a violência semido cumentais414 de destruição em tempo de guerra chocaram o público ocidental mas também lhes ensinaram um novo vocabulário acerca do realismo cinemato gráfico as cenas de destruição criativa praticadas pelos anarquistas nas lutas de hoje causa perturbação naqueles que se deparam com elas mas ao mesmo tem po começam a lhes ensinar um novo vocabulário político Que os conflitos con temporâneos sobre o espaço público oferecem muitas dessas cenas foi esclarecido nos capítulos anteriores cujos apontamentos se juntam em uma verdadeira ladai nha de destruição perturbação e ilegalidade Pessoas desabrigadas violam as leis de vadiagem e transgressão cometendo ao longo do caminho inúmeros crimes de qualidade de vida enquanto seus partidários encenam protestos ilegais em seu nome Os artistas de rua performam sem permissão415 vagando416 para fora httpwwwdominiopublicogovbrdownloadtextoma000081pdf 411 shooting scenes in city streets offlimits only a few days before 412 Filmmaking 413 Roberto Rossellini Open City Roma Citta Aperta 1945 Uberto Arato photographer 414 Semidocumentary secenes 415 Play without permits 416 Wander 325 de suas áreas de entretenimento atrapalhando417 o fluxo ordenado do tráfego na calçada Os punks vestem418camisetas com os dizeres Destroy Everything419 e os skaters punks tomam conta de piscinas e manobram sobre os corrimãos420 enquanto os BASE jumpers comandam pontes e torres de rádio em sua ascen são à ilegalidade A Massa Crítica impede o tráfego nas ruas e as intersecções de cortiça Os ativistas do Reclaim the Streets danificam automóveis desabilitam máquinas de construção usam britadeiras421 no pavimento e organizam festas ilegais de rua Os operadores do microrrádio interferem nas ondas sonoras com sons ilegais da mesma maneira que o HipHop e vagabundos rabiscam422 vagões de carga e muralhas da cidade com imagens ilegais Esta ladainha confirma a trajetória sugerida no capítulo um uma trajetó ria anarquista irregular que correndo do passado para o presente continua a se conformar ao contorno da paixão pela destruição de Bakunin Não admira que os defensores da civilidade forçada estejam chocados Seus adversários nas ruas parecem alheios à civilidade exigida dos cidadãos comuns parecem respeitar a majestade da lei tão pouco quanto a santidade da propriedade privada parecem satisfeitos em abraçar a expatriação desafiadora dos Wobblies Nós não somos cidadãos indesejáveis Nós não somos sequer cidadãos423 Respondida em par te ao longo dos capítulos anteriores a questão no entanto surge de novo que tipo de política poderia animar muito menos justificar um apetite tão voraz por destruição424 A tipologia de vandalismo de Stan Cohen começa a sugerir uma resposta Como observado brevemente no capítulo um Cohen acha entre as várias formas de destruição ilegal de propriedade um significado particular o vandalismo ideológico Como Cohen argumenta aqueles que estão nos recantos da margi nalidade425 utilizam regularmente esse vandalismo como uma tática consciente para desafiar simbolicamente um ou outro dos acordos existentes do poder ex cludente Mais amplamente argumenta Cohen o vandalismo ideológico muitas vezes desafia o próprio conteúdo das regras Nesse sentido esse vandalismo não se limita a danificar prédios ou quebrar janelas viola a ideia e a prática da pro priedade e do privilégio e além disso profana as estruturas da vida cotidiana que 417 Disrupt 418 Punk sport 419 NT Destrua tudo 420 Grind 421 NT Jackhammer 422 NT inscribe 423 Industrial Worker October 24 1912 página 2 424 Guns n Rose Appetite for Destruction Los Angeles Geffen 1987 425 NT Disenfranchised margins 326 se tornaram tão culturalmente codificadas que alcançam o status do sagrado Este relato sobrevandalismo ideológico é claro assim como descreve precisamente o projeto em andamento dos situacionistas e outros anarquistas Cohen menciona também o Ludismo e Comuna de Paris uma revolução sobre e contra a vida co tidiana E da mesma forma descreve bem o vandalismo da Massa Crítica e dos ativistas Reclaim the Streets dos operadores de rádio pirata e grafiteiros uma ruptura e destruição não apenas no tráfego de automóveis ou nas ondas sonoras comerciais mas nos pressupostos que os sustentam426 Sob essa luz Cohen termina sua consideração de vandalismo com a noção de que a sociedade cria seu próprio vandalismo Visto sob esta ótica o vanda lismo liberatório dos ativistas Reclaim the Streets e os operadores de rádio piratas surge pelo menos em parte dos controles espaciais cercados e projetados para evitálos como o situacionista gostavam de dizer e escrever nas paredes de Paris a sociedade que abole toda aventura torna a abolição a sua própria e única aven tura possível E preso a essa dinâmica política o vandalismo intencionalmente ideológico desse tipo não poderia ser mais diferente do vandalismo descuidado mal direcionado frequentemente atribuído a crianças em idade escolar e de rua Ou talvez os dois não pudessem ser mais parecidos Após um exame minucioso a quebra de janelas destas crianças descuidadas nas escolas parece em muitos casos simbolizar uma incipiente insurreição contra o encarceramento autoritário que hoje em dia passa pela educação Da mesma forma a rejeição estereotipada de grafiteiros de hiphop como cachorros insensatos marcando seus territórios enquanto os vândalos operando em um nível na cadeia animal não muito dis tante daquele que observamos em animais inferiores desmorona diante de sua anarquia infinitamente criativa427 Afinal a sociedade cria seu próprio vandalis mo em mais de uma maneira e os ataques anarquistas aos arranjos sociais não operam apenas no nível das grandes pedaladas da Massa Crítica e das ações do Reclaim the Streets mas dentro dos muitos pequenos momentos da vida coti diana E de qualquer maneira quem se importa Quem se importa em encontrar a melhor distinção entre vandalismo ideológico e nãoideológico porque poderíamos lembrar tudo é apenas violência contra a propriedade e as leis que a protegem não contra as pessoas Olhando novamente para o vandalismo vio lento e destrutivo dos lutadores anarquistas de rua um padrão óbvio emerge ninguém está se machucando E não é só essa destruição que visa em quase todos 426 COHEN Stanley Property Destruction Motives and Meanings in Colin Ward editors Vandalism New York Van Nostrand Reinhold 1973 paginas 2353 citação página 39 427 Cohen Property Destruction página 53 e ver página 40 Viceprefeito de Denver Bill Roberts citado em FERREL Crime of styles página 136 ver David F Greenberg Deliquency and the Age Structure of Society Contemporary Crises 1 1977 189223 327 os casos corrimãos de shopping calçadas ruas cheias de carros ondas de rádio corporativas regulamentações governamentais e outros alvos distantes da pro priedade no sentido de uma pequena cabana ou camisa velha de alguém é que a destruição lançada por esses grupos visa diretamente restaurar a humanidade as relações humanas e as comunidades humanas não destruílas Sugere que uma maneira de desenredar as confluências desumanas da propriedade e das pessoas confrontar a confusão do consumo com a comunidade desmantelar a hierar quia da mercantilização pela qual a lei e a propriedade estão acima das pessoas e lugares é destruir assiduamente a primeira enquanto afirma a segunda Mais de um comentarista notou que em um esforço para capturar o autor dos ata ques ecocriminosos na virada do milênio em casas multimilionárias esculpidas nas preservadas montanhas ao redor de Phoenix as autoridades ofereceram uma recompensa muito acima de qualquer recompensa local jamais oferecida pela apreensão de um estuprador ou assassino em série O vandalismo incendiário e a suculenta recompensa que se destinam a impedilo contam histórias igualmente reveladoras sobre o desequilíbrio de pessoas e propriedades apenas de ângulos diferentes e ambos lembram a foto de um graffiti de rua que vi anos atrás Eu não acredito em nada dizia Eu sinto que eles deveriam queimar o mundo Apenas deixe queimar baby428 Além disso a destruição desencadeada por aqueles que lutam pelo espaço público visa restaurar a humanidade porque tem por objetivo inventar novos espaços em que as relações humanas possam florescer abrir a cidade e respirar a vida para o envolvimento humano voltar a ela A Massa Crítica congestiona os carros Reclaim the Streets viram barricadas nas ruas a conduta desordenada dos músicos de rua e os ativistas semteto criam espaços abertos de interação huma na alternativa e de comunidade à medida que destroem os espaços fechados de lei propriedade e privilégio Todos confirmam a afirmação de Bakunin de que o impulso destrutivo também é um impulso criativo Abrindo espaço para os marginalizados inventando espaço fora da lei eles minam a proibição do espaço público e confrontam as novas marginalizações de seus ocupantes No capítulo introdutório deste livro a Comuna de Paris derrubando429 a Coluna Vendôme Napoleônica foi talvez a mais direta das ações na batalha contínua pelo espaço público livre e igualitário Considerando a política contem porânea e a moralidade da destruição na batalha pelo espaço público o que pode ríamos justificadamente derrubar hoje Que símbolos de desigualdade e império 428 Foto reproduzida em Laurie Taylor The Meaning of the Environment in Ward Vandalism páginas 5463 foto página 57 Ver Julie Cart AntiSprawl Arsons Put Arizonans on Edge Los Angeles Times February 11 2001 página A1 429 NT Pulling down 328 podem satisfazer o apetite criativo pela destruição E sua destruição abre a cidade para novos significados Eu sugeriria os placares dos balneários corporativos os toldos de restaurantes exclusivos os outdoors que anunciam carros e consumo as estátuas de políticos e filantropos que vomitam perfume Podemos ter Ros sellini filmando essa luta destrutiva para criar uma cidade aberta e podemos ter Vilimius Malinauskas nos liderando também Filho de pai lituano enviado pelos soviéticos para a morte na Sibéria Malinauskas está movendo as maciças estátu as de Marx Lenin e Stálin que uma vez se ergueram sobre as praças da cidade na Lituânia para um novo local seu parque temático Leninland Lá segundo Malinauskas as estátuas junto com réplicas de gulags e carruagens de trem de gado ajudarão a sociedade a compreender e aceitar seu passado430 Se tal parque temático emergisse de monumentos públicos retirados nos Estados Unidos isso poderia ajudarnos a entender e internalizar não apenas nosso passado mas esse arquipélago de gulags espaciais em constante expansão do presente E se fôssemos nomeálo em homenagem ao seu arquiteto não que remos chamálo de Leninland mas de Developersland431 ou talvez mais preci samente de Disneylândia432 Outra faceta também o distinguiria uma sensação de diversão e prazer entre as ruínas Quando os comunistas derrubaram a Coluna Vendôme houve poucas recriminações segundo o relato de testemunhas ocu lares em vez disso uma banda musical tocou a Marselhesa para entreter a multi dão e depois fotografias foram tiradas de famílias orgulhosas postadas ao redor dos escombros da Coluna433 Da mesma forma quando os ativistas da Massa Crítica ou ativistas do Reclaim the Streets destroem o autocentrismo cotidiano das ruas quando músicos de ruas BASE jumpers e skate punks violam frontei ras espaciais quando os defensores dos semteto sentam nas calçadas ou servem comida ilegalmente a dinâmica é de brincadeira realização afirmação esponta neidade A destruição da ordem e do privilégio a abertura de espaços fechados não resulta em recriminação mesquinha não na vingança dos oprimidos mas no festival dos oprimidos O filme sempre permanece mais comédia que tragédia Para aqueles que lutam contra o fechamento do espaço público o prazer lúdico constitui tanto os termos de engajamento nos quais eles estão dispostos a lutar quanto o senso de possibilidade a imaginação de uma cidade aberta pela qual eles lutam Festivais sem restrições nas ruas momentos de dança espontânea e música de forma livre servem como subversões sensuais minando a ordem da 430 CONNOLY Kate Cold Thaw Theme Park for Communist Icons Guardian Weekly December 30 1999 January 5 2000 página 17 431 NT Destacamos Termo no original 432 SOLZHENITSYN Alexander The Gulag Archipelago London Collins and Harvill 1974 433 VUILLAUME The Destruction of the Vendome Columm in Stewart Edwards editors The Communards of Paris 1871 Ithaca NY Cornell University Press 1973 páginas 146148 citação página 147 ver página 40 329 vida cotidiana e convidando os transeuntes aos prazeres da insubordinação lúdi ca Ao mesmo tempo sugerem ainda que por algum tempo demonstrem o que mais o que mais a vida cotidiana poderia ser se não fosse interrompida por tais subversões mas definida por elas Nesse sentido os prazeres lúdicos como meios e fins da luta anarquista pelo espaço público são mais do que divertidos Eles são profundamente políticos Mas então quais prazeres não são Consumir pedaços de prazeres pré embalados oferecidos por um parque temático corporativo inutilmente regozi jandose com434 a suave locomoção de andar de carro explorando a excitação sombria do sadomasoquismo por mais diferentes que sejam todos envolvem questões de autoridade privilégio e identidade todos traçam interconexões par ticulares entre poder e jogo e todos portanto constituem atos políticos de pouca importância435 Portanto aqueles que participam do festival dos oprimidos não inventam a política do prazer eles apenas a reinventam Eles criam prazeres que subvertem à passividade atomizada do consumo de massa permanecendo aber tos inclusivos e coletivos pela construção de novas comunidades abertas dentro da casca da velha ordem Como acontece com os BASE jumpers eles compõem festivais de queda livre animações do tipo faça você mesmo passeios de bi cicleta aventuras de skate que recuperam um grau de autonomia e uma inde pendência prazerosa dos controles alienantes da lei do trabalho e do dinheiro E como os Situacionistas eles lutam para reconfigurar a cidade em si como um playground grande aberto e fora da lei sem necessidade de pagamento de taxa Never Work foi o velho slogan Situacionista rabiscado em uma parede de Paris em 1953 rabiscado novamente em faixas e muros em Paris de 1968 reafirmado pelos The Sex Pistols e outros punks preguiçosos436 alguns anos depois Mas se não é para trabalhar então brincar Claro Nossa filosofia subjacente era de experimento e brincadeira escreveu o situacionista Christopher Gray e como acrescenta Greil Marcus brincar com toda a cultura e a própria cidade como campo437 O senso de espontaneidade que os anarquistas valorizam a disorganiza tion438 e as coincidências organizadas nas quais os praticantes da Massa Crítica e outros lutadores de rua prosperam também operam politicamente como um meio para um mundo diferente e como um componente do que esse mundo 434 NT aimlessly enjoying the smooth locomotionof 435 Ver PRESDEE Mike Cultural Criminology and the Carnival of Crime London Routledge 2000 Chuck Berry No Particular Place to Go St Louis to Liverpool Chicago Chess LP1488 1964 436 NT Destaque no original Lazy sods 437 Marcus Lipstick Traces página 171 ver páginas 175 427 Gray citado em Marcus Lipstick Traces página 171 The Sex Pistols Seventeen Never Mind the Bollocks Heres the Sex Pistols London Virgin 1977 438 NT No original 330 diferente pode se tornar Performada na verdadeira política da rua a espon taneidade sugere não uma pura desordem absoluta mas uma subversão um subterfúgio uma farsa interior sobre a tênue tensão entre estrutura e emergên cia O traço na disorganization revela isso ao contrário da desorganização a disorganization sugere um pequeno grau de planejamento e previsão mas apenas o suficiente para engendrar condições condutivas à espontaneidade con dições nas quais o planejamento e a premeditação podem ser abandonados com alegria Vamos apenas organizar a detonação disseram os Situacionistas no capítulo três A explosão livre deve escapar o nosso e qualquer outro controle para sempre439 E mesmo essa organização deve ser notada é realizada com relutância Por mais estranho que pareça em um mundo dominado por poder sedento de burocratas mesquinhos que conseguiram empurrar e passar por cima das pessoas eu sempre encontrei pessoas envolvidas em batalhas anarquistas de rua dispostas a fazer ligações fazer panfletos decorar bicicletas e caso contrário disorgani ze os eventos apenas porque eles querem ver algum inferno espontâneo gerado não porque eles querem ver seu próprio status elevado para líder ou organi zador440 Quando em meio a esse processo disorganized erros são cometidos mas isso não é um problema especialmente se foram erros que poderiam ter sido corrigidos com melhor planejamento mais controle menos participação Afinal a espontaneidade é o ideal o ethos se nunca o absoluto é ver a cidade explodir em um brilho de espaços abertos é sempre mais um prazer e sempre mais im portante do que organizar a detonação A prática da espontaneidade da experimentação e da desorganização lúdi ca se replica nas batalhas pelo espaço cultural contemporâneo unindose a antiga estratégia anarquista de ação direta e a noção de que um processo inclusivo pro priamente desencadeado encontrará sua própria direção progressiva Também começa a definir o que um movimento anarquista para a liberação do espaço público pode significar Como já mencionado os casos coletados neste livro do cumentam um submundo anarquista sutilmente unido441 quando é mantido unido principalmente pelas identidades inclusivas e transversais de seus resi dentes Os operadores do microrradio os defensores dos semteto os ciclistas da Massa Crítica os skatistas punks e outros se cruzam identificamse encontram afiliados oferecem ajuda mútua não porque o Politburo os mova como peões no plano diretor mas na maior parte porque compartilham as mesmas simpatias e antipatias e assim se encontram lutando para libertar os mesmos espaços pú 439 Citado em Marcus Lipstick Traces páginas 179180 440 Ver The Clash Working for the Clampdown StrummerJones London Calling London CBSEpic 1979 441 NT Held together 331 blicos Como os Wobblies assumindo uma luta pela liberdade de expressão nos velhos tempos eles espalham a palavra montam os trilhos e se aglutinam em um momento de resistência desorganizada antes de desaparecer como o monte Nes tor Makhno na Ucrânia Embora a divulgação seja tão simples quanto a leitura dos sinais as estacas dos desenvolvedores desenraizados os sons de um círculo de tambor nos grafites anarquistas e punks nas paredes da cidade também pode exigir442 uma rede de mídia alternativa No entanto aqui novamente a teia da mídia alternativa gira mais em torno da espontaneidade do que da estrutura Como visto anteriormente a xerocracia da Massa Crítica e outros grupos fun ciona como uma manifestação mediada da prática anarquista uma democracia inclusiva do tipo faça você mesmo na qual todos e quaisquer são encoraja dos a produzir imagens lúdicas e circular ideias alternativas E emergindo dessa maneira a mídia do subsolo continua a serviço da rua Repetidamente tenho ficado impressionado com a sofisticação tecnológica e o conhecimento de mídia dos operadores de microrradio pela experiência sem esforço dos participantes da Massa Crítica e dos ativistas semteto que operam câmeras de vídeo compilam documentários em vídeo e sites de programas Eles quase não estão perdidos em um jogo de Carmegeddon no entanto Em vez disso eles estão respondendo ao chamado de Keith para unir a dualidade entre espaços reais e imaginários Trazendo a mídia e as imagens alternativas para suportar os espaços reais da rua elas ajudam a moldar um movimento cultural para refazer os espaços culturais da cidade A desorganização solta desse movimento para a liberação do espaço pú blico oferece inúmeras vantagens Mantém a linha da anarquia recortada e sub versiva a história em desdobramento é em parte secreta de modo que ninguém sabe tudo o que está acontecendo incluindo prefeitos como Willie Brown e até autores de livros sobre anarquia e espaço cultural Assegura como no passado que se forem cometidos erros dentro desse movimento eles tenderão para a inclusão e a desordem evitando assim os erros habituais do movimento social de exclusão e incrustação E por causa dessas vantagens começamos a perceber que um movimento espontâneo e lúdico desse tipo pode causar sérias mudanças na natureza do espaço público e ao fazêlo levar a cidade a novas formas de justiça espacial e comunidade urbana Deus sabe que é uma longa jornada desde os arranjos espaciais atuais até qualquer construção ampla de justiça espacial ou comunidade inclusiva443 mas com cada realização anárquica com cada sessão de calçada proibida desafiada 442 NT Necessitate 443 Ver Kristi S Long e Matthew Nadelhaft editors American Under Construction Boundaries and Identities in Popular Culture New York Garland 1997 332 com sucesso ou área de localização de entretenimento sonoramente violada uma espécie de justiça provisória emerge Subindo em cima da crescente divisão de classes os privilegiados certamente trancaram o melhor das coisas que pos suem os melhores alimentos os maiores SUVs as maiores casas as mais doces vistas privadas de montanhas e mares Cada sucesso anarquista por menor que seja seu escopo sugere que eles também não têm espaço público trancado Su gere ao menos um pouco de justiça espacial com a qual a única coisa que resta para muitas pessoas empurradas para o outro lado da linha divisória uma casa na rua um lugar para ganhar alguns trocados talvez um pouco de conforto os pequenos prazeres da rua também não são apropriados pelos privilegiados Escondidos em suas comunidades fechadas seguros em seus navegadores Lincoln os que estão no topo não são forçados a confrontar os problemas e consequências de seus privilégios Eles podem facilmente viajar para o clube de campo sem passar por uma maquiladora evitar o cheiro do racismo ambiental escolhendo um bairro que nunca tenha sido contaminado com lixo tóxico fazer com que seu planejador de viagem deixe as fábricas da Nike no Vietnã fora do seu itinerário mundial Ganhar algumas batalhas para manter as calçadas de alta qualidade abertas para os desabrigados fazer com que Navigators compartilhem as ruas da Bay Area com bicicletas pelo menos forçará os privilegiados de vez em quando a confrontar suas consequências injustas até encontrar alternativas humanitárias Como detalhado no capítulo um o companheiro de Emma Gold man Ben Reitman foi forçado a passar por uma infinidade de abusos no qual ele foi despido chutado espancado queimado pichado e sexualmente agredido tudo por apoiar a luta de livre discurso dos Wobblies em 1912 contra os controles dos proprietários de empresas e autoridades legais de San Diego Nada tão violen to aqui Mas a defesa bemsucedida do espaço público cria seu próprio desafio um desafio de desigualdade diferença e incerteza para os privilegiados navegarem no caminho de ida e volta de suas exclusões um desvio embora brincalhão atra vés do festival dos oprimidos Claro que isso não é suficiente Ganhar algumas batalhas na calçada for çando algum desconforto espacial na vida dos que estão à vontade são prazeres por si só importantes contrapartidas na luta pelo espaço público e certamente confirmação de que a revolução da vida cotidiana já está e sempre acontecendo Mas e se pudéssemos reunir mais algumas dessas revoltas espaciais criar uma massa crítica de insubordinação pública cotidiana contra a ordem espacial mais ampla E se pudéssemos avançar um pouco mais em direção à justiça espacial se pudéssemos reverter a ocupação revanchista da cidade e em vez disso inventar uma cidade aberta animada por novas comunidades de vida pública A construção especulativa do capítulo anterior de tal comunidade no e em torno do Toewring Inferno reiterado sugere que essa cidade aberta seria definida 333 e certamente animada por configurações ecléticas de marginalidade e diferença Muitos teóricos urbanos hoje concordam e ao concordarem oferecem não apenas uma visão de uma cidade anarquicamente aberta mas uma réplica direta das tendências contemporâneas em direção à homogeneização espacial à adesão pública e à civilidade forçada dentro das comunidades corporativas Construin do a partir da noção de heterotopias de Foucault Edward Soja escreve sobre o potencial humano inerente a espaços heterogêneos de locais e relações espa ços que sendo vividos e construídos socialmente preenchem as lacunas entre identidade individual e coletiva física e história cultural E argumenta Soja na medida em que tais espaços repousam à margem do poder hegemônico eles permitem que a subjetividade radical de alguém seja ativada e praticada em con junção com as subjetividades radicais dos outros São espaços de inclusão e não de exclusão locais onde as subjetividades radicais podem se multiplicar se conec tar e se combinar em comunidades multicêntricas de identidade e resistência444 Como visto em capítulos anteriores Samuel Delany também contrasta a estreita homogeneidade de networking com a generosa diversidade de conta to imprevisto em espaços públicos abertos e Michel Keith argumenta que uma invocação do urbanismo positivamente indesejável tem que ser sobre abrirse para diferença onde a incerteza e a imprevisibilidade forneçam as condições que definem como a novidade chega ao mundo445 O urbanista Kian Tajbakhsh afirma que a promessa da cidade aberta realmente floresce nos espaços híbridos de identidade e escrevendo anos antes sobre ambientes de urbanismo e um novo anarquismo o sociólogo Richard Sennett foi ainda mais direto ao ponto A grande promessa da vida na cidade argumentava ele era o novo tipo de confusão que oferece seus canais para experimentar a diversidade e a desordem que para o pensamento de Sennett mais do que justifica tirar a cidade do controle préplanejado446 Juntas essas perspectivas sobre a cidade aberta lembram a mesma tensão tênue447 incorporada na noção de disorganization uma detonação criativa de identidades urbanas híbridas dentro da política da desordem organizada Eles também sugerem o impensável para aqueles desenvolvedores corporativos e auto 444 SOJA Edward History Geography Modernity in Simon During editors The Cultural Studies Reader London Routledge 1993 páginas 135150 citação página 142143 SOJA Edward W MarginAlia Social Justice and the New Cultural Politics in Merrifield and Swyngedouw The Urbanization of Injustice páginas 180199 citação página 192 NT Textos disponíveis em português 445 DELANY Samuel R Times Square Red Times Square Blue New York New York University Press 1999 Keith Street Sensibility página 143 446 TAJBAKHSH Kian The Promise of The City Space Identity and Politcs in Contemporary Social Thought Berkeley University of California Press 2001 Página 183 SENNETT Richard The Uses of Disorder Personal Identity and City Life New York Norton 1970 Página 108 198 447 NT Delicate tension 334 ridades municipais cuja noção de comunidade e civilidade exigem a aplicação da homogeneidade e a regulação da interação pública comunidades urbanas de fato construídas a partir de diferenças e mantidas juntas pela desordem Em tais comunidades a brincadeira e interação de populações diversas dentro do espaço público não regulamentado e portanto a imprevisibilidade e ambiguidade es senciais da vida na cidade não mais constituem ameaças à comunidade e civili dade mas se tornam a própria definição da vida comunitária aberta e inclusiva Com o passar do tempo essa cacofonia urbana harmoniosa se constrói reverbe ra se alimenta de tal forma que uma ordem suave e interativa surge na vida da cidade uma ordem baseada na contínua desordem do espaço público Deixando de lado a espontaneidade de nossas próprias vidas urbanas criamos entre nós identidades cruzadas e criolas que não são inteiramente nossas448 nós moldamos uma comunidade urbana que se mantém unida não porque seus membros sejam classificados e separados mas porque a partir do contato contínuo nos espaços abertos da cidade eles tornamse o outro449 Essa cacofonia inclusiva e transformadora ecoa as experiências observadas nos capítulos anteriores os artistas de rua e seus ouvintes se unindo dentro da música bairros descobrindo suas diversas identidades nos sons ilegais da mi crorradio ciclistas da Massa Crítica que encontram coragem coletiva e prazeres espontâneos BASE jumpers criando comunidades para aqueles que desorgani zam450 toda essa desordem A teia subterrânea de identidades transversais que constitui o movimento anarquista contemporâneo para a liberação do espaço público e a criação de cidades abertas nos oferece algo mais do que ativismo ofe rece um modelo de trabalho das identidades híbridas e comunidades inclusivas que de fato animariam uma cidade Nesse sentido os operadores de microrradio que atuam como ativistas semteto ou militantes do Black Power grafiteiros que se tornam artistas e defensores da comunidade os participantes da Massa Cri tica que encontram uma causa comum com trabalhadores em greve constituem pioneiros melhor451 personificações de um novo tipo de urbanismo hetero topiano Citando bell hooks Edward Soja escreve sobre abraçar as margens de po der as margens da cidade como locais de abertura e possibilidade radicais452 448 NT creolized identities not entirely our own 449 Ver TIFFT Larry SULLIVAN Larry The Struggle To Be Human Crime Criminology and Anarchism Or kney UK Cienfuegos Press 1980 FERRELL Jeff Anarchist Criminology and Social Justice in Bruce A Arrigo editors Social JusticeCriminal Justice Belmont CAWadsworth 1999 Páginas 93108 WILLIAMS Christopher R ARRIGO Bruce A Anarchaos and Order On the Emergence of Social Justice Theoretical Criminology 5 n 2 2001 223252 450 NT Destacamos para acompanhar a explicação do texto ao contexto de disorganized 451 NT Hell 452 SOJA MarginAlia páginas 191192 ver HOOKS Bell Yearning Race Gender and Cultural Politcs Bos 335 A visão anarquista de uma cidade aberta e os casos de conflito com a população considerados nos capítulos anteriores confirmam seu foco Ao longo das mui tas campanhas contemporâneas para fechar e criminalizar o espaço público um compromisso com a comunidade heterotópica uma abertura para contato con fusão e incerteza tem conseguido perdurar mas principalmente nas margens Perdurou até mesmo prosperou entre aqueles que saíram das estradas saíram das ferrovias saíram das calçadas e ruas presos por vários distúrbios públicos e sônicos E assim como Soja encontramos as sementes de uma cidade aberta entre as mais marginalizadas entre as mais completamente excluídas do território ocupado de hoje Como Jean Genet abraçando sua vida miserável como um mendigo e ladrão uma vida marginalizada pela preferência sexual pobreza e po lítica nós também devemos abraçar e celebrar aqueles nas margens urbanas e como Genet achar que há os sinais mais sórdidos de marginalização tornamse sinais de grandeza e compromisso453 Descobrindo a beleza e a promessa da cidade em suas margens construin do comunidades a partir da desordem do espaço público abraçando as identi dades adulteradas daqueles que cruzam fronteiras urbanas voltamos mais uma vez ao festival dos oprimidos porque se hoje muitos momentos ilicitamente entrelaçados de música de ruas skate BASE jumping ciclismo e microradio prenunciam a cidade aberta assim como o carnaval de celebração pública que surgiu nas ruas de Paris em 1871 Os Situacionistas entenderam que a comuna de Paris criou uma cidade livre de planejamento um campo de momentos visível e barulhenta uma antítese do planejamento uma cidade que foi reduzida a zero e reinventase todos os dias Muito antes dos Situacionistas Peter Kropotkin também entendeu Afirmando em um ensaio de 1880 a criatividade inerente à grande obra de destruição o grande anarquista russo incluía explicitamente o relato em primeira mão de um amigo da Comuna de Paris um relato que sugere o tipo de desordem transformadora que um dia esperamos codificar nos espaços da cidade Eu nunca vou esquecer aqueles deliciosos momentos de libertação Desci do meu quarto su perior no Quartier Latin para me juntar ao imenso clube ao ar livre que enchia as avenidas de Paris de uma ponta à outra Todos falavam sobre assuntos públicos todas as meras preocupa ções pessoais foram esquecidas não se pensava mais em comprar ou vender todos se sentiram prontos corpo e alma para andar em direção ao futuro Os homens da classe média mesmo levados pelo entusiasmo geral viram com alegria um novo mundo aberto Se for necessário fazer uma revolução social disse o autor façao então Puxe todas as coisas em comum esta mos prontos para isso454 ton South End Press 1990 453 GENET Jean The Thiefs Journal New York Grove 1964 Página 19 454 Marcus Lipstick Traces página 147 KROPTKIN Peter Revolutionary Government in Roger Baldwin edi tors Kroptkins Revolutionary Pamphlets New York Dover 1970 Páginas 237 239 NT Texto disponível em português 336 Mas talvez não estejamos prontos para isso talvez não consigamos detonar uma revolução social ou espacial A definição e declaração de Emma Goldman a respeito do anarquismo incluída no capítulo introdutório deste livro merece ser repetida aqui Anarquismo não é uma teoria do futuro É uma força viva nos assuntos de nossa vida constantemente criando novas condições o espírito de revolta em qualquer forma contra tudo que impede o crescimento humano455 Então o anarquismo não oferece nenhum caminho claro para uma cidade aberta apenas a convicção de que o espírito de revolta permanece sempre um prazer que a revolução é de certa forma conquistada assim que você começa a lutar E além disso mesmo que tudo mais falhe mesmo que você não possa dançar com Emma na revolução uma possibilidade permanece Apenas vá embora WALK AWAY456 Juntamente ao relato anarquista de Emma Goldman o primeiro capítulo apresentava um breve relato de minha abordagem para escrever este livro uma abordagem baseada principalmente em andar na cidade e seus espaços E quando não estou andando de bicicleta o que comparado com outras formas de trans portes pode ser pensado como andar em duas rodas essa continua sendo minha orientação para escrever e viver Mais ainda essa aproximação peripatética não apenas como um método para esse livro mas como uma continuidade que em parte define seu assunto Grafiteiros hobos457 artistas de ruas skatistas ativistas do Reclaim the Streets e outros correm pela cidade a pé as vezes sobre bicicletas ou skates às vezes pegando carona em trens de carga carros ou ônibus mas princi palmente caminhando pelo ambiente urbano A prevalência desse envolvimento urbano entre os anarquistas e outros que lutam contra o espaço público sugere algo mais do que a necessidade começa a revelar a importância de caminhar como uma forma prática de anarquia e revolta espacial Como anteriormente argumentado implica que para se mover através do espaçoé necessário às vezes tomálo Em sua forma mais básica caminhar constitui algo como o Zen doAnar quismo talvez o ato mais simples de viver o DIYação direta e engajamento com as políticas espaciais da vida cotidiana Caminhar começa a despir os vestígios de privilégios e pretensões para libertar seus participantes do terrível ônus da propriedade para colocálos em zonas humildes para colocálos no mesmo nível 455 GOLDMAN Emma Anarchism and Other Essays New York Dover 1969 Página 63 456 NT Ir Embora Optamos por deixar no original na tentativa de manter a escrita e experiência etnográfica do autor 457 Trabalhador ambulante 337 daqueles com quem se cruza e se depara Meus velhos amigos HL86 e Rasta68 artistas urbanos e andarilhos urbanos costumam me repreender pela extrava gância de meu transporte e o meu transporte é somente uma bicicleta Muita propriedade para se ter na cidade eles diriam Muito problema algo para atrair atenção indesejada para ser roubada se não trancada algo pra te prender enquan to você quer se movimentar O quanto mais eu deixava minha bicicleta em casa e caminhava com eles indefinidamente pela cidade horas a fio mais eu entendia quanto mais simples a tua locomoção mais cristalino é o teu encontro com a cidade Como um grupo de skatistas punks disseram anteriormente perambu lando em suas jornadas pelo país Menos é mais Figura Walk away The Blanket Stiff published in the Industrial Worker April 23 1910 Fonte httpslibcomorghistoryindustrialworkerspokaneseattle19091930 338 Um também é muito No sul da Itália a passeggiata o passeio noturno informal desorganizado pelos espaços da cidade atende aos moradores da cida de como um momento coletivo de calma e cordialidade um padrão intrincado de pedaladas que une a comunidade Nos Estados Unidos os salões andantes da mesma forma unem as pessoas para festividades intelectuais portáteis partin do do pressuposto de que a credibilidade mental segue os passos da mobilidade corporal458 Na Bay Area em Boston e outras cidades ao redor dos Estados Uni dos a política segue também Pessoas fartas estão ativamente tomando as ruas e calçadas da cidade de volta através do BayPeds Walk San Francisco Walk Boston e outras associações de pedestres que se espelham na missão sobre duas rodas da Massa Crítica459 Ainda até uma solitária caminhada pela cidade tornase quase sempre uma experiência social uma experiência de comunidade gerando encontros inesperados de como se faz democracia um colapso de experiências pessoais e previsibilidade em peripécia coletiva da cidade Caminhantes seguem o fino e o grosso de um texto urbano que eles escrevem sem ser capaz de lêlo diz o teórico cultural Michel de Certeau um texto em forma de fragmentos de trajetórias e alterações do espaço Seus caminhos entrelaçados dão forma aos espaços Eles tecem lugares juntos460 Sozinho ou entrelaçados com outros a trajetória do caminhante leva tam bém a uma etnografia anarquista e epistemologia da vida urbana Passeios Pe ripatético através da cidade promulgam uma política de atenção às pessoas e comunidades da cidade aos sons e sentimentos que preenchem seus espaços de tal forma que esses errantes tornamse Peripatéticos no antigo sentido Aristoté lico aulas de caminhada na percepção e compreensão Ao contrário daqueles que nunca saem do gabinete os acadêmicos de escrivaninha como descrito pelo criminologista Mark Hamm ao contrário dos voyeur totalizantes que de Certeau localiza em cima do World Trade Center ou ainda os milhões trancados dentro de seus velozes carros os que percorrem os espaços das cidades participam das per cepções daqueles que o cercam no acotovelamento de identidades alternativas experienciam do processo de viver a sensualidade dos espaços da cidade461 458 GOODHEARTH Adam Passing Fancy Utne Reader 103February 2001 3134 citação página 31 459 Ver SOJOURNER Anna Walk Bike Summer página 5 460 DE CERTEAU Michel Walking in the city in During The Cultural Studies Reader páginas 151160 citação páginas 153 157 Ver DE CERTEAU Michel The practice of everyday life Berkeley University of California Press 1984 NT Texto disponível em português ROCHON Lisa Walkabout Alternatives Journal 26 n 3 Summer 2000 2122 KEITH Street Sensibility páginas 145146 461 HAMM Mark S Review of Incapacitation Justice Quarterly 13 n 3 1996 525530 de Certeau Walking in the city páginas 151153 Ver Keith Street Sensibility páginas 143144 FERRELL Jeff HAMM Mark S editors Ethnography at the Edge Crime Deviance and Field Research Boston Northeastern University Press 1998 WILLIAMS III Frank P Imagining Criminology An Alternative Paradigm New York Garland 1999 339 E não apenas o ritmo humano e a paz interpessoal que se abre caminhando na vida dos outros como os artistas de ruas é a vulnerabilidade da caminhada para o maior fluxo rítmico da rua De uma maneira anarquista a caminhada existe como um processo DIY que não é para se fazer sozinho mas em vez disso a negociar entre outros entre padrões interligados de movimento social signifi cado cultural e certa surpresa Como tal a caminhada cria uma espécie de vulne rabilidade subversiva uma epistemologia crítica da rua que ao situar as pessoas a pé dentro da complexa humanidade dos espaços da cidade desmente as reivin dicações dos prefeitos e promotores que vivem trancafiados em seus escritórios Dentro daqueles espaços eu descobri ideologias bem empacotadinhas462 no que concerne a relação à conveniência da comunidade corporativa e da civilidade reforçada que deixam de fazer sentido quando passo caminhando por mais uma prisão desnecessária ando junto com uns skatistas punks por uma placa Proi bido andar de skate contorno a pressão de uma SUV me cortando na faixa de pedestres O que é verdade em uma pista de dança ou na revolução de Emma a verdade está na calçada mova seus pés e a sua mente lhe seguirá Como De Certeau sugere andar no espaço urbano dessa forma não é ape nas entendêlo é refazêlo Às vezes quem percorre a cidade com um senso de propósito epistêmico é identificado pelo antigo termo flâneur em referência à tradição de conhecer a cidade vagando pelas suas ruas Mas esse termo antigo car rega um duplo sentido o flâneur como um desobediente desprezível e um via jante urbano sem objetivo E é esse o sentimento que eu felizmente mais abraço Lentamente vagar pela cidade circular pelos espaços abertos e conversar com as pessoas subverte mais que ideologias prontas Caminhar pela cidade confronta o passado e presente dos mecanismos de lei que produzem noções excludentes de vadiagem vagabundo e invasão Abrange os mais sagrados e subversivos slogan dos Situacionistas Nunca Trabalhe Réplica a velha ideia dos Wobbly de sabotagem como uma retirada da eficiência enfraquecendo a força do pâ nico imposto pela vida contemporânea forçando uma desaceleração da linha de montagem urbana Com certeza confirma o prazer da desorganização pessoal E começa a retomar o território ocupado a construir uma cidade aberta a remon tar o espaço público e a comunidade pública como algo a mais e menos que o campo de morte Disneyland Andar pela cidade dessa maneira inflama a revolução da vida cotidiana põe em movimento o festival dos oprimidos tão certamente quanto um passeio da Massa Crítica ou um comício de Reclaim the Streets E se cambaleando você encontrar tempo para um grind no corrimão tag em um vagão de carga sintoni 462 NT neatly packaged ideologies 340 zar em uma estação de rádio local empurrar um sofá para o cruzamento se você tiver em mente que a paixão por destruição é uma paixão criativa também não é um mau caminho sair por aí e acabar com as ruas REFERÊNCIAS BERRY Chuck No Particular Place to Go St Louis to Liverpool Chicago Chess LP1488 1964 CART Julie AntiSprawl Arsons Put Arizonans on Edge Los Angeles Times February 11 2001 COHEN Stanley Property Destruction Motives and Meanings in Colin Ward editors Vanda lism New York Van Nostrand Reinhold 1973 COHEN Stanley The Punitive City Notes on the Dispersal of Social Control Contemporary Crises V3 1979 3 339 httpsdoiorg101007BF00729115 COHEN Stanley Folk Devils and Moral Panics London Macgibbon and Kee 19721980 CONNOLY Kate Cold Thaw Theme Park for Communist Icons Guardian Weekly December 30 1999 January 5 2000 DE CERTEAU Michel Walking in the city in During The Cultural Studies Reader Ed Simon During London Routledge 1993 DE CERTEAU Michel The practice of everyday life Berkeley University of California Press 1984 DELANY Samuel R Times Square Red Times Square Blue New York New York University Press 1999 FERRELL Jeff HAMM Mark S editors Ethnography at the Edge Crime Deviance and Field Research Boston Northeastern University Press 1998 FERRELL Jeff Anarchist Criminology and Social Justice in Bruce A Arrigo editors Social Jus ticeCriminal Justice Belmont CAWadsworth 1999 93108 FERRELL Jeff Review of Social Control Aspects of Nonstate Justice Social Pathology A Jour nal of Reviews Special Issue on Corrections Punishment and Social Control Volume 2 Number 1 1996 FERRELL Jeff Trying To Make Us a Parking Lot Petit Apartheid Cultural Space and the Public Negotiation of Ethnicity in Dragan Milovanovic and Katheryn Russell editors Petit Apartheid in Criminal Justice Durham NC Carolina Academic Press 2001 FERRELL Jeff Crimes of Style Urban Graffiti and the Politics of Criminality Boston Northeas tern University Press 1997 GARFINKEL Harold Conditions of Successful Degradation Ceremonies American Journal of Sociology vol 61 nº 5 1956 420424 GENET Jean The Thiefs Journal New York Grove 1964 GOLDMAN Emma Anarchism and Other Essays New York Dover 1969 GOODHEARTH Adam Passing Fancy Utne Reader 103 February 2001 3134 GREENBERG David F Deliquency and the Age Structure of Society Contemporary Crises 1 1977 1 189 httpsdoiorg101007BF00728871 HAMM Mark S Review of Incapacitation Penal confinement and the Restraint of Crime Justice Quarterly 13 n 3 1996 525530 HAYWARD Keith FERRELL Jeff Possibilidades insurgentes as políticas da criminologia cultu ral Sistema Penal Violência vol 4 n 2 Porto Alegre julhodezembro 2012 HENRY Stuart Social Control Aspects of Nonstate Justice Aldershot UK Dartmouth 1994 HOOKS Bell Yearning Race Gender and Cultural Politcs Boston South End Press 1990 JONES Melissa L Ambassador to homeless The Arizona Republic April 5 1999 KEITH Michel Streets SensibilityNegotiating the Political by Articulating the Spatial IN Andy Mer rifield amd Erik Swyngedouw editors The Urbanization of Injustice New York New York Univer 341 sity Press 1997 Kristi S Long e Matthew Nadelhaft editors American Under Construction Boundaries and Identi ties in Popular Culture New York Garland 1997 KROPTKIN Peter Revolutionary Government in Roger Baldwin editors Kroptkins 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Monthly 127 1982 2938 ZUKIN Sharon Cultural strategies of economic development and hegemony of vision in Mer rifield and Swyngedouw The urbanization of injustice Lawrence and Wishart London 1996 342 CIDADES DE MEDO E DESEJO NOTAS SOBRE O REGIME DISCIPLINAR DA SUBJETIVIDADE NEOLIBERAL EM CHTHULUCENO463 Jesús Sabariego464 It was the best of times it was the worst of times it was the age of wisdom it was the age of foolishness it was the epoch of belief it was the epoch of incredulity it was the season of light it was the season of darkness it was the spring of hope it was the winter of despair465 Charles Dickens A Tale of Two Cities The cities everyone wants to live in should be clean and safe possess efficient public services be supported by a dynamic economy provide cultural stimulation and also do their best to heal societys divisions of race class and ethnicity These are not the cities we live in466 Richard Sennett The Open City No me atraen los ángulos rectos ni las líneas perfectas duras e infle xibles que crea el hombre Me interesan las curvas sensuales que fluyen libremente Las curvas que encuentro en las montañas de mi país en el discurrir sinuoso de sus ríos en las olas del océano y en el cuerpo de la mujer amada467 Oscar Niemeyer 463 Tradução do espanhol para o português realizada por Carlos Hélder Carvalho Furtado Mendes 464 Pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Este texto forma parte do projeto de investigação DEMOCRIGHTS The Impact of Recent Global Social Movements on Public Awarenness of De mocracy and Human Rights in the European Union A praxiscentred approachDEMOCRIGHTS O impacto dos recentes movimentos sociais globais na conscientização pública da democracia e dos direitos humanos na União Europeia uma abordagem centrada na práxis SFRHBPD1014902014 financiado em uma chamada competitiva internacional pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional FEDER da União Europeia atra vés da Fundação para a Ciência e TecnologiaPortugal Mail sabariegocesucpt 465 Era o melhor dos tempos era o pior dos tempos era a era da sabedoria era a era da loucura era a época da crença era a época da crença era a época da incredulidade era a estação da luz era era a estação das trevas era a prima vera da esperança era o inverno do desespero Charles Dickens um conto de duas cidades 466 As cidades em que todos querem viver devem ser limpas e seguras possuir serviços públicos eficientes ser apoia das por uma economia dinâmica proporcionar estímulo cultural e também fazer o possível para curar as divisões da sociedade de raça classe e etnia Essas não são as cidades em que vivemos Richard Sennett The Open City 467 Não sou atraído pelos ângulos retos ou pelas linhas perfeitas duras e inflexíveis que o homem cria Estou interessado em curvas sensuais que fluem livremente As curvas que encontro nas montanhas do meu país no curso sinuoso de seus rios nas ondas do oceano e no corpo da mulher amada Oscar Niemeyer 343 OS ESPAÇOS DOS LUGARES COMUNS Completouse um quarto de século desde a publicação de Beyond Blade Run ner Urban Control The Ecology of Fear 1992 de Mike Davis reeditado ao final desta década com o subtítulo de La imaginación del desastre 1998 Um livro fun damental para entender as lógicas atuais que regem as cidades mas que paradoxal mente é difícil encontrar em uma escola de Arquitetura um programa de formação especializada em Urbanismo Geografia Sociologia ou qualquer das disciplinas não são poucas que se relacionam com o que poderíamos chamar de a ciência da cidade na esteira de Henri Lefebvre 1978 p 165 Uma ciência da cidade que pouco ou nada tem a ver com o que chamarei ciência cidadã permitame o jogo de palavras No livro editado sempre em editoriais menores quase clandestinos longe dos interesses mercantis fotocopiado aos milhares disponível em versões inte grais hoje na Internet e lido e debatido entre ativistas e movimentos das últimas gerações Davis um açougueiro que trabalhava no mercado municipal de sua cidade para pagar seus estudos em Sociologia e que tinha transitado pelo ativismo das mais diversas causas desafeto dos protocolos acadêmicos e seus rituais an tecipa algumas questões que apenas como hipóteses tem cobrado entidade duas décadas depois De todas a que nos ocupa neste texto é a consagração do medo como forma de governo e a subjetividade subjacente ao seu regime disciplinar Capa da primeira edição de Utopia de Thomas More 1516 Fonte Wikipédia 344 Completamse também cinquenta anos da publicação de um clássico El derecho a la ciudad de Henri Lefebvre reconhecido academicamente excessiva mente lido por gerações de arquitetos urbanistas e encarregados do planejamen to urbano principalmente no âmbito progressista o que não quer dizer que as recomendações e postulados de Lefebvre tenham sido desenvolvidos apesar de ter integrado as bibliografias de múltiplas matérias e programas As doze teses que encerram o livro de Lefebvre constituem o corolário de sua ativa militância no Maio de 68 francês desde as filas do situacionismo através do qual fugirá do dogma formal marxista ortodoxo para levantar a defesa de uma planificação proletária do espaço urbano 1978 p 169 em função de seus interesses de classe Por último é o aniversário também de outro texto fundamental canônico diria O espaço dividido do geógrafo brasileiro Milton Santos 1978 pratica mente desconhecido entre os geógrafos e urbanistas no Norte Santos dedicou sua vida a analisar a configuração do espaço urbano nas grandes cidades do Sul principalmente na África e América Latina no tempo em que estas cresceram ex ponencialmente transformandose em conurbações metropolitanas gigantescas Apesar de publicados em contextos distintos os três livros compartilham uma tese fundamental o espaço é um espaço político de luta política politica mente construído que reproduz as lógicas do capitalismo e seus ciclos produti vos reprodutivos e distributivos gerando desigualdade exclusão e segregação A epígrafe de Dickens com que começo este texto as linhas iniciais de História de duas cidades não é não é por acaso A cidade está ligada à revolução às lutas sociais desde o neolítico De um modo geral poderíamos dizer que a história é a história das cidades que a própria história dos impérios é a história das cidades de Roma a Sevilha e desta a Tenochtitlán de Londres a Soweto de París a El Cairo de Mumbay a Kioto Mishra 2014 apesar do destaque sem fim do Estadonação e a imaginação do nacional Anderson 1991 desde a Paz de Westphalia e a queda do Antigo Regime A cidade é também uma poderosa metáfora filosófica e política Trías 2001 A configuração da cidade industrial reflete a luta de classes Era o melhor dos tempos era o pior dos tempos assim se inicia o romance de Dickens As bonda des do capitalismo para uma classe e suas maldades para outra protagonistas da vida cidadã nos dois últimos séculos não somente no Ocidente As distopias e utopias futuristas na literatura e o cinema tiveram como paradigma a cidade inclusive quando tratam de ilhas Moore 2003 as ilhas são entidades autônomas com um funcionamento próprio em certa medida além de condicionantes e influências externas e embora ligadas entre si é a ilha e não o arquipélago a constante O arquipélago é a busca o rizoma a conexão entre os 345 marcos atomizados a rede Essa insularidade das cidades sua relativa autonomia também seu isolamento tem sido objeto de conflito e tensões na construção dos projetos nacionais E continua sendo Embora os tratados de Santos Lefebvre e inclusive Davis tivessem sido escritos antes que a tecnologia ampliasse as cidades com camadas digitais e inde xasse seus marcos em um sistema reticular global que as hiperconecta em tempo real o arquipélago ou quiçá um reflexo disto permitindonos por um lado incidir no espaço e por outro ser um sujeito da sua construção Existem poderosas constatações acerca do que diferencia um espaço de um lugar humanizado e de como o planejamento a arquitetura Lefebvre 1983 p 247 o urbanismo e a ciência da cidade contribuem para a desumanização isto é para a alienação barreira dos procedimentos do controle que o disciplinam isto é do medo e obviamente do desejo Por lugares comuns entendemos a expressão formal do sentido comum dominante dos consensos que organizam nossa vida cotidiana as crenças as posições ideológicas éticas estéticas inclusive nossa oposição a estas contrárias a estas Na configuração dos lugares comuns incide diretamente a configuração do espaço e viceversa Essa configuração do espaço nossa própria percepção deste no Ocidente começou a se definir com o capitalismo industrial e seus enclosu res468 do espaço comum Como Davis Lefebvre e Santos destacaram distante da concepção de outras culturas e épocas Barfield 2015 p 204 213 de fato como Owen Barfield expôs O mundo que aceitamos como real é um sistema de representações coletivas Barfield 2015 p 49 O espaço e o tempo são categorias básicas da existência humana Sem embargo raramente discutimos seus significados Contudo tendemos a têlos por certos e a outorgalhes determi nações de sentido comum ou autoevidentes Registramos a passagem do tempo em segundos minutos horas dias meses anos décadas séculos e eras como se tudo tivesse lugar na escala temporal objetiva Harvey 2004 p 225 Pensamos por exemplo nas ocupações de praças ocorridas nas principais cidades de todo o mundo em 2011 e os movimentos globais que as protagoniza ram aos que chamo de Recentes Movimentos Sociais Globais Sabariego 2017 Ao ocupar as praças humanizaram os espaços os transformaram em história dotandoos de textualidade de narração e memória de contexto em definitivo Aguiló e Sabariego 2016 transformandoos em lugares de oposição aos meca 468 NT O termo em Inglês enclosurescorresponde literalmente a cercamentos todavia o autor utiliza o termo devida à semântica histórica dos enclosures cercamento das propriedades rurais na transição do feudalismo para o ca pitalismo na Inglaterra como forma de exclusão dos trabalhadores das áreas rurais no período entre o século XVI e XVIII Essa forma de organização espacial que privou os trabalhadores do acesso ao seu meio de subsistência obrigandoos a vender sua mão de obra como pequenos produtores independentes ao capitalismo industrial cres cente na época 346 nismos disciplinares dominantes da cultura hegemônica o caso de Occupy Wall Street é paradigmático Graeber 2013 arrebatandoos do medo ALGORITARISMOS A CULTURA DO MEDO Como aponta David Harvey na terceira parte de La condición de la pos modernidad 2004 p 225 e ss um dos aspectos inequívocos desta é que a organização do espaço se converteu em um problema de caráter cultural sem dúvida porque como já adverte o subtítulo do livro com o giro cultural ocorri do em meados dos anos noventa do século passado Chaney 1994 o papel da cultura passa a ser central e estratégico o que pode atribuído à sua produção como tenho defendido em outro lugar Sabariego 2007 do campo de ação dos antropólogos para invadir outras disciplinas entre estas a arquitetura o urbanis mo e inclusive a geografia estabelecendo a cultura como espaço de desavença e divisão social entre os que sabem e os que não sabem MorenoCaballud 2017 como mecanismo de legitimação da realidade dos sentidos comuns dominantes e os consensos hegemônicos sobre os que impõe suas regras seus marcos nor mativos e sua subjetividade sua razão de mundo Laval e Dardot 2017 o neoliberalismo a competição a lógica de acumulação capitalista e o fetiche do dinheiro como valor central da sociedade a falácia de comunidade em torno do dinheiro integrada por microemprendedores de si mesmos que competem entre si por recursos e traduzem seu valor monetariamente através da possibilidade de consumo de bens e serviços como clausura de uma cidadania passiva e defensiva atomizada A percepção do espaço e a temporalidade está inseparavelmente ligada a nossa experiência e vivência de mundo influenciada por ciclos de produção e reprodução da cidade capitalista as temporalidades e lugares dos cidadãos a vida íntima os espaços públicos e privados etc e toda esta multiplicidade informa e modela de maneira dinâmica e incessante as múltiplas identidades e papéis que assumimos desenvolvemos e projetamos em nossa vida cotidiana e embora toda esta diferença se expresse na percepção não é apenas uma questão cognitiva afeta a nossas decisões aos nossos projetos de vida ao desejo o governo do medo Da vis 1992 tem na incerteza uma poderosa arma de controle As teorias sociais que fundamentam a sociologia contemporânea deram primazia à dimensão temporal sobre a espacial Harvey 2004 p 229 Não obs tante ao final do Séc XIX enquanto estes aparatos analíticos e discursivos esta vam sendo traçados o poeta simbolista francês Charles Baudelaire 1988 enun ciava em Paris seu particular cronicidio através do meio secular de poemas em prosa que compõe sua teoria do Spleen cujo sujeito poético é o homem moderno atomizado perdido na multidão urbana 347 O andarilho solitário e pensativo goza de uma singular embriaguez desta comunhão universal Aquele que se casa facilmente com a multidão experimenta os prazeres febris dos quais serão eternamente privados o egoísta fechado como um cofre e o preguiçoso ensimesmado como um molusco Ele adota como suas todas as profissões todas as alegrias todas as misérias que as circunstâncias lhe apresentem Baudelaire Le Spleen de Paris Les foules XII Multidões Antes de sua formação poética Baruch Spinoza já havia filo sofado sobre esta como sujeito político em colisão com Thomas Hobbes e suas categorias acerca da multidão e o povo Virno 2003 p 30 35 Nos encontramos assim com uma completa superposição de medo e angustia Quando perco o trabalho devo enfrentar um perigo bem definido que suscita um temor específico mas ao mesmo tempo este perigo factual tornase imediatamente uma angustia indeterminada se confunde com uma desorientação mais geral com respeito ao mundo se dissolve na inseguran ça absoluta na qual recai o animal humano enquanto ser que carece de instintos especializados Poderseia argumentar o medo é sempre angustiante o perigo circunscrito remete sempre ao risco geral do estar no mundo Mas se as comunidades materiais velavam ou atenuavam a relação com o mundo sua dissolução expõe este vínculo a plena luz a perda do posto de tra balho a inovação que muda todo o tempo as características das tarefas laborais e a solidão me tropolitana provocam hoje muitos comportamentos que até pouco tempo estavam associados aos temores que advinham quando se estava fora dos muros da cidade Há algo mais O perigo não se define apenas a partir da originária busca por proteção senão e aqui vem o ponto verdadeiramente crucial este se manifesta na maioria das vezes como uma forma específica de proteção O perigo bem observado consiste em uma horripilante estratégia de salvação se se pensa no culto da pequena pátria étnica por exemplo A dialética entre temor e proteção se resolve no último termo na dialética entre formas alternativas de proteção À redobrada prote ção se opõem proteções de segundo grau capazes de atuarem como antídotos frente ao veneno da primeira Desde o ponto de vista histórico e sociológico não é difícil darse conta de que o mal se expressa própria e somente como réplica horrível à periculosidade do mundo como perigosa busca de proteção basta pensar na tendência a se confiar em soberano forte ou de ope reta pouco importa no impulso obsessivo por fazer carreira na xenofobia Poderseia dizer inclusive que somente é verdadeiramente angustiante um certo modo de enfrentar a angustia Repito é decisiva a escolha que se faz entre diversas estratégias de segurança a alternativa entre formas de reparo radicalmente opostas Dali que a propósito é tolice ignorar o tema da segu rança como ainda pior abordálo sem o refletir devidamente sem atentarse em algumas de suas declinações para o autêntico perigo As multidões conectadas Toret 2013 e Rovira 2017 Neste sentido me alinho aqui com alguns autores qualificados como ciberpessimistas Rendueles 2013 e Morozov 2015 entre outros para defender que a tecnologia é a nova exterioridade Harvey 2007 que o capitalismo financeiro regido pelos fluxos do capital Harvey 2013 necessita hoje em dia como desculpa para seu atual pro cesso de acumulação por desapropriação Harvey 2007 p 116 120 Uma ferramenta de controle que acelera nossa incerteza nossa angustia o medo Como podemos saber se os algoritmos utilizados para a predição não refletem os prejuízos de seus autores Por exemplo os delitos normalmente acontecem em áreas pobres e de diversidade racial Seria provável que os algoritmos e sua suposta objetividade validaram ainda mais a criação de perfis criminológicos com viés racista Morozov 2015 p 210 211 Um instrumento que permite hoje prever nossos comportamentos a par tir de uma mineração de dados massivos Big Data Milan e Gutiérrez 2017 348 inclusive incentivar nossos demônios internos469 Os dados constituídos em grande parte por nossas inscrições indeléveis na pele digital da cidade são como um córrego de água cuja corrente nos arrasta a um final incerto em cascata Pa rece que nossa memória está escrita nas nuvens que não a possuímos e que serve a outros interesses Mas os dados nossos córregos na realidade virtual são um correlato de nossas vivências experiências desejos do trabalho duro refletem anseios o conflito as aspirações a violência do sistema estão constituídos por nossa materialidade pela materialidade de nossos sonhos CIDADES ABERTAS CIDADES GLOBAIS DA COCRIAÇÃO À COERÇÃO Cidade aberta Este conceito proposto pelo sociólogo Richard Sennett 2012 e 2018 e que subjaz tangencialmente nas análises de Lefebvre Santos e Davis resume a intenção de romper com as práticas hegemônicas no desenho urbano e a gestão do espaço a partir da participação cidadã coresponsável na cocriação do espaço além do voto de uma ciência cidadã para a cidade que exi giria uma cidadania ativa Para Sennett as diferenças representam um desafio para nossas sociedades e as tendências atuais da política e a tecnopolítica Sabariego 2017 reforçadas pela tecnologia a digitalização e as redes sociais de internet potencializam o tri balismo que somente pode frear a cooperação A ideia de um sistema urbano aberto é que as formas físicas devem consequentemente ganhar uma consequente voz Em termos menos poéticos há interação entre criação física e com portamento social O que chamamos de agência em uma cidade é um colóide dessas duas atividades diferentes Analiticamente afirmase que o grande capitalismo e os poderosos desenvolvedores tendem a favorecer limites e a homogeneidade determinados previsíveis e equilibrados na forma o papel do planejador radical portanto é defender a dissonância No planejamento prático se uma cidade for aberta permitirá adaptações ou acréscimos às cons truções existentes ela encorajará o uso de espaços públicos que não se encaixam perfeitamente como colocar uma praça de cuidados paliativos contra a AIDS no meio de uma rua comer cialSennett 2018470 Zygmunt Bauman analisou a partir de Modernidad y Holocausto 2010 e especialmente em Modernidad Liquida 2003 os procedimentos racionais de erradicação das diferenças subjacentes ao projeto moderno O telos da Moderni 469 Exploramos o Facebook para coletar milhões de perfis de pessoas e construir modelos para explorar o que sabía mos sobre elas e apontar os seus demônios internos Essa foi a base sobre a qual se construiu toda a companhia declarou Christopher Wylie o denunciante do escândalo de CambridgeAnalytica que propiciou o chamado FacebookGate Cf Ingram David e Henderson Peter 2018 A campanha de Trump recopilou dados de 50 milhões de usuários de Facebook Reuters Disponível em httpsesreuterscomarticleentertainmentNews idESKBN1GU0BMOESEN acesso em 12052018 470 The Open City Disponible en httpswwwrichardsennettcomsitesennUploadedResourcesThe20 Open20Citypdf acessado em 11032018 349 dade presente também nos manuais de organização das corporações empresariais Boltanski e Chiapello 2002 que tem acabado invadindo o espaço e as institui ções públicas com o assalto neoliberal a estas nas últimas décadas Além de que o neoliberalismo tem sido capaz de construir um novo marco normativo a partir da utopia da sociedade Mont Pelerin e seus epígonos uma uto pia para a qual não são possíveis alternativas There is No Alternative TINA é o mantra neoliberal de sua realpolitik é nas cidades onde se tem preparado com mais fúria as oscilações de fluxos globais desregulados melhor dizer desterrito rializados e reterritorializados em função dos postulados econômicos vigentes de capital fissurando a preeminência dos Estadosnação neste âmbito ainda que reforçando seu papel como defensores a segurança da propriedade privada e a liberdade de competência e mercado Sassen 2005 p 27 É nesse contexto que vemos um redimensionamento dos quais são os territórios estratégicos que articulam o novo sistema Com o desmembramento parcial ou pelo menos o enfraqueci mento do nacional como unidade espacial devido à privatização e desregulamentação e o con sequente fortalecimento da globalização surgem condições para a ascensão de outras unidades ou escalas espaciais Entre elas estão o subnacional notadamente cidades e regiões regiões transfronteiriças abrangendo duas ou mais entidades subnacionais e entidades supranacionais ou seja mercados globais digitalizados e blocos de livre comércio A dinâmica e os processos territorializados nessas diversas escalas podem em princípio ser regionais nacionais ou globais Saskia Sassen 2005 p 40 defende que o conceito de cidade global enfa tiza a economia em rede os serviços especializados especialmente multimídia e comunicação o que revela que nos encontramos com um novo sistema transfro teiriço que conecta em rede as cidades de diferentes países Para forjar estas cone xões se constitucionaliza a excepcionalidade do Estado que seguindo as teses de Sassenn perde sua hegemonia neste âmbito daí a volta recente da retórica nacio nal popular ante a crise pela via eleitoral embora se vá reforçar suas prerrogativas repressoras e de coerção ante as heterotopías Foucault 1984 aqueles outros es paços que supõem lugares de perturbação contra hegemônicos no continuum dos fluxos do capital reterritorializações Deleuze e Guattari 2002 p 179 194 e inclusive proponho eterritorializações digitais desde a realidade aumentada Para Foucault a heterotopía é uma ciência uma ciência cidadã da cidade poderíamos dizer integrada pelas impugnações à planificação hegemônica do espaço e a incidência biopolítica Foucault 2004 desta sobre os corpos A ideologia da segurança do neoliberalismo e o regime que a caracteriza necessários para salvaguardar a liberdade de mercado e a propriedade privada submetem a população a um regime de insegurança de incerteza A concentração do poder nos agentes mais fortes do Estado e de outras entidades supraestatais que surgem com a ruptura do contrato social incidem diretamente sobre os corpos e os pro jetos de vida sobre as expectativas desejos e horizontes sobre a experiência de um precário presente estabelecendo a competência meritocracia como sistema 350 de disciplina em todos os âmbitos da vida Como descreveu Christian Laval e Pierre Dardot em suas caracterizações da razão do mundo neoliberal Laval e Dardot 2015 cf o quadro 1 é a extensão das lógicas do capitalismo a todos os âmbitos da vida inclusive e especialmente àqueles que sustentam esta e com o qual entra em conflito os cidadãos CHTHULUCENO O termo proposto por Donna J Haraway 2015 em seu Manifesto Ch thuluceno desde Santa Cruz para expressar as mutações do Antropoceno nos sa fronteiriça e curta era atual expõe não os desafios aos quais nos enfrentamos como espécie mas supera as definições hegemônicas acerca desta estabelecendo novas dimensões espacialidades e interconexões complexas Também insisto que precisamos de um nome para a dinâmica contínua das forças e poderes symchthonicos dos quais as pessoas fazem parte dentro das quais a continuidade está em jogo Talvez mas apenas talvez e apenas com intenso empenho e trabalho colaborativo e brincar com outros Terrans será possível florescer ricos conjuntos multiespecíficos que incluam pesso as Estou chamando tudo isso de Chtulucene passado presente e futuro Uma maneira de viver e morrer bem como criaturas mortais no Chulcucene é unir forças para reconstituir refúgios para possibilitar recuperação e recomposição biológica cultural políticotecnológica parcial e robusta que deve incluir o luto de perdas irreversíveis Haraway 2015 p 160 Haraway transborda as coordenadas atuais da nossa época e estabelece uma nova dimensão dinâmica passada presente e por vir Frente às lógicas do capi talismo extrativo reivindica a cidade Make Kin e uma recomposição biológica cultural política e tecnológica que ao meu modo de ver supera as chaves nas quais compreendemos atualmente as cidades quiçá situandose na mesma pers pectiva de Marina Carcés ao falar do vivível dos limites de nossa vida Não se trata aponta Garcés em Nueva ilustración Radical 2017 de até quando vamos poder suportar esta situação se trata de perguntarmos até onde Esta enorme tarefa perpassa como vimos pela abolição do futuro tal e como orienta nossos projetos na planificação neoliberal Se trata de atender à complexidade e multiplicidade de combinações e configurações espaçotemporais sem limite substituindo a autopoiese pela simpoiese criarse com estendendoa à totalidade da vida e as formas de vida com as quais compartilhamos o planeta Para isto é necessária uma redefinição total dos sentidos comuns e os nú cleos duros que organizam nosso pensamento as metodologias e métodos os conceitos as ciências e paradigmas frente ao kainós tentacular que nos condena a uma morte planetária O Chthuluceno é a defesa frente à extração e a desapropriação é a própria complexidade dinâmica de nosso mundo defendendose do capitalismo e suas pulsões de morte 351 Quadro 1 Algumas características da razão do mundo neoliberal e sua incidência no âmbito estatal Entre cultura e política A repressão dos recentes movimentos sociais globais RecentGlobalSocialMovements RazãoMundo neoliberal aceleração da saída da democracia Constitucionalização do Estado de Exceção expansão do poder punitivo 1 Concepção do Estado de Direito como uma forma de Estado e não como um limite ao Estado através do exercício do Direito 2 Liberdade de concorrência exige o reforço da segurança ideologia do securitário no jogo segurança liberdade Foucault e na tensão igualdadeliberdade Balibar 2004 e expectativasriscos Beck que somente à população a insegurança regime da subjetividade 3 A crise como forma de governo a exceção que vira regra Benjamin 4 Concentração do poder nos atores mais fortes quebra o contrato desativação da democracia e fragmentação da sociedade 5 A crise como máquina de guerra Deleuze e Guattari 6 Meritocracia A concorrência como sistema disciplinario expertis e expertos da governança expertocrática 7 Dividocracia o poder soberano dos hedge funds 8 A razão política única A oligarquia e a esquerda de direita 9 Hierarquização e subordinação dos direitos 10 Direitos patrimoniais de defesa da propriedade privada e liberdade de empresa passam a ser os vetores fundamentais nas relações entre direitos Pisarello 11 Aumento exponencial da legislação 12 Interlegalidade Santos 13 Concepção absolutista do Direito só se produz na esfera institucional ou na representação política institucional 14 Concepção excludente de cidadania e da residência legal ligada aos vínculos estáveis com o mercado de trabalho ou a possessão de recursos Standing e Jones 15 Demarquia Constitucionalização das normas de Direito privado Constituição da liberdade Hayek para limitar a soberania do povo 16 Nomoarquia A lei como fim e não como meio Fonte The Impact of Recent Global Social Movements on Public Awareness of Democracy and Human Rights in European Union DEMOCRIGHTS Sabariego 2017 352 REFERÊNCIAS AGUILÓ Antoni y Sabariego Jesús 2016 Epistemologies of the South and local elections in Spain towards politics based on the commons Historia Actual Nº 40 95111 ANDERSON Benedict 1991 Imagined Communities Reflections on the Origin and Spread of Nationalism London Verso BAUDELAIRE Charles 1988 Le Spleen de Paris Paris Club du Livre BAUMAN Zygmunt 2003 Modernidad líquida México Fondo de Cultura Económica 2010 Modernidad y holocausto Madrid Sequitur BOLTANSKI Luc y Chiapello Éve 2002 El nuevo espíritu del capitalismo Madrid Akal CHANEY David 1994 The cultural turn Scenesetting essays on contemporary cultural history London Routledge DAVIS Mike 1992 Beyond Blade runner urban control the ecology of fear Westfield Open Media 1998 Ecology of fear Los Angeles and the imagination of disaster New York Metro politan DELEUZE Gilles y Guattari Félix 2002 Mil mesetas Valencia Pretextos FOUCAULT Michel 1984 Des Espace Autres Architecture Mouvement Continuité vol 5 4649 2004 La Naissance de la biopolitique Cours au Collège de France 19781979 Paris Seuil GARCÉS Marina 20017 Nueva Ilustración Radical Madrid Anagrama GRAEBER David 2013 The Democracy Project A History a Crisis a Movement New York Allen Lane HARAWAY Donna J 2015 Anthropocene Capitalocene Plantationocene Chthulucene Making Kin Environmental Humanities vol 6 159165 HARVEY David 2004 La condición de la posmodernidad Investigación sobre los orígenes del cambio cultural Buenos Aires Amorrortu 2007 El nuevo imperialismo Madrid Akal 2013 El enigma del capital y las crisis del capitalismo Madrid Akal LAVAL Christian y Dardot Pierre 2015 Común Ensayo sobre la revolución en el siglo XXI Barcelona Gedisa LEFEBVRE Henri 1968 Le Droit à la ville suivi de Espace et politique Paris Anthropos 1983 La presencia y la ausencia Contribuciones a la teoría de las representaciones México Fondo de Cultura Económica MILAN Stefania y Gutiérrez Miren 2017 Technopolitics in the Age of Big Data in Sier ra Caballero Francisco y Gravante Tommaso Eds Networks Movements Technopolitics in Latin America Critical Analysis and Current Challenges London Palgrave MacMillan 95109 MISHRA Pankaj 2014 De las ruinas de los imperios La rebelión contra Occidente y la meta morfosis de Asia Barcelona Galaxia Gutenberg MORENOCABALLUD Luis 2017 Culturas de cualquiera Madrid Acuarela MOORE Thomas 2003 Utopia London Penguin MOROZOV Evgeny 2015 La locura del solucionismo tecnológico Barcelona Katz Rendue les César 2013 Sociofobia Madrid Capitán Swing ROVIRA Guiomar 2017 Las multitudes conectadas Barcelona Icaria SABARIEGO Jesús 2007 Los otros derechos humanos Sevilla Atrapasueños 2017 Tecnopolítica y Recientes Movimientos Sociales Globales in Santos Boa ventura de Sousa y Mendes José Manuel Eds Demodiversidad Imaginar nuevas posibilidades democráticas Madrid Akal 391416 SANTOS Milton 1978 O espaço dividido Rio de Janeiro Francisco Alves 353 SASSEN Saskia 2005 The global city Introducing a concept Brown Journal of World Affairs WinterSpring vol XI Issue 2 2743 SENNETT Richard 2012 Together The Rituals Pleasures and Politics of Cooperation New Haven Yale University Press 2016 The Global City Disponible en httpswwwrichardsennettcomsitesenn UploadedResourcesThe20Open20Citypdf 2018 Building and Dwelling Ethics for the City London Allen Lane Toret Javier 2013 Tecnopolítica La potencia de las multitudes conectadas Disponible en ht tpstecnopoliticanetnode72 acceso el 12042018 TRÍAS Eugenio 2001 Ciudad sobre ciudad Barcelona Destino VIRNO Paolo 2003 Gramática de la multitud Para un análisis de las formas de vida contem poráneas Madrid Traficantes de sueños 354 METRÓPOLES BIOPOLÍTICA METRÓPOLES EM REDE METRÓPOLES DOS COMUNS UMA INTRODUÇÃO PARA ESTUDANTES DE ARQUITETURA471 José Pérez de Lama472 Dedicado a Marielle Franco in memoriam Este biopoder foi sem dúvida um elemento indispensável no desenvolvimento do capitalismo este não pode se afirmar se não ao preço da inserção controlada dos corpos no aparato de produção e mediante um ajuste dos fenômenos da população aos processos econômicos Michel Foucault Direito de morte e poder sobre a vida O homem já não está encarcerado mas endividado Gilles Deleuze Postscriptum sobre as sociedades de controle O espaço é a expressão da sociedade Posto que nossas socie dades estão sofrendo uma transformação estrutural é uma hipótese razoável sugerir que estão surgindo novas formas e processos espaciais Manuel Castells A era da informação 471 Este texto se escreve a partir da perspectiva suleuropeia Alguns aspectos portanto não serão extensíveis a outros contextos Sua redação inicial é de 2016 e foi revisado para publicação em 2018 existem questões origi nalmente propostas que devem ser ao menos pinceladas pelo tempo transcorrido embora brevemente e assim se tratou de fazer em especial nas notas A aproximação apresentada é bastante teórica e possivelmente um tanto idealista e se concebeu para ser debatida com estudantes de Arquitetura dos últimos cursos Daí o subtítulo e a perspectiva geral desde que se estudam as questões apresentadas Não se pretende oferecer um diagnóstico exaustivo ou uma proposta estratégica elaborada mas sim desdobrar um certo panorama de temáticas que o autor considera de interesse e que puderam ser incorporadas a uma caixa de ferramentas teórica para pensar e inter ferir na cidade contemporânea O autor agradece a Jesús Sabariego pesquisador da Universidade de Coimbra pelo interesse e estímulo para a redação do presente trabalho A tradução do espanhol para o português foi feita por Mariana Rocha Bernardi 472 Doutor em arquitetura e professor da Escola Técnica Superior de Arquitetura da Universidade de Sevilha em 2009 ele fundou o Fab Lab Sevilla na Universidade da cidade Andaluza Durante dez anos junto com Sergio Moreno e Pablo de Soto ele participou do grupo hackitecturanet realizando projetos nos quais se relacionavam tecnologias livres redes sociais e territórios urbanos 355 A METRÓPOLE BIOPOLÍTICA NOVOS SUJEITOS FORMAS DE PRODUÇÃO E TRABALHO Era o ano de 2001 ou 2002 Passeando por Viena com uma jovem artista e filósofa a quem acabara de conhecer me contava que estava fazendo sua tese de doutorado sobre Foucault e o biopoder Hmmmm Eu havia lido algum livro de Foucault e inclusive se apresentava por aqueles dias um vídeo em uma exposição na histórica Secessão que incluía fragmentos de As palavras e as coisas Anna A me contava que segundo Foucault o poder produzia que o fundamental do poder moderno não era castigar nem proibir nem reprimir mas sim ser pro dutivo produzir indivíduos produzir o real produzir a vida Depois de uma porção de tardes de conversas e passeios trocamos alguns emails e depois já não voltamos a nos ver nunca mais Partindo desta recordação tratarei de apresentar algumas reflexões sobre os sujeitos para quem se supõe que deveríamos fazer a arquitetura e a cidade ou talvez com quem fazemos a cidade Poderíamos dizer usando uma linguagem que todos os arquitetos entendem que é muito conveniente conhecer nossos clientes quais são suas necessidades e aspirações como se comportam quais são os pro blemas e conflitos em que estão imersos em sua vida cotidiana A Modernidade se esforçou em inventar uma nova cidade para os então novos indivíduos e grupos sociais surgidos da Revolução Industrial na sua ala mais esquerdista se pen sou na cidade para a classe trabalhadora os obreiros os sujeitos revolucionários por excelência no pensamento marxista nas alas mais moderadas se pensou na cidade das classes médias assalariadas com suas estratificações correspondentes de golas azuis e golas brancas o que seria algo mais adiante a cidade do Es tado de Bem Estar talvez A hipótese que apresento aqui bastante aceita no campo das ciências sociais é que desde algumas décadas são outros os sujeitos que caracterizam as metrópoles atuais E que como consequência teríamos que voltar a pensar a arquitetura e a cidade desde as novas perspectivas que estes no vos sujeitos nos propõem Para apresentar estes novos sujeitos recorri a Foucault e Deleuze em pri meira instância com a ideia da passagem que o primeiro chamou de sociedades disciplinares ao que o segundo propôs chamar sociedades de controle que seriam as atuais Em ambos os casos se trata de sociedades que segundo a abordagem fou caultiana produziriam sujeitos funcionais a seus sistemas produtivos respectivos Em ambos os casos se entrecruzam questões de subjetividade e formas de organi zação do trabalho modos e relações de produção segundo a expressão clássica Em segundo lugar da mão de Manuel Castells por um lado e de Edward Soja por outro introduzirei outras perspectivas complementares da sociedade atual sociedade em rede e pósfordismo que nos ajudam a situar sobre o território as 356 instituições de Foucault e Deleuze Finalmente e esta é possivelmente a parte mais questionável do fio argumentativo usando autores como Benkler Bollier Hardt Negri Laval e Dardot desenvolverei as questões do comum ou dos co muns que um amplo setor do pensamento político e econômico contemporâ neo vem relacionado com as redes e as sociedades atuais como referência para pensar outros mundos possíveis Em seu conjunto estas três temáticas considero que oferecem um interessante panorama para descrever os novos sujeitos e as atu ais sociedades panorama que venho denominando como a metrópole biopolítica Figura 1 Índice e constelação de ideias autores com os quais se compõe o presente texto Elaboração do autor BIOPODER E BIOPOLÍTICA Entre as contribuições mais apreciadas de Michel Foucault 19261984 está sua teoria do poder que nos interessa aqui entre outras razões por estar como sugeria minha companheira de passeios vienenses estreitamente relaciona da com a produção de sujeitos Biopoder é o termo utilizado por Foucault para descrever as novas práticas de poder que caracterizam as sociedades europeias a partir dos séculos XVIXVII isto é as sociedades nas quais irá se desdobrar a Revolução Industrial Biopolítica na concepção de Foucault seria a prática po 357 lítica característica do biopoder O primeiro que nos sugere o termo biopoder é sua condição de poder sobre a vida sua ambição de controlar a totalidade da vida o que veremos mais adiante Sociedades disciplinares é o outro termo usado por Foucault para descrever estas sociedades termo que faz referência às técnicas de poder concretas que caracterizam o período histórico Passo a comentar estas questões Foucault começa a desenvolver a questão das sociedades disciplinares no livro Vigiar e Punir O nascimento da prisão 1958 Analisa aqui a transição do que ele chama sociedades soberanas para sociedades disciplinares ou que ao mes mo tempo se chama poder soberano para poder disciplinar ou biopoder O poder soberano representado paradigmaticamente pelo poder do rei absolutista tinha por objeto principal taxar a produção mais do que organizála e decidir a morte mais do que administrar a vida Deleuze 1999 Proibir e castigar representariam esta forma de poder antigo a pena de morte seria sua máxima expressão A hipótese de Foucault então é que a partir do século XVIXVII vai emergindo uma nova forma de poder cujo objetivo prin cipal será não obstante organizar a produção e administrar a vida e cujas manei ras de se exercer passaram a ser da ordem de incitar suscitar induzir combinar Para poder avançar neste tema será necessário voltar primeiro e tratar de expor as ideias gerais sobre o poder de Foucault473 Para mim a principal ideia de Foucault em relação ao poder é sua afir mação de que este não é uma propriedade senão que se trata de uma relação de forças que existem em toda a interação social Não é um atributo mas sim uma relação Deleuze 1987 53 Uma relação de forças que se põem em jogo mediante estratégias e técnicas o poder pastoral o poder soberano o biopoder o atual que argumentaremos mais adiante como novo e diferente Logicamente umas e outras formas não sempre se excluirão entre si e com maior frequência se sobrepuseram Uma das consequências desta perspectiva do poder como relação é que não existirá uma sede privilegiada do poder o estado a classe financeira senão que existirão em sua expressão mil campos de batalha a família e o casal a escola a fábrica a empresa o mercado as redes etc O interesse desta interpretação é que 473 A obra de Foucault é extensa e difícil de ler por seu estilo erudito e prolixo pela evolução de suas posições sobre os mesmos temas ao longo de sua vida e pela maneira indireta que tem em muitas ocasiões de abordar o objeto principal de sua reflexão Além de seus numerosos livros estão publicadas boa parte de suas aulas mais acessíveis à leitura ainda que menos sistemáticas Também há um grande número de artigos São relevantes finalmente as análises de múltiplos pensadores sobre a obra de Foucault Para sua teoria do poder tomarei como principal referência os comentários de Deleuze 1987 1999 2014 sobre a obra de Foucault os comentários de Miguel Morev 2001 assim como Vigiar e Punir e História da sexualidade Volume 1 A vontade de saber do próprio autor 358 enquanto relações concretas de forças estas serão sempre suscetíveis de ser subver tidas Como relação de forças açãoreação microfísica do poder para Foucault onde há exercício de poder necessariamente há resistência Em ocasiões e situan doas em um contexto espacial chama a estas resistências táticas locais do habitat Soja 1996 450474 A percepção habitual da existência de um poder monolítico contra a qual não se poderia lutar que identificamos com o capitalismo o Estado o partido X etc é para Foucault uma percepção equivocada esta percepção seria o resultado de um efeito de conjunto da composição de uma multiplicidade de situ ações micro que se apoiam e se complementam entre si Neste sentido se trata de uma visão otimista das relações de poder que como se assinalava seriam suscetíveis de ser subvertidas em cada uma de suas instâncias específicas Conforme eu avançava outro ponto característico do poder segundo Fou cault é que este não opera principalmente por meio da repressão que seria uma estratégia extrema d senão que em palavras de Miguel Morev 2001 11 produz através de uma transformação técnica dos indivíduos Em parte isso ocorre através de processos que Foucault descreve como de normalização de adaptação a um sistema de normas explícitas como as leis e regulamentos e não explícitas como o que mais habitualmente entendemos por convenções ou senso comum Se da curiosa circunstância de que muitos comentaristas contemporâne os de Foucault citam seu curso intitulado O nascimento da biopolítica 2009 b como fonte de suas reflexões em torno deste termo Mas na realidade Foucault neste volume que são as transcrições de uma série de classes chega a falar muito pouco sobre o tema tão somente o faz das condições prévias de seu sur gimento segundo o mesmo explica no resumo final 2009b 311 Citarei portanto outra fonte menos mencionada que é de onde considero apresentar este projeto filosófico com maior claridade Se trata do capítulo final de História da sexualidade 1 A vontade de saber publicado originalmente em 1976 intitulado apropriadamente Direito a morte e poder sobre a vida Foucault 2009 144151 Vejam bem o Ocidente conheceu desde a idade clássica uma profunda transformação dos me canismos de poder funções de incitação de reforço de controle de vigilância de aumento e organização das forças que subjugam um poder destinado a produzir forças a fazêlas crescer e ordenálas mais do que obstaculizálas persuadilas ou destruílas A partir de então o direito de morte tendeu a se mover ou ao menos a apoiarse nas exigências de um poder que admi nistra a vida e a se conformar com o que estas demandas exigem um poder que se exerce positivamente sobre a vida que procura administrála aumentála multiplicála exercer sobre ela controles precisos e regulações gerais assegurar reforçar sustentar multiplicar a vida e colocála em ordem 474 Numerosos autores desde os anos 80 tem trabalhado estas questões dentro dos chamados estúdios culturais des tacando entre estes trabalhos por seu caráter seminal a obra de Michel de Certeau traduzida para o inglês como The Practice of Everyday Life 1980 em francês 1984 em inglês 359 Concretamente esse poder sobre a vida se desenvolveu desde o século XVII em duas formas principais não são antiéticas mas bem constituem dois polos de desenvolvimento ligados por um feixe intermediário de relações Um dos polos aparentemente o primeiro a ser formado foi o centrado no corpo como máquina seu adestramento o aumento de suas aptidões a extorsão de suas forças o crescimento paralelo de sua utilidade e sua docilidade sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos tudo isso foi assegurado por procedimentos de poder característicos das disciplinas anatomopatológica do corpo humano O segundo forma do um pouco mais tarde em torno da metade do século XVIII se concentrou no corpo espécie a proliferação os nascimentos a mortalidade o nível de saúde a duração da vida e a lon gevidade com todas as condições que podem fazêlos variar todos esses problemas são levados a cabo por uma série de intervenções e de controles reguladores uma biopolítica da população As disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois polos ao redor dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida um poder cuja mais alta função desde então não é a de matar mas de invadir a vida inteiramente Desenvolvimento rápido durante a época clássica de disciplinas escolas colégios quar téis oficinas aparição também no campo de práticas políticas e as observações econômicas dos problemas de natalidade longevidade saúde pública habitação migração explosão pois de técnicas diversas e numerosas para obter a sujeição de corpos e o controle das populações Este biopoder foi sem dúvida um elemento indispensável no desenvolvimento do capi talismo isto não se pode afirmar senão ao preço da inserção controlada dos corpos no aparato de produção e mediante um ajuste dos fenômenos da população aos processos econômicos Mas exigiu mais necessitou do crescimento de uns e outros seu reforço ao mesmo tempo que sua utilidade e sua docilidade requereu métodos de poder capazes de aumentar as forças as atitudes e a vida em geral sem por isso tornálas mais difíceis de dominar A invasão do corpo vivente sua valorização e a gestão distributiva de suas forças foram neste momento indispensáveis Deveríamos falar de biopolítica para designar o que faz entrar a vida e seus mecanismos no domínio dos cálculos explícitos e converte o saberpoder em um agente de transformação da vida humana Deleuze 198755 aborda assim no tema O poder mais que reprimir produz realidade e mais que ideologizar produz verdade Saber e poder embora não dê lugar ao desenvolvimento aqui são para Foucault dois âmbitos estreita mente relacionados entre si Em nosso caso o saber da arquitetura e o urbanis mo do que com frequência chamamos orgulhosamente de a disciplina ou os saberes disciplinares participando da construção das sociedades disciplinares Os conceitos foucaultianos de dispositivo e diagrama nos ajudarão a apro fundar nesta modalidade do poder o biopoder que Foucault nos disse como temos visto que começa a se desenvolver no Ocidente na época clássica Dispo sitivo seria uma certa configuração de ralações de força associadas a técnicas de poder concretas que adquirem uma certa estabilidade que tendem a se repetir que teríamos que relacionar com o habitar e o hábito enquanto que distribuição no espaço e no tempo serialização composição normalização que são alguns dos procedimentos com que descrevem DeleuzeFoucault as formas em que se exerce o biopoder Em Vigiar e punir Foucault investiga os chamados dispositivos de confi namento que constituem segundo seu aparato conceitual elementos caracterís 360 ticos das sociedades disciplinares entre os quais a prisão moderna o panóptico de Jeremy Bentham serve de modelo ou tipologia de referência Nas palavras de Deleuze 1999 as sociedades disciplinares operam mediante a organização de grandes centros de encarceramento O indivíduo passa sucessivamente de um círculo fechado a outro cada um com suas próprias leis primeiro a família depois a escola já não estás em casa depois o quartel já não estás na escola a em seguida a fábrica a cada período de tempo o hospital e às vezes na prisão o centro de encarceramento por excelência A prisão serve como modelo analógico Foucault analisou perfeitamente o projeto ideal dos centros de encarceramento especialmente visíveis nas fábricas concentrar repartir no espaço ordenar no tempo compor no espaçotempo uma força produtiva cujo efeito deve superar a soma das forças componentes Observamos como todos estes espaços que haveriam de ser adicionados à habitação moderna projetada para abrigar a família nuclear também invenção desta época e sem dúvida a cidade moderna em seu conjunto são em boa par te arquiteturas ao mesmo tempo que se constituem os programas geradores da própria arquitetura moderna até então o objeto da arquitetura havia sido funda mentalmente a construção de palácios e templos Logicamente quando falamos de dispositivos não só nos referimos a espaços mas também de outras coisas que os compõem como são os discursos as normas as burocracias as tecnologias etc Porém nos parece que a importância que adquire a arquitetura nesta época não é alheia a sua participação nesta reordenação biopolítica do mundo Fou cault em outras ocasiões nos fala de discursividades e visibilidades sendo estas úl timas da ordem do material como é o caso da arquitetura os objetos e a própria cidade Entre discursividades e visibilidades sempre existem segundo Foucault não obstante desencaixes são dois sistemas diferentes não homólogos Para concluir esta seção convém talvez sublinhar a dimensão ambígua do poder em sua abordagem foucaultiana Se o objetivo do poder é nos fazer indivíduos e populações produtivas aumentar as forças a saúde as aptidões etc enquanto as controla é razoável que a relação dos indivíduos com essas formas de poder seja também ambígua Não é estranho que se possa amar o es tado de coisas que dá lugar a estas configurações mais força maior saúde mais aptidões Sabemos que é assim não há dúvida Se pode ver como uma questão de gradação de equilíbrio Nos situa com facilidade no cenário dos reformismos frente ao das revoluções e no da sábia adaptação às circunstâncias de cada qual Não nos apaixonemos nunca pelo poder recomenda porém Foucault em ou tro texto memorável 2010 SOCIEDADES DE CONTROLE As disciplinas entraram em crise em proveito de novas forças que se iam produzindo lentamente e que se precipitaram depois da segunda guerra mun 361 dial as sociedades disciplinares são nosso passado imediato o que estamos dei xando de ser escrevia Deleuze em 1991 Em outro lugar explica como Foucault quase sempre escreve História para na realidade ou ao mesmo tempo pensar sobre o presente 1987 Eu gosto de comentar dois vídeos musicais para introduzir a crise das dis ciplinas das sociedades disciplinares Um é o fragmento do filme The Wall de Pink FloydRoger Waters 1982475 em que meninos ingleses em uma escola se rebelam contra seu professor tirânico Nós não precisamos de nenhuma educa çãoNós não precisamos de nenhum controle de pensamentoNada de sarcasmo negro na sala de aulaProfessor deixe as crianças em paz No vídeo se mostra como os alunos são conduzidos na educação com uma disciplina entre fabril e militar para acabarem transformados em carne de salsichas ou hambúrgueres em produtos ou mercadorias E o motim contra este estado de coisas O contraste entre a alienação dos alunos caminhando de maneira mecânica e a fúria selvagem do motim talvez seja o aspecto de maior intensidade da peça além da talvez excessiva simplificação com que se mostram outros aspectos De um humor mais alegre é o vídeo de Freddie Mercury e Queen I Want to Break Free 1984476 Aqui os membros da banda aparecem travestidos de maneira grotesca com Mer cury passando o aspirador de mini saia e soutien parodiando uma famosa série de televisão britânica sobre a crise dos modos de vida da classe trabalhadora A série se passava em Manchester a cidade que Marx e Engels identificam como modelo original da Revolução Industrial Neste vídeo se sobrepõem múltiplas questões como a libertação da mulher do queer477 e também uma crítica à estética moder na com o caráter bastante trash478 da realização Mercury por sua vez de origem parsi indopersa479 nascido na África colonial inglesa e militante homossexual que alguns anos depois 1991 morreria como Foucault por complicações relacionadas com o vírus HIV representa uma rebeldia radical contra a vontade 475 Pode ser visto online em httpsyoutubeYR5ApYxkUU a tradução das linhas comentadas poderia ser Não necessitamos de educação não necessitamos de controle de pensamento não ao obscuro sarcasmo nas aulas professor deixe as crianças tranquilas Outra de minhas obras preferidas que poderia situarse no espírito de Foucault mas neste caso no âmbito dos hospitais psiquiátricos é a novela de Ken Kesey Alguém voou sobre um ninho de cucos 1962 também com sua versão cinematográfica Milos Forman 1977 476 Pode ser visto online em httpsyoutubeeM8Ss28zjcE a tradução das linhas comentadas poderia ser Quero me libertar de suas mentiras estás tão satisfeito de ti mesmo não preciso de ti e esta vez sei que é de ver dade é sério 477 Queer é uma gíria de origem americana para designar o homossexual Na década de 1920 passou à linguagem cotidiana para designar o homossexual O termo embora ofensivo no mais das vezes é considerado positivo sem conotações pejorativas quando usado pelo próprio grupo GLS gays lésbicas e simpatizantes Optamos na tradução por manter o termo tal como registrado pelo autor 478 No dicionário de Cambridge trash pode ser definido como garbage uk rubbish waste material or things that are no longer wanted or needed ou seja lixo ou algo que alguém não deseja mais usar Trash também se destinada a determinados tipos de filmes de terror e ainda a fusão de ordem com caos da realidade com o abstrato Tratavase de trazer à tona a ambiguidade das coisas e seres o traço diferente e aproveitável daquilo que costumeiramente se considerava como descartável ou esquisito 479 Parsis Parsis ou parses em português são um grupo étnicoreligioso do Subcontinente Indiano 362 de padronização biopolítica que vínhamos descrevendo Eu quero me libertar de suas mentiras Você não é satisfeito consigo mesmo eu não preciso de você A principal versão de Another Brick in the Wall teria em 2016 161 milhões de visualizações no Youtube enquanto que a de I Want to Break Free contava com 127 milhões 072016 o que nos dá a ideia de sua relevância também entre o público atual Estes dois vídeos e sem dúvida poderiam trazerse como exemplos outras muitas canções filmes livros etc são manifestações bastante tardias de mudan ça social A genealogia mais aceita apresenta a década de 1960 como o período de crise cultural chave a de 1970 como da mudança econômica mas a genealogia pode ser muito mais detalhada e uma de minhas preferidas no campo da arte é a proposta por Greil Marcus 1990 que propõe a tríade Dadaísmo Situacionismo e Punk como suas manifestações mais radicais Os vídeos de Waters e Queen se situariam possivelmente no despertar mais imediato do Punk cujo ano crítico foi 1979 no Reino Unido I want to break free And this time i know its for real480 cantava Mercury mas sabemos demasiado bem que todas estas aspi rações rebeldes que são geralmente rotuladas como herdeiras de 68 se viram logo capturadas e subvertidas Deleuze que conheceu em primeira mão o processo de mudança que se de senrolou ao longo das décadas de 1960 70 e 80 descreveu em 199091 com enor me precisão o novo mundo que estava emergindo E ele fez isso em um texto extre mamente breve que vínhamos citando intitulado Postscriptum pósdata sobre as sociedades de controle Deleuze 1999 Tomando esta denominação do escritor beat e da ficção científica William Burroughs Deleuze explica que o novo é o controle de populações e indivíduos não já em espaços de encarceramento mas em espaço aberto naquilo que de pronto já começaríamos a chamar de redes Embora as de nominações de uns e outros autores sejam um tanto confusas costumo chamálas com Brian Holmes como um biopoder de segunda geração481 Que seriam então estas sociedades de controle que supostamente nos conformamos hoje Se tratariam de uma forma evolutiva do biopoder e a bio política Sua aspiração seria também a dominação total da vida mais profunda que a da etapa precedente também é claro para colocála a produzir ainda que em novo contexto que as novas técnicastecnologias contribuem a criar do espaço aberto do espaço mais autônomo e livre das redes 480 Eu quero me libertar E desta vez sei que é pra valer 481 Uma intensa análise desta transição do primeiro biopoder foucaultiano para esta outra forma que usei bastante quando começava a estudar o assunto é o de Brian Holmes 2007 em Mapa Futuro Como os ciborgues apren dem a parar de se preocupar e adorar a vigilância onde por certo menciona o trabalho do autor com o coletivo hackitecturanet como exemplo de exploração artística destes novos territórios de conflito 363 Como no período histórico precedente se trata também desde a perspectiva dos setores hegemônicos de fazer compatível o aumento das forças produtivas das populações agora globais conectadas em redes digitais e sua dominação Intuímos com facilidade qual é a nova gama de técnicas de poder porque as encon tramos na textura de nossas próprias vidas cotidianas e paradoxalmente tendemos a vêlas como necessárias naturais ou inclusive boas A qualidade a excelência e o mérito o espírito empresarial e de empreendimento extenso a todos os âmbitos a competência a formação permanente a eficiência através da gestão massiva de dados a conexão permanente a flexibilidade a mobilidade a criatividade a auto nomia a videovigilância o uso de redes sociais para compartilhar nossas vidas a administração eletrônica o crédito Deleuze o antecipava assim em 1990 frente à normalização mais bem estática da disciplina refere que o controle se baseia na modulação permanente Frente às etapas da vida claramente definidas escola universidade contratação laboral jubilação o permanente inacabamento como o adiamento indefinido dos processos de Kafka Frente à máquina enérgica das revoluções industriais a máquina informática Frente ao encarceramento a dívida e o acesso mediante senha Frente à fábrica a empresa centrada no marketing E curiosamente já em 1990 propõese como um dos novos modelos de controle o de concursos televisivos E poderíamos adicionar a nós frente ao governo a gover nança outro tema estudado por Foucault482 Nesta mesma esteira de novo Brian Holmes 2001 em um excelente texto denominou a subjetividade característica destes novos sujeitos produtivos como a personalidade flexível DIAGRAMA Eu sugeri que Foucault propôs o panóptico como diagrama483 do encarcera mento como uma montagem característica das técnicas de poder das sociedades dis ciplinares 1991 205 Panóptico é o nome do modelo de cárcere criado na Inglaterra do século XVIII no marco da filosofia utilitarista Foucault o descreve como um sis tema arquitetônico e óptico uma vez que figura como tecnologia de poder Consistia na disposição de um centro de vigilância e uma distribuição em estrela das celas que permitia que um só guarda pudesse observar a todos os presos de forma permanente com a particularidade importante de que pela iluminação relativa os presos não 482 O conceito de governança na acepção foucaultiana exigiria um desenvolvimento complexo Dentro de seus es tudos sobre governabilidade Foucault problematiza questões como as novas relações entre público e privado à incorporação da sociedade civil e das minorias as políticas de participação cidadã que logo se tornaram muito comuns como partes das novas maneiras de exercício desta segunda modalidade de biopoder 483 O conceito de diagrama enquanto um conjunto de relações subjacentes a diferentes situações em um certo pe ríodo histórico aproxima Foucault do estruturalismo Entretanto seu uso resulta ambíguo quando se contrasta com suas aproximações microfísicas ao poder que se desenvolve com posteridade O conceito de diagrama em um sentido parecido ao proposto por Foucault foi muito usado em certos setores da academia arquitetônica no período da última mudança de século 364 podiam enxergar o vigilante e assim sentiam que sempre estivessem os vigilantes efetivamente presentes ou não estar sendo observados A vigilância se transformava em autocontrole Hoje autores como Franco Berardi Bifo 2015 2017 Donna Ha raway e McKenzie Wark 2015 sugerem de maneira convincente que o código o software nas suas múltiplas formas ou níveis de aplicação poderia considerarse como o novo diagrama característico das sociedades de controle DESEJO Para concluir esta primeira seção do capítulo comento sobre o papel da produção de subjetividade e o desejo nas novas sociedades Na morte do filósofo Jean Baudrillard Franco Berardi Bifo 2007 amigo e interlocutor filosófico de Félix Guattari e para mim um dos autores de referência neste campo escreveu que o tempo transcorrido desde as décadas de 6070 havia demonstrado que a teoria do desejo de Baudrillard havia de imposto sobre a de seus contemporâneos Deleuze e Guattari Enquanto que DeleuzeGuattari muito no espírito de 68 pensaram o desejo como uma força liberadora e revolucionária Baudrillard se gundo explica Bifo de pronto o viu como elemento ambivalente mais propenso à dominação e à submissão no contexto capitalista pós 68 que para a libertação A conclusão de Bifo era que efetivamente o desejo a produção de subjetivida de se havia convertido no principal meio de controle do capitalismo pósmo derno que habitualmente se denomina semicapitalismo A produção de subje tividade da carência484 empreendedoras competitivas individualistas etc que domina a paisagem humana atual se mostra hoje em dia aliás como a tecnologia de controle definitiva O apocalíptico Bifo 2004 situava como um ponto crítico desta evolução a conquista por parte de Silvio Berlusconi do sistema audiovisual italiano e o triunfo social da série televisiva Dallas com seu protagonista o para alguns ridículo JR como modelo social do triunfador décadas 198090 De minha parte inspirado por Bifo em ocasiões descrevo o sistema socioeconômico atual como capitalismo do desejo PÓSFORDISMO E METRÓPOLES EM REDE O biopoder e a biopolítica recapitulando não seriam em princípio finais em si mesmos senão tecnologias ou técnicas para produzir certas formas de vida 484 A questão do desejo como carência é um tema tratado por Guattari e Bifo Em sua forma dominante o desejo se manifestaria como falta de algo que queríamos ter e que como tal será difícil de satisfazer pois um objeto de desejo uma vez alcançado sempre será substituído por outro Ao contrário DeleuzeGuattari teorizam o desejo como força orientada à produção de inconsciente territórios existenciais e devirescom vejase por exemplo Larrauri 2000 365 e certo tipo de indivíduoshomemmulher que como dizia sejam produtivos funcionais à reprodução e ampliação de um certo estado de coisas A ideia na re alidade não é nova Marx em O Capital e mais tarde Karl Polanyi 1944 já expli cavam como o capitalismo industrial produziu os indivíduos necessários para sua viabilidade o trabalhador livre o proletariado O novo biopoder foucaultiano é provavelmente a atenção que presta às técnicas concretas a perspectiva histórica em que situa estas técnicas e a abertura que faz às novas formas de poder do ca pitalismo mais recente Então se efetivamente biopoder e biopolítica tem como objetivo a produção de indivíduos e sociedades produtivas teríamos que nos perguntar quais são as sociedades as novas formas de biopoder que contribuem a construir Mais concretamente tratarei de me centrar na continuação do que hi poteticamente queremos chamar aqui metrópoles biopolíticas De outra maneira As novas sociedades biopolíticas geram também novas cidadesmetrópoles485Para responder a estas perguntas seguirei principalmente dois autores Edward Soja geógrafo urbano Angelino de Los Angeles Califórnia e Manuel Castells so ciólogo e urbanista que ao longo de sua carreira tem trabalhado em relevantes instituições entre outros lugares em Paris Berkeley e Barcelona Não foi até meados da década de 1990 quando se começou a reconhecer no âmbito do pensamento arquitetônico os novos fenômenos territoriais que inicialmente se concentram no tema da globalização São os anos de fascinação com a OMA Office of Metropolitan Architecture de Rem Koolhaas 1995 2000 e desde uma perspectiva mais crítica do livro A cidade global de Saskia Sassen 1991 ou os escritos do Subcomandante Marcos del EZLN 1997 Por estes anos também embora chegasse muito mais tarde a Espanha a autodenominada Escola de Los Angeles vinha desenvolvendo estudos pioneiros sobre a cidadere gião do Pacífico norteamericano nos que sintetizavam múltiplas ideias próprias e de outros autores e reconceituavam a metrópole losangelina menosprezada tanto no meio urbano ao longo da primeira parte do século 20 como novo paradigma do urbanismo pósmoderno No capítulo final do livro coletivo The City Los Angeles and Urban Theory at the End of 20th Century 1996 Edward Soja um dos principais autores do grupo apresentava uma síntese magistral da quelas investigações A primeira vez que li aquele texto junto com alguns colegas sevilhanos ao final nos anos 90 ficamos maravilhados pela explosão de novas ideias e termos muitos dos quais 20 anos depois eles se tornaram parte da terminologia convencional e do conhecimento Aquela obra ajudou a identificar 485 A pergunta de Como e por quê se deixa para trás a sociedade industrialdisciplinar e emerge a sociedade em rede global e de controle haverá de se deixar para outra ocasião Sobre o assunto boa parte dos autores citados nestas páginas colocam suas próprias interpretações ainda que em minha opinião não exista um consenso muito claro sobre o assunto Harvey 2005 A Brief History of Neoliberalism Holmes 2001 The Flexible Personality Rifkin 2011 The Third Industrial Revolution ou Ann Pettifor 2017 The Production of Money oferecem por exemplo diferentes teorias de interesse e constituem uma boa base para se introduzir ao debate 366 e compreender muitos dos fenômenos que começaram a surgir no resto do mun do e que naquele momento se apresentavam sem sentido claro ou consistente Ainda que talvez Los Angeles tenha sido posteriormente substituída como cidade paradigmática poster child do período por regiões chinesas como Shanghai ou Shenzhen486 e em qualquer caso se teve que observar uma ampla variedade de processos metropolitanos diferentes os trabalhos daquela época seguem sendo uma excelente referência para interpretar o mundo contemporâneo A hipótese de Soja era que efetivamente se havia produzido uma troca qualitativa do metropolitano Para explicitar a relevância da troca frente a con tinuidade Soja propunha usar o termo pósmetrópole Ainda que este termo não foi o que chegou a se impor no discurso convencional a análise desenvolvida era extremamente criativa e sugeria baseado na superposição de seis geografias que como camadas que hibridizavam umas com as outras compunham este novo mundo pós metropolitano Logicamente Soja reconhecia importantes conti nuidades com as etapas precedentes mas sua aproximação tratava de colocar em cheque o novo Dentre as seis geografias a que comentarei principalmente aqui é a que se denominou sucessivamente metrópoles flexível 1996 e metrópoles em rede 2000 e que teria a ver com as trocas ocorridas na cidade como um meio de emergência e por sua vez produto de um novo sistema produtivo que Soja com outros autores optou denominar pósfordismo Pósfordismo seria o que sucede o fordismo isto é o que sucede a organização industrial própria da Modernidade A seguinte citação de Soja 1996 438439 nos ajuda a situar a questão Neste período se produz em Los Angeles um pronunciado deslocamento da organização e tecnologia industrial das práticas fordistaskeynesianas487 de produção e consumo em mas sa que dominaram o boom da pósguerra nos Estados Unidos a que hoje se descreve cada vez mais como um sistema pósfordista de produção e desenvolvimento corporativo flexível que tem estado na vanguarda da reestruturação econômica urbana desde pelo menos 1965 A produção fordista estava fundada em cadeias de montagem especializadas e sistemas de pro dução integrados verticalmente alimentados por economias de escala interna que se faziam sustentáveis mediante enormes corporações oligopolistas comprometidas em contratos sociais relativamente estáveis com grandes sindicatos e um governo federal dedicado a incentivar o consumo em escala nacional através de práticas keynesianas de estímulo de demanda e provisão de bem estar social Nestas condições não seria um grande exagero afirmar que como ocorrera na General Motors ou na Ford assim fora na economia estadunidense pois na indústria auto mobilística se manifestava de forma mais característica a gama completa das práticas fordistas e keynesianas 486 Fiz uma modesta contribuição para este debate com a publicação das notas de uma viagem de estudos que fiz por Shanghai Shenzhen e outras cidades chinesas no ano de 2010 Pérez de Lama 2011 487 Keynesianas e keynesianismo fazem referência às práticas econômicas dominantes no período entre o final da II Guerra Mundial e a década de 1960 na Europa e Estados Unidos inspiradas pelo economista inglês JM Keynes que tinham como componente principal o aumento do gasto público em infraestruturas obras públicas serviços públicos etc para a ativação da demanda efetiva Sobre esta questão pode se ver a principal obra do próprio Keynes Teoria geral do emprego o interesse e o dinheiro 1936 Uma releitura recente mais acessível seria o livro de Anne Pettifor The Production of Money 2017 367 O fordismo continua sendo importante na economia nacional dos EUA mas a reestrutura ção gerada pela crise dos últimos trinta anos 19651992 tem levado a emergência de novos setores de liderança e de inovação tecnológica e organizativa que tem convergido no que alguns tem chamado de um novo regime de acumulação mais capaz de competir com êxito em uma economia nacional e global crescentemente reestruturada Este novo regime está caracterizado por sistemas de produção mais flexíveis que se localizam em clusters488 com um grau intenso de transações internas formadas por pequenas e médias empresas interconectadas para gerar crescentes economias de projeção externas economies of scope489 através de complexos acordos de subcontratação controles de inventário melhorados uso de maquinaria controlada por computador e outras técnicas que permitem respostas mais rápidas aos sinais do mercado especialmente em tempos de recessão econômica e competência global intensificada Com a crescente desintegração do contrato social da pósguerra através da destruição dos sindicatos a redução de salários as reestruturações corporativas a retirada do governo da maior parte dos setores da economia e a debilitação das redes de seguridade social por parte do governo federal assinalando o que alguns tem denominado o deslocamento de welfare state ao warfare state o fordismo tradicional já não era sustentável ao nível precedente Para Soja e Scott outro dos principais investigadores da Escola de Los An geles as práticas pósfordistas geraram uma significativa reestruturação da forma metropolitana que passava de estrutura mais ou menos centralizada e orgânica que caracterizou o desenvolvimento urbano moderno a uma configuração de ca ráter reticular de rede estreitamente interconectada com os processos globais de fluxos de capital e informação redes de produção e distribuição realocadas e dis tribuídas e movimentos migratórios Na própria cidaderegião de Los Angeles Soja identificava elementos contraditórios que complicavam as interpretações iniciais dos processos de globalização centrados na financeirização e desmateria lização da economia Para começar frente ao adjetivo pósindustrial que se havia usado frequentemente nas décadas precedentes durante este período a produção industrial em Los Angeles havia crescido significativamente convertendose na primeira região produtora dos Estados Unidos em diferentes setores como a in dústria aeroespacial ou a têxtil 488 NT O termo cluster é original do inglês que literalmente se refere a grupos aglomerados em um contexto polí tico e econômico o termo tem sido utilizado para se referir a grupos conectados por computadores que trabalham interligados em rede 489 NT O termo economies of scope é utilizado para descrever situações nas quais o custo médio e marginal de longo prazo de uma empresa organização ou economia diminui devido à produção de alguns bens e serviços complementares Uma economia de escopo significa que a produção de um bem reduz o custo de produção de outro bem relacionado 368 Figura 2 Diagrama conceitual a partir do estudo da geografia da produção flexível em Los Angeles Califórnia de Soja e Scott 1996 2000 em que se mostram alguns dos elementos característicos e novos das metrópoles globais com respeito ao modelo industrialmoderno precedente Elaboração do autor 20062018 De forma sintética as subgeografias pósfordistas identificadas por Soja 1996 441442 incluíam 1 as novas tecnopólis ou distritos tecnológicos ca racterizadas não já pelas grandes indústrias senão pela multiplicação de médias e pequenas caracterizadas por uma forte interrelação interna e com redes globais muitas dessas tecnopólis localizadas em áreas urbanas de nova criação 2 áreas de produção caracterizadas pelo uso intensivo de mão de obra migrante que no caso de Los Angeles se situavam em torno do antigo centro urbano Down town Los Angeles 3 redes distribuídas por todo o território com alguns nós destacados dos quais Soja chama o setor FIRE Finance Insurance e Real Estate isto é o setor financeiro e de atividades relacionadas e de forma mais surpre endente talvez 4 redes de economia informal e 5 áreas em decadência ou obsoletas correspondentes a zonas prósperas da etapa econômica precedente que não haviam sido suscetíveis de reconversão à nova realidade econômicoprodu tiva Frente a inicial ilusão dos processos de globalização e financeirização que se promoviam como o anúncio de um mundo de prosperidade generalizada como já assinalava Sassen em A cidade global Soja também sublinhava a necessária exis tência das áreas de economia informal no novo sistema pós metropolitano que tinha na assimetria tanto global como local uma de suas principais condições de existência Ajudando a manter os distritos especializados e flexíveis há uma economia informal intensa e uma população transbordante de trabalhadores imigrantes de baixos salários que fazem com 369 que a crackhouse490 e a maquila a loja de vídeos piratas e o mercado assim como uma vasta reserva de mal pagos faxineiros jardineiros lavadores de pratos vendedores ambulantes mon tadores caseiros de placas eletrônicas e empregados domésticos constituam uma parte tão essen cial das flexcities pósfordistas de Los Angeles como qualquer outra coisa que se tenha descrito as tecnopólis as redes distribuídas de FIRE 1996441442491 Como ocorria com Foucault Soja escreveu que encobria a pósmetrópoles pósfordista osangelina492 ao final de um ciclo 19651992 no momento de sua crise Em sua análise a reestruturação urbana que se implantou ao longo destas três décadas havia sido a resposta à crise da modernidade fordistakeynesiana Po rém seu diagnóstico era que depois do período da nova prosperidade na metade da década de 1990 a multiplicação de novas contradições e conflitos se tornavam necessárias para o início de novas reestruturações493 MANUEL CASTELLS E A ERA DA INFORMAÇÃO Em 1996 o sociólogo Manuel Castells então fixado na Universidade de Berkeley Califórnia publica também sua monumental obra intitulada A era da informação Economia sociedade e cultura Em três extensos volumes ele reescreve seu trabalho sobre as sociedades emergentes desenvolvidas durante as duas déca das precedentes apresentando uma das primeiras interpretações integrais do que se denomina sociedade em rede que propõe como uma composição do novo capitalismo global e as tecnologias da informação Só poderia destacar nestas páginas alguns aspectos desta importante obra Em primeiro lugar baseado em seus estudos precedentes sobre as tecno pólis como novos espaços paradigmáticos da nova economia 1994 se refere ao que Castells denomina innovation milieux ou fundos de inovação que caracte rizam as tecnopólis ou distritos tecnológicos mais destacados e particularmente Silicon Valley berço de Hewlett Packard Apple Cisco Google e muitas outras das principais empresas impulsionadoras da revolução digital Destacava o autor nestes novos lugares a combinação de diversos elementos Em primeiro lugar lo gicamente eram empresas que como também sugeria Soja já não eram as gran 490 NT Ao se traduzir crackhouse para o português podese indicar como à boca de fumo 491 Sobre a proliferação do habitat informal a nível global se pode ler o dramático Planet Of Slums de Mike Davis 2006 outro dos grandes investigadores urbanos destas décadas igualmente baseado em Los Angeles A série de livros de Davis ao longo da década de 1990 City of Quartz 1990 Ecology of Fear 1997 Magical Urbanism 2000 constituem na realidade uma extraordinária fonte para segundo suas palavras constituem o estudo urbano do lado obscuro da pósmodernidade 492 Que se refere ou referente à Los Angeles nos Estados Unidos 493 Em 2006 tive a oportunidade de conversar brevemente com Edward Soja em Sevilha e lhe perguntei exatamente isso o que ele estava pensando que viria a seguir A resposta não foi demasiado precisa e me referiu aos seus novos estudos sobre a articulação regional de Los Angeles e os movimentos cidadãos Parte ao menos daqueles trabalhos podem ser lidos em seu interessante livro de 2010 intitulado Seeking Spatial Justice Também é de interesse a esse respeito seu livro My Los Angeles 2014 em que ele faz uma reavaliação de todo seu trabalho até aquela data 370 des empresas verticais do fordismo senão clusters de pequenas e médias empresas de setores afins e complementares com grande relevância dos chamados serviços para a produção ou seja empresas que prestam serviços a outras empresas Não será demais dizer talvez que o que reúne estas empresas são as novas tecnologias atravessadas pela computação o tratamento da informação e as redes digitais Em segundo lugar existia um importante componente de investigação nas próprias empresas mas também em centros universitários ou de investigação que forma vam parte da zona Entre estes e as empresas se estabelecia um intenso intercâm bio de pessoas projetos etc Em terceiro lugar e menos previsível Castells iden tificava um papel ativo dos estados do setor público através do financiamento da investigação contratações diretas desenvolvimento de legislação específica etc frequentemente relacionadas nos Estados Unidos com o setor militar e de controle e a gestão da informação494 Outro aspecto relevante era a existência de relações informais entre empresários tecnólogos e investigadores representadas principalmente por diversos restaurantes ainda que claro não exclusivamente nos que coincidiam habitualmente com os principais agentes da área Como se vê este modelo que se intentou reproduzir com maior ou menor êxito em rodo o mundo supõe um entorno bem diferente dos distritos industriaisfabris que haviam sido o motor econômico da época precedente o chamado Rust Belt estadunidense Pittsburgh Cleveland Detroit Chicago o Ruhr alemão ou o centro industrial da Inglaterra O próprio desenho dos novos complexos produtivos como o célebre Google Plex495 chama a atenção por seu intento de reproduzir espaços urbanos mais ou menos tradicionais en tre o campus universitário e as main streets tradicionais Autores como Michael Kubo 2004 sugerem que as instalações centrais da Corporação Rand em Santa Monica Califórnia construídas entre 1950 e 1953 constituem um dos principais antecedentes destes novos espaços de trabalho entre cujos objetivos está estimular os encontros informais para favorecer a transdisciplinaridade o trabalho em rede ou a serendipia Stewart Brand 1996 2527 por sua vez proporia outro célebre edifício o Building 20 de MIT como outro dos prece dentes destacados dos espaços produtivos característicos da sociedade em rede A denominação milieux que Castells dá a estes novos ambientes sublinha seu critério de que mais do que os agentes individuais ou os componentes singu 494 Sobre este aspecto cabe destacar a contribuição recente da economista Mariana Mazzucato 20182011 495 A história das instalações do Google é de grande interesse arquitetônico e urbano começando entre a Univer sidade de Stanford e uma das míticas garagens da revolução digital para transformarse posteriormente em um conjunto tipo campus remodelado significativamente até 2006 pela oficina de Clive Wilkinson com um proveito de grande interesse conceitual Em 2015 se anunciou o início de um novo projeto de campus de enorme ambição arquitetônica e urbanística que será liderado conjuntamente pelos estúdios de Bjarke Ingels e Thimas Heatherwi ck 371 lares o relevante neste tipo de novos ambientes produtivos é o próprio meio e a riqueza e variedade das relações que gera Nas redes Castells nos recorda o valor de um modo não conectado é igual a zero enquanto que o valor da rede em seu conjunto aumenta em função do número de nós que interconecta496 Quanto maior for o número de nós e maior complexidade das relações entre estes maior será o valor da rede maior será a inovação gerada e a riqueza pro duzida isso que propõe ao menos a teoria 497 Se na etapa industrial os edifícios ou conjuntos paradigmáticos da épo ca podiam ser os grandes complexos fabris como o mítico complexo da Ford em River Rouge Michigan ou as novas cidades para a classe média como as Levittowns do leste dos Estados Unidos nesta nova etapa teríamos uma maior variedade de lugares incluindo alguns como os já mencionados da Corporação Rand ou Google Plex mas também outros como as fazendas de servidores por exemplo de Facebook os centros logísticos da Amazon Bratton 2015 Wall Street em Nova Iorque e o resto de bolsas e centros financeiros globais as zonas de maquilas e assassinatos em série de mulheres e a fronteira quente de Cidade Juarez Bolaño 2004 as metrópoles instantâneas chinesas como Shenzhen e as Free Economic Zones zonas econômicas livres proliferantes em todo o planeta Easterling 2014 e também centros educativos experimentais como o Institu to de Arquitetura Avançada da Catalunha de meu amigo Vicente Guallart em Barcelona Duas décadas depois resulta indubitável a sugestão de Soja as novas formas organizacionais e relacionais das redes tem induzido importantes trans formações qualitativas no meio construído em todas as escalas e em quase todos os âmbitos 496 As chamadas leis de Metcalfe e de Reed tratam de quantificar matematicamente o valor crescente das redes em função de seu número de nós e a densidade de suas conexões Rheingold 2002 5861 497 Outro pesquisador relacionado com a escola de Los Angeles Charles Jencks sugere algo similar para as no vas metrópoles como Los Angeles que frente a aspiração à normalização própria do século 20 agora estariam caracterizadas por sua heterogeneidade Como podemos definir a heteropólis A definição mais breve poderia ser uma cidade global de mais de oito milhões com uma alta concentração de corporações multinacionais que tenha variedade de setores econômicos estilos de vida que se multiplicam e uma diversidade étnica crescente até a completa minoritarização Mais importante ainda é um lugar no qual se desfruta da heterogeneidade de culturas e inclusive de flora e fauna 199647 372 Figura 3 Elementos para um diagrama da arquitetura do Google como um dos paradigmas dos novos espaços produtivos a partir de trabalhos do autor 2010 e de Benjamin Bratton The Stack 2015 Elaboração do Autor Um segundo aspecto especialterritorial da sociedade em rede que Castells desenvolveu em profundidade é o que se denominaria posteriormente plantas de produção global e que então o autor descrevia como o novo espaço industrial Im pulsionado pelo progresso uma vez que a profunda mudança tecnológica e des reguladora um conceito o de desregulação que naquela época causava furor e agora deixou de ser percebido com tanto entusiasmo498 os processos de pro dução e consumo se fragmentam e suas diferentes partes ou fases se distribuem estrategicamente por todo o planeta buscando aproveitar vantagens e assimetrias características às vezes inclusive desenhadas das diferentes geolocalizações O desenvolvimento tecnológico em âmbitos como a organização corporativa o co mércio internacional e as finanças as telecomunicações o transporte e os processos de fabricação controlados por computador unidos a transformações legislativas de ordem global promovidas por organizações de grande relevância neste período como a Organização Mundial do Comércio WTO em inglês ou o Fundo Mo netário Internacional IMF entre outras constroem uma nova ordem mundial que supõe uma reestruturação territorial de múltiplos níveis ao mesmo tempo que uma profunda desterritorialização destruição das estruturas territoriais locais precedentes 499 Marc Augé 2010 descreveu este processo como uma guerra dos so 498 Para uma dura crítica dos processos de desregulação podese ver por exemplo Naomi Klein 2007 The Shock Doctrine 499 Esta questão da destruição reestruturação ou desterritorialização reterritorialização na terminologia de Deleu zeGuattari é central para a abordagem de Soja nos anos 90 Também é de relevante contribuição do movimento 373 nhos e eu a denominei em alguma ocasião de uma guerra das paisagens No relativo à população Castells assinalava como parte deste processo a polarização social em dois grandes grupos um cada vez maior de trabalhos manuais pouco qualificados e outro de trabalhadores intelectuais altamente qualificados Enquanto a estrutura geral das plantas de produção global Castells identifi cava as seguintes partes características associadas a diferentes funções 1999 463 471 1 direção e gestão investigação e desenvolvimento localizados nos princi pais centros globais e inovação milieux 2 áreas de fabricação qualificadas situadas nas novas zonas centrais como o Sun Belt estadunidense ou Baviera na Alemanha 3 áreas de fabricação semiqualificadas nas periferias primeiro no México ou os chamados Tigres Asiáticos ou Brasil mais adiante na China e em menor medida nos países do Leste da Europa proximamente em 4 centros de venda e serviços pósvenda localizados nos centros regionais em todo o planeta500 O último aspecto que destacarei da análise daqueles anos de Manuel Cas tells é a da emergência de uma nova forma de espaço hegemônico que se de nominou o espaço dos fluxos Recorramos às palavras do próprio Castells para introduzir o conceito 1999 455 488489 As tendências observadas sintetizo sob uma nova lógica espacial que denomino o espaço dos fluxos A esta lógica se opõe a organização espacial arraigada na história de nossa experiência comum o espaço dos lugares um novo processo especial o espaço dos fluxos que está se transformando na manifestação espacial dominante do poder e a função em nossas sociedades O espaço é a expressão da sociedade Posto que nossas sociedades estão sofrendo uma transfor mação estrutural é uma hipótese razoável sugerir que estão surgindo novas formas e processos espaciais O propósito da presente análise é identificar a nova lógica que subjace nessas formas e processos os processos sociais constituem o espaço a atuar sobre o entorno construído O espaço é um produto material em relação a outros produtos materiais que participam em relações sociais determinadas e que atribuem ao espaço uma forma uma função e um significado social nossa sociedade está construída em torno de fluxos fluxos de capital fluxos de informação fluxos de tecnologia fluxos de interação organizativa fluxos de imagens sons e símbolos Os fluxos não são somente um elemento da organização social são a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica política e simbólica Se esse é o caso o suporte material dos processos dominantes de nossas sociedades será o conjunto de elementos que sustentam esses fluxos e torna materialmente possível sua articulação em um tempo simultâneo em um es paço Por isso proponho a ideia de que há uma nova forma especial característica das práticas sociais que dominam e constituem a sociedade em rede o espaço dos fluxos O espaço dos fluxos é a organização material das práticas sociais em tempo compartilhado que funcionam através de fluxos Castells começa explicando a ideia de espaço como uma construção social um redescobrimento característico da Pósmodernidade ao menos nos estudos de zapatista através de seu portavoz daqueles anos Subcomandante Marcos 1997 500 Convém ter em conta que esta análise é da primeira parte dos anos 90 motivo pelo qual em parte deve ser atuali zada por exemplo com a transformação do papel da China e os BRICS nesta geografia global Easterling 2014 ou Bratton 2015 fazem interessantes contribuições neste sentido 374 Arquitetura no qual se expõe uma aproximação em espaço mais rica que a da Moder nidade que o concebeu como um vazio isótropo homogêneo que pode se descrever exclusivamente desde a geometria cartesiana Teríamos por um lado um espaço de campos ou ambientes como o termodinâmico501 mas também espaços subjetivos o do menino do esgrimista do skates do revolucionário urbano ou da dona de casa de um bairro concreto um espaço da memória político etc que no lugar de espaços talvez poderíamos chamar de também territórios territórios existenciais E um espaço dos fluxos uma nova espacialidade ou forma de serestar no espaço tempo que hoje podemos entender provavelmente muito melhor que em 1996 por exemplo pela forma em que usamos nossos finitos smartphones para nos relacionarmos com outros e com o mundo trabalhar e em definitivo habitar nosso meio ambiente Castells propusera alguns elementos característicos que possibilitam ao mesmo tempo que materializam a nova especialidade 1999 488496 1 as próprias infraestruturas de comunicação e os fluxos que sustentam 2 os nós trocadores ou mediadores entre informação e fluxos em geral e o mundo físi comaterial em seu sentido tradicional aqui podemos imaginar toda uma nova gama de tipologias de equipamentos e arquiteturas desde as salas de situação até os centros corporativos as componentes das já comentadas plantas de fabricação e distribuição global no momento de emergência destas novas geografias se cha mou estes elementos artefatos da globalização Então estes novos lugares apare ciam como novidades e hoje formam parte habitual de nossas paisagens desde as bolhas turísticas aos parques tecnológicoempresariais às grandes infraestruturas vinculadas aos intercâmbios globais às redes de franquias e brand zones502 3 finalmente se consolidam para Castells arquipélagos de enclaves territoriais vin culados às elites da globalização comunidades fechadas Golden gettos ou áreas urbanas fortemente gentrificadas lugares de encontro e ócio hotéis exclusivos centros culturais zonas VIP etc Em uma segunda polarização da população vin culada com a previamente mencionada aparecem de um lado as elites globais uma minoria da população vinculada à direção e ao controle da economia global e o espaço dos fluxos e de outro lado a maioria da população que bem assume um papel subalterno na nova economia global como produtores ou prestado res de serviços de baixa qualificação e consumidores lowcost503walmartizados504 501 Muitos arquitetos vem trabalhando sobre essas questões podem se ver por exemplo Iñaki Ábalos 2009 La beleza termodinâmica ou as classes de professor de duas décadas atrás da escola de Arquitetura de Sevilha José Maria Cabeza Laínez Cabeza 2005 Para a antropologia ou a sociologia será um conceito muito mais convencional Henri Lefebvre La producción social al espacio 1974 seria uma referência principal entre a arquiteturaurbanismo e as ciências sociais 502 Vinculados a alguns destes espaços durante esta primeira etapa se utilizou com frequência o conceito de nãolu gar proposto por Marc Augé 2009 Entretanto com o passar do tempo e a assimilação destes novos entornos e dispositivos lhes deram seguramente a condição de neolugares ou lugares outros mais que de nãolugares como pude ouvir argumentar do próprio Augé em alguma ocasião 503 Baixo custo 504 A expressão usada pelo autor do texto se refere aos consumidores da rede Walmart de mercados 375 excluídos da nova espacialidade dos lugares os territórios locais desconectados ou pobremente conectados que adquiriram uma forte relação de subalternidade quando não excluídos dos espaços dos fluxos Duas décadas depois cabe imagi nar que esta polarização descrita por Castells esteve relacionada com a separação crescente desigualdade entre 1 da população mais rica e talvez os 1020 que participa da gestão dos processos hegemônicos e os 80 da população restante cada vez mais precária quando não empobrecida que se tornaram visíveis para o público em geral nos anos 201112 movimentos como Occupy Wall Street505 nos Estados Unidos e o 15M na Espanha entre outros A cidade informacional não é uma forma senão um processo caracteriza do pelo domínio dos fluxos 1999 476 O grupo de companheiros com quem trabalhei por aqueles anos alguns dos quais logo tomaríamos o nome de hacki tecturanet 506 começamos a usar estas hipóteses para tratar de informar nossas práticas experimentais de então Se os espaços característicos dos novos tempos e em particular aqueles por onde circulava e se materializavam as relações de po der hegemônico eram estes novos espaços dos fluxos nos perguntávamos se os arquitetos não deveriam tentar trabalhar também com estes elementos se é que queriam seguir influenciando em como se construía o mundo E mais ainda se nos localizávamos em uma posição rebelde a respeito da dominação do novo ca pitalismo sobre a desterritorialização e reterritorialização do mundo Nossa pró pria hipótese então bastante inovadora consistia em expor que também as resis tências e a construção de mundos alternativos teria que usar de alguma forma os recursos do espaço dos fluxos Pérez de Lama 2006 Estas perguntas poderiam seguir estando vigentes se não fosse porque atualmente parecia se haver assumi do salvo em entornos muito especializados que o que Castells denominou espaço dos fluxos é um âmbito que não tem tanto a ver com o território que pen sam os arquitetos e urbanistas senão que é algo que somente pode ser pensado e materializado por engenharias ou corporações como por exemplo as operadoras de celulares Seria um novo aspecto expropriatório do que Lefebvre 1968 cha mou o direito à cidade exercido no campo foucaultiano do saberpoder FINALMENTE OS NOVOS SUJEITOS PRECÁRIOS COGNITIVOS E MIGRANTES Os comentários prévios sobre a população nos convidam a voltar a uma das perguntas levantadas no início do capítulo Quem são e como se caracterizam os novos sujeitos metropolitanos ou pósmetropolitanos se quisermos seguir 505 Movimento Ocupa Wall Street 506 Grupo de arquitetos programadores e ativistas 19982011 cujo núcleo estava formado por Sergio Moreno Pablo de Soto e o autor deste texto pode se ver em httphackitecturanet 376 a Edward Soja Uma pergunta que formulada desde um ponto de vista crítico poderia ser Quem seriam os sujeitos com que se pensar um projeto emancipador na metrópole contemporânea Para tratar de respondêla eu venho recorrendo desde muitos anos ao pensamento ativista e político mais que ao estritamente arquitetônico Por volta da virada do século os zapatistas mesmo desde a remota Selva Lacandona em Chiapas foram um dos primeiros que começaram a anunciar os novos sujeitos como multiplicidades diversas mais que como unidades compactas como poderia haverse imaginado previamente enquanto que o povo ou classe trabalhadora entre outras figurações Sem dúvida o marketing por essa época também começava a estudar o mercado ou os consumidores por nichos e perfis cada vez mais numerosos e específicos em sua definição As Os endereços dos zapatistas começavam ou finalizavam tipicamente dirigindose a homens mulhe res anciãos e anciãs meninos e meninas e continuam a listar diferentes sujeitos cuja união na diversidade é proposta como projeto político indígenas estudan tes camponeses trabalhadores etc etc A inovadora comunicação zapatista da queles primeiros anos fazia alusão com frequência a um mundo diverso bastante diferente daqueles dos partidos de esquerda do século 20 EZLN 1996 Muitas palavras se dizem no mundo Muitos mundos se fazem Muitos mundos nos fazem O mundo que queremos é um onde muitos se encaixam A pátria que construímos é uma onde se encaixam todos os povos e suas línguas que todos os passos a caminhem em que todos riem a madrugada toda Um mundo em que se encaixem ou em que caibam muitos mundos um dos aforismos zapatistas mais célebres sem dúvida à diversidade e complexidade social dos territórios globais então emergentes Algo mais tarde o que foi chama do de o Ciclo Antiglobalização de resistências 19972003507 se consolida desde a Itália um importante foco de pensamento e ativismo que frente à crescente fragmentação dos cidadãos os trabalhadores e as lutas propõe três figuras como características dos novos habitantes das metrópoles globais cognitivos precários e migrantes508 Com cognitivos se referiam aos trabalhadores do conhecimento da engenharia da programação passando pela gestão as finanças a educação ou a cultura 509 Com precários se referiam a todos os que desempenhavam as tarefas de apoio à economia global mal pagas temporárias e sem seguridade de nenhum 507 Vejase por exemplo Notes from Nowhere 2003 We Are Everywhere The Irresistible Rise of Global AntiCapi talism onde se constata a emergência dos novos movimentos sociais reticulares e globais em que se estabelecem a maior parte das práticas e muitos dos novos valores que logo se popularizaram com o chamado Ciclo das Primaveras cuja manifestação na Espanha foi em o 15M 508 Este movimento muito pouco documentado em um sentido tradicional teve entre seus atores mais destacados para o coletivo italiano Chainworkers Uma de suas figuras chave em Barcelona foi Marcelo Expósito artista pensador e ativista e mais recentemente membro eleito do Congresso dos Deputados com o grupo Em Comum Podemos Para seu desenvolvimento em Sevilha podese ler o meu livro Devenires ciborg 2006 509 O termo cognitivo como nova figura central do trabalho na era digital foi possivelmente proposto por Franc Berardi Bifo em sua obra A fábrica da infelicidade 2003 377 tipo da limpeza até os serviços em franquias e hotelaria ao trabalho doméstico aos empregos em maquilas510 e sweatshops511 Os termos precário e precariedade em sua forma de uso atual tão habitual foi uma criação deste movimento Fi nalmente os migrantes que adquirem uma renovada importância neste período desempenharam os trabalhos mais difíceis ou pesados nos países ricos e com a maior frequência em situação de ilegalidade ou fragilidade de direitos Figura 4 Um dos cartéis da MayDay 2005 uma grande mobilização em escala Européia cele brada durante aqueles anos desde os setores autônomos em que a reflexão sobre precariza ção trabalho cognitivo e migrações tiveram um papel central Imagem equipe organizadora do May Day Barcelona 2005 Fonte arquivo digital do autor 510 Empresa maquiladora Uma empresa maquiladora é uma empresa que importa materiais sem o pagamento de taxas sendo seu produto específico e que não será comercializada no país onde está sendo produzido 511 Forma de trabalho com exploração de funcionários 378 Frente à percepção mais ou menos generalizada de pertencer às classes mé dias e ao sentimento de integração consequente típicos da maior parte da popu lação dos países avançados esta abordagem alternativa identificava a precarieda de não somente laboral senão existencial como a condição comum à maioria da população E de alguma maneira considerava e considera a necessidade de organizarse em torno da precariedade para unir os fragmentados e imaginar um mundo mais habitável para todos Desde a perspectiva da cidade do urbanismo e da arquitetura se trataria de tomar este precariado que integraria os três grupos sem deixar de reconhecer a diversidade como o novo sujeito com que repensar nossos entornos Michael Hardt e Antonio Negri vinculados a estas propostas teóricas e estratégicas desenvolveram durante estes anos o conceito de multitua512 que expunham como alternativa em certo modo sugerida pelos zapatistas às ideias de povo ou classe trabalhadora em um sentido monolítico destes termos A multiplicidade diversa e variável em sua composição e geometria era em certo modo a translação ao campo da política do conceito de rede uma multiplicidade de elementos diferentes conectados em rede embora de maneira rizomática poderíamos dizer capazes entretanto de gerar sentido e ações em comum uma vez sendo possível a multiplicação das singularidades como havia dito Fé lix Guattari 513 O programa ou diagrama político da multiplicidade segundo o enunciavam Hardt e Negri teria também a ver com os três setores anteriormente propostos a apropriação social do conhecimento e as redes maquínicas514 cog nitivos a apropriação do tempo de trabalho e de vida flexibilidade autodeter minada graças à combinação de tecnologias e de dispositivos como poderia ser a renda básica cidadã e a autonomia da mobilidade ou as migrações a liberdade de movimento e de permanência 2000 396407 Mezzara 2005 Este progra ma como se intui de imediato constitui também um diagrama de um território outro de outra cidade ainda que entendida a cidade como venho proposto como algo mais que o suporte material e espacial da vida Curiosamente ou não tanto podemos ver um diagrama parecido em parte das chamadas arquiteturas radicais dos anos 60 Estou pensando por exemplo na Nova Babilônia da situa cionista Constant MNCARS 2015 512 Michael Hardt e Antonio Negri são para o autor um dos caracteres de referência para pensar este período Sua trilogia composta por Império 2000 Multiplicidade 2004 e Comunidade 2009 constitui ainda que seja para criticála uma das bases para um pensamento político radical da globalização neoliberal Negri havia sido um dos principais representantes da corrente marxista italiana dos anos 70 chamada Pósoperarismo pósobreirismo ainda também havia escrito um livro em colaboração com Félix Guattari em 1989 1999 Hardt por sua vez quase 30 anos mais jovem incorpora em seu diálogo aspectos do pensamento radical francês Deleuze e também do mundo do feminismo e o poscolonialismo 513 Esta questão da diversidade e a unidade segue sendo um tema central do debate político que por exemplo levan ta os chamados populismos tão atual nos últimos anos 514 O inconsciente maquínico é um conceito de Deleuze e Guattari que repensa a subjetividade humana através de sínteses inconscientes 379 Desde diferentes setores feministas também dos movimentos sociais se fez uma crítica importante à exposição centrada no cognitariado e no chamado capitalismo cognitivo uma modalidade do capitalismo que propõe que os pro cessos relacionados com a informação e o conhecimento constituem o elemento fundamental dos ciclos de produção e acumulação de valor Boutang Corsai et al 2004 A crítica referia que esta construção teórica inviabilizava uma vez mais o âmbito dos cuidados dos afetos e as relações o âmbito descrito tecnicamente como da reprodução social no aparato marxista sobre o qual se sustenta neces sariamente a vida e do que historicamente haviam ocupado cargos mulheres sem retribuição nem reconhecimento de que fora um trabalho como tal 515 Se argu mentaria inclusive que as novas formas de trabalho se caracterizavam por uma mulher futura ou futuro feminino do trabalho Hardt Negri 2009 133134 que dotava as novas formas de trabalho de características que haviam sido pró prias do trabalho não reconhecido das mulheres como são a dedicação perma nente a indefinição de limites as dimensões afetivas ou a implicação emocional O autor tratará especificamente sobre esta questão fundamental em um trabalho atualmente em preparação Ada Colau e seu ambiente mais próximo perto destas linhas de pensa mento incorporaram este debate sobre os novos sujeitos em seu projeto polí tico de Guanvem Barcelona posteriormente Barcelona em Comum Em minha opinião parte de sua capacidade de conectar com as novas gerações urbanas até leválas ao gabinete da prefeitura de Barcelona teve a ver com esse reconhe cimento dos novos sujeitos metropolitanos especialmente dos setores urba nos mais precarizados que de fato constituem uma importante maioria social Sintomaticamente em um dos seus discursos políticos mais importantes Se nos perguntam quem somos 2014 enumera ao estilo que chamei zapatista a diversi dade de sujeitos que Guanvem Barcelona pretendia incorporar em seu projeto de transformação da cidade situando precisamente as mulheres em primeiro lugar daquela enumeração Resulta interessante repassar aquele discurso como um guia para urbanistas Por seu interesse recorro a sua transcrição em espanholcastelha no como anexo a este capítulo anexo 1 DA RIQUEZA DAS NAÇÕES À RIQUEZA DAS REDES A riqueza das redes The Wealth of Networks é um importante livro de Yo chai Benkler 2006 professor de direito na Universidade de Yale Para os aficio 515 Uma referência principal desta crítica seria a de Silvia Federici 2014 Em nosso meio ambiente cabe assinalar o trabalho do coletivo madrileña em torno do centro social Eskalera Karakola e o grupo Precarias a deriva Marta Malo de Molina Cristina Veja Silvia Gil Marisa Pérez Amaya Pérez Orozco Débora Ávila 380 nados pela economia uma pequena parte da obra de Adam Smith A riqueza das nações 1776 a obra fundacional do liberalismo econômico resulta evidente e interessante Enquanto que naquela obra Smith senta as bases da economia polí tica da Era Moderna a propriedade privada o livre mercado os indivíduos bus cando seu interesse particular e a mão invisível interpretando a então emer gente produção industrial de bens materiais não deixa de chamar a atenção que o têxtil a produção de roupa foi a indústria paradigmática da época Benkler trata de explorar as novas formas de riqueza que a seu juízo caracterizam a con temporaneidade como seriam as relacionadas com a informação o conhecimen to e as redes Benkler organiza um animado debate desenvolvido durante os anos precedentes Argumenta que existe um novo modo de produção de riqueza e um novo modo de acumulação de capital mas que em dúvida ainda não haviam chegado a gerar sistemas de distribuição social da riqueza produzida neste novo marco que cumpram com o papel assumido na etapa industrial pelo emprego e pelo salário e as diferentes declinações das sociedades do bemestar Em seu lugar as novas formas de produção relacionadas com a centralidade das finanças como forma sobressalente de gestão da informação tem ocasionado a recupera ção dos níveis de desigualdade que ocorriam no início no século 20 assim como altos níveis de precariedade e em países como Espanha de desemprego Benkler junto com outros autores que iremos mencionando identifica os Commons516 como possível marco alternativo para o estabelecimento de novos dispositivos de redistribuição de riqueza que sendo produto das redes é gerada mais que nunca pelo conjunto da sociedade e menos por agentes individuais ou desconectados Os Commons pro comuns ou comuns segundo se iam sendo re definindo ao longo da última década configurariam um ambiente alternativo ao que constituem os mercados e os estados e segundo hipótese seriam os espaços chave sociais tecnológicos inclusive urbanos na produção de riqueza das redes Podese dizer que o redescobrimento da nova centralidade dos Commons tem lugar graças a Internet a WWW e a cultura digital segundo se estendeu nas últimas décadas do século passado e início do presente A quem pertence a WWW se perguntaram alguns analistas como Howard Rheingold 2002 O que possibilitou a explosão da criatividade e inovação associada a seu desenvol vimento e seu extraordinário crescimento Foi enfatizado naqueles anos que a Internet e o WWW eram a maior criação da humanidade em toda a sua história uma rede efetivamente global a que se conectam milhares de milhões de pessoas e que se expende com as frotas de satélite de comunicação e de geolocalização até o espaço exterior 516 Comuns habituais ou compartilhados 381 Observando mais especificamente o desenvolvimento do sistema opera cional livre GNULinux outros analistas como Eric Raymond 2000 chama vam também a atenção sobre o feito aparentemente inédito de que milhares de pessoas distribuídas pelo planeta haviam sido capazes de colaborar na criação de algo tão complexo como um sistema operativo além de centenas de pacotes de software que tinham um papel fundamental no funcionamento das então novas redes A WWW se argumentava era de todos e todas e de ninguém em particular E esta circunstância junto com outras como o princípio endtoend e os protocolos TCPIP HTML e DNS incorporados a arquitetura da WWW por seu principal criador Tim Berners Lee 2009 haviam gerado um espaço território novo que então se acostumava a denominar como o ciberespaço que estimulava a cooperação em escala global e a inovação desde a tecnológica até a social de maneiras que até então não haviam sido experimentadas e que havia sido sonhada por muito poucos As arquiteturas p2p peertopeer517 que igualmente proliferaram por aqueles anos que permitiam especificamente a ges tão colaborativa totalmente horizontal da informação também estimularam o entusiasmo pela cultura digital nos setores sociais à busca de modelos socioeco nômicos alternativos Richard Stallman o criador do software livre efetivamente desenvolveu um sistema as licenças GPL para que o software desenvolvido como tal tivesse a condição de ser de todos e de ninguém em particular assegu rando especialmente sua inapropriabilidade por parte de nenhuma entidade ou indivíduo Stallman 2004 Kelty 2008 O descobrimento de que os bens digi tais podem se reproduzir com custo próximo a zero custo marginal próximo a zero na terminologia econômica Rifkin 2014 sem que o que cede perda a capacidade de seguir usandoos fez surgir uma especulação sobre uma economia política de abundância frente ao tradicional conceito da economia como ciência que trata da otimização de distribuição dos recursos escassos A parábola bíblica da multiplicação de pães e peixes voltou a se por na atualidade Para explicar ao menos alguns de seus aspectos este tipo de novos espaços produtivos se recorreu a um modelo antigo quase esquecido como era o do Commons coincidindo com a concessão do prêmio Nobel de economia 2009 a principal pesquisadora contemporânea sobre o assunto a americana Elinor Os trom 19332012 Seus trabalhos se converteram assim em uma das principais referências para tratar de definir os novos Commons digitais que também por aqueles anos se começavam a denominar Commons criativos comunidades cria tivas Lessig 2005 com a intenção de explorar a extensão do modelo produtivo da WWW a outros âmbitos digitais e não digitais 517 Um compêndio interessante muito atualizado das investigações sobre a cultura p2p pode ser estudado em ht tpsp2pfoundationnet plataforma web gerida por Michel Bauwens 382 Ostrom havia concentrado suas pesquisas durante décadas no estudo de mo delos de gestão comunitária com um grau significativo de autonomia em relação aos estados de recursos naturais como podem ser a pesca em lagos o uso da água em zonas de irrigação ou a gestão de cuidados dos bosques O termo usado por Ostrom é Common Pool Resource habitualmente resumido como CPR que pode ser traduzido de forma aproximada como consórcio de recursos postos em comum ou agrupados A partir de suas investigações Ostrom proporia uma série de regras ou condições que tornavam possíveis a boa gestão deste tipo de recursos 2000 90 que são as seguintes 1 boa delimitação tanto do recurso compartilhado como dos indivíduos ou família que tem direito de acesso 2 congruência entre as regras de apropriação e provisão e as condições locais 3 organização cooperativa a maior parte dos indivíduos afetados pelas regras podem participar em sua modifi cação 4 existência de um sistema de controle e monitoramento do estado e uso dos recursos 5 sistema gradual de sanções para os que não cumprem as regras 6 mecanismos eficientes de resolução de conflitos 7 reconhecimento mínimo por parte do estado ou a administração correspondente dos direitos e a capacidade de autoorganização por parte da comunidade e 8 em caso de que coexistam múltiplos sistemas que estes estejam organizados em camadas ou níveis alinhados organizados de maneira que a tomada de decisões flua sempre de baixo para cima Tendo em vista o texto A tragédia dos comuns Hardin 1968 citado regularmente nos estudos econômicos desde a década de 1970 os pesquisadores dos Commons estimam que seu autor apresentava como exemplo para argumentar a inviabilidade deste tipo de gestão comunitária dos recursos não era na realidade um common e que o texto deveria terse intitulado mais apropriadamente A tragédia de algumas pastagens laissezfaire sem gestão e com fácil acesso por indivíduos egoístas sem comu nicação entre eles Bollier 2014 25 A APROXIMAÇÃO PRAGMÁTICA AOS COMMONS COMUNS É possível identificar grandes aproximações no debate sobre os Commons e os novos modos e relações de produção Uma seria a aproximação que podería mos qualificar de pragmática típica do pensamento estadunidense neste âmbito Lessig Rheingolg Benkler Barnes Bollier Rifkin A outra seria de caráter mais tipicamente político funcionando como uma atualização da era digital do pensamento de socialistacomunista Linebaugh Hardt e Negri Federici Har vey Em 2016 Christian Laval e Pierre Dardot publicam um importante vo lume Comum em que comparam as diferentes aproximações e propõem sua própria síntese que também comentarei A partir de ambas tendências tratarei de reconectar com a temática exposta no início deste capítulo a questão da biopolí tica proposta por Foucault e desenvolvida por Deleuze entre outros 383 David Bollier em seu livro de 2014 Think like a commoner faz uma ex celente síntese informativa bem como rigorosa da aproximação pragmática Recorrendo às interpretações de diversos autores identifica diferentes âmbitos da vida e da economia em que recursos comuns de todos e de ninguém são elementos fundamentais para sua viabilidade na natureza na sociedade e na cultura e nos meios digitais Na natureza encontraríamos bens como a atmos fera os oceanos ou as paisagens na sociedade e na cultura poderíamos falar das línguas da tradição científica e do conhecimento por exemplo as matemá ticas ou a literatura as tradições em seu sentido mais convencional o espaço público ao menos em certos sentidos as leis como os direitos humanos ou o dinheiro enquanto tecnologia nos meios digitais como já havíamos avançado poderíamos falar da WWW das linguagens de programação do sof tware livre dos bancos de informação Bollier define o conceito da seguinte maneira 2014 15 Os comuns certamente incluem recursos físicos e intangíveis de todo o tipo mas se definem de forma mais precisa como paradigmas que combinam uma comunidade concreta com um con junto de práticas sociais valores e normas que são usadas para a gestão de um recurso Posto de outra maneira uns comuns são um recurso uma comunidade um conjunto de protocolos sociais Os três são um todo integrado e interdependente No desenvolvimento de seu estudo Bollier destaca o caráter local dos Commons a variabilidade de suas configurações a ampliação dos que o compõem em seu autogoverno a distribuição equitativa das responsabilidades e benefícios derivados do dispositivo assim como o interesse em sua sustentabilidade por parte de seus membros que formando parte de uma realidade local não podem permitir explorar seus recursos para moveremse para outro lugar quando este fosse completamente esgotado Um dos aspectos de interesse dos comuns teria que ver com um sistema de gestão dos recursos próximo aos conceitos da per macultura518 cujo objetivo é gerar ciclos virtuosos que assegurem a conservação e ampliação inclusive de um certo recurso em oposição ao enfoque típico do período moderno que habitualmente teria por objetivo sua exploração até o esgotamento com escassa consideração do futuro a médio prazo No fundo das abordagens que chamo pragmáticas existe habitualmente uma defesa desta forma de gerir certo tipo de recursos como uma via mais eficien te que a atual do capitalismo Ainda que provavelmente se trate de uma eficiência que tem em conta um conjunto de valores ou indicadores mais ricos que os do benefício e do PIB como podem ser questões relativas à equidade à autonomia o desenvolvimento local ou a sustentabilidade 518 A permacultura é um sistema de princípios agrícola e social de design centrado em simular ou utilizar diretamente os padrões e características observados em ecossistemas naturais 384 As comunidades digitais introduzem algumas variações e a tradução das práticas tradicionais para as digitais é imediata Por um lado as comunidades digitais com maior frequência são abertas não estão tão claramente delimitadas como nos Commons clássicos Por outro lado precisamente por seu caráter mais aberto aparece o fator da colaboração distribuída a intensificação da inovação favorecida pelo número e o acesso aberto a boa parte dos recursos e a riqueza co letiva gerada por estas circunstâncias Enquanto que os modelos de aquisição de ingressos ou benefícios e de assunção de responsabilidades dos comuns clássicos os comuns são geralmente mais claramente definidos no campo do digital estes estão em processo de intensa experimentação sendo o desenvolvimento do sof tware livre possivelmente a referência mais consolidada e eficaz Ao contrário e veremos que para alguns analistas isto é um dos principais aspectos críticos pro liferam modelos de negócio nos quais certos agentes são capazes de extrair gran des benefícios da cooperação social generalizada com escassa ou muito pequena redistribuição dos benefícios aos produtores algumas das maiores empresas do século XXI como Google ou Facebook se baseiam nesta forma de proceder Ainda assim Bollier 2014 2 estima que na atualidade haveria em torno de dois mil milhões de humanos no mundo que dependem para sua sobrevivência desta forma de organização e gestão de recursos Com outros pensadores desta linha como Jeremy Rifkin Bollier imagi na um futuro próximo no qual convivam os três modelos socioeconômicos de maneira mais ou menos compatível e inclusive complementaria uma economia social baseada nos Commons uma economia de mercado de corte capitalista e uma economia do setor público Na realidade o modelo da WWW supõe algo parecido com empresas que constroem e gerem as infraestruturas e outras em presas menores e particulares que geram conteúdo serviços e atividade e final mente os estados assumindo o regulamento e em certas ocasiões participando de certas infraestruturas de maior escala como poderia ser a rede de satélites de geoposicionamento Laval e Dardot mas também Harvey assinalam uma ques tão para mim de grande interesse O direito de propriedade sobre o qual se funda grande parte da economia de mercado e o capitalismo vem evoluindo nas últi mas décadas para ser redefinido como um bundle of rights um ramalhete ou feixe de direitos mais que um direto único e monolítico ramalhete do qual podem se diferenciar e separar questões como o uso o acesso o suporte e os conteúdos a propriedade das infraestruturas e os fluxos que suportam etc dando lugar a novas formas de gestão e aproveitamento dos recursos com a virtualidade de interessantes inovações sociais Laval e Dardot 2015 536539 Harvey 2012 8788 O caso atual dos debates sobre a cogestão de equipamentos públicos por parte da sociedade civil ou os movimentos sociais é um exemplo destas novas possibilidades Também em minha opinião são certas formas de construirha 385 bitar as universidades públicas A questão é que umas instalações de propriedade tecnicamente pública um jardim urbano um centro social ou cultural um fab lab podem ser geridas pelas comunidades locais como Commons dando ocasião talvez a situações democráticas mais ricas uma maior descentralização do poder e agência novas formas de desenvolvimento local maior enraizamento das comunidades na cidade etc 519 A APROXIMAÇÃO POLÍTICA DOS COMUNS Michael Hardt e Antonio Negri representam para mim a segunda apro ximação aos comuns que caracterizei como mais político Desenvolvem sua te oria dos comuns que vinham introduzindo desde ao menos o ano 2000 em seu livro de 2009 intitulado Commonwealth Resulta de interesse neste contexto especialmente a forte conexão que propõem entre Commons e novas metrópo les Para Hardt e Negri a produção da multiplicidade nas sociedades atuais são fundamentalmente os Commons metropolitanos Resultam de alguma maneira com DeleuzeGuattari dizendo a metrópoles é uma fábrica e sua produção são os commons520 Segundo suas hipóteses a fábrica tradicional como centro da produção e da exploração do encontro e do antagonismo tem sido substituída pela metrópolesfábrica cuja principal produção são as formas de vida relações sociais subjetividades General Intellect521 Citemos os próprios autores para de talhar um pouco de sua visão 2009 viiiix Consideramos como Commons também e mais significativamente aqueles resultados da pro dução social que são necessários para a interação social e para a continuidade da própria pro dução tais como os conhecimentos as línguas os códigos a informação os afetos e todo mais Esta noção dos Commons não posiciona a humanidade separada da natureza bem como sua exploradora bem como sua custódia senão que se concentra melhor nas práticas de interação cuidados e coabitação em um mundo comum que favorecem as formas benéficas dos comuns limitando as prejudiciais Na era da globalização os problemas da manutenção da produção e da distribuição do comum nos marcos ecológico e sócioeconômico adquirem cada vez maior centralidade Com os ouvidos tapados pelas ideologias dominantes na atualidade resulta difícil ouvir o co mum apesar de que nos rodeie por todas as partes Por todo o mundo durante as últimas dé cadas as políticas neoliberais têm tratado de privatizar o comum convertendo em propriedade 519 Estas situações também supõe o risco de se converterem em uma forma de subcontratação com ONGs da presta ção de serviços que nas últimas décadas se consideravam como públicas circunstâncias conhecidas das décadas de 1990 e 2000 O caso dos Centros de Cultura no Brasil durante o governo de Lula e a gestão do ministro Gil berto Gil constituem uma interessante referência a este respeito 520 Me refiro à enunciação de DeleuzeGuattari O inconsciente é uma fábrica Sua produção é o desejo 521 A questão do General Intellect é uma das mais comentadas nas reflexões sobre os novos tempos nesta genealogia de pensamento que tem a Hardt e Negri entre seus principais representantes Provem de uma passagem obscura de Marx em sua obra intitulada Grundrisse Planos Fundamentos e faz referência ao conhecimento coletivo que se converte em componente central dos processos de produção chegado a um certo grau de desenvolvimento técnicocientífico avançado Para melhor explicação sobre este argumento podese ver Paul Mason 2016 133 138 386 privada a produção cultural como por exemplo a informação as ideias e inclusive as espécies de animais e plantas Defendemos em coro com muitos outros que há que se opor a estas privatizações A visão convencional entretanto assume que a única alternativa ao privado é o público isto é o que é gerido e regulado pelos estados e por outras autoridades governamentais como se o comum fosse irrelevante ou estivesse extinto É certo por suposto que através de um longo processo de enclausuramentos a superfície da Terra tem sido quase completamente dividida entre a propriedade pública e a privada de maneira que os regimes de propriedade comum como nos casos das civilizações indígenas da América ou da Europa medieval foram destruídos E ainda assim boa parte do mundo segue sendo comum de livre acesso para todos e mantida através da participação ativa de muitos As línguas por exemplo como os afetos ou os gestos são em sua maior parte comuns e com efeito se as línguas se transformaram em públicas ou privadas isto é se grande parte de nossas palavras frases ou aspectos de nossa fala foram objeto de propriedade privada ou estiverem abaixo da autoridade pública então as línguas perderiam seu poder de expressão criatividade e comunicação As formas contemporâneas da produção e acumulação capitalista com efeito apesar de seu contínuo impulso de privatização dos recursos e da riqueza periodicamente também fazem possível e inclusive necessitam da expansão do comum O capital não é por suposto uma pura forma de mando senão uma relação social e como tal depende para sua sobrevivência e desenvolvimento das subjetividades produtivas que são internas ao próprio capital ao mesmo tempo que seus antagonistas Através do processo de globalização o capital não somente uni fica toda a Terra debaixo de seu mando senão que também cria investe e explora a vida social em sua totalidade ordenando a vida de acordo com as hierarquias de valor econômico Nas novas formas de produção dominantes que implicam informação software conhecimento e afetos por exemplo os produtores necessitam cada vez mais de um maior grau de liberdade assim como de acesso livre ao comum especialmente em suas formas sociais tais como as redes de comunicação os bancos de informação e os circuitos culturais O novo da hipótese de Hardt e Negri é a proposta de que o comum o objeto do commoning na expressão de Peter Linebaugh não são uns recursos existentes senão precisamente aqueles resultados da produção social que são ne cessários para a interação social e para a continuidade da própria produção isto é sua hipótese de que a colaboração social na sociedade em rede cria um meio que é condição necessária para sua própria continuidade e extensão O caso dos conhecimentos ou das comunidades produtivas o exemplificam bem Se pode citar a Isaac Newton quem em 1676 argumentando sobre porque havia sido ca paz de criar suas novas teorias escreveu a Robert Hooke Se tenho visto adiante é porque fiquei nos ombros de gigantes522 Os conceitos de innovation milieux de Castells ou de cidades criativas de Richard Florida ou o que vem sendo usado nos últimos anos com frequência de ecossistemas inovadores considero que susten tam também esta hipótese A segunda ideia que me parece relevante destacar é a da condição para doxal do novo capitalismo segundo Hardt e Negri por um lado necessita uma força produtiva capaz de moverse livremente no espaço das redes de colaborar autonomamente de gerar inovação de forma contínua mas por outro necessita 522 Se posso ver adiante é porque tenho estado sobre ombros de gigantes que se interpreta como o fato de que a ciência que se constrói só é possível continuando o trabalho daqueles que a precederam 387 poder dominar esta força produtiva tutelandoa e apropriandose dos benefícios produtivos pela cooperação nos espaços abertos das redes O caso dos novos gi gantes corporativos que se baseiam na acumulação de capital ao na produção livre e de código aberto da multidão ilustra bem a hipótese assinalava antes os casos de Google Facebook ou Amazon mas também podemos citar a ambígua emer gência da cultura maker com seus repositórios gerados colaborativamente habi tualmente a custo zero ou a muito baixo custo para as plataformas que os gerem ou mais criticamente as novas empresas da chamada sharing economy como as polêmicas Uber e AirBnb e finalmente todas aquelas de momento muito menos conspícuos que se baseiam na comercialização de dados de usuários de Internet ou das redes de telefonia móvel523 A ideia de Hardt e Negri é devedora ou muito próxima aos conceitos de biopoder e da sociedade de controle mas também do pensamento de Marx que considerava que as sementes das novas sociedades se encontram sempre nas contradições das que as precedem Em Commonwealth os autores especulam com a atrevida ideia que o capitalismo atual tem adquiri do um caráter fundamentalmente parasitário e depredador da cooperação social do produzido em comum que sua posição se faz cada vez mais externa aos processos de produção de riqueza524 Enquanto que no capitalismo industrial os empresários teriam um papel central na organização da produção o novo capi talismo sua participação cada vez mais se faz efetiva através das finanças com a produção de riqueza tendo lugar como sugeria a expressão de Benkler nas redes fundamentalmente externas ao capital enquanto que agente organizador do que ali sucede Neste sentido Negri e Hardt propõem em Commonwealth um novo diagrama político que acentuaria em sua visão estas contradições aumentando o potencial de uma transformação social radical Recorro a ele por seu interesse no anexo 2 ao final do capítulo PRODUÇÃO BIOPOLÍTICA A WIN TO WORLD No meio do chamado Pósoperarismo do que fazem parte Hardt e Negri surge o conceito de produção biopolítica525 para descrever as práticas dos movi 523 Estas questões tanto as da que se denominou em um certo momento sharing economy como a da gestão dos dados tem adquirido notável atualidade no breve período desde a primeira redação do presente texto Podem se consultar por exemplo os trabalhos críticos de Trebor Scholz quanto as primeiras ou os de Evgeny Morozov quanto aos segundos Também é de destacar a iniciativa política do Câmara de Barcelona no tema de dados pú blicos com a liderança de Francesca Bria y Xabier Barandiarán ativos participantes nos movimentos sociais dos anos 90 e 2000 entre outros 524 Apesar de perceberse como atrevida a hipótese é a meu juízo a que vem defendendo David Harvey 2010 as sinalando a acumulação por desapropriação variante atualizada da acumulação originária ou primitiva de Marx como forma destacada na atualidade de acumulação capitalista Também Saskia Sassen com seu conceito de agenciamentos depredadores que desenvolve em seu livro Expulsões 2014 faz uma análise não muito distante dessa 525 Maurizio Lazzarato 2000 Do Biopoder à biopolítica também Hardt e Negri 2004 pp 9395 Segundo me 388 mentos sociais que se opõe ao exercício do biopoder e da biopolítica dos setores dominantes Se a chave do biopoder como temos a argumentado no princípio deste capítulo é a produção de sujeitos e sua aspiração é a resistência a esta nova forma de poder não poderá limitarse por exemplo à luta contra a exploração contra conflitos concretos ou pela conquista de instituições senão que deverá ter que ver com a produção de outros sujeitos de outras formas de vida e de outras realidades As consequências de uma abordagem assim para o ativismo político a arte ou a arquitetura são imediatas MacKenzie Wark 2015 em diálogo cm Donna Haraway o enuncia assim Há um mundo a ganhar O slogan obvia mente joga com o do Manifesto Comunista O proletariado não tem nada a perder além de suas correntes Eles têm um mundo a ganhar invertendo a ordem o mun do não está aqui dado para ser conquistado senão que seja necessário construir um mundo diferente esta seria a vitória Nos interessa finalmente a conexão que Hardt e Negri fazem entre bio política comum e metrópoles Para os autores a metrópoles global é como já dizia a nova fábrica cuja produção principal são as relações sociais e as formas de vida que a constituem Como na antiga fábrica a metrópoles é além de lugar de produção lugar dos encontros e do antagonismo encontros que produzem os Commons e a vida social antagonismo pelo controle da vida e pela distribuição de riqueza produzida em comum 2009 249260 Esta tripla implantação pro dução encontro e antagonismo me parecem um interessante marco para estudar a metrópoles desde uma perspectiva renovada Figura 5 Agrocidade Rurban httprurbannetenprojectsagrocite é um conjunto urbanoagrícola na cidade de Paris para colocar em prática novas formas de vida estritamen te relacionadas com a sustentabilidade e a autogestão Entre os múltiplos exemplos que se poderiam citar Atelier AArchitecture promotores de Agrocidade é uma das práticas arqui tetônicourbanas mais destacadas globalmente pelo trabalho que realizam entre a prática a investigação e a ação Imagem aaa 2010 indica a professora Natacha Rena o pesquisador brasileiro Peter Pal Palbert propõe o uso do termo biopotência para evitar a ambiguidade entre a biopolítica ligada ao capitalismo e a produção biopolítica como prática de resistência 389 PRÁTICAS INSTITUINTES Para encerrar esta breve incursão no tema da biopolítica novas formas de produção e dos bens comuns é conveniente mencionar novamente o trabalho recente de Laval e Dardot 2015 no qual como eu comentava apresentam uma síntese interessante e uma boa avaliação do debate sobre o assunto durante as duas últimas décadas Em minha leitura deste trabalho sua principal con tribuição consiste em deixar de lado as visões essencialistas dos comuns ou dos bens comuns É por esta razão que eles preferem usar o termo comum como um princípio político frente aos outros habituais de bem comum bens comuns bens comuns ou bens comuns Estes pesquisadores questionam os argumentos sobre os Commons que se baseiam em considerar como um atributo essencial da terra da água do ar da paisagem ou do espaço público sua hipotética condição essencial de ser pro priedade de todos e de ninguém Também para o caso do conhecimento ou a cooperação social na Internet No lugar destes argumentos Laval e Dardot argu mentam que o uso destes e outros recursos se produzem no marco de determina das relações sociais e como tais sua reorganização e gestão desde o princípio do político do comum deve ser antes de tudo uma opção instituinte e sua viabilida de atual uma questão de práxis instituinte Laval Dardot 2015 494512 isto é de construção social e viva de outras relações formais ou informais que adquirem uma certa estabilidade Se trataria portanto de um problema político e de ino vação institucional e técnica caberia dizer em que os princípios de Ostrom podem servir como uma primeira referência Um marco institucional em que questões como o fortalecimento do local a autoorganização a capacidade de tomar decisões sobre as próprias formas de vida a equidade e a sustentabilidade são suscetíveis de ser construídas de maneira muito diferente a como funcionam em nossos territórios na atualidade Fechamos este círculo então retornando às relações de força às estratégias e técnicas de exercício de poder para construí outras formas de vida e outros territórios existenciais Este cenário que eu tratei de apresentar é o que denomino de metrópoles biopolítica 526 526 No presente trabalho se deixaram de lado questões como as de uma aproximação mais clássica das relações de produção as problemáticas específicas levantadas pelos feminismos e o universo dos cuidados as temáticas mais estritamente ligadas ao meio ambiente e digitaistecnológicas entre outras sem dúvida fundamentais que trato de abordar em um projeto de maior amplitude em que venho trabalhando 390 ANEXO I Ada Colau 2014 Se nos perguntam quem somos discurso de campanha eleitoral com Guanvem Barcelona para as eleições da Prefeitura de Barcelona disponível em httpsyoutu beBpoIvIIIeU Acesso em 23072016 transcrição do autor a partir das legendas no Youtube E quem somos Em primeiro lugar deixeme dizer que somos mulheres muitas mu lheres que estão infra representadas nos espaços de decisão nos espaços do poder político e que estão sobre representadas no espaço dos cuidados invisíveis que tornam possível a vida de todos dos ricos e dos pobres Somos as vizinhas e os vizinhos somos os bairros que tem protagonizado as melhores conquistas desta cidade que não teria acontecido sem as lutas internas das últimas décadas e somos também as vizinhas e vizinhos que hoje também estão se organizando para fazer frente aos desastres que se estão criando desde as instituições em conivência com os poderes fáticos econômicos Somos também a gente trabalhadora que tem que trabalhar para chegar ao fim do mês porque vivem das rendas E somos também as pessoas desempregadas que a despeito de estarem sem trabalho tem todas as capacidades do mundo e todo o direito de participar e de ser protagonistas da revolução democrática e também temos direito a uma renda garantidora porque todos temos direito a uma existência digna Somos também as pessoas que estão hoje promovendo a economia do futuro as pessoas que tem e defendem o pequeno comércio o comércio tradicional a economia social e solidá ria as cooperativas que estão intentando tecer uma economia sustentável frente a economia especulativa depredadora saqueadora das multinacionais que chegam a Barcelona recorrem aos benefícios e que são levadas a paraísos fiscais Somos também a comunidade educadora os profissionais da saúde que em um mo mento de recortes absolutamente insuportáveis que estão pondo em perigo os direitos e ser viços básicos estes profissionais em nossos hospitais em nossas escolas e universidades que muito além de suas obrigações contratuais deixam a pele para garantir os direitos de todos e todas Somos as pessoas migrantes a quem não se reconhecem direitos e aqui nenhuma pessoa pode ser ilegal e ganhamos Barcelona para poder fechar o centro de detenção um buraco de vergonha um buraco que nega os direitos humanos e não pararemos até fechar o centro de detenção E faremos tudo o que pudermos para que todas as pessoas migrantes sejam cidadãs de primeira e não somente tenham direitos sociais garantidos senão também a participação política em todos os níveis Somos também os trabalhadores e trabalhadoras municipais muitíssimo trabalhado res e trabalhadoras municipais se tem colocado em contato com Guanvem Barcelona porque estão fartos de como os partidos políticos utilizam a instituição e porque querem por todo seu conhecimento e toda sua experiência a serviço desta cidade e de suas vizinhas e vizinhos Somos muitas famílias e núcleos de convivência muito diversos já não há uma única família isto já não é mais sobre mamães papais e seus filhos aqui existem muitas famílias muitas unidades de convivência diversidade e pluralidade sexual e de afetos que são uma riqueza da cidade e que tem que ter todo o reconhecimento e todos os direitos garantidos Somos também e em primeiro lugar os meninos e meninas desta cidade os meninos e meninas merecem desfrutar da cidade merecem a garantia de seus direitos mas também mere cem ser considerados como sujeitos de direito como protagonistas muitas vezes os meninos e 391 meninas têm muito mais senso comum que muito adultos que se têm deformado com o cres cimento Assim que não somente falta cuidar de nossos meninos e meninas e garantir direitos senão que tenhamos que escutálos e deixálos falar Somos as pessoas idosas nossas avós e avôs pensionistas que não somente temos que vencer para garantir que todos absolutamente todos tenham uma velhice digna na qual se ga rantam todas as atenções que sejam necessárias não somente por isso senão porque também as pessoas idosas têm muito que dizer e não estão sendo escutadas se estão fazendo políticas para as pessoas idosas em nome das pessoas idosas sem contar com elas e não somente tem muito que dizer sobre as políticas que necessitam necessitamos todos nós dos idosos Já chega de tratarmos as pessoas idosas como uma moléstia As pessoas idosas são um poço de experiência de memória histórica que necessitamos para melhorar nosso presente e nosso futuro Assim que necessitamos de nossos idosos e temos que ajudar a cuidálos Vou finalizando já que somos muitas pessoas como podem ver somos muitíssima gente Somos também nossa gente jovem Nossa gente jovem para quem se tem pedido mui tíssimo esforço para quem temos pedido que se preparem que façam estudos de todo tipo mestres mas para quem depois não se dá nenhuma oportunidade para aproveitar todo o seu conhecimento sua força sua energia e suas ideias e os estamos expulsando de nossa cidade Queremos que nossas pessoas jovens fiquem aqui e possam dar o máximo de si mesmos pelo bem comum Não nos esqueçamos nunca quem somos e para que estamos aqui Não nos esqueçamos nunca e não deixemos de ser quem somos ANEXO 2 M Hardt A Negri 2009 Um programa reformista para o capital em Hardt e Negri 2009 Commonwealth pp 306311 tradução do autor O último grande pensador que propôs um tratamento eficaz para os males do capital foi John Maynard Keynes Não é difícil com base me nossos argumentos fazer uma lista de reformas benéficas mas existem sem dúvida algo paradoxal na proposta de um programa como este É pouco provável em primeiro lugar que a aristocracia global seja capaz de levar a cabo reformas significativas ou de desviarse de maneira substancial de seu caminho de des truição E segundo se estas reformas se instituíram realmente ainda sendo terapêuticas para os males do capital ao invés apontariam imediatamente para um novo modo de produção As reformas que fazem falta com maior urgência são aquelas que satisfaçam as necessi dades para o desenvolvimento do empreendimento das comunidades e da inovação das redes sociais cooperativas 1 A primeira das reformas tem por objetivo criar a infraestrutura necessária para a produção biopolítica que falta na maior parte do mundo A provisão da infraestrutura básica é também uma questão de meio ambiente pois a devastação do meio ambiente constitui um obstáculo central para acessar o alimento adequado ar limpo e água e outras necessidades para a sobrevivência O capital não pode deixar de fora certa parte da população na economia biopolítica é necessário que todos sejamos produtivos 2 Também se requer uma infraestrutura social e intelectual para sustentar as subjeti vidades produtivas Na era da produção biopolítica as ferramentas já não são o tear a monta dora ou a prensa de metal senão ferramentas linguísticas ferramentas afetivas para construir relações ferramentas para pensar etc esta é a razão pela qual a educação básica e avançada 392 é inclusive mais importante que antes para a economia biopolítica Todo o mundo necessita aprender como trabalhar com a linguagem em código ideias e afetos e mais ainda a trabalhar com uma iniciativa de educação global que dê educação obrigatória avançada em ciências naturais e sociais assim como em humanidades Como um corolário à educação enquanto que infraestrutura social e cultural se terá que construir uma infraestrutura aberta de informação e cultura para desenvolver comple tamente e colocar em prática a capacidade da multidão de pensar e cooperar com os outros Esta infraestrutura terá que incluir uma camada física aberta incluindo o acesso a redes de comunicação com fio e sem fio uma camada lógica aberta por exemplo códigos e protocolos abertos e uma camada de conteúdos abertos tais como trabalhos culturais intelectuais e cien tíficos Este tipo de acesso aberto ao comum também tem a vantagem de assegurar que todos os bens necessários tais como os medicamentos e outros frutos da pesquisa científica estejam à disposição de todos a preços acessíveis 3 Outra reforma infraestrutural necessária será a de facilitar recursos econômicos su ficientes para as necessidades tecnológicas da pesquisa avançada Um dos argumentos para a manutenção das patentes apesar de que restringem o acesso ao comum e assim diminuem as capacidades produtivas é que as corporações necessitam benefícios para financiar a pesquisa e o desenvolvimento 4 Além das reformas das infraestruturas física social e imaterial outro conjunto de reformas devem oferecer a liberdade requerida para a produção biopolítica A primeira liberda de necessária é a liberdade de movimento pela qual entendemos a liberdade de migrar dentro e fora das fronteiras e também a liberdade de ficar em um determinado lugar A liberdade de movimento configuraria uma liberdade de espaço permitindo à multidão fluir até onde pudesse ser mais criativa organizar os encontros mais benéficos e estabelecer as relações maus produtivas O estabelecimento de alguma forma de cidadania global é a única via que vemos para sustentar a liberdade e através dela expandir a produção biopolítica 5 Uma segunda reforma da liberdade tem a ver com o tempo e a porção mais sig nificativa do tempo não livre em nossas vidas se passa no trabalho Tal como determinamos antes todo obstáculo à autonomia do trabalho biopolítico incluindo o mando do chefe é um obstáculo à produtividade Uma reforma que garantisse a liberdade de tempo seria o esta belecimento de um rendimento mínimo garantido independente do trabalho A separação dos rendimentos do trabalho permitiria a todos um maior controle sobre o tempo Aqui temos que reconhecer que ele assegurará que toda a população tenha um rendimento básico mí nimo para que toda a vida convirja no interesse do capital Garantir a autonomia da multidão e o controle sobre o tempo é essencial para promover a produtividade na economia biopolítica 6 A liberdade necessária para a produção biopolítica também inclui o poder de cons truir relações sociais e criar instituições sociais autônomas Uma possível reforma para de senvolver estas capacidades é o estabelecimento de mecanismos de democracia participativa em todos os níveis de governo para fazer possível que a multidão aprenda cooperação social e autogoverno Estas são só algumas das reformas necessárias para salvar a produção capitalista Alguns leitores que chegaram a este ponto podem até duvidar de nossas intenções revolucio nárias Por quê estamos sugerindo reformas para salvar o capital Assim é como o capital cava suas próprias covas perseguindo seus próprios interesses e tratando de defender sua própria sobrevivência tem que fomentar o crescente poder e autonomia da multidão produ tiva E quando a acumulação de poder atravessar um certo limiar a multidão emergirá com a capacidade de governar autonomamente a riqueza comum 393 PARA SABER MAIS Biopoder biopolítica y sociedade de controle Michel Foucault 1976 Derecho a la muerte y poder sobre la vida en M Foucault 2009 edici ón original en francés de 1976 Historia de la sexualidad 1 La voluntad de saber Siglo XXI Madrid pp 144151 Gilles Deleuze 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elementos características y nuevos de las metrópolis globales respecto del modelo industrial moderno precedente Elaboración del autor 20062018 Figura 3 Elementos para un diagrama de la arquitectura de Google como uno de los paradig mas de los nuevos espacios productivos a partir de trabajos del autor 2010 y de Benjamin Bratton The Stack 2015 Elaboración del autor Figura 4 Uno de los carteles del MayDay 2005 una gran movilización a escala europea cele brada durante aquellos años promovido desde los sectores autónomos en la que la reflexión sobre precarización trabajo cognitivo y migraciones tuvieron un papel central Imagen equipo organizador del May Day Barcelona 2005 Fuente archivo digital del autor Figura 5 Agrocité Rurban httprurbannetenprojectsagrocite es un conjunto urba noagrícola en la ciudad de París para poner en práctica nuevas formas de vida estrechamente relacionadas con la sostenibilidad y la autogestión Entre los múltiples ejemplos que se podrían citar Atelier dArchitecture Autogerée promotores de Agrocité es una de las prácticas arqui tectónicourbanas más destacadas globalmente por el trabajo que realizan entre la práctica la investigación y la acción Imagen aaa 2010 398 MARX E AS CIDADES LATINOAMERICANAS O DIREITO À CIDADE Karine Gonçalves Carneiro527 David Villanueva Acuña528 INTRODUÇÃO O pensamento marxista oferece boas ferramentas de análise assim como propostas de ação para entendermos as dinâmicas urbanas na América Latina no passado e no presente e para pensarmos sobre a forma na qual a cidade a sociedade e os interesses econômicos modelamse mutuamente Através de um exercício reflexivo vislumbramos a possibilidade de observar as relações sociais que são tecidas no âmbito do desenvolvimento urbano das cidades latinoameri canas com o intuito de entender a maneira pela qual são construídos e modelados seus espaços físicos e como o urbanismo e as dinâmicas sociais têm gerado tanto potencialidades quanto retrocessos no desenvolvimento de zonas urbanas Neste contexto de reflexão é que pretendemos compreender o legado de Marx no que concerne o direito à cidade O ABANDONO DOS CENTROS E OS PROCESSOS DE SUBURBANIZAÇÃO Desde os primeiros anos de vida republicana as cidades latinoamericanas organizaramse ao redor do centro políticoinstitucional expandindose a partir dele para fora O centro a partir desta dinâmica conformouse como o lugar preferido das classes mais abastadas ou classes dominantes Já as classes popula res foram se assentando tradicionalmente nas periferias Entretanto depois da depressão econômica dos anos 1930 os países da América Latina passaram a ex perimentar um processo de industrialização tardia que somado às estruturas da 527 Karine Gonçalves Carneiro é Doutora em Ciências Sociais PucMinas2016 com participação no programa de doutorado sanduíche no exterior PDSECapes no departamento de Sociologia da Universidad Nacional de Colombia mestre em Sociologia com ênfase em Meio Ambiente FAFICHUFMG2006 especialista em Ar quitetura Contemporânea IECPucMinas1999 e graduada em Arquitetura e Urbanismo EAUFMG1996 Professora Adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFOP e do Programa de PósGraduação Novos Direitos Novos Sujeitos da UFOP Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais GEPSAUFOP e Indisciplinarufop 528 David Villanueva Acuña é Economista da Universidad del Tolima com mestrado em economia na Universidad Javeriana tese sobre segregação socioeconómica em Bogotá Experiência em planejamento gestão urbana e formulação e avaliação de projetos de infraestrutura pública no Instituto de Desarrollo Urbano e na Empresa de Renovación Urbana de Bogotá Investigador na linha de pesquisa sobre direito à cidade do Centro de Pensamien to y Acción para la Transición CPAT 399 propriedade da terra em latifúndios expulsou de maneira maciça a população do campo para as cidades Tais fatores originaram uma grande explosão demográfica e com ela uma explosão urbana que por sua vez modificou o padrão de ocupa ção do espaço as classes dominantes iniciaram um movimento de abandono dos centros históricos cada vez mais adensados dando início a processos de su burbanização que ocasionaram a deterioração urbanística destes mesmos centros Paralelamente os grandes contingentes de trabalhadores migrantes estabelece ramse fundamentalmente em ocupações consideradas irregulares e precarizadas em termos de serviços públicos e infraestruturas Foi conformada deste modo uma estrutura de segregação socioespacial típica da América Latina cuja caracte rística principal marcou a existência de amplas zonas marginalizadas conhecidas de formas distintas de acordo com cada país tugurios na Colômbia villas mi seria na Argentina callampas no chile favelas no Brasil ciudades perdidas no México cantegriles no Uruguai pueblos jóvenes no Peru dentre outras AS CIDADES MÁQUINAS DE PRODUÇÃO O desenvolvimento urbano latinoamericano que certamente tem cor respondência com outros modelos desenvolvimentistas em diversos lugares do mundo ainda que não sejam temporalmente coincidentes tem mostrado como as cidades vão se adequando ao longo do tempo ao modo de produção do sis temamundo ou da economiamundo como verdadeiras engrenagens dos me canismos capitalistas Inicialmente estas cidades passaram a conformar núcleos de produção e de fluxos de mercadorias e de mão de obra que as tornaram se melhantes às máquinas produtivas e as consolidaram como meio de produção através principalmente de uma morfologia urbana sob a égide de um modelo de urbanismo tecnocrático baseado na especialização dos espaços em zonas conecta das por largas avenidas Ao mesmo tempo a terra urbana e os espaços citadinos passaram de maneira cada vez mais fluida a integrar a lógica do mercado que ampliou seus valores de troca em detrimento de seus valores de uso Entretanto a partir dos anos 1970 por um lado tornaramse evidentes pro blemas relacionados à expansão urbana tais como a congestão e escassez de solo urbanizável Já por outro lado as sociedades passaram por transformações vincula das a reestruturação global do capitalismo já em crise com a adoção de uma nova modalidade de acumulação o neoliberalismo Os olhos dos planejadores neste momento voltaramse e ainda voltam na direção de ações de redesenvolvimen to ou de projetos de renovação urbana com o intuito de recuperar áreas centrais que foram deixadas a degradar em décadas anteriores Desde então tornouse ain da mais evidente a utilidade do urbanismo como instrumento para a recomposição do lucro capitalista através destes processos de renovação das cidades Este aspecto 400 ao considerarmos a forma de inserção dependente da América Latina na economia mundial beneficiou principalmente o capital estrangeiro e a negociação do solo urbano como commodity nos círculos do capital internacional REABILITAÇÃO E SEGREGAÇÃO A cidade contemporânea embora ainda continue sendo o lugar da circula ção tem se tornado a válvula de escape para a crise da sobreacumulação do capi tal Neste sentido o espaço construído é tratado como mercadoria e a dinâmica urbana sob a mão do mercado imobiliário é determinada fundamentalmente por seu valor de troca em detrimento de seu valor de uso Como consequência tem se aprofundado a dinâmica da segregação socioespacial que deu origem ao fe nômeno da gentrificação que nada mais é que o deslocamento de certos grupos sociais eminentemente os já vulnerabilizados por outros grupos de maior nível de renda que passam a ocupar ou reocupar certos espaços da cidade por meio dos processos de renovação urbana Alguns projetos realizados ou em andamento em cidades latinoamericanas constituem exemplos deste fenômeno Tais são os casos da região do El Bronx em Bogotá e da Cracolânida em São Paulo que visam a recuperação do solo urbano através do uso da força como estratégia de combate às drogas e de segurança Já em Quito e na Cidade do México são observadas ações que visam a revitalização dos valores patrimoniais de centros históricos A adequação de certos espaços citadinos com vistas à integração à in dústria cultural e do turismo tem sido a tônica para a área de La Boca em Buenos Aires Finalmente a estratégia de valorização da cidade através da inserção em suas agendas de grandes eventos mundiais serve de justificativa para ações de renovação urbana algumas vezes aliada a estados de emergência ou de exceção como no caso do Rio de Janeiro para a celebração dos jogos olímpicos de 2016 Muitas têm sido as tentativas para a explicação destes tipos de fenômenos urbanos mas qualquer explicação que queira encontrar um sentido e se afastar da parcialidade e da incompletude das análises deve ter um horizonte histórico e multidimensional Todavia todo este fluxo de relações socioespaciais descrito têm no contexto urbano uma contrapartida que não é visível nem evidente por um lado está ancorada na contradição que subjaz ao sistema de produção capi talista e por outro edificase sobre a base de uma categoria econômica não tão explícita a saber a renda do solo Ambos os conceitos só são compreensíveis a partir do legado filosófico de Marx Deste modo a história da dinâmica urbana configurase ao redor das tro cas do regime de produção e dos padrões de localização impostos pelas classes dominantes Tais padrões por sua vez não são o resultado caprichoso de uma tendência da moda mas respondem às necessidades de acumulação de capital 401 que segundo Marx é constitutivo do funcionamento do sistema capitalista e no limite é a causa de sua crise Esta acumulação excessiva de capital é utiliza da em parte para a renovação urbana das cidades e nos gastos de consumo das classes dominantes como por exemplo nos espaços construídos moradia escri tórios shopping centres etc Deste modo o reinvestimento no consumo dos espaços construídos pela classe dominante pode ser considerado o motor de toda a dinâmica da estrutura urbana seus fluxos e refluxos Todo este movimento de capital dá origem a lucros surpreendentes em um setor particular da economia a construção ou a promoção de investimentos imobi liários Como essas atividades dependem da disponibilidade de solo urbano e con siderandose que o solo urbano está vinculado à lógica da propriedade privada os proprietários desse solo através da renda alcançam ganhos extraordinários Assim esta estrutura de renda que se materializa nos valores do solo é ao fim e ao cabo o que determina as possibilidades reais de ocupação da terra urbana de tal modo que tanto as flutuações da dinâmica de desenvolvimento urbano quanto as relações sociais de exclusãosegregação socioespacial estão ancoradas no devir da lógica de acumulação Neste sentido as análises sobre as preferências individuais a aglome ração a mistura de classes ou o comportamento dos mercados imobiliários tornam se superficiais se não realizadas à luz desta contribuição do pensamento de Marx O DIREITO À CIDADE Não seria possível terminar esta análise sem mencionar uma outra linha de ação do pensamento de Marx sobre a produção do espaço das cidades na atuali dade Tratase das reivindicações do direito à cidade que ancora no movimento social a possibilidade de transformar o entorno na medida em que se transforma a si mesmo em uma espécie de movimento inverso que se contrapõe à lógica do capital e da acumulação O direito à cidade implica portanto reverter a direção do valor de tro ca frente ao valor de uso ou seja inverter a tendência a um aumento do valor de troca concentrandose no valor de uso como base e potencialidade para a construção do bem comum Isto incorre no direito ao uso dos espaços públicos da cidade que sob a égide do valor de troca da financeirização têm sofrido sucessivas privatizações e na apropriação dos espaços de forma distanciada da lógica do mercado do solo e da especulação imobiliária É portanto em última análise uma ação política possível ao entendermos que nós seres humanos so mos sujeitos de nossa própria transformação tal como refletia Marx em sua tese sobre Feuerbach Os filósofos limitaramse a interpretar o mundo de diversas maneiras o que importa é modificálo 402 MEDIDAS DE MOBILIDADE ESTRATÉGIA DE COMPETIÇÃO E GENTRIFICAÇÃO DOS CENTROS URBANOS529 Laura Machado530 Lívia Salomão Piccinini531 O processo de globalização acentuado pelos avanços tecnológicos pos sibilitou conexões mais rápidas transporte de bens e pessoas transmissão de informações ampliou a quantidade de pessoas envolvidas e alavancou a in fluência das dimensões econômica política social cultural e ambiental sobre as cidades532 A competição que antes ocorria entre nações passa a ser entre cidades pois é nelas que se dá a geração da riqueza do planeta as 100 maiores cidades respondem por 50 do PIB mundial533 Pressionadas pela proposta de desenvolvimento neoliberal e pelos protocolos e acordos internacionais sobre o clima do Protocolo de Kyoto ao Acordo de Paris as cidades tornamse pro tagonistas das mudanças em direção à sustentabilidade e à qualidade de vida Face à crise ambiental e urbana o ideal da cidade sustentável é tratado cada vez mais como um objetivo do planejamento urbano e do discurso político Sustentabilidade e competitividade são os eixos em torno dos quais as cidades pautam seu planejamento 529 Texto é uma republicação de trabalho publicado em revista espanhola como MACHADO Laura SALOMÃO PICCININI Lívia Medidas de mobilidade estratégia de competição e gentrificação dos centros urbanos Scripta Nova Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales En línea Barcelona Universidad de Barcelona 15 de abril de 2017 vol XXI nº 563 ISSN 11389788 530 Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul possui Doutorado em Planejamento Urbano e Regional PROPURUFRGS Mestrado em Planejamento Urbano e Regional PRO PURUFRGS e Especialização em Docência Profissional Técnica e Tecnológica IFF É arquiteta e urbanista na Universidade Federal do Pampa e pesquisadora no Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Urbanos LEUrb UFRGSCNPq Temas de pesquisa mobilidade urbana planejamento urbano paisagem desenho urbano polí ticas públicas urbanas lauralauramachadogmailcom 531 Professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Coordenadora da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura 20162019 Membro do Núcleo Docente estruturante da FAUFRGS 20112014 Membro da ComgradCOMOB 20102016 Membro da Comissão de Extensão possui o Doutorado pelo Pro grama de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS CAPES 6 em 2008 Mestrado em Urban Development Planning University of London 1991 School of Economics Doutorado na University of Cambridge UK exceto defesa Graduação em Arquitetura pela UFRGS 1982 Exerceu atividades de Chefia de Departamento e Vice Coordenação do Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional PROPUR Tem experiência nos campos do Urbanismo Planejamento Urbano e pesquisa nas áreas de habitação social políticas públicas sustentabilidade ecológicoambiental padrões urbanos e arquitetônicos paisagismo e desenho urbano planos diretores municipais liviapiccininiufrgsbr 532 Coehn 2004 533 Begg 1999 Dobbs et al 2011 Oliveria Júnior 2012 403 Uma das representações desta competitividade é o notável crescimento no número de rankings de melhores cidades dos 39 existentes em 2008 ultrapas saram a marca de 150534 em 2013 Estas estratégias de marketing foram criadas para posicionar as cidades no cenário global classificandoas em função de carac terísticas que ofereçam a maior quantidade ou a melhor combinação de atra tivos tais como espaços verdes habitabilidade livability educação transporte mãodeobra qualificada e oferta de infraestrutura535 A sustentabilidade urbana passa a ser um commodity e a cidade tratada como mercadoria O urbanismo neoliberal se apropria do planejamento estratégico empre sarial para construir e vender a imagem da cidade aprazível e competitiva Nesse cenário projetos pontuais de recuperação urbana e de infraestrutura para megae ventos possibilitados pela flexibilização da legislação e dos planos reguladores são oferecidos como solução única para a superação da estagnação econômica A Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014 é uma exemplificação que ilustra esse processo onde o país submetido às exigências da Federação Internacional de Futebol FIFA investiu mais de 25 bilhões de reais em infraestruturas para sua realização valor relativamente superior ao que foi investido na Alemanha e na África do Sul países que sediaram as duas últimas copas em 2006 e 2010 respectivamente Deste total oito bilhões foram direcionados para execução de obras de mobilidade urbana536 Além de altos investimentos financeiros outra faceta das obras de mobi lidade foram as remoções de comunidades de baixa renda537 e as alterações de uso de áreas que devido a estes mesmo investimentos foram re valorizadas ca racterizando a gentrificação538 destas áreas Estudos do processo de gentrificação apontam que projetos de requalificação urbana tendem a apresentar como con sequência a elitização desses espaços porém constatase que é escassa a literatura sobre a incidência das medidas de mobilidades nesse processo Sob essa perspecti va é pertinente assinalar a interlocução entre a recuperação das áreas públicas e as estruturas de mobilidade ativa relativas a caminhar e andar de bicicleta uma vez que a produção de tais estruturas pretende traduzir o novo paradigma da mobili dade que embora seja centrado nas pessoas permanece articulado à apropriação do espaço pelas elites Nesse sentido a análise da aplicação dessas medidas bem como a revalorização das estruturas de mobilidade emergem como elementos essenciais para a compreensão dos processos da cidade neoliberal 534 Moonen Clark 2013 535 Haindlmaier Riedl 2010 OECD 2006 World Bank 2013 536 Santos Júnior et al 2015 537 Haubrich 2014 Brasil 2014a 538 A gentrificação é a expulsão da população local devido à valorização imobiliária decorrente da requalificação de áreas públicas Zuk et al 2015 404 Nas cidades brasileiras esse processo tende a reforçar a exclusão social pois a produção e a apropriação do espaço urbano não só reflete as desigualdades e as contradições sociais como também as reafirma e reproduz539 As iniquida des sociais estão refletidas no território enquanto distribuição desigual das áreas verdes dos equipamentos culturais dos serviços públicos e dos equipamentos urbanos540 O mesmo acontece com o transporte dada a estreita relação entre deslocamento e renda541 e entre o incremento da acessibilidade e a majoração dos valores imobiliários542 Acrescentase a isto a predominância histórica de incen tivos governamentais para o transporte individual em detrimento do transporte público e dos modos não motorizados que aprofundam a segregação e a exclusão sócioespacial543 Alinhandose às orientações internacionais544 relativas ao novo paradigma da mobilidade o governo brasileiro paradoxalmente reorientou sua política de transporte ao promulgar a Lei de 125872012 que estabeleceu as Diretrizes da Mobilidade focada na inclusão social no transporte público e nos modos não motorizados545 Traz diretrizes que devem ser promovidas e estar refletidas nos Planos de Mobilidade Urbana municipais546 A literatura porém aponta que nas experiências internacionais as ações em prol da mobilidade ativa objetivam alcançar ganhos ambientais redução das emissões547 eou econômicos valoriza ção imobiliária548 Então o avanço em relação à mobilidade mais sustentável não vem se refletindo em um maior ganho social como espaços urbanos mais igualitários que gerem oportunidades reais às parcelas excluídas da população Isto é na ci dade neoliberal medidas voltadas à mobilidade são incorporadas à estratégia de competição urbana Há um gap social que não está sendo discutido pelos pla nejadores o que demonstra a necessidade desta investigação O objetivo deste artigo é trazer à luz as relações entre o planejamento estratégico a gentrificação e as medidas de mobilidade urbana a começar pela crise do planejamento urbano começando por este último como se vê a seguir 539 Maricato 2000 p170 540 Piccinini 2007 541 Itrans 2004 542 Revyngton 2015 543 Santos Junior et al 2015 544 CEC 2001 545 Brasil 2007 546 Segundo a Lei nº 125872012 que instituiu as Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana todo muni cípio com mais de vinte mil habitantes pertencentes à Regiões Metropolitanas ou cidades de interesse cultural devem elaborar o Plano de Mobilidade Urbana sob pena de não receber recursos da União para este fim Brasil 2012 547 Korver et al 2012 548 Flanagan 2015 Stehlin 2015 Stein 2011 Checker 2011 Kushto Schoefer 2008 405 A CRISE DO PLANEJAMENTO URBANO O processo de globalização não é apenas resultado dos avanços tecnológicos ou dos mercados competitivos É um fenômeno político e ideológico com reflexos físicoterritoriais e sócioespaciais que é chamada de a questão urbana Os avan ços da ideologia neoliberal a partir da década de 1980 trouxe a flexibilização das leis urbanísticas que asseguraram às forças do mercado o afrouxamento da ação estatal e o fim das certezas549Nos anos 1970 e 1980 autores como Manuel Castells e David Harvey denunciavam o planejamento urbano modernista por ser um ins trumento a serviço da manutenção do status quo do sistema capitalista refletido na ausência de resultados positivos das intervenções prometidas pelo Estado Nos anos 1990 planejadores e arquitetos continuaram a dar suporte aos interesses do mercado avaliando positivamente projetos estratégicos de reformas e revitalizações urbanas550 Foram além criando projetos de remodelação de áreas delimitadas como o centro de Barcelona Rio de Janeiro Caracas etc cidades onde os prefeitos não se intitulam representantes da política de Estado mas ges tores urbanos O conceito de gestão urbana possui significados negativos que não devem ser subestimados e que podem ser identificados no favorecimento e na subordinação às tendências do mercado dados pela liderança dos interesses do capital privado551 a vitória do imediatismo da administração dos recursos e dos problemas aqui e agora as respostas de curto e médio prazos combinados com a desregulamentação e a política do Estado mínimo Na medida em que o Estado não desenvolve uma política habitacional e tampouco urbanística voltada especificamente a atender essa população a regulamentação da posse do solo urbano pelo mercado na cidade capitalista552 tende a gerar constantemente segregação socioespacial A população de baixa renda submetese a morar em lugares em que os direitos da propriedade privada não vigoram áreas de propriedade pública ter renos em inventário áreas de proteção ambiental áreas de risco etc São as áreas de ocupação e favelas onde a exclusão urbanística representada pela ocupação ilegalinformal do solo é ignorada na representação da cidade formal Quando os direitos da propriedade se fazem valer nestes locais seus moradores são despe jados exacerbando conflitos e a contradição entre a marginalidade econômica e a organização capitalista da posse do território553 549 Maricato 2000 550 Abramo 2007 551 Souza 2013 552 Souza2013 553 Brum 2014 Piccinini 2007 406 É necessário esclarecer no entanto que não foi por falta de planos e plane jamentos urbanísticos que as cidades brasileiras apresentam os graves problemas atuais mas sim porque seu crescimento se deu para além destes seguindo inte resses da política local e de grupos ligados aos sucessivos governos sem atenção aos moradores com rendas insuficientes para acessar o mercado imobiliário Muitas vezes os planos diretores ajudaram a encobrir o mecanismo que comanda os in vestimentos urbanos o capital imobiliário e as empreiteiras Estas não obedecem a legislações e planos manipulandoos a fim de obter maiores rendimentos554 Dentre os serviços essenciais muitas vezes inexistentes ou inacessíveis em maior ou menor grau nas diferentes áreas da cidade principalmente para os moradores de favelas e vilas estão os de transporte de comunicação e saneamento Sob a ótica da desordem urbana a problemática das cidades brasileiras vem sendo estrategicamente construída como principal problema para os go vernos deslocando a análise das reais causas da expansão urbana e seus im pactos são vistos na desorganização das atividades bens e serviços A lógica da cidade capitalista particularmente em países emergentes como o Brasil impri me um aparente caos que os planejadores urbanos buscam organizar pensando a cidade enquanto sistemas interligados que podem ser ajustados em um futuro ponto ótimo de racionalização de recursos O Estado por sua vez legitima a apropriação privada do solo urbano ao aplicar recursos públicos que irão criar um novo valor do solo dado pela extensão da infraestrutura equipamentos e serviços O mesmo podese dizer da gentrificação uma das facetas do planeja mento estratégico555 Se o planejamento urbano remetia a temas como crescimento desordena do reprodução da força de trabalho equipamentos coletivos movimentos sociais urbanos racionalização do uso do solo a atual forma de gestão está focada alcançar melhores resultados em uma competição global por i investimentos tecnologia e expertise gerencial ii novas indústrias e negócios iii preços e qualidade de serviços iv atração de empregos qualificados556 Os neoplaneja dores veem a cidade como um agente econômico que atua no contexto de um mercado e que encontra neste mercado a regra e o modelo do planejamento e execução de suas ações O conceito de cidade tornase meramente gerencial ou nas palavras de Vainer Na verdade é o conjunto da cidade e do poder local que está sendo redefinido O conceito de cidade e com ele os conceitos de poder público e de governo da cidade são investidos de novos significados numa operação que tem como um dos esteios a transformação da cidade em 554 Maricato 2000 555 Brum 2014 556 Vainer 2000 407 sujeitoator econômico e mais especificamente num sujeitoator cuja natureza mercantil e empresarial instaura o poder de uma nova lógica com a qual se pretende legitimar a apropria ção direta dos instrumentos de poder público por grupos empresariais privados557 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO EMPRESARIAL E O PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO Antes de prosseguir é preciso esclarecer que embora o planejamento estra tégico tenha sido associado à perspectiva mercadológica eles não são sinônimos O planejamento estratégico situacional proposto por Carlos Matus é um plane jamento politizado e que longe de ser conservador estaria bem próximo do ide ário da reforma urbana que inspirou por xemplo a experiência de Porto Alegre com o orçamento participativo558 O planejamento estratégico empresarial por outro lado segue uma linha conservadora apolítica e acrítica em um processo onde as alianças são condicionadas por um viés que é o peso enorme dos interes ses empresarias na definição da agenda559 A crítica que se faz aqui é portanto ao planejamento estratégico empresarial conservador pois certamente o plane jamento deve assumir proposições estratégicas e posicionadas ideologicamente A cidade neoliberal produto do capital e instituída pela crise do fordismo urbano do início da década de 1980 inviabilizou o financiamento do Estado de bemestar e dos serviços coletivos Neste contexto assume a hegemonia o plane jamento estratégico empresarial mercadológico ou gerenciamento urbano um contraponto ao planejamento funcional modernista e que pretende dar respostas competitivas aos desafios impostos pela globalização Estes desafios são visíveis nos locais depreciados economicamente e que através de renovações urbanas também chamadas de revitalizações reabilitações recuperações viriam a criar vantagens competitivas entre as cidades com consequente revalorização do solo elitização dos moradores atração de turistas e investidores com consequente ex pulsão da população de baixa renda560 Se na década de 1960 as ideias do planejamento estratégico foram impor tadas do âmbito militar para as corporações e empresas no final da década de 1970 passaram a ser utilizadas em cidades norteamericanas e europeias e mais recentemente anos 1980 nos países latinoamericanos561 Este tipo de planeja mento é embasado pelo método SWOT Strengths Weaknesses Opportunities e Threats que busca a identificação das forças fraquezas oportunidades e ameaças 557 Vainer 2000 p89 558 Souza 2013 559 Souza 2013 p 138 560 Arantes 2000 561 Gonçalves et al 2009 408 de uma empresa ou no caso cidade em relação ao seu ambiente de ação Deste modo são determinadas metas e estratégias que permitirão atingilas As estra tégias são as diretrizes que ajudam a eleger as ações objetivos adequadas para atingir as metas fins da organização Foram os economistas os primeiros que propuseram a abordagem urbana do planejamento estratégico com base em quatro objetivos i elaborar a mis tura de usos de atração e de serviços da comunidade ii estabelecer incentivos atraentes para os atuais e possíveis compradores e usuários de seus bens e serviços iii fornecer produtos e serviços locais de uma maneira eficiente e acessível iv promover os valores e a imagem do local de uma maneira que os possíveis usuá rios conscientizemse realmente de suas vantagens diferenciadas562 Para entender as diferenças entre os pensamentos que formaram o planejamento estratégico público e o privado apresentase abaixo um resumo comparativo Tabela 1 Comparativo entre o planejamento estratégico do setor pri vado e o do setor público Características Setor privado Setor público Objetivo geral Competitividade Efetividade das medidas Objetivos econômicos Lucro crescimento conquista de mercado Redução de custos eficiência Valores Inovação criatividade boa imagem Accountability equidade integridade Resultados desejados Satisfação do consumidor Satisfação do cidadão Atores Acionistas proprietários mercado Contribuintes servidores poder público lobistas Prioridades orçamentárias definidas por Demanda dos consumidores Lideranças planejadores parlamentares Justificativa Proteção de propriedade intelectual Bemestar social segurança nacional Fatores de sucesso Taxa de crescimento rendimentos avanço tecnológico Práticas gerenciais melhoradas economia de escala regularidade padrão tecnológico Fonte Clemente 2007 adaptado por Machado Piccinini Esperavase do poder público a efetividade dos objetivos propostos para a garantia do bem de todos no entanto as questões políticas ideológicas e a ló 562 Gonçalves et al 2009 409 gica econômica imprime seu caráter no espaço como pode ser visto nas palavras de Souza precisam ser entendidos à luz de uma teia de relações em que a existência de conflitos de interesse e de ganhadores e perdedores dominantes e dominados é um ingrediente presente Como poderiam o planejamento e a gestão ser neutros em se tratando de uma sociedade marcada por desigualdades estruturais563 Assim não surpreende a adoção do modelo de empreendimento urbano hegemônico as citiescommodities ou cidadesnegócio produzidas através de di nâmicas globalizadoras de internacionalização de padrões de intervenção urba na que realiza os interesses de grandes corporações multinacionais Propagamse propostas de uma requalificação eficaz contra as patologias urbanas a fim de produzir o bemestar social e qualidade de vida Essa ideologia é vendida tanto pelas agências multilaterais BIRD Habitat quanto as do capital financeiro e imobiliário e pela indústria do turismo e do entretenimento Ou seja aqueles setores que entendem o território urbano como uma fonte de especulação e enri quecimento O gerenciamento urbano limitase a acompanhar as tendências que o mercado sinaliza e abdica do planejamento regulatório O Estado por seu lado ao invés de garantir a justiça social estimula a iniciativa privada oferecendo vantagens e regalias que vão desde a oferta de isenções tributárias terrenos infra estrutura subsidiadas suspensão de restrições de uso impostas pelo zoneamento alterações nos planos diretores e nos perímetros urbanos e a flexibilização de padrões e dispositivos habitacionais e urbanísticos Um dos primeiros exemplos da concretização deste pensamento ocorreu em Barcelona por ocasião das Olimpíadas de 1992 conduzido por Jordi Borja564 e sua equipe Nesta proposta Barcelona foi vendida como uma cidade feita por todos e para todos onde a mistura social seria enaltecida e explorada desde que devidamente modelizada e controlada Uma espécie de multiculturalis mo cênico utilizado para promover uma determinada imagem da cidade sem conflitos por oposição à cidade real complexa e heterogênea Porém não foi a sociedade que se apropriou da recuperação urbana mas o capital imobiliário e seus acionistas Associados ao encarecimento do solo urbano e à especulação imo biliária tais processos tornaram a cidade inacessível ao cidadão comum fazendo de Barcelona uma cidade cara para poucos Nessa lógica para serem bemsuce didos os moradores têm de afastar a pobreza para que esta não contamine o cenário onde se desenrolarão as ações dos turistas e dos grandes empreendedores da cidadeespetáculo565 É um processo que não leva em conta os custos sociais gerando altos preços para as moradias e deslocando os moradores para as cidades 563 Souza 2013 p 83 564 Vainer 1999 565 Cunha 2013 410 do entorno Esse processo tem como resultados o aumento das horas de desloca mento para o trabalho commuting altos custos de transporte acessibilidade e circulação e prejuízos à sustentabilidade ambiental no longo prazo Tratase de uma estratégia de entrega dos espaços públicos aos cuidados da iniciativa privada com subsídios estatais566 através de políticas públicas que concedem direitos às incorporadoras mesmo sendo reconhecido que parte da população não terá aí lugar A busca por uma imagem atraente da cidade tem na ideologia do projeto de cidade vide as campanhas sobre que cidade quere mos como se houvesse uma resposta ou a cidade tivesse um pensamento único a saída para enfrentar a crise urbana Essa proposta assentase com base nas obras monumentais localizadas nas áreas nobres das cidades ou centros históricos567 Nestes novos lugares gerados principalmente por parcerias públicoprivadas criamse espaços de exclusão e de segregação social espaços gentrificados que expressam a cultura e a economia de mercado uma re produção em série de um modelo tido como bemsucedido568 que promove museus aeroportos grandes equipamentos Esta é a crítica ao planejamento estratégico pensar a cidade como mercadoria criando uma cidade cenográfica que nega a cidade como um espaço plural emblemático diversificado instável e até mesmo caótico ao qual todas as pessoas deveriam ter o direito de acessar e vivenciar se assim o quiserem569 Algumas das características e objetivos do planejamento estratégico foram suma rizadas na Tabela 2 com base em alguns autores570 Tabela 2 Características e objetivos do planejamento estratégico urbano Características Objetivos Revitalização Atrair turistas Atrair capitais Valorizar terras Flexibilizar as leis de planejamento Participação popular Obter o aval da população Projetos setoriais Criar novos interesses na urbe Planejamento de curto prazo Acompanhar o tempo do gestor Fonte Elaboração de Machado Piccinini com base nos autores citados 566 Souza 2013 567 Silva 2012 568 Sanchez 2001 569 Secchi 2013 570 Dentre os autores estão Vainer 2000 Souza 2013 Maricato 2000 Secchi 2013 Furtado 2014 411 Dentre as características apontadas a revitalização é aquela que irá justifi car os investimentos públicos Aqui se faz necessário uma referência explicativa relativa à utilização desta série de termos revitalização renovação reabili tação e requalificação urbana como eufemismos que mascaram processos de gentrificação e transformação de bairros populares muitas vezes identificados como bairros problemáticos e indesejáveis em espaços elitizados que se tornam inacessíveis à população de origem O processo de gentrificação aparece como um dos elementos da permanente re estruturação urbana imposto pelo modelo econômico que segue os propósitos da estrutura dominante que perpassa a his tória do planejamento urbano das cidades capitalistas571 e se sobrepõe à história local das populações e de seus espaços O termo gentrificação empregado primeiramente por Glass em 1964 para descrever as transformações promovidas no centro londrino entre 1950 1960 e que teve como resultado a expulsão da população trabalhadora Tratase de um processo de revalorização territorial através da recuperação de áreas cen trais desocupadas ou áreas deterioradas572 gerando uma re valorização mercantil desses espaços com apropriação desse lucro urbano por grupos de interesses e populações mais ricas e distintas da população originalmente moradora A Tabela 3 sumariza alguns dos fatores e indicadores da gentrificação Tabela 3 Fatores e indicadores de gentrificação Fatores Indicadores Mudanças no valor da propriedade e aluguéis Valor de venda valor da propriedade Valor dos aluguéis Restrições a moradias de menores preços Investimentos no bairro Permissões de construção permissões de reformas isenções Financiamentos para construção Vendas de imóveis volume e valores Formação de condomínios Mudanças na comunidade e negócios Investimentos públicos transporte público vias parques etc 571 Furtado 2014 572 Less et al 2008 412 Abandono Condições das construções vagas construções condenadas reclamações de moradores incêndios Qualidade do bairro Qualidade das escolas crimes taxas de emprego oportunidades do bairro Mudanças na ocupação e na demografia Tipos de ocupação Despejos Dados socioeconômicos dos novos x antigos moradores raça idade renda escolaridade estado civil etc Potencial de investimento Características do bairro e das construções idade área infraestrutura Percepção dos moradores Razões de atração ou repulsão Aumento das distâncias e do tempo de deslocamento Aumento da densidade movimento transporte Fonte Zuk et al 2015 adaptado por Machado Piccinini Dentre os fatores descritos na Tabela 3 os indicadores de gentrificação asso ciados à mobilidade estão os investimentos públicos em mobilidade e acessibilida de o aumento das distâncias e o aumento do tempo de deslocamento Porém um dos sinais mais visíveis é a homogeneidade elitizada dos espaços Em oposição ao que Lefebvre chamou de direito à cidade direito à vida urbana à centralidade renovada aos lugares de encontros e trocas ao ritmo da vida e uso do tempo que permite o uso pleno e total dos momentos e dos lugares573 a gentrificação cria guetos A partir do deslocamento da população original de baixa renda uma nova população de moradores de média e alta classe é atraída pelas oportunidades que a nova centralidade passa a oferecer proximidade do trabalho oferta de lazer e cultu ra baixos valores das residências estabilização das condições sociais negativas estilo de vida considerações estéticas entretenimento e lojas especializadas574 Apesar de superficialmente o resultado das ações objetivar o retorno da ocupação dos centros e das áreas esvaziadas o processo de gentrificação através da substituição populacional e valorização imobiliária é no seu âmago parte de uma estratégia urbana articulada575 Tabela 3 Esse processo de acordo com Furtado pode ser lido da seguinte forma 573 Lefebvre 1973 p167 574 Smith 1996 Stein 2011 Zuk et al 2015 575 Silva 2014 413 ser analisado como o resultado do permanente processo de reorganização urbana nas ci dades capitalistas modernas necessário ao contínuo processo de acumulação de capital através do qual áreas urbanas deterioradas ocupadas pela classe trabalhadora podem ser ocupadas por outros setores da sociedade camadas sociais de renda alta e média não somente para habita ção mas para a instalação de outros usos também576 A re organização urbana vinculase portanto à criação de uma nova imagem internacional da cidade que supõe o afastamento de manifestações de pobreza e de subdesenvolvimento A substituição da população de baixa renda se dá em dois momentos primeiro quando da execução das obras de recuperação seguido pelo momento da re ocupação A remoção das pessoas que moram muitas vezes acontece de forma forçada deslocamentos massivos despejos força dos e a demolição de suas casas Também podem ocorrer deslocamentos em razão das medidas adotadas pelas autoridades para eliminar rapidamente favelas consi deradas esteticamente negativas das áreas frequentadas pelos novos moradores ou visitantes ainda que não integrem o projeto de reabilitação577 A MOBILIDADE COMO ESTRATÉGIA DE COMPETIÇÃO URBANA A mobilidade não é uma necessidade em si mas uma demanda existente para o acesso aos diversos locais da cidade Se nas cidades medievais estas dis tâncias podiam ser percorridas a pé por ruas tortuosas e estreitas nas cidades pósrevolução industrial seus limites desapareceram e o automóvel transformou a paisagem urbana em um entremeado de freeways e viadutos O crescimento exponencial das taxas de motorização trouxe impactos sobre o ambiente urbano o que vem sendo combatido na busca da sustentabilidade urbanaambiental578 A Tabela 4 apresentaos Tabela 4 Impactos do uso do automóvel no ambiente urbano Ambientais Sociais Econômicos Poluição atmosférica Acidentes Congestionamentos Consumo do solo urban sprawl Declínio da qualidade de vida Custos ocasionados por acidentes Alterações climáticas Impactos na saúde físicos e psicológicos Esgotamento recursos não renováveis e energia Ruído vibrações Desperdício de tempo nos deslocamentos Custos do transporte para os usuários 576 Furtado 2014 p359 577 Rolnik 2010 578 Hall 2006 Gómez 2000 UrbAL 2000 414 Poluição luminotécnica Iniquidades Custos das infraestruturas de transporte Resíduos sólidos Declínio do transporte público Custos à saúde Intrusão visual e estética Aumento das distâncias Fonte Litman 2008 adaptado por Machado e Piccinini 2017 A partir dos anos 1970 minimizar o uso do automóvel primeiramente fren te à crise do petróleo e a partir dos anos 1980 frente aos problemas ambientais poluição aquecimento global desertificação efeito estufa tornouse um dos de safios colocados aos governos e aos pesquisadores Nos anos 1990 iniciaramse investigações para encontrar soluções de mobilidade urbana dentro de um novo pa radigma do transporte O foco do planejamento para os carros e mercadorias des locase para buscar soluções inovadoras focadas nas pessoas e na qualidade de vida Essas soluções contemplam medidas de redução do uso do automóvel aumento do uso da bicicleta e caminhada incentivo ao transporte público gerenciamento de estacionamentos novas tecnologias segurança gerenciamento da demanda ge renciamento da mobilidade planejamento integrado e logística de mercadorias579 Tendo como objetivo promover e compartilhar soluções de mobilidade a Comunidade Europeia investiu mais de 300 milhões de euros na iniciativa CIVI TAS CItyVITAlitySustainability que oferece suporte técnico e financeiro para que as cidades adotem estratégias de transporte sustentável Desde 2002 mais de 730 medidas foram implementadas em quinze diferentes projetos executados em 69 cidades Tabela 5580 Tabela 5 Iniciativas CIVITAS projetos e cidades participantes CIVITAS I 20022006 CIVITAS II 20052009 CIVITAS Plus 20082012 CIVITAS Plus II 20122016 19 cidades 17 cidades 25 cidades 8 cidades 4 Projetos Miracles Tellus Trendsetter e Vivaldi 4 Projetos Caravel Mobilis Smile e Success 5 Projetos Archimedes Elan Mimosa Modern e Renaissance 2 Projetos Dinamo e 2Move2 Investimento total nos projetos 300 milhões Fonte Adaptado de Roojen Nesterova 2013 579 CEC 2001 580 Rooijen Nesterova 2013 415 Nas iniciativas CIVITAS há uma ênfase no desenvolvimento de combus tíveis e automóveis limpos em reduzir a presença de automóveis nos centros his tóricos em incentivar o uso de bicicletas e em qualificar espaços para pedestres As altas cifras investidas em medidas de mobilidade urbana podem ser entendi das como estratégias para atrair investimentos e uma breve pesquisa mostra 14 rankings de cidades globais que escalonam as cidades em relação à sua maior ou menor oferta de mobilidade Tabela 6 Tabela 6 Rankings que pontuam as cidades em relação às questões da mobilidade Categoria avaliada Nome do ranking Fonte Acessibilidade Top 20 Most Livable US Cities for Wheelchair Users Christopher Dana Reeve Foundation2015 Bicicletas The Copenhagenize Index Copenhagenize Design Com pany 2015 Bicicletas The worlds top 10 best cities for cycling Traveller 2015 Bicicletas Top 10 BicycleFriendly Cities Askmen 2015 Bicicletas Bike Friendly Cities Walkscore 2015a Pedestres Walk Score Walkscore 2015b Pedestres Hpes Walkability Index HPE 2015 Transporte público 10 Best Cities for Public Transportation US News 2015 Transporte público Americas 10 Best Cities for Commuting on Public Transit Wired 2015 Transporte público Best US Cities for Public Transit Walkscore 2014c Transporte público Ten Cities Have The Best Public Transit In The World Jalopnik 2014 Segurança Safest and Most Dangerous US Cities Infoplease 2014 Congestionamento Urban Mobility Scorecard Inrix 2015 Congestionamento TomTom Traffic Index Tomtom 2015 Fonte Elaboração de Machado Piccinini Nesses rankings as cidades são pontuadas quanto à acessibilidade à in fraestrutura para bicicletas e para pedestres ao transporte público à segurança no trânsito e aos níveis de congestionamento Tabela 6 Não há referências de rankings que indiquem melhorias outcomes na acessibilidade affordability da 416 população mais vulnerável ou que apontem as cidades mais equitativas em rela ção à mobilidade em bairros periféricos Verificase no entanto que uma cidade que apresenta melhores condições de mobilidade tende a tornarse objeto de investimentos e de turismo como é o caso de Copenhagen e Amsterdam Como exemplo demonstrativo da abordagem aqui adotada comparou se as cidades ranqueadas pelo Copenhagenize Index581 com os resultados encontrados em rankings que posicionam as cidades como mais verdes mais inteligentes mais caras para viajar e em relação ao custo de vida Tabela 7 Tabela 7 Posicionamento das cidades europeias em relação aos rankings 2015 Posição no ranking Rankings de cidades Copenhagenize Index Greener cities Smarts cities More expensive to travel Cost of living 1º Copenhagen Copenhagen Copenhagen Zurich Zurich 2º Amsterdam Stockholm Amsterdam Bergen Geneva 3º Utrecht Oslo Vienna Londres Bern 4º Strasbourg Vienna Barcelona Veneza London 5º Eindhoven Amsterdam Paris Helsinki Copenhagen 6º Malmö Zurich Stockholm Amsterdam Oslo 7º Nantes Helsinki London Stockholm Paris 8º Bordeaux Berlin Hamburg Copenhagen Dublin 9º Antwerp Brussels Berlin Oslo Milan 10º Seville Paris Helsinki Interlaken Vienna Fonte Copenhagenize Design Company 2015 Siemens 2015 COHEN 2015 Forbes 2014 Mercer 2015 adaptado por Machado Piccinini Ao analisar a Tabela 7 percebese que há uma repetição das cidades elenca das ainda que com algumas alternâncias de suas posições nos diferentes rankings É interessante observar que as cidades mais cicláveis mais verdes e mais in teligentes também são as de maior custo de vida e as mais caras para viajar mais caras portanto para visitantes e moradores evidenciando uma correlação entre qualidade de vida e renda Neste sentido e com esta abordagem seria possí vel inferir que a livability urbana recuperada pelo uso da bicicleta seria também uma estratégia de marketing do planejamento estratégico de mercado 581 Ranking que classifica as cidades europeias que mais incentivam o uso da bicicleta 417 Essa leitura é um indicador de que há uma pressão das empresas e dos governos por oferecer mais qualidade de vida urbana com mais espaços verdes mais ciclovias etc para cidadãos de alto poder aquisitivo ou seja para aqueles que podem pagar pela qualidade de vida urbana Ainda que essa qualificação das cidades seja um avanço em relação à cidadefordista onde os subúrbios são conectados por meios de transporte de massa e vias expressas onde o automóvel é protagonista o cidadão comum de baixa renda permanece alijado desta propos ta ou seja a qualificação urbana não está disponível para todos principalmente não está acessível para os mais pobres Ao fazer um comparativo entre as cidades consideradas mais cicláveis pelo Copenhagenize Index com sua respectiva distribuição modal ver Tabela 8 percebese que não há de fato uma correspondência direta e absoluta entre a distribuição modal e o posicionamento das cidades no ranking Segundo a dis tribuição do uso da bicicleta Eindhoven deveria estar em primeiro lugar entre as cidades europeias mais cicláveis Essa verificação reforçaria o papel do plane jamento estratégico nesse tipo de ranking ou de outro modo poderia ser ques tionada a metodologia adotada para sua construção em termos de lógica interna Há que se observar os altos percentuais de uso do automóvel nas cidades listadas como Bordeaux que aparece em quinto lugar no Copenhagenize Index com 67 das viagens realizadas por esse meio O protagonismo do automóvel como meio de deslocamento nessas cidades poderia indicar que embora investimentos em infraestrutura para ciclistas seja essencial para a criação de redes de transporte ativo não são suficientes para mudar o comportamento da população Tabela 8 População e distribuição modal das cidades ranqueadas pelo Copenhagenize Index em 2013582 Posição Cidade População Distribuição modal A pé Bicicleta Automóvel Transporte Público 1º Amsterdam 559000 20 22 38 20 2º Copenhagen 583348 20 26 33 21 3º Utrecht 312634 17 26 41 16 4º Seville 271782 37 6 35 22 5º Bordeaux 216157 21 3 67 9 6º Nantes 313000 27 5 52 16 7º Antwerp 287845 20 23 41 16 582 Foi considerado o ranking de 2013 para possibilitar a comparação com os dados de distribuição modal e popula cional de 2012 418 8º Eindhoven 239157 13 40 42 5 9º Malmö 514432 15 22 42 21 10º Berlin 703206 30 13 31 26 Fonte Copenhagenize Design Company 2015 EPOMM 2015 adaptado por Machado Piccinini O discurso progressista a favor da sustentabilidade ambiental e da inclusão urbana dada pelo ciclismo não está imune às desigualdades históricas presentes nas cidades e tampouco ao seu uso pelo mercado com o objetivo de construir um diferencial para a cidade commodity no contexto da rede de cidades glo bais O uso da bicicleta aliado à livability está associado à gentrificação o que leva a levantar sérias perguntas sobre a promoção e o investimento público direciona do à bicicleta e à caminhada que são as formas mais democráticas e socialmente justas formas de acessar a cidade A assim denominada gentrificação ambiental acompanha ou é acompanhada por medidas relacionadas à mobilidade que pro porcionam melhoria da qualidade de vida no entanto é necessário que se faça a pergunta Quem está sendo beneficiado com a ideia de sustentabilidade urbana com a livability e com as soluções para a mobilidade nas condições em que estas ideias vêm sendo implementadas MOBILIDADE E GENTRIFICAÇÃO NAS CIDADES NORTE AMERICANAS Ainda que os estudos sobre o processo de gentrificação terem iniciado na In glaterra é nas cidades norteamericanas que esse fenômeno ganha maior dinâmica dados os processos de suburbanização e de abandono das áreas centrais ocorrido na primeira metade do século XX Essa migração interna envolveu as classes média e alta estimulada pelas políticas públicas do governo norteamericano Nos anos 1960 há uma reversão deste fluxo e se dá o retorno das pessoas de maior poder aquisitivo e de investimentos para as áreas centrais Em 1985 Brian Berry geógrafo e planejador urbano identifica as alterações causadas por esse processo sob a ótica do mercado imobiliário Berry identifica que i metade da população é composta por casais jovens ii existe uma forte proporção de residências sem crianças adul tos solteiros iii alto grau de escolaridade iv diminuição na taxa de vacância dos imóveis v majoração dos valores de propriedade e vi deslocamento dos antigos locatários Agrupando estes aspectos em dois conjuntos temse alterações no mer cado imobiliário majoração dos preços reformas incremento nas licenças de cons trução e vendas e alterações nas características dos domicílios tamanho da família educação renda etc Atualmente pesquisas relacionam a adoção de medidas para reduzir o uso do automóvel como incentivo às bicicletas e à caminhada como 419 um fator de elitização dos bairros O processo de gentrificação afeta diferentemente grupos sociais e étnicos as sim como as funções urbanas e a mobilidade Em pesquisa realizada em Chicago entre 1975 e 1991 encontrouse evidências de que as propriedades localizadas pró ximas aos terminais de transporte eram mais valorizadas do que as mais distantes Um estudo da Brookings Institution comprovou que a distância para o trabalho se altera conforme a etnia ao encontrar que de 2000 a 2012 a proximidade do local de trabalho da área residencial diminuiu 17 para hispânicos e 14 para os negros en quanto que para os brancos aumentou em 6 Ao investigar a relação entre a gentri ficação e o modal de transporte para ir ao trabalho em cidades canadenses Danyluk e Leyr encontraram que as pessoas que moram nos bairros gentrificados preferem usar a bicicleta do que o transporte público e que em bairros não gentrificados os residentes optam pelo automóvel Essa constatação tende a identificar que os bairros gentrificados possuem maior infraestrutura para bicicletas ou ainda que o local de moradia é próximo ao local de trabalho do que em bairros mais populares O incremento nas políticas públicas norteamericanas de promoção do ciclismo está associado principalmente em reduzir a dependência do automóvel e promover a saúde pública No entanto tais políticas ficaram concentradas nos centros e em bairros gentrificados próximos aos distritos universitários de cidades centrais como New York Chicago e Portland A pesquisa realizada pela League of American Bicyclists aponta as dez cidades que apresentaram maior evolução do percentual de uso da bicicleta como modal para ir ao trabalho ver Figura 1 Figura 1 Crescimento percentual do uso da bicicleta para ir ao trabalho nas cidades nortea mericanas Fonte League of American Bicyclists 2015 420 No gráfico da Figura 1 depreendese uma tendência de crescimento do uso de bicicleta para ir ao trabalho sendo mais significativo a partir dos anos 2000 Em doze anos 20002012 quatro cidades apresentaram um crescimento de dois pontos percentuais Portland Minneapolis Washington e Seattle em bora este incremento continue baixo ao ser comparado aos índices das cidades europeias Verificar Tabela 8 Ao analisar os dados dos deslocamentos em bicicleta por motivo e renda obtidos pela última National Household Travel Survey NHTS realizada em 2009 percebese a predominância do seu uso para o lazer em todas as classes de renda ver Figura 2 Os dados referentes às pessoas de menor renda abaixo de 20000 apontam uma maior distribuição do uso da bicicleta pelos diversos motivos o que pode indicar que a bicicleta é o meio mais acessível para essas pessoas se deslocarem no ambiente urbano o que contrasta com a concentra ção dos investimentos em áreas gentrificadas apontadas por Pucher e Buehler Ou seja os investimentos não acompanham as necessidades das pessoas mais vulneráveis Social ou lazer Familiar ou pessoal Trabalhar Ir à escola ou igreja Figura 2 Percentual de viagens por bicicleta por renda e motivo Fonte Alliance for biking and walking 2016 Em São Francisco o crescimento e a institucionalização da cultura da bici cleta na política urbana juntamente com a produção de um espaço urbano mais habitável está sincronizado com o processo de gentrificação De 1996 a 2001 um estudo sobre a infraestrutura de bicicleta urbanidade e crescimento econô mico realizada pelos membros da San Francisco Bicycle Coalitation usou a Valen cia Street então principal corredor dos trabalhadores latinos como laboratório para verificação de medidas de integração da bicicleta na cidade Constatouse que neste intervalo de tempo os aluguéis subiram em até 225 no entorno da área de intervenção e o valor dos imóveis superou em até três vezes o da média nacional Esse processo trouxe um novo perfil de moradores e um comércio mais sofisticado583 seguido de um remanejamento da população latina para bairros 583 Stehlin 2015 421 sem infraestrutura cicloviária obrigandoos a pedalar na via junto dos automó veis584 Reconhecidamente uma cidade global Nova York lançou em 2007 o PlaNYC 2030 intitulado A Greener Greater New York uma estratégia focada na sustentabilidade urbana para atrair investimentos Para criar capitalfriendly traçou metas de redução das emissões promovendo modos alternativos de transporte Des de então o Departamento de Trânsito DOT trabalha para melhorar o transporte público o espaço para pedestres e ciclistas585O investimento em áreas públicas ocasionou o aumento dos aluguéis como por exemplo o caso da Times Square que registrou uma valorização de 71 após a instalação de uma praça No Hud son River Park Trust a presença de uma ciclovia ao longo do rio elevou o valor das propriedades em torno de 20 Estes são exemplos que permitem examinar ações urbanas promovidas pelo Estado em associação a interesses privados que desinte ressadas dos resultados trazem impactos negativos para os moradores mais pobres O DOT reconhece publicamente que o programa de redesign das ruas é uma estratégia para atrair capital com a criação de espaços seguros e atrativos um lugar onde as pessoas queiram estar A concentração de ciclovias em Manhattan e noroeste do Brooklyn reforça a impressão de que a gentrificação é seguida pelo planejamento cicloviário e viceversa ou seja refletem e reproduzem as injustiças relacionadas à mobilidade em termos de classe raça e localização A falha mais importante desse processo é que melhoramentos viários ou mesmo ciclovias não são levadas para os bairros de trabalhadores Queens Bronx Pelham Bay onde são socialmente mais necessários586 Flanagan revela que há evidências de que as comunidades pobres não re cebem investimentos em infraestrutura de ciclismo sem que conste a presença da classe A ao aplicar um modelo de regressão linear nas cidades de Chicago e Portland Também encontrou que as comunidades de baixa renda e etnias não brancas são as últimas a receber investimento público ou privado para incremen tar a infraestrutura para bicicletas587 Em seu modelo Flanagan usou variáveis como distribuição geográfica da infraestrutura para bicicletas ciclovias e esta cionamento distância do centro distância de estações de transporte público densidade com indicadores de gentrificação percentual de pessoas não brancas unidades alugadas renda desemprego idade graduação É fato que a infraestrutura para bicicletas se tornou um símbolo impor 584 Flanagan 2015 585 NYC 2015 586 Stein 2011 587 Flanagan 2015 422 tante para vender a ideia de revitalização de sustentabilidade e de uma vida sau dável588 Mas a bicicleta também possui uma perspectiva social como meio de transporte acessível viável econômico e ambientalmente sustentável As ações em prol da mobilidade ativa deveriam ir além das propostas do planejamento da cidademercadoria deveriam envolver formas de garantir sua aplicação por todo o território urbano criando redes de acesso dos moradores mais vulneráveis à cidade de maneira permanente e includente MEGAEVENTOS AS OBRAS DE MOBILIDADE PARA A COPA DO MUNDO DO BRASIL Os megaeventos sejam eles culturais políticos ou esportivos possuem ca racterísticas comuns são eventos de grande escala têm forte apelo popular têm relevância internacional atraem a atenção da mídia global e são vistos como uma oportunidade e alavancar a economia local Para além de novos equipamen tos urbanos e melhorias implantadas anunciase um legado para as cidades sede através de grandes investimentos públicos atração de capitais geração de emprego e renda que gerariam benefícios indiretos advindos da oportunidade de inserir o paíscidadesede na rota do turismo mundial589 No entanto cabe lembrar que em si mesmo a provisão de infraestrutura não garante o bemestar e o direito à cidade como veremos a seguir No Brasil os megaeventos intensificaramse na segunda década do século XXI quando o país foi sede da Copa das Confederações 2013 da Jornada Mundial da Juventude 2013 do Rock in Rio 2013 e 2015 da Copa do Mun do de Futebol 2014 e dos Jogos Olímpicos 2016590 Dentre esses eventos a Copa do Mundo FIFA e os Jogos Olímpicos de Verão utilizaramse do receituá rio do planejamento estratégico empresarial modelo replicado fielmente desde as Olimpíadas de Barcelona em 1992 Em 2007 ano em que o Brasil foi sorteado para sediar a Copa do Mundo de 2014 o Governo Federal também lançou o Programa de Aceleração do Crescimento PAC O PAC foi um plano estratégico para promover a retomada do planejamento e da execução de grandes obras de infraestrutura social urbana logística e energética no país e com isso aumentar a oferta de empregos e geração de renda Somente para as obras da Copa o país investiu mais de 25 bilhões de reais em infraestruturas nas 12 cidadessede valor relativamente superior ao que foi investido na Alemanha e na África do Sul paí ses sede das duas últimas copas em 2006 e 2010 respectivamente Dos 25 bilhões 588 Stehlin 2015 589 Santos Junior 2012 590 Freitas et al 2014 423 119 bilhões de reais destinaramse à execução de obras de mobilidade urbana591 ou seja 48 dos investimentos públicos O detalhamento das obras de infraestrutura de mobilidade urbana é rela cionado na Tabela 9 que apresenta além dos custos o percentual de execução o número de remoções a valorização imobiliária e as denúncias realizadas pe los movimentos sociais em cada uma das cidadessede As obras de mobilidade previstas para a cidade de Manaus não chegaram a ser contratadas devido a ir regularidades nos projetos e nas licitações denunciadas pelo Ministério Público Federal592 Salientase que em nenhuma das cidadessede as infraestruturas esta vam 100 executadas a tempo para a Copa que aconteceu em agosto de 2014 Observase que na sua maioria as obras envolveram a abertura ampliação ou duplicação do sistema viário devido ao sistema de transporte público adotado BRT593 processo que exigiu a desapropriação de quase 12000 imóveis atingiu 108 mil pessoas segundo os números oficiais 250 mil pessoas segundo denún cias dos movimentos populares594 Outro impacto que merece destaque é a supervalorização imobiliária das áreas onde aconteceram as intervenções financiadas com dinheiro público em especial em torno dos projetos de mobilidade O setor imobiliário dependendo da cidade e da área de intervenção trabalha com índices de valorização que variam de 26401 no Rio de Janeiro e 21680 em São Paulo no período 20082014 Essa valorização de imóveis no Brasil causou estranheza pelo momento histórico mundial na época póscrise de 2008 crise determinada pela bolha imobiliária nos Estados Unidos Nenhum outro país viveu valorização imobiliária tão grande como a ocorrida no Brasil Em uma comparação entre 54 países realizada por bancos centrais de todo o mundo mostrou que o preço médio dos imóveis bra sileiros subiu 1216 no período póscrise de 2008 superando mercados aque cidos como o de Hong Kong cujo metro quadrado ficou 1014 mais caro em cinco anos e foi praticamente o dobro da observada em Kuala Lumpur na Malásia 625 e em Cingapura 616595 Tabela 9 Projetos de mobilidade urbana nas cidadessede da Copa 2014 591 Ancop 2014 Brasil 2014c 592 Estavam previstas duas obras para Manaus o monotrilho NorteCentro e o BRT do eixo LesteOeste O mono trilho com orçamento de R 1554 bilhão foi alvo do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas por suspeitas de várias irregularidades como falhas no projeto e falta de estudos técnicos e do Ministério Público Federal para não contratação do financiamento O BRT que possuía um orçamento inicial de R 2907 milhões teve seu edital questionado por parte do Ministério Público Federal Portal da Copa 2012 593 BRT sigla para Bus Rapid Transit é um sistema de transporte sobre pneus de alta capacidade ônibus biarticula dos que deve operar em vias segregadas exclusivas corredores de ônibus garantir o embarque e desembarque em nível na plataforma apresentar velocidade comercial elevada assegurar o pagamento antecipado da passa gem e providenciar informações aos usuários através da central de controle operacional Castro 2013 594 Ancop 2014 Brasil 2014a 595 Nakagawa 2014 424 Investimentos Percentuais de execução Remoções associadas às obras Valo rização Imobiliária Vendas VIV e Denúncias relatadas pelos movimentos sociais Cida dese de Projetos Descrição Investi mento R mil Execução Dez2014 Remo ções imó veis VIV 200814 Denúncias dos movi mentos sociais Belo Hori zonte BRT Viário Corredor Monitora mento 14134 318 10495 BRT Anto nio Carlos Pedro I Ligação viária entre aeroporto e área central 7264 9120 318 Ações higienistas e abordagens violentas contra trabalhadores e moradores de rua pri são massiva de flaneli nhas opressão contra prostitutas enquadra mento de pichadores e grafiteiros proibição de feiras de rua Corredor Pe dro II BRTs Antonio CarlosPedro I e Cristiano Machado Adequação viária na Av Pedro II para criação de corredor de ônibus 1616 9150 ni BRT Área Central Requalificação viária integração de sistemas BRT e implantação de 6 estações de transferência 755 100 ni Expansão Central Controle de Trânsito Ampliação do sistema de con trole de tráfego 316 100 Via 210 Interligação viária entre Via do Minério e Av Teresa Cristina 1296 100 ni BRT Cristia no Machado Implantação BRT pavimen tação passarelas e 3 estações de transferência 553 100 ni Boulevard ArrudasTe reza Cristina Requalificação viária 2334 100 ni Brasí lia Viário 542 ni 3313 425 Ampliação da DF047 Ampliação capa cidade viária de acesso aeroporto 542 100 ni Cuiabá Corredor VLT Viário 17065 394 nd Corredor Mário An dreazza Duplicação da avenida com implantação de faixa exclusiva para ônibus 529 95 74 VLT Cuia báVárzea Grande VLT ligação entre aeroporto à região hote leira e centro de Cuiabá e centro político do estado 15776 6460 320 Adequação viária 1 Obras de acessi bilidade à Arena Pantanal 76 78 ni Curiti ba Monito ramento Corredor BRT Viário 5265 91 3672 426 Sistema integrado de monitora mento M Implantação sis tema de controle e monitoramen to do tráfego 613 9850 x Além das remoções projetos de revitali zação acarretariam na expulsão de 2700 pessoas em situação de rua Requalifi cação do Corredor Mal Floriano M Ligação região central à Região metropolitana 394 99 21 Corredor Aeroporto Rodoferro viária M Ligação rodo ferroviária da divisa municipal com setor hote leiro e estádio 1653 99 27 BRT Exten são Linha Verde Sul M Extensão da LVS e obras de requalificação do corredor Mal Floriano 281 97 ni Corredor Aeroporto Rodoferro viária E Ligação aero porto à divisa municipal 652 59 ni Requalifica ção Terminal Sta Cândida Reforma ampliação e requalificação terminal e acesso de veículos e pedestres 126 42 ni Vias de integração radial Metro politana Vias radiais de integração da Região metropo litana 563 5420 43 Requalifica ção da Rodo ferroviária Melhoria aces sos abertura e recuperação de vias e da edifi cação 478 100 ni Requalifica ção corredor Mal Floriano E Corredor aero portorodofer roviária à divisa municipal 305 56 ni Sistema integrado de monitora mento E Implantação e modernização do sistema de monitoramento da região metro politana 20 5090 x Forta leza VLT BRT Viário 6519 2786 7594 427 VLT Pa rangaba Mucuripe VLT conec tando terminal intermodal de Paranga à re gião hoteleira e portuária 3075 5110 2185 Remoções de 3500 famílias em função das obras de amplia ção da Via Expressa e da construção do Ramal Parangaba Mucuripe do VLT As comunidades que so frem ameaça de remo ção são Comunidade do Trilho Lagamar Rio Pardo Jangadei ro da Trilha Oscar Romero São Vicente Aldaci Barbosa João XXIII e Mucuripe Eixo via ex pressa Raul Barbosa Ligação entre zona hoteleira e aeroporto 152 1590 272 BRT Av Dedé Brasil BRT entre terminal da Pa rangaba e Arena Castelão 416 910 137 Estações Pe Cícero e JK Implantação de 2 estações na Linha Sul do Metrô 435 5290 ni BRT Av Paulino Rocha Ligação da BR116 à Arena Castelão com Terminal da Parangaba 659 7230 44 BRT Av Alberto Craveiro Ligação Aero porto à Arena Castelão com plementando ligação com região hoteleira 414 7460 148 Ma naus nd Natal Viário Corredor 444 375 nd Acesso ao Aeroporto São Gonçalo do Amarante Implantação dos acessos ao novo aeroporto à BR304226 e à BR406 731 3250 345 Falta de diálogo entre moradores e o poder público ausência de participação nos projetos e pouca informação quanto à situação dos morado res da região Corredor estruturante Zona Norte Estádio Ligação Zona Norte ao Estádio obras de arte paradas calçadas e sinalização viária 3709 6630 30 Porto Alegre Viário 167 3482 2788 Pavimenta ção entorno estádio BeiraRio Pavimentação do entorno do Estádio Beira Rio 87 85 Enquanto meios de comunicação oficiais estimam que pelo menos 4500 famílias sejam retiradas de suas casas entidades da sociedade civil acredi tam que esse número pode chegar a 10 mil famílias Obras viárias M Ampliações e ligações viárias 3472 Acesso Estádio BeiraRio Construção de 3 vias de acesso ao Estádio 8 100 10 Recife Viário Cor redor BRT 10271 1830 10114 428 Viaduto da BR408 Construção viaduto ligando BR408 à Cida de da Copa 25 100 Falta de transparência de espaços de partici pação social e diálogo sobre o processo da Copa Famílias remo vidas denunciam os baixos valores ofere cidos pelos imóveis e atrasos no pagamento das indenizações Corredor Caxangá Corredor BRT ligando Região LesteOeste 1461 79 119 Terminal Cosme e Damião Implantação de terminal de ônibus integrado à estação Cosme e Damião do metrô 245 100 50 BRT Norte Sul BRT ligando terminal integra do Igarassu ao centro conec tando à estação de metrô Recife 1977 78 6 BRT Leste Oeste Ramal Cidade da Copa BRT ligando Corredor Ca xangá LO ao Terminal Cosme e Damião à Cidade da Copa e à BR408 196 92 195 Corredor da Via Mangue Liga região cen tal aos bairros de Boa Viagem e Pina 4304 9950 1460 Entorno Arena Per nambuco Estação me trô Cosme e Damião Construção da estação de metrô Cosme e Damião Linha Centro 74 100 ni Rio de Janeiro Viário BRT 22567 2304 26401 Reurbaniza ção entorno Maracanã e ligação Quinta Boa Vista 1ª Fase Calçadões ciclo vias paisagismo urbanização do entorno e 2 passarelas interli gando os 2 lados da linha férrea 109 100 x As comunidades sofrem pressões para abandonar a região e aceitar o valor das indenizações ofere cido pela Prefeitura As remoções aconte ceriam em área reser vada à habitação de interesse social ZEIS definida pelo Plano de Estruturação Urbana das Vargens onde o Estado deveria realizar processos de regula rização fundiária ao invés de despejos BRT Trans carioca Ligação aeropor to Tom Jobim ao Terminal Alvorada 19696 99 2304 Reformu lação e moderniza ção estação multimodal Maracanã Reformulação e modernização da estação Mul timodal Mara canã integração dos sistemas ferroviário e metroviário 1781 92 ni Salva dor Viário Calçadas 196 ni 4283 429 Microaces sibilidade Entorno Estádio Fonte Nova Articulação do estacionamento da arena com sistema viário e intervenções de melhoria no fluxo do tráfego de acesso e do entorno da área microacessibili dade de veículos 124 100 ni Rota de pedestres Recuperação de 48 km de calçadas 72 35 São Paulo Viário 6105 ni 21680 Intervenções viárias no entorno da Arena Ita quera Cinco interven ções viárias e 1 passarela no entorno do Polo de Desenvolvi mento da Zona Leste 6105 98 ni Estimase que mais de 50 mil famílias seriam desalojadas Total 872710 11580 Fonte Elaboração de Machado Piccinini a partir de dados da Matriz de Responsabilida des596 Ministério das Cidades Caixa Econômica Federal597e Índice FipeZapVendas598 Varia ção FipeZapVendas disponível a partir de Ago2010 Variação FipeZapVendas disponível a partir de Jun2012 ni não informada nd não disponível Para além do atraso na entrega devido a inúmeras deficiências599 a reali zação das obras gerou um intenso debate sobre os reais benefícios sociais trazidos à coletividade tanto no que diz respeito à concentração dos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana quanto às remoções de comunidades para 596 A Matriz de Responsabilidades trata das áreas prioritárias de infraestrutura das 12 cidadessede dos jogos da Copa do Mundo de 2014 como aeroportos portos mobilidade urbana estádios segurança telecomunicações e turismo Conceitualmente a Matriz de Responsabilidades é um plano estratégico de investimento no desen volvimento do país que define as responsabilidades de cada ente federativo União estados Distrito Federal e municípios para a execução das medidas conjuntas e projetos voltados para a realização do Mundial por meio das ações constantes nos documentos anexos e termos aditivos O documento original assinado em 13 de janeiro de 2010 pelo então ministro do Esporte Orlando Silva e por 11 prefeitos e 12 governadores Brasília uma das cidadessede não tem prefeito foi ao longo do tempo revisto e atualizado devido a resoluções do Grupo Execu tivo da Copa do Mundo FIFA 2014 Portal da Copa 2014c 597 Ancop 2014 Brasil 2014b Portal da Copa 2014a 2014b 2014c 598 O Índice FipeZap de Preços de Imóveis Anunciados é o primeiro indicador a fazer um acompanhamento siste matizado da evolução dos preços do mercado imobiliário brasileiro Utilizando uma base de dados confiável e robusta tornouse referência como fonte de informações sobre o setor tanto para as famílias como para agentes do mercado e analistas Maiores informações sobre a metodologia de cálculo podem ser conferidas no sítio ele trônico FipeZap 2017 599 O relatório da Controladoria Geral da União que avaliou os empreendimentos de mobilidade urbana da Copa 2014 apontou para a incapacidade de execução de parte dos empreendimentos previamente definidos devido a insuficiência técnica do planejamento e dos projetos de engenharia ao não cumprimento das etapas necessárias desde a concepção projetos sem o desenvolvimento que permitisse a construção e consequente operação Outros empreendimentos não atenderam às premissas básicas dos planos diretores e aos elementos do processo de plane jamento dos sistemas de transportes Desde a instituição da Matriz de Responsabilidades houve uma redução de 32 dos investimentos Vitoi 2013 430 dar lugar aos grandes empreendimentos Souza 2014 Na análise realizada pelo Comite Popular da Copa as obras não foram pensadas para atender áreas mais necessitadas áreas que apresentam os piores indicadores de mobilidade600 pelo contrário os investimentos em transporte ao invés de atenderem à demanda exis tente tornaram possível a ocupação de áreas vazias ou pouco densas promoven do a expansão da mancha urbana É importante destacar que os recursos usados na execução das obras de mo bilidade urbana eram públicos e que no entanto privilegiaram a circulação e aces so às áreas nobres em processo de valorização ao invés de atenderem à demanda insatisfeita acumulada ao longo das últimas décadas de crescimento urbano dadas pelas precárias condições de transporte e circulação dos bairros populares e comu nidades periféricas mais pobres O que se viu foram investimentos em corredores de transporte que abriram novas frentes imobiliárias como foi o caso de Fortaleza RecifeSão Lourenço da Mata Cidade da Copa601 São Paulo e Rio de Janeiro As novas estruturas viárias ligam regiões de interesse de grandes grupos privados como o parque hoteleiro ao aeroporto de Fortaleza ou o Porto de Santos e a região de Itaquera a Cumbica em São Paulo enquanto a população é forçada a se fixar nas periferias dos eixos não atendidos por sistemas de transporte de massa602 Em Fortaleza por exemplo além de os projetos da Via Expressa e do VLT603 se sobreporem geograficamente às demais vias e ao sistema BRT co nectam áreas litorâneas mais valorizadas a zona hoteleira o futuro Acquário Ceara e o Terminal de Passageiros do Porto de Mucuripe local de recepção de transatlânticos de turismo para a Copa ao aeroporto e à região da Arena Caste lão Para abertura dessas vias a população local foi transferida para regiões onde não há previsão de projetos de mobilidade urbana604 Também há controvérsias sobre a implantação do VLT Ramal ParangabaMucuripe em Fortaleza projeto que custou 307 milhões de reais pensado para atender a uma demanda prevista 600 ANCOP 2014 p71 601 A Cidade da Copa localizada em São Lourenço da Mata a 19 km de Recife foi um projeto imobiliário vendido para ser a primeira cidade inteligente da América Latina o maior projeto de expansão urbana já pensado para o Estado No local nos arredores da Arena Pernambuco seriam construídos por meio de PPP Parceria Público Privada mais de 9 mil unidades habitacionais shopping center hotéis hospital centro de convenções hotéis escritórios universidade e hipermercado No entanto além do estádio as demais obras não foram executadas de vido à inviabilidade econômica em 2016 ainda era a vegetação que predomina na área de 220 hectares destinada ao projeto Castilho 2016 Dantas 2015 602 No Brasil os gastos das famílias com transporte vêm aumentando gradativamente nas últimas décadas Na dé cada de 1970 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 112 das despesas das famílias eram despendidos com transporte No início dos anos 2000 passou a ser de 184 e na última década esse percentual chegou a 196 o que equivaleria aos gastos com alimentação no mesmo período ANCOP 2012 603 VLT é a sigla para Veículo Leve sobre Trilhos ou Light Rail Vehicle LRV na língua inglesa Tratase de um sistema de transporte coletivo sobre trilhos implantados sobre a via metrô de superfície que é compartilhada por pessoas automóveis e bicicletas Opera com energia limpa sistema elétrico porém os custos e o tempo para sua implantação representam o dobro do sistema BRT Castro 2013 604 ANCOP 2012 431 de 90 mil passageirosdia conforme estudo elaborado pela consultoria espanhola Eptisa encomendado pelo Governo do Estado Essa expectativa de passageiros é contestada por ser considerada superdimensionada uma vez que os estudos sobre a demanda estimada pressupõem a migração de usuários do sistema de ônibus o que não necessariamente acontece já que as linhas de ônibus têm roteiros muito mais extensos e paradas mais frequentes que o VLT além de rotas bem mais lon gas que passam por lugares muito distantes do Ramal do VLT605 No Rio de Janeiro cidade que recebeu o maior volume de recursos públicos também houve desigualdade na distribuição dos investimentos A revolução nos transportes prometida pelo poder público através das obras Transcarioca Transo límpica Transoeste e o metrô LagoaBarra não aconteceu No contexto das inter venções no sistema de mobilidade para a Copa de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016 não houve um planejamento integrado que considerasse as dimensões metropoli tanas Privilegiouse zonas nobres da cidade a valorização imobiliária e a expansão urbana Deixouse de atender a demanda por serviços de transporte de massa para comunidades onde o serviço de transporte coletivo oferecido se configura como caro precário e insuficiente para a demanda existente606 Assim a oportunidade de planejar e financiar infraestruturas na escala metropolitana foi desperdiçada em razão da concentração territorial das inter venções e da insistência no modelo rodoviarista que reproduz mais uma vez práticas políticas concentradoras e antidistributivas que tendem a acentuar as desigualdades socioespaciais Podese dizer que as intervenções realizadas amenizaram mas foram insu ficientes para resolver o problema da mobilidade ao não contemplarem Propostas a nível regional uma vez que as cidadessede todas capitais de Estados são polos de regiões metropolitanas que recebem populações de cidades vizinhas que se deslocam diariamente por motivo de trabalho ou estudo Pouca ou quase nenhuma infraestrutura foi realizada para os deslocamen tos não motorizados como a pé ou de bicicleta foram executadas contradizendo os princípios e diretrizes da mobilidade urbana presentes na Lei 125872012 Não acarretaram na redução do valor das tarifas no tempo dispendidos nos deslocamentos na redução das distâncias melhorias que poderiam a priori advir dos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana607 605 Romeiro Frota 2015 606 Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro 2013 607 ANCOP 2014 432 CONSIDERAÇÕES FINAIS As propostas e o processo de globalização ao elevar as cidades a um pata mar que tende a prescindir do Estado desencadeou um processo de competição entre as cidades a partir de um modelo que transpôs o planejamento estratégico empresarial para a realidade urbana O conceito social da cidade foi deslocado para uma visão mercadológica em um processo alicerçado em soluções que ven dem uma boa imagem da cidade ignorando regulamentos e a função social do solo O poder público ao priorizar investimentos para a requalificação urbana ou obras de infraestruturas para megaeventos não se responsabilizam pelo resultado social de suas ações e continuam a reforçar as desigualdades sócioespaciais exis tentes A cidade não é tratada como um todo para todos Os padrões de investi mentos e o processo excludente de tomada de decisões perpetuam as disparidades sócioespaciais ao promover ações cujos resultados privilegiam os grupos de mais altas rendas A política de mobilidade urbana também é utilizada na estratégia de recu peração de áreas urbanas Em cidades europeias e norteamericanas as medidas de mobilidade como restrições ao uso de automóveis ciclovias ruas compartilhadas e reorganização do espaço público valorizam áreas deprimidas e que são interes santes para o capital São medidas que defendem os conceitos e as características identificadas como livability sustentabilidade e qualidade de vida e que trazem como consequência ou como intenção velada poucas vezes colocada em discus são a gentrificação que leva à elitização sócioespacial com a expulsão de grupos vulneráveis das áreas objeto das intervenções A gentrificação surge como uma das consequências do urbanismo neoliberal usado pelos gestores urbanos para atrair capitais Para acirrar a competitividade entre as cidades rankings de melhores ci dades são criados classificandoas como mais cicláveis mais caminháveis as que possuem o melhor transporte público Nas cidades europeias defendese a imagem da cidade sustentável verde limpa de baixas emissões Já nas cidades norteamericanas predomina a valorização de cidades mais saudáveis Em ambos os casos a valorização imobiliária e a gentrificação estão associadas às medidas de mobilidade Os espaços públicos requalificados e todas as facilida des advindas dessas condições morar perto do trabalho caminhar ou ir de bici cleta para o trabalho à escola a proximidade aos espaços de convivência áreas verdes etc são oferecidas apenas aos grupos mais privilegiados No Brasil vivenciouse uma série de megaeventos na segunda década dos anos 2000 em especial a Copa do Mundo FIFA 2014 e as Olimpíadas em 2016 acompanhados pelos investimentos advindos do Programa de Aceleração do 433 Crescimento Destacouse os altos investimentos em obras de infraestrutura para a mobilidade urbana nas cidadessede contribuíram para a valorização imobiliária e ao mesmo tempo foram responsáveis pela remoção de milhares de moradores de baixa renda características da gentrificação O Estado tampouco se preocu pou em planejar infraestruturas de mobilidade com características regionais que integrassem a massa de trabalhadores residentes nas cidades das regiões metropo litanas Houve ao contrário a mercantilização e da expansão da mancha urbana percebidos nas escolhas das tipologias das infraestruturas de mobilidade BRT e VLT e de sua localização Sugerindo que tais investimentos seguiram estratégias do mercado imobiliário para valorização e ocupação de novas áreas urbanas Essas considerações são importantes na reflexão sobre as possibilidades da política pública de mobilidade nas cidades brasileiras a ser implantada através dos Planos de Mobilidade Urbana PMU As diretrizes dessa política seguem orientações globais de sustentabilidade e devem incentivar a mobilidade ativa e o transporte público Porém como foi visto as medidas de mobilidade trazem per se uma tendência à gentrificação ao requalificar os espaços públicos Nesse sentido seria importante que o conteúdo dos PMUs busque o equilíbrio na dis tribuição de ações em todo o território da cidade e atente para os efeitos perversos das intervenções principalmente as remoções e a valorização imobiliária Assim seria importante que as propostas nos planos apontassem normas cujo objetivo fosse impedir o processo de gentrificação ao estabelecer critérios de justiça social que façam cumprir a função social da cidade Nesse sentido os PMUs podem ser agentes de transformação dos espaços urbanos tornandoos realidades mais igualitárias e includentes O presente trabalho chama a atenção e recomenda a possibilidade de os PMUs tornaremse promotores de oportunidades reais ás parcelas mais pobres da população com resultados positivos para todos os moradores urbanos A política pública deve aprender com suas experiências e se pode afirmar que há exemplos suficientes de situações de gentrificação que podem ser identificadas e portanto evitadas A questão que continua é a necessidade de o planejamento urbano con tribuir para superação da injustiça sócioespacial REFERÊNCIAS ABRAMO P A cidade comfusa A mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latinoamericanas Revista brasileira de estudos urbanos e regionais ANPUR 2007 vol 9 nº 2 p2553 ANCOP Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e Olimpíadas Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil on line Dossiê da articulação nacional dos comitês populares da copa 2012 httpwwwapublicaorgwpcontentuploads201201DossieViolacoesCopapdf 31 de 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propriacoesfinal1pdf 31 de janeiro de 2017 BRUM R F Uma casa nas costas análise do movimento social urbano em Porto Alegre 19751982 Porto Alegre RS Animal 2014 CASTILHO Fernando Estudo FGV propõe que área da Cidade da Copa vire condomínio do Mi nha Cada Minha Vida on line In JC Negócios 08 de março de 2016 httpjcne10uolcombr blogsjcnegocios20160308fgvquerqueareadacidadedacopavirecondominiodominhaca saminhavida 31 de janeiro de 2017 CASTRO Felipe BRT ou VLT questão de escolha In MOBILIZE Mobilidade Urbana Sustentável Brasil on line 12 dezembro de 2013 httpwwwmobilizeorgbrnoticias1331brtouvltques taodeescolhahtml 31 de janeiro de 2017 CEC Commission of the European Communities White Paper European transport policy for 2010 Time to decide Brussels CEC 2001 CHECKER M Environmental Gentrification and the Paradoxical Politics of Urban Sustainability In City Society 2011 vol 23 p 210229 CHRISTOPHER DANA REEVE FOUNDATION Top 20 Most Livable US Cities for Whe elchair Users on line 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do deslocamento dos residentes estabelecidos e o enfoque eufemístico na mescla social fazem parte de um padrão maior de invisibilidade da classe trabalhadora na esfera pública e análise social Esta desaparição do proletariado na cidade é reforçada pela crescen te heteronomia da pesquisa urbana à medida que esta se torna mais intimamente ligada aos interesses das classes dominantes Ambas tendências por sua vez reve lam e protegem a mudança do papel do estado de provedor de apoio social para as classes mais baixas a fornecedor de serviços para negócios e amenidades às classes urbanas média e alta entre elas a limpeza de detritos físicos e humanos gerados pela desregulação econômica e retração da assistência social das áreas construídas e ruas Para criar melhores modelos da relação em mutação de classe e espaço na cidade neoliberal precisamos realocar a gentrificação para um quadro analítico mais amplo e robusto ao revisar a análise de classe para capturar a deformação do proletariado pósindustrial resistindo às seduções das problemáticas préfa bricadas de diretrizes e dando lugar de destaque ao estado como gerador de inequidade sócioespacial O provocativo artigo de Tom Slater sobre a evicção das perspectivas críticas na pesquisa sobre gentrificação é um toque de despertar atual para os 608 Texto originado de Eventos e Debates no Simpósio sobre Tom Slater O Despejo de Perspectivas Críticas da Pesquisa de Gentrificação publicado em língua inglesa com o título Relocating Gentrification The Working Class Science and the State in Recent Urban Research na revista International Journal of Urban and Regional Research Vol321 2008 paginas 198205 DOI 101111j14682427200800774x tradução para o português feita por Elisa Goulart Tavares 609 Loïc Wacquant é professor de sociologia na University of California em Berkeley e investigador do Centre de Sociologie Européenne em Paris Os seus interesses incluem a incorporação a dominação etnoracial a desi gualdade urbana a penalização e a teoria social Em português tem publicados os livros Corpo e Alma Notas Etnográficas de um Aprendiz de Boxe Relume Dumará 2002 O Mistério do Ministério Pierre Bourdieu e a Política Democrática Revan 2005 Onda Punitiva O Novo Governo da Insegurança Social Revan 2007 e As Duas Faces do Gueto Boitempo 2008 É cofundador e editor da revista interdisciplinar Ethnography e foi colaborador regular do Le Monde diplomatique entre 1994 e 2004 loicuclink4berkeleyedu 440 estudiosos de classe espaço e políticas na cidade O estudo aponta para uma tendência de guinada surpreendente e preocupante nos recentes estudos sobre gentrificação onde a tomada de distritos da classe trabalhadora por residentes e atividade das classes média e alta é apresentada genericamente como um bem coletivo benefício vantagem Ao focar estreitamente nas práticas e aspirações dos gentrificadores através de filtros favoráveis nas lentes conceituais aplicadas de forma a negligenciar quase completamente o destino dos ocupantes desloca dos e expulsos pelo redesenvolvimento urbano estes papagaios de bolsas de estudo dos negócios reinantes e da retórica do governo que iguala a renovação da metrópole neoliberal como a chegada de um éden social de diversidade energia e oportunidade Mas o diagnóstico de Slater das facetas e causas do que pode ser chamado a gentrificação do estudo sobre gentrificação após o encerramento da era FordistaKeynesiana não aprofunda o suficiente e consequentemente seu cha mado pela reapropriação do termo das mãos daqueles que açucararam o que era até pouso tempo atrás um palavrão Slater 2006 737 corre o risco de ficar aquém do seu objetivo tanto na frente científica quanto na política610 A mudança de uma denunciação dura para uma loquaz celebração da gentrificação a ocultação sobre o deslocamento dos residentes estabelecidos de menor status sócioeconômico dos centros urbanos o foco vago na mesclagem social e na invocação eufemística na residencialização não são desenvolvimen tos isolados peculiares ao estudo de melhorias de bairros Tudo isso toma parte de um padrão mais amplo da invisibilidade da classe trabalhadora na esfera pública e em investigações sociais nas duas últimas décadas Essa desaparição literal e figurada do proletariado na cidade é reforçada pela crescente heteronomia da pes quisa urbana à medida que a última se torna mais intimamente envolvida com as preocupações e objetivos dos governantes das cidades e correspondentemente mais livre de agendas teóricas autodefinidas e autopropelidas Ambas as tendên cias por sua vez revelam confirmam e auxiliam a mudança do papel do estado de um provedor de auxílio social para as populações de baixa renda a fornecedor de serviços e amenidades para grupos urbanos das classes média e alta com destaque entre eles para a limpeza do espaço construído e das ruas dos detritos físicos e humanos forjados pela desregulamentação econômica e pela retração da assistência social de forma a transformar a cidade em um local agradável de e para o consumo burguês Wacquant 2008 Eu desafio cada uma dessas questões para exaltar e amplificar a exortação de Slater à reflexão crítica na pesquisa sobre gentrificação 610 Um argumento mais elaborado que pode ser oferecido aqui pela limitação de espaço discutiria os momentos ana lítico e político em separado e depois procederia para ligálos As razões seriam as mesmas com a gentrificação tal qual é utilizada para escancarar as implicações da polarização urbana de baixo para cima da teoria social e das políticas públicas Wacquant 2007 247256 441 A DESAPARIÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA DA ESFERA PÚBLICA E DA PESQUISA URBANA Qualquer estudo rigoroso sobre gentrificação pareceria ex definitionis juntar as trajetórias dos habitantes mais antigos de classes inferiores e dos re cémchegados de classes mais altas disputando o destino dos distritos renovados já que este nexo de classe forma o cerne do fenômeno Glass 1964 Lees et al 2007 Ainda Slater afirma que as deslocações espaciais e sociais causadas pelas melhorias de bairro praticamente desapareceram das pesquisas recentes e ele argumenta que a razão pela qual a deslocação em si ficou deslocada é es sencialmente metodológica Slater 2006 748 Porém a ausência física desses deslocados das vizinhanças não consegue explicar porque os pesquisadores não ampliam seus campos de observação para capturar suas peregrinações pelo espaço urbano ou por que não se utilizam de diferentes metodologias como rastrear um painel de ex habitantes ou traçar histórias de vida mais amplas no tempo para documentar a turbulência habitacional crescendo no fundo da estrutura urbana Certamente estes obstáculos metodológicos não impediram a geração fundado ra dos estudiosos de gentrificação A evaporação empírica da classe trabalhadora exilada da literatura sobre bairros urbanos renovados não é resultado de técnicas de pesquisa defeituosas ela reflete a fragmentação objetiva da classe trabalhadora industrial na encarnação histórica na qual a conhecemos durante o longo século 18701970 do clímax do industrialismo com a maturação conjunta do regime de produção Fordista e do estado Keynesiano bem como sua correspondente marginalização nos campos político e industrial Com a desindustrialização e a mudança para empregos em serviços desre gulamentados a epidemia de desemprego e instabilidade laboral assim como da universalização do requerimento de níveis mínimos de escolaridade até mesmo para o acesso a funções em que tal especialização não é importante a classe tra balhadora compacta e unificada que ocupou a dianteira da história até a década de 1970 diminuiu foi fragmentada e se dispersou Juntamente com empregados de níveis inferiores os trabalhadores continuam a compor a maioria da popu lação ativa da maioria dos países avançados Marchand e Thélot 1997 Wright 1997 mas sua morfologia tem sido redefinida por crescentes divisões quanto às habilidadesqualificações status empregatício e estratégias de reprodução bem como dispersão espacial Muitos lares da classe operária saíram de imóveis de habitação social e foram para moradias loteadas ou mudaramse para fora dos centros urbanos em busca de acomodações mais baratas Mais crucialmente essas mudanças morfológicas foram acompanhadas por uma desmoralização coletiva e desvalorização simbólica nos debates cívicos e científicos ao passo que sindicatos perderam força e partidos de esquerda moveramse para a direita A classe média 442 instruída e os barões dos setores financeiro cultural e tecnológico que guiam o capitalismo neoliberal agora ocupam tanto o centro cultural quanto o eleitoral seus pontos de vista e aspirações dominam o debate público e orientam tanto as ações de políticos quanto as do governo Há operários claro mas a classe trabalhadora enquanto tal está fora de moda inescrutável imperceptível ou até mesmo invisível611 Em vez de rastrear os mecanismos e modalidades da decomposição de clas se e seus correspondentes espaciais com o mesmo entusiasmo com que ata caram a consolidação de classe e seus conflitos em eras passadas de forma a examinar como a desproletarianização e a casualização estão moldando o emergente proletariado urbano da virada do século pesquisadores deixaram de fazêlo Consequentemente os estudos clássicos das vizinhanças tradicionais das classes operárias dessecadas por Topalov 2003 desapareceram para serem suplantados por questionamentos sobre etnicidade e segregação por um lado e pobreza urbana e criminalidade nas ruas por outro Para cada livro sobre um distrito de classes inferiores focado na estrutura social e no dia a dia entre ope rários como Schwartz 1990 e Kefalas 2003 há uma dúzia de outros centra dos em isolamento racial tensões étnicas e sucessão cultural pe Hartingan 1999 Small 2004 Sharman 2006 Wilson e Taub 2006 e outra dúzia focada em imigração violência e a economia paralela Lepoutre 2005 Smith 2006 Bourgois 1995 Venkatesh 2006 Na base da ordem metropolitana a linguagem de classe foi substituída pelo viés da subclasse nos Estados Unidos e da exclusão na Europa Ocidental sempre que os bairros da classe operária sofreram uma involução e pelos temas de regeneração e renascença nas áreas tomadas pelas classes mais elevadas que migraram de volta à cidade dualizada Quando os pesquisadores da gentrificação ignoram as tribulações da classe operária residente que foi desalojada por aluguéis encarecidos diminuição nas opções de alojamento e políticas estatais que apoiam o desenvolvimento de negócios e assentamento da classe média eles apenas se guem o padrão geral de cegueira de classe dos pesquisadores urbanos mesmo enquanto as desigualdades das classes se acentuam perante seus olhos612 611 Para um contraste brutal com a centralidade da classe operária em eras anteriores da pesquisa inspirada pelo Marxismo ler o relato analítico de Katznelson 1992 203256 de como A Classe Operária Mapeia a Cidade 612 Desde 2000 esta publicação apenas um artigo com as palavras classe operária no título Watt 2006 de um total de nove com a palavra classe mais comumente qualificada como média e seus equivalentes Inte ressantemente dentre os termos mais frequentes nos títulos estão globalização governança exclusão escala movimentação social network empreendimento e etnicidade a saber os ingredientes essenciais da oratória neoliberal Bourdieu e Wacquant 2001 443 A CRESCENTE HETERONOMIA DO QUESTIONAMENTO URBANO O desmanche da classe operária industrial não é a única causa para o seu quase total desaparecimento do questionamento social e para a reencarnação dos seus territórios estabelecidos nas cifras de guetos étnicos e do difamado distrito de vício e violência Wacquant 2007 Outro fator importante atuando aqui é a crescente subserviência da pesquisa urbana às preocupações categorias e humores dos formadores de opinião e políticas Cerca de vinte anos atrás pesquisas sobre classe e política na cidade eram marcadas pelas batalhas das escolas teóricas disputando a dominância intelec tual ecologia humana Marxismo economia política Weberiana e a insurgente corrente culturalista alimentada por teorias de identidade feminismo e pósmo dernismo Logan e Molotch 1982 Walton 1990 Hayden 1986 Porém no novo clima de desencantamento com a política e a retirada do estado gerada pela concorrência do colapso da União Soviética e a crescente hegemonia do neoliberalismo o radicalismo cultural recuou e depois se separou da realidade As falsas promessas do Marxismo e a miragem da virada cultural para pegar emprestadas as palavras de Michael Storper 2001 deixaram uma dolorosa lacuna teórica que foi prontamente preenchida pela atração prosaica de condu zir pesquisas em questões específicas e a pressão de conseguir financiamento613 Atualmente a pesquisa urbana é guiada primordialmente pelas prioridades dos gerentes estatais e as preocupações dos grandes meios de comunicação Um pa norama das recentes investigações sociológicas sobre A Textura da Adversidade na metrópole americana começa neste sentido A década que se estende de 19952005 viu muitas vertentes de pesquisa surgirem entre soció logos qualitativos interessados em pobreza Reformas no sistema de assistência social aprovadas pelo congresso estadunidense em 1996 viraram sua atenção para o mundo de trabalho de baixa renda à medida que começou a ser percebido tanto por jornalistas quanto por estudiosos que a pobreza era muito se não mais um problema de vencimentos inadequados do que da dependência da assistência social Empregadores então surgem como atores cujas expectati vas orientações normativas e distância cultural em relação ao mundo de baixa renda têm um papel importante na distinção entre os que buscam trabalho de virarem histórias de sucesso ou derrotados excluídos Pesquisadores então dedicam renovada atenção aos padrões de formação familiar entre os pobres Newman e Massengill 2006 423 Reformas no sistema de assistência social viraram sua atenção tal tre cho revela muito sobre como os desenvolvimentos políticos e as ondas de finan ciamento que eles criam guiam a agenda intelectual Na década de 1980 as classes desfavorecidas tinham monopolizado a atenção dos pesquisadores estaduni 613 A análise de Milicevic 2001 sobre a desradicalização da Nova Sociologia Urbana dos anos 1960 e 1970 poderia ser estendida com qualificações aplicáveis saindo do nível de interações pessoais para o da estrutura de posições no campo intelectual da GrãBretanha e França aos Estados Unidos 444 denses ao seduzir primeiramente fundações filantrópicas e depois jornalistas e atores políticos com suas conotações raciais e morais desprezíveis Katz 1989 Depois de 1996 tal temática caiu da noite para o dia do palco acadêmico sem qualquer diligência para criar espaço para estudos sobre a valente classe de baixos salários fazendo a transição da assistência social para o trabalho as famílias que os apoiavam os empregadores que corriam para empregálos ou hesitavam em fazêlo os burocratas que supervisionavam suas carreiras contrastar por exem plo Jencks e Peterson 1991 com Hays 1993 Na União Europeia O Programa SócioEconômico de Bruxelas Focado em Exclusão e Integração de forma simi lar afastou pesquisadores dos estudos sobre desemprego em massa e seu impacto espacial na problemática burocrática de exclusão e integração Na França Holanda Alemanha e Bélgica tensões políticas sobre imigração póscolonial e a deterioração dos alojamentos públicos impulsionaram uma onde de estudos e programas de avaliação política sobre mistura de vizinhança construção de comunidade e combate ao crime centrado em bairros da classe operária mas que cuidadosamente evitavam as sutilezas sócioeconômicas da degradação ur bana de forma a seguir os desejos de políticos em colocar território etnicidade e insegurança como filtros que obscurecem a dessocialização do trabalho assala riado e seu impacto nas estratégias de vida e espaço do proletariado emergente Wacquant 2006 Assim quando os pesquisadores de gentrificação oferecem relatos pro missores sobre renovação de vizinhança como uma solução urbana para as mazelas da decadência sócioespacial de forma intimamente ligada à visão dos governantes e das elites econômicas eles andam em boa companhia o seu é apenas um caso mais agudo da comum mazela da heteronomia que aflige com virulência crescente grandes setores da pesquisa social em geral e pesquisa urbana em particular614 O ESTADO COMO AGÊNCIA FAZEDORADELARES E LIMPADORA DERUAS É revelador como nos 26 volumes da Enciclopédia Internacional de Ci ências Sociais e Comportamentais editada por Neil Smelser e Paul Bates 2004 não há uma única entrada sobre gentrificação O termo aparece apenas como 614 Obviamente a disputa entre autonomia e heteronomia é por si só atravessada por tensões e contradições que necessitam ser mapeadas Ocorre que o pêndulo definitivamente se virou para a última Na França por exemplo sociólogos da cidade foram do polo crítico para o polo técnico e da orientação acadêmica para a profissional Lassave 1997 2329 enquanto a geração estruturalista se define por sistematicamente subverter demandas estatais a atual coorte tem como regra acompanhadoas e até antecipado A mutação do trabalho de Jacques Donzelot da crítica fouccaultiana das disciplinas do Estado para promover o Estado como animador da socia bilidade de vizinhança é emblemática dessa correnteza coletiva 445 subtema das entradas Revitalização de Vizinhanças e Desenvolvimento de Co munidade e Vizinhança onde se lê Dentro do grupo das parcerias públicoindividuais o fenômeno que mais se destaca é a gentri ficação o ingresso de residentes de classe médiaalta em vizinhanças de baixa renda normal mente nas proximidades de distritos e cidades com uma vibrante economia Apesar da frequen temente apontada e comumente denunciada consequência de desalojamento dos moradores mais antigos os processos de gentrificação vêm sendo encorajados por câmaras municipais na Europa e nos Estados Unidos especialmente através de regulamentações permissivas e dedu ções fiscais Outro processo nesse grupo é a moradia e a modernização de bairros residenciais As pessoas locais investem seus próprios recursos para melhorar seu ambiente de vida e muitas vezes conseguem receber pelo menos alguma assistência de órgãos voluntários e públicos Por último mas não menos importante a melhoria de vizinhança por imigrantes O que é co mum aos três processos é que eles geralmente começam como investimentos privados espontâ neos que depois recebem algum apoio de agências públicas locais Juntos eles estão mudando partes de nossas antigas cidades e bairros Carmon 2004 10493 Eu cito esse artigo não só porque ele confirma a principal tese de Slater mas porque apesar de mencionar o papel das agências públicas ele vastamente subestima seu tempo amplitude e efeitos Já é hora que estudiosos de gentrifica ção reconheçam que o motor atrás da realocação de pessoas recursos e institui ções na cidade é o Estado Slater 2006 7467 coloca entre as causas da perda das perspectivas críti cas sobre gentrificação a resiliência de embates teóricos que empacaram e este rilizaram o debate Todavia a oposição ritualizada entre a explicação econômica de Neil Smith e a pegada culturalista de David Ley que Slater recapitula como uma metáfora teórica dominante da pesquisa sobre gentrificação é problemática pelo que deixa de fora política regulamento e estado A tese rentgap615 favore cida pelos analistas neomarxistas a abordagem da distinção cultural adotada pelos eruditos neoweberianos ou pósmodernistas que invocam a fraseologia de Bourdieu tão rapidamente quanto desconsideram seus princípios teóricos e a tese da globalização Inspirada por Saskia Sassen todos deixam de fora o papel crucial do Estado na produção não só do espaço mas também do espaço do con sumidor e dos produtores de habitação Logan e Molotch 1987 estavam certos ao insistir que o lugar não é um bem comum mas um campo de batalha entre o uso e o valor de troca Mas eles não foram longe o bastante em suas especifica ções dos parâmetros daquela batalha e de acordo com o bom senso nacional dos EUA eles subestimaram grosseiramente o peso do Leviatã nele Pierre Bourdieu 615 NT O termo rentgap é referente aos processos de gentrificação apontase a explicação de Neil Smith que explica o fenômeno como a disparidade entre o nível de renda da terra potencial e a real renda da terra capitalizada sob o seu uso atual da terra Neil Smith New urban frontier gentrification and the revanchist city London Routledge 1996 p65 Portanto o rentgap decorre da desvalorização do capital devida a contínua expansão urbana e a gen trificação está diretamente correlacionada a isso O fenômeno possibilita que investidores comprem os imóveis a preços inferiores para requalificálos com trabalhos de construtoras adquiridos por empréstimos a juros baixos e após as reformas vendêlos a populações com potencial de compra deslocandose assim as populações pobres originalmente situada nessa zona urbana Ocorrendo assim a gentrificação em si 446 2000 2005 3031 mostrou em As Estruturas Sociais da Economia que a habitação é o produto de uma construção social dupla para a qual o estado contribui crucialmente moldando o universo de construtores e vendedores via políticas fiscais bancárias e regulatórias do lado econômico e moldando as dis posições e capacidades dos compradores de casas incluindo a propensão a alugar ou comprar no lado social Essa dupla estruturação estatal do mercado habitacional é então triplica da pela orientação política do planejamento urbano e regional por mais fracas que sejam suas agências Pois como Tedd Gurr e Desmond King 1987 4 nos lembraram há duas décadas aqueles que detém e usam o poder do Estado po dem permitir que o destino das cidades seja determinado principalmente na eco nomia privada mas isso é uma questão de escolha pública em vez de necessidade de ferro O peso do Estado central e local é ainda mais decisivo nos bairros de classe baixa na medida em que os trabalhadores e os pobres são mais dependen tes da provisão pública para acesso à moradia social alugada Harloe 1995 Mas o papel do Estado na gentrificação dificilmente se limita a construir e distribuir moradias ou moldar a reserva de compradores de moradias estendese à gama de políticas que impactam a vida urbana da manutenção de infraestruturas à educação e transporte à provisão de amenidades culturais e policiamento Sem as campanhas de policiamento agressivo das ruas promovidas pela implantação do estado penal em bairros de rebaixamento na década passada Herbert 2006 Wacquant 2008 as classes médias não poderiam ter se mudado para o centro da cidade e a gentrificação não teria crescido além da aspersão de ilhas de revitaliza ção dentro dos mares de decadência Carnon 2004 10493 Em termos mais ge rais a mudança histórica do estado keynesiano da década de 1950 para o estado neodarwinista do fin de siècle praticando o liberalismo econômico no topo e o paternalismo punitivo na base implica uma mudança radical no enquadramento político da modernização da vizinhança Aqui a literatura sobre gentrificação levantada por Slater reproduz para esses distritos a tendência geral de políticas públicas para invisibilizar os pobres urbanos seja dispersandoos como com a demolição e desconcentração de moradias públicas ou contêlos em espaços re servados distritos estigmatizados de perdição e o sistema prisional em expansão ao qual estão vinculados preferencialmente Para construir modelos melhores da mudança de nexo de classe e espaço na cidade precisamos fazer muito mais do que renovar o espírito crítico que animou os pioneiros da pesquisa de gentrificação por um sentimento de lealdade intelectual e reverência por seu engajamento político precisamos realocar a gen trificação em uma estrutura analítica mais ampla e robusta Primeiro devemos reviver e revisar a análise de classe para captar a desformação do proletariado pósindustrial e inscrever a evolução dos distritos revitalizados dentro das es 447 truturas gerais do espaço social e urbano e suas reformas associadas Em segun do lugar devemos resistir melhor às seduções da problemática préfabricada da política e avançar as agendas de pesquisa com maior separação dos imperativos dos governantes da cidade carregando uma carga teórica mais elevada E ter ceiro devemos dar lugar de destaque ao Estado como gerador de desigualdade socioespacial na metrópole dualizante Pois assim como o destino de bairros de rebaixamento que se infeccionam na base do sistema de lugares que compõem a metrópole Wacquant 2007 283284 a trajetória dos distritos gentrificados no século XXI é economicamente subdeterminada e politicamente superdeter minada Cabenos então restaurar a primazia do político em nossos esforços de dissecar analiticamente e praticamente redirecionar a transformação social da cidade neoliberal REFERÊNCIAS Bourdieu Pierre 2000 2005 The Social Structures of the Economy Cambridge Polity Press Bourdieu Pierre and Loïc Wacquant 2001 Neoliberal Newspeak Radical Philosophy105 Janu ary 25 Bourgois Philippe 1995 In Search of Respect Selling Crack in El Barrio New York Cambridge University Press Carmon N 2004 NeighborhoodGeneral In International Encyclopedia of the Social Behavio ral Sciences edited by Neil J Smelser and Paul Baltes Oxford Elsevier 1048810494 Glass Ruth et al 1964 London Aspects of Change London McGibbon and Kee Gurr Ted Robert and Desmond King 1987 The State and the City Chicago University of Chicago Press Harloe David 1995 The Peoples Home Social Rented Housing in Europe and in America Oxford Basil Blackwell Hartigan John 1999 Racial Situations Class Predicaments of Whiteness in Detroit Princeton Prin ceton University Press Hayden Dolores 1986 Redesigning the American Dream Gender Housing and Family Life New York WW Norton Hays Sharon 2003 Flat Broke With Children Women in the Age of Welfare Reform New York Oxford University Press Herbert Steve 2006 Citizens Cops and Power 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cultural nas últimas décadas Isso se deve em boa parte à amplitude e à riqueza do centro histórico da cidade que conta com numerosos monumentos e museus sobretudo concentrados na metade sul também conhe cido como a parte sul Por outro lado a outra metade do centro a parte norte onde se localiza a Casa Palácio de Pumarejo não havia sido incluída nos circuitos turísticos até recentemente o que está provocando problemas de convivência entre moradores e visitantes devido aos processos de turistização Jover et al na imprensa Estes tipos de processos especulativos não são novos nem casuais os que se processam neste espaço Desde o final dos anos oitenta na parte norte se haviam combinado políticas públicas de revitalização urbana e processos de substituição de moradores ou gentrificação com formas de construção social e reivindicação da cidade por parte de grupos de moradores aparecendo distintas experiências em diferentes espaços disputados García Jerez 2000 Barber et al 2006 Um desses espaços é a Casa Palácio de Pumarejo cujo estudo requer um esboço prévio das dimensões socioculturais do enclave urbano em que se situa a zona Alameda San Luis San Julián Este trabalho se divide em duas partes Em primeiro lugar se faz uma breve revisão histórica da parte norte e por outras experiências recentes de movimen 616 Texto traduzido do espanhol para o português por Mariana Rocha Bernardi 617 María Barrero Rescalvo Huelva 1990 é arquiteta da Universidade de Sevilha 2014 Doutoranda pela Univer sidade de Sevilha mestre em reabilitação arquitetônica pela Universidade de Granada 2016 e atualmente pes quisadora do departamento de projetos arquitetônicos da Universidade de Sevilha no grupo de pesquisa ingentes HUM958 Suas linhas de pesquisa são patrimônio planejamento urbano e arquitetura de uma perspectiva so cial com trabalhos sobre as relações entre patrimônio local participação cidadã e conflitos urbanos em Sevilha 450 tos sociais nesta zona colocando em foco o caso da Red Alameda Em segundo lugar narrase a experiência do coletivo organizado em torno da Casa Palácio de Pumarejo atentando as suas origens estrutura trajetória e reivindicações até a atualidade quando o grupo se encontra em um momento sensível devido às ten sões surgidas durante o processo de negociação com a Prefeitura para a execução da reabilitação uma de suas demandas históricas A hipótese da qual se parte é que os movimentos sociais auto administrados heterogêneos e com capacidade aglutinadora de perfis diversos sob objetivos comuns podem sofrer a deslegiti mação de suas demandas e a proliferação de conflitos em seu âmbito quando entram em jogo as administrações públicas Neste sentido se traçam paralelos entre o que ocorre na Casa Palácio de Pumarejo com respeito às obras de reabili tação na atualidade e o que ocorreu com a mencionada Red Alameda no processo de participação cidadã da Alameda que gostamos impulsionada pela Prefeitura de Sevilha A metodologia se fundamenta em uma ampla revisão bibliográfica sobre os espaços estudados que se complementam com o estudo de documentos internos da Associação Casa de Pumarejo além do trabalho de campo na forma de coleta de dados informais com entrevistados de perfis variados moradores da referida Associação militantes ativos do bairro pesquisadores de diferentes campos e técnicos com distinta relação com a Casa Palácio A tudo isso se soma minha experiência como pessoa envolvida com a Associação Casa de Pumarejo desde 2015 até a atualidade CONTEXTO URBANO NOTAS SOBRE A PARTE NORTE DA SEVILHA DA MOSCOU SEVILHANA AO PLANO URBANO Na zona norte do centro de Sevilha junto com parte da periferia além mu ros se fixaram as primeiras indústrias ao longo do século XIX Ao mesmo tempo proliferaram modelos de residência popular como a casapátio ou o curral de moradores caracterizados por um pátio central em torno do que se estruturava a vida cotidiana e onde viviam coletivamente os trabalhadores e artesãos vincu lados àquelas Morales Padrón 1974 Não obstante devido à crise da nobreza e do clero nos séculos XVIII e XIX e a outros acontecimentos pontuais como as desamortizações um bom número de edifícios construções nobres e conventos se transformaram em moradias ou habitações populares como é o caso do Pa lácio de Pumarejo O processo continuou até a entrada do século XX sobretudo em suas três primeiras décadas que estão marcadas pela Exposição Iberoameri cada de 1929 Essa inaugura uma forma de compreender Sevilha como cidade mercadoria uma ideia que perdurou até a atualidade em grande parte graças à Exposição Universal de 1992 Díaz Parra 2016 Ambos os macros eventos 451 cumpriram um papel essencial à composição moderna da cidade e de seu centro histórico A construção de numerosas obras públicas e pavilhões com o motivo da Exposição Iberoamericana vinculado à melhora de outras infraestruturas urba nas provocou um efeito chegada618 através do qual grupos de populações pobres da Andaluzia rural recorreram à cidade em busca de trabalho Rodríguez Bernal 1994 Tudo isso aumentou a densidade da população dos bairros operários como os da parte norte permitiu que continuassem a compartimentalização de edifí cios em recintos partidários o que perpetuou as más condições de vida de amplas camadas da população que foram a semente de um grande conflito social Salas 1990 em um período em si tumultuado no contexto internacional Durante o primeiro terço do século XX surgem na parte norte um bom número de movi mentos e espaços ácratas619 operários e culturais em torno desse amplo largo620 que é a Alameda de Hércules cuja capacidade para reunir diferentes grupos sociais lhe permitiu oferecer significados plurais da Sevilha silenciada O maior espaço aberto do centro urbano que se projetou como o grande passeio da aristocracia sevilhana nunca deixou de ser local de recreação mais ou menos despreocupado de nobres e ape sar de tudo nunca perdeu sua auréola transgressora Cantero et al 1999 p 26 Se trata de um lugar próximo a zona monumental da cidade na parte sul com uma imagem de sociabilidade diversa e fluxos de infâmias621 que desde seu universo marginal atraem personalidades afeitas à bohemia e ao folclore Antes e depois da Exposição Iberoamericana a parte sul passa a sofrer um processo de revalorização pela qual se concentram equipamentos culturais instituições representativas e financeiras Por seu turno na parte norte do centro inicia um processo de alienação e decadência vinculados à desindustrialização e especialmente ao resultado da Guerra Civil O setor Alameda San Luis San Julián permanece fortemente estigmatizado por sua resistência ao golpe de Esta do tanto que é conhecido como a Moscou Sevilhana pelo grupo rebelde Salas 1990 Além do abandono institucional e da deterioração urbana posterior os fuzilamentos massivos são especialmente lembrados os da Praça de Pumarejo permanecem ainda na memória das pessoas já que a repressão foi especialmente intensa nestes bairros Ortiz Vilalba 2006 618 NT A expressão efecto llamada não encontra um correspondente exato na língua portuguesa brasileira sendo o mais próximo o efeito chegada para descrever possíveis consequências dos processos de regulação de imi grantes na Espanha 619 NT A expressão ácrata tem o mesmo sentido no português brasileiro significando aquele que é partidário da acracia anarquista libertário 620 NT Por amplo paseo temos a tradução literal como amplo passeio designando rua larga de grandes dimen sões que entorna uma praça 621 NT A expressão canallería provém da palavra canallada que remete à ação ruim ou infame razão pela qual houve a escolha do termo para traduzir o termo 452 A marginalidade que se impõe a estes bairros durante toda a ditadura co meça a reverter no período democrático a partir dos anos oitenta e fundamental mente nos noventa A política de transformação urbanística neoliberal provocou a ruína forçada de edifícios históricos a transformação dos modos de vida tradi cionais e a expulsão de boa parte dos moradores arraigados no lugar O principal neste processo é a Exposição Universal de 1992 que gerou uma nova produção simbólica de uma cidade para o consumo de investidores e turistas aproveitando que continuava sendo periférica e economicamente dependente Ele passa pela revalorização subjetiva e potencialização de enclaves tão paradigmáticos e próxi mos da zona do evento como a Alameda que naquele momento se caracterizava por ser um espaço consagrado à prostituição ao uso de drogas e ao comércio ambulante A transformação radical foi possível graças a chuva de milhões pro venientes de fundos da União Europeia especialmente do Plano Urbano que foi aprovado em 1994 e facilitou a gentrificação entre 1995 e 1999 Díaz Parra 2010 2014 O Plano Urbano fez surgir a regeneração de um amplo setor de gradado da parte norte figura 1 através de medidas de reabilitação e criação de equipamentos melhora de infraestruturas urbanas e posterior ampliação de ruas e outros pacotes de ações de integração e coesão social Apesar de existirem áreas periféricas com mais necessidades na cidade a primeira iniciativa de Urbana em Sevilha se concentra nas zonas de San Luis e Alameda Este plano contribuiu para potencializar a especulação posto que não contemplava investimentos em maté ria de moradia por exemplo no que diz respeito à melhora do âmbito residencial existente todavia havia um grande número de abrigos para moradia como o próprio Plano previa ou a construção de habitações sociais Figura 1 Esquema urbano do Plano Urbano Fonte Elaboração própria a partir da Ocupação de Sevilha 1995 453 DA ALAMEDA QUE TE GUSTA ATÉ O PUMAREJO ZONA VERMELHA A injustiça social causada por tais processos especulativos e de gentrifi cação fizeram com que nascessem movimentos sociais de diferentes perfis com diversos projetos políticos e diferentes níveis de autonomia Em um contexto de cooptação622 pela política institucional de associações de moradores e sindica tos os movimentos sociais que se geraram desde os anos noventa nestes bairros poderiam ser associados a aspirações pósmaterialistas na linha da teoria com os novos movimentos sociais identificandose com reivindicações feministas pacifistas ou com o movimento ocupa Díaz Parra y Jover Báez 2016 Estes grupos muitos de jovens universitários e alternativos provenientes de outras zonas da cidade se entrecruzam com organizações mais antigas como Ecologistas em Ação o Ateneu Verde ou associações de moradores de diferentes concepções políticas para alcançar um objetivo comum Evitar a destruição da floresta da Alameda Isso se levaria a cabo com o projeto de estacionamento subterrâneo rotatório anunciado em 1998 pela Prefeitura de Sevilha então comandada pela coligação formada pelo Partido Popular PP e pelo Partido Andaluzista PA que controlava a gerência do urbanismo As reivindicações em torno da floresta da Alameda conseguiram reunir uma rede de grupos e indivíduos que apesar da heterogeneidade em suas visões políticas estéticas modos de ação e formas de organização se associam sob o nome informal de Alameda Bela e posteriormente Red Alameda Para alcançar seu objetivo empreendem uma série de ações criativas e heterodoxas entre outras Villardilla Conjunto Residencial que consistiu na autoconstrução e montagem de um conjunto de cabanas nas copas das árvores da Alameda para ganhar visi bilidade e massa crítica Ao final com a troca do governo da cidade nas eleições de 2003 se consegue paralisar o projeto do estacionamento A Alameda protagonista e cenário desta confluência social desde a visibili dade como espaço disputado termina sendo o lugar onde se levanta a bandeira da participação cidadã defendida pelo novo governo do Partido Socialista PSOE e Esquerda Unida IU Se inicia então uma relação entre a administração e a cidadania através do projeto La Alameda que te gusta para a qual se definiria o desenho futuro do largo Nesse momento os movimentos e agentes sociais ativos nas reivindicações da Red Alameda foram gradualmente se ausentando durante este processo Como tem observado Francisco García Jerez 2009 p 597 Aqueles coletivos mais alternativos suspeitavam que essa nova Alameda a Alameda que te gus ta podia significar a amputação de elementos não só formais que funcionavam como modo de referência espacial e com eles de identificação de um bairro senão também a expulsão daqueles grupos que não se encaixavam no novo projeto 622 NT Admissão de alguém em uma associação 454 Quanto aos possíveis motivos García Jerez menciona o caráter nômade dos movimentos sociais a exaustão do ciclo de protestos informais e a canaliza ção de conflitos sociais através da participação que se percebia desde o governo da época com IU623 na cabeça deste modelo Assim por um lado o tecido as sociativo que se concentrava em torno da Alameda foi se movendo até a zona de Pumarejo Em certo sentido o ciclo da Red Alameda passou de um a outro de modo que se concentrou na casapalácio e outros espaços surgiram pelo cami nho a Casa da Paz ou o Jardim do Rei Moro na rua de tijolos Por outro lado o movimento mais emergente e insurgente de corte antica pitalista e antiglobalização começou a crescer em Sevilha formandose diferentes coletivos e centros sociais na zona de Pumarejo conhecida como Pumarejo zona vermelha Barber et al 2006 Esta situação termina quando se fecha El Lokal o espaço social alugado mais vinculado à Alameda que em boa parte havia sido suporte e apoio logístico da Red Alameda e que cede espaço ao Centro Social Okupado Autogestionado CSOA Casas Viejas em 2001 a duas ruas do palácio da casa palácio figura 2 Esse mesmo ano se havia construído a Plataforma pela Casa de Pumarejo entre moradores residentes membros da Red Alameda antigos militantes de esquerda e pessoas vinculadas ao movimento ocupa A luta contra a especulação termina se localizando definitivamente nesta área da parte norte tendo já sido propiciadas sinergias entre diferentes coletividades distintas Barber et al 2006 Díaz Parra 2010 Figura 2 Movimento ocupa na parte norte Fonte Elaboração própria 2018 623 NT Izquierda Unida 455 CONTEXTO PARTICULAR A CASA PALÁCIO DE PUMAREJO DE CASA DE PARTIDO À PLATAFORMA PELA CASA A Casa Palácio de Pumarejo foi uma residência senhorial situada na praça homônima exemplo de arquitetura civil sevilhana construída ao final do século XVIII que deu origem a diferentes usos ao longo de sua existência Sua construção foi encomendada por um nobre fidalgo624 sevilhano Pedro de Pumarejo sua exis tência precede a da praça que foi urbanizada após a demolição de mais de setenta casas anos depois Mais tarde a família Pumarejo transfere o edifício para o muni cípio de Sevilha que fez dele um hospício e uma escola de Toríbios625 Durante a guerra da independência 18081814 o palácio foi ocupado pelas tropas francesas e transformado em prisão feminina e depois é abandonado durante um prolonga do período de tempo até que em 1861 uma entidade privada solicita à prefeitura licença para transformálo em uma escola de educação de adultos e uma biblioteca popular A partir de 1965 o edifício começa a funcionar como casa popular ou alojamento é como dizer como residência coletiva de um número crescente de famílias que complementavam o uso escolar de algumas de suas dependências A partir daqui a Casa passou de mão em mão A propriedade privada segue acrescentando a função residencial do edifício e ampliando o aluguel dos partidos que dão acolhida a novas famílias através da modificação na edificação e construção de mais dependências no pátio traseiro ou de serviços Se chega a pro duzir uma superlotação de algumas famílias mas também se consolida este modo de vida de convivência próxima com a reprodução de festas vinculadas a estes espaços Na planta baixa surgiram usos vinculados às necessidades cotidianas de tantas famílias fábricas comércios armazéns associações etc que abriram e permeabilizaram os muros da casa para o bairro e a cidade transformandoa em um centro de sociabilidade e serviços para seu entorno urbano Apesar da dureza das condições estas tipologias habitacionais alcançaram fórmulas de integração social e miscigenação cultural em torno desse local de tal modo que geraram uma cidade mais equilibrada solidária e compacta Foi a partir dos anos setenta quando a casa de moradores em que havia se transformado o palácio começa uma lenta mas progressiva degradação que conti nua até a atualidade A incorporação da atividade de uma empresa madeireira altera a fisionomia do edifício e algumas de suas fachadas ao que se soma o abandono e desídia por parte dos proprietários no que tange aos trabalhos necessários para ma 624 NT Fidalgo é a palavra mais corriqueiramente usada no português brasileiro designando um homem sábio Em que pese o termo hidalgo também exista optamos pela tradução que empreendesse o mesmo sentido daquele intencionado pela autora 625 NT Em alusão a Santo Toríbio 456 nutenção da edificação Nos anos noventa em paralelo à tônica geral do bairro que se comentou o edifício começa a decadência devido a seu desuso e ao fechamento de dependências o que fez com que as atividades sociais diminuíssem e que o nú mero de famílias se reduzisse a uma dezena a maioria de pessoas de idade avançada A história da coletividade e reivindicação social que hoje mantêm viva a casa começa nos primeiros anos do século XXI devido a rumores que a ca deia hoteleira Quo Hotéis havia adquirido 50 do edifício com o objetivo de transformálo em um hotel com encanto da mesma forma que havia ocorri do com outros palácios da cidade A estratégia que perseguiam os proprietários era a conhecida especulação comprar a baixo custo um edifício histórico que abriga classes trabalhadoras deixar que se deteriorasse a edificação para reduzir a habitabilidade das residências que seguiam ativas não permitir e inclusive pe nalizar aos moradores que empreenderam as obras pertinentes para adentrar em suas residências assumindo os custos fechar progressivamente dependências para provocar o estado ruinoso ou contratar os chamados assusta inquilinos626 para gerar um clima de medo e desconfiança Apesar disso os moradores que permaneciam apostavam com tenacidade por manter a sua vida e vínculos de bairro e permanecer na Casa Grande como a chamavam Hernández 2003 esforçandose por manter dignas as estadias que mantinham em uso com os pátios limpos e cheios de vasos paredes pintadas ou os corredores embelezados Quando a Gerência de Urbanismo se personifica no edi fício ante a denúncia por deteriorações da fachada se difunde o rumor da possível ruína do imóvel e transformação em hotel e havendo sido testemunhas da deso cupação de muitos moradores do bairro ante as mesmas estratégias imobiliárias se origina a Plataforma pela Casa de Pumarejo em julho de 2000 após de uma passe ata convocada pela Red Alameda e a Associação de Moradores de San Gil Esta foi a forma de se organizarem para proteger um modo de habitação tradicional já muito incorporada nos bairros que se encontrava em claro perigo de desaparecimento A Red Alameda havia gerado uma série de dinâmicas ações e metodologias que se calaram entre os coletivos e moradores participantes Barber et al 2006 A onda de despejos vinculada a especulação imobiliária dos anos anteriores gerou um estado de alerta para a situação que se somava à experiência da luta na rede frente a uma problemática comum e a potencial capacidade geradora de mu danças da cidadania em seu entorno Isto terminou sendo o caldo de cultivo e o desencadeador das práticas e estratégias da Plataforma pela Casa de Pumarejo A composição heterógenea de perfis agrupados na plataforma geraram uma mescla de saberes e práticas de apoio e reconhecimento mútuo que conse 626 NT Esta tradução é da expressão asustaviejas usada comumente na Espanha para designar corretores imobiliá rios desonestos que fazem com que moradores que pagam alugueis baixos abandonem as suas residências de modo que possam adquirir os imóveis em ruína consertálos e transformálos em novos imóveis 457 guiram quebrar com a dicotomia entre moradores tradicionais e moradores re cém chegados ou entre estéticas mais ou menos alternativas Se comprometeram ativamente com a plataforma advogados arquitetos antropólogos peritos em comunicação e outras matérias que somavam seus conhecimentos às trajetórias vitais dos moradores de toda a vida junto a sindicalistas e militantes de longa data Na busca por linguagens compartilhadas começam a se criar uma série de palavras da marca Pumarejo que se colocam em circulação pela Sevilha e que terminam cobrando significados estratégicos para o futuro da coletividade As sim encontramos expressões como cidadania que surge do erro do ceramista que fábrica a telha para a fachada fauna variada fabricar tempo ou seres participantes Expressões todas elas de grande complexidade Os centros sociais ocupados movimento ocupa e outras experiências fo ram desocupados ou foram esgotando seus ciclos de vida e outros novos espaços sociais e culturais foram abertos na zona Alameda San Luis San Julián às ve zes como resposta aos processos de gentrificação e outras vezes das mãos de aulas criativas que chegavam fortalecendo a imagem de zona alternativa e boemia Porém a Casa de Pumarejo segue insistindo em sua reivindicação reabilitação revitalização recuperação reluzente em sua entrada DE MOVIMENTO DE MORADORES A DECLARAÇÃO COMO BIC Devido à diversidade de perfis que se aglutinaram no momento da criação da plataforma incipiente surgiram tensões quanto à estratégia a seguir para a defesa da permanência digna dos moradores e seus modos de vida Não obstante houve consenso acerca da busca da inscrição do imóvel no Catálogo Geral do Pa trimônio Histórico Andaluz como Bem de Interesse Cultural BIC A proteção patrimonial se converte em uma ferramenta contra a privatização e o saque de um dos últimos exemplos de casa de partido que se deixava em Sevilha Fernán dez Salinas 2003 uma versão particular da história da cidade em que as clas ses trabalhadoras são proeminentes protagonistas Hernández 2003 p 90 Se buscava segundo este antropólogo participante do processo instrumentalizar a lei sob o discurso da construção social do patrimônio entendido este em seu sentido cultural e etnológico Esta não foi a única linha de ação da plataforma já que entre o processo de redação do relatório e a solicitação de inscrição se somam uma série de ações de protesto que variavam entre denúncias públicas às autoridades manifesta ções encontros culturais ou festas lúdicofestivas figura 3 Às práticas habituais de moradores também se adicionam as surgidas desde propostas provocadoras e criativas Coleta de assinaturas fechamento e picnic no Conselho de Cultura um Rei Mago traz carvão para o Delegado do Urbanismo carregando baldes de água filtrados por goteiras de vazamentos e outras ações heterodoxas Tudo focado na 458 visibilidade do Pumarejo e sua praça como sendo esse centro de sociabilidade de bairro e ambas estratégias se dirigiam a um objetivo comum a permanência dos moradores e dos usos sociais e a reabilitação integral do imóvel Fig 3 Entrada monumental com acesso principal ao edifício Fonte Arquivo da Associação Casa de Pumerejo Finalmente o edifício é catalogado como BIC pela Portaria de Cultura não como bem etnológico como se havia solicitado mas sim sob a categoria de monu mento Nesta ordem627 de 26 de junho de 2003 se coletam os valores materiais e imateriais do lugar e se proíbem explicitamente em suas instruções específicas As atividades que retardam a continuidade normal dos usos tradicionais e limitam ou impe dem o desenvolvimento de outros novos que surjam de acordo com demandas sociais 2 As 627 NT O equivalente a pedido mandado ou lei 459 atividades que monopolizem o uso do edifício Em particular se especificam os seguintes usos proibidos em função da zona do edifício onde se localizem a Planta baixa Os usos de gara gem b Planta alta Os usos comerciais e fábricas Portanto a Casa já não podia ser nem hotel nem edifício institucional ou administrativo algo que também se explorou ver Vázquez Consuegra 1986 posto que os usos artesanais comerciais associativos criativos e residenciais es tão protegidos e vinculados a cada uma das plantas do imóvel Usos que como a referida Ordem expressa seguem sendo um testemunho vigente das atividades e modos de vida desenvolvidos tradicionalmente no Palácio e seu entorno Sua proteção deve se conceber de forma integral junto com os elementos históri cos e artísticos que constituem um conjunto indissociável Ibidem Através das estratégias de denúncia e pressão pelas ações mais ou menos criativas e irreverentes também se conseguiu forçar a abertura de registro de expropriação da propriedade dividida entre cadeia hoteleira e os herdeiros do antigo proprietário por parte da Gerência de Urbanismo até que em setembro de 2009 o Consistório628 adquire a Casa Em maio de 2004 começa um novo projeto que transformará a Casa e seus significados Depois de dez meses de trabalhos de adequação se abrem as portas do Centro de moradores Pumarejo um local situado na porção sudoeste do pa lácio ocupado para revitalizar e acolher a vida associativa e cultural que a Casa sempre havia tido Hoje segue sendo o espaço mais amplo e vivo do palácio pois abriga uma multiplicidade de atividades coletivos e iniciativas concretas Em 2006 é dado outro uso ao espaço da Casa vinculado ao pátio nobre o baixo n 5 e em março de 2009 e seguindo o acordado durante a elaboração do Projeto de Usos para a casa que desenvolve o coletivo motor se adéqua um novo espaço para o desfrute do bairro a biblioteca popular Rosa Moreno em homenagem a esta moradora fiel lutadora pelo direito à moradia até seu falecimento Estes espaços foram se enchendo de vida por coletivos de diferentes tipos e características que nestes anos deram conteúdo social político e cultural à Casa entre outros Ofici na de Direitos Sociais Mercado Cultural fábrica de idiomas Liga de Inquilinos Associação de moradores A Revolta Arquitetura e Compromisso Social Plata forma de Afetados pela Hipoteca fábrica de costura sala de jantar social para mulheres Sobreviventes de violência de gênero A rede de moeda social Puma Todos estão incluídos na Associação Casa do Pumarejo ACP DE PATRIMÔNIO VIVO A REFERENTE DE CIDADE Junto a essas ações de protesto se soma uma reconversão e manutenção das fachadas tradicionais próprias das casas de moradia Assim a Cruz de Maio 628 Empresa ou grupo de pessoas composto por um prefeito e vários vereadores responsáveis pela administração e governo de um município 460 celebração posterior à Feira de Abril se recupera com novos significados com que grande parte do coletivo se identifica a cruz se constrói com vigas provenientes de demolição ou com uma pá embutida em um monte de areia Significados reivindicativos desde a ironia e o humor com os que a maioria das sensibilidades acaba simpatizando O mesmo ocorre com a Zambomba festa que ocorre na vés pera de natal em que se acende uma fogueira no coração da Casa o pátio nobre e se canta e festeja em comum com todos os tipos de letras O desenvolvimento deste patrimônio vivo conseguiu alcançar fórmulas únicas de inovação social exemplificadas na mescla de tradições e ritos com o compromisso com o lugar através pelo que houve um redimensionamento de seu papel como um nó autogerido de relações sociais e culturais e que tem des pertado o interesse em instituições nacionais e internacionais Os festejos a luta e os vínculos gerados entre esta diversidade de pessoas acabou se consolidando em uma comunidade afetiva cheia de interrelações sociais com o bairro e a ci dade que sustentaram a perseverança no objetivo da reivindicação a reabilitação integral do imóvel 0 Fig 4 O Domingo de Ramos se celebra na Casa no dia em que sai à rua a patrona de Sevilha a Virgem de Hiniesta quem acompanhada do prefeito faz o caminho até a casa de protestos que adornam a fachada 2014 Fonte S Scamardi 461 Devido à visibilidade que a plataforma oferece à luta contra a especulação e a expulsão da moradia tradicional outras pessoas afetadas ou ameaçadas procura ram a Casa em busca de ajuda e apoio Não apenas foram moradores residentes mas também inquilinos de fábricas vinculadas ao modelo de produção industrial dos currais de artesãos que corriam perigo Tudo isso termina consolidando a constituição da Liga de Inquilinos A Corrente em 2005 que se encarregava de assessorar divulgar e denunciar a situação de inquilinos com problemas de des pejo e habitações precárias Assim vemos como a luta concreta pela permanência de algumas famílias em uma casa de partido629 acaba gerando modelos de coope ração e apoio a outras famílias e moradores A Casa se autogere através de uma assembleia ordinária mensal onde os vários coletivos se encontram e tratam dos temas e aspectos que afetam a totali dade A anteriormente mencionada heterogeneidade faz com que as assembleias não estejam isentas de conflitos os quais se pretendem resolver da maneira mais criativa e inclusiva possível para manter as diversas subjetividades que dão vida ao espaço Se trata de um laboratório de mais de dezessete anos de autogoverno cidadão na atualidade em que com seus altos e baixos debates contradições e redes demonstrou que existe outra forma de construir e fazer cidade diferente da hegemônica Isso não significa que não existam relações de poder que tem a ver com gênero com a trajetória militante ou com a formação intelectual Desde a assembleia também se originam comissões de trabalho mais específicas a comis são de acolhida a novos grupos a comissão de comunicação e relações a comissão de manutenção ou a comissão RqR da qual falarei mais adiante A coletividade foi adquirindo legitimidade através de relações com enti dades institucionais como o Instituto Andaluz de Patrimônio Histórico figu ra 5 ou o Conselho Superior de Investigações Científicas CSIC assim como com outros movimentos e coletividades contrahegemônicas como o espaço Can Batlló de Barcelona ou A Casa Invisível malaguenha Finalmente nos dias que antecederam as eleições municipais de 2011 se realiza o registro do convênio administrativo de cessão dominical sobre parte do palácio entre a ACP e a pre feitura Concretamente o conselho cede o uso do Centro de Moradores sob n 5 a biblioteca e uma residência situada na zona fechada pelo estado arruinado do palácio 629 NT É importante diferenciar que o termo de partido ou partidário não se refere diretamente a partidos políticos como erroneamente o senso comum costuma a reduzir a semântica desse termo Os partidários no texto se refe rem às pessoas que se mantêm envolvida na luta política dessa população como forma de vida com apoio ou não de ativistas políticos externos ou partidos políticos especificamente 462 Fig 5 Evento realizado no pátio nobre da casa em colaboração com o IAPH sobre cantes populares de valor etnológico na Andaluzia Fonte a autora Depois deste acordo muitas intenções de comunicação foram bemsucedi das desde a ACP para estabelecer um diálogo com a Prefeitura de Sevilha em prol das obras de reabilitação Por este conselho tem se passado todos as siglas políticas e nenhum dos partidos se comprometera com as reivindicações da Casa enquan to esta se deteriorava gradualmente e seus espaços arruinados eram fechados para uso pela iniciativa da Gerência de Urbanismo Por isso em 2013 se inicia uma campanha de crowdfunding sob o título Nós Fazemos conseguindo o financia mento suficiente para realizar obras de melhoria para umidades e alagamentos do pátio nobre sem licença mas orientadas por arquitetos especialistas em patri mônio e notário As obras acabam com uma grande festa e coletiva de imprensa para mostrar que a coletividade que se aglutina no Pumarejo se responsabiliza pe los deveres de conservação manutenção tutela e difusão do patrimônio deixado pelo seu proprietário a Prefeitura de Sevilha CONCLUINDO PATRIMÔNIO E AUTOGESTÃO CONFLITO Após quinze anos de reivindicação em outubro de 2015 o prefeito se reu niu com a Associação Casa do Pumarejo abrindo uma etapa que continua até os dias de hoje O objetivo deste primeiro encontro era estabelecer um diálogo entre ambos agentes com o fim de empreender de maneira participativa a reclamada reabilitação integral do imóvel que naquele momento se encontrava em um esta 463 do de grave degradação física Esta realidade se ratifica após a realização do estudo patológico conduzido pela Gerência de Urbanismo Ruesga 2017 O governo atual do PSOE que não conta com a maioria absoluta do plenário municipal havia se comprometido com os grupos de IU e Participal Sevilha a marca local Podemos no pacto de investidura para a reabilitação da Casa A imprensa da cidade não demorou muito para divulgar o acontecimento Sánchez Ameneiro 2015 recorrendo ademais ao compromisso do conselho de destinar uma quantidade significativa dos pressupostos de 2016 e próximos anos à reabilitação sem que seus moradores devam ser despejados Um compro misso novo se atendermos ao descuido da administração não apenas pela von tade de realizar os trabalhos integrais mas pela violação do dever de conservação que como proprietário tem a Prefeitura agravada se se leva em consideração a condição de monumento BIC do imóvel O prefeito confia a direção política deste processo ao Delegado da Área de Habitação Urbana Cultura e Turismo que se reúne posteriormente com a ACP para reiterar a vontade de realizar um processo participativo em que se decidirão conjuntamente os próximos passos a dar para a reabilitação através de uma comissão de acompanhamento Na mesma estão representados os dois atores principais do processo A Prefeitura de Sevilha que conta com o assessora mento de arquitetos e técnicos da Gerência de Urbanismo e a ACP que também representa não só a coletividade que faz uso dos espaços cedidos como do resto dos inquilinos dos locais do Palácio e as pessoas do bairro que diariamente se interessam pelo estado do edifício A partir desse momento desde a assembleia da casa se decide criar uma nova comissão de reabilitação batizada como RqR ou erre que erre onde diferentes pessoas de perfis técnicos diversos entre as que me incluo e com conhecimento das dinâmicas temporais e administrativas des tes processos se reúnem para estabelecer uma estratégia de negociação e diálogo com o conselho No intuito de sentar para trabalhar em conjunto com os usuários e de positários deste bem cultural e aos responsáveis políticos da cidade se esteve propondo e defendendo durante mais de um ano a necessidade de redigir um Plano Diretor que assegure um processo de participação social desde baixo e com o entornobairro para definir o futuro da Casa Isso se justifica entendendo que graças à mobilização cidadã em defesa do Palácio e o que ele representa por isso que hoje é um monumento de titularidade pública e um claro referente de prá ticas autônomas em Sevilha algo que já se reconhece como valor imaterial tanto na catalogação como no convênio de cessão de uso Este Plano Diretor seria um instrumento básico consensual que tomaria a história analisaria as circunstân cias atuais e plantaria os futuros passos para realizar uma intervenção segura e cuidadosa com o patrimônio vivo que representa a casa a qual suporta delicados 464 equilíbrios e requer uma profunda reflexão sobre os usos e modos de gestão que melhor se adequem a sua continuidade No Plano Diretor se refletiriam as decisões e os debates gerados no espaço da comissão de seguimento que por sua vez devia assegurar seu bom funciona mento e horizontalidade mediante a aprovação de um protocolo de financiamen to no qual contempla a codecisão das partes e reúne as formas de comunicação entre ambas Desde minha experiência nestes dois anos e meio de outubro de 2015 a maio de 2018 como parte da comissão RqR e da coletividade que dá vida ao Pumarejo hoje devo mencionar que tem sido um caminho árduo e frustrante no diálogo e aparente participação da Prefeitura O protocolo foi aprovado mas não tão respeitado por parte do consistório nem na forma de comunicação nem na admissão do consenso Por outro lado as pessoas que redigem conjuntamente o documento do plano com os assessores municipais têm recebido uma rejeição re tumbante à proposta de financiamento de seu trabalho durante os poucos meses que durara a redação A tudo isso deve se somar que o diálogo foi paralisado em diversas ocasiões devido a diferentes posturas que sobre este processo se haviam gerado no inte rior da ACP Existem temores entre as pessoas da Casa a que esta canalização do conflito a que se tem chamado participação fratura como ocorreu na Alameda que te gusta o vínculo social e o equilíbrio gerado entre a heterogênea diversidade que a sustenta Isto pode se dever à subordinação de suas dinâmicas autoor ganizadoras a um processo de participação instrumentalizado e monopolizado em seu conteúdo por aspectos técnicos e atinentes a projetos e em seus tempos pela inflexibilidade dos processos regulados pelas instituições interessadas Tendo embaçado a dicotomia do Nós os que defendem a legitimidade da Casa sua mobilização e seus moradores frente ao Eles agentes políticos que abandonam este patrimônio vivo especuladores ou moradores conservadores o marco de in terpretação muda porque deixa de funcionar a estratégia da confrontação García Jerez 2009 Como pano de fundo a diversificação dos objetivos do processo boas obras a todo custo boas obras mas conservando os moradores do imóvel ou boas obras mas assegurando a autogestão dos espaços residenciais e artesanais Além disso existem críticas desde o próprio coletivo para as limitações e dificuldades do processo de diálogo e seus campos de atuação já que o tempo e a energia direcionados na própria negociação sobre propostas imobiliárias de téc nicos especializados não permitiram gerar o espaço para o debate fundamental da gestão futura da casa no âmbito da estratégia política Este trabalho teve reflexo na ruptura da coesão do coletivo a organização de várias assembleias extraordinárias para mediar os conflitos internos e a cessa 465 ção da participação de pessoas críticas com as formas em que se estabelecem os aparentes consensos Não obstante após a paralização do financiamento para a elaboração do Plano Diretor por parte da Gerência de Urbanismo a ACP iniciou de maneira autônoma a elaboração de um desenho próprio para a participação sobre ele mentos fundamentais como os usos e suas interferências com a gestão e o projeto arquitetônico desde uma perspectiva holística com a intenção de buscar poste riormente a forma de vinculálo ao futuro da Casa após as obras Entretanto este plano encontra importantes obstáculos devido à falta de implicação das entidades vinculadas na casa e à dificuldade de conseguir financiamento próprio Existem outras similitudes com o processo participativo da Alameda como então a parte norte se encontra em uma nova onda de transformação imobiliá ria e expulsão de população residente devido devido esta vez à turistização da cidade pelo que os bairros mais centrais se convertem em lugares pensados para acelerar o fenômeno turístico e seus efeitos Esperamos ainda assim que a casa volte a servir como ente aglutinador de práticas de resistência ante à mercantili zação da cidade AGRADECIMENTOS Desejo expressar meu agradecimento às pessoas envolvidas na Associação Casa de Pumarejo pela sua colaboração e sua dedicação com o projeto Também quero agradecer a Jaime Jover Báez por seus comentários e sugestões em uma versão anterior deste texto REFERÊNCIAS Ayuntamiento de Sevilla 1995 Plan Urban San Luis Alameda Sevilla Gerencia Municipal de Urbanismo Ayuntamiento de Sevilla 2004 La Alameda que te gusta proyecto participativo sobre el futuro de La Alameda Sevilla Área de Participación Ciudadana Barber S Frensel V Romero MJ eds 2006 Como nació creció y se resiste a ser comido el gran pollo de la Alameda Una docena de años de lucha social en el barrio de la Alameda Sevilla Consejo de Redacción del Gran Pollo de la Alameda Cantero P A Escalera J García del Villar R y Hernández M 1999 La ciudad silenciada vida social y Plan Urban en los barrios del Casco Antiguo de Sevilla Sevilla Ayuntamiento de Sevilla Díaz Parra I 2010 Sevilla cuestión de clase Una geografía social de la ciudad Sevilla Atra pasueños Díaz Parra I 2014 Gentrificación o barbarie Disciplinamiento y transformación social del barrio de la Alameda de Sevilla Sevilla Atrapasueños Díaz Parra I 2016 Sevilla 19291992 La producción de una mercancía En Grupo de Estudios Antropológicos La Corrala Ed Cartografía de la Ciudad Capitalista Transformación Urbana y Conflicto Social en el Estado Español Madrid Traficantes de Sueños Díaz Parra I y Jover Báez J 2016 Social movements in crisis From the 15M to the electo 466 ral shift in Spain International Journal of Sociology and Social Policy 36 910 680694 Fernández Salinas V 2003 Vivienda modesta y patrimonio cultural los corrales y patios de vecindad en el conjunto histórico de Sevilla Scripta Nova VII 146070 URL httpwww ubedugeocritsnsn1462807029htm consulta 2 de junio de 2018 García Jerez Francisco A 2000 Trazos de la ciudad disidente Espacios contestados capital simbólico y acción política en el centro histórico de Sevilla Sevilla Tesis doctoral inédita Depar tamento de Ciencias Sociales Universidad Pablo de Olavide García Jerez Francisco A 2009 La Alameda que te gusta Conflictos Sociales y Planificación Urbana en torno a un Espacio Público Zainak Cuadernos de AntropologíaEtnografía 31 585 599 Hernández J 2003 La construcción social del Patrimonio selección catalogación e inicia tivas para su protección El Caso del Palacio del Pumarejo En Conserjería de Cultura Junta de Andalucía Ed Antropología y Patrimonio investigación documentación e intervención Gra nada Comares Jover J Berraquero Díaz L Barrero Rescalvo M y Jiménez Talavera A en prensa Turis tización y movimientos urbanos de resistencia experiencias desde Sevilla En C Milano y J Mansilla eds Stop Tourism Conflictos críticas y propuestas en entornos turísticos Barcelona Morales Padrón F 1974 Los corrales de vecinos de Sevilla Sevilla Publicaciones de la Uni versidad de Sevilla Ortiz Villalba J 2006 Del golpe militar a la guerra civil Sevilla 1936 Sevilla RD editores Rodríguez Bernal E 1994 Historia de la Exposición IberoAmericana de Sevilla de 1929 Sevilla Servicio de Publicaciones de Ayuntamiento de Sevilla Ruesga M 2017 Casa Palacio del Pumarejo un BIC marcado por los desperfectos Diario de Sevilla Disponible en httpwwwdiariodesevillaessevillaCasaPalacioPumarejoUnBI Cdesperfectos01190581351html consulta 2 de junio de 2018 Salas N 1990 El Moscú sevillano Sevilla Secretariado de Publicaciones de la Universidad de Sevilla Sánchez Ameneiro A 2015 Esperanza en la Casa Palacio del Pumarejo Diario de Se villa Disponible en httpwwwdiariodesevillaessevillaEsperanzacasapalacioPumare 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ou mais Nos países ricos mais de 75 dos ha bitantes já vivem em cidades com um progressivo abandono da zona rural Este fenômeno dá lugar ao que Jeremy Rifkin denominou como a aparição do homo urbanus632 Este fenômeno tem várias consequências imediatas na transformação das estruturas sociais culturais e econômicas O progressivo desaparecimento das zonas rurais com a consequente des truição dos ecossistemas e culturas locais vinculadas ao cultivo tradicional da terra e da economia de subsistência O êxodo das cidades foi inicialmente em meados do século XX uma consequência da fase de industrialização que teve como efeito imediato um alto índice de crescimento demográfico até épocas re centes especialmente nas cidades de terceiro mundo Este fator tem se unido a outros os novos fluxos migratórios do sul ao norte mas também aos internos do sul ao sul e as grandes massas de populações deslocadas e de refugiados como consequência das novas guerras do século XXI guerras climáticas guerras híbri das Estados falidos e fragmentados cujas consequências afetam diretamente a população civil633 e dos efeitos das mudanças climáticas grandes secas inunda ções abandono das agriculturas locais 630 O texto aqui apresentado resulta de uma nova edição do texto em espanhol com o título La ciudad em la sociedad global el derecho a ser ciudadano publicado em Madri pela editora Fundación Carolina em 2010 o texto foi traduzido do espanhol para o português por Henrique Mioranza Koppe Pereira 631 Maria Jose Fariñas Dulce é professora credenciada de Filosofia do Direito na Universidade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto Joaquín Herrera FloresBrasil Pesquisadora do Instituto de Direitos Humanos Bartolomé de las Casas 632 Jeremy Rifkin Homo urbanus celebración o lamento en El País 6 de enero de 2007 633 Cfr Mary Kaldor Las nuevas guerras violencia organizada en la era global Barcelona Tusquets 2001 Ignacio Ramonet Guerras del siglo XXI nuevos miedos nuevas amenazas Barcelona Mondadori 2002 468 A cidade se tem convertido desta maneira no espaço por excelência de representação e expressão das novas tensões sociais culturais e econômicas do mundo globalizado contemporâneo É também uma espécie de laboratório dos novos estilos de vida das novas formas de diversidades das novas exigências de tolerância eou intolerância de diferença ou indiferença das novas experiências de participação por exemplo os pressupostos participativos de cidades pioneiras como foi Porto Alegre de novos tipos de ação política formal e informal novos tipos de associativismo político e social Esta cidade complexa que se constrói de acordo com a lógica da expansão e acumulação cresce segundo um tipo de produção urbana radial e periférica em forma de rede ou de arquipélago Isto conduziu a partir dos anos 60 a proli feração em muitos países tanto do norte como do sul de bairros de barracas e ou de autoconstruções ilegais nas periferias das grandes cidades por exemplo as villas miseria de Buenos Aires os bidonvilles de Argel os mocambos de Recife as quebradas de Caracas as favelas do Rio de Janeiro ciudad bolívar em Bogotá ou os recentemente famosos assentamentos ilegais de ciganos romanos e búlgaros em várias cidades europeias São subúrbios socialmente marginalizados e segrega dos sem infraestrutura nem saneamento que se converte em permanentes focos de infecção sem infraestrutura educativa onde a marginalização e exclusão é frequentemente onde começa o desenvolvimento da delinquência e da estigma tização social Esse processo continua e aumenta nas cidades do sul do globo634 mas também vai aparecendo na mão da imigração irregular nas principais cidades da união europeia A cidade do século XXI se transforma no cenário de uma nova com plexidade social e econômica onde coexistem de maneira neutra é dizer não convivem grupos sociais culturais gêneros línguas étnicos religiosos entre outros diferentes e às vezes contrapostos São lugares onde se vai desapare cendo a memória de um tempo comum que servia como base para construir a identidade de cada cidade Agora a cidade se constrói desde as diferenças mais múltiplas mas frequentemente em vias paralelas e incomunicáveis em bairros segregados Mas esta cidade de diferenças é por sua vez um lugar não social um lugar formado por diferentes comunidades fechadas e sem comunicação en tre si um lugar de estruturas difusas geradas pelos diferentes e fragmentados fluxos humanos que vão chegando a cidade Nesse sentido a cidade não tem limite porque não tem exterior A cidade das sociedades globais é na realidade 634 Cfr Ignacio Ramonet ed La ciudad inquieta El urbanismo contemporáneo entre la realidad y el deseo Madrid Fundación Santander Central Hispano 2005 pp 11 e segs 469 fragmentada múltipla heterogênea e diversa que não tem sabido incorporar até agora a dimensão mais positiva do cosmopolitismo senão todo o contrá rio a segregação social espacial racial ou étnica mediante a geração física ou simbólica de territórios asilados Assim poderíamos dizer que o caminho até a universalização que é próprio de toda comunidade cidadã se vê agora freado pelo obstáculo da demagogia e do pertencimento exclusivo pela regressão de identidade eou religiosa pela perda de elementos públicos de coesão e integra ção social e pela cada vez maior presença e atores imóveis enclausurados em seu âmbito local de pertencimento e sem possibilidades reais de planificação de um projeto de vida digna A CIDADE DUPLA As novas cidades e megametrópoles não estão em condições de garantir plenamente as condições de cidadania de todos seus habitantes entendida esta como a igualdade de condições direitos e deveres para todos Até o ponto que se poderia afirmar que existem dois tipos de cidadãos que são relacionados ao que se denomina de cidade dupla os cidadãos de primeira pertencentes ao mundo da sociedade integrada ou formal das leis dos direitos da cultura da liberdade do desenvolvimento da inovação e da riqueza e os cidadãos de segunda pertencentes aos submundos da sociedade não integrada ou informal alienados aos direitos e das leis frequentemente criminalizados pela sua con dição social ou de pobreza sendo excluídos do sistema e estigmatizados como suspeitos de crimes A cidade formal versus a cidade informal regidas por normas e poderes distintos e às vezes contrapostos e mutuamente excludentes A informalidade se deriva da localização fora do mercado formal e do sistema institucional Os habitantes da cidade informal são demasiados pobres excluídos e deslocados para acessar o mercado e institucionalidade da cidade formal Bem agora a marginalização a desigualdade socioeconômica ou a pobreza é anterior aos assen tamentos informais não deriva deles mas os retroalimenta Esta dualidade incrementase com a polarização social a fragmentação ter ritorial a automatização do trabalho a big economy a vez que se retroalimenta por uma certa guerra de espaços entre os cidadãos e seus territórios de perten cimento e integração Os cidadãos pobres e marginalizados na cidade informal são cidadãos excluídos da participação política ativa Na cidade informal ou não integrada é frequente que se criminalize ou estigmatize seus habitantes pelo fato de serem pobres indigentes ou mendigos agressivos imigrantes sem documen tos ou simplesmente diferentes como se fossem suspeitos a priori dos piores comportamentos sociais e inclusive criminosos Se gera assim uma certa aporo 470 fobia635 ao ódio ao pobre por parte dos habitantes da cidade formal os quais têm medo de que suas casas sejam roubadas seus carros e inclusive seus direitos Agora bem a cidade informal nem sempre tem delimitação geográfica cla ra pense por exemplo nos sem tetos que habitam frequentemente os espaços da denominada cidade formal e aos que alguns acusam da sujeira e deterioração da mesma e de praticar uma mendigagem agressiva que se converte automati camente em potenciais delinquentes ou em suspeitos de crimes Esta divisão ou rompimento da sociedade nas novas cidades provoca in segurança e riscos que se transformam em uma constante sensação de medo Reaparece assim o discurso do medo e da desordem que é muito utilizado pelos partidos de direita e especialmente da nova extrema direita global que é facilmente instrumentalizada nos debates eleitorais porque dá grande retorno eleitoral Os problemas de insegurança se conectam agora com a imigração com os refugiados e os cidadãos sem moradia com a informalidade com a pobreza Daí que a sociedade integrada ou formal investe tanto e cada vez mais em segurança privada e definitivamente isolamento Se constroem muros internos como uma espécie de medida preventiva eou sanitária como ocorre nos gated communities bairros fechados ou zonas nobres que são rodeadas por cercas de plantas ou de forma mais brutal por muros e que se adentra por somente uma porta protegida por homens armados a quem se tem que dar identificação Seus habitantes temem frequentar outros setores da população e selecionam suas relações por meio da urbanização discriminatória individualista e privada os de enclave636 residencial dotado de segurança em frente aos outros Se trata de um sentimento de isolamento quase asséptico estendido por todas as grandes cidades do mundo637 mediante ao qual supostamente se limpa a rua de elementos in desejados ou perigosos em troca de retirar das ruas das cidades seu caráter públi co638 ou integrador de sua dimensão de diálogo ou conversação em definitivo de sua função de democratização da sociedade O espaço público é agora substituído pelo espaço privado fechado e vigiado dos grandes centros comerciais que representam a utopia neoliberal do hiperconsumo O muro representa nestes casos o medo do diferente o que explica mas sem nenhuma justificativa por exemplo os governantes da cidade italiana de Pádua democratas de esquerda que em 10 de agosto de 2006 construíram um 635 Aporofobia é um conceito desenvolvido por Adela Cortina em sua obra Aporofobia el rechazo al pobre un desafio para la democracia em 2017 que designa os discursos de estigmatização dos pobres 636 Enclave é um conceito de geografia política para designar um território com distinções políticas sociais e cultu rais cujo as fronteiras ficam dentro dos limites de outro território 637 Tierry Paquot Los muros del miedo en Le Monde Diplomatique nº 132 octubre 2012 638 Cfr M Ordovás Políticas y estrategias urbanas La distribución del espacio privado y público en la ciudad Ma drid Fundamentos 2000 471 muro de 84 metros de cumprimento e 3 metros de altura para separar a cidade decente da cidade infestada de imigrantes deste último lado da barreira só en contramos tunisianos e nigerianos que apenas conseguem sobreviver Neste caso e em tantos outros que se repetem com frequência os muros são construídos para defender os ricos dos pobres Isto demonstra que a resposta administrativa frente o discurso do medo e desordem habitualmente reforça o discurso da ordem não em um sentido organizacional mas no sentido de trazer em primeiro plano a dimensão da se gurança policial e repressiva Frequentemente as soluções propostas somente em nome dessa segurança policiada e de ordem pública que acabam por fragmentar ainda mais a complexidade das cidades tornando impossível ou muito difícil a comunicação entre as diferenças existentes separando mais ainda aqueles que vi vem isolados favorecendo a incompreensão e o distanciamento e por fim propi ciando choques entre indivíduos e entre comunidades Desta forma os conflitos socioeconômicos de base se policiam eou militarizam e consequentemente ante a isso somente caba uma resposta repressiva punitiva e de encarceramento em termos da ordem pública A cidade formal se converte desta maneira em gen darme639 repressivo da cidade informal a qual por outra parte se convertem em um bode expiatório de todos os problemas sociais Tudo isso provoca uma anulação da cidadania frente ao individualismo isolado que é uma consequência dos efeitos negativos da globalização neoliberal Isto é o que se denomina de retrocesso individualista ou inclusive a privati zação eou mercantilização do vínculo social ou espaço público O retrocesso individualista converte o cidadão em uma espécie de autista social e rompe toda a possibilidade de crítica social agora o que se precisa fazer é adaptarse ao mundo tal e qual ele é não de mudálo apenas sobreviver Mas a adaptação implica em parte na submissão acrítica e indiferença e por outra a um neoindividualismo possessivo e consumista que se opõe ao coletivo ao público e a defesa dos inte resses sociais gerais A atual doutrina neoliberal da globalização tem reduzido a vida humana a uma mera análise de custos e benefícios um individualismo sistemático baseado em cálculos e vantagens individuais obtidas dentro de um grupo social Com ele a ganância privada se eleva ao valor supremo universal e os seres humanos acabam praticando um individualismo privatista mas sem uma má consciência sob à mira gem do mito da eleição livre Mas este tipo de individualismo destrutivo do social se desdobra por sua vez no que se poderia denominar como o individualismo da desapropriação que é aquele que deriva dos efeitos negativos que a sociedade 639 Soldado da força incumbida de velar pela segurança e ordem pública conceito original da França 472 global implica à maioria das pessoas ausênciaprecarização de trabalho acultura lização desproteção institucional aos cidadãos perda de direitos Isto conduz a uma ética niilista de desesperança e do salvasse quem puder e eu por primeiro640 Este é o triunfo da privacidade frente a coletividade o triunfo da sociedade do privado e da privatização dos espaços públicos O triunfo da liberdade para eleger para ter sucesso ou fracasso ser rico ou ser pobre O triunfo da respon sabilidade individual que anula qualquer responsabilidade coletiva e por tanto qualquer iniciativa de solidariedade social se você é pobre a culpa é sua Cada cidadão se converte em um agente do seu próprio destino perdendo elementos comuns de segurança e o objeto da luta coletiva por interesses gerais a todos Os habitantes da cidade se configuram como novos sujeitos em busca de um reconhecimento mínimo de direitos e integração As vezes escapam aos sis temas formais de representação política para converterse em diferentes tipos de atores políticos informais em expansão que geram novas dinâmicas políticas e sociais também informais por exemplo os imigrantes os deslocados ou indigen tes as minorias estigmatizadas por sua etnia ou religião641 TRABALHO E CIDADE As mudanças no mercado de trabalho produzidas nas últimas 3 décadas estão condicionando também as vidas nas cidades De um lado o trabalho está perdendo seu lugar central na estruturação das sociedades globais e o direito ao trabalho cai a uma espécie de anomia constitucional que lhe dá cada vez mais o seu caráter político e reivindicativo Por outro a revolução da inteligência arti ficial IA tem aberto um processo de informatização e robotização do trabalho de consequências ainda imprevisíveis No momento que já estamos vivendo é a assimetria atual entre trabalhos qualificados com um nível de formação muito elevado dividido entre a classe elitista e individualista de pessoas que se movem entre uma vintena de cidades por todo o mundo a denominada classe criativa descrita por Richard Florida como um novo estrato socioeconômico642 e entre trabalhos não qualificados realizados pelos imigrantes econômicos ou deslocados que tentam entrar de qualquer maneira possível aos países ou regiões de progresso ou de paz A criatividade está se convertendo agora no elemento fundamental da 640 Cfr María José Fariñas Dulce Mercado sin Ciudadanía Las falacias de la globalización neoliberal Madrid Biblioteca Nueva 2005 y Democracia y Pluralismo Una mirada hacia la Emancipación Dykinson Madrid 2014 641 Cfr Saskia Sassen La ciudad global Buenos Aires Eudeba 1998 642 Richard Florida y su grupo de investigación reconvertido en think tank y consultora global Creative Class son uno de los referentes fundamentales en el debate urbano y en el papel de la innovación y la creatividad en el desarrollo económico Cfr La clase creativa La transformación de la cultura del trabajo y el ocio en el siglo XXI Paidós 2010 473 competitividade global O talento a inteligência e a criatividade são a força mo triz da economia Já não é mais o capital nem a empresa mas sim a criatividade humana o recurso econômico definitivo E provavelmente isso ocorre porque segundo o relatório do Banco Mundial de 2006 enquanto o capital natural representa somente 5 da riqueza mundial e o capital manufaturado 18 o capital intangível representa a maior parte da riqueza com 77 As cidades se transformaram dessa forma em novos atores sociais e os estados e nações possuem cada vez mais um papel menos relevante no cenário global Assim feito um dos objetivos do urbanismo atual é criar ambientes pro pícios à criatividade ou com climas criativos dinâmicos A cidade criativa é um dos slogans mais procurados pelas prefeituras seguindo a ideia de uma espécie de geografia da felicidade Mas a grande ironia da utopia da economia criativa globalizada é que o mundo é cada vez mais desigual A economia criativa está gerando cada vez mais concentra ção densidade agrupamentos de talentos e de criatividade em diversos picos ou espaços concretos e consequentemente mais desigualdade Os membros da classe criativa migram de uma grande cidade para a outra Mas seu mundo é formado por uma vintena de cidades de primeira ou picos urbanos Estes picos estão se trans formando em novos polos de crescimento da economia mundial mas também estão cada vez mais desconectadas do resto de seus países Na atualidade os fatores econô micos principais talento inovação e criatividade não estão distribuídas de maneira uniforme na economia global Apenas 25 mega regiões urbanas do mundo acolhem 16 da população mundial todavia geram 66 da atividade econômica e ate 86 das patentes registradas Isto está gerando sociedades cada vez mais desigual elitistas individualistas e instáveis Por exemplo em Xangai um cidadão médio tem menos recursos do que teria caso fosse um morador da Europa ou EUA mas as pessoas das zonas rurais chinesas ainda vivem em condições de précivilização Se não se controla a economia criativa irá criar ainda mais concentração mais desigualdades socioeconômica e territorial A concorrência global incita hoje às grandes megaregiões urbanas seguirem crescendo ao custo de exacerbar com isso as disparidades socioeconômicas e territoriais fomentando assim po tenciais conflitos socioeconômicos Por outro lado gerir as desigualdades entre as acima citadas e os vales de todo o mundo é o maior objetivo político de nossa era globalizada DEMOCRATIZAR A CIDADE É preciso levar em consideração que nenhuma cidade mesclada e fragmen tada é viável sem valores compartilhados Isto implica em pactuar regras normas 474 e obrigações comuns Os conflitos culturais e sociais os que se tem de fazer frente a cidade do século XXI e que são inevitáveis em toda sociedade complexa não podem superarse unicamente mediante o respeito ingênuo das diferenças ou mediante a apologia643 que nos separa Somente a busca de uma identidade com partilhada a identidade cívica como cidadãos titulares de direitos e obrigações permite construir valores comuns Mas isto sugere uma maior responsabilidade política frente a construção das cidades do futuro e aos valores que se querem potencializar Democratizar a cidade desde dentro A democracia municipal deveria ser a peça chave da agenda política especialmente no âmbito latinoamericano Como dizia Castoriadis se todos não participam a estrutura democrática da sociedade se debilita Este fato implica em dar uma oportunidade ao local como experiência de um novo tipo de ação política flexível tolerante aberta que decorra as vezes por canais alheios ao da ação da política formal Fomentar a participação para gerar inclusão e coesão social Para isto a cidade deve ser capaz de gerar uma coesão urbana que rompa a dualidade e a fragmentação A produção coletiva de vínculos sociais e de sentido comum é uma aventura mais arriscada e emocionante mas além da automatização multi culturalista de um espaço urbano animado por um ingênuo politeísmo de deuses e valores culturais que a tempo têm sido desembocado em guetos marginaliza ção e a falta de comunicação A opção política do multiculturalismo fracassou Este é o momento de explorar outras opções como a da intercultura e o diálogo dialógico dando voz a uma externalidade e uma excentricidade cultural e epistêmica Em vez de ir do centro até a periferia como tradicionalmente se tem feito vamos da periferia para o centro Corrigir as desigualdades com políticas sociais desenvolvimento susten tável e redistribuição equitativa dos recursos com o objetivo de conseguir uma subordinação da riqueza buscando um interesse geral As estruturas societárias de nossas cidades devem ser capazes de reforçar os instrumentos de redistribuição do poder social entre todos os seus cidadãos do contrário a cidade se torna um emaranhado de cultivo para a radicalização identitária ética cultural nacional ou religiosa de grupos especialmente vulneráveis ou desfavorecidos socialmente Neste sentido a obrigação das instituições públicas em matéria de direitos funda mentais consiste em seguir políticas públicas que garantam o direito dos pobres e marginalizados a participar E participar implica ir além de uma simples con sulta eleitoral Consiste em se fazer presente aos que carecem de poder em estar 643 NT Ressaltase que o sentido utilizado pela autora ao usar o termo no original espanhol apología remete a ideia de justificação defesa ao tratar que para se superar os conflitos é preciso superar também os discursos que os sustentam as apologias que os justificam naturalizam e perpetuam a separação entre os seres humanos 475 dispostos a compartilhar e dividir o poder Para isto é imprescindível um novo desenho das políticas fiscais como instrumentos de inclusão e democratização das cidades Revalorizar o público e fomentar eticamente a ação política como uma arte do bem comum para a construção de vínculos sociais e de sentido Para isto é preciso reconstruir a ideia de espaço público como um espaço de encontro de dialogo de conversa democrática de conflito criativo e positivo e de partici pação de todos e para todos Não devemos nos esquecer que o espaço público é um lugar de socialização por excelência e que deveríamos fazermos que fosse um ambiente solidário e igualitário Transparência na gestão cidadã e finança política a fim de evitar descon fianças dos cidadãos em direção as instituições políticas e combater a corrupção e o abuso de poder Neste sentido o artigo 12 da carta mundial de direito a cida de estabelece que todas as pessoas têm o direito a participar através de formas diretas e representativas na elaboração definição e fiscalização da implementação das políticas públicas e do pressuposto municipal nas cidades para fortalecer a transparência eficácia e autonomia das administrações públicas locais e das or ganizações populares Reconhecer e garantir o direito a ser cidadão e ao direito a cidade em seu mais profundo sentido Pelo que representa a população imigrante o estabele cimento da cidadania local ou de residência por exemplo a partir dos 3 anos de que seria um título suficiente de registro na cidade seria um bom critério de integração dos imigrantes e reconhecimento de direito aos mesmos Porque em matéria de direitos os que habitam um lugar são pertencentes a esse meio enquanto residam nele de forma estável É dizer que se deve considerar cidadão todas as pessoas que habitem de forma permanente ou transitória nas cidades Para ser titular de direitos não tem que se perguntar aonde se nasceu mas onde se mora Assim declara expressamente a Carta Mundial do Direito da Cidade em seu preâmbulo Fomentar a criação de espaços públicos como locais de reconhecimento mutuo e de integração dos diferentes Isto implica administrar o pluralismo sem delimitar fronteiras reais ou simbólicas que somente servem para delimitar o espaço público sem estabelecer limites ou muros internos e externos no espaço urbano já que os muros somente são instrumentos de status e de poder Em âmbito local deveria ser mais fácil se aproximar da diversidade e gerar mecanis mos de convivência onde caibam todos Envolver os agentes sociais do lugar em um sentido amplo desde os polí ticos e investidores até o cidadão comum que supostamente programas de par ticipação cidadã e de educação intercultural ambiental e de eco feminista Isto 476 implica na incorporação da transversalidade das diferentes lutas de emancipação feminismo indígena movimento LGBT imigração refugiados frente a ce lebração dos dogmas locais com sua dose de vitimismo e superioridade moral A emancipação implica aqui em transcender o imobilismo do local até uma posição cosmopolita e transcultural Entender o público como espaço de reconhecimento do outro A nova sociedade criativa do conhecimento deveria articularse como uma sociedade do reconhecimento se comprometeria em fazerse visível para os outros habilitar políticas de presença fazêlas participar na divisão do poder Para chegarmos até este ponto é imprescindível redefinir espaços de formação de opinião pública e da expressão cidadã com meios de comunicação livres e plurais REFERÊNCIAS Ignacio Ramonet ed La ciudad inquieta El urbanismo contemporáneo entre la realidad y el deseo Madrid Fundación Santander Central Hispano 2005 M Ordovás Políticas y estrategias urbanas La distribución del espacio privado y público en la ciudad Madrid Fundamentos 2000 María José Fariñas Dulce Mercado sin Ciudadanía Las falacias de la globalización neoliberal Madrid Biblioteca Nueva 2005 y Democracia y Pluralismo Una mirada hacia la Emancipación Dykinson Madrid 2014 Mary Kaldor Las nuevas guerras violencia organizada en la era global Barcelona Tusquets 2001 Ignacio Ramonet Guerras del siglo XXI nuevos miedos nuevas amenazas Barcelona Mondadori 2002 Saskia Sassen La ciudad global Buenos Aires Eudeba 1998 Jeremy Rifkin Homo urbanus celebración o lamento en El País 6 de enero de 2007 Richard Florida y su grupo de investigación reconvertido en think tank y consultora global Creative Class son uno de los referentes fundamentales en el debate urbano y en el papel de la innovación y la creatividad en el desarrollo económico Cfr La clase creativa La transformación de la cultura del trabajo y el ocio en el siglo XXI Paidós 2010 Tierry Paquot Los muros del miedo en Le Monde Diplomatique nº 132 octubre 2012 477 PODER AÉREO COMO PODER DE POLÍCIA644 Mark Neocleous645 As credenciais políticas de Walt Disney são bem conhecidas usando tra balho escravo para produzir Dumbo recontando a história do colonialismo atra vés do mito de Pocahontas aparecendo no Comitê de Atividades Antiamericanas da Casa informando sobre ameaças de segurança sendo a única celebridade de Hollywood a receber a cineasta nazista Leni Riefenstahl e sendo ele mesmo rece bido por Mussolini Menos conhecido em meio a essa postura política e trabalho ideológico é um filme de desenho animado lançado por sua empresa em 1943 chamado Victory Through Air PowerVitória Através do Poder Aéreo Baseado em um livro do mesmo título escrito pelo Major Alexander P De Seversky publicado um ano antes e vendido em centenas de milhares através do Clube do Livro do Mês o filme abre com um clipe antigo de noticiário do poder aéreo Billy Mitchell delineando a doutrina do bombardeio estratégico que até então era toda a raiva Após a dedicação do filme a Mitchell o filme cobre a história dos aviões movendo se rapidamente para o uso em batalha e superioridade de navios de guerra e para o bombardeio do polvo japonês pense no Japão como um grande polvo Seversky tinha sugerido em seu livro Os tentáculos imperiais do polvo japonês estrangulam várias partes do globo mas o filme termina com o Japão sendo bombardeado em ruínas não temos outra alternativa senão atacar os tentáculos um por um acres centou Seversky e o clímax com os bombardeiros transformandoos em um dos símbolos da soberania e do poder do Estado americano a águia que leva o polvo japonês à morte No clímax da batalha America the Beautiful pode ser ouvida e o filme termina com Victory Though AirPower percorrendo a tela em letras grandes O significado do filme era abundantemente claro poder aéreo significa que o tra balho de aniquilação pode ser realizado de forma mais eficiente pois quando os céus sobre uma nação são capturados tudo abaixo fica à mercê das armas aéreas do inimigo 1942 páginas 104 335 352 644 O texto original em inglês foi publicado com o título Air power as police power na revista Environment and Planning D Society and Space 2013 volume 31 pages 578 593 a tradução para o português foi feita por Felipe da Veiga Dias 645 Mark Neocleous é professor de Crítica de Economia Política da Brunel University London autor de muitos livros incluindo Critique of Security 2008 e War Power Police Power 2014 Uma nova edição de seu livro The Fabrication of Social Order A Critical Theory of Police Power 2000 será republicada pela editora Verso em 2020 atualmente está trabalhando em dois novos projetos de livros o primeiro é chamado de Poderes de Pacificação e o segundo chamado imunidades imaginadas email markneocleousbrunelacuk 478 O filme da Disney ficou indisponível por décadas mas em 2004 foi reem pacotado como parte de uma edição twoset de filmes de propaganda feitos pela empresa dos quais o Victory Through Air Power constituiu o segundo disco junta mente com algum material bônus Era um ano extraordinariamente oportuno para publicar um filme de propaganda de sessenta anos sobre o poder aéreo porque em 2004 o Iraque havia se tornado o centro das atenções naquela que era uma guerra decididamente centrada no ar contra o terror Quando a guerra ao terror foi ofi cialmente iniciada em 7 de outubro de 2001 rapidamente ficou claro que se tratava de uma guerra de bombardeio Durante a primeira semana os bombardeiros B1 e B52 lançaram no Afeganistão cerca de quinhentas bombas guiadas por GPS mil bombas mudas Mk82 bombas nãoguiadas e cinquenta munições de efeitos combinados CEMs ou bombas cluster armas que liberam centenas de submuni ções em uma ampla área Mais de mil bombas de fragmentação foram usadas até o final de 2001 quando explosivos de arcombustível FAEs bombas termobáricas produzem uma sobrepressão de 427 libras por polegada quadrada e uma tempe ratura de 2500 a 3000 C gerando um impacto que foi comparado ao efeito de uma arma nuclear tática mas sem a radiação também estavam sendo usados junto com bombas de lama de BLU82 de 15000 lb conhecidas como cortadores de margarida aproximadamente o tamanho de um carro pequeno liberada da parte de trás de um avião de carga de alta altitude carregando mais de 12 000 libras de uma pasta química formada de nitrato de amônio pó de alumínio e poliestireno No Iraque só no primeiro mês cerca de 1500 bombas de fragmentação foram lançadas no país e nos três meses seguintes mais 10000 foram retiradas pelos EUA e pouco mais de 2000 pelo Reino Unido646 Esta guerra aérea continuou no Paquistão Iêmen e outros lugares e qualquer um que ler os jornais também estará ciente da proliferação do uso de drones uma questão à qual retornarei A guerra ao terror não é nada se não uma guerra do ar Vivemos em um mundo feito pelo poder aéreo Swift 2010 Olhando para trás apenas no último meio século vemos o uso de aeronaves no Vietnã pelos EUA e pelos franceses antes deles o bombardeio usado pelos britânicos na Malásia Áden e Omã por Portugal em Angola e Moçambique durante a déca da de 1960 pelos franceses na Argélia pela rodésia branca contra a resistência negra na década de 1970 pela África do Sul contra a Organização do Povo do Sudoeste Africano na década de 1970 em toda a América Latina pelo regime de Somoza em sua tentativa de esmagar os sandinistas para não falar dos soviéticos no Afeganistão ou o uso extensivo e sistemático de Israel do poder aéreo contra os palestinos Nós realmente vivemos em um mundo moldado pelo poder aéreo e pelo bombardeio 646 Para atualizações contínuas consulte httpwwwlongwarjournalorg e httpwwwiraqbodycountorg 479 A abordagem padrão ao poder aéreo em geral e ao bombardeio em parti cular é considerálo em termos de um debate que se diz ter origem na Segunda Guerra Mundial Caren Kaplan 2006 por exemplo vincula o discurso de se gurança nacional após 11 de setembro de 2001 ao surgimento de uma segurança nacional do poder aéreo durante a Segunda Guerra Mundial e John Dower 2010 considera similarmente o bombardeio estratégico do século XXI em ter mos de bombardeio terrorista como um procedimento padrão da Segunda Guer ra Mundial Andreas Huyssen 2003 também observou que a oposição à guerra aérea em 2003 remontava à guerra aérea sobre a Europa sessenta anos antes Mas o problema de voltar à Segunda Guerra Mundial é que isso tende a encorajar as pessoas a pensar no poder aéreo em termos puramente militares e geralmente bastante conservadores como o impacto do poder aéreo sobre a estratégia militar ou em termos puramente éticos e geralmente bastante liberais como o impacto do bombardeio sobre a teoria da guerra justa Como aponta Derek Gregory 2011a p 205 há uma longa história de se assumir que a guerra aérea é por sua própria natureza virtuosa Essa é a razão pela qual o bombardeio aparece pesadamente na teoria liberal da guerra justa bombardeios dizemnos com frequência é uma maneira de tornar mais fácil ser bom Thomas 2001 página 173 e por que o bombardeio de cidades alemãs e japonesas no final da Segunda Guerra Mundial figuras tão grandes nos debates Eu quero começar por tomar as linhas de descendência do poder aéreo Gregory 2011b além da 2ª Guerra Mundial e de volta aos anos 20 Por que os anos 1920 Em 2009 a US Air University publicou um docu mento sobre o poder aéreo como uma opção politicamente viável legitimadora e flexível para os Estados Unidos acrescentando que em futuros conflitos assim como no Iraque a estratégia deve ser a de se apropriar dos métodos aéreos desen volvidos no contexto colonial da década de 1920 Ou seja o documento afirma que o policiamento aéreo britânico da RAF no Iraque na década de 1920 era uma missão contrainsurgente no sentido mais verdadeiro Rundquist 2009 páginas 3 7 51 Isso se baseou em trabalhos anteriores como o Relatório do Departamento de Defesa de 2006 sobre tribos iraquianas que lembrou o De partamento do exemplo histórico do sucesso britânico no uso da força no Iraque A Revolta de 1920 entrou em colapso quando a determinação britânica em contraatacar se tornou aparente Os britânicos transmitiram com sucesso que eles eram a força superior ou a tribo superior e que eles não seriam dissuadidos facilmente E esse sucesso foi fundado no poder aéreo capacitado em grande parte pelo poder aéreo os britânicos puderam permanecer no Iraque com recur sos mínimos através de sua independência em 1932 e além Todd 2006 seções 523 Estes são apenas dois dos muitos documentos em que a potência militar líder mundial recentemente procurou aprender algumas lições das práticas colo 480 niais especialmente as práticas coloniais britânicas da década de 1920647 Então uma razão para olhar para os anos 1920 é porque este parece ser um lugar onde o poder militar principal também está procurando Meu objetivo no entanto não é tanto fazer um ponto histórico a ponto de ajudar a estabelecer algumas das bases para pensar o poder aéreo como poder policial ver também Neocleous 2013a Polícia aqui se refere não à prevenção do crime e aplicação da lei mas ao processo mais geral de administração segurança e ordem Tal conceito de polícia remonta ao cameralismo e à ciência policial do século 18 e retoma a centrali dade da ideia policial no trabalho de uma variedade de pensadores de Adam Smith a Georg Wilhelm Friedrich Hegel Como Michel Foucault explica através de uma série de textos referindo às vezes diretamente e às vezes alusivamente aos primeiros pensadores policiais e muitas vezes como uma maneira de tentar entender alguns de seus conceitos mais conhecidos como o poder pastoral e a governamentalidade a polícia conota um conjunto de aparatos e tecnologias que constituem a economia e a ordem do trabalho Esta é a polícia como a manutenção do corpo político em termos de sua saúde e bemestar daí a história rica mas negligenciada da polícia médica e como um princípio geral que cria um corpo social a partir de sujeitos individuais os cidadãos mais bem captura dos na frase em latim usada por Foucault quando lidam com a ideia de polícia omnes et singulatim todos juntos e individualmente Foucault 1973 1981 p 249 Mais do que tudo no entanto este é um conceito de polícia como um conjunto de medidas que tornam o trabalho possível e necessário para todos aqueles que não poderiam viver sem ele Foucault 2006a página 62 Procurei em outros lugares desenvolver essa ideia de polícia como o coração da fabricação da ordem social e mais especificamente a fabricação de uma ordem social de tra balho assalariado Também procurei mostrar que essa centralidade da polícia na fabricação da ordem social é a própria razão pela qual o conceito tão central para a polícia a saber a segurança é o conceito fundamental da sociedade burguesa Neocleous 2000 2008 O que eu quero fazer aqui é tentar pensar no que é ge ralmente considerado como um modo de ação quintessencialmente militar em termos da lógica da polícia Esta análise histórica de um momento particular na guerra aérea do século XX na primeira parte do documento pretende então abrir um debate no restante do artigo sobre como podemos usar melhor os conceitos de guerra e polícia ou mesmo talvez um conceito de polícia de guerra em nossa compreensão do poder contemporâneo 647 Um relatório publicado pelo Air Power Research Institute em 1986 e reimpresso três vezes desde então observa que a história da Força Aérea Real RAF entre as guerras oferece a lição importante que o poder aéreo pode ser moldado de maneiras criativas para alcançar resultados políticos Dean 1986 p 25 481 BOMBARDEADO EM ORDEM Em 1918 os britânicos divulgaram dois relatórios sobre a ideia de que na próxima guerra a existência do Império Britânico dependerá principalmente de sua força aérea A Real Força Aérea é um serviço imperial diziase e como consequência era necessária uma força aérea imperial para ser a primeira linha de defesa do Império Britânico ambos os relatos em Sykes 1942 páginas 544 554 558 Planos nesse sentido já haviam sido feitos quando em 1914 Winston Churchill então Primeiro Lorde do Almirantado encomendou um relatório so bre o possível uso do poder aéreo na Somalilândia após o uso de aeronaves nas campanhas na Arábia e no Sudoeste e Leste da África durante a Primeira Guerra Mundial Killingray 1984 página 429 Em março de 1919 aviões britânicos bombardearam aqueles que se rebelavam contra a lei marcial no Egito e a RAF também foi usada para reprimir revoltas no Punjab Iêmen Palestina e Meso potâmia na operação mais longa com duração de um mês e meio a partir de meados de novembro de 1919 em Punjab entre 25 e 7 toneladas de bombas foram lançadas nos grupos tribais de Mahsud e Wazir No Afeganistão em 1919 ataques aéreos foram realizados em Cabul Jalalabad e Dakka e na Somalilândia em 1920 Mas a verdadeira mudança ocorre no Iraque uma terra rica em re cursos inexplorados e um espaço geopolítico que oferece uma rota segura para a Índia se colocada sob controle Uma grande revolta ocorrida no verão de 1920 e iniciada no início de 1921 levou Churchill a reunir mais de quarenta especialistas militares e civis em uma conferência no Cairo para determinar a política para a região O número de tropas deveria ser reduzido e substituído por subsídios pagos a governantes nativos e o objetivo aparentemente contraditório de manter a ordem enquanto removia tropas seria resolvido através do desenvolvimento e aplicação do poder aéreo Um artigo do EstadoMaior da Aeronáutica propunha que a eficácia da Força Aérea Real como um braço independente deveria ser posta à prova pela transferência de responsabilidade primária pela manutenção da ordem em alguma área do Oriente Médio de preferência na Mesopotâmia citado em Omissi 1990 página 25 Como vários historiadores apontaram não é exagero dizer que a principal instituição tanto na criação do Iraque quanto no subsequente exercício do poder estatal na região foi a força aérea Dodge 2003 Omissi 1990 Townshend 2010 Foi no Iraque que os britânicos praticariam rigorosamente se nunca perfeita a tecnologia do bombardeio como método per manente de administração e vigilância colonial e que ali teorizariam plenamente o valor do poder aéreo como um braço independente dos militares Satia 2008 página 240 No entanto isso estava longe de ser uma prática peculiar aos bri tânicos no Iraque pois era compreendida e aplicada por todos os estados com colônias na medida em que toda grande potência que buscava assegurar suas 482 colônias achava que os aviões eram indispensáveis Aeronaves foram usadas na década de 1920 pelos britânicos no Afeganistão Egito Punjab Iêmen Palestina Somalilândia e África do Sul pela Itália na Líbia pela França no Marrocos e na Síria eles até se referiam a bombardeio colonial para o qual desenvolveram um bombardeiro chamado Type Coloniale para o mesmo fim e pelos EUA no México República Dominicana e Nicarágua O poder aéreo e o bombardeio es tratégico foram com efeito desenvolvidos como a principal arma de pacificação do Estado colonial entre as duas guerras mundiais Apesar de algumas diferenças importantes entre as práticas nos vários locais de dominação colonial os variados graus de violência envolvidos e os vários níveis de resistência encontrados não deixa de ser seguro dizer que o poder aéreo e o domínio colonial andaram de mãos dadas Quaisquer que tenham sido as diferenças envolvidas a colonização do final da Primeira Guerra Mundial foi sem dúvida um processo imposto pelo ar Weizman 2007 p 239 Este exercício imperial de poder aéreo e exercício aéreo do poder imperial tendeu a ser tratado como uma nota marginal à história do bombardeio estraté gico É um caso de pequenas guerras mera contrainsurgência se alguém ler as histórias militares Mas precisamos ser claros sobre o que o poder aéreo estava fazendo Pois o que estava fazendo então poderia nos dizer algo sobre o poder aéreo agora e assim de uma maneira indireta também pode nos dizer algo sobre contrainsurgência agora Pois o poder aéreo de fato consiste em não apenas bombardear o inimigo como uma estratégia militar mas como um mecanismo chave de construção de ordens Longe de serem entendidos em termos de estra tégia militar o poder aéreo e o bombardeio estratégico foram considerados pelas democracias liberais da época como uma forma de governo um mecanismo de boa ordem um agente de governo rápido nas palavras de Sir John Maffey quando governadorgeral do Sudão Killingray 1984 Se usarmos nossa Força Aérea de maneira sábia e humanitária tal clamor que lá há cessará e a ação aérea será considerada como uma arma normal e adequada para fazer cumprir as justas exigências do governo comentou o Comandante do Comando Aéreo na Índia em 1923 citado em Omissi 1990 p 150 Podese ver isso nos vários conceitos que vieram e foram para capturar o que estava sendo feito através do poder aé reo substituição de ar Controle sem ocupação Bombardeio policial Estes acabam por se transformar no termo que é usado muito mais amplamente e que então tem uma história própria a polícia aérea Assim quando o Comodoro Aéreo Lionel Charlton chegou a Bagdá em fevereiro de 1923 como um oficial sênior e sua visita de inspeção no sul do Iraque o levou para um hospital ele experimentou uma espécie de choque com a visão dos feridos dos atentados e ficou espantado ao saber que uma bomba aérea no Iraque era mais ou menos o equivalente a um cassetete policial em casa Charlton 1931 p 271 E é pre 483 cisamente esse conceito de polícia aérea que raramente é reconhecido no prin cipal trabalho sobre poder aéreo e bombardeio estratégico que tende a tratálo como uma nota de rodapé da política interna da polícia ou como um prelúdio para as grandes batalhas aéreas de 1939 a 1945 quando na verdade a polícia aérea e o bombardeio policial eram uma característica universal da dominação colonial Omissi 1990 páginas ixx e 208 Mais ou menos desde o seu início o poder aéreo foi estruturado em torno do conceito policial Seu conteúdo sugere que a questão não é o uso do bombar deio como um processo reativo mas ao contrário precisa ser entendido em ter mos da doutrina policial clássica polícia preventiva segurança civilização e ordem Ou seja o propósito do poder aéreo não era meramente sufocar a de sordem no seu nascimento JHH pseudônimo 1933 p 463 mas construir uma nova ordem Assim o conceito que havia estado no centro da fabricação da ordem burguesa a polícia estava sendo empregado no contexto colonial e alcançado através do poder aéreo Poderíamos enfatizar isso apontando várias dimensões do poder aéreo como poder policial O primeiro mais óbvio é que a prática central envolvida bombardean do foi explicitamente destinada a esmagar qualquer rebelião contra o domínio colonial e cortar a possibilidade de resistência Há pouca razão para dizer muito sobre isso Não só é uma característica bastante óbvia do poder aéreo mas tam bém depende fortemente de um conceito de polícia como puramente reativo à desordem onde de fato o argumento procura trabalhar com um conceito policial que considera o poder policial criativo e produtivo A segunda dimensão diz respeito ao uso do poder aéreo no processo do que Marx chama de acumulação primitiva isto é negar a subsistência dos tri bais fora da economia política imposta dentro da ordem colonial Como David Omissi 1990 páginas 155156 coloca O bombardeio persistente poderia impedir o acesso das tribos às suas aldeias e forçálas a viver em cavernas desconfortáveis onde às vezes sofriam de escassez de água se estivessem longe de nascentes Aeronaves poderiam dispersar os rebanhos o que significava uma escassez de produ tos de origem animal e a perda de bestas valiosas para os lobos Patrulha de bombardeiros pode impedir que membros de tribos entrem em seus campos e assim interromper a agricultura e a irrigação Bombas de ação atrasadas e ataques noturnos iluminados por foguetes de paraquedas poderiam obstruir o trabalho vital Um relatório do ViceMarechal do Ar Sir John Salmond depois de uma missão em 1922 na Índia para divulgar o evangelho do controle aéreo após sua aplicação ao Iraque observou que o peso real da ação do ar está na interrupção diária da vida normal que pode infligir Ele pode derrubar os telhados das cabanas e impedir seu reparo uma inconveniência considerá vel no inverno Pode interferir seriamente na aragem ou na colheita uma questão vital ou queimar as reservas de combustível laboriosamente empilhadas e acumuladas para o inverno pelo ataque ao gado que é a principal forma de capital e fonte de riqueza para as tribos menos 484 povoadas pode impor com efeito uma multa considerável ou interferir seriamente na fonte real de alimento da tribo e no final o membro da tribo acha que é muito melhor obedecer citado em Longoria 1992 página 32 A opinião de Salmond repetiu as instruções de um Documento Confiden cial 22 um manual da RAF intitulado Operações datado de 1922 e conhecido como CD 22 a força no campo deve primeiro ser atacada e destruída Isso deve ser seguido pelo bombardeio contínuo de sua capital e posteriormente das aldeias vizinhas plantações e estoques vivos O manual passou a se referir a fábricas e en troncamentos ferroviários como alvos legítimos Parton 2009 página 34 Essa ideia encontrou seu caminho na doutrina oficial e nos jornais profis sionais semioficiais como o Royal Air Force Quarterly as operações aéreas não são planejadas para espalhar a morte e o sofrimento mas para desgastar a moral do homem da tribo e deslocar sua vida normal Se desejável pequenas bombas são largadas para dar uma última oportunidade de fuga para a segurança O bombardeio é então regulado de acordo com os requisitos para manter as aldeias vazias e os membros da tribo de cuidar de suas colheitas gado e necessidades diárias O homem da tribo expulso de sua aldeia que contém todas as suas necessidades encontra o fardo de sua existência aumentando diariamente ele é privado de seu abrigo normal despojado de suas comodidades habituais e interrompido em seu sono seus rebanhos estão espalhados Abrigos ou depósitos de grãos e combustível podem ser bombardeados culturas podem ser destruídas KingstonMcClou ghry 1937 páginas 202204 Em outras palavras o poder aéreo foi usado especificamente para destruir modos de subsistência que poderiam ter permitido aos povos nativos sobrevive rem fora do novo regime de acumulação Isto está bombardeando como acumu lação primitiva Terceiro embora intimamente ligado o controle do ar também era uma forma de coleta de impostos com bombardeios usados para garantir que as tri bos pagassem seus impostos ou como punição por não fazêlo Dodge 2003 p 133 O quadro mais amplo aqui requer um lembrete da centralidade da tribu tação como uma técnica de poder e no contexto colonial como um mecanismo de proletarização e comercialização Uma das principais figuras da colonização britânica da África Sir Harry Johnston estabeleceu os princípios da tributação colonial em 1896 Dada a abundância de mão de obra nativa barata a segurança financeira do Protetorado é estabelecida Tudo o que precisa ser feito é que a Administração aja como amiga de ambos os lados e introduza o trabalhador nativo no capitalismo europeu Uma gentil insistência de que o nativo deva contribuir com seu quinhão para a receita do país pagando seu imposto é tudo o que é necessário de nossa parte para garantir que ele tome parte do trabalho da vida que nenhum ser humano deve evitar citado em Davies 1966 página 35 Essa visão de que o trabalho assalariado poderia ser cada vez mais introdu zido por meio de um novo regime tributário passou a permear a mente colonial Como disse Sir Percy Girouard em 1913 falando de sua própria longa experiên cia no exercício do poder colonial 485 Consideramos que o único método natural e automático de assegurar uma oferta de trabalho constante é garantir que haja concorrência entre os trabalhadores para contratar e não entre os empregadores para os trabalhadores tal competição só pode ser provocada por um aumento no custo de vida para o nativo e isso pode ser produzido apenas por um aumento no imposto citado em Manners 1962 página 497 Por outro lado o não pagamento de impostos poderia ser considerado uma forma de resistência passiva Assim a partir do início de 1919 tribos como Abu Salih no distrito de Suq foram bombardeadas por sua recusa em pagar impos tos enquanto a tribo Jarib do Médio Eufrates havia sido bombardeada por se recusar a ter suas safras inspecionadas para fins lucrativos Escrevendo no Daily Mail em 1922 Sir Percival Phillips sugeriu que o que quer que o governo diga em contrário governar por bombardeio na Mesopotâmia tem como um de seus motivos subjacentes a coleta de impostos de árabes turbulentos citado em Cox 1985 p página 172 Tais ataques aéreos punitivos eram frequentemente usados somente depois que o poder aéreo fora usado para convencer os súditos coloniais a pagarem seus impostos lançando panfletos do ar ou folhetos adicionais que os haviam alertado a fugir de suas aldeias antes de um ataque de bombardeio Uma quarta dimensão é o uso do poder aéreo como meio de vigilância Lord Thompson Secretário de Aeronáutica em 1924 falou do poder que tudo vê do bombardeiro citado em Satia 2008 página 245 e outros relatos falaram nos mesmos termos do solo todo habitante de uma aldeia tem a impressão de que o ocupante de um avião está realmente olhando para ele estabelecendo a impressão de que todos os seus movimentos estão sendo observados e relatados Air Staff Memorandum 1920 Desde o nascimento do poder aéreo ficou claro que a aeronave poderia e seria um instrumento crucial de vigilância permitindo um ponto de vantagem ao mesmo tempo em que nega essa posição a outros Weizman 2002 2012 Como consequência e portanto quinto o poder aéreo tornouse central para o desenvolvimento de censos e levantamentos de terra Isto é um uso do minante para o avião tem sido um modo de captura de conhecimento Adey 2010 p 86 No caso do Reino Unido por exemplo um Comitê de Pesquisa Aérea foi estabelecido em 1920 para ajudar a perceber o que era visto como um potencial chave do poder aéreo e o poder aéreo foi usado como base para novas práticas de agrimensura e vigilância como fotografia e a coleta de dados no ar ajudou a refinar a empresa cartográfica e de conhecimento Gavish 2005 Por um lado isso dizia respeito à acumulação levantamentos aéreos poderiam supe rar os mais sérios obstáculos que atrasaram até o desenvolvimento de muitos dos recursos naturais dos Domínios e Colônias Holland 1928 página 162 Uma palestra para a Royal Society of Arts em 1928 observou a importância central do poder aéreo em colocar em produção aquelas áreas de terra que agora estavam ociosas e a discussão seguinte centrouse no papel da fotografia aérea no desen 486 volvimento econômico das colônias Crosthwait 1928 página 163 Por outro lado isso também era pura contrainsurgência uma vez que as pesquisas aéreas mostravam as casas as ruas e as vielas de aldeias e vilas permitindo assim que fossem melhor administradas e policiadas Adey 2010 p 91 Se o estado é uma máquina de conhecimento então o poder aéreo era crucial para esse processo Ao realizar essas funções o poder aéreo pretendia transformar a subjetivi dade política do colonizado Um sexto ponto então é que o poder aéreo era um mecanismo para provocar uma mudança de coração no sujeito colonial como foi colocado pelo Comodoro Aéreo C F A Portal numa palestra de 1937 sobre policiamento do império Ele prosseguiu o objetivo de toda ação policial co ercitiva é provocar uma mudança no temperamento ou intenção da pessoa ou corpo de pessoas que estão perturbando a paz Portal 1959 p 357 Assim o poder aéreo teria impacto na conduta política do colonizado consolidando sua aquiescência à nova ordem Um relatório sobre o manejo florestal de 1926 afir mava que identificar por ar quais extensões de terra seriam adequadas para lim peza e restauração iria longe deixando a terra na condição mais produtiva para a qual ela pode ser trazida encorajando assim os povos nativos a gradualmente aprenderem hábitos mais estabelecidos citado em Adey 2010 p 92 No centro da promoção do poder aéreo estava sua definição como um ins trumento explicitamente moral de controle e era frequentemente argumentado pelos apologistas da Força Aérea que o policiamento aéreo alcançava seus resul tados não infligindo pesadas baixas mas através do efeito moral que poderia ter sobre a população Dodge 2003 página 146 Omissi 1990 página 152 A ideia do efeito moral entrou no conceito mais militar de moral Que o signifi cado dessa noção nebulosa pode ter mudado de acordo com o que era visto como operacionalmente possível ou politicamente conveniente é uma coisa como ob serva Omissi mas também podemos notar que o efeito moral quase sempre retorna à perturbação da vida humana causada pelo bombardeio Um Memo rando do EstadoMaior da Aeronáutica de 1922 argumentava que a ação aérea deve confiar menos em danos materiais do que no efeito sobre a moral tribal da responsabilidade constante em atacar e o consequente deslocamento contínuo da vida cotidiana citado em Biddle 2002 pp 8283 Essa ideia nos remete à conjunção de violência e força moral característica do poder policial como um processo civilizador Essa lógica do processo civilizador é capturada nesse con ceito clássico de poder policial a prevenção Como disse Sir Hugh Trenchard em uma carta ao The Times em 1925 os métodos aéreos são em suma o reverso da velha coluna punitiva Nossa política é de prevenção citado em Smith 1984 página 30 Tal prevenção só funciona quando os sujeitos aceitam a paz que lhes é imposta e se tornam civilizados isto é mostram uma aceitação geral da ordem que está sendo criada 487 Em conjunto essas dimensões apontam para algo fundamental sobre o po der aéreo seu uso não para atacar estados inimigos ou para defender o estado de ataques inimigos mas sim para a fabricação de ordem colonial como parte de um novo sistema geopolítico sendo desenvolvido entre as guerras Sugere que para compreender adequadamente o papel geopolítico do poder aéreo precisamos entendêlo conceitualmente como poder policial ARTE DA GUERRA ARTE DA POLÍCIA Pensar no poder aéreo como poder policial nos coloca diante de uma ques tão que permeia tanto o pensamento militar contemporâneo quanto a teoria crítica a saber o que aconteceu com o conceito de guerra Em um livro sobre a moderna arte da guerra chamado The Utility of Force publicado em 2005 lido pelos militares mas também publicado como um livro de bolso barato para atingir um público mais amplo o general britânico Sir Rupert Smith começa com uma declaração dura A guerra não existe mais Smith 2001 página 1 Parece contraintuitivo até surpreendente e pode ser descartado como mera pro vocação até que se perceba que agora é uma ideia comum Um relatório de 2003 do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais com sede em Washington afirma que pode ser que uma das lições da guerra moderna seja que a guerra não pode mais ser chamada de guerra Cordesman 2003 página 59 Mas se não é guerra então o que é isso A resposta para isso fornecida por uma riqueza de fontes em todo o espectro político é polícia Dizemnos constantemente que o combate e o policiamento estão dinamicamente ligados e que os papéis da polícia e das forças militares se confundem Exército e Corpo de Fuzileiros dos EUA 2006 seções 695 e 726 Essa ideia foi repetida várias vezes e está implícita nos vários conceitos atualmente comumente usados por acadêmicos e jornalistas como policial do mundo xerife gendarme global globocop soldados como policiais o azul no verde e geopolítica azul Na esquerda crítica encontrase essa ideia sendo articulada por figuras como Alain Badiou 2003 páginas 153155 que escreve sobre os governos que se opõem ao terrorismo no registro simbólico do policiamento e Gior gio Agamben 1993 p 61 que escreve sobre a guerra agora sendo apresenta da como uma operação policial aparentemente modesta Mas o trabalho mais influente foi o de Michael Hardt e Antonio Negri Em Império Hardt e Negri sugerem que a guerra é reduzida ao status de ação policial com os EUA atu ando como o poder da polícia internacional Hoje o inimigo assim como a própria guerra vem a ser banalizado e por banalizado significa reduzido ao status de repressão policial de rotina Hardt e Negri 2000 páginas 1213 39 180 181 Para não sermos claros sobre o significado deles eles repetem o ponto 488 quatro anos depois em Multidão onde nos dizem novamente que a guerra é re duzida à ação policial Hardt e Negri 2004 página 19 Esta afirmação tomou vida própria desde a sua primeira articulação por Hardt e Negri na medida em que não posso citar todas as vezes que a sua alegação foi citada com aprovação uma vez que as referências são agora centenas No entanto o que é essa redução exatamente Não nos é dito nem por que o processo precisa ser entendido como redução nem o que redução significa em qualquer sentido real A extensão do problema pode ser melhor explorada por meio de uma consideração de suas raízes no trabalho de Foucault uma vez que esses textos têm Foucault como uma pedra de toque Como mencionado acima Foucault é sem dúvida o pensador que mais fez para colocar a polícia de volta no centro do pensamento político A série de compromissos com a ideia policial citada acima através de Folie et Déraison The Birth of the Clinic e outros textos são desenvolvidos mais plenamente nas duas palestras de Foucault dadas entre 1977 e 1979 agora publicadas como Security Territory Population e The Birth of Biopolitics Ao mesmo tempo Foucault mais do que qualquer um também procurou pensar nas relações sociais usando o modelo de guerra Isso ficou claro desde a publicação de várias séries de palestras até a década de 1970 antes da Security Territory Population e The Birth of Bio politics Por exemplo o grande confinamento que em Folie et Déraison havia sido um assunto policial é tratado nas palestras de 197374 sobre o poder psiquiátrico como um campo de batalha 2006b página 7 Em outras palestras Foucault desenvolve esse enfoque como a série traduzida como Society Must Be Defended 2003 onde ele inverte Clausewitz e insiste que devemos ver a política como a continuação da guerra por outros meios que o que está acontecendo sob as rela ções de poder é a guerra que devemos analisar a frente de batalha que atravessa toda a sociedade que a paz está travando uma guerra secreta e assim por diante Essa abordagem de pensar politicamente sobre a guerra e pensar política como guerra é reforçada nos trabalhos mais substantivos de Foucault como The History of Sexuality mas principalmente em DisciplineandPunish onde ele toma como modelo uma batalha perpétua em vez de contrato e que usa os militares e não a prisão apesar dos motivos familiares do livro para entender o poder Podese portanto ler Foucault como às vezes pensando em poder através das lentes da polícia e às vezes através das lentes da guerra No entanto há algo fundamentalmente estranho no trabalho de Foucault a esse respeito na medida em que essas realmente parecem ser duas lentes diferentes Em outras palavras ele nunca faz muito para conectar seus conceitos de polícia e guerra oferecendo uma exploração de como esses dois aparatos podem ser considerados juntos um dentro do outro lado a lado ou implicados um no outro Em SocietyMustBeDe fended por exemplo ele fala longamente sobre a guerra mas dá apenas algumas 489 referências passageiras e um tanto supérfluas à polícia Nas palestras dois anos depois publicadas como Security Territory Population ele fala sobre a polícia e a guerra e ainda assim em sua maioria discuteas separadamente Ele fala de dois grandes agenciamentos um aparato militardiplomático de um lado e o aparato policial do outro E embora ele sugira que existe uma relação entre a polícia e o equilíbrio europeu mantido pela assembleia militardiplomática e que esses dois aparatos tiveram que manter uma relação de forças e depois o crescimento dessas forças de um modo que as conecte sob o signo de seguran ça ele na maioria das vezes as mantém separadas chegando até certo ponto de caracterizar o Estado italiano como um estado de diplomacia militar mas não policial Foucault 2007 p 110 296 311312 314 317 Da mesma forma Foucault descreve o grande processo de ordenamento policial que começou com a caça de vagabundos mendigos ociosos 1996 p 83 ênfase acrescen tada ver também 2006a páginas 6264 mas ignora o fato de que a história da caça é a história da guerra648 É essa relação um tanto desconectada entre o poder da polícia e o poder de guerra no trabalho de Foucault que penso explica uma série de características do pensamento contemporâneo em relação à guerra e à polícia Por um lado explica por que o volume substancial de trabalho decorrente dos argumentos de Foucault sobre a polícia raramente aborda a dimensão internacional dos poderes policiais de uma forma que possa forçar esses estudiosos a considerar a questão da guerra duas exceções sendo Dean 2006 e Walters 2002 Por outro lado é também por isso que aqueles que trabalharam para tornar Foucault mais relevante para a teoria geopolítica e internacional ignoraram mais ou menos completamente o conceito de polícia Desses últimos estudos acadêmicos deixeme dar dois exem plos abrangentes em quinze artigos publicados Em 2010 a revista International Political Sociology publicou uma edição volume 4 edição 2 com uma seção especial resultante de uma mesa redonda que explorava a relação entre Foucault e as relações internacionais na conferência da International Studies Association de 2009 No entanto nenhuma das sete contribuições levanta a possibilidade de conectar a atual questão da guerra polícia com o enorme corpo de trabalho sobre a polícia inspirado pelas ideias de Foucault sobre esse conceito Em 2011 a revista Geopolitics publicou uma edição especial volume 16 edição 2 sobre Guerra além do campo de batalha com o título projetado para significar uma abordagem à guerra fora dos principais estudos militares e estratégicos Como explicado por David Grondin em seu artigo de abertura os autores procuram ex plorar através de uma compreensão foucaultiana os espaços onde as fronteiras 648 Eu tenho explorado isso mais detalhadamente em O sonho policial da pacificação acumulação guerra de classes e a caça 2013b 490 da guerra e da política colidem 2011 p 254 Desta vez há oito contribuições mas nenhuma delas levanta a possibilidade de se conectar usando o conceito de polícia de Foucault para compreender questões geopolíticas da guerra contra o terror Polícia aparece em alguns dos artigos mas é definitivamente a polícia o órgão que prende pessoas cobra taxas regula demonstrações e assim por diante Em outras palavras o que aparece é um conceito decididamente liberal e não foucaultiano de polícia O mesmo ponto pode ser feito de vários outros traba lhos Apesar de suas tentativas de abalar as relações internacionais e a geopolítica e apesar de apresentarem alguns trabalhos interessantes no processo essas contri buições permanecem firmemente no terreno estabelecido dentro da geopolítica e das relações internacionais apesar de empregar Foucault eles acabaram mais ou menos completamente por desistir de qualquer tentativa de usar o conceito de polícia Mas como estou sugerindo essa desconexão radical parece ter suas raízes no próprio trabalho de Foucault E o que a desconexão mais explica eu acho é por que Hardt e Negri e incontáveis outros citandoos recorrem ao que é basicamente um conceito predominante e fundamentalmente liberal de polícia quando se fala sobre guerra reduzindo à polícia Argumentei em outro lugar Neocleous 2011 que de uma perspectiva crítica a distinção entre guerra e polícia é irrelevante favorecendo um mito libe ral fundamental Não apenas este mito liberal particular mas a mitologia liberal mais geral replicada em toda a tradição sociológica ou seja a simplificação da complexidade do poder do Estado em distintas dicotomias direitoadministra ção constitucionalexcepcional normalemergência cortetribunal legislativo executivo estadosociedade civil e claro militarpolicial O crescente corpo da sociologia política foucaultiana das relações internacionais e da geografia política quer de alguma forma conservar embora com propósitos políticos diferentes a polícia e a guerra como práticas distintas daí o argumento de que a guerra está no processo de alguma forma se tornar policial e se tornar reduzida à polícia Tudo o que se entende por tal afirmação é que os soldados estão agora perfor mando mais das tarefas que poderíamos esperar de performasses policiais Mas isso invoca um conceito notavelmente empobrecido de polícia então novamen te também invoca um conceito notavelmente empobrecido de guerra Todo o potencial crítico em explorar o nexo entre a guerra e a polícia se perde no que equivale a uma rejeição do que pode ser compreendido sob a ideia da polícia Eu estou argumentando que a abordagem da guerra está se tornando policial faz pouco para trazer genuinamente guerra e polícia juntas e lança pouca luz so bre qualquer uma delas mais ou menos replicando a concepção liberal de polícia ela se aproxima mais de mistificar do que de explicar Uma boa quantidade de trabalho recente explorou a relação entre guerra e lei direito da lei guerra mas a implicação do meu argumento é que precisamos pensar mais amplamente 491 do que até mesmo a guerra ecomo lei e considerar em vez disso guerra ecomo polícia isto é precisamos de um argumento que trabalhe sobre e com o nexo do poder de guerra e do poder policial Para colocar de outra forma precisamos de senvolver uma teoria crítica do poder do Estado que pressuponha que a guerra e a polícia estejam sempre juntas guerra e polícia como predicativos um do outro a guerra e a polícia não são instituições distintas os militares e a polícia que então levanta questões sem sentido sobre como essas instituições se relacionam como elas se sobrepõem como elas simulam umas às outras como elas estão ficando embaçadas mas como processos trabalhando em conjunto como poder de estado Assim para voltar ao meu argumento sobre o poder aéreo o que descobri mos é que uma forma de tecnologia que foi entendida com demasiada rapidez e facilidade em termos militares é melhor compreendida através da lente do po der policial Isso não é guerra se tornando polícia e nem a ideia de que a guerra está sendo reduzida à polícia como se a guerra fosse de alguma forma algo maior melhor mais substancial que a polícia Nem é um caso de pequenas guerras Meu argumento é que entendida em termos da fabricação da ordem essa tecno logia em particular sempre precisou ser entendida através de um nexo entre guer ra e polícia No que resta deste artigo gostaria de tentar reforçar esse argumento usandoo para tentar compreender talvez a questão fundamental do poder aéreo contemporâneo os drones Por outro lado gostaria de usar o desenvolvimento contemporâneo da tecnologia drone para ajudar a reafirmar meu argumento VITÓRIA ATRAVÉS DO PODER AÉREO Como é sabido o poder aéreo usado na guerra contra o terror tem sido cada vez mais operado através da tecnologia dos drones O inventário de VANT veículos aéreos não tripulados UAV unmanned aerial vehicle do Departa mento de Defesa dos EUA cresceu de 167 em 2002 para 7000 em 2010 Audi ência perante o Subcomitê de Segurança Nacional e Relações Exteriores 2011 páginas 2 e 75 Entre 2001 e 2008 as horas de cobertura de vigilância para o Comando Central dos EUA abrangendo o Iraque o Afeganistão o Paquistão e o Iêmen aumentaram em 1431 como resultado da tecnologia de drones em desenvolvimento em 2010 a Força Aérea dos EUA projetou que as horas de voo combinadas de todos os seus drones excederiam 250000 horas excedendo em um ano o número total de horas de 1995 a 2007 Turse e Engelhardt 2012 página 37 enquanto no Reino Unido O UAV Reaper alcançou um marco de 20000 horas voadas em 2011 Ministério da Defesa 2011 Ao mesmo tem po as notícias sobre os drones agora são constantes à medida que mais e mais estados agora cerca de cinquenta os operam Os drones também ocupam um 492 espaço chave nos debates sobre a nova guerra virtuosa no coração da guerra virtuosa está a capacidade técnica e o imperativo ético de ameaçar e se necessário atualizar a violência à distância sem baixas ou com baixas mínimas Der Derian 2001 página xv ênfase no original e como consequência o mesmo acontece com a raiva deles entre ativistas e pensadores críticos Uma característica dessa raiva parece ser que os drones não são tripulados e portanto um novo passo na tecnologia do distanciamento militar ou da guerra de transferência de risco Essa afirmação foi feita com tanta frequência que uma lista completa de referências seria inútil então deixo o ponto mais geral de Eric Hobsbawm aqui uma das características da era dos extremos observa Hobsbawm é a nova impessoalidade da guerra que matou e mutilou a con sequência remota de apertar um botão ou mover uma alavanca A tecnologia tornou suas vítimas invisíveis como pessoas evisceradas por baionetas ou vistas através das armas de fogo não poderia ser Um dos principais exemplos de Hobsbawm é sem surpresa o poder aéreo Muito abaixo dos bombardeiros aé reos não estavam pessoas prestes a serem queimadas e evisceradas mas alvos as maiores crueldades do nosso século foram as crueldades impessoais da decisão remota 1994 página 50 A crueldade impessoal do assassinato à distância e da tecnologia não tripulada parece ser a essência de um aspecto da crítica aos dro nes bombardeios e assassinatos por um equipamento muito distante de qualquer operador humano De uma perspectiva crítica isso parece uma coisa bastante ingênua para se irritar seja em termos dos conflitos da história mundial ou em termos de possibilidades tecnológicas já que maximizar a letalidade enquanto reduz o risco para os próprios combatentes do estado é inerente à lógica de todo avanço tecnológico militar A outra grande preocupação das pessoas com os drones é que eles agora pa trulham os céus não apenas nas terras do Afeganistão Iraque e Paquistão mas de todo o planeta e não apenas em zonas de guerra mas em áreas civis Assim descobrimos que eles agora sobrevoam cidades envolvidas em operações policiais desde o gerenciamento de emergências causadas por desastres naturais a espiona gem de cartéis de drogas estrangeiros combate ao crime operações de controle de fronteiras e vigilância geral Wall e Monahan 2011 página 240 Nos EUA após uma decisão da Autoridade Federal de Aviação de 2003 de conceder licença para os VANTs sobrevoarem o espaço aéreo civil americano mais e mais estados americanos agora trabalham com drones e um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso observou em 2010 que recente modificação do UAV é parte de um esforço contínuo de alguns formuladores de políticas e do CBP Alfândega e Proteção de Fronteiras para expandir os recursos do UAV do CBP e abrir o espa ço aéreo doméstico para as operações dos UAV Haddal e Gertler 2010 página 1 No Reino Unido várias forças policiais testaram o uso de drones mais de 493 120 empresas receberam permissão para transportar pequenos drones dentro do Reino Unido para fins de vigilância e o programa UK ASTRAEA visa permitir o uso rotineiro de UASs Sistemas de aeronaves não tripuladas em todas as clas ses de espaço aéreo sem a necessidade de condições restritivas ou especializadas de operação ASTRAEA 2012 também Cole 2012 página 26 Daí a crítica que diz isso é tecnologia projetada para a guerra e está sendo usada para policiar civis é mais um passo na militarização do policiamento Meu argumento no entanto é que o poder aéreo sempre foi o poder da polícia Com base nisto precisamos ler o drone não como uma nova forma de tecnologia militar que de alguma forma pode invadir espaços civis mas sim como uma continuação da lógica policial inerente ao poder aéreo desde a sua criação Apesar da publicidade em torno deles a grande maioria dos drones não é um bombardeio sofisticado ou máquinas de matar mas na verdade são modelos pequenos e desarmados usados principalmente para a vigilância no campo de batalha Das 10 499 missões voadas por drones Predator e Reaper sobre o Iraque e o Afeganistão durante 2007 e 2008 os mísseis foram disparados em apenas 244 missões Turse e Engelhardt 2012 página 149 Wall e Monahan 2011 página 242 Sua principal característica é que eles são descartáveis uma característica destacada pelos UAVs cada vez menores lançados de aeronaves disparados ao ar com a mão catapultas ou estilingues Blackmore 2005 páginas 130131 Sin ger 2009 páginas 116 120 Essa descartabilidade é um reflexo de sua principal função que é não bombardear ou assassinar mas reunir isto é construir co nhecimento Isso explica os nomes orientados para a vigilância de quase todos os diferentes drones Global Hawk Dragon Eye Desert Hawk Gorgon Stare depois da criatura na mitologia grega cujo principal poder residia no olho Wa tchkeeper e também explica por que eles são mencionados pelo Estado menos como máquinas de matar e mais em termos de uma série de outras habilidades como reconhecer e categorizar humanos e objetos feitos pelo homem identificar movimentos interpretar pegadas e distinguir diferentes tipos de pegadas na su perfície da Terra Além disso e mais urgentemente precisamos entender que da perspectiva histórica mais ampla do poder aéreo não há áreas civis e não há civis a única lógica é uma lógica policial Assim que o poder aéreo foi criado a questão era o que isso faz para o espaço civil E essencialmente a resposta foi isso destrói O poder aéreo assim também destrói o conceito do civil Este foi o tema principal da literatura sobre o poder aéreo dos anos 1920 encontrado nos trabalhos de Mi tchell Seversky Fuller e todos os outros mas a análise fornecida em O Comando do Ar por Giulio Douhet publicado pela primeira vez em 1921 expandido em 1927 e talvez o primeiro relato definitivo da influência do poder aéreo na histó ria mundial é representativo a arte da guerra aérea observa Douhet é a arte de 494 destruir cidades atacar civis aterrorizar a população No futuro a guerra será travada essencialmente contra as populações desarmadas das cidades e grandes centros industriais Não há mais soldados e cidadãos ou combatentes e não combatentes a guerra não é mais um confronto entre exércitos mas um con fronto entre nações entre populações inteiras Bombardeio aéreo significa que guerra é agora guerra total Douhet 2003 páginas 11 158 223 As grandes potências lutaram contra aceitar isso por algum tempo Ou pelo menos luta ram contra aceitálo em sua doutrina clássica de guerra como uma batalha entre estadosnação militarmente industrializados o bombardeio policial de colônias era inteiramente aceitável para eles como vimos Mas eventualmente no curso da Segunda Guerra Mundial eles sofreram e em julho de 1945 uma avaliação do poder aéreo estratégico pelo Exército dos EUA poderia declarar abertamente que não há civis no Japão citado em Sherry 1987 página 311 Essa visão tem sido mantida desde então Não há civis inocentes diz o general dos EUA Curtis LeMay citado em Sherry 1987 página 287 A recente literatura sobre o poder aéreo sobre o inimigo como um sistema continua nesta mesma linha649 Por isso e contrariamente às afirmações feitas em ambos os extremos do espectro político os recentes ataques aéreos em Beirute e Gaza revelam a crescente insig nificância da palavra civil Dershowitz 2006 ou significam que podemos estar testemunhando a morte da ideia do civil Gregory 2006 p 633 devese dizer que qualquer conceito significativo de o civil foi destruído com a própria invenção do poder aéreo Hartigan 1982 página 119650 O ponto é que visto a partir da perspectiva do poder aéreo como poder de polícia o uso de tecnologia de drone sobre o que alguns ainda gostariam de cha mar de espaços civis era altamente previsível Isso nos permite fazer um argu mento muito mais convincente sobre os drones Para a tecnologia do poder aéreo similar em geral o drone serve tanto como plano quanto como possibilidade Pandya 2010 p 143 E o que se torna possível com o drone é a presença poli cial permanente em todo o território Aeronaves não tripuladas revolucionaram nossa capacidade de fornecer um olhar constante contra nosso inimigo disse uma autoridade militar sênior dos EUA Usando o olho que tudo vê você des 649 Estou pensando aqui no influente trabalho do Coronel John Warden III um membro da Diretoria de Planos de Pessoal Aéreo da Força Aérea dos EUA e uma figura chave por trás da estratégia para a primeira Guerra do Golfo O livro de Warden The Air Campaign 1988 que rapidamente se tornou um texto padrão delineia uma aborda gem baseada na identificação e ataque ao centro do inimigo ou centros de gravidade mais tarde desenvolvido em um Modelo de Cinco Anéis cada anel constituindo um centro de gravidade que pode ser alvo A implicação é que a população a produção e a infraestrutura podem precisar ser alvos sob o argumento de que o inimigo funciona como um sistema Por todas as suas formulações e permutações a teoria é uma que aponta para neutra lizar os centros urbanos e destruir a produção industrial em outras palavras para populações civis devastadoras ver Warden 1989 1995 650 É claro que os estados gostam de afirmar que o poder aéreo lhes permite distinguir melhor entre civis e nãocivis mas meu argumento aqui ajuda a revelar que isso é propaganda do tipo mais puro uma mentira ponto final 495 cobrirá quem é importante em uma rede onde moram onde obtêm seu apoio onde seus amigos estão citado em Barnes 2009 Por mais que isso possa ser geopoliticamente importante com os drones sendo capazes de manter vigilância ininterrupta de vastas áreas de terra e mar enquanto a tecnologia e o abasteci mento de combustível permitirem também é nada menos que o sonho do estado de uma presença policial perpétua em todo o território Neocleous 2000 E é uma presença policial encapsulada pelo processo de colonização capturada no documento do exército StrikeStar 2025 que fala da presença permanente de UAVs no céu como uma forma de ocupação aérea Carmichael et al 1996 página viii Os drones têm sido descritos como a tecnologia perfeita para a guerra democrática combinando um certo caráter utilitário com uma apelativa trans ferência de risco Sauer e Schoring 2012 mas talvez precisemos pensar neles igualmente como a tecnologia perfeita da polícia liberal Quando em 1943 a Disney procurou popularizar a ideia de vitória pelo poder aéreo a empresa pro vavelmente tinha pouca ideia do que essa vitória poderia significar além da der rota do Japão Mas se há uma vitória do poder aéreo sobre o Estado certamente não é apenas a derrota de um inimigo militar mas a vitória da polícia perpétua REFERÊNCIAS Adey P 2010 Aerial Life Spaces Mobilities Affects WileyBlackwell Chichester Sussex AS TRAEA 2012 httpwwwastraeaaero Agamben G 1993 The Sovereign Police in The Politics of Everyday Fear Ed B Massumi University of Minnesota Press Minneapolis MN pp 6163 Air Staff Memorandum 1920 On the power of the air force and the application of this power to hold and police MesopotamiaMarch Air Ministry Records London Badiou A 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grande porção desses trabalhadores mexicanos reside na Califórnia muitos deles sem documentação A economia EUAMéxico pode ser caracterizada como um grande fluxo de pessoas que se deslocam ao norte paralelo a um fluxo de dólares que se dirige ao sul A integração nas áreas de fronteira está avançando tão rapidamente ao ponto de muitos observadores a caracterizarem como uma reconquista ou reapropriação pacífica das terras perdidas aos EUA pelo México após a conclusão do Tratado de Guadalupe Hidalgo em 1848 Atu almente essas áreas de fronteira encontramse entre as regiões que mais crescem nos dois países e exibem uma mudança radical na vida econômica sociocultural política e demográfica Nas palavras de Carlos Monsiváis la frontera portátil está em todo lugar Monsiváis 2003 da Cidade do México a Los Angeles de São Paulo a Nova York A fronteira portátil está se tornando uma característica fun damental da vida urbana pelo globo 651 Texto publicado originalmente em inglês com o título Postborder cities postborder world the rise of Bajalta California na Revista Environment and Planning D Society and Space 2005 volume 23 páginas 317 321 a tradução para o português foi feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira e por Lucas Dagostini Gardelin 652 Michael James Dear é um geógrafo urbano leciona na Faculdade de Design Ambiental da Universidade da Califórnia Berkeley nos Estados Unidos é membro do Bellagio Center da Rockefeller Foundation em Villa Serbelloni no lago de Como na Lombardia Itália e do Center for Advanced Study in Behavioral Sciences da Universidade de Stanford em Stanford Califórnia escreveu vários livros incluindo Why Walls Wont Work Repairing the USMexico Divide publicado pela Oxford University Press em fevereiro de 2013 Doutor em Filosofia Regional Science Universidade da Pensilvânia Mestre em Artes Regional Science Universidade da Pensilvânia Mestre em Filosofia Planejamento Urbano Universidade de Londres Bacharel em Artes Geogra fia Universidade de Birmingham Inglaterra 653 Héctor Manuel Lucero nascido na Cidade do México em 1973 É arquiteto formado pela Universidade Autônoma de Baja California UABC e estudou o mestrado em arquitetura na University of Southern California USC em Los Angeles Foi diretor do projeto Border CulturesCulturas Fronterizas do Centro de Estudos do Sul da Cali fórnia da Universidade do Sul da Califórnia Ele atuou como Chefe do Departamento de Patrimônio Cultural e Culturas Populares do Instituto de Cultura da Baja California e como Diretor de Auditoria Ambiental na Secre taria de Proteção Ambiental da Baja California Atualmente é diretor do Estudio Héctor Lucero Arquitetura e Urbanismo e HL Design and Environmental Cosnultory Ele é o autor dos livros Mexicali 100 Años Arquitectura y Urbanismo en el Desierto del Colorado Mexicali Lo Moderno También es Historiae Poblando Baja Califor nia 500 NOVOS MEIOS DE CONSTRUIR CIDADES A maior parte da população mundial é hoje urbana tendência que muito provavelmente se intensificará no futuro previsível Há pouca dúvida de que a ordem global do século XXI será determinada principalmente por um núme ro relativamente pequeno de megacidades É pois importante compreender as principais dinâmicas que geram a produção de cidades em todo o mundo Cinco tendências são especialmente importantes World city cidade do mundo emergência de relativamente poucos centros de comando e controle em uma economia em globalização referidos como cida deregiões que são funcionalmente integrados paralelamente com hierarquias urbanas nacionais e internacionais Cybercity cibercidade os desafios da era da informação e a ascensão de uma sociedade de rede especialmente a emergência de tecnopólos geografi camente bem definidos cujo crescimento contradiz a excessivamente apregoada capacidade da conectividade em superar as limitações de espaço Dualcity cidade dual uma crescente polarização entre pobres e ricos na ções poderosos e impotentes entre diferentes grupos étnicos raciais e religiosos entre gêneros entre os que conectados digitalmente e os que não são Hybrid city cidade híbrida a fragmentação e a reconstituição da vida material e cognitiva inspiradas pelas migrações globais e regionais incluindo o colapso das identidades e comunidades tradicionais a emergência de novos con ceitos de cidadania e a ascensão de hibridismos culturais e espaciais Sustainable city cidade sustentável a emergência de uma consciência glo bal acerca da necessidade de proteger e conservar os recursos naturais bem como de gerenciar o crescimento urbano de modo a assegurar a futura viabilidade do habitat global por meio de minimização do impacto ecológico oriundo das ativi dades e assentamentos humanos Essas cinco tendências globalização sociedade de rede polarização hi bridismo e sustentabilidade não estão sempre sincronizadas e suas sinergias podem ser profundamente contraditórias Mais importante talvez é a existência de uma clara dicotomia entre uma economia que se globaliza e uma política que se torna cada vez mais localizada basta que testemunhemos a ascensão de po derosas demandas por autonomia local materializada nas formas de movimentos de liberação nacionalismos locais revitalizados e lutas de secessão Na medida em que a globalização econômica avança rapidamente as estruturas e instituições da naçãoestado e do direito internacional veemse cada vez mais mal equipadas para fazer frente ao desafio do globalismo Isso pode ser especialmente importan 501 te porque no século XXI a política e a guerra são supostamente menos focadas no poderio econômico e militar das nações do que no assim chamado choque de civilizações NOVAS MANEIRAS DE ENXERGAR AS CIDADES Com a emergência da nova ordem mundial políticos e intelectuais em presários e cidadãos comuns lutam para compreender o que de fato está acon tecendo em nossas vidas A revolução informacional pôs em movimento forças que terão provavelmente consequências tão abrangentes quanto as revoluções agrícola e industrial dos séculos passados companhias transnacionais podem re alocar instalações de produção e destruir economias locais ou nacionais pratica mente da noite para o dia as guerras preventivas e o terrorismo comprometem a segurança nacional de todos os povos incluindose aí seus perpetradores a pandemia global de AIDS de algum modo falha em chamar a atenção dos que possuem os meios para combatêla e o mundo tropeça em direção à catástrofe ambiental Tais tendências são tão novas e tão complexas que as pessoas têm dificul dade para entendêlas Inventamos termos como pósindustrial para sugerir a emergência de economias mais baseadas em indústrias de serviço do que nas de manufatura Outra palavra pós favorecida é póscolonial usada para descrever cidades e sociedades pelo mundo que estão agora se libertando do controle de seus antigos mestres coloniais A popularidade dos termos pós demonstra que embora possamos estar convencidos de que deixamos para trás as eras anteriores ainda possuímos um incipiente conhecimento acerca da direção que estamos to mando Uma de nossas contribuições para a busca de compreensão é o conceito de sociedade pósfronteira Dear e Leclerc 2003 Se existe alguma razão para que sejamos otimistas acerca de nossos futuros urbanos coletivos a noção de pósfronteira pode ser ela BAJALTA CALIFÓRNIA ASCENSÃO DA CIDADE PÓSFRONTEIRA No canto sudoeste dos Estados Unidos da América onde a península me xicana da Baja Califórnia ligase ao continente existe uma megacidade de mais de 22 milhões de pessoas A fronteira internacional entre os EUA e o México é dificilmente visível uma vez que é coberta pelas cidades de Tijuana e San Die go elas próprias fundidas imperceptivelmente com Tecate e Rosarito e ainda pela crescente metrópole de Los Angeles Ocasionalmente extensões elevadas de montanhas interrompem o carpete de desenvolvimento urbano mas a vasta megacidade sobrepujou tais elevações introduzindose nos desertos próximos 502 Em alguns lugares a irrigação miraculosamente converteu essas planícies áridas numa fértil terra de agricultura que de vez em quando logra de forma bemsuce dida aplacar a inexorável expansão da megacidade Esta enorme aglomeração de pessoas e atividades não possui nome algum Ela é geralmente indicada com base em suas partes constituintes Tijuana Rosarito Tecate Ensenada San Diego Los Angeles Santa Barbara o Inland Empire Palm Springs e assim por diante Nós entretanto chamamos esta aglomeração de Bajalta Califórnia visto ser ela uma única e integrada cidaderegião que ocasionalmente ultrapassa uma fron teira internacional Em 1848 esses territórios contestados às margens do Oceano Pacífico eram esparsamente povoados Hoje em dia essas áreas hospedam uma cidade emergente de importância internacional e global Como tudo pôde mu dar em tão curto espaço de tempo Não há precedente histórico para o que aconteceu com Bajalta Califórnia Foram necessários muitos séculos de contínuo crescimento urbano para produ zir Nova York Paris e Londres menos de 100 anos bastaram para que se criasse em Bajalta uma megacidade de dimensões equivalentes A produção cultural na Bajalta Califórnia dos dias de hoje é uma consequência das tensões existentes entre o México e os EUA De acordo com Néstor Gárcia Canclini 1996 essas tensões produzem um hibridismo que abarca tanto o deslocamento associado à migração quanto a desterritorialização ligada à globalização Como conse quência a condição emblemática dos ambientes de fronteira é a produção de culturas híbridas Canclini descreve Tijuana como um grande laboratório da pós modernidade Homi Bhaba 1994 usou o termo terceiro espaço para definir o espaçoentre culturas Guillermo GomezPeña citado em Rouse 1996 p 248 referese à fronteira TijuanaSan Diego como uma lacuna entre dois mundos uma metáfora para muitas coisas inclusive para travessia literal passagem espi ritual um palco de luta e transgressão Debra Castillo 1995 captura a essência de uma consciência fronteiriça na qual a potencialidade para cruzar ou não ao outro lado é uma presença constante nas vidas dos habitantes de fronteiras Num esforço para explicar o que está acontecendo neste mundo de hibri dismo começamos a considerar Bajalta Califórnia como uma cidade pósfron teira Em termos formais uma cidade pósfronteirapode ser definida como a coleção de duas ou mais áreas urbanas que existem em uma proximidade geo gráfica relativamente acentuada e são cortadas ao meio por uma fronteira inter nacional embora funcionem como uma aglomeração urbana única e integrada Tais complexos urbanos podem existir numa variedade de escalas inclusive a metropolitana e a local elas podem ser extremamente assimétricas em termos de tamanho de assentamento em ambos os lados da fronteira Uma ecologia pós fronteiraé uma manifestação física ou mental da mescla de tradições culturais econômicas sociais e políticas e frequentemente se apresenta como atividades 503 ou comportamentos de notável originalidade incluindo a importação de práticas de consumo a formação de hibridismos culturais e adaptações linguísticas To madas em conjunto a combinação de percepções mentais e as práticas materiais definem o que pode ser chamado de condição pósfronteira uma consciência que é característica de lugares em que elementos de diferentes mundos coexistem e sofrem mutação Tal condição está atualmente transformando vidas em bairros localizados nos dois lados das fronteiras criando com isso uma macrofonteira imprecisa654 que se estende muito além das linhas da fronteira propriamente dita Isso pode ser percebido em muitas instâncias francas e nuançadas Como o número de latinos nos EUA cresceu as cifras indicam atual mente mais de 35 milhões as celebrações da quinceañera festa de debutante tornaramse mais comerciais e mais populares A WalMart agora estoca vestidos para a quinceañera em 200 lojas distribuídas por mais de 30 estados Os festejos estão se expandindo para além da comunidade latina e católica e os convidados consistem em uma composição cada vez mais multiétnica Na Califórnia onde um terço da população recebeu a identificação his pânica no censo de 2002 os hispânicos cada vez mais definem o que significa ser um californiano Em julho de 2001 pela primeira vez desde os anos 1850 a maioria dos recémnascidos era hispânica e mais de dois terços deles nasciam na Califórnia do Sul Em 1975 nascimentos hispânicos perfizeram apenas um quarto do total estadual O crescimento da população hispânica está sendo ago ra dirigido por um incremento natural não por meio da imigração Uma nova identidade da Califórnia é prevista por muitos Talvez um dos exemplos mais importantes de hibridismo seja a ascensão do Espanglês uma linguagem mestiça que se encontra em algum lugar entre o espanhol e o inglês Do Texas à Califórnia é possível encontrar estações de rá dio e de televisão que misturam fluidamente as duas línguas o que os linguistas chamam de mudança de código através da qual palavras e frases de uma língua são lançadas em sentenças de uma outra Parte da razão do Espanglês devese à necessidade de comunicação formas de Espanglês certamente estavam presen tes desde a chegada de anglófonos à Califórnia mas a sua versão atual é também praticada por diversão pelo simples prazer de brincar com línguas Ele está se movendo para fora das vizinhanças latinas e sendo usado como instrumento de marketing para produtos Em 2001 aproximadamente 286 milhões de pessoas e mais de 97 mi lhões de veículos cruzaram legalmente a fronteira entre o México e os EUA Os pontos mais congestionados de travessia foram San YsidroTijuana Calexico 654 NT No original blurred que pode ser traduzida literalmente como borrada 504 Mexicali El PasoCiudad Juárez LaredoNuevo Laredo e Hidalgo McAllen Reynosa Neste mesmo ano o Serviço de Alfândega dos EUA recolheu apro ximadamente 22 bilhões de dólares em duties e fees taxas e tributosimpostos contribuições Ninguém sabe quantos imigrantes ilegais estão vindo para os Estados Unidos com o objetivo de instalação permanente Estimativas oficiais oferecem a figura de aproximadas 350 000 pessoas por ano mas qualquer cifra entre 400 000 e 500 000 parece mais provável A fronteira sempre foi um lugar selvagem e atividades ilegais persistem como parte da vida cotidiana ao longo das fronteiras O assassinato de centenas de mulheres jovens em Ciudad Juárez é agora causa de preocupação internacio nal Jornalistas que investigam os cartéis de drogas são mortos nas ruas de Tiju ana Uma investigação federal está atualmente examinando as ligações entre a força policial de Chihuahua e os traficantes de drogas de Juárez E nos EUA os dois parques nacionais mais perigosos são o Organ Pipe Cactus National Move ment Arizona e o Big Bend National Park Texas Ambos estão infestados pelo tráfico de drogas e pela imigração ilegal E mulheres e crianças que são forçadas à prostituição nos Estados Unidos são amiúde raptadas no Leste Europeu trans portadas para o México e então contrabandeadas para os EUA como escravas sexuais Em Phoenix as taxas de homicídio encontramse em seu ápice histórico e a polícia afirma que quase dois terços dos crimes cometidos na cidade são rela cionados ao tráfico e ao sequestro Depois do NAFTA o comércio da Califórnia com México e Canadá estourou pulando do valor de 12 bilhões de dólares em 1993 para o de 26 bi lhões em 2002 Em 1999 o México superou o Japão como mercado exportador líder do estado sendo responsável por mais de 17 das exportações A crescen te integração das duas economias é melhor revelada nos dados sobre remessas enviadas ao México por trabalhadores migrantes Nos primeiros seis meses de 2004 emigrantes mexicanos muitos na Califórnia enviaram um recorde de 79 bilhões de dólares ao México valor 26 maior do que o enviado no ano anterior A transação média é de 400 dólares e é destinada para rendas familiares em todo o México em especial para o gasto em itens de consumo pessoal As remessas representam um novo tipo de integração entre as nações Analistas financeiros estimam que anualmente no mundo todo 175 milhões de pessoas enviam mais de 150 bilhões de dólares de volta a seus países de origem Um quinto dos adultos mexicanos recebe remessas de parentes estabelecidos nos EUA Neste sentido os trabalhadores migrantes são atores na era da globalização parte de redes transna cionais que operam além das fronteiras mercados e comitês tradicionais Em McAllen Texas 80 dos novos negócios pertencem a mexicanos o reverso das proporções de cinco anos atrás McAllen agora atrai uma fatia maior de investimento mexicano do que qualquer outra cidade dos EUA afetando 505 tudo de vendas de varejo à aquisição imobiliária e férias655 A maior parte do in fluxo de dólares em McAllen é proveniente da cidade em expansão de Monterey localizada a apenas duas horas de distância pela rodovia de alta velocidade Essa viagem é de tal modo comum que um novo verbo espanhol foi criado mcalle near Em 1996 o México emendou sua constituição a fim de permitir que seus cidadãos votassem foram de seus locais de votação quatro anos mais tarde o pre sidente Vicente Fox prometeu estender a franquia aos nacionais mexicanos nos EUA um total 11 milhões de novos eleitores potenciais Embora Fox considere esses migrantes como heróis nacionais em virtude das remessas por eles enviadas ao México não há no presente sistema de votação in absentia656 no México Em 2003 sob pressão exercida por migrantes que enviavam 2 milhões de dólares diariamente para o estado de Zacatecas o governador Ricardo Monreal assinou uma reforma constitucional que pôs fim aos requisitos de residência para a elei ção de representantes Os destinatários desta reforma foram os mexicanos esta belecidos nos EUA e cujos pais eram originários de Zacatecas Além disso duas cadeiras no legislativo foram reservadas exclusivamente para migrantes FUTUROS URBANOS A FRONTERA PORTÁTIL E AS CULTURAS HÍBRIDAS Em Bajalta Califórnia nós podemos vislumbrar um futuro em que fron teiras podem não mais ser consequentes onde hibridismos estão apagando di ferenças culturais de todos os tipos Tratase de uma grande afirmação talvez impossível de ser provada ao menos no presente E no entanto após dois anos de viagem intensa pela fronteira EUAMéxico pensamos ser ela uma afirmação defensável Para compreender isso imagine o que aconteceria se você movesse a linha de fronteira dez ou vinte milhas ao norte de sua presente localização Vidas de pouquíssimas pessoas seriam alteradas Na verdade para muitos la línea já foi apagada Na travessia diária de centenas de milhares de pessoas que vivem trabalham e se divertem no milieu transnacional podemos já estar vislumbrando um mundo pósfronteira que representa a principal esperança para o nosso futu ro urbano coletivo REFERÊNCIAS Bhabha H 1994 The Location of Culture Routledge London 655 NT Referese a vacations ligada diretamente ao mercado vinculado às férias dos trabalhadores 656 NT No original o autor utiliza o termo absentee que remete ao sentido de voto ausente 506 Canclini N G 1996 Hybrid Cultures Strategies for Entering and Leaving Modernity University of Minnesota Press Minneapolis MN Castillo D A 1995 Borderlining an introduction in Tijuana F Campbell University of California Press Berkeley CA Dear M Leclerc G Eds 2003 Postborder City Cultural Spaces of Bajalta California Routle dge New York Monsivais C Where are you going to be worthier The border and the postborder in Postborder City Cultural Spaces of Bajalta California Eds M Dear G Leclerc Routledge New York Rouse R 1996 Mexican migration and the space of postmodernism em Between Two Worl ds Mexican Immigrants and the United States Ed D G Gutierrez Jaguar BooksWilmington DE 507 INSALUBRIDADE URBANA E INSEGURANÇA PÚBLICA ANÁLISE COMPARATIVA SOBRE AS PERSPECTIVAS DAS EPIDEMIAS E DA VIOLÊNCIA Pablo Lira657 Giovanilton André Carretta Ferreira658 Adorisio Leal Andrade659 EPIDEMIAS E INSALUBRIDADE URBANA DAS CHAMINÉS AOS BOULEVARDS Pensadores da história econômica caracterizam o período compreendido pelos anos 1760 e 1830 como a época de surgimento da Idade da Máquina O final do século XVIII e início do século XIX foi marcado por uma série de des cobertas tecnológicas importantes máquina a vapor locomotiva ferrovias entre outras invenções nos campos das engenharias que favoreceram o desenvolvimen to do industrialismo Com o aparecimento da fiação e tecelagem mecânicas e o conseqüente aparecimento das fá bricas grande número de artesãos fiadores e tecelões que tinha seus ofícios em seus lares fica desempregado Com essa abundância de mãodeobra com um grande capital comercial e usurário acumulado através da economia mercantilista e com um amplo mercado consumidor dado por suas colônias alguns países da Europa principalmente Inglaterra e França deram origem ao sistema capitalista baseado nas livres forças do mercado liberalismo econômico do 657 Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo UFES Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFES possui Especialização em Conservação e Manejo da Diversidade Vegetal pela UFES possui Aperfei çoamento em Planejamento Urbano pela Université de CergyPontoise possui Graduação em Geografia Bacha relado e em Geografia Licenciatura Plena pela UFES Atualmente é servidor público da carreira de Especialista em estudos e pesquisas governamentais do Instituto Jones dos Santos Neves IJSN Coordenador do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles UFRJIPPUR Professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha UVV Professor da Graduação de Arquitetura e Urbanismo Administração e Pedago gia da Universidade Vila Velha UVV Professor de Pósgraduação Lato Sensu Especialização da Universi dade Federal do Espírito Santo UFES da Universidade Vila Velha UVV e do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Espírito Santo IFES Professor Convidado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD nos cursos de Segurança Cidadã Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública FBSP Membro revisor da Geografares Revista do Mestrado e do Departamento de Geografia da UFES e da Revista Cadernos Metrópole periódico do INCT Observatório das Metrópoles Email pablosliragmailcom 658 Doutor em Arquitetura e Urbanismo Professor do Mestrado Arquitetura e Cidade e da Graduação em Arquite tura e Urbanismo da Universidade Vila Velha UVV Pesquisa em andamento Transformações socioespaciais urbano metropolitanos em tempos de globalização e as políticas urbanas no Espírito Santo Email giovanil ton2002hotmailcom 659 Mestre em Segurança Pública Policial Civil PCES e Professor da SENASP Email adorisiohotmailcom 508 laissezfaire FERRARI 1982 p 229 Nesse sentido o referido autor aponta que o capital usurário e comercial mãodeobra assalariada abundante e mercado consumidor foram as condições elementares para o alvorecer do sistema capitalista Sistema este que em simbiose com a industrialização incorporou a cidade como o lócus da produção A estrutura centralizadora e concentradora da urbe tornouse ainda mais intensificada com o advento da Revolução Industrial A situlogia urbana lato sensu da época salientava a necessidade da localização das indústrias nas suas cercanias com o propósito de aproveitar a proximidade da mãodeobra e do mercado consumidor O complexo fenômeno de urbanização fragmentou a cidade industrial em zonas caracterizadas por atividades funcionais predominantes refletindo e reproduzindo a lógica social no espaço zonas industriais comerciais residen ciais de baixo e alto padrão Cabe ressaltar que a estrutura social desta época diferente dos tempos atuais ainda não era tão problematizada resumindose em dois grupos antagônicos originados da dicotomia produçãoconsumo pro prietários dos meios de produção burguesia que utilizavam e ocupavam áreas privilegiadas e vendedores da força de trabalho proletariado que residiam em cortiços Nessa lógica o processo de urbanização toma proporções planetárias No início do século XIX apenas 20 cidades possuíam mais de 100 mil habitantes e apenas 17 da população mundial era urbana Na metade deste mesmo século constatouse a existência de 4 cidades com cerca de 1 milhão de habitantes Em 1900 esse número aumentou para 19 Do início à metade do século XX 141 cidades apresentavam população com mais de 1 milhão de habitantes 12 cidades entre 5 e 10 milhões de habitan tes 3 cidades com mais de 10 milhões de habitantes e 1460 cidades com mais de 100 mil habitantes Em 1950 a proporção da população urbana mundial girava em torno de 13 Ferrari 1982 reitera os dados supracitados afirmando que nunca as ci dades cresceram tanto como sob o regime capitalista de produção Do início ao fim do século XIX a população de Londres cresceu exponencialmente passando de 2 milhões para 4 milhões de habitantes Nesta época Paris seguiu a mesma tendência tendo sua população incrementada de 1 milhão para 2 milhões de pes soas Na Alemanha a população de Berlim passou de 150 mil para 13 milhão de habitantes Tal transformação ocorrera de maneira dinâmica em espaços urbanos que evidenciavam de forma latente a necessidade de intervenções infraestruturais 509 em prol do combate às epidemias e insalubridades que assolavam as principais ci dades do globo Estas apresentavam consequências diretas do rápido crescimento populacional imprimido pela revolução industrial Benévolo exemplifica o caso parisiense através da seguinte citação O centro da antiga cidade era cada vez mais claramente incapaz de suportar o peso de um orga nismo tão crescido as ruas medievais e barrocas não eram suficientes para o trânsito as velhas casas pareciam inadequadas face às exigências higiênicas da cidade industrial BENÉVOLO 1989 p 96 Como se constata o adensamento da população se deu em ruas estreitas por demais insuficientes para o escoamento do esgoto que se dava na maioria dos casos ao ar livre e para a circulação de pessoas e veículos tracionados por animais No entorno das fábricas as casas eram muito pequenas sujas possuí am paredes comuns umas com as outras e abrigavam um número incompatível de moradores A falta de espaço ao redor delas constituía uma séria dificuldade para a eliminação do lixo para a ventilação insolação e para a realização de algumas rotinas domésticas como a lavagem e secagem de roupas A maioria dessas residências se situava próximo das indústrias e ferrovias fontes de fuma ça barulho e poluição dos corpos dágua que eram utilizados para o abasteci mento urbano Em meio às situações calamitosas as populações que viveram décadas ex postas aos problemas referentes à insalubridade urbana de certa forma encara vam os riscos e ameaças das epidemias sem perspectivas de melhoria do quadro precário instaurado A falta de coleta de lixo e rede de águaesgoto a precariedade das vias a poluição generalizada as moradias compactas e apertadas e outras insalubridades e problemas urbanos na medida em que se manifestavam de forma mais acen tuada passaram a influir nos processos urbanos Medidas paliativas que não se comprometiam com soluções amplas começaram a ser implementadas contudo sem o êxito esperado A exemplo disso cabe destacar o gradativo movimento de abandono dos centros congestionados e consequente migração em direção às periferias imediatas procedido pelas classes abastadas De acordo com Sposito 2004 p 56 a periferia era entendida como uma espécie de território livre da iniciativa privada onde de forma independente surgiram bairros de luxo para abrigar os ricos emigrantes do centro Devido à pressão e expansão urbana essas novas áreas da cidade posteriormente também tornaramse referenciais para a instalação de unidades industriais mais complexas e inevitavelmente para a ocu pação de assalariados e recémemigrados do campo Segundo Molina 1997 no início do século XIX praticamente toda a Europa sofria reflexos decorrentes dos problemas infraestruturais e também do aumento da criminalidade derivados do processo da industrialização Conside 510 rando a alarmante situação das condições sanitárias a problemática da criminali dade assumia um caráter secundário nas preocupações das sociedades europeias Como se percebe toda a insalubridade urbana e proliferação de epidemias e problemas sociais passaram a incomodar até mesmo as classes mais ricas A falta de condições sanitárias em meados do século XIX possibilitou o alastramento de um surto de cólera pela Europa As carruagens burguesas já não podiam circular imunes pelas ruas com a lama e o cheiro que emanava dos amontoados de casas fábricas e ferrovias espaços onde o esgoto e o lixo constituíam uma paisagem ex tremamente degradada A poluição atingiu até os bairros ricos e a falta de água limpa era problema para todos SPOSITO 2004 p 59 Segundo Ferrari 1982 cidades inteiras da Europa foram atingidas por violentas epidemias Isso passou a preocupar seriamente os governos que proce deram o redirecionamento das pautas administrativas enfocando o saneamento básico como questão prioritária A segunda metade do século XIX foi marcada pela aprovação das primeiras leis sanitárias um modesto começo sobre o qual foram construídas as bases da legislação urbanística A ação integrada de médicos e engenheiros com a contribuição de ges tores legisladores planejadores e outros profissionais objetivouse a suprimir a insuficiência de esgotos água potável e a difusão das epidemias eliminando os principais males urbanos daquela época Esta árdua tarefa de caráter preliminar mente técnico também era permeada por questões políticas A respeito disso Benévolo aponta o seguinte As reformas das duas décadas entre 1830 e 1848 dependeram ainda em seu conjunto do pensamento liberal foi reconhecida a necessidade da intervenção pública em algumas matérias específicas porém sem alterar substancialmente a natureza e a identidade das tarefas do Estado e das administrações locais em relação ao conjunto da vida econômica e social BENÉVOLO 1989 p 91 Além de intervenções nos equipamentos coletivos os problemas infraes truturais das moradias das classes desprivilegiadas também se tornaram alvo da intervenção do Estado que visava a garantia de condições básicas de higiene Tais medidas possibilitaram a reorganização de importantes cidades euro peias refletindo a preocupação capitalista em melhorar as condições de vida das urbes Diversos autores apontam que em algumas cidades industriais os padrões de habitabilidade haviam se degradado a ponto de influir na duração média de vida dos habitantes reduzindoa para 30 anos na primeira metade do século XIX Comendo mal dormindo pouco morando mal os trabalhadores produziam relativamente pouco apesar de longas jornadas de trabalho SPOSITO 2004 p 60 Para ilustrar os esforços dos governos europeus em arquitetar intervenções 511 eficientes frente aos problemas relatados utilizarseá como referência o marcante caso francês onde o Barão Georges Eugène Haussmann administrador do de partamento do Sena de 1853 a 1869 traçou o complexo plano de reordenamen to do tecido urbano de Paris660 A conjugação de obras infraestruturais intervenções sanitaristas e reformas legislativas transformaram a referida urbe A construção de sistemas de esgotos e aquedutos regulares manutenção de vias urbanização dos terrenos periféricos com o traçado de novas retículas viárias e a abertura de novas artérias nos velhos bairros com a reconstrução de edifícios ao longo do novo alinhamento consisti ram as imediatas modificações implementadas por Haussmann Benévolo 1989 destaca o caráter políticomilitar do plano parisiense re velando que durante a crise operária os movimentos revolucionários nasceram dos bairros da velha Paris onde as próprias ruas forneceram aos rebeldes por algum tempo as condições estratégicas de defesa e posicionamento de armas através das barricadas Partindo dessa prerrogativa Haussmann valoriza a utilida de dos grandes boulevards retilíneos propícios para a movimentação de tropas um dos principais símbolos de seu plano Além disso o administrador do departamento do Sena centralizou esforços para a construção de escolas bibliotecas hospitais prisões mercados e sobretu do edificação e reforma de moradias para as classes menos abastadas objetivando atender as exigências higiênicas da cidade Em epítome podese considerar que Haussmann promoveu a sobreposição da cidade pósliberal sobre a velha Paris Em termos de processos constatouse a expansão da urbe com o surgimento de muitos subúrbios onde se instalaram no vas indústrias atendendo às exigências das leis sanitárias e novas áreas de moradias de trabalhadores surgiram marcadas pela regularidade das instalações As classes privilegiadas dividiramse em movimentos de retorno ao centro remodelado ou de afastamento em direção às áreas mais distantes da cidade Considerando as inadequações e críticas em torno do modelo de Hauss mann e evitando proceder uma leitura míope de louvação do mesmo interessa nos destacar a importância do referido plano devido sobretudo a sua ação su ficientemente ampla articulada e dinâmica para acompanhar as transformações urbanas da época e possibilitar melhorias significativas no que tange a questão da insalubridade e disseminação de epidemias661 660 Para analisar exemplos de planos urbanos implementados em outras cidades europeias neste mesmo contexto ver Benévolo 1989 661 Segundo Benévolo 1989 as experiências de Haussmann foram replicadas não necessariamente com a mesma amplitude em diversas cidades francesas a partir do reinado de Napoleão III e em outras urbes do globo Bruxe las Bélgica Roma Bolonha Nápoles e Florença Itália Barcelona Espanha Estocolmo Suécia Cidade do 512 EPIDEMIAS E INSALUBRIDADE URBANA DA CHEGADA DA CORTE PORTUGUESA AOS NOVOS ARRABALDES Desde a primeira metade do século XIX no caso europeu e do final do mesmo século no caso brasileiro que os profissionais e gestores urbanos se de bruçam com atenção sobre a questão da proliferação das epidemias decorrentes do processo de urbanização associado à insalubridade Detendose neste momento à análise do caso brasileiro destacase a se guinte citação Para um país que vivera por três séculos enfurnado nas casasgrandes tivemos cidades e certo desde a primeira vez em que arregalamos os olhos e vimos que nesta terra em se plantando tudo dá Plantouse açúcar colheramse cidades que por onde o melaço escorria para alémmar e virava riqueza Cidades sempre tivemos porém profundamente agarradas a uma dinâmica forjada fora delas baseada na terra e no trabalho escravo PECHMAN 2002 p 393 De acordo com as ideias do autor mencionado existiam cidades no país todavia a experiência urbana ainda era na virada do século XIX para o XX uma novidade entre os brasileiros Ainda segundo Pechman 2002 mesmo na capital onde a corte portuguesa se instalou na primeira década do século XIX promoven do melhorias urbanas não havia água encanada a rede de esgoto era pequena e precária as ruas eram estreitas tortuosas e escuras o transporte era rudimentar e não havia ainda nem mesmo porto que substituísse os velhos trapiches por onde o Rio de Janeiro se fazia ao mar Relativizando as proporções e considerando os diferentes períodos histó ricos constatase que as principais cidades brasileiras como a capital federal no início do século XX apresentaram de maneira intensificada impactos de epide mias associadas à questão da insalubridade do ambiente urbano semelhantes aos enfrentados pelas cidades europeias no final do século XVIII e início do século XIX Nos ambientes urbanos brasileiros as pessoas também viveram anos sendo afligidas pelos problemas relacionados à questão da insalubridade O descrédito e a falta de expectativa de melhoria da referida problemática perdurou no Brasil por um período de tempo relativamente curto quando comparado com a reali dade das cidades europeias que demandaram mais de cem anos para implemen tarem os planos urbanosanitaristas que promoveram significativas melhorias na México México etc 513 qualidade de vida urbana É bem verdade que parte das soluções encontradas na Europa serviu de base para o planejamento das cidades brasileiras A questão da insalubridade nas principais cidades brasileiras assim como observado nas urbes europeias passou a incomodar até mesmo as classes mais abastadas que em meio ao medo generalizado promoviam movimentos de es capismo SOUZA 2000 em direção às periferias deixando os centros urbanos à sorte dos grupos sociais que não possuíam condição de remediar a situação precária instaurada pela insalubridade urbana Todavia salientase que diferente do caso europeu onde tais impactos se desencadearam a partir do processo urbanoindustrial no Brasil a urbanização não se desenvolveu propriamente ligada à industrialização ou mesmo aos inte resses do capital industrial Talvez por isso não se constatou no país o apareci mento de uma classe operária nos moldes europeus Pechman 2002 corrobora tal constatação da seguinte forma apesar da urbanização das grandes capitais brasileiras apesar das próprias indústrias nas centes basicamente no Rio de Janeiro em finais do século XIX o Brasil ainda era um país essencialmente rural e nas cidades prevalecia a lógica mercantil do capital comercial PE CHMAN 2002 p 396 Segundo o autor até o período supracitado o Rio de Janeiro vivia basica mente do excedente da economia de exportação O surgimento de um mercado interno proporcionado pela retenção desse excedente possibilitou o capital co mercial investir na própria cidade visando uma maior acumulação Atraindo capitais que procuravam investir nos equipamentos e serviços coletivos urbanos luz água transporte esgoto etc o investimento na cidade se mostrou uma alternativa de acumulação das mais lucrativas Nessa conjuntura a indústria se beneficia apenas secundariamente às vezes residualmente dos negócios do capital comercial não podendo subsistir sem ele PECHMAN 2002 p 397 A partir dessa configuração se desdobraram os processos de remodelação do tecido urbano das principais cidades brasileiras Estes se consumavam em res postas sanitárias articuladas aos problemas enfrentados no início do século XX Geralmente concebidos pela lógica higienista os planos urbanos se baseavam na analogia da cidade com o corpo humano em busca da cura dos males urbanos A respeito disso Pechman 2002 assinala que tanto na Europa quanto em outras cidades do globo como as pólis brasileiras o corpo como metáfora da cidade revelase diante da ameaça das epidemias que periodica mente a assolam O perigo de as epidemias se tornarem pela desordem social que provocam um elemento desestabilizador da sociedade invoca a intervenção da medicina no sentido de devolver a saúde e logo a ordem à vida urbana Frente à ameaça da morte a medicina reivindica para si a perpetuação da vida À desordem pestilencial e ao caos social a medicina responde com um projeto de política que assinalará no nascimento da medicina social PECHMAN 2002 pp 176177 514 É nesse sentido que os médicos e engenheiros sanitaristas através da con tribuição de outros importantes profissionais traçam várias intervenções refor madoras que redefinem o espaço urbano Dessa forma o higienismo não traz apenas a saúde para a urbe mas também sobretudo implica na construção de um novo modelo de cidade Com o apoio dos governos gestores eou planejadores como Pereira Passos no Rio de Janeiro RJ Orozimbo Maia em Campinas SP e Saturnino de Brito em Vitória ES e Santos SP empreenderam reformas enfocando as obras de saneamento sob a influência das teorias e ideias implementadas por Haussmann em Paris662 Tais intervenções contornaram a situação calamitosa das principais cidades brasileiras do início do século XX As medidas implementadas pelos médicos e engenheiros sanitaristas não erradicaram por completo os problemas advindos da insalubridade urbana haja vista que em tempos atuais a maioria das cida des brasileiras sobretudo em suas regiões desprivilegiadas ainda enfrenta sérios problemas referentes ao saneamento básico e registro de doenças ligadas à insa lubridade Caldeira 2000 aponta que durante as primeiras décadas do século XX as intervenções urbanosanitaristas se tornaram um dos temas centrais das preocu pações das elites e das políticas públicas Talvez por isso o higienismo que fora fundamentado por preceitos da saúde pública assumiu conotação de distinção e controle social De um lado estaria a porção privilegiada da sociedade que deveria ser protegida preventivamente das doenças e do outro lado estariam os grupos sociais que se caracterizavam como contaminados em potencial e mereciam ser esterilizados Esses grupos logo associavam as ações sanitaristas a uma forma mas carada de controle social uma vez considerados os métodos repressivos de inter venção que se sobrepunham a uma prévia conscientização da população o que acabou por gerar várias reações negativas por parte das classes desprivilegiadas na cidade do Rio de Janeiro A respeito da realidade paulista neste período Caldeira 2000 evidencia que além de controlar os pobres a elite começou a se separar deles Temendo as epidemias os membros das elites começaram a mudarse das áreas densamente povoadas da cidade para regiões um pouco afastadas Uma destas regiões era o novo bairro com o sugestivo nome de Higienópolis CALDEIRA 2000 p 215 Sobre a situação da capital capixaba ao final do século XIX e início do 662 Para um maior detalhamento sobre a ação dos médicos e engenheiros sanitaristas nas cidades brasileiras no perío do aqui analisado ver Pechman 2002 Andrade 1991 1996 e Lanna 1996 515 século XX cabe frisar o seguinte pronunciamento do então governador eleito Muniz Freire em 1892 A começar pela capital que foi sempre a principal cidade do estado nada achamos digno de menção Cidade velha e pessimamente construída sem alinhamentos sem esgotos sem arqui tetura segundo os caprichos do terreno apertada entre a baía e um grupo de montanhas não tendo campo para desenvolverse sem a dependência de grandes despesas mal abastecida de água com um serviço de iluminação a gás duplamente arruinado pelo estado do material e pela situação da sua empresa carecedora de um fornecimento regular de carnes verdes sem edi fícios notáveis repartições e serviços públicos mal acomodados à falta de prédios sem teatro sem passeio público sem hospitais sem serviço de limpeza bem organizado sem matadouro decente desprovida de toda defesa sanitária FREIRE apud CAMPOS JÚNIOR 2007 p 01 Com base em Campos Júnior 2007 constatase que a situação sanitá ria era o maior problema urbano de Vitória Segundo ele as epidemias tiravam centenas de vidas implicando em alterações nos aspectos populacionais como diminuição do tempo médio de vida dos moradores e aumento da taxa de mor talidade e alterações na organização espacial do sítio urbano Em resposta à questão da insalubridade em 1895 o então governador Mu niz Freire com o apoio do engenheirosanitarista Saturnino de Brito esboçou um plano de criação de um novo modelo de urbanização Desse plano fazia parte o projeto de reformulação e ampliação do espaço urbano da capital denominado Novo Arrabalde O Novo Arrabalde implicava no planejamento da ocupação da região nor deste da Ilha compreendida pelos bairros da Praia do Canto Praia do Suá Praia de Santa Helena Santa Lúcia Bento Ferreira Jucutuquara e alguns outros bair ros BRITTO 2008 Vale ressaltar que devido à crise financeira vivenciada no final do governo Muniz Freire a implementação do retromencionado projeto não se tornou possível da forma prevista naquela época prolongandose durante o século XX quando seus efeitos tornaramse perceptíveis à melhoria da qualidade de vida sanitária da cidade VIOLÊNCIA UMA ENDEMIA CONTEMPORÂNEA Seja em épocas mais remotas seja em recentes períodos marcantes da his tória a violência esteve presente e registrouse de diferentes formas na vida hu mana Na seção sobre a historicidade o caráter pancrônico da violência tornouse evidenciado por este estudo Batalhas execuções guerras holocausto e terro rismo o referido fenômeno sempre ameaçou e permeou os medos antrópicos Todavia a criminalidade urbana violenta que ameaça vários estratos sociais de países como o Brasil destacouse mediante sua magnitude e intensidade no final do século XX e continua se destacando hodiernamente de forma paradoxal em concomitância com o processo de consolidação da democracia PERALVA 516 2000 CALDEIRA 2002 Tomando como referência o sistema de informação da Organização Mun dial da Saúde OMS constatase que no ano de 2004 entre 84 nações sele cionadas o Brasil ocupou a 4ª posição no ranking da taxa bruta TB de homi cídio663 Com a taxa de 27 assassinatos por 100 mil habitantes o país somente apresentou situação favorável em relação à Colômbia Rússia e Venezuela regiões que possuem sérios problemas de repercussão internacional conflitos bélicos e políticos atuação de esquadrões da morte cartéis do narcotráfico eou comércio ilegal de armamentos pesados WHOSIS 2007 A apreciação da Figura 01 permite uma leitura mais detalhada da tendên cia nacional de aumento gradativo da taxa de homicídio nas três últimas décadas do século XX Apesar da escalada dos homicídios manter uma certa constância de aumento durante os anos unidades da federação como o Espírito Santo se destacaram com índices de homicídios elevados acima da média nacional Mesmo com as variações dos homicídios capixabas passando em alguns momentos uma falsa impressão de explosão súbita de violência a disposição da série histórica no gráfico de evolução permite a associação do aumento gradativo das taxas de violência em especial dos homicídios à ideia de tragédia anuncia da trabalhada por Cerqueira Lobão e Carvalho 2005 Segundo eles a socieda de e o Estado assistiram inertes quase impotentes à degradação das condições de segurança pública nas últimas décadas Figura 01 Gráfico da Evolução da Taxa de Homicídio Brasil e ES 19802015 Fonte SIMDatasus 19802015 Elaboração autores 2018 Dessa forma tendo em vista sua distribuição espacial potencialmente con centrada nas áreas urbanas a criminalidade violenta no Brasil e Espírito Santo iniciou uma espécie de processo endêmico664 no qual vários fatores estruturais a 663 O homicídio principal exponencial da violência será tratado nesta parte do estudo como indicador comparativo 664 De acordo com Dorland apud CERQUEIRA LOBÃO CARVALHO 2005 p 01 tradução nossa doenças endêmicas apresentam ou prevalecem sob uma população ou área geográfica durante um determinado período de tempo Em outras palavras endemia é um problema comum a população de uma região X cuja incidência 517 saber o próprio descaso eou fracasso das esferas do poder público a ausência de integração das políticas sociais e a ineficiência do planejamento urbano correla cionaramse favorecendo o desenvolvimento da dinâmica criminal A atual conjuntura de aumento gradativo dos números de homicídios nos permite aproximar a criminalidade urbana violenta à ideia de endemia social Este é um fenômeno que atinge a sociedade brasileira capixaba e de outros estados da federação há cerca de três décadas Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade SIMDATASUS do Ministério da Saúde no período entre 1979 e 2007 o Brasil e o Espírito Santo acumularam respectivamente cerca de 13 milhões e 43 mil registros de assassinatos Cerca de 70 desses homicídios foram consumados em áreas urbanas A fim de evitar eventuais confusões explicitamos que a violência é aqui tratada como uma endemia não para evocar ou justificar um novo sanitarismo ou higienismo Muito menos pretendemos contribuir com a estigmatização de estratos sociais Apenas aproximamos a criminalidade violenta à ideia de endemia no sentido de entendermos a violência como um problema e não como uma do ença propriamente dita que aflige as populações das principais cidades brasileiras com certa regularidade espaçotemporal Esta regularidade que evidencia pa drões de distribuições geográficas é diretamente influenciada por fatores estrutu rais típicos dos ambientes urbanos brasileiros o que garante certa peculiaridade à criminalidade violenta constatada nas grandes cidades do país Ressalvando as diferenças e relativizando as proporções quando comparado com as epidemias que assolaram as cidades europeias no final do século XVIII e no decorrer do século XIX e as urbes brasileiras no final do século XIX e na primeira metade do século XX o atual surto de criminalidade violenta aqui representada pelos números e taxas de homicídios apresenta alguns aspectos semelhantes que também implicaram em alterações nas formas estruturas e processos urbanos Durante as crises ligadas à proliferação de epidemias seja na Europa dos séculos XVIII e XIX seja em outras cidades em períodos mais recentes a popu lação que sofria com os males trazidos pela insalubridade urbana demorou cerca de cem anos para usufruir dos resultados alcançados pelas ações conjugadas de obras infraestruturais intervenções sanitaristas e reformas legislativas que trans formaram a situação problemática instaurada pelas epidemias Sobre a realidade brasileira é importante salientar que os problemas refe rentes à insalubridade ainda são observados hoje nas principais cidades especial mente em seus bairros desprivilegiados porém não com a mesma intensidade está ligada sobretudo à atuação e influência de fatores locais 518 que no período tratado pelo subitem anterior A degradação ambiental rede vi ária deficitária e a deterioração da qualidade de vida são apenas alguns aspectos que comprovam que a violência não é o único problema urbano Todavia o au mento gradativo da criminalidade violenta evidenciou tal fenômeno como uma espécie de endemia social contemporânea garantindo o caráter da novidade histórica apontada por Souza 2008 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como visto a endemia social contemporânea a violência vem afligindo a população dos principais centros urbanos brasileiros há cerca de três décadas Levando em conta os atuais índices de violência constatase que hodiernamen te vivemos uma fase sem muitas perspectivas de melhoria do quadro crítico ob servado Assim como na época das epidemias o medo da violência vem influindo no surgimento de novas formas de sociabilidade e sobretudo na organização só cioespacial das cidades Em urbes como Vitória os hábitos sociais dos cidadãos foram alterados a partir das preocupações e medos de se tornarem a próxima vítima de assassinato latrocínio sequestro ou roubo Essa mistura de aflições que é caracterizada por Baierl 2004 como medo social logo mais amplo que o sentimento propriamente dito vem nas últimas décadas alterando as configu rações dos espaços urbanos especialmente das áreas ocupadas pelos grupos mais abastados da sociedade De modo semelhante ao que ocorreu no caso da proliferação de doenças ligadas à insalubridade urbana nos séculos passados o fenômeno violência ex presso pelo aumento nas últimas três décadas dos números e taxas de crimes a exemplo os homicídios passa a incomodar até mesmo as classes mais privile giadas Mediante a magnitude e intensidade da violência em cidades brasileiras como Vitória as classes médias e altas adotam o enclausuramento como estilo de vida em condomínios residenciais excessivamente vigiados e autoprotegidos situados na mancha urbana e promovem movimentos de escapismo em direção à franja periurbana por meio da construção de condomínios exclusivos nos mol des edge city SOUZA 2008 Dessa forma buscamos evidenciar analogamente os problemas enfrentados pelas cidades nas épocas das epidemias ligadas à insalu bridade e em períodos mais recentes quando a criminalidade violenta destaca as principais cidades brasileiras em nível mundial Diante disso constatase que no cenário nacional a endemia social con temporânea a criminalidade violenta se caracterizou ao longo das três últimas décadas como um problema comum às principais cidades brasileiras influen 519 ciando transformações nas estruturas da organização espacial agravamento dos processos de segregação social e significativas alterações nas formas estruturas e processos urbanos REFERÊNCIAS ANDRADE Carlos Camillo Sitte Camille Martin e Saturnino de Brito traduções e transferências de idéias urbanísticas In RIBEIRO Luiz PECHMAN Robert orgs Cidade povo e nação gênese do urbanismo moderno Rio de Janeiro RJ Civilização Brasileira 1996 p 287310 O plano de Saturnino de Brito para Santos e a construção da cidade moderna no Brasil Espaço e debates revista de estudos regionais e urbanosn 34 São Paulo SP NERU 1991 pp 5563 BAIERL Luzia Medo Social Da violência visível ao invisível da violência São Paulo SP Cortez 2004 BENÉVOLO Leonardo História da arquitetura moderna São Paulo SP Perspectiva 1989 BRITTO Francisco Saturnino Rodrigues Projecto de um novo arrabaldeDisponível em httpwww apeesgovbr Acesso em 21 dez 2008 CALDEIRA Teresa Cidade de muros crime segregação e cidadania em São Paulo São Paulo SP Editora 34 Edusp 2000 Violência direitos e cidadania relações paradoxais In Ciência e Cultura V 54 n 1 2002 pp 4446 Disponível em httpwwwcienciaeculturabvsbr Acesso em 20 dez 2008 CAMPOS JUNIOR Carlos Teixeira O estudo da construção como uma contribuição á história dacida de Disponível em httpsitemasonvanderbiltedu Acesso em 21 dez 2007 O novo arrabalde aspectos da formação urbana de Vitória Vitória ES PMV 1996 CERQUEIRA Daniel LOBÃO Waldir Criminalidade ambiente socioeconômico e polícias desafios para os governos Rio de Janeiro RJ IPEA 2004 CERQUEIRA Daniel LOBÃO Waldir CARVALHO Alexandre O jogo dos sete mitos e a miséria da segurança pública no Brasil Rio de Janeiro RJ IPEA texto para discussão n 1144 2005 FERRARI Célson Cursode planejamento municipal integrado São Paulo SP Pioneira 1982 LANNA Ana A cidade controlada Santos 18701913 In RIBEIRO Luiz PECHMAN Robert orgs Cidade povo e nação gênese do urbanismo moderno Rio de Janeiro RJ Civilização Brasi leira 1996 pp 311330 MOLINA Antonio Criminologia introdução a seus fundamentos teóricos 2 ed São Paulo SP 1997 PECHMAN Robert Moses Cidades estritamente vigiadas o detetive e o urbanista Rio de Janeiro RJ Casa da Palavra 2002 PERALVA Angelina Violência e democracia o paradoxo brasileiro São Paulo SP Paz e Terra 2000 SIMDATASUS Sistema de Informações sobre Mortalidade e Banco de Dados do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde Disponível em httpwww2datasusgovbr Acesso em 18 jan 2018 SOUZA Marcelo L Fobópole o medo generalizado e a militarização da questão urbana São Paulo SP Bertrand 2008 O desafio metropolitano um estudo sobre planejamento sócioespacial nas metrópoles brasileiras São Paulo SP Bertrand 2000 SPOSITO Maria Encarnação Capitalismo e urbanização 14ª ed São Paulo SP Contexto 2004 WHOSIS World Health Organization Statistical Information System Disponível em httpwww whointwhosisen Acesso em 20 dez 2007 520 A REVOLUÇÃO DXS NADA UMA APROXIMAÇÃO AO DEBATE SOBRE A ORIENTAÇÃO SEXUAL IDENTIDADE DE GÊNERO E DISCRIMINAÇÃO665 Paula Viturro Mac Donald666 A menudo la lucha política es más intensa cuando los proble mas que se debaten no pueden justificarse en la naturaleza o en la verdad667 Joan Scott INTRODUÇÃO No transcorrer dos últimos anos os direitos à orientação sexual668 e à iden tidade de gênero parecem ter alcançado finalmente um maior reconhecimento institucional como direitos humanos No dia 17 de junho de 2011 o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou a resolução 1719 sobre Direitos Humanos orientação sexual e identidade de gênero a primeira desse organismo centrada especificamente em violações aos direitos humanos de lésbicas gays bissexuais e trans669 665 Traduzido por Daniela Dora Eilberg Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestranda pelo Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Advogada criminalista 666 Graduada em Direito pela Universidade de Buenos Aires Especialista em Direitos Humanos das Mulheres pelo Centro de Direitos Humanos da Universidade do Chile Mestra em Teorias Críticas do Direito e da Democracia na Ibero América pela Universidade Internacional de Andaluzia e Especialista em Estudos Avançados em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide Sevilha Espanha Docente e pesquisadora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires e Coordenadora da Área de Tecnologias de Gênero do Centro Cultural Reitor Ricardo Rojas da mesma Universidade paulaviturroderecho ubaar 667 Frequentemente a luta política é mais intensa quando os problemas que estão sendo debatidos não podem ser justificados pela natureza ou pela verdade Tradução nossa 668 Utilizo o termo orientação por ser o comumente aceito no entanto entendo que pode ser fortemente contestado devido à reminiscência biologicista que parece carregar 669 Disponível em httpapohchrorgdocumentsdpageeaspxsiAHRCRES1719 Acesso em 17 jan 2013 Cabível recordar que no ano de 1994 na resolução do caso Toonen vs Australia o Comitê de Direitos Humanos já havia sustentado que os Estados estavam obrigados a proteger as pessoas da discriminação em razão de sua orientação sexual Esse entendimento foi mantido em casos posteriores tais como Young vs Australia ou X vs Colombia Além disso em seus Comentários Gerais diversos Comitês afirmaram que embora nem a orientação sexual nem a identidade de gênero estejam expressamente enumeradas no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ou em outros tratados de direitos humanos ambas se encontram compreendidas na frase qualquer outra condição social Comitê dos Direitos da Criança Comentário Geral Nº 13 de 18 de abril de 2011 Comitê 521 Em novembro do mesmo ano apresentouse um Relatório do Alto Comis sário das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre leis práticas discrimi natórias e atos de violência cometidos contra pessoas pela sua orientação sexual e identidade de gênero670 O secretário geral da ONU BanKimoon iniciou o ano de 2012 instan do aos líderes da África reunidos na XVIII Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana UA a respeitar os direitos à orientação sexual e à identidade de gênero671 No final do ano em um evento contra a homofobia realizado no 10 de dezembro por ocasião do Dia dos Direitos Humanos voltou a solicitar que se ponha fim à violência e à discriminação por motivos de iden tidade de gênero e orientação sexual e acrescentou permitamme dizer isso em alto e bom tom as pessoas lésbicas gays bissexuais e transgênero têm os mesmos direitos que todos os demais Eles também nascem livres e iguais Eu estou lado a lado com eles na sua luta pelos direitos humanos672 No contexto latinoamericano em particular foram produzidas mudanças muito significativas Apesar da forte influência que os grupos religiosos conserva dores possuem na região bem como da persistência do machismo do sexismo e da homofobia tanto a nível social como institucional o ativismo local conse guiu importantes avanços legais e jurisprudenciais Assim por exemplo no final de 2006 a Suprema Corte Argentina por unanimidade revogou uma sentença da Câmara Cível que havia confirmado a disposição da Inspeção Geral de Justiça Inspección General de Justicia em que foi denegada a personalidade jurídica da Associação para a Luta da Identidade TravestiTransexual ALITT Tratase de um leading case que implicou a derro gação da doutrina que havia sido estabelecida pela Corte no sentido contrário em 1991 ainda que com outra composição ao denegar a personalidade jurí dica à Comunidade Homossexual Argentina CHA673 contra a Tortura Comentário Geral Nº 2 de 23 novembro de 2007 Comitê para a Eliminação da Discriminación contra a Mulher Comentário Geral Nº 28 de 22 de outubro de 2010 e Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Comentário Geral Nº 20 de 22 de maio de 2009 Esse último é especialmente importante porque ainda faz uma referência aos Princípios de Yogyakarta Os mesmos foram redigidos em instâncias da Comissão Internacional de Juristas por um grupo de especialistase embora não vinculantes constituem um guia fundamen tal para trabalhar sobre a matéria 670 ONU Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos Leyes y prácticas discriminatorias y actos de violencia cometidos contra personas por su orientación sexual e identidad de género 17 de novembro de 2011 Disponível em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs19sessionAHRC1941Spa nishpdf Acesso em 17 jan 2013 671 Na ocasião afirmou una forma de discriminación ignorada e incluso penada por muchos países durante dema siado tiempo ha sido la discriminación basada en la orientación sexual o la identidad de género 672 Texto completo disponível em httponuorgpePublicoCentroPrensaDetalleNoticiaaspxid3357 Acesso em 17 jan 2013 673 Suprema Corte Argentina Comunidad homosexual argentina c Resolución Inspección General de Justicia s personas jurídicas Sentença de 22 de novembro de 1991 Disponível em httpwwwchaorgararticulo Acesso em 19 jan 2013 522 Os fundamentos centrais da sentença são muito significativos Em primei ro lugar porque qualificam a denegatória dos direitos denunciada pela ALITT como um ato de discriminação Em segundo lugar porque situam a violência de direitos das minorias sexuais no contexto histórico político composto pelas múltiplas violações de direitos humanos incluindo o terrorismo de Estado E finalmente porque se trata do primeiro reconhecimento institucional por parte de um órgão de mais alto nível estadual acerca da situação de extrema vulne rabilidade em que se encontra o coletivo de pessoas travestis e transexuais674 Fundamentou a Corte Não se pode ignorar os prejuízos existentes em relação às minorias sexuais que reconhecem antecedentes históricos universais com terríveis consequências genocidas baseadas em ide ologias racistas e falsas alegações das quais o nosso país não se distancia bem como as atuais perseguições de natureza semelhante em boa parte do mundo e que deram lugar a um crescente moimento mundial pela reivindicação de direitos à dignidade da pessoa e ao respeito elemetar à autonomia da consciência Que tampouco se deve ignorar que as pessoas pertencen tes à minoria a que se refere a associação apelante não apenas sofrem discriminação social senão que também têm sido vitimizadas de modo gravíssimo através de maus tratos constrangi mentos violações e agressões e inclusive homicídios Como resultado dos preconceitos e da discriminação que lhes priva de fonte de trabalho tais pessoas se encontraram praticamente condenadas a condições de marginalização que são agravadas pelos numerosos casos de pessoas provenientes de setores mais desfavorecidos da população com consequências nefastas para a sua qualidade de vida e sua saúde registrando altas taxas de mortalidade As decisões apeladas estreitaram o conceito de bem comum em detrimento da associação requerente e recusaram sua personalidade não pelo fato de que seus objetivos foram direcionados à melhoria da situação de um certo grupo que precisa de ajuda propósito que compartilha com numero sas pessoas jurídicas senão porque esse auxílio está dirigido ao grupo travestitransexual Ou seja a orientação sexual do grupo social a que pertencem os integrantes da associação teve um peso decisivo para a denegação da personalidade jurídica requerida675 Em maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal do Brasil reconheceu o 674 De todos os coletivos que compõem o campo da minoria sexual as pessoas travestis transexuais e transgênero são as que sofrem as piores condições de exclusão e privação de direitos humanos A pobreza a discriminação a falta de acesso à saúde e a violência policial são uma constante em nosso continente As travestis em especial sofrem violação de direitos humanos desde a infância O círculo de violência começa com a expulsão de casa em uma idade muito cedo o que desencadeia uma vida marcada por uma sucessão de exclusões Discriminadas também na escola onde sofrem a provocação de seus colegas e a rejeição das autoridades escolares as meninas travestis são condenadas à prostituição como único meio de sobrevivência O direito à saúde também se encontra vulnerabilizado A falta de acesso aos sistemas de saúde pública não deixa outra alternativa aquém das práticas clandestinas de injeção de silicone ou ingestão de hormônios A respeito observar o documentário Translatina elaborado pelo peruano Felipe Degregori Buenaletra Produções Na Argentina recentemente no censo nacional realizado no ano de 2010 incluiuse a possibilidade de se expressar outras identidades que não fossem a de ho mem e mulher entretanto ainda não haviam dados oficiais suficientes Contudo no ano de 2005 a Associação de Luta pela Identidade Travesti Transexual realizou um primeiro levantamento sobre a situação da comunidade Durante a pesquisa foram revelados 420 nomes de companheiras falecidas das quais 35 havia falecido entre 22 e 31 anos e 34 entre 32 e 41 anos o que equivaleria à metade da expectativa de vida nacional BERKINS Lohana FERNÁNDEZ Josefina Orgs La gesta del nombre propio Informe sobre la situación de la comuni dad travesti en Argentina 1ª Ed Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2005 BERKINS Lohana Comp Cumbia copeteo y lágrimas Informe nacional sobre la situación de las travestis transexuales y trans géneros Buenos Aires ALITT 2007 675 Suprema Corte da Argentina Asociación Lucha por la Identidad TravestiTransexual vs Inspección General de Justicia Sentença de 26 de novembro de 2006 Disponível em httpwwwcsjngovarconfalConsultaComple taFallos domethodverDocumentosid611573 Acesso em 19 jan 2013 523 status de entidade familiar das uniões homoafetivas ao outorgar o tratamento previsto no artigo 1723 do Código Civil para as uniões estáveis Tratase de uma sentença com efeito vinculante e eficácia erga omnes de modo que todos os tri bunais brasileiros devem acatar Como consequência estendeuse tais efeitos ao regime jurídico a respeito dos alimentos heranças pensões divisão de bens em caso de separação inscrição no registro de Segurança Social e nos programas sa nitárias autorizações para cirurgias de risco e inalienabilidade do lar conjugal676 De acordo com César Baldi o aspecto mais significativo da decisão é que os direitos humanos à privacidade à intimidade à dignidade ao tratamento iguali tário à diversidade ao pluralismo e à liberdade sexual foram expressamente pro tegidos A realização de tais direitos foi por sua vez garantida em dois níveis a saber i a abstenção de conduta discriminatória e ii a garantia do exercício dos direitos constitucionalmente previstos Essas obrigações não se aplicam apenas ao Estado nas suas três esferas senão também aos particulares que são impedidos de justificar a discriminação no campo da educação trabalho saúde e etc O ativismo colombiano também conseguiu decisões importantes nos últi mos tempos No campo do direito da família a Corte Constitucional baseada no direito à igualdade e no livre desenvolvimento da personalidade incluiu uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo dentro dos beneficiários de regime de segu rodesemprego até então planejado apenas para casais heterossexuais sentenças T 7161110677 e T8601111678 Também reconheceu o direito à herança em uniões estáveis de pessoas de igual ou diferente sexo acórdão C2381212679 Por sua vez no campo da saúde pública e com base nos direitos à dignidade à igualdade e ao livre desenvolvimento da personalidade a Corte estabeleceu que o regulamento que impedia os homossexuais de doar sangue era discriminatório 676 A respeito ver BALDI César O STF e a união homoafetiva Disponível em httpwwwdemocraciaejustica orgcienciapolitica3 node272 Acesso em 19 jan 2013 677 Fundamentou a Corte A tese central desta conclusão consiste em considerar que no Estado Constitucional se privilegia enquanto aspectos definidores do mesmo a proteção da dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade Isso significa que cada pessoa enquanto sujeito livre e autônomo tem o poder de definir seu projeto de vida sob a única condição de não afetar essencialmente os direitos dos outros Nesta competência há sem dúvida tanto a definição da identidade e orientação sexual como a decisão sobre a formação de uma unidade conjugal estável constitutiva da família com outra pessoa do mesmo sexo ou de sexo diferente Este por sua vez é um âmbito intimamente ligado ao núcleo essencial do direito à privacidade de tal forma que constitui um limite intransponível para a influência tanto do Estado como da sociedade Para a Câmara é válido afirmar à guisa de conclusão que as pessoas no Estado Constitucional estão investidas de soberania sobre a definição da orientação sexual e identidade de gênero bem como a decisão sobre quem e em que condições desejam planejar projetos de vida com outras Portanto estão proibidas formas de discriminação baseadas na falta de aceitação de orientações ou identidades sexuais pelo simples fato de serem distintas e minoritárias Isso porque não apenas são discriminações com base em critérios suspeitos e carentes de justificação senão porque se configuram como tratamentos indignos uma vez que conforme supramencionado tais decisões individuais correspondem apenas ao foro pessoal e de modo algum podem ser questionadas ou restringidas com base em atitudes que têm como fundamento único o preconceito a ignorância ou a franca ignorância do regime de liberdades previsto pela Cons tituição Corte Constitucional da Colômbia Sentença T 71611 de 22 de setembro de 2011 678 Corte Constitucional da Colômbia Sentença T 86011 de 15 de novembro de 2011 679 Corte Constitucional da Colômbia Sentença C 23812 de 22 de março de 2012 524 em razão de qualificar uma identidade sexual como arriscada680 Em relação ao litígio internacional devemos destacar a sentença proferida em março de 2012 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso de Atala Riffo y niñas Vs Chile Tratase da primeira decisão da Corte a respeito da discriminação por orientação sexual681 Na esfera normativa talvez os casos mais notáveis sejam os da Bolívia Equador e Argentina O artigo 14 da Nova Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia aprovada em 2009 proíbe e sanciona toda forma de discriminação com base no sexo orientação sexual e identidade de gênero entre outras razões682 No Equador tanto a nãodiscriminação baseada na orientação sexual quanto a identidade de gênero têm reconhecimento constitucional desde 1998 e 2008 respectivamente No que diz respeito à reforma de 1998 Judith Salgado683 observa que apesar das tendências conservadoras que foram manifestadas na As sembleia Constituinte a luta dos diferentes grupos sociais conseguiu consolidar a centralidade da questão dos direitos humanos no texto aprovado No entanto a autora se distancia de possíveis narrativas triunfalistas ao advertir que embora o direito à nãodiscriminação baseada na orientação sexual tenha sido aprovado sem discussão isso não implica necessariamente o amplo reconhecimento dos direitos sexuais dada a maneira como associaram discursivamente os direitos sexuais e os reprodutivos Na Argentina os exemplos mais relevantes na matéria são as leis de Casa mento Igualitário e de Identidade de Gênero aprovadas em julho de 2010 e maio de 2012 respectivamente Desde a sua validade a lei do casamento igualitário estabelece que todas as uniões matrimoniais independentemente do sexo das partes gozam dos mesmos direitos incluindo a adoção Dessa forma a Argenti na se converteu no primeiro país da América Latina a reconhecer esse direito em todo seu território nacional e o décimo país em nível mundial A adoção da Lei de Identidade de Gênero por sua vez implicou uma mudança de paradigma na concepção de identidades ao passar de um modelo global hegemônico baseado na patologização a um modelo baseado na autode 680 Corte Constitucional da Colômbia Sentença C 24812 de 22 de março de 2012 681 Corte IDH Caso Atala Riffo y niñas vs Chile Fondo Reparaciones y Costas Sentença de 24 de fevereiro de 2012 Serie C No 239 682 Nova Constituição Política do Estado Plurinacional de Bolívia aprovada pela Assambleia Constituinte em 2007 Disponível em httpconsuladobolivianocomarportalnode119 Acesso em 5 fev 2013 683 SALGADO Judith La reapropiación del cuerpo Derechos sexuales en Ecuador 1ª Ed Quito Abya Yala Cor poración Editora Nacional 2008 pp 50 e ss 525 terminação e no respeito pelos direitos humanos684 O texto aprovado consagra o direito à retificação dos dados do registro civil quando não correspondem ao gênero autodeclarado pela pessoa e garante de maneira integral complementar autônoma e suficiente o acesso à saúde incluindo o acesso a hormônios e cirur gia de reatribuição genital total ou parcial Não há necessidade de diagnósticos médicos ou psicológicos nem de pareceres de comitês científicos ou de bioética para acessar o pleno gozo dos direitos consagrados na lei Da mesma maneira preservase o gozo de outros direitos tais como o da reprodução em oposição às numerosas legislações europeias que exigem a esterilização da pessoa para acessar o direito à mudança de identidade A fim de garantir a plena vigência da lei ela qualifica como prática discriminatória qualquer ato que perturbe obstaculize negue ou viole qualquer dos direitos nela consagrados685 No Uruguai estava prevista a aprovação da Lei do Casamento Igualitário na sessão do Senado de 28 de dezembro de 2012 no entanto no último instante o pleno do Congresso decidiu adiar sua votação para abril de 2013 A experiência uruguaia é especialmente significativa já que se considerarmos a recente legali zação do aborto e os projetos de casamento igualitário e de legalização da maco nha para uso pessoal é a única que parece fundar essas reformas explicitamente no campo de autonomia incluindo a corporal No caso da Argentina dada a resistência em lidar com os múltiplos pro jetos de legalização do aborto o fundamento parece deslizar mais em direção ao campo discursivo das chamadas ações privadas Interpretada segundo a biopo lítica a capacidade reprodutiva das mulheres escaparia a esse âmbito e portanto é excluída pelas autoridades políticas do contexto liberal que levou à promulga ção das leis do casamento igualitário e de identidade de gênero Desse modo o discurso institucional invisibiliza paradoxalmente a importância histórica do ativismo dos grupos feministas locais na configuração do contexto ideológicopo lítico que deu origem a essas reformas686 Avanços como os destacados687 são no entanto insuficientes dentro do 684 Sobre esse aspecto retomarei mais adiante nas partes nº 5 e 6 685 O texto completo da lei pode se consultado Disponível em httpwww1hcdngovarBOboletin12201205 BO24052012legpdf Acesso em 7 dez 2013 686 Lohana Berkins ativista travesti que teve um papel fundamental na configuração do movimento travestitran sexual tanto argentino como latinoamericano ao se referir à história política de seu movimento aponta Esses temas chegam até nós através do feminismo Conhecer as feministas nos coloca diante de uma série de questiona mentos ligados à nossa identidade O que somos as travestis Somos homens Somos mulheres Somos travestis O que isso significa isso começa a discussão para revogar os decretos policiais Lá vamos nós as travestis e lá encontramos vários grupos feministas vou me deter brevemente para lhes contar que compartilhando esse espaço com as companheiras feministas algumas de nós começamos a nos definir como feministas No entanto o olhar de algumas delas sobre nós continua a nos situar enquanto nossa origem biológica masculina BERKINS Lohana Un itinerario político del travestismo In MAFFÍA Diana Comp Sexualidades migrantes Género y transgénero 1ª Ed Buenos Aires Feminaria 2003 pp 127137 687 A enumeração é apenas exemplificativa e portanto reflete apenas algumas das mudanças mais significativas 526 contexto de um continente que registra um alto índice de crimes em razão da orientação sexual e identidade de gênero das vítimas e em que a violência institu cional é abundante especialmente contra as travestis Nesse sentido a morte do jovem chileno Daniel Zamudio Chile depois de agonizar cruelmente por muito tempo em razão de um ataque homofóbico brutal que sofreu nas mãos de um grupo neonazista nos apresenta uma dura realidade688 Devido a tudo que ainda resta a ser abordado vou referir algumas das dificuldades que muitas vezes enfrentamos quando trabalhamos no campo do ativismo sóciosexual ao desenvolver estratégias de combate à discriminação no âmbito jurídico Embora possam ser dificuldades comuns a todos os movimentos sociais são especialmente complicadas no campo de gêneros e sexualidades em que operam fortes discursos naturalistas eou deterministas A fim de contemplar tal finalidade considerarei a experiência do movi mento trans argentino que levou à promulgação da lei de identidade de gênero já que se trata de uma experiência que poderia ser qualificada como emancipató ria democrática e política nos termos de J Rancière689 dada a maneira pela qual conseguiu superar com êxito ditos obstáculos DA SIMPLICIDADE O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famí lia humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo é a afirmação que dá início à Declaração Universal dos Direitos Humanos A fórmula parece simples ingênua e esperançosa Se levarmos em consi deração o momento histórico em que foi promulgada revelase como um ato Não será detalhado exaustivamente pois ultrapassaria os limites deste trabalho 688 Menciono este caso pelo fato de ter sido o que mais repercutiu na região durante o ano passado No entanto é um entre muitos outros que acontecem anônima e diariamente no continente Por exemplo o Grupo Gay da Bahia Brasil relatou que apenas no primeiro trimestre de 2012 houve 104 homicídios por homofobia lesbofobia e transfobia Disponível em httpwwwggborgbrassassinatos20de20homossexuais20no20 brasil 202011 20GGBhtml Acesso em 6 fev 2013 Ademais a trágica morte do ativista gay de direitos huma nos Erick Alexander Martínez Ávila que ocorreu na capital de Honduras no último 07 de maio implicando a comunicação da UNAIDS que expressou profunda preocupação pelas frequentes denúncias que recebe das organizações de direitos humanos sobre casos de mortes desparecimentos e violações aos direitos humanos direcionadas às pessoas LGTBI em Honduras assim como outros países de América Latina Disponível em httpwwwonusidalatinaorgenpressstatements181laoficinaregionaldeonusidaparaamericalatinade ploralatragicamuertedelactivistagay hondurenoerickalexandermartinezavila Acesso em 6 fev 2013 Consultar também o comunicado da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 29 de outubro de 2012 no qual insta os Estados a adotarem medidas urgentes para prevenir esses crimes Disponível em httpwww oasorgescidh press releases 2012 129asp Acesso em 5 fev 2013 689 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad Diálogos sobre política y estética 1ª Ed Barcelona Herder 2011 527 extraordinário e incompreensível de fé no progresso dos valores Uma fórmula voluntarista tendente a reestabelecer uma ordem que nunca deveria ter sido quebrada Dela parece se depreender que o respeito aos direitos humanos só exigiria apego aos valores do humanismo da boa vontade política e caso isso não acon teça o estabelecimento de mecanismos de reparação690 Em uma entrevista por ocasião do primeiro aniversário da apresentação do Relatório sobre as leis e práticas discriminatórias e de atos de violência come tidos contra pessoas com base em sua orientação sexual e gênero identidade a Alta Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas Radhika Chandira mani691 afirmou essa posição ao sustentar que O próprio espírito dos direitos humanos significa que todas as pessoas o temos simplesmente porque somos humanas e humanos De acordo com essa lógica as pessoas LGBTI têm os mesmos direitos humanos que as demais O marco internacional dos direitos humanos é exatamente isso um marco para orientar a conduta dos Estados Por si só nunca pode ser suficiente Deve ser implementado e monitorado e os Estados são responsáveis por suas falhas tanto a nível nacional como na arena internacional A cultura varia de um lugar para outro diferente dos direitos humanos Além disso os direitos humanos não são estáticos são con ceitos em evolução e ressaltam questões específicas à medida que o marco de direitos humanos evolui para esclarecer aspectos que podem não ter sido considerados anteriormente692 Algo semelhante parece seguir a posição de Ignatieff quando afirma que A Declaração Universal representou um retorno à Tradição europeia da lei natural um re torno que busca restaurar a ação para conceder aos indivíduos os remédios judiciais para se levantar quando o Estado os ordene a fazer o mal Historicamente falando a Declaração Uni versal faz parte de uma ampla reorganização da ordem normativa das relações internacionais do pósguerra projetada para criar bases sólidas contra a barbárie 693 Para esse autor a vigência dos direitos humanos então dependerá da ên fase dada pela política ocidental não apenas no desenvolvimento da democracia mas também no do constitucionalismo de tal forma a garantir a separação de poderes o controle jurisdicional das decisões dos poderes executivos e o cumpri mento dos direitos das minorias694 690 Esta é a posição de por exemplo Ignatieff quando afirma sabemos por experiência histórica que quando os seres humanos têm seus direitos defendidos quando sua essência como indivíduos é protegida e ampliada eles são menos propensos a serem abusados e oprimidos Por esses motivos consideramos a difusão de instrumentos de direitos humanos como um progresso mesmo que ainda exista uma lacuna inconcebível entre os instrumentos e as práticas concretas dos Estados encarregadas de cumprilos IGNATIEFF Michael Human Rights as Poli tics and Idolatry 3a Ed Princeton Princeton University Press 2003 p 288 691 Diretora Executiva da TARSHI sigla em inglês de Falando sobre Questões de Saúde Sexual e Reprodutiva uma ONG com sede em Nova Delhi Índia dedicada a questões relacionadas à sexualidade e os direitos 692 Entrevista realizada por Gabriela de Cicco para AWID divulgada no dia 8 de junho de 2012 Disponível em httpawidorgeslLasNoticiasyAnalisisNotasdelosViernesLaONUsaledelclosetrespectoalosdere choshumanosdelaspersonasLGBTI Acesso em 19 jan 2013 693 IGNATIEFF Michael Human Rights as Politics and Idolatry op cit 694 Ibídem p 306 528 Abordagens como as citadas são geralmente muito comuns no campo da dogmática Como docente na carreira jurídica todos os semestres tenho a opor tunidade de verificar a segurança com que os alunos o repetem Ministro dois cursos no departamento de Filosofia de Direito Um tem por objeto a análise das formas pelas quais o discurso jurídico institui a ordem de gênero e o outro a maneira pela qual os corpos são tematizados e hierarquizados nos diferentes ramos do direito de acordo com as capacidades que lhes são atribuídas Dada a natureza fundamentalmente prática que possuem os assuntos dogmáticos os da filosofia são frequentemente vistos como absurdos uma perda de tempo ou um obstáculo a ser superado para obter o diploma de graduado Por essa razão a primeira aula pretende explicar segundo Rancière que nunca há uma consequência prática da teoria em termos de libertação e emancipa ção senão que há os deslocamentos que modificam o mapa do que é pensável do que é nomeável perceptível e portanto também do que é possível695 Daí a importância de compreender a complexidade e as implicações de diferentes suportes teóricos pressupostos nas construções da dogmática para poder perceber aqueles que levam à discriminação e eventualmente a permitir outros modos de pensamento que ampliem o campo do factível após sua erra dicação696 A resposta imediata dos alunos é geralmente uma forma abreviada de pos turas como as citadas Seria mais ou menos assim as violações dos direitos hu manos se devem aos abusos no exercício do poder estatal eou aos múltiplos preconceitos sociais tolerados pelo Estado Todos nós temos os mesmos direitos As vítimas de discriminação em todos os casos têm o direito como ferramenta de proteção frente aos abusos dos poderosos O direito se apresenta então como uma solução exógena e simples de um complexo problema social decorrente do abuso do poder estatal ou de sua tole rância a respeito dos abusos perpetrados pelos particulares Uma ferramenta que seria capaz de estabelecer um limite ao poder estatal geralmente caracterizado de forma reducionista como sinônimo de funções executivas Aparentemente não há muito mais a discutir Desse modo o direito é situado em um imaginário idealizado de garanti dor imparcial universal acultural e transhistórico Como consequência con tornase qualquer consideração a respeito da forma como o discurso do direito 695 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 261 696 Ídem 529 ocidental que se inicia com a modernidade institui e legitima as ordens discri minatórias MODERNIDADE E OS LIMITES DO HUMANISMO O que é o homem se é sempre o lugar e ao mesmo tempo o resultado de incessantes divisões e censuras Trabalhar sobre essas divisões perguntarse de que modo no homem o homem foi separado do nãohomem e o animal do humano é mais urgente que tomar uma posição sobre as grandes ques tões sobre os chamados valores e direitos humanos Giorgio Agamben697 Afirmações como a de Chandiramani segundo a qual todas as pessoas têm direitos humanos simplesmente porque são humanas e humanos não pa recem advertir que as promessas universalistas da modernidade paradoxalmente se limitam a uma ideologia da humanidade que não é nem natural nem óbvia A entronização do sujeito racional como um centro de modernidade foi articulada através de uma série de dualismos tais como naturezacultura razão corpo universalparticular civilizaçãobarbárie masculinofeminino branco preto saudáveldoente nacionalestrangeiro e etc que moldaram os limites do humano Assim como nos recorda Rancière698 autores clássicos tais como Burke Marx Arendt e mais contemporaneamente Agamben denunciaram a distância que a declaração da Revolução Francesa instituía entre os direitos do homem e do cidadão Essa distância é a que originou o surgimento de formas de subjetivação política radical O feminismo as lutas contra a discriminação racial o anticolo nialismo são alguns dos exemplos mais destacados desse radicalismo A história dessas lutas nos ensina que a naturalização da categoria da pes soa física equivalente na doutrina jurídica da noção de sujeito de direito não é mais que o reflexo de um consenso hegemônico daí o seu pretenso caráter auto evidente e universal a respeito dos atributos humanos que prevalecem em um momento histórico Essa operação ainda está sendo desenvolvida por meio de categorias que não parecem ser definidas por concepções biologicistas como a terrorista699 697 AGAMBEN Giorgio Lo abierto El Hombre y el animal 1ª Ed Valencia PreTextos 2005 698 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 162 699 Por exemplo Judith Butler ao criticar a analogia entre terrorista e doentes mentais praticada pelas autori 530 Portanto a luta pela igualdade no gozo dos direitos humanos necessaria mente implica uma disputa de sentidos sobre como somos reconhecidos como seres humanos ou em outras palavras sobre quem possui as características que compõem o ser humano quem pode ser um membro legítimo da família hu mana700 Uma recente decisão da Câmara Federal de Cassação Criminal da Repú blica Argentina ilustra isso de maneira eloquente ao negar o pedido de prisão domiciliar realizado por uma mãe lésbica durante a amamentação Para a maioria do Tribunal a decisão de manter o bebê com ela é a fonte decisiva de sua progenitora uma vez que a sua par ceira não está impedida de assumir o dever na medida do possível Em suma não demons trou qualquer violação dos direitos dos menores nem a existência de razões humanitárias que constituem o fundamento previsto nos regulamentos que regem a matéria701 Como ressalta Rancière quando se refere à igualdade entre todos os ho mens é necessário analisar de maneira constante quem está incluído nesse todo e que tipos de relações estão incluídas na esfera de validade dessa igualdade702 Seguindo esse raciocínio observamos no caso citado que para esse Tribunal não basta ser criança para acessar a proteção de seu interesse superior nos termos da Convenção mas também deve estar dentro da esfera de validade das relações de cunho heterossexual Assim ao se referir à concepção de direitos sexuais como direitos huma nos Miller sustenta que o desenvolvimento de um marco coerente e inclusivo dades dos Estados Unidos para justificar a detenção indefinida de prisioneiros em Guantánamo aponta creio que você tem que desconfiar dessa analogia porque quando uma analogia é feita se pressupõe a comparação de termos separados Mas qualquer analogia também pressupõe uma base comum de comparação e neste caso a analogia funciona até certo ponto metonimicamente Os terroristas são como doentes mentais porque suas mentes são incompreensíveis porque eles estão fora de si porque estão fora da civilização se pegarmos esse conceito como um lema da perspectiva ocidental que se autodefine em relação a certas versões de racionalidade e que afirma vir delas A internação hospitalar involuntária é como o encarceramento involuntário apenas se aceitarmos a função prisional da instituição mental ou apenas se aceitarmos que algumas atividades criminosas suspeitas são em si mesmas sinais de doença mental Na verdade temos que nos perguntar se de fato são apenas certos atos cometidos por extremistas islâmicos que são considerados fora dos limites da razão estabelecidos pelo discurso civilizador ocidental e não cada uma ou todas as crenças e práticas pertencentes ao Islã que se tornam um sinônimo de doença mental na medida em que eles se desviam das normas hegemônicas da racionalidade ocidental BUTLER Judith Vida precaria El poder del duelo y la violencia 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2009 pp 102103 700 O Relator Especial sobre a questão da tortura observou que os membros das minorias sexuais estão sujeitos a uma proporção excessiva em relação à tortura e outros maustratos porque não respondem ao que é socialmente esperado de ambos os sexos A discriminação com base na orientação ou identidade sexual pode frequen temente contribuir para a desumanização da vítima que é frequentemente uma condição necessária para que a tortura e os maustratos ocorram ONU Assembleia Geral Relatório do Relator Especial sobre a questão da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes 3 de julho de 2001 A 56156 par 19 Disponível em http wwwunhchr ch Huridocda Huridocansf 28Simbolo 29 A56156En Opendo cument Acesso em 3 fev 2013 701 Cámara Federal de Casación Penal de Argentina F AM s recurso de casación Causa No 3312 10 de janeiro de 2013 702 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 160 531 que se possa aplicar a diferentes tipos de pessoas necessariamente requer i compreender como algumas normas internacionais funcionaram historicamen te para regular a sexualidade em termos genéricos raciais idade etc e ii a incorporação de teorias contemporâneas sobre a construção social da sexuali dade703 A redação do artigo 6 da Declaração Universal dos Direitos Humanos segundo a qual todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica parece pressupor que a personalidade jurídica é um correlato legal de uma realidade natural preexistente ser humano e dessa maneira reivindica a lógica da tradição europeia do direito natural a que alude Ignatieff Por isso Baldi assinala que em matéria de direitos humanos o importante é revisar as bases em que se assenta esse discurso e expandir a noção atual de humanidade que se limita a nivelar diferenças dentro da fórmula universalista que define o Ocidente branco masculino heterossexual e cristão704 No mesmo sentido Butler recupera a crítica ao humanismo que Fannon formulou ao afir mar que o negro não é um homem705 Dessa maneira Fannon demostrou o caminho pelo qual a articulação contemporânea do humano está racializada Por sua vez Butler no uso da palavra homem também formula uma crítica à masculinidade já que implica que o homem negro é feminizado O escopo dessa formulação seria que ninguém que não seja um homem no sentido masculino seja um humano de modo que sugere que tanto a masculinidade como o privi légio racial conformam a noção do humano706 Nesse ponto fazse eloquente a advertência realizada por Legendre se gundo a qual afirma que os descendentes da Europa filhos de guerras que foram queimados promotores de Felicidade industrial conquistadores das ciências sem pre cedentes nos esquecemos de que a fábrica do homem é precária707 No mesmo sen tido ao formular um contexto histórico e geopolítico ao humanismo chama a atenção para as consequências que derivam do etnocentrismo que acarreta Uma delas é a redução simplificação ou ocultação das causas da discriminação que ocorre quando é caracterizada como produto de formas culturais reacionárias Dessa maneira tacitamente se reivindica um dualismo que hierarquiza 703 MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Repro ductive Rights In Health and Human Rights vol 4 no 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorg archivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 704 BALDI César Direitos humanos e direitos humanos onde s homossexuais In GRÜNE Carmela Org Samba no pé e direito na cabeça 1ª Ed São Paulo Saraiva 2012 pp 3358 705 FANON Frantz Piel negra Máscaras blancas 1ª Ed Madrid Akal 2009 p 42 706 BUTLER Judith Deshacer el género 1ª Ed Barcelona Paidós 2006 p 29 707 LEGENDRE Pierre La fábrica del hombre occidental 1ª Ed Buenos Aires Amorrortu 2008 p15 532 uma ideia de cultura universal caracterizada como progressista acima de uma ideia de cultura entendida como mero particularismo conservador Essa parece ser a postura de Chandiramani quando argumenta que a cultura varia de um lugar para outro diferente dos direitos humanos Além disso os direitos humanos não são estáticos são conceitos em evolução caso contrário seria impossível enten der de onde deriva o caráter dinâmico atribuído aos direitos humanos Ignatieff sustenta uma explicação semelhante embora em seu caso o etnocentrismo se expresse através da reivindicação da tradição europeia do direito natural como uma defesa frente à barbárie A cultura universal tal como surge nesse dualismo corresponde à tradição ocidental entendida como o cânon da cultura europeia da modernidade Essa cultura se expressa fundamentalmente através do discurso secular da ciência mo derna baseado na crença pelo progresso indefinido da razão e nos princípios do positivismo Cultura baseada na crença pela verdade científica universal em opo sição ao obscurantismo religioso o fanatismo ou os particularismos folclóricos A principal consequência dessa abordagem é que não dá conta da maneira pela qual o discurso científico da modernidade por meio das diferentes discipli nas que o compõem justificou e justifica as ordens discriminatórias Os pre conceitos ou estereótipos sociais que geralmente são apontados como motivos para a discriminação têm sua contrapartida nos discursos científicos Portanto não há possibilidade de remover esses estereótipos se não se ques tiona o aparato ideológico cientificista que lhe dá valor de verdade Tampouco é possível continuar sustentando o valor da civilização acima da barbárie como uma forma de acabar com as violações dos direitos humanos frente à evidência histórica segundo a qual o extermínio em massa de pessoas o racismo e etc fo ram fundados no corpus das ciências e no desenvolvimento da técnica Aqui vale a pena mencionar dois exemplos significativos do peso que essa forma de etnocentrismo ainda possui atualmente Segundo o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre leis e práti cas discriminatórias e atos de violência cometidos contra pessoas devido à sua orientação sexual e identidade de gênero as leis que criminalizam as pessoas com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero comumente conhecidas como leis de sodomia são frequentemente vestígios da legislação colonial708 Por outro lado o relatório também reconhece que as crianças intersexuais são discriminadas por serem submetidos a cirurgias desnecessárias do ponto de vista médico praticadas sem o seu consentimento prévio informado ou o de seus pais 708 ONU Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos Leyes y prácticas discriminatorias y actos de violencia op cit párr 40 533 em uma tentativa de corrigir o seu sexo709 No entanto essa última circunstância sequer é vista como uma violação dos direitos humanos em grande parte do dis curso contra a mutilação genital feminina quando é caracterizada apenas como uma prática tribal A respeito Cabral é pertinente ao afirmar a respeito do Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina que a grande maioria das intervenções cirúrgicas normalizadoras afetam meninas e mulheres ou são intervenções feminizantes que adaptam corpos masculinos que falharam para as versões machistas e misóginas de corpos femininos e ainda assim as questões interse xuais não fazem parte de nenhuma agenda de gênero710 DO CARÁTER POLÍTICO DO DISCURSO JURÍDICO A biologia determina a capacidade de raciocínio de reflexão moral ou de ação política Como é impossível dar uma resposta definitiva a essas perguntas aqueles que propuse ram respostas de sinais opostos tentaram determinar uma solução frequentemente na forma de leis ou regulamentos Consequentemente a lei substituiu a verdade como um guia para a ação humana No entanto essa substituição não foi reconhecida como tal mas pelo contrário a norma aprovada era apresentada como baseada na natureza ou na verdade Assim os vencedores atribuíram sua vitória não à política mas à superioridade de sua compreensão científica ou moral e dessa maneira conseguiram esconder a influência da lei nas percepções da natureza Joan Scott711 Outra dificuldade é dada pela caracterização do direito como mera ferra menta uma descrição que esvazia todo seu conteúdo político Essa invisibilização da política ocorre em primeiro lugar através da redu ção e assimilação do conceito do político ao exercício das funções executivas do poder estatal Dessa maneira o papel dos operadores jurídicos especialmente o estabe lecimento dos juízes como classe privilegiada e corporativista fica à margem de 709 Ibídem párr 57 710 CABRAL Mauro Hoy en este mundo Página 12 06 de fevereiro de 2009 Disponível em httpwww pagina12comardiario suplementossoy160420090206html Acesso em 07 fev 2013 711 COTT Joan Las mujeres y los derechos del hombre feminismo y sufragio en Francia 17891944 1ª Ed Buenos Aires Siglo Veintiuno 2012 p 11 534 qualquer consideração a respeito de sua responsabilidade no estabelecimento e ma nutenção da discriminação Talvez o melhor exemplo disso seja o caso Atala Riffo Além da evidente violação dos direitos humanos perpetrada contra a autora e suas filhas ao ser negada a custódia matéria essa que foi objeto de sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos é importante notar um aspecto que muitas vezes passa despercebido o fato de a Sra Atala Riffo ser magistrada o que desenca deou um processo complexo da superintendência tendente a sancionála O funcionamento corporativo do Judiciário é um resseguro contra a sua diversificação e pluralismo o que compromete o pleno reconhecimento dos di reitos humanos O fato de que a maioria de seus membros faça parte de uma camada social privilegiada normalmente moralmente conservadora e uniforme em termos etários genéricos culturais e étnicos somado à falta de mecanismos institucionais que assegurem a democracia interna constitui um obstáculo à efe tivação de valores pluralistas A falta de questionamento do papel da magistratura também está ligada à forma como historicamente a função judicial foi concebida como boca da lei Crença aprofundada a partir da expansão do positivismo jurídico a qual reduziu o trabalho interpretativo a uma mera adequação das normas gerais a casos con cretos Entretanto como explicita Marí a pretendida uniformidade semântica do discurso jurídico é um mito Uma decisão judicial ou uma norma tidos como discursos tipo têm um processo de formação decomposição e recomposição em que outros discursos diferentes pela sua origem e função que com ele se entrela çam Entre o processo de formação e o produto final formado há uma ruptura uma distância ou uma lacuna O resultado não é uma intepretação dedutiva que descobre significados já presentes na norma como essência senão um correlativo de uma relação de força entre os discursos conflitantes E em muitos casos um discurso ausente é o principal fator seja do tipo econômico como o modo de organização do sistema produtivo seja por razões políticas como a chamada razão de Estado morais ideológicos e etc Portanto entre o processo de pro dução de formação e de constituição do discurso jurídico e esse discurso como um produto final existe uma ruptura uma descontinuidade um deslocamento Esse desequilíbrio não seria um desacordo meramente semântico mas uma in compatibilidade construída nas práxis sociais que se caracteriza como variável em termos históricos Daí a impossibilidade de se verificar os conceitos jurídicos independentemente da teoria jurídica que os produz712 DO NATURALISMO 712 MARÍ Enrique Moi Pierre Rivière y el mito de la uniformidad semántica en las Ciencias Sociales y Jurí dicas In MARÍ Enrique Papeles de filosofía Buenos Aires Biblos 1993 p 254 535 A natureza entendida como primeiro princípio da realidade parece ser a chave filosófica a partir da qual os juízes muitas vezes resolvem queixas de discri minação em razão do gênero ou sexualidade das pessoas Em outras palavras o raciocínio é baseado em uma operação de naturalização de um padrão normativo ao que se tentará por todos os meios assimilar a vítima de discriminação Assim estabelecido um modelo ideal associado a uma certa ideia de natureza qualquer denúncia de discriminação será a princípio reconduzida pelo caminho da assi milação Qualquer pessoa que alegue ser discriminada em virtude de uma dife rença será forçada a eliminála ou minimizála a fim de gozar do direito negado Talvez o melhor exemplo dessa operação de naturalização seja constituído pela forma como no campo do direito civil os discursos relacionados à identidade de gênero foram desenvolvidos antes da sanção da lei na Argentina713 A análise da jurisprudência e a produção doutrinária sobre expedientes em que se solicitou a autorização judicial para a realização de operações de mudança de sexo e a modificação do registro civil demostra que a construção jurídica da transexualidade se realizava a partir de uma história baseada na figura mítica do hermafrodita condenado pela natureza à indefinição sexual A partir dos dramáticos relados de alegadas experiências de vida instituí amse vítimas doentes cuja situação não natural teria o direito de remediar a mis são mediante autorização de procedimentos cirúrgicos que asseguraram o fim do sofrimento e a validade da naturalizada ordem dicotômica dos corpos Como consequência o fundamento do reconhecimento do direito não foi a autonomia do demandante mas sua normalização Dada sua resistência à ancoragem genital de sua identidade as travestis apareceriam nesse discurso como figuras antagônicas Frente ao travestismo a história centrada em uma ordem naturalista alterada que cede lugar às figuras do hermafrodita e do transexual permitiu argumentos próprios do âmbito da reflexão moral As vítimas foram substituídas por sujeitos autônomos perversos que tendo a possibilidade corporal de viver de acordo com a ordem natural não o faziam e portanto eram responsáveis pelas condições de vida adversas às que foram sub metidas Aqui o discurso retributivo é claramente equivalente ao que sustenta a figura do delinquente no direito penal liberal moderno E isso não é casualidade dado que o maior número de representações judiciais em relação ao travestismo foi realizado historicamente pela instituição policial e pela justiça criminal atra 713 Antes da sanção da Lei de Identidade de Gênero e em virtude da lei sobre o exercício da medicina que proibia a realização de operações de mutilação as pessoas que queriam mudar de gênero tinham que judicializar sua situação 536 vés da criminalização da prostituição Vejamos alguns exemplos Seu aspecto é feminino Mas de uma feminilidade natural sem afetação ou aparência longe muito longe de outras situações em que o traço exagerado a ostentação é a nota Os exames médicos concordaram que é um pseudohermafrodita o sujeito que tem algumas características em comum com o transexual a rejeição da homossexualidade não permanece no mero travestismo714 Cabe assinalar que não é possível confundir o transexualismo que é um problema existencial com isosexualismo seja na forma do homossexualismo ou do lesbianismo nem o travestimento O transexual tem o direito de dispor de seu corpo na medida em que ele reflete uma ne cessidade médica para recuperar a saúde que nunca teve O transexual enquanto ser livre tem o direito de projetar sua vida de acordo com uma exigência existencial incontrolável que certamente não é um capricho Essa vocação existencial está além do controle de sua vontade O ser humano não tem o direito de dispor de seu corpo exceto em certos casos indicados pela doutrina pela jurisprudência ou pela lei715 O fenômeno transexual é bastante recente pois sua afinidade com outras perversões como o travestismo ou a homossexualidade não facilitaram sua classificação autônoma nem o homossexual nem o travesti refutam sua identidade o transexual pelo contrário adverte que seu próprio sexo anatômico é o obstáculo mais grave para sua escolha de comportamento e o descontentamento latente nos primeiros anos de vida degenera com a idade para formas maníacas de autodestruição716 Os transexuais são sujeitos que não podem ser considerados como viciosos ou pervertidos sexuais senão que pelo contrário padecem de um desequilíbrio profundo que lhes provoca grave desconforto nos distanciamos daqueles defensores da intervenção médicocirúrgica impulsionada pela liberdade sexual como liberdade de escolha e de sexo717 Em virtude da situação descrita o direito à identidade de gênero das tra vestis não era reconhecido e portanto lhes era negada a possibilidade de alterar o registro civil Dentro do discurso naturalista os relatos referentes à saúde têm um papel proeminente Isso permite voltarse à velha ideia de uma natureza desviada ou desordenada que a lei deve tentar restaurar Desse modo a decisão judicial se legitima a partir da retórica do naturalismo que ameaça qualquer conceituação do direito à saúde e evita decisões baseadas em outros direitos como a autonomia pessoal Sentenças baseadas nesse último princípio expõem a dimensão política de toda decisão judicial e portanto são geralmente evitadas por juízes os quais 714 Cámara Civil y Comercial de San Nicolás Argentina Sentencia 11894C LJ Voto do juiz Maggi 715 FERNÁNDEZ Carlos Apuntes sobre el derecho a la identidad sexual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 pp 1020 716 ROGNONI Giancarla Reseña de Consideraciones médicolegales sobre un caso de transexualismo de Lan driscina In Giurisprudenza Italiana 5ta Entrega maio 1976 TurínItalia p 176 Publicado também na Lei T 1986A p 1129 717 WAGMAISTER Adriana y MOURELLE DE TAMBORENEA Cristina Derecho a la identidad del transe xual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 pp 6970 537 estão pouco acostumados a dar conta de seus próprios posicionamentos ou com promissos ideológicos DA PATOLOGIA À AUTODETERMINAÇÃO Tal como supramencionado a Lei de Identidade de Gênero recentemente sancionada na Argentina produziu uma mudança paradigmática na concepção das identidades ao abandonar o modelo hegemônico global que se baseia na noção de patologia718 A mera manifestação por parte da pessoa interessada a res peito de sua vontade de mudar de gênero é suficiente para que o Estado proceda à modificação do registro civil e esteja obrigado a cobrir as prestações de saúde no caso que lhe forem requeridas Embora essa mudança seja por si só revolucionária de acordo com a clas sificação conhecida dos tipos de demandas de direitos formulada por Miller719 como conclusão gostaria de rever as implicações que em termos políticos teve o processo de ativismo desenvolvido pelos grupos trans Minha hipótese é que a dita experiência poderia ser qualificada como emancipatória democrática e polí tica nos termos de Rancière Emancipatória porque implicou uma mudança nos termos de posição dos corpos uma dissociação da ordem das nomeações pelas quais cada um é atri buído a um lugar Para esse autor as relações de sujeição não estão baseadas na ignorância tal como sustenta a tradição marxista ao afirmar que as pessoas são dominadas porque não conhecem as condições de sua exploração Não é a consciência da sujeição senão o desejo de começar uma outra vida a visão de si mesmo como capaz de experimentar algo diferente do destino de dominação que determina a possibilidade de emancipação a qual se materializa no empode ramento por parte dos oprimidos das palavras que não foram destinadas a eles Citando como exemplo o proletariado aponta que o segredo do mercado do capital e do superávit era algo que nunca lhes havia faltado mas o que faltava era o sentimento da possibilidade de um destino diferente o sentimento de partici pação na qualidade de ser falante720 Daí a definição de democracia como a possibilidade de qualquer que seja 718 Uma análise da despatologização pode ser vista em CABRAL Mauro Los rumores de la despatologiza ción Clam 13 de dezembro de 2012 Disponível em httpwwwclamorgbrESdestaqueconteudoasp cod10109 Acesso em 7 fev 2013 719 Ver MILLER Alice Las demandas por derechos sexuales In III Seminario Regional Derechos Sexuales Derechos Reproductivos Derechos Humanos Lima Cladem 2002 pp 121140 e MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Reproductive Rights In Health and Human Rights Vol 4 No 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorgarchivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 720 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 83 538 Possibilidade que consiste em terminar com a distinção segundo a qual há um discurso comum que pertence aos superiores enquanto que o resto da humani dade é atribuído ao campo do ruído Possibilidade de acabar com a crença de que todo ser de uma classe mais baixa é apenas capaz de expressar fome cólera raiva ou indignação e incapaz de articular um discurso sobre o justo e o injusto721 A maneira pela qual a identidade travesti foi historicamente associada com a noção de escândalo nos tipos penais e contravencionais que puniam o uso de roupas do sexo oposto e ainda hoje perseguem a oferta de serviços sexuais são um claro exemplo A democracia não seria então simplesmente uma forma de governo nem um modo de vida social à maneira de Tocqueville senão um modo específico de estruturação simbólica do ser em comum É essa inversão singular da ordem das coisas segundo a qual aqueles que não estão destinados a ocuparse das coisas comuns passam a se ocupar delas Por isso para Rancière o começo da política é dado pela existência de indivíduos que não são nada722 que são um excedente da contagem de partes de uma população723 no preciso momento em que se põem em questão a dis tribuição do sensível das evidências sensíveis que sustentam a dominação e disputam a possibilidade de estabelecer o sentido do que vemos724 A política é então aquele momento conflitivo em relação ao próprio fato de saber quem é dotado da capacidade política da palavra Por essa razão a po lítica aparece como excedente em relação à ordem policial entendida como a estruturação do espaço comum que faz com que uma determinada situação de dominação apareça fundada em evidências sensíveis Dominação que conforme supramencionado fundamentase na crença de que há pessoas que realmente não falam que apenas expressam fome cólera raiva e indignação Uma crença que historicamente tem se manifestado com relação aos pobres às pessoas de cor às populações indígenas às mulheres às travestis aos homossexuais e assim por diante O que distingue então a política da polícia não é a especificidade de um conteúdo reivindicativo senão a própria forma da ação O que Rancière chama de polícia supõe um sistema de distribuição de lugares e de competências A po 721 Ibídem p 84 722 No nosso caso o exemplo paradigmático desse nada seriam as corporalidades trans na prostituição expulsas para zonas vermelhas localizadas do outro lado das fronteiras da cidadania sexual Uma análise interessante da exclusão em termos espaciais e dos regulamentos de sexualidade e gênero em termos da construção de um ideal de cidadania é a da SABSAY Leticia Fronteiras sexuais Espaço urbano corpo e cidadania 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2001 723 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 74 724 Ibídem p 88 539 lítica é a revogação dessa ideia de que uma competência específica seria necessária para lidar com assuntos comuns No processo de criação da Lei de Identidade de Gênero a disputa ocorreu no momento em que o movimento trans se organizou sob a Frente Nacional pela Lei de Identidade de Gênero e propôs um projeto que questionava os quatro outros que estavam sendo analisadas pelo Parlamento Um deles foi impugnado porque propôs a criação de um Escritório de Identidade de Gênero como um órgão do Estado projetado para monitorar os pedidos de retificação de dados de registro ou acesso a intervenções cirúrgicas Outros dois foram criticados porque regulamentavam separadamente o reconhecimento da identidade e a assistência à saúde cedendo espaço a uma hierarquização dos direitos em jogo e porque exigiam estabilidade e permanência no gênero para acessar a mudança de registro civil Por último o projeto remanescente foi o mais criticado pela Frente dado que outorgava poder de aplicação à autoridade para a criação de comitês de bio ética mediante a solicitação do pedido de relatórios especiais725 Apesar da alta competência técnica que o tema parecia exigir à luz da litera tura sobre a matéria xs ativistas reunidxs na Frente questionaram a legitimidade desse saber estabelecido para decidir sobre sua autonomia Embora pudessem ignorar o alcance teórico desse saber contestado sabiam as sérias consequências que derivariam da perpetuação do poder científicoestatal para regular suas vidas Nesse sentido cumpriuse a máxima de Rancière a qual dispõe que toda política é uma luta entre dois mundos perceptivos Uma luta entre um mundo em que os dados são objetiváveis em que os especialistas os traduzem em decisões e um mundo em que há um debate sobre os dados em si e quem está capa citado para definilos Onde a discussão se dá com base na dissimetria das posições que o reconhecimento tanto do que é objeto de discussão quanto da capacidade dos interlocutores é em si mesmo um objeto de controvérsia que se opõe ao modelo de deliberação racional726 REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Lo abierto El Hombre y el animal 1ª Ed Valencia PreTextos 2005 BALDI César Direitos humanos e direitos humanos onde s homossexuais In GRÜNE Car 725 Ver LITARDO Emiliano Perturbaciones normativas la ley de identidad de género en Argentina Los cuerpos desde ese otro lado In Derecho y Humanidades Facultad de Derecho Universidad de Chile Santiago en prensa 726 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad op cit p 265 540 mela Org Samba no pé e direito na cabeça 1ª Ed São Paulo Saraiva 2012 BALDI César O STF e a união homoafetiva Disponível em httpwwwdemocraciaejusticaorg cienciapolitica3 node272 Acesso em 19 jan 2013 BUTLER Judith Deshacer el género 1ª Ed Barcelona Paidós 2006 BUTLER Judith Vida precaria El poder del duelo y la violencia 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2009 CABRAL Mauro Hoy en este mundo Página 12 06 de fevereiro de 2009 Disponível em http wwwpagina12comardiario suplementossoy160420090206html Acesso em 07 fev 2013 CABRAL Mauro Los rumores de la despatologización Clam 13 de dezembro de 2012 Dispo nível em httpwwwclamorgbrESdestaqueconteudoaspcod10109 Acesso em 7 fev 2013 COTT Joan Las mujeres y los derechos del hombre feminismo y sufragio en Francia 17891944 1ª Ed Buenos Aires Siglo Veintiuno 2012 FANON Frantz Piel negra Máscaras blancas 1ª Ed Madrid Akal 2009 FERNÁNDEZ Carlos Apuntes sobre el derecho a la identidad sexual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 IGNATIEFF Michael Human Rights as Politics and Idolatry 3a Ed Princeton Princeton University Press 2003 LEGENDRE Pierre La fábrica del hombre occidental 1ª Ed Buenos Aires Amorrortu 2008 LITARDO Emiliano Perturbaciones normativas la ley de identidad de género en Argentina Los cuerpos desde ese otro lado In Derecho y Humanidades Facultad de Derecho Universidad de Chile Santiago en prensa MAFFÍA Diana Comp Sexualidades migrantes Género y transgénero 1ª Ed Buenos Aires Fe minaria 2003 MARÍ Enrique Moi Pierre Rivière y el mito de la uniformidad semántica en las Ciencias Socia les y Jurídicas In MARÍ Enrique Papeles de filosofía Buenos Aires Biblos 1993 MILLER Alice Las demandas por derechos sexuales In III Seminario Regional Derechos Sexuales Derechos Reproductivos Derechos Humanos Lima Cladem 2002 MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Reproductive Rights In Health and Human Rights Vol 4 No 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorgarchivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 MILLER Alice Sexual but not Reproductive Exploring the Junction and Disjunction of Sexual and Reproductive Rights In Health and Human Rights vol 4 no 2 pp 68109 Disponível em wwwhhrjournalorgarchivesvol4no2php Acesso em 23 jan 2013 RANCIÈRE Jacques El tiempo de la igualdad Diálogos sobre política y estética 1ª Ed Barcelona Herder 2011 ROGNONI Giancarla Reseña de Consideraciones médicolegales sobre un caso de transexualismo de Landriscina In Giurisprudenza Italiana 5ta Entrega maio 1976 TurínItalia p 176 Publicado também na Lei T 1986A p 1129 SABSAY Leticia Fronteiras sexuais Espaço urbano corpo e cidadania 1ª Ed Buenos Aires Paidós 2001 SALGADO Judith La reapropiación del cuerpo Derechos sexuales en Ecuador 1ª Ed Quito Abya Yala Corporación Editora Nacional 2008 WAGMAISTER Adriana y MOURELLE DE TAMBORENEA Cristina Derecho a la identidad del transexual In Jurisprudencia Argentina No 6166 Especial Bioética 3 de novembro de 1999 541 DRONE IMPÉRIO ROBÓTICO727 Stephen Graham728 Abril de 2014 A partir do nível do solo o gramado parece estar coberto com o tipo de camada de plástico comumente usada para abrigar frutas e vegetais cultivados ROTINEIRAMENTE Mas este não é um dispositivo agrícola é uma imagem na Terra É somente quando a camada é vista a partir da visão aérea que a imagem fica surpreendentemente clara Fig 1 Figura 1 O projeto Not a Bug Splat visto do céu O projeto foi desenhado por um grupo de artistas políticos provenientes da França Estados Unidos e Paquistão Essa imagem situase no norte do Paquistão Foto de abril de 2014 Ao olhar para esse campo anônimo no centro de destruição dos drones de KhyberPukhtoonkhwa dentro das Áreas tribais administradas pelo governo fe deral no Paquistão conhecido como FATA percebese que há a imagem gigan tesca de uma menina local colocada por um grupo de artistas políticos franceses americanos e paquistaneses 727 Texto original em inglês com o título Drone Robot Imperium em 2016 na série Transnational Institute Working Papers publicado em Amsterdam pelo Transnational Institute em 2016 a tradução para o português foi feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira e Lucas Dagostini Gardelin 728 Stephen Graham é professor de Arquitetura e Planejamento na Universidade de Newcastle Inglaterra e lecionou anteriormente na Universidade de Durham e no MIT entre outras instituições A pesquisa de Graham se dá no campo da crítica social e da teoria urbana sobre alguns dos desafios que enfrentam nossa rápida urbanização global e se concentra em temas ligados a militarização da vida urbana relação entre cidades tecnologia e infraes trutura e aspectos urbanos da vigilância Autor editor e coautor de muitos livros incluindo Disrupted Cities Cities War and Terrorism The Cybercities Reader e Splintering Urbanism com Simon Marvin Também é autor de Cidades sitiadas o novo urbanismo militar e um dos autores da coletânea Bala perdida a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação ambos publicados pela Boitempo 542 De acordo com a Fundação dos Direitos Fundamentais do Paquistão a criança que possui o nome desconhecido perdeu seus dois pais e seu irmão Syed como dano colateral a um míssil do Fogo do Inferno disparado por um drone armado dos EUA em 21 de agosto de 2009729 Visualizando o corpo através da imagem de vídeo na tela verde que usam os pilotos para lançar suas armas os artistas de NotABugSplat enfatizam dá a sensação de que um inseto está sendo esmagado730 Com a evolução de bombardeiros satélites e helicópteros armados essa visão nos lembra a conexão cada vez mais forte entre o ato de matar através de um sistema de armas e o uso de tecnologias visuais para encontrar um alvo Como o tempo entre detecção e filmagem diminuiu com as novas tec nologias de comunicação e detecção a obsessão militar no linguajar comum é comprimir a cadeia de matar O sonho é mudar para um mundo onde as armas e os sistemas de imagem estarão totalmente integrados Desse modo os atos de ver e matar efetivamente se tornam um e o mesmo731 Os drones permanecem e aniquilam as pessoas dos céus Os sociólogos que estudaram comentários de internautas através das imagens do Youtube do alvejamento e da matança de insurgentes observaram uma tendência generaliza da De acordo com as tradições profundas na cultura e na linguagem ocidentais eles percebem sua visão de cima para baixo como uma superioridade inerente sobre as pessoas subjugadas menos importantes e com culturas raciais diferentes Abaixo de seus olhares vêem até mesmo pessoas desumanizadas732 A maioria dos 1600 comentários dos internautas abordados no estudo inscreviam seus pontos de vista e essa é a visão da própria arma assassina com uma sensação de su perioridade moral e de visão geral Eu quero ver com meus próprios olhos que eles estão mortos e morrendo um comentário lido Apenas para minha própria satisfação733 729 O nome deriva de um tipo de software que faz o cálculo de alvos usados pela primeira vez em 2002 no qual os pilotos de drones dos EUA rotulam diuturnamente usando um desumanizador eufemismo de Bug Splat 730 Insideoutprojectorg Not a Bug Splat UndisclosedLocation Região de KhyberPakhtunkhwa Pakistão Abril de 2014 Disponível em httpwwwinsideoutprojectnetengroupactionspakistanundisclosedlocation 731 Ver Derek Gregory The everywhere war The Geographical Journal 1773 2011 238250 732 É importante ressaltar que o próprio termo superioridade deriva do prefixo da língua latina super que significa alto ou acima de modo contrário o termo subjugado deriva do prefixo latino sub que significa abaixo 733 Henrik Fürst e Karin HagrenIdevall Drone porn and violence comments on YouTube to a drone attack Artigo não publicado mas apresentado na 10ª Conferência da Associação Sociológica Europeia 710 de Se tembro 2011 p 12 Citadopor Mark Dorrian Drone semiosis Weaponry and witnessing Cabinet Magazine Summer pp 52 2014 543 PrintTomada dos registros de câmera de um ataque letal de Predator no Afeganistão em 2011 um dos muitos disponíveis no Youtube As pessoas estão claramente ressaltadas pela linha branca de seus corpos quentes capturada pela câmera infravermelha Um segundo após essa tomada todas foram mortas por um míssil Hellfire disparado pelo drone A visão do olho do drone conectase direto ao Youtube tal como em uma série de videogames militarizados Isso só contribui para as formas em que a ma tança de drones opera através de redes complexas de tecnologia eletrônica Essa miscigenação militar e eletrônica trabalha para distorcer sistemas de armas com sistemas de entretenimento Por esta razão talvez a Força Aérea dos EUA esteja diretamente direcio nada ao recrutamento de jogadores como pilotos de drone especialmente aque les com experiência em aeronaves domésticas e simuladores Os controles reais usados pelos pilotos para realizar a matança às vezes imitam diretamente os co nhecidos controles da Sony Playstation que os recrutas usaram desde a primeira infância734 Em 2005 NoahShachtman da Wired Magazine discutiu a experiência de um novo piloto Predator chamado Private Joe Clark Clark em certo sentido 734 Charlie Fripp Do gamers make for perfect drone pilots IT News South Africa 10 de Outubrode 2013 Dispo nível em httpwwwitnewsafricacom201310dogamersmakeforperfectdronepilots 544 foi preparado para o trabalho desde que era criança Ele joga videogames mui tos videogames enfatizou Shachtman De volta ao quartel ele gasta o tempo de inatividade com um Xbox e um PlayStation Quando ele passou para detrás dos controles de um UAV Shadow Veículo Aéreo Não Tripulado a operação de ponto e clique funcionou da mesma maneira 735 Com todos esses fatores o excepcional poder de NotABugSplat deriva da forma como ele sofisticadamente retoma a maioria das imagens humanas inclusive os rostos de uma forma que altera fundamentalmente a lógica da visão distante vertical e mecânica Essa tecnologia pois questiona a vigi lância e a desumanização que sustentam o surgimento da rotina de drones assassinos Mais importante ainda é a forma como os olhos da menina olham para trás verticalmente em direção aos sensores distantes que garantem os ataques de drones736 Ao ver a imagem da menina no campo é tentador por um breve momento perguntarse se a sua aparência impõe brevemente um olhar mais si métrico entre o piloto e o alvo no momento em que os olhos da menina se encon tram com o sensor digital A imagem momentaneamente prejudicou a operação normal dos drones que como o estudioso da mídia Tim Blackman disse são projetados para permanecer no escuro e trazer inimigos para a luz onde eles po dem ser destruídos737 Mike Pearl perguntase sobre o impacto na imagem em um piloto de dro nes real localizado em uma caverna de realidade virtual na base da força aérea Creech localizada nos subúrbios do norte de Las Vegas Afirma ele que quando você está olhando para baixo do ponto de vista do predador ver o rosto de uma criança seria uma mudança surpreendente da visão usual do Google Earth acho que todos nós assumimos que estarão olhando para a imagem O piloto sentado no terminal remoto suponho seria tão despertado pela empatia que ele ou ela se forçaria a levantar e sair do programa drone de uma vez por todas Se isso é excessivamente otimista talvez ao menos o piloto se perceberia distraído demais para atingir adequadamente a criança que ele ou ela estava planejando atingir ou pelo menos a ser obrigado a tentar de novo e de novo para não atirar em crianças dessa vez 735 Noah Shachtman Attack of the Drones Wired3 6 2005 Relacionando ainda mais o mundo dos games e da guerra alguns dos mais recentes videogames recriam o mundo do drone piloto No jogo não tripulado lançado pela empresa Molleindustria em 2012 os jogadores controlam aeronaves de ataque não tripuladas durante o dia e à noite vão para casa para uma vida suburbana O jogo é comercializado sob o slogan Quando a guerra é travada na tela onde está o dano real Ver httpwwwgamesforchangeorgplayunmanned 736 Dorrian Dronesemiosis ibid 55 737 Tim Blackmore War X Human Extensions in Battlespace Toronto University of Toronto Press 2011 pp 137 545 É duvidoso que tal série de hipóteses realmente tenha ocorrido no en tanto uma vez que a imagem foi fotografada e essas imagens foram conhecidas a nível mundial os aldeões locais usaram as valiosas lonas como materiais de construção Pilotos de drone controlando seus ataques letais de drone no Afeganistão de suas estações de controle na base Creech da Força Aérea dos EUA nas franjas do norte de Las Vegas Nevada ORIENTALISMO VERTICAL Através de tal abordagem o projeto NotABugSplat revela junto com muitas outras campanhas os mitos que propagam repetidamente os defensores militares e políticos das contínuas guerras dos drones O assassinato por drones percebese nos argumentos envolve ataques de precisão e assassinatos direcio nados Eles operam através de sistemas de detecção e de segmentação que vêem tudo E eles levam a danos colaterais negligenciáveis e justificáveis mortes civis Figura 2 546 Sistemas de aeronave operadas por controle remoto produzidos pela General Atomics Aeornau tical Systems são rotineiramente operados em locais perigosos do mundo Com a persistente e precisa capacidade de detectar identificar seguir e mesmo atacar alvos urgentes instantanea mente os MQ1 Predators e os MQ9 Reapers da Força Aérea Americana conduzem missões que vão além das capacidades de aeronaves tripuladas O multimissão MQ9 Reaper equipado com transmissão de vídeo dia e noite eletroóptico EOIRinfravermelho Radar de Abertura Sintética Lynx SAR e armas oferece suporte incomparável às forças terrestres Uma força multiplicadora economicamente viável em todos os sentidos Não apenas ope racional mas indispensável Esperar Detectar Destruir Anúncio da General Dynamics para o drone armado Preda tor Fonte httpgeographicalimaginationscom20121206thepoliticsofdronewars 547 DRONE PREDATOR Em janeiro de 2012 como um desses exemplos o portavoz da Casa Bran ca Jay Carney afirmou aos jornalistas que uma das características dos esforços antiterroristas dos Estados Unidos tem sido nossa capacidade de ser excepcional mente precisos excepcionalmente cirúrgicos e excepcionalmente visionários na implementação de nossas operações antiterroristas 738 O tenentecoronel James Dawkins da Força Aérea dos EUA sublinha que os drones armados são uma opção muito atraente para os políticos que enfrentam as decisões de uso de força sem contudo correrem o perigo de perder sua base aliada739 Nos ataques de drones um risco permanece já que a máquina pode ser perdida durante as operações Mas mesmo que isso aconteça as tripulações do UAV permanecerão absolutamente intocáveis e ilesas guarnecidas como estão em bunkers e bases a milhares de quilômetros de distância em continentes lon gínquos Acima de tudo não haverá viúvas nem prisioneiros de guerra740 Essa invulnerabilidade completa é radicalmente nova e profundamente importante nunca antes a guerra ofereceu uma visão tão assimétrica do alvo segmentado e distante Temse um equipamento com todos os olhos eletrônicos e armamento divino sendo completamente invisível e imune daqueles sobre os quais ele ou ela desencadeia sua violência Observa o filósofo francês Grégoire Chamayou para quem utiliza um drone armado tornase a priori impossível morrer à medida que alguém mata 741 Certamente o uso dos drones assassinos pelos EUA é amplamente cele brado por grandes setores da população civil como uma estratégia que coloca as máquinas em risco para salvar militares norte americanos De fato o congressista republicano Brian Bilbray já argumentou que o dronePredator deveria ser visto como um herói popular americano Se você pudesse lançar o Predator para Pre sidente ele sugere ambos os partidos Republicanos e Democratas estariam tentando apoialo742Recentemente algumas partes do exército norteameri cano já pediram que as medalhas fossem concedidas para pilotos de drone bem sucedidos 738 Press Briefing by Press Secretary Jay Carney January 31 2012 available at wwwwhitehousegovthepressof fice 20120131pressbriefingpresssecretaryjaycarney13112 739 Dawkins James Unmanned Combat Aerial Vehicles Examining The Political Moral And Social Implications Air University Maxwell Air Force Base Alabama 2005 740 Tim Blackmore Dead slow Unmanned aerial vehicles loitering in battlespace Bulletin of Science Technology Society 25 2005 195216 pp 199 741 Chamayou Grégoire A Theory of the Drone New York The New Press 2014 Pp 13 742 Brian Bennett Homeland security adding 3 drone aircraft despite lack of pilots The Los Angeles Times 27 de Outubro de 2011 Disponível em artigos da latimescom2011oct27nation lanausdrone20111027 548 NotaBugSplat ao desafiar os mitos e os eufemismos da morte por drones expõe o olhar do drone assassino de cima como pouco mais do que um olhar racista usado na matança imperial A imagem enfatiza acima de tudo como os mecanismos racistas através dos quais o poder imperial constrói os seres humanos trabalham para diferenciar entre um nós nacional na pátria e um inimigo ameaçador com estereótipo e raça diferente um eles Houve a modificação desses mecanismos pelo assas sinato operado por drones passandose um quadro em grande parte horizontal para um vertical embora um deles seja organizado através de satélites sistemas de comunicação e tecnologias militares que operam horizontalmente em escalas continentais743 Isso se constata na análise da mudança empreendida por Israel de uma ocupação militar permanente de Gaza para uma política de dominação da área a partir de cima através de vigilância de drones e ataques Embora seja difícil neste caso dissociar ataques de drones de assaltos por artilharia helicópteros e aviões de guerra o grupo de direitos humanos de Gaza alMezan calcula que as ataques de drones mataram pelo menos 760 habitantes de Gaza entre 2006 e 2012744 Durante o bombardeioPilar de De fesa à Gaza em 2012 36 dos 162 palestinos mortos morreram por ataques de drones e outros 100 ficaram gravemente feridos Dos 36 mortos dois terços eram civis745 Ao analisar tamanha violência o pesquisador de arquitetura EyalWeizman invoca a influente crítica de Edward Said sobre a tradição do Orientalismo oci dental a construção de um Outro imaginário primitivo e exótico no Oriente Médio e na Ásia para justificar o colonialismo violento e o controle militariza do746 Weizman argumenta no entanto que a abordagem de Israel a Gaza envol ve agora uma forma de orientalismo vertical e não tradicionalmente horizontal Afirma ele que a geografia da ocupação completou uma curva de 90 graus O Oriente imaginário o objeto exótico da colonização não estava mais além no horizonte mas agora sob a tirania vertical da civilização aérea ocidental que 743 Ver Feldman Keith Empires verticality The AfPak frontier visual culture and racialization from above Comparative American Studies Vol 9 No 4 December 32541 2011 PP 330 744 Citado em Cook Jonathon Gaza Life anddeathunderIsraelsdronesAl Jazeera 28deNovembro de 2013 disponível em httpwwwaljazeeracomindepthfeatures201311gazalifedeathunderisraeldro nes20131125124214350423html 745 Ver também Anne Wright Israeli Drone Strikes in Gaza in November 2012 Attack TwoThirds Killed Were Civilians OpEd News 02 de Junho de 2013 disponível emhttpwwwopednewscomarticlesIsraeliDrone StrikesinGbyAnnWright130206621html 746 Said Edward Orientalism New York Pantheon 1978 549 gerenciava remotamente suas plataformas tecnológicas sensores e munições mais sofisticadas e avançadas a partir do céu747 O drone armado Hermes 900 da Elbit Corporation à venda na Paris Air Show 2007 Fonte httpsenwikipediaorgwikiElbitHermes900 Desde o primeiro ataque de um drone norteamericano no Iêmen em 2002 os drones tornaramse o pilar do poder aéreo militar dos EUA e dos ata ques secretos da CIA Entre 2002 e 2010 o número de drones norteamericanos aumentou quarenta vezes de 167 para cerca de 7000748 Atualmente equivalem a mais de 40 da frota completa de aeronaves dos EUA749 Após sua costumeira rotina de ataques no Afeganistão no Paquistão no Iêmen e no Iraque os EUA sob a política de Obama em vista de ampliação das operações de drones agora também lançam ataques armados dos mesmos na Lí bia e na Somália Os Estados Unidos também possuem uma rotina de vigilância com drones em uma ampla gama de outros países africanos e do Oriente Médio Com regras extraordinariamente amplas e vagas de direcionamento e ataque a guerra contra o terrorismo por meio de drones de fato transformou grande parte do mundo em uma zona de fogo livre750 No entanto o Paquistão o Iraque e o Afeganistão dominam esmagado ramente os assassinatos por drones norteamericanos As operações secretas da CIA contra as regiões do norte do Paquistão seu aliado são especialmente 747 Weizman Eyal Hollow Land Israels Architecture of Occupation London Verso 2007 Pp 325 748 Neocleous Mark War Power Police Power Edinburgh Edinburgh University Press 2014 pp 153 749 Blackhurst Rob The air force men who fly drones in Afghanistan by remote control Daily Telegraph 24 de Setembro de 2012 httpwwwtelegraphcouknewsuknewsdefence9552547Theairforcemenwhofly dronesinAfghanistanbyremotecontrolhtml 750 Ver Gregory Derek Drones and the world as freefire zone Geographical Imaginations blog 23 de Junho de 2013 Disponével em httpgeographicalimaginationscom20130623dronesandtheworldasfreefirezone 550 controversas pois colocam em cheque todos os princípios do direito interna cional O Bureau for Investigative Journalism em Londres produziu credíveis estimativas do número de mortos e feridos civis nos vários períodos das opera ções Eles estimam que até 18 de março de 2015 os drones executaram entre 524 e 1169 civis no Paquistão no Iêmen e na Somália Além disso entre 186 e 226 crianças foram mortas sendo que feriram gravemente entre 1319 e 2068 pessoas O mesmo estudo calcula que até 18 de março de 2015 ataques de drones da CIA no Paquistão mataram entre 2445 e 3945 pessoas Desse número entre 421 e 960 eram civis e entre eles 172 e 207 eram crianças751 Entre 1142 e 1720 civis também foram gravemente feridos tornandose permanentemente incapa citados e empobrecidos Um membro de tribo no nordeste do Paquistão senta sobre os destroços de sua casa após um ataque de drone em janeiro de 2006 Foto Tariq MahmoodAFPGetty Images Fonte httpswwwthebureauinvestigatescom 751 Ver Bureau of Investigative Journalists 2015 Get the data Drone wars Disponível em athttpwwwthebu reauinvestigatescomcategoryprojectsdronesdronesgraphs 551 Funeral para vítimas civis de drones nordeste do Paquistão Fonte httpswwwthebureauinvestigatescom Subjacente à expansão maciça no uso e no desenvolvimento de drones militares letais seus fabricantes cresceram enormemente em tamanho lucrativi dade e no poder de lobby General Atomics Aeronautical Systems um ramo da General Dynamics que fabrica os drones mais usados Predator e Reaper é um caso particularmente emblemático De um volume de negócios anual de apenas US 110 milhões em 2001 o crescimento rápido levouos a crescer para US 18 bilhão até 2012752 Os drones além disso estão rapidamente se tornando mais sofisticados e ca pazes Ao fazêlo os fabricantes de armas os rotulam usando nomenclaturas retiradas da mitologia antiga nomes escolhidos deliberadamente para aumentar a sensação de que são assassinos e monstros tão vistosos como um ciborgue Além dos agora conhe cidos Predator e Reaper por exemplo a DARPA a agência de pesquisa militar dos EUA está construindo um drone com 92 câmeras chamadas Argus nome rela cionado ao mítico servo da mitologia grega com uma centena de olhos A Sierra Nevada Corporation enquanto isso desenvolve um sistema cha mado GorgonStare com o nome da figura feminina da mitologia grega com 752 James Risen Pay Any Price Greed Power and Endless War New York Houghton Mifflin Harcourt 2015 pp 54 552 cabelo de cobras vivas que transformavam aqueles que a olhavam em pedra Esse sistema é destinado a supervisionar cidades inteiras assegurando padrões de vida supostamente normais contra os quais as atividades anormais de alvos pode riam ser identificadas A empresa afirma que o sistema pode supervisionar com pletamente um raio de quatro quilômetros O sistema ainda tem seu próprio lema oculussempervigilans um olho sempre atento753 Anúncio e insígnia para o programa de drone Gorgon Stare Fonte httpwwwuasvisioncom VIVENDO EMBAIXO DAS REGRAS DOS DRONES Compreender os impactos da vivência no Paquistão no Afeganistão ou em outros lugares sob um sistema permanente de vigilância de drones bem como a possibilidade de ser morto ou mutilado a qualquer momento não é fácil Poucos jornalistas ou grupos de direitos humanos se arriscam nos lugares onde ocorrem ataques de drones ainda menos intentam entrevistar os moradores locais e paren tes das vítimas Em vez disso as perspectivas incluindo as de sites como Youtube permanecem quase inteiramente aéreas O paradoxo obscuro aqui presente é que os assassinatos de drones são sustentados por um mito profundamente tecnológico e militarizado com visão vertical total e um fetiche para ver todos Isso no entanto é combinado com uma quase incognoscível cobertura da mídia a respeito das pessoas que vivem sob os alvos e que têm o azar de entrar no caminho dos mísseis do Hellfire disparados do céu754 753 Dorian Dronesemiosis ibid 48 754 Essa invisibilidade provoca análises forenses dos impactos importantes de ataques de drones por arquitetos e juristas críticos Esses especialistas estão ajudando o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas a inves tigar os assassinatos de civis considerandoos abusos de direitos humanos e como potenciais crimes de guerra O grupo de EyalWeizman no GoldsmithsCollege em Londres foi especialmente importante aqui Para que os governos que cometem assassinatos de civis não autorizados prestem contas Weizman argumenta precisa 553 É sabido que no norte do Paquistão as misteriosas máquinas que voam muito acima do chão entraram no folclore local o termo Eu vou abafar você já entrou na conversa do diaadia como uma brincadeira mórbida755 Os esforços com pesquisas também estão começando a revelar os impactos dos ataques de drone sobre as pessoas e comunidades locais Como os artistas que participam do NotABugSplat o projeto Living UnderDrones da Universidade de Stanford recentemente desafiou as narrativas dominantes em torno desses ata ques O grupo de Stanford documenta em detalhes o profundo trauma psico lógico de comunidades inteiras que vivem com a diuturna ameaça de morte e destruição instantâneas e incognoscíveis de veículos geralmente invisíveis acima de suas casas Além das mortes e lesões causadas a equipe de Stanford argumenta As políticas de ataque dos drones norteamericanos causam danos consideráveis e muito além do esperado para o cotidiano dos civis comuns Além disso afirma o grupo que drones sobrevoam 24 horas por dia co munidades no noroeste do Paquistão atacando casas veículos e espaços públicos sem aviso prévio Sua presença aterroriza homens mulheres e crianças provocan do ansiedade e trauma psicológico entre as comunidades civis Aqueles que vivem sob os drones têm que enfrentar a constante preocupação de que um ataque mortal possa ser efetivado a qualquer momento Junto a isso está a consciência de que são impotentes para se protegerem756 Os psicólogos em Gaza entretanto falam de uma geração inteira de crian ças que sofre profundos traumas psicológicos por causa da exposição contínua aos sons dos drones máquinas que podem subjugar com violência letal suas fa mílias a qualquer momento Quando você ouve os drones você se sente nu e vulnerável afirma Hamdi Shaqura vicediretor do Centro Palestino para os Direitos Humanos na Cidade de Gaza O zumbido é o som da morte Não há escapatória nenhum lugar é privado757 mos demonstrar a realidade devastadora de tais ataques a civis atingidos diretamente e em comunidades inteiras que vivem sob dronesGoldsmiths News nd Pesquisa sobre ataques aéreos devastadores são obstruídas pelo sigilo do governo disseram as Nações Unidas Disponível em httpwwwgoldacuknewshomepagenews researchintodevastatingdronestrikeshamperedbygovernmentsecrecyunitednationstoldphp Ver também Anselm Franke EyalWeizmanEds Forensis The Architecture of Public Truth Berlin Sternberg Press 2014 755 Lila Lee Drone Warfare War in The Age of Digital Reproduction Masters Thesis Lund University 2012 756 Living Under Drones Project Living Under Drones Stanford 2012 Pp vii disponível em httpchrgjorgwp contentuploads201210LivingUnderDronespdf 757 Cited in Cook Gaza Life and death ibid 554 Estudantes infantis paquistaneses protestando contra ataques de drone Fonte httpwwwvfpsborg Os pesquisadores do Living Under Drones de Stanford enquanto isso mostraram que civis no Paquistão e no Afeganistão estão relutantes em aju dar aqueles atingidos pelos primeiros ataques porque os próprios socorristas foram mortos por sucessivos ataques de drones Aconselhouse a todos para que caso haja parentes feridos nos escombros não seja prestada ajuda para resgatálos devido à frequência dos conhecidos ataques doubletap As pes soas também evitam reunirse em grupos próximos a lugares visíveis Muitas crianças são permanentemente mantidas dentro de casa e muitas vezes já nem vão à escola Outras crianças lutam com incapacidades permanentes causadas por ataques de drones Muitos amputados têm que usar próteses de má qualida de Um exemplo é Sadaullah Wazir um adolescente e exaluno da aldeia de Machi Khel em Mir Ali Waziristão do Norte Ele perdeu suas pernas e um de seus olhos em um ataque de drones em setembro de 2009 na casa de seu avô Afirma ele que antes do ataque do drone minha vida foi muito boa Eu costumava ir à escola e eu costumava estar bastante ocupado mas depois do ataque eu parei de ir à escola Dois mísseis foram atirados em nossa hujra casa e três pessoas morreram Meu primo e eu ficamos feridos Nós não ouvimos o míssil e então estava lá agora eu tenho que ficar aqui dentro Às vezes eu tenho dores de cabeça realmente ruins e se eu andar muito 555 nas minhas pernas de prótese elas doem demais Drones afetaram drasti camente a vida na nossa área758 MITOS DA VISÃO TOTAL Antes de ser o resultado de sensores que tudo veem capazes de identificar insurgentes armados e executálos com precisão a realidade é que a guerra de drones revela uma ausência perigosa de conhecimento sobre as pessoas que estão próximas ao alvo Além de discutir suas regras de ataque os pilotos de drones expõem ale gremente a estética poderosa e sedutora de seu trabalho bem como o tédio Um piloto anônimo falou no filme de OmerFast 5000 FeetIsthe Best sobre essa altitude sendo a mais agradável para patrulhar Eu adoro quando estamos sen tados a 5000 pés ele falou Você tem mais descrição A 5000 pés quero dizer posso saber que tipo de sapatos você está usando a uma milha de distância Posso dizerlhe o tipo de roupa que uma pessoa está vestindo se tem barba sua cor de cabelo e tudo mais Segundo ele nós temos o IR infravermelho que podemos mudar para o modo automático e isso pode rastrear quaisquer assinaturas de calor ou assi naturas frias Se alguém se senta digamos em uma superfície fria e então le vantase parece uma flor branca apenas brilhando no céu É muito bonito 759 O antropólogo canadense Gastón Gordillo760 salienta que as mortes de civis em larga escala são o resultado inevitável de uma política americana de im plantação de drones letais apoiada por concepções mitológicas que os operadores de drones se beneficiam como que com uma onisciência divina Essas concep ções ele ressalta decorrem de atitudes generalizadas nos militares do modo como os drones e outras tecnologias digitais trazem consigo a consciência total da informação e a vigilância persistente Apesar de suas câmeras CCTV sensores de calor sistemas de detecção de movimento e outros sensores no entanto Gordillo enfatiza que a grande quan tidade de imagens e dados muitas vezes significa que os controladores de drone estão completamente sobrecarregados com muito material para processar ou in terpretar na tomada de decisões para o disparo Somente em 2009 os drones dos EUA coletaram o equivalente a 24 anos de filmagem de vídeo O sistema Argus 758 Living Under Drones Project Victim Stories Stanford University 2013 Disponívelem httpwwwlivingunder dronesorgvictimstories 759 Omer Fasts film 5000 Feet Is the Best citadoem Matt Delmont Drone encounters Noor Behram Omer Fast and visual critiques of drone warfare American Quarterly 651 2013 193202 760 Gordillo Opaque Zones of Empire ibid 556 da DARPA já mencionado pode gerar 8 anos de vídeo contínuo a partir de operações de um único dia761 Além disso a enorme imensidão das geografias gigantes e estrangeiras sobre as quais os pilotos de drones sobrevoam trazem como consequência um desconhecimento cultural que não permite o adequado acerto do alvo Defi nitivamente eles não têm absolutamente nenhuma maneira de distinguir de forma confiável insurgentes armados do resto da população Devido a isso eles trabalham arduamente para preencher intencionalmente indícios visuais comple tamente não confiáveis pessoasque guardam objetos ou vagando com descon fiança digamos coma intenção imaginada e violenta necessária para que eles lancem seus mísseis de acordo com as regras padrão de ataque Os registros das conversas de pilotos dos apontados em Helicopter de monstram um repetido desespero pelo apelo ao clichê orientalista Este aparelho imperialista de conhecimento pode transformar todos os aspectos da vida civil e normal em evidências claras de que estão assistindo insurgentes ou terroristas e que por isso podem ser mortos à vontade Através dos áudios podese ouvir dos operadores de drones a ideia de que todos os homens adultos na vizinhança seriam combatentes rotulandoos homens da idade militar Até mesmo os militares dos EUA admitiram que tal terminologia encoraja ataques de drones contra civis porque implica que os indivíduos são forças armadas e portanto alvos legítimos762 Como resultado os EUA não contam homens adultos mortos como civis a menos que haja posterior averiguação Um esforço constante também é feito para incluir outros afegãos paquis taneses ou iraquianos no conjunto de alvos legítimos A prova óbvia de que as imagens de crianças ou civis inocentes estão na mira como alvos é frequentemen te ignorada intencionalmente ou aindamais interpretadacomo uma evidência adicional de maldade porque são feitas suposições de que as pessoas foram deli beradamente colocadas por terroristas ou insurgentes para impedir proposi tadamente o ataque do drone 761 Dorrian Drone semiosis ibid 762 Centre for Army Lessons Learned The Afghanistan Civilian Casualty Prevention Handbook Fort Leavensworth Kansas 2012 5 557 O exoperador de drone Michael Hass segundo da esquerda com seus outros colegas de nunciantes Cian Westmoreland Brandon Bryant e Stephen Lewis Fonte httpcountercurrentnewscom Como sempre o treinamento intenso trabalha para desumanizar as pessoas inimigas abaixo enquanto glorificam e comemoram a matança realizada Mi chael Hass exoperador do drone dos EUA disse em novembro de 2015 Sempre pisar nas formigas e nunca mais pensar nisso Isso é o fazem para que você pense a respeito dos alvos comoapenas bolhas pretas em uma tela Você começa a fazer esses malabarismos psicológicas para tornar mais fácil o que você precisa fazer elesmereceram eles escolheram o lado deles Você precisou matar parte de sua consciência para continuar fazendo o seu trabalho todos os dias eignorar essas vozes dizendo que isso não estava certo 763 A análise de Grégoire Chamayou de uma operação de vigilância e ataque com três horas de duração sobre um comboio de três SUVs que matou civis no Afeganistão em fevereiro de 2010 mostra um caso típico Ao longo da operação há uma sensação de desespero dos controladores do drone para destruir as pessoas e destruir os veículos sejaqual for a evidência de sua natureza claramente civil A transcrição está cheia de declarações como esse caminhão seria um belo alvo oh doce alvo os homens parecem estar se movendo sob táticas e eles vão fazer algo nefasto O controlador da missão mais tarde detecta um adolescente perto do SUV Bem o operador responde os adolescentes podem lutar Crian ças de 12 ou 13 anos de idade com uma arma são tão perigosas quanto 763 Pilkington Life as a drone operator ibid 558 Crianças são chamadas de terroristas de tamanho engraçado por operadores de drone764 O operador de tela disse ter ao menos uma criança próxima ao SUV o coordenador fala em outra ocasião Besteira Onderesponde o operador do sensor Eu não creio que eles tenham crianças fora de casa a essa hora Por que eles são tão rápidos para apontar as crianças de merda ao invés de um rifle de merda765 Baseada em um suposto avistamento de arma a decisão é então feita para disparar mísseis Hellfire de helicópteros armados próximos que foram chamados à cena o primeiro e o terceiro veículos no comboio são destruídos Os pilotos do Predator imediatamente se deslocam para averiguar a carnificina Deparandose com a cena de homens mulheres e crianças mortas e mutiladas o observador de segurança pondera Não há como saber cara O operador de câmera concorda Não há como saber daqui Oficiais do exército dos EUA admitiram que nesta ocasião os mísseis ma taram 16 homens civis e feriram severamente uma mulher e três crianças Entre tanto anciões afegãos oriundos dos vilarejos de origem das vítimas afirmaram em entrevistas posteriores que os ataques haviam matado 23 pessoas incluindo dois meninos Daoud de três anos e Murtaza de quatro Como é de praxe em casos como esse o exército dos EUA compensou as famílias dos mortos com a equivalência de 4800 aos parentes de cada pessoa morta A cada sobrevivente foi dada a quantia de 2900766 Salientando a regular inevitabilidade de tais mortes Gastón Gordillo pros segue com sua análise crucial O olhar que guia os drones escreve ele segue uma lógica binária que busca distinguir uma atividade normal de uma anormal em meio a um universo espacial extremamente heterogêneo e complexo Em tal contexto ele salienta que a pressão enorme sobre os pilotos de drones para que interpretem o que eles veem como atividade insurgente com binada com o fato de que os eles não possuem um meio confiável para distinguir civis de insurgentes significa que o assassinato de grandes números de civis não é de modo algum um acidente ou um erro Em todos os casos na verdade operadores e analistas de imagens viram 764 Ed Pilkington Life as a drone operator Ever step on ants and never give it another thought The Guardian 18th November at httpwwwtheguardiancomworld2015nov18lifeasadronepilotcreechairforcebase nevada 765 Chamayou Theory of the Drone ibid Pp 111 Este ataquetambém é analisado por David Cloud emAnatomy of an Afghan war tragedy LA Times de 10 de abril de 2011 Disponívelem httparticleslatimescom2011 apr10worldlafgafghanistandrone20110410 766 Cloud Anatomy of an Afghan war tragedy ibid 559 objetos mundanos como rifles pessoas orando como sinal de que pertenciam ao Talibã ou crianças como adolescentes potencialmente hostis767 A dinâmica de assistir ao vídeo poeiroso768 enviado pelo drone bem como a de lançar um míssil em humanos em solo criam uma sensação de extra ordinário poder entre os operadores de drone Um admite ter às vezes se sentido como um Deus lançando raios do alto769 Outro relata que você vê um monte de detalhe nós sentimos isso talvez não na mesma intensidade que sentiríamos caso estivéssemos realmente lá mas isso nos afeta Quando você aciona o míssil ele continua você sabe que está na vida real e que nela não há botão de reset770 Há até mesmo relatos de pilotos de drone acometidos por estresse pós traumático depois de terem matado civis especialmente crianças Ao contrário de pilotos de bombardeiros aliás operadores dessas máquinas permanecem mais tempo após as explosões e veem seus efeitos em corpos humanos em frio detalhe DRONES PARA A PÁTRIA Assim que as agências de polícia doméstica começarem a empregar as tecnologias dos drones em áreas urbanas com maior regularidade veremos uma mudança nos meios com que esses espaços e as populações que neles habitam são construídos vigiados e governados771 Na medida em que os orçamentos militares ocidentais encolhem um mo vimento concertado é feito por uma complexa constelação de grupos de lobby fabricantes de armas e associações industriais para a construção de drones que embora inicialmente construídos para a guerra e para a eliminação vertical ad quirem caráter de panaceia para todas as matérias de segurança e operações poli ciais em espaço aéreo civil dentro das pátrias domésticas772 No entanto tais esforços deparamse com grandes barreiras Seu uso as sassino na Ásia e no Oriente Médio significa que os drones possuem algo pro blemático quanto à sua imagem Reguladores do espaço aéreo civil também se 767 Gordillo Opaque Zones of Empire ibid 768 No original grainy 769 Matt Martin e Charles Sasser Predator The Remote Control Air War over Iraq and Afghanistan Minneapo lis MN Zenith Press 2010 p3 citadopor Derek Gregory em From a view to kill Drones and late modern warTheory Culture Society 28 no 78 2011 188215 p 198 770 Lara Logan Drones Americas new Air Force CBS News 60 Minutes 14 de agosto de 2009 e David Zucchino Dronepilotshave a frontrowseatonwarfromhalf a world away Los Angeles Times21 de fevereiro de 2010 Citado por Derek Gregory em From a viewto a kill ibid p 198 771 M Hyane The ghetto bird the drone and policing from above DCSC 10 de setembro de 2014 Disponívelem httpwwwdcscwsp253 772 Como vimos no capítulo do helicóptero talguinadaconstitui um clássicoexemplo do que Michel Foucault de nominou efeitobumerangue o emprego de tecnologias de segurança vigilância e de carátermilitar no mundo civil e domésticoapósestasteremsidotestadas e normalizadasdentro das zonas de guerra de operaçõescoloniais e de fronteira Conferir de Michel Foucault a obra Society Must Be Defended Lectures at the Collège de France 19756 London Allen Lane 2003 p 103 560 preocupam com o potencial dos drones para causar maiores fatalidades por meio de quedas ou colisões com aeronaves civis Lobistas das liberdades civis e de antivigilância finalmente trabalham duro para expor de que maneiras os pro gramas domésticos de drones encontramse umbilicalmente conectados às cres centes culturas de vigilância e de militarização da polícia Fabricantes de drones como era de se esperar são retumbantes ao afirmar que seus produtos foram injustamente demonizados e que eles podem ser ex tremamente úteis para uma ampla gama de aplicações civis Entre elas incluemse as respostas às crises humanitárias e a desastres entrega de correspondências monitoramento de culturas agrícolas previsão meteorológica busca e resgate e policiamento No tocante a qualquer tecnologia emergente a americana Aerospace In dustries Association AIA argumenta que a opinião pública sobre esses sistemas geralmente começa na imaginação e pode logo converterse em mito por meio de equívoco cultura popular e uma incapacidade para imaginar os benefícios nãomilitares de uma plataforma que tradicionalmente tem sido usada para a defesa nacional773 A figura do drone tem sido mesmo projetada como uma vítima excessiva mente demonizada pela equivocada concepção pública baseada no mito genera lizado de que as mortes por drone ao lado dos limites da guerra ao terror e das zonas de guerra já são inteiramente autônomas É duro ser um drone a Associação prossegue Especialmente quando o público nem mesmo o reconhece pelo que você é um veículo aéreo nãopilo tado que se encontra sob controle humano através de um sofisticado sistema de controle terrestre774 773 Aerospace Industries Association Unmanned Aircraft Systems Perceptions Potential Washington DC 2013 p 3 Disponível em httpwwwaiaaerospaceorgresearchreportsunmannedaircraftsystemsperceptions andpotential 774 Aerospace Industries Association Unmanned Aircraft Systems ibid p14 561 Drone Predator empregado para patrulhas na fronteira EUAMéxico 2012 Apesar de tais barreiras os mercados civis para drones estão progredindo Os drones Hermes de fabricação israelense e mais recentemente os Predators da General Atomics têm sido rotineiramente empregados ao longo da frontei ra EUAMéxico desde 2003 Na verdade muitos lobistas americanos conser vadores e nacionalistas têm trabalhado para encorajar o retorno dos drones militares da zona de Guerra para a pátria Esse último modelo foi empregado como resultado de entusiasmo generalizado pelo aumento das operações com Predators no Iraque e no Afeganistão775 Conectado aos sistemas militares pa drões de vigilância construídos pelas indústrias bélicas americanas e israelenses as patrulhas de drone têm sido aqui utilizadas para identificar e interceptar potenciais terroristas e atividades ilegais de cruzamento de fronteira776 É crucial salientar que a atual guinada rumo ao emprego doméstico de dro nes é resultado da crescente militarização da segurança nas nações ocidentais que ocorreu como elementochave da guerra ao terror Em particular a crescente adoção do conceito de Segurança Nacional O conceito originouse com a interdição de Israel nos anos 90 foi introdu zido nos EUA após os ataques terroristas de 2001 e é agora difundido para a Eu 775 Tom Barry Drones Over the Homeland How Politics Money and Lack of Oversight Have Sparked Drone Pro liferation and What We Can Do Center for International Policy Washington DC April 2013 p 6 776 Barry Drones Over the Homeland ibid p 3 562 ropa e alhures A segurança nacional projeta todos os aspectos da vida civil como domínios de permanente ameaça existencial que requerem respostas militares baseadas na expansão dos poderes de vigilância de rede e definição de alvos777 Em tais processos tudo o que extravasa os mundos de completa guerra armacontraarma tornase uma operação de baixa intensidade ou operações militares não relacionadas à guerra MOOTW sigla em inglês para seus adeptos dentro de um espaço de batalha de todo abrangente Tais guinadas trabalham para radicalmente obscurecer as já vagas distinções entre policiamento inteligên cia e emprego militar e entre política local nacional e internacional Elas também obscurecem a separação legal e doutrinária entre esferas doméstica e estrangeira Reforçadas por tais ideais todas as operações em qualquer lugar crescen temente fundemse a uma mobilização baseada no permanente emprego de sensores militares de alta tecnologia como os drones destinados à identificação preventiva de ameaças e alvos do conjunto da população civil ou da cidade Crucialmente tais ideias são abastecidas pelas mesmas fantasias de visão total contra vagas e existenciais ameaças que germinam profundamente nas correntes e circuitos da vida civil Tais guinadas significam que domínios previamente dominados por uma retórica de policiamento contra atividades criminais entre cidadãos estão sendo gradativamente reconstituídos como guerras paramilitarizadas contra ameaças existenciais à espreita Num poderoso exemplo o Departamento de Segurança dos EUA rotineiramente descreve a fronteira EUAMéxico na mesma linguagem que as forças armadas americanas usam para descrever suas zonas de Guerra um ilimitado espaço de guerra que abrange um mundo em que a vida civil camufla alvos e onde drones e outros sistemas de vigilância de alta tecnologia são a chave para uma per sistente consciência situacional alcançada através de operações redecentro778 Esses cenários são ademais suportados pelas mais recentes teorias da assim chamada Guerra da Quarta Geração Tais teorias regularmente equiparam imi grações a invasões considerando imigrantes como ameaças à integridade cultural e política das nações e todos os fluxos de imigrantes ilegais como prenúncios similares a verdadeiros Cavalos de Troia de tráfico de drogas e terrorismo Na Guerra da Quarta Geração escreveu o téorico militar americano William Lind em uma demonstração de sua visão uma invasão por imigrantes pode ser no mínimo tão perigosa quanto uma invasão por um exército estatal779 777 Ver Ben Hayes em Homeland Security comes to Europe Statewatch 2006 disponível em httpwwwstate watchorganalysesno90homelandsecuritycomestoeuropepdf 778 Ver Jim Hightower The border industrial complex Other Words de 7 de agosto de 2013 disponível em http otherwordsorgtheborderindustrialcomplex 779 50 William Lind Understanding Fourth Generation war Military Review SetOut 2004 ps 1216 Disponível 563 Já existem evidências de que as identidades de agentes da segurança de fronteira dos EUA estão mudando a fim de acompanhar essa guinada mais am pla agora muitos falam sobre seu papel mais como uma força paramilitar do que manutenção da lei O Departamento de Segurança Nacional enquanto isso já explora meios para armar seus drones Predator B com o que chama de armas nãoletais concebidas para imobilizar alvos780 Fortemente inspirada pela retórica política xenofóbica e belicosa a mais recente legislação norteamericana sobre segurança de fronteira O Primeiro Ato para Garantir a Segurança de Nossas Fronteiras introduzido em janeiro de 2015 disponibilizou um adicional de 10 bilhões de dólares para futuras com pras e emprego de drones781 O ato conclama o Departamento de Segurança Nacional a usar novas tec nologias como os drones para selar o que se considera uma fronteira inacei tavelmente mal vedada A linguagem é extremamente militarizada o desafio é trabalhar em direção a uma defense em profundida 100 efetiva através de uma consciência situacional radicalmente aperfeiçoada Isso é necessário o ar gumento continua para que 9 de 10 migrantes possam ser interceptados dentro de uma faixa de território de 100 milhas dentro da fronteira EUAMéxico782 Uma vez mais a despeito da evidência de que drones têm sido meios ex tremamente custosos e altamente ineficientes para a segurança da fronteira EUA México783 mitos de visão total e panopticismo absoluto permeiam a política de emprego de drones Os drones Predator do Departamento de Segurança Nacio nal já capturam vídeos das zonas fronteiriças monitoradas que são analisados com o fito de identificação automática de mudanças no terreno observado Além disso há numa concepção dramática embora altamente rentável excesso de matança Sistemas de patrulhamento vertical altamente caros e mi litarizados são empregados mesmo quando o pessoal terrestre poderia oferecer uma abordagem muito mais capaz e efetiva em custobenefício É sem dúvida um enorme desperdício e uma perversão das prioridades de segurança nacio nal questiona Tom Barry do Centro para Política Internacional empregar drones Predator na patrulhar aérea com o objetivo de caçar imigrantes e mari juana784 em httpwwwauafmilauawcawcgatemilreviewlindpdf 780 Phillip Bump The Border Patrol wants to arm drones The Wire 213 de 2 de julho de 2013 Disponível em httpwwwthewirecomnational201307borderpatrolarmdrones66793 781 Sarah Launius The border security complexArtigo apresentado no Hampshire College em Amherst MA 12 de abril de 2014 Disponível em httpswwwacademiaedu10289177TheBorderSecurityComplex 782 Launius The border security complex ibid 783 Barry Drones Over the Homeland ibid 784 Barry Drones Over the Homeland ibid 564 O que James Risen do New York Times apelidou de complexo industrial da segurança nacional785 está é claro muito feliz em ampliar a militarização de discursos a respeito da segurança da vida civil e alimentar os mitos da visão total na esperança de que seus sistemas de armamento possam alcançar emprego civil disseminado É exatamente o que se espera haja vista a previsão de aumento de três vezes no valor dos mercados de drones entre 2015 e 2025 compreendendo um total de 93 bilhões de dólares neste período786 A indústria global de manufatura de drones também se em penha arduamente em seu lobby para que os governos dos EUA e de países europeus minem as barreiras para o irrestrito emprego civil de drones Nos EUA um grupo composto por 60 lobistas radicais ligados à imigra ção e conservadores agressivos estabeleceu o Caucus Congressista sobre Sistemas NãoOperados por Humanos O objetivo ambicionado pelo grupo é o de edu car membros do Congresso e o público sobre o valor estratégico tático e científico dos sistemas não operados por humanos suportar ativamente o maior emprego e aquisição de mais sistemas assim como engajar efetivamente a comunidade da aviação civil no uso e segurança de sistemas não operados por humanos 787Além disso o mais importante grupo de lobby industrial nos EUA a Associação In ternacional para Sistemas de Veículos NãoOperados por Humanos gastou ao menos 22 milhões de dólares em lobby apenas em 2011788 Subterrâneo seguro outdoors para o drone de ataque estratégico X47B esquerda e o drone de vigilância Global Hawk direita da Northrop Grumman em uma estação de metrô de Washington DC 785 Risen Pay Any Price ibid 786 Beth Stevenson UAV market set to triple in value in next decade Flight Globalde 18 de Agosto de 2015 dispo nívelemhttpswwwflightglobalcomnewsarticlesuavmarketsettotripleinvalueinnextdecade415809 787 Barry Drones Over the Homelandibid 21 788 Ver a obra do First Street Research Group Drones in US Air Space The Next Lobby Frontier Washington DC 1 de maio de 2012 565 Outro anúncio de drone da Northrop Grumman na plataforma de uma estação de metrô de DC dessa vez exortando as capacidades letais dos drones da companhia Vagão militarizado anúncio da Northrop Grumman para o seu último drone de ataque estra tégico o X47B num vagão de metrô de Washington DC 2014 Quando você vai onde os outros não conseguem ir lêse no slogan você ganha uma vantagem poderosa 566 O poder de lobby das companhias de drone é especialmente surpreendente para qualquer um que utilize o sistema de metrô futurístico de Washington DC Figura 6a As paredes das estações são uma verdadeira edição da JanesDefen ceWeekly embriagada com grandes anúncios sobre drones de alta tecnologia e outras armas Em tentativas flagrantes para angariar favor junto aos decisores no Beltway as estações foram reconstruídas como um extraordinário símbolo da militarização da cultura e política dos EUA 789 Os mitos usuais de precisão e visão perfeita uma vez mais tomam o cen tro a tecnologia dos drones é projetada como uma panaceia flexível para todas os desafios militares e de segurança em casa ou no estrangeiro Recentemente anúncios sobre as últimas versões dos drones autônomos de ataque estratégico da Northrop apareceram nos próprios trens afixados entre o mapa das linhas e as instruções de segurança De maneira bizarra os passageiros enquanto viajam no subterrâneo à medida em que se dirigem às portas dos va gões são repetidamente lembrados a respeito do poder senciente e quase divino de uma maquinaria assassina que se encontra bem alto nos céus de distantes territórios inimigos Outros esforços de lobby nos EUA e na Europa trabalham para normali zar o uso de drones em forças de polícia civil Nos EUA os Departamentos de Justiça e Segurança Nacional estabeleceram subsídios programas de treinamento e centros de excelência para amparar a introdução de drones no policiamento Atividades iniciais de policiamento com drone foram já estabelecidas no Con dado de Montgomery Arlington Texas e Miami com o propósito de aprimorar as capacidades de vigilância de esquadrões de narcóticos e equipes da SWAT790 Na Europa enquanto isso um poderoso consenso entre decisores da União Europeia e manufatureiros da defesa está similarmente inclinado à venda de dro nes como panaceias para as políticas de segurança doméstica791 A Statewatch calculou que a União Europeia investiu um total de 500 milhões de euros sem acompanhamento democrático ou escrutínio público para apoiar tal guinada desde os últimos anos da década de 1990792 Uma vez mais os fabricantes de drones pressionam fortemente pelo inves timento civil a fim de naturalizar o uso de drone dentro de um amplo espectro de aplicações civis A motivação central para isso na Europa é a política industrial 789 Westbrook Stephanie Occupied Washington DC Common Dreamsde 10 de abril de 2010 Disponívelem httpwwwcommondreamsorgviews20100410occupiedwashingtondc 790 Barry Drones Over the Homelandibid 14 791 Ben Hayes Chris Jones e Eric Toepfer EurodronesInc Statewatch London 2014 p7 Disponível em http wwwstatewatchorgnews2014febswtnieurodronesincfeb2014pdf 792 Hayes et al EurodronesInc ibid p7 567 incentivar o crescimento de fabricantes de drones europeus em um mercado to talmente dominado por companhias americanas e israelenses Outro foco central é a crescente crise migratória europeia uma vez que milhões de migrantes e re fugiados africanos e do Oriente Médio arriscam tudo em travessias marinhas e terrestres a fim de evitar a pobreza e a guerra Em outubro de 2010 Dani Stroli das Indústrias Aerospaciais de Israel fez uma apresentação para um dos consórcios de política de drone da União Euro peia do qual era na época integrante O desafio disse ele era descobrir meios de fazer com que as pessoas percebam a tecnologia de drones como parte natu ral da sociedade do futuro era criar interesses positivos a respeito dos drones e ao fim criar uma campanha de promoção multidisciplinar793 O grupo de lobby no Reino Unido pelas indústrias de drones também su geriu que anúncios para drones retratassem seu trabalho em emergências huma nitárias Igualmente propôs que os drones civis fossem pintados em tons claros a fim de distinguilos de seus primos assassinos utilizados em zonas de guerra794 Os problemas com o emprego de drones dentro do espaço domésticos são os mesmos que acometem todas as extensões radicais de sistemas de vigilância e rastreamento digital à distância no âmbito das culturas contemporâneas de poli ciamento especialmente aqueles baseados em sistemas militares remodelados O resultado inevitável será uma extensão radical e permanente de vigilância verti cal de sociedades inteiras através de câmeras ao vivo vigilância de comunicações monitoramento infravermelho e análise de vídeo795 Tecnologias de drone ademais seriam inevitavelmente empregadas com base nas já existentes técnicas de caracterização racial étnica e geográfica até mesmo possivelmente por meio do uso de software automático em busca de sinais anormais ou perigosos ou mesmo de indivíduos rastreados em super fície Os tipos de drones especializados na análise de assinaturas eletrônicas de populações de cidades inteiras que são o foco de programas inseridos nos proje tos Argus e GorgonStare muito provavelmente emergiriam como a pedra basilar do policiamento doméstico por drone O uso de sensores para que se possa en xergar através de paredes e telhados é também muito provável Combinadas com a existência de grandes bases de imagens faciais de in divíduos e registros de comunicações e assim por diante as caças automáticas a indivíduos são facilmente esperadas 793 Hayes et al EurodronesIncibid p25 794 Hayes et al EurodronesInc ibid p 25 795 Ver The Bill of Rights Defense Committee Drone Talking Points 2013 Disponível em httpwwwconstitution campaignorgcampaignsdroneregulationdronetalkingpointspdf 568 Embora o reconhecimento facial encontrese em sua infância e é apenas tão bom quanto as imagens faciais utilizadas pelas bases de dados suas capaci dades estão aumentando rapidamente O trabalho através de drones de reco nhecimento facial a busca em todos os meios de mídia social por imagens de alta resolução e outras informações biométricas de base iria num único golpe radicalmente minar as remanescentes noções de anonimato público nas ruas da cidade Slides da Progeny Systems Corporation descrevendo o uso de reconhecimento facial e outras tecnologias biométricas para localizar e marcar pessoas a partir dos drones Fonte https wwwwiredcom201109dronesneverforgetaface Aqui novamente sistemas militares de drones constituem um precedente preocupante Tim Faltemir da Corporação de Sistemas de Progenia falou em 2011 a respeito de um projeto de desenvolvimento de drones para as Forças Armadas dos EUA que utilizam modelos 3D de rostos das pessoas para tentar localizálas biometricamente de cima Se isso funcionar teremos a habilidade de rastrear pessoas de forma persistente através de grandes áreas diz ele Um indivíduo pode ir para debaixo de uma ponte ou para dentro de uma casa Mas assim que sair nós saberemos que se tratava do mesmo cara que ingressou796 ele continuou Em tal rastreamento nãocooperativo de pessoas por suas assinaturas biométricas a face virada do humano abaixo do drone mais do que um meio de desafiar o olhar deste como no projeto NotaBugSplat tornase ao contrário a própria assinatura que permite ao drone consolidar seu domínio É muito provável que os novos métodos de policiamento baseados em dro ne é claro seriam particularmente concentrados na intensificação do escrutínio vertical daqueles lugares ou populações consideradas a priori como fontes de ameaças agitações outridade e criminalidade 796 Noah Shactman Army Tracking plan Never forget a face 11th September Wired 2011Disponívelemhttp wwwwiredcom201109dronesneverforgetaface O projeto é chamado de Sistema de longa distância não cooperativo de identificação busca e localização 569 Nos EUA como ocorreu com o emprego de helicópteros de polícia após os disseminados protestos em cidades americanas no fim dos anos 60 parece altamente provável que dentro de cidades cada vez mais polarizadas esquadrões de drones de polícia serão esmagadoramente empregados para policiar vizinhas negras e nãobrancas ao passo em que trabalharão para proteger e assegurar cen tros e influentes subúrbios brancos797 Focar em movimentos políticos inspirados nos protestos de ocupação que buscam interromper os fluxos logísticos da vida da cidade será certamente uma importante prioridade Assim como no emprego de drones letais no estrangeiro ademais o uso de drones de polícia inevitavelmente terá de ancorarse nos preconceitos internos das culturas de policiamento de estipulação do que ou de quem é um inimigo em mundo em que apenas tais preconceitos podem auxiliar a simplificar a com plexidade radical e a opacidade vistas de cima Finalmente uma vez estabelecidas as patrulhas regulares de drones pode rão inevitavelmente ser a fonte de missioncreep expansão dos objetivos iniciais da missão à medida em que melhores sensores e armas tornaremse disponíveis para adição às já existentes e altamente caras plataformas Em verdade nos EUA o Comitê de Defesa da Carta de Direitos já sa lientou que o emprego doméstico de drones armados a partir dos esforços em preendidos pelo Departemento de Segurança Nacional em armar seus drones de fronteiras é uma possibilidade muito real Drones são tão facilmente equipados com armas letais e menos letais pondera o Comitê E declarações de que eles não serão armados domesticamente carecem de credibilidade798 O Comitê cita de pronto um exemplo ocorrido em Houston onde a polí cia empregou um drone armado com uma espingarda e um lançador de granada O xerife local por sua vez está aberto à ideia de adicionar armas nãoletais como gás balas de borracha e cartuchos de estilo Taser ao drone799 O prospecto de drones armados no policiamento doméstico motivado nos EUA pelas táticas altamente racializadas e militarizadas de policiamento inspira preocupações particularmente graves Isso traz ainda o prospecto de um bume rangue foucaultiano especialmente poderoso o uso de drones de alta tecnologia pilotado de um local distante para empregar violência contra Outros racializados em superfície em casa e no estrangeiro 797 Hyane The Ghetto Bird ibid 798 Ver The Bill of Rights Defense Committee op cit httpwashingtoncbslocalcom20120523groupsconcernedoverarmingofdomesticdrones 799 Ver Groups Concerned Over Arming of Domestic Drones CBS LOCALDC 23 de maio de 2012 Disponível em httpwashingtoncbslocalcom20120523groupsconcernedoverarmingofdomesticdrones 570 A desconsideração por limitações constitucionais no assassinato e trans parência nas operações norteamericanas de drones no estrangeiro o Comitê de Defesa da Carta de Direitos enfatiza deixa pouca razão para crer que o De partamento de Justiça garantiria um emprego local de drones na aplicação da lei delimitado por padrões constitucionais e legais800 CONTESTANDO A DRONESFERA Como então contestar a dronesfera Uma ampla e poderosa gama de movi mentos sociais coordenados movimentos legais e de direitos humanos demonstra ções e campanhas ativistas estão se esforçando arduamente e em várias escalas para desafiar a progressiva normalização de drones em casa e no estrangeiro O projeto Not a Bug Splat é apenas uma campanha particularmente visual entre várias outras ver figura 41 A resistência à morte por drones é manifesta em demonstrações contínuas de veteranos e outros manifestantes em Creech e outras bases aéreas de drones demonstrações generalizadas contra todos os aspec tos da máquina militar associada ao drone análise forense de ataques de drones com o objetivo de processar e julgar aqueles que perpetraram abusos aos direitos humanos ou crimes de guerras e um amplo espectro de críticas e desafios legais midiáticos e jornalísticos801 DRONES MATAM CRIANÇAS Manifestantes antidrone bloqueando a base da Força Aérea Hancock no Estado de Nova York Fonte httpwarisacrimeorg 800 The Bill of Rights Defense Committee ibidp 3 801 Ver por exemplo and the International Committee for Robot Arms Control ICRAC httpicracnet 571 Um grupo de ativistas anônimo também produziu um Guia de Sobrevivência ao Drone um guia para a observação de pássaros do século XXI como eles chamam diferenciando tipos de drones vistos do céu assim como meios para desafiar seus poderes figura 124 Nossos ancestrais podiam localizar predadores naturais de longe através de suas silhuetas lêse Estamos igualmente atentos aos nossos predadores nos dias de hoje Central aqui é o desafio de tornar visível o processo secreto e geografi camente periférico de assassinato por drone Em 2013 por exemplo o artista americano Josh Begley tentou fazer a Apple aceitar seu aplicativo de smartphone Drones que notificaria os usuários a cada ataque de drone dos EUA reporta do A Apple recusou tal proposta porque alegaram eles muitas pessoas conside rariam isso objetável802 Mais teoricamente o arquiteto Asher Kohn chegou a explorar tipos de estru turas físicas urbanas que poderiam ser instaladas sobre telhados urbanos para im pedir que a cidade fosse subjugada de cima pelas patrulhas ou ataques de drones803 De modo importante campanhas e grupos antidrone trabalham ardu amente para problematizar os modos com que drones armados ou não estão cruzando a fronteira colonial para a metrópole doméstica Em 2012 num caso famoso os artistas de Nova York EssamAttia foi preso por afixar 100 pôsteres satíricos pela cidade atacando o prospecto de um poli ciamento baseado em drones naquela cidade figura 3 Motivado pela decisão do Departamento de Polícia de Nova York de autorizar o emprego de drone o simplório objetivo de Attia segundo ele foi de criar um diálogo sobre a impor tância das políticas de policiamento baseadas em drone804 802 Ver Derek Gregory Drone geographies Radical Philosophy 183 2014 719 803 Ver Sarah Goodyear Imagining a droneproof city CityLabde 6 de fevereiro de 2013 804 Joshua Kopsteain Street artist behind satirical NYPD Drone posters arrested The Verge de 2 de dezembro 572 Figura 3 O pôster satírico antidrone de Essam Attia por ele distribuído pelas ruas de Nova York em dezembro de 2012 Lêse nas linhas pequenas localizadas no canto inferior direito Drones do NYPD Departamento de Polícia de Nova York proteção quando você menos espera por ela805 Em outros lugares os próprios ativistas estão explorando a adoção de sis temas baseados em drone com o fito de expandir seus próprios poderes de vigi lância a partir das bases contra o poder estatal e corporativo o que foi apelidado de sobvigilância Tal iniciativa faz parte de uma guinada mais abrangente no ativismo urbano em direção ao reconhecimento da necessidade de abordar os volumes da cidade em vez de meramente ocupar os espaços residenciais das ruas urbanas Para onde vai o movimento Occupy a partir daqui O ativista califor niano Teo Ballvé refletiu em 2011 na sequência de uma variedade de esforços inclusive por meio de banners aéreos balões de hélio placas flutuantes e em preendimentos do gênero para mover os protestos a uma dimensão tríplice E como fica para cima806 de 2012 Disponívelem httpwwwthevergecom20121223718094streetartistnypddronepostersarrested surveillance 805 Matt Harvey e Aymann AIsmail Wanted drone poster artist discusses how he punked the NYPD Animal New York de 24 de setembro de 2012 Disponívelem httpanimalnewyorkcom2012wanteddroneposterartistdis cusseshowhepunkedthenypd 806 Teo Ballvé Occupy volume occupy verticality Territorial Masqueradesde 1 de dezembro de 2011 Disponível emhttpterritorialmasqueradesnetoccupyvolumeoccupyverticality 573 Tim Pool organizador do movimento Occupy com seu ocucóptero Nova York 2012 Fonte httppubliciucimcorg Com o hobismo por droned crescendo rapidamente e drones básicos com câmeras de vídeo acessíveis em qualquer loja de brinquedos a preços extre mamente baixos prospectos para a democratização do drone emergem cada vez mais amplamente Poderiam os drones ser reposicionados fora do controle mo nopolista do poder militar e policial de alta tecnologia para rotinas de ativismo cidadão pesquisa crítica e hobismo Em um exemplo inicial manifestantes do Occupy em Nova York em de zembro de 2011 remodelaram um simples drone adquirido de uma loja de brin quedo como um Occucopter Uma tentativa de distribuir o olhar vertical além das forças de segurança e da mídia corporativa para os próprios manifestantes e seus canais de comunicação o Occucopter representa um exemplo de meios em que a democratização de tecnologias inicialmente militares pode ser usada para desafiar a militarização da sociedade civil807 Na prática o Occucopter permitiu que os ativistas soubessem quando gru pos de manifestantes estavam sendo presos ilegalmente quando estavam sendo confinados geograficamente por táticas de controle de manifestação ou quando o acesso de jornalistas aos locais de manifestação estava sendo ilegalmente barrado Imagens registradas pelo drone também foram úteis na contenção dos esforços 807 Noel Sharkey e Sarah Knuckey Occupy Wall Streets occucopter whos watching whom The Guardian de 21 de dezembro de 2011 Disponívelem httpwwwtheguardiancomcommentisfreecifamerica2011dec21 occupywallstreetoccucoptertimpool 574 da polícia e da mídia corporativa em rotular ativistas e manifestantes como meros bandos anarquistas Outros empregos bemsucedidos de drones por manifes tantes e pesquisadores críticos ocorreram na Estônia na Rússia na Polônia e em Washington DC Além disso entretanto os drones podem oferecer excelentes oportunida des que permitam aos grupos de direitos humanos a exposição de brutalidade violência e atrocidades Podem mesmo auxiliar no desenvolvimento de poderosas estratégias de comunicação para apoio e legitimidade Os cidadãos não mais pre cisam aguardar por helicópteros de notícias para ter acesso a imagens de um grande evento o editor do Wired e construtor pessoal de drone Chris Anderson enfatiza Com drones eles podem graver seus próprios vídeos do acontecimento808 A captura da violência de regimes políticos contra manifestantes nãovio lentos em particular pode ser um grande acréscimo aos esforços para consolidar campanhas ao mesmo tempo em que minam a legitimidade daqueles no poder O pesquisador de tecnologia Patrick Meier até mesmo considera a possibilidade de um emprego mais estratégico de drones para pintar céus inteiros com slogans ativistas ou para seguir personalidades públicas importantes durante protestos809 O primeiro desafio para tais campanhas entretanto é prevenir a crimina lização a priori de ativistas de drones logo de início Com o uso civil de drone se proliferando os Estados de segurança nacional tentam reclamar sua hegemonia dos céus Uma vez que jornalistas ativistas e pesquisadores estenderam seu uso de tecnologia para obter imagens previamente impossíveis de espaços proscritos e de segurança o uso civil de tais tecnologias é crescentemente criminalizado como ameaça de segurança Em 2015 três jornalistas da Al Jazeera foram presos por suspeitas de terem utilizado drones sem licença em Paris um fotojornalista que utilizou um drone próximo do aeroporto de Gatwick também foi preso e manti do sob custódia mesmo possuindo uma licença Muitos Estados estão também introduzindo legislações muito mais rigo rosas que criminalizam o uso de drones de hobismo baseadas nas mesmas vagas e pifiamente especificadas questões de segurança tão comumente utilizadas para justificar o mesmo emprego de drones em território nacional Com uma ironia particular histórias de terror são usadas com frequência em debates acerca da possibilidade de terroristas empregarem drones com armas embutidas810 808 Citado em Patrick Meier The use of drones for nonviolent civil resistance Irevolutions blog de 18 fevereiro de 2012 Disponívelemhttpirevolutionnet20120218dronesforcivilresistance 809 Meier The use of drones for nonviolent civil resistance ibid 810 Kevin Poulsen Why the US Government is terrified of hobbyist drones Wired de 2 de maio de 2012 Disponí velem droneshttpwwwhuffingtonpostcom20140711dronesarrestsn5575371html 575 Em fevereiro de 2015 quarto semanas antes de um controlador hobista de drone ser preso por ter acidentalmente pilotado sua máquina bêbado sobre a Casa Branca811 numerosos departamentos de segurança dos EUA sediaram um simpósio para explorar os perigos apresentados pela militarização de drones de hobby Foram mostrados vídeos de combatentes na Guerra Civil da Síria uti lizando drones equipados com armas automáticas Uma exibição foi organizada demonstrando vários drones de hobby com armas embutidas A ênfase residiu no fato de que o enorme investimento para a fortificação das instalações governa mentais contra terroristas de superfície poderia ao fim ser simplesmente supera do pelo emprego da terceira e vertical dimensão De maneira mais prosaica forças policiais no Japão construíram um drone antihobbista em dezembro de 2015 Ele é equipado com uma rede para remover drones considerados inconvenientes dos céus de Tóquio Tais conflitos de gato versus rato drone versus drone apenas se tornarão mais intensos no espaço aéreo acima das cidades REFERÊNCIAS Aerospace Industries Association Unmanned Aircraft Systems Perceptions Potential Washington DC 2013 p 3 Disponível em httpwwwaiaaerospaceorgresearchre portsunmannedaircraftsystemsperceptionsandpotential Anne Wright Israeli Drone Strikes in Gaza in November 2012 Attack TwoThirds Killed Were Civilians OpEd News 02 de Junho de 2013 disponível emhttp wwwopednewscomarticlesIsraeliDroneStrikesinGbyAnnWright130206621 html Anselm Franke EyalWeizmanEds Forensis The Architecture of Public Truth Berlin Sternberg Press 2014 Ben Hayes Chris Jones e Eric Toepfer EurodronesInc Statewatch London 2014 p7 Disponível em httpwwwstatewatchorgnews2014febswtnieurodronesinc feb2014pdf Ben Hayes em Homeland Security comes to Europe Statewatch 2006 disponível em httpwwwstatewatchorganalysesno90homelandsecuritycomestoeuropepdf Beth Stevenson UAV market set to triple in value in next decade Flight Globalde 18 de Agosto de 2015 disponívelemhttpswwwflightglobalcomnewsarticlesuav marketsettotripleinvalueinnextdecade415809 Blackhurst Rob The air force men who fly drones in Afghanistan by remote control Daily Telegraph 24 de Setembro de 2012 httpwwwtelegraphcouknewsuknews defence9552547TheairforcemenwhoflydronesinAfghanistanbyremotecon trolhtml Brian Bennett Homeland security adding 3 drone aircraft despite lack of pilots The Los Angeles Times 27 de Outubro de 2011 Disponível em artigos da latimes com2011oct27nation lanausdrone20111027 Bureau of Investigative Journalists 2015 Get the data Drone 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de lobby industrial dos EUA o Aerospace Industries Association exortando as muitas virtudes do emprego disseminado de drones civis Fonte httpwww supplychain247com 580 CIDADES ZONAS DE GUERRA812 Sultan Barakat813 Um dos benefícios colaterais da guerra fria era que mantinha em cheque as ambições étnicas e religiosas de muitos dos países dos blocos orientais e dos Bal cãs cujo os limites foram desenhados a esmo pelos vitoriosos da segunda guerra mundial Nos dias em que a soberania nacional foi um princípio amplamente res peitado as diferenças étnicas e religiosos forma uma questão de política interna algo sobre o qual a comunidade internacional raramente intervinha Essa repres são interna político e econômica continuou a ser uma forma de vida em várias partes do mundo por décadas Tudo isso terminou quando o muro de Berlin caiu em 1989 e a guerra fria acabou Um grande vácuo foi criado pelo desmantelamento da grande détente ide ológica do superpoder americano e soviético uma détent que inibiu com suces so a maioria dos conflitos internos em particular na União Soviética e no Bloco Oriental Com a morte de um dualismo simplista da US URSS OcidenteO riente nóseles comunismocapitalismo anfitrião realçador de diferenças entre pessoas de países emergentes Contenda dissenso conflito e ultimamente ir rompe a guerra Diferente dos conflitos do recente passado os quais foram entre países esses eram conflitos internos domésticos ou intraestados frequentemen te seguido de divisões étnicas e religiosas 812 Texto originalmente publicado em inglês com o título City War Zones na revista Urban Age The Global City magazine em 1998 Vol5nº4 edição de primavera a tradução para o português foi feita por Henrique Mioranza Koppe Pereira 813 Sultan Barakat é o diretor fundador do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos e professor de Política e Estudos de Recuperação PósGuerra na Universidade de York Anteriormente atuou como diretor de pesquisa no Brookings Doha Center Na Universidade de York ele fundou e liderou a Unidade de Reconstrução e Desenvol vimento do PósGuerra entre 1993 e 2014 atualmente Barakat é o diretor do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos do Instituto de Doha Barakat foi publicado amplamente seu livro mais recente Understanding Influen ce The Use of Statebuilding Research in British Policy foi publicado por Ashgate in 2014 Barakat tem mais de 25 anos de experiência profissional trabalhando em questões de gerenciamento de conflitos resposta humanitária e recuperação e transição pósconflito Ele regularmente se compromete a fornecer orientação como consultor sênior e consultor das Nações Unidas Banco Mundial União Européia DFID OIT IFRC e vários governos e organizações nãogovernamentais internacionais incluindo CARE e Oxfam Ele liderou grandes avaliações e iniciativas de programação no Afeganistão BósniaHerzegovina Croácia Egito Jordânia Kosovo Líbano Pa lestina Filipinas Mindanao Somália Sri Lanka Sudão Darfur Síria Uganda Moyo e Adjumani e Iêmen O professor Barakat atua no Conselho Consultivo do Grupo de Política Humanitária do Overseas Development Ins titute em Londres Ele é membro do Conselho Conjunto de Pesquisa Econômica e Social ESRC e do Painel de Comissionamento do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido DFID para pesquisas sobre redução da pobreza Barakat foi um dos membros fundadores do Painel de Especialistas do Índice Global de Paz onde atuou entre 2008 e 2014 581 RECONSTRUÇÃO COMO CURA Reconstrução deve ser vista como o primeiro passo de um processo de recuperação a longo prazo Apesar de que geralmente percebese a reconstrução física dos assentamentos destruídos este é apenas um aspecto de um processo amplo de lidar com a guerra e suas consequências Reconstrução envolve rea justes econômicos sociais e psicológicos É o alcance integrado de atividades e processos que tÊm de serem iniciados como pontapé inicial do processo de desenvolvimento interrompido pela guerra Sendo assim reconstrução pósguerra deve ser guiada a partir de uma visão de transformação de conflito Essa mudança de visão altera o foco e o objetivo da reconstrução pósguerra em vários caminhos essenciais entre os quais o mais básico é direcionar o trabalho de paz No coração de toda iniciativa para adotar e sustentar recuperação econô mica na raiz de todo esforço de construção de paz estão as pessoas que viveram relações entre si anteriormente ao conflito e que têm que relacionarse entre si após o fim da guerra Isso se aplica mesmo quando o objetivo é aprender viver com as diferenças e para entender e acomodar a diversidade Pois relações huma nas são tão intrinsecamente centrais que esforços de reconstrução de paz preci sam ser guiados por uma tríade de esperança cura e reconciliação Esperança encontra sua expressão nos projetos de alívio reabilitação e re construção que as Nações Unidas e outras agências conduzem com as vítimas de guerra Iniciativas concretas mesmo durante conflitos prolongados quando a paz parece ser um objetivo ilusório devem ser estabelecidas e precisam ser executadas de maneira que conceda respeito e participação das populações de comunidades afetadas Cura é realizada por longos termos estratégias compreensivas e multifa cetadas para terminar a violência e reabilitar comunidades essas devem abordar e incluir indivíduos e grupos com um vasto interesse de empreender na guerra Reconciliação é nutrida por iniciativas de resolução de conflitos que asse guram que o passado é adequadamente dirigido enquanto o futuro se mantém firme e em foco Mecanismos de dirigir o trauma acoplado com habilidades prá ticas de solução de conflitos são necessárias para trabalhar em direção a resultados futuros mutuamente aceitáveis Curar feridas e construir paz não é responsabilidade exclusiva de políticos Nós como arquitetos planejadores urbanos e regionais temos um grande papel para desempenhar e com uma responsabilidade compatível 582 CONSIDERANDO A RECONSTRUÇÃO DE CIDADES FLAGELADAS PELA GUERRA TEMOS QUE LEVAR EM CONTA A NATUREZA PROLONGADA DAS PROFUNDAS RAÍZES DOS CONFLITOS URBANOS Novos tipos predominantes de conflitos urbanos têm surgido na Croácia Bósnia Armênia Azerbaijão Tadjiquistão Geórgia Libéria Somália Burundi e Ruanda entre outros Esses recentes surtos de hostilidade fundemse a outras si tuações de intenso antagonismo no Sri Lanka Afeganistão Caxemira Birmânia Timor Leste e Sudão Todos esses conflitos podem ser caracterizados em um desses três cami nhos i Conflitos de natureza étnica ou religiosa O conceito de cidade limpa trazido por políticos com motivações étnicas tem resultada em separatis mos e na criação de Estados de miniapartheid dentro de comunidades Bairros de segregação foram fomentados onde antes havia uma rica inte ração multiétnica Isto tem claramente ilustrados em conflitos em Bosnia Herzegovina e Croácia não apenas nas maiores e mais conhecidas cidades de Mostar Sarajevo e Vukovar mas também nas muitas pequenas cidades onde grupos étnicos viveram juntos em uma paz relativa durante décadas até mesmo séculos ii Conflitos de caraterísticas civis Muitas cidades têm se tornado um alvo crescente dos conflitos atuais com centros outrora cosmopolitas transfor mados em campos de batalha Beirut Mostar Sarajevo Banja Luka Kiga li Kabul etc têm sido alimentadas por uma ampla proliferação de armas de pequeno porte minas terrestres antipessoal e arsenal de segunda mão iii Conflitos entre os que têm e os que não têm Essa urbanização da guerra não é apenas uma divisão étnica é também uma guerra entre os que têm e os que não têm e em alguns casos como o de Kabul e Sara jevo é sobre as comunidades rurais por muito tempo ignoradas fazendo declarações contra centros urbanos que tem sempre recebido grande aten ção e melhor tratamento e pelo aumento de número de refugiados de 25 milhões em 1970 para 175 milhões em 1992 com outros 24 milhões expatriados representando uma significante mudança de populações entre as áreas urbanas e rurais Cidades são especificamente vulneráveis ao estresse do conflito pois os habitantes das cidades estão particularmente em risco quando seu complexo e sofisticado sistemas de infraestrutura são destruídos ou se apresenta inoperável ou quando são isolados do contato externo Além disso muito da base econômi ca nas cidades dependem de mais um sofisticado setor de emprego de colarinho 583 branco que apenas consegue funcionar com boa comunicação e com comércio entre outras cidades e países Esses trabalhos dependem intrinsecamente da sobre vivência das instituições são os primeiros a desaparecer em um conflito urbano PARCERIA EM KABUL A estrutura de reconstrução integrada das Nações Unidas para o Afeganis tão apresenta uma iniciativa promissora nessa direção Em uma recente visita a Kabul com meus estudantes de pósgraduação eu tive a oportunidade de exa minar o trabalho do Centro para assentamentos humanos das Nações Unidas United Nation Center for Human Settlements UNCHS Foi revigorante ob servar a forma que arquitetos e engenheiros da UNCHS têm abordado o desafio combinado de reabilitação e construção de paz Apesar dessa não ser minha pri meira visita a Kabul foi minha primeira oportunidade de ver os resultados dessa filosofia manifestada em projetos físicos Usando sua experiência de um número de projetospiloto similares realiza dos no Afeganistão UNCHS lançada em 1995 para desenvolver ideias para uma estrutura institucional e uma abordagem tecnológica que abordaria a reabilitação necessária de algumas comunidades urbanas em Kabul Uma importante parte do programa da UNCHS foi fortalecer as instituições responsáveis pela gestão urbana trabalhando com elas e não para elas Essa abordagem e talvez nenhuma outra aponta a chave para questões de desenvolvimento territorial e de pres tações de serviços no contexto de um rápido crescimento urbano causado pelo deslocamento interno em meio uma década de conflito Apesar de problemas enfrentados por sucessivas autoridades nacionais no Afeganistão desde 1995 muitas estruturas de governança se encontram lá e fun cionam em nível local O desafio era portanto encontrar meios de fortalecer a estrutura municipal existente para que o sistema de escritórios distritais disper sos e os representantes eleitos ajudassem desenvolver e refinar políticas nacionais apropriadas para questões comuns a todos os centros urbanos do Afeganistão Em conjunto com outras atividades de reabilitação urbana um programa de ação de vizinhança pode ser programa de ação de bairros foi lançada como plataforma para realizar reparos em infraestruturas em pequena escala Um im portante foco secundário desse programa foi auxiliar a restaurar a degradação da organização social das comunidades envolvidas O corpo de campo da UNCHS iniciou a desenvolver mecanismos pelos quais as famílias urbanas em conjunto poderiam identificar suas próprias ne cessidades e implementar atividades em pequena escala de forma que se torne compatível com processos de gestão urbana mais amplo Parte disso envolveu a 584 definição de um pacote adequado de melhorias potenciais Essas melhorias fo ram identificadas através de discussões com representantes de comunidades que cobriram não apenas prioridades locais mas mais importante responsabilidades locais que é o que poder ser provido pelas comunidades em si Sendo esse programa aceito na comunidade como um pacote de parceria é crucial se não for visto como um direito entilement Em Kabul os membros do corpo de campo da UNCHS encaminharam essa questão através do encora jamento dos representantes comunitários para ver a atualização desse processo como um empreendimento comercial portanto trazendo para casa a noção de contrato entre doadores e beneficiários O doador está arriscando seus investi mentos na comunidade enquanto a comunidade arrisca seus esforços de mobi lização e organização O potencial para lucrar se mantém no compromisso de ambas as partes como em qualquer empreendimento comercial em conjunto O que iniciou como uma operação de limpeza da cidade com a comu nidade recolhendo lixo para os pontos de coleta especialmente construídos pela UNCHS e com o governo municipal provendo veículos de coleta evoluiu em um programa de provisão de água baseado no mesmo triângulo de parceria Água foi demandada pela comunidade como resultado do elevar das expectativas a partir de uma cidade limpa As expectativas da comunidade continuaram a cres cer correlacionadas ao melhoramento do ambiente urbano como um todo com isso por sua vez elevou o nível de comprometimento da comunidade E com prometimento de comunidade leva ao desenvolvimento de melhorias de acesso e de programas de mitigação de alimentos Como os benefícios tornamse visíveis e as notícias se espalham o programa estava em posição de tentar diminuir o gap étnico e político entre as comunidades tomando como recurso a sua reputação imparcial e a confiança que está estabelecida com a comunidade Oeste da cidade de Kabul um pequeno rio separa QualaieWahid uma área ocupada por Pushtuns Tajiks e QualaielNazir ocupada e controlada pela facção dos HisbeWahdat Uma ponte de pedestres que uma vez atravessava o rio dando aos Hazaras a tratamentos médicos e aos Tajiks e Pushtuns acesso ao mer cado foi destruída Agido como mediadores o corpo da UNCHS identificou anciões em ambas comunidades para convencer os comandantes Mujahideen a baixar as armas e participar na reconstrução da ponte Essa intervenção necessitou de pouco investimento técnico e financeiro mas de bons acordos de compreensão cultural e habilidades de mediação Gra dualmente pessoa começam a se arriscar do outro lado da ponte e o trafego entre os dois lados aumenta trazendo com isso o comércio a cooperação e a redução senão a remoção da tensão 585 INVESTINDO NA PAZ A conclusão principal a ser tirada do exposto acima é que quando se consi dera a reconstrução de cidades flageladas pela guerra nos dias de hoje Dubrovi nik Mostar Beirut Kabul Kigali etc é crítico que qualquer esforço de reabi litação durante ou no conflito seguinte deve refletir a complexidade do atual em vez da situação percebida na cidade Também é de vital importância direcionar as áreas não urbanas das proximidades como uma parte integral para um processo de recuperação a longo prazo pois a maior parte do desafio da reconstrução é re solver problemas das populações rurais deslocadas dentro dessas cidades Recons trução também deve levar em consideração todas as divisões políticas e sociais relevantes e deve explorar o cenário institucional ideal e estruturas comunitárias com as quais trabalhar Programas de reabilitação precisam se basear em uma análise do que é necessário e deve preparar atores externos a se tornarem envol vidos ou se necessário retirarse E entidades de auxílio e desenvolvimento devem saber quando a intervenção não é mais requerida ou quando um projeto está causando mais prejuízo do que benefícios Investir em reabilitação urbana pode ser visto como maneira de investir em paz não importa quão remota possa ser a perspectiva de paz Uma das for mas mais viáveis para encorajar uma recuperação urbana mais adequada é pelo estímulo à subsistência e atividades econômicas portanto encorajando mercados locais e comércio Por exemplo investindo em oficinas que produzam no local itens de alívio814 ajudaria a recuperação econômica mesmo durante a violência do conflito Fazer utilização ao máximo dos recursos locais tanto humano quan to material e dando prioridade ao empregar profissionais locais e trabalhadores subsidia a reconstrução do mercado de trabalho e estimula a economia local O planejamento de programas de recuperação deve levar em conta as necessidades por flexibilidade em responder às circunstâncias que podem mudar rapidamente Preparando o programa para agir como plataforma de uma gama de atividades podese estabelecer flexibilidade suficiente para levar em conta a configuração institucional e as estruturas comunitárias locais Implementadores devem serem capazes de antecipar o potencial negativo tanto quanto o positivo de suas ações Não existem programas de intervenção imparcial Por nossas ações ou nós damos suportes ao desenvolvimento futuro das populações afetadas ou nós as prejudicamos 814 Itens de alívio no original em inglês relief items são produtos manufaturados que auxiliam a vida cotidiana incrementam a qualidade de vida e facilitam a produção local 586 REFERÊNCIAS HILL R Postwar reconstruction in the post coldwar era Observations of a practitioner In Urban triumph or urban disaster Dilemmas of contemporary postwar reconstruction MIT and University o York 1996 LESLIE J Towards Rehabilitation Building Trust in Afghristan In Disaster prevention and Management Volume 4 n I Bradford UK 1995 BARAKAT S etall Urban Rehabilitation in Kabul Bridging between Communities and institutions postwar reconstruction and development unit University of York 1995 BARAKAT S and HOFFMAN B PostConflict Reconstruction key concepts principal components and capabilities In PostConflict Reconstruction Strategies International Collo quim Stadtschianing June 2324 1995 UNIDO and DDSMS 587 PARA UMA SOCIEDADE DE VIGILÂNCIA A ASCENSÃO DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA NA EUROPA815 Thomas Mathiesen816 COMEÇOS Os começos são frequentemente difíceis de avaliar Sistemas de informação e vigilância provavelmente existiram de alguma forma nos Estados em todas as eras Por um sistema de informação e vigilância quero dizer uma organização com uma liderança específica e funcionários específicos reunindo informações sobre as pessoas e acompanhandoas usando as informações para essa finalidade Tais sistemas podem ser mais complexos ou menos alguns são grandes com conexões e níveis intrincados entre os funcionários outros são pequenos com relações muito simples entre as pessoas As formações do Estado passado tiveram tais sistemas na forma de censos como a dinastia Hang chinesa há cerca de 2000 anos atrás ou a antiga Babilônia ou o Estado egípcio com seus faraós no reino egípcio de 2000 a 3000 AC Os censos foram provavelmente realizados en tre outras coisas para fins de tributação e em outras palavras estavam um pouco longe do tipo ideal de um sistema de informação e vigilância Mas a ideia de também usar a informação para fins de vigilância manter o controle de pessoas que o regime achava que não podiam confiar deve ter chegado cedo O Estado romano no início com seus reis parcialmente míticos depois sua República e finalmente seus imperadores e com um império ainda tão ao norte quanto a província distante da atual GrãBretanha teve seus censos Um imperador romano que viveu cerca de 2000 anos atrás fornece um exemplo bem conhecido e dramático contendo uma narrativa de um censo de longo alcan ce que claramente também tinha propósitos de vigilância Algumas pessoas até tiveram que buscar refúgio em outro país distante Todos nós conhecemos essa 815 Texto aqui apresentado é um fragmento do livro Mathiesen Thomas Towards a Surveillant Society The Rise of Surveillance Systems in Europe Editorial Waterside Press Ltd UK 2013 Pgs 2155 a tradução do inglês para o português foi feita por Felipe da Veiga Dias 816 Thomas Mathiesen é professor de Sociologia do Direito no Departamento de Criminologia e Sociologia do Di reito da Universidade de Oslo Um dos principais comentaristas internacionais sobre questões de vigilância ele está associado há muito tempo à análise penetrante de ataques à democracia e ao abuso de poder Seus aclamados trabalhos incluem Prison on Trial Across the Boundaries of Organizations The Politics of Abolition and Silently Silenced Essays on the Creation of Acquiescence in Modern Society 588 história em particular ela foi lida para nós por nossos pais e avós mas eu a resumi aqui mesmo assim Naqueles dias aproximadamente em 0 AC DC o imperador romano Augusto 63 aC14 DC governador sozinho de 27 AC até sua morte sobrinhoneto e filho adotivo de Caio Júlio César ordenou que se fizesse um recenseamento do mundo inteiro todos no Império Romano As pessoas foram todas inscritas cada uma para sua própria cidade Citações de Lucas 2 Este é um dos primeiros exemplos de um empreendimento tão vasto que pude encontrar em um império caracterizado por uma enorme quantidade de pluralismo legal e cultural817 A ordem veio do próprio centro do Império Foi sem dúvida dado por razões burocráticas de modo que a ordem no vasto Império seria mantida Era importante saber quem estava onde Havia pessoas que po diam ser confiáveis mas em muitos lugares também muitas pessoas que deveriam ser recebidas com desconfiança Mas o censo provavelmente também teve propósitos de vigilância em um nível diferente na burocracia romana Durante o reinado do governador romano local o rei Herodes chegaram sábios de Jerusalém do Leste indagando Onde está o recémnascido rei dos judeus Porque vimos a sua estrela no oriente e viemos adorálo Isso perturbou muito o rei Herodes e toda Jerusalém e depois de consultar todos os principais sacerdotes e escribas Herodes perguntoulhes onde esse Cristo nasceria Ele também convocou os sábios para averiguar justamente quando a estrela apare ceu Ele pediu aos sábios que procurassem cuidadosamente pelo menino já que ele também queria adorálo Mas o que ele realmente queria era matar o menino temendo que ele se tor nasse uma ameaça ao Império No entanto o pretenso pai José foi avisado Então por causa da advertência divina em um sonho de não retornar a Herodes eles foram enviados de volta ao seu próprio país por uma rota diferente O povo de Herodes não encontrou o Menino porque a mãe Maria com José e o Menino fugiu para o Egito Herodes ficou furioso e ordenou o assassinato de todas as crianças do sexo masculino de dois anos e menos em Belém e seus arredores A pequena família perma neceu no Egito até Herodes ter morrido Voltando eles se estabeleceram em Nazaré citações de Mateus 2 Também as sociedades não estatais muito antes e depois dos grandes impérios provavelmente também tiveram atividades de vigilância As pessoas acompanharam umas às outras em sociedades nãoestatais elas confiaram em algumas e temeram muitas e tentaram manter o rastro das pessoas que elas te miam Podemos inferir isso a partir de evidências relativas à violência em socie dades europeias nãoestatais que provavelmente os arqueólogos e antropólogos culturais historicamente inclinados nos dizem foi mais difundida do que alguns 817 Ver também Price and Thonemann 2011 p223 Em seu notável livro sobre os primeiros impérios grego e roma no Price e Thonemann apontam que vários censos foram realizados em meados do século II aC O mais confiável ocorreu logo após a chamada Guerra SocialSocial War quando a contagem era de 910000 que provavel mente também deve ser aumentada em 20 Cidadãos romanos adultos do sexo masculino foram contados Um número de pessoas de Estados aliados na Itália na época que lutaram pela independência depois de um tempo se tornaram cidadãos romanos 589 de nós gostam de pensar Embora o modo de acompanhar aqueles que temíamos não tivesse as características de sistemas eles podem não ter sido organizados com uma liderança e funcionários específicos manter o controle de pessoas implicava no mínimo reter informações através da memória colocandoas em primeiro plano se necessário O COMPUTADOR MODERNO Vamos no entanto começar muito mais recentemente num período em que as mensagens instantâneas no tempo e no espaço se tornaram comuns Isso significa começar com o computador moderno Que isso seja claro as linhas até aqui vão muito atrás o telégrafo é um bom exemplo Na linguagem de Morse mensagens instantâneas podem ser enviadas para outras populações e sociedades como notícias avisos sinais de ataque pedidos de ajuda ou qualquer outra coisa Todo mundo hoje que viu o filme Titanic sobre o navio a vapor afundado em 1912 quatro horas depois de ter atingido um iceberg sabe da importância do telégrafo embora não possa salvar nem o navio nem os passageiros A busca por mensagens instantâneas avançou com a ascensão do capitalismo moderno O capitalismo criou uma necessidade de mensagens instantâneas Como eu disse começamos recentemente com o computador moderno Também o computador moderno estava aqui antes do nosso próprio tempo No início grande e desajeitado como a IBM que em 1956 criou o primeiro disco magnético o RAMAC Método de Acesso Aleatório de Contabilidade e Controle que equivalia a dois refrigeradores de tamanho tinha um peso de dez toneladas e capacidade de cinco megabytes818 Tecnologicamente falando então é até aqui possível falar de evolução Mas apesar do começo nebuloso do compu tador moderno ocorreu uma mudança qualitativa à medida que se tornava pro priedade comum O computador como propriedade comum representou uma mudança qualitativa em que o computador pessoal apareceu na mesa de todos Aconteceu aproximadamente entre 1980 e o começo dos anos 2000 Este é um período extraordinariamente curto para uma invenção notável Seguindo ou amarrado ao computador pessoal surgiu uma longa série de outras invenções A Internet foi originalmente desenvolvida para fins de defesa era vista como tão robusta que também poderia ser usada após um ataque nu clear Isso sabemos agora acabou sendo um pensamento positivo Da defesa a tecnologia se espalhou para instituições de pesquisa e educação nos EUA e depois 818 Fonte Aftenposten 11 June 2011 590 para o mundo em geral No início dos anos 90 a internet foi aberta para uso comercial e desenvolvida como uma bola de fogo A Internet é um meio eletrônico que oferece vários serviços como a World Wide Web A Internet compreende uma rede mundial de computadores uma rede de redes um acoplamento de milhares de redes menores em todo o mun do Quando você procura por informações a distância física é quase abolida a informação é acessada independentemente de onde ela está ou onde você está no mundo DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Um dos principais problemas enfrentados pelos cientistas sociais nos úl timos 20 ou 30 anos foi o de estarmos ou não nos distanciando da sociedade industrial e indo para uma sociedade da informação DANIEL BELL Uma das primeiras pessoas a colocar o conceito de sociedade da infor mação na agenda pública sociologicamente falando foi o sociólogo Daniel Bell em seu livro The Coming of PostIndustrial Society Bell 1973 com um novo pre fácio de 1976 aqui em grande parte a partir do novo prefácio819 Bell tentou descrever a transição do que ele chamou de sociedade industrial para a socieda de pósindustrial A sociedade pósindustrial era segundo ele caracterizada por duas grandes dimensões p xix a centralidade do conhecimento teórico e uma expansão do setor de serviços em relação à economia industrial A primeira a centralidade do conhecimento teórico significa uma cres cente dependência da ciência como um meio de inovar e organizar mudanças tecnológicas A segunda mudança a expansão do setor de serviços significa uma expansão em transporte comércio seguros bancos administração pública ser viços médicos legais e outros serviços pessoais e assim por diante A primeira transformação com a centralidade do conhecimento teórico tornou novas invenções e organizações de mudança tecnológica muito mais de pendentes da ciência com um papel crescente das indústrias baseadas na ciência A segunda transformação o aumento do papel dos negócios orientados para serviços levou a uma forte diminuição relativa da força de trabalho industrial Bell menciona a possibilidade de chamar a sociedade pósindustrial de so 819 Alain Touraine veio um pouco antes de Bell Touraine 1969 591 ciedade da informação ou sociedade de serviços Mas devese acrescentar que ele se abstém explicitamente da tentação p ix de fazêlo e sustenta que a so ciedade pósindustrial não vem da sociedade industrial mas constitui tendências desenvolvimentistas que se colocam no topo das tendências anteriores apagando alguns deles e condensando a tecelagem da sociedade como um todo Em ter mos gerais argumenta ele se a sociedade industrial é baseada na tecnologia de máquinas a sociedade pósindustrial é moldada por uma tecnologia intelectual p xiii HÅKAN HYDÉN A análise de Bell não teve e não poderia ter a ênfase atual na tecnolo gia da informação ou nas novas mídias como um ponto de partida mesmo que ele tenha tocado no significado do computador Depois que o livro de Bell foi publicado os cientistas estavam acima de tudo preocupados com a importância geral do conhecimento e da educação para o desenvolvimento da sociedade Somente nos anos posteriores para o nosso próprio tempo a informação e a tecnologia da comunicação dominaram o debate e a tese de uma transforma ção da sociedade industrial para a da informação tem recebido apoio crescente Um defensor da tese é o sociólogo jurídico sueco Håkan Hydén da Universidade de Lund que aponta o seguinte em um de seus livros Hydén 1997 p 111 traduzido do sueco por mim Hoje nos confrontamos com uma transformação de sistemas A sociedade industrial sobrevi veu a si mesma e está sendo gradualmente substituída por uma sociedade da informação uma sociedade do conhecimento ou o que você agora escolhe para chamar de introdução ao que se tornará uma época cibernética Historicamente estamos portanto na mesma fase em que a sociologia e a sociologia do direito estavam quando foram estabelecidas Para ter certeza há indícios de que estamos em tal transformação Em muitos países ocidentais a força de trabalho tem caído acentuadamente e as empresas de serviços e o pessoal técnico e consultor de informática subiram de maneira igualmente acentuada Hydén enfatizou a mudança da comunicação analógica para a comunicação virtual820 Nas universidades de todo o Ocidente minha própria universidade na Noruega é o caso há agora exércitos de consul tores técnicos ensinando os professores a usar nossos computadores pessoais Os vários novos sistemas e complexidades que frequentemente e sem aviso invadem nossos computadores e nosso trabalho tornam você altamente dependente da nova classe de consultores que também residem em seu departamento Apenas uma minoria de nós precisa de todas as novas funções do computador pessoal 820 Comunicação oral de Hydén 592 que frequentemente vêm Catálogos se tornam obsoletos se você pedir informa ções a resposta é que elas são fornecidas na web mas o tempo não é sem papel o papel é usado maciçamente para impressão Bancos companhias de seguros burocracias estatais médicos dentistas assistentes sociais e toda uma série de outros serviços dependem de fazer o mesmo DAVIDOW E MALONE Uma conta relevante para o recente crescimento de uma sociedade da informação é William Davidow e Michael Malone The Virtual Corporation que chegou em 1992 O livro gira em torno da instantaneidade como um valor central e instantaneidade ou pelo menos rapidez ou velocidade é de importân cia central Produtos e serviços instantâneos já estão se tornando difusos uma parte regular de nossas vidas diárias p 4 Eles são tão notáveis dizem os autores tão distintos de qualquer coisa que veio antes que eles merecem um nome espe cial Em seu livro eles são chamados de produtos virtuais O produto ou servi ço virtual ideal é aquele produzido instantaneamente e personalizado em resposta à demanda do cliente p 4 Produtos e serviços físicos são feitos virtuais Uma indústria virtual perfeita não existe eles dizem mas muitos chegam perto Produção japonesa de automóveis faz Os japoneses estão se esforçando para colocar em prática sistemas que produzirão carros acabados para a ordem interna em poucas horas A Dell Corporation produzindo computadores é outro exemplo Davidow e Malone imaginam tipos organizacionais inteiramente novos e diferenciamse pp 6872 entre quatro níveis informativos informação de conteúdo informação sobre quantidade localização tipos de itens informações de formulário forma e composição de um objeto informação de comporta mento predição do comportamento de um objeto físico através da simulação de seu movimento no espaço tridimensional e informação de ação o triunfo da revolução da informação converte instantaneamente a informação em ação sofisticada o poder de computação aumentará ainda mais mas se tornará ine xoravelmente mais barato à medida que construamos máquinas que não apenas coletam e processam informações mas agem sobre os resultados p 71 O nível de informação mais importante é o que diz respeito à ação e que fornece uma base para as máquinas executarem tarefas Davidow e Malone de fendem uma tecnologia que até fornece máquinas com visão semelhante à huma na algo que requer enorme poder de dados mas também uma organização de redes neurais que se assemelham às redes do cérebro A busca por tal tecnologia pode estar um pouco desatualizada seu livro tem afinal 20 anos de idade 593 Mas existem sistemas continuamente mais sofisticados para a análise automáti ca de imagens A Polar Rose comprada pela Apple em 2010 por exemplo é uma empresa líder mundial em reconhecimento facial Há alguns anos um certo otimismo pode ser visto nas redes neurais e na inteligência artificial Há mais ceticismo agora Mas há melhorias contínuas na análise de grandes quantidades de dados e imagens821 Os locais de trabalho serão transformados prevê Davidow e Malone p 7172 Ambientes de trabalho também serão alterados Mais e mais fábricas operarão com luzes apa gadas desprovidas de humanidade exceto a ocasional guarda de passagem ou a visita de uma pessoa de reparo Outra parte importante do desenvolvimento é que até mesmo as pessoas comuns hoje têm acesso à Internet e ao poder dos dados pelo menos no mundo ocidental O custo da publicação e do poder de dados caiu acentuadamente nos últimos anos Hoje pessoas comuns podem estabelecer sua própria home page e se expressar sem que suas opiniões sejam filtradas pela mídia tradicional Hoje é muito mais barato e mais simples comercializar uma das visualizações do que antes Meu filho na verdade tem uma home page e se comunica com o mundo todo LIBERDADE Tudo o que eu disse até agora favorece a visão de que estamos nos aproxi mando ou mesmo dentro de uma sociedade da informação Mas ainda não te nho certeza Em breve retornaremos à visão de Davidow e Malone mas primeiro uma pequena injeção sobre a liberdade mencionada ou inferida até agora temo que as cordas estejam cada vez mais ligadas a essa liberdade Um efeito de como a Internet é construída é que nenhum Estado ou empresa possui ou controla toda a Internet Essa parece ter sido uma escolha consciente de design por parte das pessoas nas universidades que desenvolveram a Internet durante as décadas de 1970 e 1980 Hoje no entanto existe uma luta em relação a quem controla a rede e as informações que podem ser públicas Discussões sobre neutralidade da rede são hoje animadas em todo o mundo Resumidamente a questão inicial é se os fornecedores da Internet podem exigir pagamentos em um determinado tráfego em suas redes Por exemplo a Telia na Suécia deseja receber pagamentos extras por conversas do Skype na rede móvel Outros fornecedores exigirão pagamentos do YouTube ou Facebook para 821 Informações gentilmente recebidas de Tomas Wennström 594 entregar seu tráfego mais rapidamente Como o primeiro país da Europa a fazê lo os Países Baixos produziram recentemente legislação sobre a neutralidade da rede822 Em suma e para ser franco mais uma vez há um desenvolvimento em direção à competição líquida entre os ricos e os pobres O que também é importante é que existe uma competição líquida entre o repressor e o reprimido A Primavera Árabe em 2011 é um exemplo disso A rede foi usada em prol da liberdade Regimes autoritários derrubados devido a manifestantes via Twitter e Facebook e por outros meios de informação e isso foi anunciado em todo o mundo como significando uma nova era na qual a tec nologia da informação altera o equilíbrio de poder em favor do reprimido Mas existem forças contrárias importantes Em um artigo interessante John Villase nor refletiu sobre o cenário Villasenor 2011 Ele se limita a Estados autoritários Irã China e assim por diante mas sua mensagem é mais geral abrangendo também os chamados estados democráticos se a política democrática altera apenas um pouco A Primavera Árabe de 2011 que viu regimes derrubados por manifestantes organizados via Twitter e Facebook foi anunciada em grande parte do mundo como significando uma nova era na qual a tecnologia da informação altera o equilíbrio de poder em favor dos reprimidos no entanto a redução dos custos de armazenamento digital permitirá em breve que regimes autoritários não apenas monitorem dissidentes conhecidos mas também armazenem o con junto completo de dados digitais associados a todos dentro de suas fronteiras Esses enormes bancos de dados de informações capturadas criarão o que equivale a uma máquina do tempo de vigilância permitindo que os serviços de segurança do estado interceptem retroativamente as pessoas nos meses e anos antes de serem designados como alvos de vigilância Isso mudará fundamentalmente a dinâmica da dissensão insurgência e revolução823 Não é fácil fazer uma escolha definitiva entre os dois lados nesta batalha de previsões Acho que de certo modo não devemos fazer uma escolha definitiva porque ambas são verdadeiras em momentos e sob condições diferentes DOBRAR ARRASTAR E RASTREAR UMA NOVA ESTRUTURA DE CLASSES Voltemos à fábrica de Davidow e Malones sem trabalhadores imaginativa mas eu acho que é muito difícil pensar em tudo ou mais ou menos em toda a produção como sendo virtual como se essa palavra fosse entendida e definida por eles É verdade que a produção de hardware e outros produtos podem ser exe cutados por computadores e robôs podem unir os produtos A tendência nessa 822 httpenwikipediaorgwikiNetworkneutrality 823 httpwwwbrookingseduresearchpapers20111214digitalstoragevillasenor 595 direção aumentou Mais uma vez a indústria automobilística é um exemplo dis so A vasta burocracia do Estado está planejada para ser digitalizada o enorme número de formulários que devem ser preenchidos por grandes massas de pessoas se tornará a segunda opção do povo a primeira escolha será de acordo com planejadores digitalizada e disponível na rede O plano para isso já foi parcial mente executado A digitalização de formulários fiscais é um exemplo824 Existem muitos outros exemplos Mas é extremamente difícil imaginar que isso possa se tornar padrão para todo o hardware e outros produtos e serviços Pense em todas as coisas variadas e complicadas em nosso entorno na vida cotidiana A fábrica mesmo que modernizada mas também os estaleiros navais as oficinas de automóveis os locais de construção e construção de vários tipos como ferrovias e estradas os locais de construção e construção de vários tipos tais como ferrovias e estradas os reparos contínuos das ruas da cidade nossas linhas de carros de rua nossos sistemas de esgoto subterrâneo nossos encanamentos de água também subterrâneos exigem e exigirão mesmo se au tomatizada uma força de trabalho muito substancial Assim será a contratação de encanadores a contratação de eletricistas a contratação de pintores a con tratação de vários tipos de reparadores dentro e fora de sua casa Eles têm que estar dispostos a dobrar se arrastar e rastejar para fazer seu trabalho extenuante Eu os considero como parte da sociedade industrial que eu vejo como não consistindo apenas de operários de fábricas contratados em fábricas por donos de capital Uma estrutura de classes parcialmente nova pode surgir Haverá estratos comparativamente altos de técnicos e pessoal de informática mais ou menos ins truídos responsáveis pelo trabalho automatizado do computador que é necessá rio Mas também haverá uma grande subclasse comparativamente falando pre ocupada com a construção real de ferrovias estradas navios e tudo o mais como encanadores eletricistas pintores e reparadores em nossos milhares de lares que têm que se dobrar arrastar e rastejar para fazer o seu trabalho A estrutura de classes sugerida aqui ainda não está totalmente formada mas deve ser contada como uma possibilidade distinta Se e quando for total mente formado e representado como classes com um mínimo de consciência de classe e redes sociais uma nova ordem social terá sido introduzida Essas ocupações antigas por mais cruciais que sejam são lavadas de nossa consciência pela elegância da nova ordem pelo mundo virtual e o mundo digi 824 Fonte Aftenposten 7 December 2012 596 talizado Eles não contam em uma sociedade que se presume ser uma socieda de da informação TERCEIRIZAÇÃO Nós também terceirizamos a produção para os países onde o trabalho é mais barato Em certo sentido isso nos aproxima da sociedade pósindustrial mas apenas se não levarmos em consideração que a purificação de nossa própria sociedade industrial é seguida por trabalho somente em outros lugares e menos dispendioso Além disso a terceirização do poder de dados é importante hoje em dia O servidor que fornece homepages ou capacidade de cálculo pode hoje estar locali zado em qualquer lugar do mundo onde é mais barato Não tenho ideia de onde as várias partes da produção deste livro serão realizadas Não há limites Muitos produtos são simples o suficiente para terceirizar mas complexos o bastante para não terceirizar para sociedades onde o trabalho é barato Um exemplo agora existem impressoras tridimensionais que podem imprimir objetos tridimensionais em plástico Hoje existem impressoras tridi mensionais avançadas para uso industrial e existem impressoras tridimensionais mais baratas e mais simples para uso pessoal Um movimento cresceu em torno dessas impressoras mais baratas Sebastian Gjerding 2012 diz que A economia da Internet nos deu uma nova maneira de produzir Chris Anderson que é autor e editor da influente revista americana de tecnologia Wired escreve i em seu novo livro Makers The New Industrial Revolution sobre Impressoras 3D e scanners 3D O movimento olha para o futuro onde muitas ou a maioria das coisas co tidianas podem ser impressas em três dimensões e produzidas O crowdsourcing contribuição colaborativa coletiva e o crowd funding financiamento coletivo são conceitos centrais os grupos em média pensam melhor do que o indivíduo e quando os grupos decidem financiar alguma coisa cada um não precisa pagar muito Você faz o download das impressões de peças de reposição da sua bicicleta e as imprime em casa ou na gráfica tridimensional825 Mas no que se refere à terceirização ou em relação a isso em casa é o mo mento em que essas impressoras podem ser usadas em sociedades onde as pessoas são pobres e o trabalho é barato Gjerding por implicação diz que não mas talvez em um futuro distante E eu concordo Primeiro você precisa conhecer os mecanismos das peças de re 825 httpenwikipediaorgwiki3Dprinting httpiysnorg20110917pushingtheboundaries3dprinting To mas Wennström gentilmente me forneceu essas informações 597 posição em sua bicicleta e mais ainda em seu carro Em segundo lugar você deve contar com cordas sociais valores e normas culturais e assim por diante Você tem que ser um economista mas também parcialmente um sociólogo O pensamento de que tudo pode ser terceirizado e logo desconsidera que quando ocorre a terceirização ela também deve ocorrer em um contexto cultural que não se encaixa necessariamente na terceirização826 TERCEIRIZAÇÃO DE RESÍDUOS Como já disse há certamente uma tendência à produção virtual Um si nal possível é que os produtos modernos em muitos casos duram por períodos mais curtos A geladeira da minha mãe durou mais do que a minha muito mais moderna e quando algo dá errado com a minha geladeira compramos uma nova em vez de pedir a um reparador para consertar a antiga Em certo sentido vivemos em uma sociedade de resíduos e isso pode ser porque a reparação de produtos antigos é mais ou menos tão cara quanto comprar novos e leva mais tempo eles são menos virtuais Mas o que acontece com todo o lixo que achamos muito difícil ou muito caro para transformar em novos produtos É em grande parte terceirizado e tem que ser tratado pelo trabalho manual em outro lugar Um negócio em crescimen to especialmente na China e em outras partes do Terceiro Mundo é a recupera ção e reciclagem de componentes valiosos e matériasprimas de vários produtos Uma das cidadeslixo é Guiyu no distrito de Guangdong na China considerada um dos maiores locais de lixo eletrônico do mundo Em 2005 havia 60000 trabalhadores de lixo eletrônico em Guiyu que processavam mais de 100 caminhões transportados para os 52 quilômetros quadrados todos os dias Muitas operações de reciclagem são tóxicas e perigosas para a saúde dos trabalhadores com 88 das crianças sofrendo de envenenamento por chumbo O trabalho lá é basicamente manual e sabidamente perigoso à saúde O solo foi saturado com chumbo cromo estanho e outros metais pesados Eletrônicos descartados em poças de toxinas que vazam na água subterrânea tornandoa tão poluída que a água é intragável Os níveis de chumbo nos sedimentos do rio são o dobro dos 826 Um quinto da mercadoria do mundo é produzido na China Até agora os trabalhadores chineses produziam mercadorias suficientemente baratas para diminuir significativamente ou até impedir que os preços subissem em todo o mundo Agora isso pode estar chegando ao fim Os salários chineses especialmente nas cidades estão aumentando Isso pode tornar a terceirização para a China da Europa e dos EUA menos simples Um aumento nos preços de mercadorias da China pode fazer com que os produtores mudem de local para por exemplo Vietnã ou Camboja onde os salários são mais baixos As preocupações industriais chinesas também podem terceirizar a produção para o Vietnã Camboja Bangladesh e Filipinas Mas a China também pode competir com uma visão voltada para o mundo ocidental com maior qualidade e entrega mais segura O futuro da terceirização como a vemos hoje é um pouco incerto Fonte Aftenposten 11 November 2012 598 níveis de segurança europeus de acordo com a Basel Action Network827 Guiyu é apropriadamente apelidado de cemitério eletrônico Os chineses afirmam que as limpezas estão acontecendo828 Outra cidade de resíduos é Agbogbloshie um subúrbio de Accra no Gana conhecido como aterro digital Milhões de toneladas de lixo eletrônico são pro cessadas a cada ano em Agbogbloshie e devido a uma alta taxa de criminalidade e outras condições a área é apelidada de Sodoma e Gomorra A Convenção de Basileia impede que as transferências transfronteiriças de resíduos perigosos sejam desenvolvidas para países menos desenvolvidos mas a convenção não é ratificada por vários Estados incluindo os EUA Mais importante é o fato de que a cada mês os contêineres de carga chegam muitas vezes ilegalmente dos EUA Reino Unido países europeus Japão e outros lugares Pessoas desprote gidas muitas vezes crianças que trabalham lá procurando por exemplo metais para vender são frequentemente afetadas e o processamento de resíduos emite substâncias químicas tóxicas no ar terra e água829 CONCLUSÕES ATÉ AGORA Acima discuti autores como Bell Hydén e especialmente Davidow e Ma lone e as amarras ligadas à liberdade que a Internet proporciona Eu olhei para o dobrando rastejando e arrastando e devo acrescentar a vida estressante e difícil que as massas de trabalhadores enfrentam quando produzem e consertam as inú meras coisas com as quais nos cercamos em nossas vidas diárias Eu até discuti a terceirização geral bem como a terceirização do lixo eletrônico no mundo Ter ceirização vai para os outros mais longe mas certamente para os trabalhadores Uma conclusão provisória é que embora haja argumentos para nossa entrada atual em uma sociedade da informação tenho sérias dúvidas e acho que ele mentos importantes de uma sociedade industrial permanecem Embora o tra balhador tradicional esteja se tornando mais raro ainda precisamos dele ou dela além de todos que dobram arrastam e rastejam A estrutura de classes é assim alterada a classe trabalhadora certamente se tornou contaminada mas ainda existe em um sentido mais amplo incluindo homens e mulheres de serviço em grande número que realizam trabalho manual e servil Talvez você possa dizer que a tecnologia da informação e a Internet pro movem a indústria e a vida industrial A TI e a Internet não existem como uma 827 Exporting Harm The HighTech Trashing of Asia httpwwwbanorgEwastetechnotrashfinalcomppdf pdf Basel Action Network February 25 2002 httpwwwbanorgEwastetechnotrashfinalcomppdf 828 Fonte httpenwikipediaorgwikiElectronicwasteinGuiyu 829 Idem 599 esfera separada da indústria como um sistema de manutenção de fronteiras além da sociedade industrial mas se tornou parte e parcela da metodologia das co municações da indústria e das relações industriais Desse ponto de vista a sepa ração entre sociedade industrial e sociedade da informação é na verdade um equívoco os dois são integrados no sentido de que os passos importantes ou mesmo vitais tomados pela informação presumivelmente torna a indústria ainda mais eficiente Como isso é importante no que diz respeito aos sistemas de informação e vigilância É importante na medida em que representa um contexto um modo de vida que promove os novos sistemas de informação e vigilância Também os promove grandemente como promove outros aspectos da vida industrialtec nológica Isso talvez ocorra especialmente quando as economias do Ocidente enfrentam problemas como fazem agora Vemos isso nos vários distúrbios que ocorreram ou estão ocorrendo hoje Inglaterra e França são casos em questão Quando os tempos são assim as autoridades gostam de ter sistemas de infor mação e vigilância do tipo mais moderno em mãos Várias cúpulas e ocasiões similares nos últimos anos testemunharam isso e retornaremos a algumas delas mais tarde PANÓPTICO OU POLIÓPTICO A Internet e o uso do computador pessoal na mesa de todo mundo pas saram por fases Existem muitos deles vou resumilos em dois pontos principais no tempo COMUNICAÇÃO PANÓPTICA A primeira fase da Internet é aquela ideal tipicamente baseada na co municação online Este foi o tempo da home page Recebeu o símbolo Web 10 Todo mundo tinha uma home page Em um sentido amplo da palavra mensagens eram enviadas de centros numerosos centros para receptores mais do que numerosos receptores Empresas de todos os tipos confiavam em tal co municação unidirecional O capitalismo prosperou na comunicação unidirecio nal Mercadoria foi profusamente anunciada Os receptores poderiam responder escolher entre várias mercadorias e pagar por sua escolha Então houve alguma comunicação de mão dupla Mas a oferta e o começo vieram do centro as pre missas foram definidas ali e as alternativas entre as quais você poderia escolher foram em grande parte estabelecidas a partir do centro O poder nesse sentido e no sentido de renda chegou aos centros 600 Todos os tipos de outras mensagens como as mensagens das burocracias estatais também tinham um perfil mais ou menos de comunicação unidirecio nal com algumas possibilidades estruturadas de respostas O poder também veio desses centros Resumindo A comunicação inicial de negócios na Internet era um pouco parecida com o catálogo comum de encomendas postais O perfil de comunica ção unidirecional entrou na Internet na primeira parte de sua vida pelo menos em sua vida acessível ao público em geral no final do século XX Era uma situ ação antidemocrática uma comunicação unidirecional com o poder localizada nos centros Para ter certeza houve um movimento contrário das raízes Na sala de ba tepapo chamada IRC e no fórum de discussão chamado Usenet um sistema de discussão distribuído em todo o mundo havia trocas animadas Alguns colocam suas próprias home pages fora do controle de interesses comerciais Um certo dualismo existia por um lado a conversa em muitas páginas iniciais era uma comunicação unidirecional Ao mesmo tempo havia um sistema de comunica ção paralelo em que o IRC os fóruns de discussão e as listas de discussão eram partes e onde a conversa era animada Historicamente a comunicação talvez nunca tenha sido mais democrática e acessível para o homem e a mulher comuns do que durante os primeiros anos da Internet Mas certamente para muitos ob servadores o movimento de base foi ofuscado pela tendência de comunicação unidirecional830 Em um livro de 1975 Foucault Eng Ed 1979 Michel Foucault usou o conceito de panóptico para caracterizar nosso período europeu na história Ele usou a prisão para ilustração As prisões modernas tinham uma forma comum importante elas eram or ganizadas de modo que alguns pudessem supervisionar ou pesquisar um número muito grande As prisões eram nesse sentido panóticas da palavra grega pan que significa todos e opticon que representa o visual Tal prisão foi inventada por Jeremy Bentham em 1799 JB 17481832 filósofo britânico e reformador legal O Panóptico de Bentham tinha vários andares organizados em um círculo com um teto de vidro um círculo de celas em todos os andares e uma porta de grade em direção ao centro para que todos os prisioneiros pudessem ser vistos de uma torre no meio Em princípio um homem na torre podia ver todos os prisioneiros Mais tarde as chamadas prisões de Filadélfia assumiram o controle que foram organizadas de maneira diferente com várias alas mas também base 830 httpenwikipediaorgwikiUsenet httpenwikipediaorgwikiIrc httpenwikipediaorgwikiDiscussion forumsHistory Tomas Wennström gentilmente me forneceu essas informações 601 adas no princípio de que poucas pessoas poderiam observar todos ou a maioria dos prisioneiros na prisão do centro onde as alas da prisão se encontravam As alas não tinham chão mas corredores ao longo da parede e portas de grade para as celas de modo que os guardas no centro em princípio pudessem ver cada prisioneiro em todos os andares do centro Mas para Foucault isso não era apenas uma questão de prisão Sua ideia é bem conhecida um novo tipo de sociedade estava implícito Na aparência ele disse o panopticismo é meramente uma solução de um problema técnico mas através dele um novo tipo de sociedade emerge Foucault 1979 p 216 O panopticismo representou um movimento fundamental ou uma transformação da situação em que muitos veem poucos para uma nova situação em que poucos veem muitos Deixou que o reformador alemão da prisão M H Julius descrevesse a situ ação em 1831 A antiguidade tinha sido a civilização do espetáculo Para tornar acessíveis a uma multidão de homens a inspeção de um pequeno número de objetos este foi o problema ao qual a arquitetura dos templos teatros e circos respondeu Essa era a era da vida pública festas intensivas proximidade sensual O Coliseu de Roma era um arquétipo da antiguidade A idade moderna coloca por outro lado o problema oposto Buscar por um pequeno número ou mesmo por um único indivíduo a visão instantânea de uma grande multidão Foucault 1979 p 216 Foucault formula assim Nossa sociedade não é de espetáculo mas de vigilância Somos muito menos gregos do que acreditamos Não estamos nem no anfiteatro nem no palco mas na máquina panóptica investida por seus efeitos de poder que trazemos para nós mesmos já que somos parte de seu mecanismo p 217 Na minha opinião há muito a ser dito sobre a análise de Foucault É ver dade que havia um grande número de máquinas panópticas na história anterior antes dos tempos modernos a Inquisição de 1200 em diante as várias grandes máquinas militares através dos séculos onde alguns com poder pesquisavam os muitos pessoas soldados E é verdade existem muitos exemplos de linhas de comunicação tendo ido para os dois lados o grande Inquisidor dando graças na frente não apenas observando os muitos mas também visto por muitos o imperador vitorioso voltando da batalha não apenas observando as massas mas também visto e avaliado por uma multidão Mas especialmente depois de seu tempo Foucault tem razão ao dizer que o final dos anos 1900 e o começo dos anos 2000 assistiram ao surgimento de uma infinidade de sistemas de vigilância de tipo eletrônico onde os poucos realmente pesquisam os muitos mas não são vistos por muitos grandes pesquisas que têm funções importantes em nossas vidas Existem muitos desses sistemas de vigilância 602 É em outras palavras importante enfatizar que o final dos anos 1900 e o início dos anos 2000 de certa forma justificaram Foucault As grandes máquinas eletrônicas às quais os sistemas de vigilância sob a modernidade tardia poderiam ser chamados são basicamente panóticas O mesmo aconteceu com a fase inicial da Internet FUNIS PANÓPTICOS FUNIL UNIDIRECIONAL FUNIL DE ESTRELA E FUNIL DE PROFUNDIDADE Vejamos mais de perto a comunicação unidirecional sobre o início da In ternet que tinha uma estrutura panóptica para que os poucos pudessem ver e pesquisar os muitos Os centros do sistema unidirecional viam os muitos através de grandes pesquisas dandolhes conhecimento do que as massas queriam e de que e como vender suas mercadorias Havia um número de variedades Uma análise de conteúdo que realizei no final dos anos 80 e início dos anos 90 Ma thiesen 1999a concentrandose em vários estudos de caso em vez de dados quantitativos e representativos generalizados mostrou que o funil de sentido único era um caso típico Na atividade comercial e visto ao entrar em home pages essa forma tenta dora parecia ser generalizada O funil de sentido único era uma das rotas mais comuns para vendas e renda As home pages pornográficas constituíam exemplos mas também home pages de revistas para homens para mulheres para crianças e assim por diante Eu não sei quão grande era o setor de negócios e é mas era grande A questão é que foram oferecidas pequenas amostras gratuitas e convida das a seguir em frente o que geralmente acontecia Você recebeu mais amostras grátis e assim por diante até que parou de repente você tinha que escolher tudo ou nada A essa altura você estava tão excitado e tentado que poderia escolher sim e se o fizesse entraria no deserto de novas escolhas e pagamentos por por nografia O mesmo acontecia talvez em menor grau por exemplo para revistas masculinas e femininas O funil de sentido único poderia ser mais curto ou mais longo Uma hipó tese poderia ser que quanto mais controverso fosse o produto final mais longo será o funil para dar tempo de estimular uma tentação crescente Recebi algum apoio para funis mais longos para criar tentação também de desenvolvimentos em páginas iniciais não pornográficas como em revistas para homens ou propa ganda de leite e iogurte para crianças Borch 1998 O segundo tipo seria o que eu chamaria de funil de estrelas No funil da estrela você é levado a um centro da atividade comercial em questão para a 603 periferia distante e talvez através da fronteira para várias ou até mesmo muitas outras home pages O funil da estrela pode leválo a dizer pornografia para home pages que foram financeiramente relacionadas à home page original por exemplo revistas para homens Ou se os dois não eram financeiramente relacionados eram pelo menos semelhantes em termos de simbolismo Um terceiro funil seria o que eu chamaria de funil de profundidade No funil de profundidade você foi conduzidotentado presumivelmente através de suas próprias escolhas ainda mais no centro do material específico Os detalhes continuamente maiores da pornografia são interessantes desse ponto de vista Assim são os detalhes crescentes sobre bons sapatos vestidos bonitos ou o que quer que seja conforme você se move através desses funis de profundidade O ponto é que os preços dos bons sapatos ou vestidos aumentam ao mesmo tempo O funil unidirecional que o levou passo a passo em direção a um objetivo específico fornece a imagem mais clara do setor comercial em expansão da In ternet antiga O trecho unidirecional era interativo no sentido de que você pre cisava responder e clicar para frente Mas a comunicação em ambos os sentidos comunicação verdadeira onde as respostas tinham de ser levadas em conta pelo centro original de modo que as mensagens do centro precisavam ser mudadas eram quase inexistentes nos meus estudos de caso exceto no momento em que você respondeu sim ou não a uma oferta de compra Aconteceu para alguns tipos de mercadoria que você pediu para comentar sobre suas compras e dizer se estava satisfeito ou não Isso poderia iniciar uma resposta do centro Mas isso não era frequente e raramente levava a uma verdadeira comunicação verdadeira onde novos resultados e novas iniciativas surgiam O funil de profundidade e o funil de estrelas eram menos nítidos do que o funil de sentido único mas na realidade também eram unidirecionais Mes mo que várias rotas pudessem ser escolhidas as alternativas entre as quais você poderia selecionar eram sistematicamente construídas de cima a interação do remetente acima e do receptor abaixo onde o receptor foi convidado a se comu nicar de volta e afirmar suas próprias preferências e apontar para suas próprias demandas que tinham que ser levadas em conta era rara Desta forma podemos elaborar sobre a estrutura panóptica a estrutura onde os poucos veem e vivem em muitos na primeira fase Web 10 da Internet Para ter certeza o tempo todo tem existido uma cultura viva de debate e discussão na Internet Mas isso não tem sido tão visível conhecido e difundido quanto a atividade do Facebook do Twitter e do blog 604 COMUNICAÇÃO POLIÓPTICA A segunda fase teve um perfil de comunicação de váriasmuitas vias e chegou um pouco mais tarde sobrepondo a primeira fase Veio para o bem com as chamadas mídias sociais nos anos 2000 Facebook Twitter YouTube en tre outras Facebook subiu como um foguete atingindo centenas de milhões de usuários em todo o mundo Agora tem 900 milhões de usuários quase um sétimo da população mundial831 Talvez agora esteja recuando um pouco pelo menos na Noruega Mas muitas pessoas ainda estão com o Facebook e similares Através destes e de uma longa série de invenções relacionadas pessoas e grupos de pessoas entram no que você poderia à primeira vista chamar de interação verdadeira832 Esta é uma fase simbolizada pela Web 20 Podemos chamar isso de fase polióptica na Internet O Polyopticon é uma tecnologia de plataforma um dispositivo que oferece 360 graus por 360 graus que usa o posicionamento interno para permitir que os usuários orientem múltiplas janelas de informação no contexto 833 A parte poli do conceito é do grego e significa múltiplos muitos como em poligamia casado com muitos poliandria poliginia uma mulher casada com muitos homens um homem casado com muitas mulheres polyfon polifônico na música e assim por diante Em Polyopticon a parte óptica também tem a ver com o visual A ENTRADA DO FÓRUM FLASH BACK COMO UM EXEMPLO A palavra mais conhecida que simboliza a fase polióptica na Internet é talvez a palavra fórum do latim plural fora mas na linguagem da Internet o plural é fóruns Existe um número incontável de fóruns de discussão na Internet Encontramos o início em meados da década de 1990 quando eles es tavam menos desenvolvidos Eles subiram em grande número a partir de 2000 durante a fase web 20 no primeiro decênio dos anos 2000 Eles estão possivel mente recuando um pouco agora porque o Facebook assumiu muita discussão Algumas tentativas são feitas para criar compromissos via Facebook Um bom exemplo de fórum é o chamado Flash Back É um fórum mui to grande não tanto na Noruega mas muito quente na Suécia Foi criado em 2000 A partir de 2010 foi de propriedade da Flash Back International Inc que está registrada em Nova York Em 2 de setembro de 2012 o Flash Back tinha 831 httpwwwpcmagcomarticle202817240341000asp 832 As duas fases da Internet são descritas mais detalhadamente em Mathiesen 3ª edição 2002 833 O conceito é retirado de The PolyopticonThe First 4Dimensional Computing Device httpwwwpolyopti concom 605 682885 membros e aumentou para um total de cerca de 37 milhões de mensa gens e respostas834 O Flash Back tem de 15 a 20 categorias amplas de conteúdo Cada catego ria ampla é subdividida em várias subcategorias cada uma delas contendo uma multiplicidade de mensagens e respostas Por exemplo uma categoria ampla no Flash Back seria Política Uma das numerosas subcategorias seria Terrorismo Existem inúmeras mensagens e respostas nesta categoria Tudo pode ser discutido no Flash Back Existe uma grande variedade de conteúdo e apenas censura limitada Flash Back tem uma alta tolerância para uma ampla gama de declarações eles dizem que levam a liberdade de expressão a sério contanto que as declarações não contenham ameaças específicas de vio lência voltadas para indivíduos específicos Se tais declarações forem encontradas um moderador do fórum editará a declaração Às vezes as reclamações são en viadas pelos membros do fórum As reclamações são enviadas aos proprietários em Nova York que finalmente decidem se as declarações devem ser excluídas Mas novamente uma ampla variedade de declarações é totalmente permitida no Flash Back também o racismo é tolerado desde que não inclua ameaças dire tas a indivíduos específicos No entanto mensagens expressando ódio irracional contra raças e categorias de pessoas parecem ser geralmente aceitas Respostas a declarações e contradeclarações são obviamente recebidas Discussão para trás e para frente é o ponto principal de um fórum Fóruns dife rem em seu grau de rigor Fóruns menores geralmente nem têm moderadores os administradores cuidam de tudo geralmente um moderador cuida das deci sões cotidianas enquanto o administrador cuida das regras gerais da estrutura Os fóruns também diferem em termos de especificidade do conteúdo há um grande número de fóruns de arte fóruns de filmes fóruns de desenhos anima dos e o que você tem Existem várias regras que governam diferentes fóruns Arte desviante aceita arte que contém simpatias nazistas sem que o criador tenha que marcar os trabalhos como Conteúdo Maduro o que significa que há um limite de 18 anos de idade Por outro lado até mesmo o menor sinal de nudez deve ser marcado como Conteúdo Maduro Um fórum de arte pode aceitar nudez desde que um novo membro para participar tenha 18 anos de idade ou mais Mas o mesmo fórum de arte pode aceitar a arte que apoia obras inspiradas nazista A página de uma pessoa pode ser bloqueada se as regras fo rem violadas mas ele poderá mover a atividade para outro fórum com outras regras ou outras interpretações das regras A importância das interpretações de regras no crucial 834 httpwwwflashbackorg 606 Em ambas as fases da Internet mas em particular na fase Web 20 a ênfase foi colocada na capacidade da Internet de ser um método e um instrumento usa do pelos menos poderosos contra os poderosos Já tocamos nisso antes mas pre cisa ser reiterado Redes com críticas de aspectos da sociedade Sabau e Thomas 1997 Atchison 1997 na agenda grupos sem canais para influenciar burocracias políticas grupos estabelecidos no Facebook com milhares de pessoas apoiando causas dadas resistência em massa entre consumidores Andresen 1998 avalia ções alternativas Statewatch em numerosas análises e publicações notáveis e suas mensagens contínuas de informações importantes sobre vigilância e direitos dos cidadãos na UE e contrapotência internacional o movimento Falun Gong na China são exemplos Mas como indicado antes devemos também perceber que aqueles que estão no poder têm maneiras de desacelerar ou mesmo reduzir essas iniciativas o Falun Gong foi proibido na China em 1999 Quando o regime de Mubarak foi recebido por uma revolução no Egito em 2011 a queda do governo egípcio aboliu todo o acesso à Internet no país835 Além disso as autoridades podem uti lizar ativamente a Internet para seus próprios fins Em vários países adeptos da democracia e dos direitos humanos encontraram seus emails invadidos ou seus computadores infectados com equipamentos de espionagem que relatam os de senvolvimentos836 Muitos líderes blogueiros moderados tiveram que escapar do país por causa de ameaças pessoais na rede diz Robert Guerra líder do programa global de internet Freedom House837 Há uma guerra própria que ocorre no ciberespaço diz Wissam Tarif líder da organização de direitos humanos Insan no Oriente Médio838 Ao mesmo tempo e novamente ativistas da Internet longe das fronteiras do Egito Tunísia Líbia e Síria ajudaram ativistas da democracia nesses países a divulgar suas mensagens apesar do fato de que as redes desses países podem ter sido desativadas Através de telefones via satélite que foram contrabandeados através de ligações de rádio privadas que atravessam fronteiras e através de redes de telefonia celular que também atravessam fronteiras tal assistência foi dada A organização Telecomix839 é um exemplo de uma rede ativista que trabalha para contornar a censura na Internet Em resumo A Internet facilita a vigilância mas também pode dificultar a vigilância 835 Fonte Aftenposten 24 May 2011 836 Idem 837 Idem 838 Idem 839 httptelecomixorg Source Tomas Wennström 607 PANÓPTICO REIVINDICADO NO PRIMEIRO SENTIDO Então a estrutura unidirecional a forma panóptica saiu da Internet As chamadas mídias sociais se desenvolveram de forma tão rápida e envolvem tantas pessoas que tendemos a esquecer o perfil unidirecional Mas a forma pa nóptica não desapareceu O poder ainda está por aí O florescimento do perfil de váriasmuitas formas o perfil Polióptico não suplantou a fase unidirecional mas fundiuse com e você pode dizer que melhorou a fase unidirecional Um exemplo é da mais moderna das tecnologias que lhe dá um vislumbre do Panóp tico reivindicado no primeiro sentido A leitura de notícias sobre smartphones aumentou tremendamente na No ruega durante os últimos anos Seu uso para leitura de notícias foi por vários anos baixo apenas 35 dos usuários de dispositivos móveis os utilizavam dia riamente para esse fim No entanto nos últimos dois anos algo aconteceu o número de usuários diários na Noruega aumentou de 5 para 193840 A pre visão é que o aumento continue Tor Axel Ødegård da THS Gallup diz que os homens urbanos com uma renda sólida na faixa etária de 30 a 50 anos mostram o maior interesse Ele acha que o computador comum será mais orientado para o trabalho no futuro Um estudo adicional por Synnovate entre os líderes mostra que eles estão no topo quando se trata de ler jornais no celular Mais da metade dos 480 mil noruegueses classificados como líderes já investiram em smartpho nes Ter acesso a um smartphone é sem dúvida decisivo para quem lê jornais móveis Você pode usar o smartphone por exemplo quando você está esperando por algo Uma pontuação máxima é entre sete e oito e meia da manhã as pes soas leem notícias na cama antes de se levantarem O iPhone é uma plataforma líder841 Evidentemente a navegação móvel está aumentando porque os novos ce lulares são melhores para leitura na web Os telefones mais antigos são mais po bres para leitura na Web ou não têm capacidade para isso Os smartphones são algo que as novas gerações querem e compram Uma ampla variedade de smartphones é oferecida agora Um anúncio norueguês na rede da Nokia diz o seguinte Escolha seu smartphone a Nokia oferece uma longa linha de smartphones que atende às necessidades de todos aqui você pode escolher entre nossos melhores telefones Um anúncio britâ nico começa assim Teste de grupo qual é o melhor smartphone Os 5 princi 840 TNS Gallup Forbruker Media A fonte se encontra em Aftenposten 5 July 2011 841 Fonte Aftenposten 5 july 2011 608 pais smartphones revisados Em 12 de setembro de 2012 o Apple iPhone 5 foi lançado Uma venda de dez milhões foi prevista dentro de um mês A Apple pode vender dez milhões de telefones para iPhone apenas em setembro após o novo lançamento afirma o analista Gene Munster da Piper Jaffray Cos se gundo Blomberg Comparado com este Samsung usou 50 dias em vender dez milhões de seu carrochefe Galaxy S III842 Existe uma grande concorrência e marketing avançado O smartphone provavelmente se tornará nossa primeira escolha quando se trata de consumir tráfego na Internet independentemente do conteúdo O smartphone compete com as versões impressas dos jornais Depois de atingir um pico há alguns anos o número de jornais vendidos em papel caiu acentuadamente primeiro internacionalmente e depois nacionalmente Norue ga843 Mas as preocupações da mídia na Noruega também enviam notícias ele tronicamente e as plataformas estão mudando A previsão é de que o celular em breve se torne a plataforma mais importante Só por essa razão o perfil de consu mo de notícias analíticas talvez se torne talvez menos claro ou talvez obsoleto depois de algum tempo Sempre temos o celular no bolso e usamos pausas curtas para descobrir o que aconteceu com os amigos e o mundo Resumindo os relatórios da TNS Gallup para todo o ano de 2012 indicam que 37 da população norueguesa lê diariamente edições móveis de jornais em oposição a 3 em 2005 81 por cento leem jornais na rede em oposição a 2 por cento em 1995 e 61 por cento leem versões em papel em oposição a 95 por cento em 1995 A mudança é dramática844 Meu ponto aqui é que apesar da mudança a tendência entre os muitos de continuar lendo as notícias fabricadas e editadas por poucos continua viva De fato muitas pessoas mais leem notícias fabricadas por poucos do que anteriormente O que não se tornará obsoleto embora possivelmente subjugado pelo Fa cebook e afins é o fato de que as notícias em um sentido geral serão cobertas por relativamente poucos e serão comunicadas a muitos se a notícia é notícia mundial de países distantes ou de perto de casa Apenas muito poucas de nós pessoas comuns temos a energia e acima de tudo o conhecimento tecnológi co para empregar os canais que são necessários e para comprimir as notícias de uma forma gerenciável e compreensível e para comunicar as notícias aos muitos Somos consumidores de notícias fabricadas por outros Uma exceção pode ser notícias individuais de amigos e assim por diante no Facebook e no Twitter Isso 842 Fonte Aftenposten 12 September 2012 843 Fonte Mediebedriftenes Landsforbund The National Association of Media Concerns having 324 members of which 181 are newspaper concerns em Aftenposten 20 September 2012 844 Fonte Aftenposten 20 February 2013 609 acontecerá se as pessoas compartilharem suas experiências com amigos direta mente por exemplo através do Twitter É interessante que não apenas a existência mas também o poder de estru turas panópticas unidirecionais na Internet seja admitido e visto como preocu pante pelas gerações jovens de entusiastas da Internet que acompanham de perto os desenvolvimentos Rasmus Fleischer é um jovem historiador e comentarista público sueco conhecido principalmente por ser um portavoz da organização sueca Piratbyrån Pirate Office que é um dos atores por trás do controverso e ilegal site de compartilhamento de arquivos Pirate Bay Sob a manchete Ras mus on the cyberbum o jornal universitário norueguês Universitas845 diz que Rasmus acha que o Pirate Bay pertence ao Novo Milênio e que estamos em um momento em que os grandes atores obtêm continuamente mais controle sobre a Internet Ele continua dizendo A tendência é na direção do Google Spotify Facebook e Apple Muito poder está concentrado em suas mãos e isso tem pesadas consequências políticas O Estado que controla esses agentes tem muito poder sobre o mundo Ele acha que o Pirate Bay pertence ao passado e que agora estamos em um novo período na rede De acordo com ele agora voltamos a um tipo de consu mo cultural que é governado por um pequeno número de grandes atores que governam quais botões nós como usuários devemos pressionar O YouTube é tão fácil de usar que é muito fácil distribuir informações Mas você também perde o controle sobre o que você disponibiliza O ponto principal aqui é o seguinte mesmo com as tecnologias mais mo dernas o perfil unidirecional ainda está de pé não apenas mas pelo menos tão importante O desenvolvimento ainda é pelo menos parcialmente panóptico o que significa que relativamente poucos jornalistas agências sites e outras pessoas enviam mensagens embora em novas plataformas para muitas pessoas ou grandes massas de pessoas que não são convidadas como iguais para responder ou não responder Há um desnível distinto no poder PANÓPTICO REIVINDICADO NO SEGUNDO SENTIDO A descrição acima é o primeiro sentido em que a comunicação ainda é em parte panóptico de poucos para muitos Mas há também um segundo sentido em que a comunicação é panóptica Tendemos a esquecer que as mídias sociais não são tão sociais mas sujeitas a condições que também tornam as pessoas que participam de vítimas relativas do poder dos outros Em mais detalhes O perfil de váriasmuitas formas o perfil polióptico também é por si só investido do poder de relativamente poucos sobre muitos embora de uma ma neira menos clara Christian Fuchs atualmente professor de estudos de mídia e 845 Idem 19 September 2012 p 16 610 comunicação em Uppsala Suécia é alguém que trouxe ao nosso conhecimento um importante passo em frente em relação a isso Em um artigo Fuchs 2012 ele nos diz primeiro a título de introdução pp 31 que Facebook YouTube MySpace BlogspotBlogger Wordpress Twitter Flickr estas são apenas algumas das plataformas da World Wide Web que se tornaram populares nos últimos anos Acadêmicos a mídia e partes do público afirmam que a Internet se tornou mais social mais participativa e mais democrática Mas Fuchs é ligeiramente crítico da visão de que a Internet apenas se tornou mais social mais participativa e mais democrática Ele segue assim pp 3132 Os sites de redes sociais comerciais estão interessados em armazenar analisar e vender dados individuais e agregados sobre as preferências do usuário e o comportamento do usuário para anunciar clientes para acumular capital Google é em si um dos principais intervenientes no negócio de publicidade online O que pensamos ser apenas diversão inofensiva imagens e preferências que nos comunicamos uns com os outros digamos no Facebook no Twitter ou em outro lugar são transformados em negócios pesados Existe uma diferença entre Web 10 e 20 em primeiro lugar em que Web 20 efetivamente esconde o Web 10 comercial que certamente ainda existe e em segundo lugar que Web 20 coleta grandes quantidades de dados pessoais para funcionar Facebook e afins com centenas de milhões de usuários contêm enormes quantidades de dados pessoais interesses pessoais alternativas caprichos modismos e fraquezas no caso do Facebook de gostos e desgostos nos alimentos à política Christian Fuchs amplia o quadro com o Google como exemplo p 33 A estratégia econômica do Google é coletar dados sobre usuários que utilizam diferentes apli cativos do Google em diferentes situações cotidianas Quanto mais as situações cotidianas pu derem ser suportadas pelos aplicativos do Google mais tempo os usuários gastarão online com o Google para que mais dados do usuário fiquem disponíveis para o Google o que permite à empresa analisar melhor o uso e o comportamento do consumidor Como resultado dados de usuário cada vez mais precisos e dados agregados podem ser vendidos para clientes de publicidade que em seguida segmentam usuários com publicidade personalizada em todas essas situações do dia a dia Ênfase do autor Aqui está o poder do Google Facebook e muitos mais Com base nas enor mes quantidades de dados de diferentes situações cotidianas propagandas são analisadas e apresentadas individualmente para grupos de usuários e vendidas àqueles que podem pagar Um forte incentivo econômico segue para a análise dos dados pessoais coletados pelo Google e por outras empresas De certa forma eles reduzem os dados pessoais a pequenos pedaços reorganizamnos como segmen tados individualmente e os vendem por um preço àqueles que podem pagar por eles Diante desses resultados empíricos Fuchs diz que p 53 parece factível teorizar a Web 20 contemporânea não como um sistema participativo mas empregando termos mais negativos e críticos como classe exploração e maisvalia Tal teoria 611 alternativa da Web 20 pode aqui ser apenas sugerida em breve É baseada na abordagem da crítica da economia política da mídia e da informação Citando Felicity Brown Brown 2006846 Brown e Fuchs pedem uma combinação de economia política crítica de comunicação e estudos de vigilância Brown sustenta que em 0particular o intenso monitoramento do ciberespaço por corporações privadas que buscam informações sobre o comportamento do consumidor é digno de crítica p 54 Resumindo tanto na Web 10 quanto na Web 20 existem importantes possibilidades para uma crítica política Na Web 10 uma crítica de seu poder está próxima uma vez que é realizada pelos numerosos centros burocráticos estatais e vida empresarial anunciando tudo e qualquer coisa desde possibili dades educacionais nas burocracias estatais até automóveis e pornografia na vida empresarial exigindo respostas a alternativas altamente estruturadas Na Web 20 há uma crítica ao poder à medida que o poder se desenvolve de forma mais oculta através de inúmeras plataformas como Facebook Twitter e Goo gle que na realidade são menos sociais e certamente menos democráticas do que muitas pessoas gostam de pensar As plataformas são menos sociais e menos democráticas na medida em que somos levados a pensar e até a sentir que estamos engajados na socialização e na democratização enquanto nós sem estarmos cientes disso somos usados de forma agregada para análise e reorga nização e vendidos como categorias para o maior lance Escondendo conheci mento e mantendo em segredo como você é abusado por outros contadores de um valor básico em uma sociedade livre Pode ser útil finalmente voltar mais uma vez para a forma como esse importante fato é escondido e mantido em segredo Em um importante artigo publicado em 18 de fevereiro de 2012 o jornal norueguês Aftenposten começou com as seguintes palavras que Fuchs poderia ter aplaudido Nós o levamos para jantares reuniões na cama e no teatro Mas o smartphone nos deixa mais ausentes do que acessíveis É uma parte nova e infinitamente útil do corpo Nós nos importa mos com isso como se fosse um bebê Com o smartphone estamos sempre acessíveis sempre na rede Sem isso nós somos nada 57 por cento dos noruegueses mais de dois anos têm um smar tphone 93 por cento da população tem acesso à Internet Quase três milhões de noruegueses estão no Facebook de acordo com a TNS Gallup Como um estudante me disse uma vez Se o que você está fazendo não está documentado nas mídias sociais isso não aconteceu De fato só os poucos veem pesquisam reorganizam e cortam em pedaços os muitos com o objetivo de anunciar e vender mercadorias para muitos Mais uma vez Foucault é reivindicado embora de maneira diferente e inesperada do que antes 846 httpwwwiamcrorgcomponentoptioncomdocmantaskdocdownloadgid31 accessed by Fuchs 28 Au gust 2009 mais tarde pode ser encontrado também em Fuchs op cit 2012 pp 5354 612 Esta é uma análise pessimista assim como a análise da vigilância que se segue INSTITUIÇÕES AGRUPADAS EM TORNO DE FUNÇÕES Um ponto principal e conclusão geral é que a transição da sociedade indus trial para a sociedade da informação varia em grau entre as instituições Alguns são em certo sentido arcaicos e distantes da sociedade da informação enquanto outros estão mais próximos de modo que nossa sociedade a esse respeito é mul tifacetada Isso fornece um contexto para a compreensão dos sistemas de infor mação e vigilância de hoje Não temos dados concretos com os quais apoiar esta conclusão geral essa é uma área de especulação sociológica ilustrada por exemplos que dão origem a pesquisas futuras VÁRIAS INSTITUIÇÕES Nós nos concentramos em instituições Por instituição entendese orga nizações e normas agrupadas em torno de uma função específica ou importante ou um conjunto de funções na sociedade O conceito de função é aqui usado como sinônimo de tarefa ou cluster de tarefas A família é uma instituição as sim como religião educação cultura esportes os vários ramos da administração pública justiça criminal e outros sistemas legais sistemas de vigilância e assim por diante Todos eles têm organizações agrupadas em torno deles Por exemplo a família tem organizações como organizações de assistência social conselhos de bemestar infantil creches e o que você tem para a família A religião tem conosco a Igreja como uma organizaçãochave mas também outras organiza ções por exemplo movimentos de baixa igreja Os sistemas de vigilância têm um número de grupos de trabalho oficiais e não oficiais na Europa e em outras partes do mundo que trabalham continuamente para o desenvolvimento desses sistemas As instituições também possuem normas agrupadas em torno delas As normas se agrupam em torno das funções específicas e importantes em questão e podem ser normas diretivas isto é dar instruções sobre o que é proibido e o que é permitido ou graus disso Mas as normas também podem ser normas de qualificação elas podem nos dizer por exemplo o que conta como um escan teio ou fora no futebol ou o que conta como status é educação renda ou carros glamourosos ou talvez uma combinação destes na família847 Várias ins tituições podem se sobrepor no sentido de que organizações e normas podem ser importantes e relevantes para várias delas e tipos de normas normas diretivas 847 Essa distinção entre esses dois tipos de normas é tirada de Sundby 1974 613 ou normas de qualificação ou outros tipos de normas podem existir em paralelo ou se fundirem O conceito de instituição definido mais ou menos dessa maneira per meia toda a história moderna da sociologia e portanto não disse nada de novo aqui O que talvez seja um pouco novo é o seguinte Instituições nas nossas sociedades ocidentais hoje são em vários graus ab sorvidas e realizadas através da tecnologia da Internet Eu disse anteriormente que a Internet e as tecnologias de comunicação modernas relacionadas promo vem a indústria e não apenas a indústria Aqui estou refinando essa noção ainda mais Algumas instituições como a religião e a igreja são meu palpite é ape nas moderada ou moderadamente absorvida são apenas levemente promovidas pela Internet A instituição educacional nossas numerosas escolas primárias colégios faculdades e universidades é mais do que moderadamente absorvida mais do que moderadamente promovida pelas soluções líquidas e relacionadas à rede Um exemplo Os professores confiam no Powerpoint Não é um dispositivo vinculado à Internet Como tecnologia é independente da Internet Ainda assim está rela cionado à Internet na medida em que foi inventada e desenvolvida pelas mesmas pessoas ou por pessoas semelhantes mais ou menos na mesma época ou um pou co depois e como tal fazia parte do mesmo movimento tecnológico Também é promovido pela Internet as apresentações em PowerPoint são colocadas na rede para os alunos depois da aula ou para os alunos que não estavam na aula da últi ma vez Se você não souber usar o Powerpoint estará impedido de participar de muitas atividades como professor Outro exemplo Alguns alunos usam laptops para fazer anotações durante a aula Usar um laptop dessa maneira é apenas usálo como uma máquina de escrever muito avan çada Mas ao mesmo tempo eles enchem seus laptops com todo tipo de infor mação na rede Eles salvam suas notas em parte ou totalmente informadas da Internet e usam a rede para descobrir cursos e toda uma série de outros eventos A administração usa a Internet para enviar mensagens emails novas listas de leitura notícias para a equipe sobre os acontecimentos da semana anterior ou posterior conscientizar indivíduos ou grupos sobre datas horários e compromis sos para palestras e uma série de outros assuntos NOVA GESTÃO PÚBLICA Claro que ainda conversamos e escrevemos nas universidades Mas a escrita mudou muito no sentido da eficiência orientada para objetivos quatro anos levam 614 você a um curso de graduação Mais dois anos levam a um mestrado se você tiver pontos de exame suficientes para entrar na linha de estudo Mais quatro anos podem levar você a um doutorado Seu departamento recebe algum dinheiro para um bacharel um pouco mais para um mestrado e um pouco para um doutorado Como membro da equipe você tem que relatar seus escritos um livro dá um pou co de dinheiro para o seu departamento um artigo em um periódico de referência dá ao seu departamento algum dinheiro um artigo fora do sistema de arbitragem não dá nada ao seu departamento Este é um sistema que favorece muito os pontos de vista do meio da estrada uma visão desviante que pertença à fora do siste ma de arbitragem não é reconhecido como pertencente Também pode haver uma gradação de dinheiro para o escritor Na Noruega os periódicos acadêmicos são divididos em duas seções Nível 1 e Nível 2 O Nível 2 é o nível mais alto e dá ao pesquisador três vezes mais pontos de publicação que o Nível 1 O Nível 1 fornece apenas um ponto de publicação por artigo Nível 2 pode de acordo com as regras não constituem mais de 20 por cento das publicações em uma área Um pesquisa dor que publica seu artigo em uma revista de nível 2 é sortudo Isso dá à sua ins tituição mais prestígio e mais dinheiro do que um artigo em uma revista de Nível 1 teria dado Várias instituições introduziram salários pessoais com base no fato de os pesquisadores terem alcançado a publicação no Nível 2 ou 1 com prêmios para aqueles que recebem o maior número de pontos de publicação848 Lembrese muito ou a maior parte disso é novamente não relacionado especificamente à Internet Mas novamente pertence ao novo movimento tec nológico moderno dos tempos É inspirado e talvez também inspira o desen volvimento da Internet A palavrachave para cobrir esses e outros objetivos de eficiência é o New Public Management NPM Os incentivos mudaram basicamente para a men suração em termos de dinheiro ganhos em produção e tempo os estudantes têm que seguir o plano mestre cronometrado ou então A grande questão é se isso é essencialmente baseado no suporte da Internet de qualquer forma sem a Internet não poderia ter sido realizada ajuda a aprendizagem intelectual e pro dução Eu acho que não Favorece não originalidade mas mediocridade o meio da estrada A noção de que a Internet e as tecnologias relacionadas promovem não apenas a indústria mas também as atividades e organizações educacionais é portanto de dois gumes tem seu lado positivo mas definitivamente também seu lado negativo Há um desenvolvimento similar nos vários ramos da administração públi ca em geral A partir de 1980 a ideia da Nova Gestão Pública invadiu a admi 848 Fontes experiência própria e Aftenposten 24 September 2011 615 nistração pública É em geral um conceito usado para cobrir toda uma série de reformas administrativas na administração pública Eles são todos voltados para aumentar a eficiência do objetivo É por isso que eu trago isso para um livro sobre sistemas de vigilância Embora não diretamente relacionado à vigilância moder na representa um dos traços culturais mais centrais da administração atual que em princípio adere e apoia fortemente a eficiência mas produz mediocridade Também sustenta e apoia a vigilância Juntos eles são parte de um amplo fluxo cultural ou entendimento coletivo favorecendo ou dizendo sim para o desen volvimento em vez de questionálo Acreditase que uma medida maior do pensamento de mercado seja ins trumental para criar mais eficiência de custo na oferta de bens públicos no setor público Uma forte crítica no entanto conheceu a nova administração pública na administração tanto profissional quanto ideologicamente Há também críti cas sobre nossas universidades Ao contrário do setor privado os objetivos não são claros e contáveis como você mede criar aprendizado ou cuidar De fato sustentase que no setor público a eficiência não deve necessariamente ser um objetivo geral e superior Não se encaixa bem Os advogados por exemplo sustentam que a lucratividade do negócio não pode ser usada como um critério quando o tratamento ou procedimento é voltado para a criação de segurança legal ou igualdade Nas universidades e em outros lugares ainda não alcançamos a instanta neidade de Davidow e Malone e esperamos que nunca cheguemos na íntegra ou em uma escala completa mas as instituições alcançaram em graus variados a sociedade da informação Alguns estão longe disso outros foram muito além Em geral a administração pública está se desenvolvendo em direção a uma efici ência orientada para objetivos semelhante ao setor privado mas atinge a medio cridade Esse é o conteúdo principal no que diz respeito à administração pública da sociedade da informação Vejo o contraargumento não poderia o impulso para a Nova Gestão Pública e a eficiência terem ocorrido por outras razões sem a Internet e sem tecnologias de comunicação especificamente não relacionadas à Internet Talvez pudesse e outras características como uma mudança independente na cultura das instituições provavelmente foram importantes Mas dois pontos tornam pro vável que a Internet e as tecnologias relacionadas à Internet sejam importantes Em primeiro lugar a nova tecnologia por um lado e o novo impulso para a efici ência por outro ocorreram mais ou menos ao mesmo tempo Em segundo lugar a tecnologia abre novos caminhos para a eficiência em um novo sentido acima de tudo no sentido de velocidade e precisão presumida As decisões tomadas são 616 comunicadas pela rede que circula pelo globo em segundos Anteriormente le vava dias ou semanas O tipo ideal burocrático do tipo Max Weber era certamente voltado para a eficiência pelo menos na mente de Weber849 e aspectos dele permanecem na prática atual hoje mas a burocracia clássica é algo que agora acreditamos ser lento e cheio de regras níveis hierárquicos e outros sinais de parada tornam a eficiência problemática Se as decisões hoje tão facilmente difundidas com a velocidade da luz também eliminam a reflexão acadêmica o amadurecimento e a maturidade é outra questão Reitero que acho que o último acontece com frequ ência e a Nova Administração Pública coloca em risco a reflexão e a maturidade além de a vida organizacional ser cortada em pedaços em vez de permanecer inteira CONCLUSÃO PRINCIPAL VARIADOS GRAUS DE SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Considero o exposto acima as variações entre instituições uma declaração com nuances sobre nossa sociedade É uma conclusão importante sobre a nossa sociedade e a transição da industrial para a sociedade da informação Algumas instituições estão muito longe disso outras estão mais próximas Da mesma for ma rejeito as muitas generalizações fáceis sobre a sociedade da informação que estão tão na moda na sociologia moderna Um panorama completo de projetos de pesquisa hipóteses e áreas proble máticas seguem na sequência desta conclusão Mas e a nossa principal preocupação no que se segue a instituição de sis temas de vigilância Eu arrisco uma segunda conclusão Em contraste com muitas outras instituições da sociedade que em vários graus atingiram o nível de uma sociedade da informação nossos sistemas de vigilância entraram completamente no estágio da informação e estão se moven do rapidamente para novos refinamentos da mesma Outros sistemas como a ciênciaas ciências naturais também estão longe na direção de uma sociedade da informação mas na vigilância quase tudo é agora baseado na rede As descober tas podem ser usadas de diferentes maneiras por pessoas de carne e osso mas as descobertas no que diz respeito aos sistemas de vigilância existem total ou quase totalmente em formato digital 849 Gerth Hans H and C Wright Mills primeira publicação em 1948 From Max Weber Essays in Sociology Oxford University Press Chapter VII 617 Eles não voltaram digamos nas décadas de 1940 ou 1950 Naquela época e até a década de 1970 as descobertas existiam em arquivos relatórios e anota ções Um exemplo Na Noruega um importante relatório de uma comissão designada pelo Par lamento sobre métodos de vigilância ilegal o chamado Relatório Lund chefiado pelo então juiz do Supremo Tribunal Ketil Lund foi tornado público em 1995 96850 Aqueles que haviam sido objetos de vigilância ilegal durante a Guerra Fria poderiam exigir ver o que estava em seus arquivos O Estado foi obrigado a pa gar indenização por ilegalidade se exigido Eu não recebi indenização e não exigi nenhuma mas meu próprio arquivo continha uma série de recortes de artigos de jornais que eu havia escrito e vários memorandos breves escritos por pessoas que me seguiram sem meu conhecimento sobre meu contato com prisioneiros na Associação Norueguesa de Reforma Penal KROM e minha comunicação com pesquisadores poloneses em ciências sociais por trás da Cortina de Ferro Hoje meu arquivo conteria em grande parte sinais eletromagnéticos QUADRO DE INTERPRETAÇÃO A TECNOLOGIA DO CONTROLE POLÍTICO A questão dos sistemas de informação e vigilância pode ser discutida mais concretamente dentro de vários quadros de interpretação Um quadro é o de senvolvimento da União Europeia como Estado O slogan aqui é Policing the New EuropePoliciamento da Nova Europa Quando as actividades policiais e a polícia transgridem as fronteiras nacionais dentro da UE é pelo menos para um norueguês um sinal do início de uma formação estatal da UE Outra estrutura é o desenvolvimento do mercado interno baseado nos prin cípios da livre circulação de pessoas bens serviços e capital Estes princípios impli cam que o trabalho pode atravessar as fronteiras nacionais e que os bens e serviços podem ser vendidos em todos os EstadosMembros Isso por sua vez pressupõe que os controles comuns de fronteira entre os países são abolidos enquanto um controle de fronteira comum é erguido ao longo da fronteira com países terceiros externos A cooperação Schengen em particular mas também outras partes da coo peração policial tem a abolição das fronteiras internas ao lado do desenvolvimento do controle das fronteiras externas como uma dimensão importante 850 Documento No 15 199596 com o longo título Rapport til Stortinget fra kommisjonen som ble nedsatt av Stor tinget for å granske påstander om ulovlig overvåking av norsk borgere Lundrapporten avgitt til Stortingets prresidentskap 28 mars 1996 Relatório ao Parlamento da Comissão Nomeado pelo Parlamento para Investigar a Alegada Vigilância Ilegal de Cidadãos Noruegueses o Relatório Lund apresentado à Presidência do Parlamen to 28 Março 1996 618 A abolição das fronteiras internas juntamente com a construção da fron teira externa comum pode ser vista como mais um sinal de construção do Es tado Nos capítulos seguintes vou tocar direta ou indiretamente em ambas as formas de interpretar o que se passa em termos de informação e vigilância Existe no entanto um terceiro quadro que é de importância primordial na Europa e talvez além Isso gira em torno do conflito na Irlanda do Norte no final da década de 1970 Este conflito foi fundamental para impulsionar a Internet e outras in venções muito modernas para fins de vigilância Outros conflitos por exemplo a Guerra do Vietnã nos anos 1970 foram importantes para o desenvolvimento europeu e certamente para o desenvolvimento em outras partes do mundo no tadamente nos EUA Aqui nos concentramos no conflito na Irlanda do Norte importante como era para a Europa Há quase 40 anos a Sociedade Britânica para a Responsabilidade Social na Ciência BSSRS alertou contra uma tecnologia que estava sendo desenvolvi da no conflito na Irlanda do Norte Em 1977 membros da BSSRS publicaram um livro sobre o desenvolvimento intitulado A Tecnologia do Controle Político Ackroyd et al 1977 O papel e as funções da tecnologia como resultado da pesquisa e desenvolvimento durante o conflito na Irlanda do Norte a última guerra colonial da GrãBretanha foram analisados Críticos de organizações não governamentais nos EUA ao mesmo tempo apontaram como essa tecnologia foi desenvolvida ainda mais dentro do complexo industrial militar nos EUA certamente durante a Guerra do Vietnã A BSSRS foi o primeiro grupo de cientistas e pessoal tecnologicamente orientado na Europa que de uma forma franca disse que estávamos aqui con frontados com um tipo de tecnologia que tinha como principal alvo o controle social e político Em Ackroyd et al a expressão a tecnologia do controle político foi lançada significando um novo tipo de armamento É o produto da aplica ção da ciência e da tecnologia ao problema de neutralizar os inimigos internos do Estado É dirigido principalmente às populações civis e não é pretendido matar e somente raramente É destinado tanto aos corações e mentes como aos cor pos p 11 Os autores continuaram dizendo Esse novo armamento vai desde formas de monitorar a dissensão interna até dispositivos para controlar as demonstrações de novas técnicas de interrogatório a métodos de controle de pri sioneiros Os efeitos pretendidos e reais dessas novas ajudas tecnológicas são mais amplos e complexos que os armamentos mais letais que eles complementam Com o passar do tempo o que Ackroyd et al e outros anteciparam e previ ram durante a década de 1970 se tornou realidade Um relatório 20 anos depois de janeiro de 1998 de Steve Wright da Omega Foundation em Manchester disse o seguinte sobre Developments in Surveillance TechnologyDesenvolvi mentos em Tecnologia de Vigilância um dos muitos novos tipos de armamento 619 Wright 1998 p 2 relatório referido como documento de trabalho ao Parla mento Europeu Esta seção aborda a proliferação rápida e praticamente não controlada de dispositivos de vigi lância entre os setores público e privado Ele discute inovações recentes que permitem escuta monitoramento por telefone vigilância visual durante a noite ou o dia em grandes distâncias e o surgimento de novas formas de redes de interceptação de comunicações locais nacionais e internacionais e a criação de dispositivos de reconhecimento e rastreamento humanos Recomendase que a UE sujeite todas as tecnologias operações e práticas de vigilância a i procedimentos que assegurem a responsabilidade democrática ii códigos de boas práticas consistentes com a legislação de proteção de dados para evitar práticas abusivas ou abusivas iii critérios acordados sobre o que constituem alvos legítimos de vigilância e o que não é e como esses dados de vigilância são armazenados processados e compartilhados Esses controles devem ser direcionados de forma mais eficaz às práticas ilícitas ou violações ilegais por empresas privadas e a regulamentação deve ser reforçada para incluir salvaguardas adi cionais contra abusos além de um endereço financeiro apropriado O relatório discute uma enorme rede de interceptação de telecomunicações que opera na Europa e tem como alvo as mensagens telefônicas de fax e de email de cidadãos políticos sindicalistas e empresas Este mecanismo de vigilância global que é parcialmente controlado por agências de inteligência estrangeiras de fora da Europa nunca foi sujeito a uma discussão parlamentar adequada sobre o seu papel e função ou a necessidade de colocar limites ao âmbito e à extensão das suas atividades Ainda mais recentemente cerca de 12 anos após a Wright Statewatch que monitora o Estado e as liberdades civis na Europa e que há 20 anos publicou e chamou a atenção de um grande público da Internet dados maciços sobre as atividades de vigilância na Europa e em outros lugares851 comentou por exem plo sobre o banco de dados nacional de DNA do Reino Unido nas seguintes palavras Statewatch Bulletin 2010 p 1 O banco de dados nacional de DNA do Reino Unido é o maior do mundo contendo as amos tras biométricas de aproximadamente 51 milhões de pessoas Ele deve seu tamanho recorde ao fato de que desde abril de 2004 qualquer pessoa com dez anos ou mais que tenha sido presa na Inglaterra e no País de Gales por um delito gravável que inclui ofensas domésticas como mendigar e ficar bêbado em um espaço público automaticamente tem uma amostra de DNA tirada geralmente por um cotonete que é então usado para criar um perfil uma sequência de números baseada em partes da sequência genética do indivíduo para ser inserido no banco de dados Ambos são retidos indefinidamente independentemente da idade de uma pessoa da gravidade da ofensa pela qual foram presos e de serem ou não eventualmente acusados e conde nados por um crime Nenhum direito legal a ser removido existe atualmente Esta foi a situação a partir de 2010 O exemplo vai para o coração dos sistemas e atividades de vigilância na Europa Prevemos uma sequência acelerada de eventos de Ackroyd et al nos anos 1970 passando por Wright no final dos anos 90 até a Statewatch em nossos dias Com isso como pano de fundo poderíamos agora começar a investigar o grande número de sistemas de informação e vigilância que estão se desenvol 851 Statewatch comemorou seu 20º aniversário em 2011 620 vendo no continente europeu Mas devemos primeiro dizer algo sobre terror e terrorismo e perigos relacionados que os sistemas de vigilância devem parar REFERÊNCIAS Ackroyd Carol et al 1977 The technology of political control Harmondsworth New York Penguin 1977 Andresen Trond 1998 Forbrukermakt via Internett Consumers Power via the Internet Dagbladet Norwegian daily 4 October 1998 Atchinson Chris 1997 Critical Criminological Applications of Computer Technology Critical Crimi nology Bell Daniel 19731976 The Coming of PostIndustrial Society A Venture in Social Forecasting Basic Books 1973 2 edn with a new preface 1976 Bill No 56 199899 Norway Borch Anita 1998 Reklame rettet mot barn på internett en forstudie Advertising oriented to Children on the Internet A Preliminary Study Statens institutt for forbruksforskning arbeidsrapport nr 2 Brown Felicity 2006 Rethinking the Role of Surveillance Studies in the Critical Political Economy of Communication IAMCR Prize in Memory of Dallas W Smythe Document No 15 from Parliament 199596 The LundReport Foucault Michel Eng edn 1979 Discipline and Punish The Birth of the Prison New York Vintage Fuchs Christian 2012 Critique of the Political Economy of Web 20 Surveillance in Christian Fuchs et al eds Internet and Surveillance The Challenges of Web 20 and Social Media Routledge pp 3170 Gerth Hans H and C Wright Mills first published in English in1948 From Max Weber Essays in Sociology Oxford University Press Gjerding Sebastian 2012 Nye industrirevolusjon A New Industrial Revolution Klassekampen 13 November Hydén Håkan 1997 Hva är rättsociologi Om rättssociologins forskningsuppgifter nu och i fremtiden What is Sociology of Law On the Tasks of Research in Sociology of Law now and in the future In Håkan Hydén ed Rättssociologi då och nu Sociology Then and Now Lund Studies in Sociology of Law Mathiesen Thomas 1999a Industrisamfunn eller informasjonssamfunn Innspill til belysning av den høy moderne tid Industrial Society or Information Society Ideas to the Illumination of Late Modernity Osl0 Pax Publishers Mathiesen Thomas 3rd edn 2002 5th edn 2010 Makt og medier En innføring i mediesosiologi Power and the Media An Introduction to Media Sociology Oslo Pax Publishers Price Simon and Peter Thonemann 2011 The Birth of Classical Europe A History from Troy to Augus tine Penguin first published by Allen Lane 2010 Rapport til Stortinget fra kommisjonen som ble nedsatt av Stortinget for å granske påstander om ulovlig overvåking av norske borgere Lundrapporten avgitt til Stortingets presidentskap 28 mars 1996 Rela tório ao Parlamento da Comissão Nomeado pelo Parlamento para Investigar a Alegada Vigilância Ilegal de Cidadãos Noruegueses o Relatório Lund apresentado à Presidência do Parlamento 28 March 1996 Sabau Isabelle and Jim Thomas 1997 Theory and Praxis on the Internet A Critical Exploration of the Electronic Frontier Critical Criminology 2010 Statewatch Bulletin Vol 19 No 4 2011 Statewatch Bulletin Vol 21 No 3 Sundby Nils Kristian 1974 Om normer On Norms Oslo Norwegian Universities Press Touraine Alain 1969 La Société postindustrielle Paris Denoel Villasenor John 14 December 2011 Recording Everything Digital Storage as an Enabler of Authoritarian Governments httpwwwbrookingseduresearchpapers20111214digitalstoragevillasenor William Davidow e Michael Malone 1992 The Virtual Corporation New York HarperBusiness Wright Steve 1998 An Appraisal of Technologies of Political Control Luxemburg European Parliament Directorate General for Research PE 166499 621 BIOPOLÍTICA DA CONDIÇÃO URBANA FORMA DE VIDA E GOVERNO SOCIAL NO TARDO NEOLIBERALISMO Ugo Rossi852 INTRODUÇÃO O conceito de biopolítica segundo o qual o poder político se exercita por meio de uma intervenção direta do direito por parte do Estado e de outras enti dades de governo na vida das pessoas853 passou a fazer parte de modo permanente e se tornou parte do léxico da Geografia crítica contemporânea e outras ciências sociais e humanas Crampton e Elden 2007 Por outro lado antecipando suces sivos desenvolvimentos posteriores nos estudos de língua inglesa já nas décadas de 1970 e 1980 geógrafos críticos de língua italiana e francesa consideraram a teoria de Foucault do poder e do conhecimento em relação ao espaço geográfico Dematteis 1980 Raffestin 1981 acolhendo as sugestões que o próprio Fou cault mesmo tinha fornecido em uma famosa entrevista lançada pela redação da revista geográfica então de orientação marxista Hérodote traduzida para o italiano no volume Microfísica do poder Foucault 1977854 Nos últimos anos graças ao impulso fornecido pela chamada Italian The ory Minca 2016 e especialmente o trabalho de Giorgio Agamben Michael Hardt Antonio Negri Maurizio Lazzarato e Paolo Virno embora nos estudos urbanos começaram dando início à análise em uma chave de leitura biopolítica dos mecanismos de acumulação no contexto do governo e subjetivação capita lista na agora consolidada vasta literatura sobre o neoliberalismo urbano Essas análises são principalmente polarizadas em torno a duas posições uma é aquela 852 Ugo Rossi é Professor Associado de Geografia Econômica e Política da Universidade de Turim Itália Seu último livro Cities in Global CapitalismCidades no capitalismo global foi publicado em 2017 De um modo geral o trabalho de Ugo está preocupado com uma crítica da economia política em sua forma urbanaEm sua pesquisa ele analisa tanto a economia quanto a política do urbanismo Ele também é editor da Dialogues in Human Geografia e membro da Euronomade um coletivo de pesquisadores e ativistas envolvidos em campanhas antiracistas feministas e de justiça social 853 Foucault elaborou o conceito de biopolítica na fase conclusiva do próprio percurso intelectual Sua primeira abordagem sobre a biopolítica se concentrou sobre aspectos biológicos e médicos do governo das populações na época da consolidação do Estado moderno Foucault 1985 1998 Sucessivamente no âmbito da reflexão sobre governamentalidade ele analisou a biopolítica como modalidade de regulação da condição de cidadania na sociedade do liberalismo avançado Foucault 2005 854 NT FOUCAULT Michel Microfísica do poder Organização e revisão de Roberto Machado Rio de Janeiro Paz e Terra 2017 622 daqueles que colocam em evidência as formas que podemos chamar negativa de controle e assujeitamento social decorrentes dos processos de endividamento e privação de direitos inerentes à dinâmica do neoliberalismo contemporâneo e de sua crise Agamben 2013 Lazzarato 2013 Tal perspectiva tem recebido aplicação direta em estudos urbanos influenciados pela critical political economy economia política crítica que têm investigado a condição de endividamento no setor habitacional Di Feliciantonio 2016 GarcíaLamarca e Kaika 2016 Rossi 2013 encontrando também eco na tese neolefebvriana de urbaniza ção planetária inspirada na Revolução urbana de Henri Lefebvre que subli nha a extensão das formas predatórias de urbanização capitalista à escala global Brenner 2014 Merrifield 2013 Uma segunda posição é aquela daqueles que colocam em destaque propostas afirmativas geradoras de novas subjetividades capitalismo pósfordista decorrentes da subsunção das afeições línguas e do cha mado trabalho biopolítico que é produzido nas metrópoles globais Hardt e Negri 2010 Essa segunda perspectiva encontra suas primeiras comprovações nos estudos urbanos sobre os processos de empreendedorismo empresarial da sociedade e de si que investiram nas metrópoles do Norte como o sul do plane ta num contexto de capitalismo cognitivo cultural e comunicativo Rossi e Di Bella 2017 Scott 2014 A leitura biopolítica do capitalismo contemporâneo se divide assim para dizer em síntese entre aqueles que olham para a política sobre vida e aqueles que nos convidam a dirigir o olhar para a política da vida Campbell 2008 O ob jetivo desse texto é superar tal dicotomia ressaltando o entrelaçamento das duas dimensões demarcadas na condição biopolítica urbana contemporânea como um efeito da ambivalência mais amplo que caracteriza as sociedades pósfor dista e neoliberais Virno 1990 2010 Rossi e Enright 2016 Tal ambivalência é um reflexo de um nível mais superficial como veremos no próximo parágrafo das contradições internas as contradições reais que marcou a política econômica neoliberal no Ocidente tanto na etapa anterior como aquela posterior a crise financeira de 2008 Em um nível mais profundo essa é reveladora da natureza bifronte do capitalismo contemporâneo onde os processos de exploração ativa da sociedade podem ser considerados como duas faces da mesma moeda As tra jetórias de desenvolvimento urbano dos últimos três ou quatro décadas como é descrito nas partes sucessivas do artigo855 são exemplificativas da natureza ambi valente do capitalismo contemporâneo e seus efeitos sobre a sociedade 855 As partes descritivas desse artigo as seções 3 45 retomam o conteúdo exposto no livro Cities in Global Capi talism Rossi 2017a particularmente no quinto capítulo intitulado variations 623 ANTINOMIAS DA ECONOMIA NEOLIBERAL Em razão da estreita ligação que se estabelece entre o fenômeno urbano e o capitalismo neoliberal a crise financeira de 2008 é considerada um divisor de águas fundamental a questão habitacional nos assuntos da cidade contemporâ nea Isso vale essencialmente por duas razões uma de ordem material e outra de caráter imaterial para o papel cada vez mais forte exercido pelo mercado imo biliário como volante da economia pósfordista para a maior contribuição que cidades oferecem a construção e reinvenção contínua do imaginário capitalista na era da globalização Desde o início dos anos noventa até 2006 a economia global passou por um período de relativa prosperidade e expansão perturbada apenas pelo alívio da crise econômicofinanceira de relevo macrorregional em várias partes do mundo Em um plano macroeconômico nos países capitalistas chamados avançados tal fase foi caracterizada por um lado pela consolidação fiscal que se tornou necessário para lidar com a crise da dívida e a espiral inflacionária da década de 1980 e por outro lado pela crescente dívida privada resultante da desregulamen tação dos mercados financeiros e a consequente financeirização da economia Em seguida a explosão da bolha imobiliária e financeira de 200708 se entra pela primeira vez no que tem sido chamado grande recessão entre o final de 2000 e o início da década subsequente e em seguida uma fase de incerteza dos mercados e crescimento anêmico que dura até hoje Esta última fase é caracterizada pela coexistência em plano macroeconômico pela coexistência de políticas de austeri dade fiscal redução da despesa pública e medidas de expansão monetária polí tica de taxas de juro baixas perseguido pelo Federal Reserve os Estados Unidos e o chamado quantitative easing flexibilzação quantitativa856 do Banco Central Europeu Streeck 2016 Como você pode ver no plano macroeconômico seja a fase precedente seja aquela sucessiva a crise de 2008 apresentam evidentes con tradições internas contrição da dívida pública face a um crescimento sustentado em dívida privada no pré2008 austeridade fiscal acompanhada de medidas de expansão monetária na fase pós2008 Tais contradições se refletem na esfera política caracterizada por uma crise recorrente da elite que recentemente culmi nou com a ascensão do populismo de orientação nacionalista que cada vez mais ameaça a realista da separação iminente na União Europeia Neste trabalho analisa o quadro político e macroeconómico que se deli neou acima e suas características essenciais do ponto de vista da biopolítica da 856 NT Quantitative easing conhecido também como flexibilização quantitativa ou política de harmonização finan ceira quantitativa é a criação de quantidades significantes de dinheiro novo electronicamente por um banco mas autorizado pelo Banco Central mediante o cumprimento das normas de percentuais préestabelecidos 624 condição urbana da sua ambivalência e suas contradições Para tanto conside rase a sucessão e sobreposição parcial de três figuras da cidade contemporânea no curso dos últimos trinta anos marcado pela ascensão do neoliberalismo na década de 1980 e 1990 e a atual situação de pósrecessão e reconstrução sistê mica do capitalismo global A primeira figura aquela da cidade socializada reflete o processo de subsunção da sociedade no capitalismo pósfordista com a formação a nível urbano das economias criativas fundadas sobre a exploração da linguagem e das habilidades relacionais e a ascensão do cidadão investidor mediante o dispositivo de financeirização mas também com a intensificação das medidas de limpeza social O advento da crise financeira de 2008 impôs uma descontinuidade no processo de socialização pósfordista marcando um revés sobre o empreendedorismo urbano de primeira geração associado com a fase ascendente do neoliberalismo e abrindo a porta à cidade despossessa centrada sobre o agravamento da crise imobiliária e sobre o advento de um regime de aus teridade urbana de governança O expropriamento ou espoliação não só tem o efeito de privar a po pulação já reduzidas pelos precedentes ciclos de neoliberalização da economia de direitos adquiridos mas é de se considerar na perspectiva aqui adotada como uma política sobre a vida que prepara o terreno para a firmação de uma nova política da vida Essa última tem seu percurso a partir da crise do cidadão in vestidor pre2008 induzido pelo colapso e pela subsequente incerteza nos mer cados financeiros criando as condições para a afirmação de um novo regime de governamentalidade êxito de um reembeddedness reincorporação um novo en raizamento social em termos polanyianos857 centrado na figura do cidadão em preendedor de si mesmo Rossi 2017 Bröckling 2015 Szeman 2015 Neste sentido a empreenderização da sociedade e da vida como tal tornase a figura da condição urbana contemporânea substituindo a governança empreendedora da fase anterior como característica dominante das sociedades neoliberais A CIDADE SOCIALIZADA No mundo ocidental os anos setenta e oitenta do século XX foram ca racterizados por fenômenos concomitantes de desindustrialização aumento da criminalidade multiplicação das alienações imobiliárias nas grandes cidades dis persão da força de trabalho assim como o crescimento do setor dos serviços para as pessoas e a informatização da produção capitalista A saturação do circuito primário indústria manufatureira e comércio de acumulação e circulação de 857 NT Termo que se refere ao Karl Polanyi filósofo social historiador da economia antropólogo econômico soció logo e economista político húngaro do século XX 625 capital que abriu caminho ao processo de financeirização e a crescente importân cia daquilo que David Harvey e Henri Lefebvre tinham assumido e chamado o circuito secundário de capital ambiente construído infraestrutura e mercado imobiliário Lefebvre 1973 Harvey 1978 A financeirização em particular tem dado vida a um processo de socialização sem precedentes dos instrumentos financeiros que conduziram à figura do cidadão investidor Langley 2009 Já na década de 1970 o guru da gestão empresarial o americano Peter Drucker tinha relatado a revolução invisível do que ele chamou do socialismo de fun dos de pensão com a aquisição em massa dos fundos de pensão e dos fundos comuns de investimento sustentava Drucker os trabalhadores e os de classe média estadounidense tinham chegado de fato a deter a propriedade dos meios de produção do capital Drucker 1976 Ao mesmo tempo o advento da socie dade da informação tem conferido nova centralidade para as cidades por causa do capital comunicativo cognitivo e relacional que esse dispõe Rossi 2017 Scott 2008 A repentina ascensão da política de real estate developers promotores imo biliários sucessivamente convertidos em diferentes formas para a indústria da comunicação como Silvio Berlusconi em 1994 e Donald Trump em 2016 ofe rece a melhor exemplificação da centralidade urbana materiais e imateriais na economia pósfordista Tal processo de socialização não foi indolor Para tornar as cidades mais acolhedoras e liberais das pesadas heranças da fase de desindustrialização quan do as cidades capitalistas experimentaram um difuso declínio demográfico e es trutural as elites políticoeconômicas locais se comprometeram no campo de projetos de regeneração urbana destinados por um lado a remover a ameaça do crime recorrendo a técnicas agressivas de controle policialesco858 por outro lado para capitalizar o potencial de consumo e entretenimento fornecido pelas cidades em uma variedade de espaços urbanos como passeios públicos centros histó ricos exáreas industriais e bairros boêmios com a mobilização das estratégias discursivas sobre as virtudes da criatividade da simpatia da hospitalidade com a finalidade de atrair investimentos e consumidores Na Idade neoliberal o objetivo da cidade criativa é então perseguido me diante um processo de governo fundado sobre a habitação flexível e por conse guinte oportunista de políticas de inclusão e exclusão ONGs 2013 A ideia de cidade criativa toma forma na década de 1980 e 1990 no âmbito dos experi mentos de regeneração física dos ambientes urbanos em campos e em situações 858 Por exemplo aquele adotado no âmbito da campanha de tolerância zero do prefeito Giuliani de Nova York nos anos Noventa depois sucedido pelo prefeito Bloomberg no decênio seguinte Tais técnicas são herdeiras de uma longa iniciativa de guerra criminal empreendida no fim dos anos Setenta do Novecentos dos governos estadu nidenses federais e locais que tem como alvo os moradores de minorias afroamericana residentes nas grandes cidades Hinton 2016 626 de desindustrialização manufatureira e a real crise urbana Landry e Bianchini 1995 Ao longo do decorrer dos anos a cidade criativa tornase uma pedra angu lar do novo empreendedorismo urbano teorizado por David Harvey no final dos anos oitenta fundado sobre a promoção de megaprojetos e megaeventos urbanos manifestações esportivas culturais feiras de comércio internacional capaz de atrair e ativar grandes investimentos públicos e privados e impulsionar o mercado imobiliário No início de 2000 a narração cativante fornecida por Richard Flori da da ascensão da classe criativa fornece à elite urbana um poderoso dispositivo simbólicocomunicativo ao serviço da cidade empreendedora De acordo com esta visão a classe criativa se encontra à vontade em ambientes urbanos cultu ralmente atrativos tolerantes com as minorias favorável à expressão de talento e novas tecnologias de informação para as políticas públicas neste contexto espe ra nada mais que a tarefa de favorecer a afirmação de tais condições permitindo a adesão de mais e mais pessoas ao creative compact o pacto social sobre a criati vidade que se candidata a se tornar o princípio organizador da sociedade capi talista contemporânea após a dissolução do Keynesian compact Florida 2012 Para efetivar tal concepção de desenvolvimento urbano os governos locais têm recorrido a instrumentos de governança que visam motivar e encorajar os atores privados propiciando inspiração de ideias narrativas e estatísticas fornecidas por peritos experts externos que se tornam cada vez mais influentes como agências de consultoria e gestão fundações think tank Peck 2010 O governo da cida de agora se tornou uma verdadeira e própria obra de arte alimentando uma pro dução de conhecimento especializado que envolve uma multiplicidade de atores como fora preconizado por Michel Foucault já em um seu célebre diagnóstico sobre a governamentalidade neoliberal Foucault 2005 Longe de constituir um repertório estável de instituições organizações e relações contratuais a governança urbana é utilizada portanto tal como base operativa dúctil e flexível com vistas a transformar os residentes urbanos em cidadãos em grau de prover para si o próprio seu bemestar e de agir responsa velmente e criativamente na esfera pública Em tal sentido podemos considerar a ideia de cidade criativa como um projeto hegemônico e uma ativa construção social Peck 2011 As políticas para a cidade criativa podem ser entendidas do ponto de vista da estratégia do governo como um processo de anexação e de ordenamento social Law 1994 um macro ator a classe criativa teorizada por Richard Florida criada do nada colocando em relação alguns atores com os outros mesmo quando tais atores não têm relações entre eles ou apresentam interesses divergentes Ponzini e Rossi 2010 A partir da crise de 2008 e nos anos sucessivos o modelo de cidade so cializada encarnado pela cidade criativa alimentado por um empreendedorismo urbano dedicado a uma política local da globalização muitas vezes conduzida 627 sem escrúpulos feita de alianças e cortejamento com investidores privados Co chrane et al 1996 mostrou sinais de enfraquecimento A crise do mega even to é a manifestação mais vistosa de tal passagem Atenas que em 2004 organizou os Jogos Olímpicos de verão e que poucos anos depois é atingida por uma tem pestade financeira sem precedentes enquanto o Brasil que em apenas dois anos organiza os dois maiores eventos esportivos existentes Copa do mundo de 2014 e as Olimpíadas em 2016 mas que nesses mesmos anos é atingido por uma crise econômica que desestabiliza o país no plano político pondo fim a um longo ciclo de governo progressista Na Itália recentemente suscitou forte polêmica a deci são da recémeleita prefeita de Roma de retirar a candidatura da cidade para as Olimpíadas de 2024 Na esteira de Deleuze 2000 e HardtNegri 1995 a crise do megaevento pode ser interpretada como a superação da sociedade disciplinar e a passagem para uma sociedade de controle onde a concentração de poderes característica dos processos de regeneração urbana de empreendedorismo de pri meira geração as coalizões de atores públicoprivados de atores que estão con duzindo os processos de transformação dos espaços das cidades dá lugar a uma dinâmica de difusão no exercício do poder social que podemos definir de forma exemplificativa de um empreendedorismo urbano de segunda geração Isso que se denomina cidade despossessa que desempenha um papel crucial na transição para uma nova fase de ressubjetivação capitalista que se encontra nos ambientes urbanos um terreno crucial para se desenvolver A CIDADE DESPOSSADA No seu livro dedicado a análise do novo imperialismo David Harvey 2003 ofereceu uma releitura do conceito de acumulação primitiva origina riamente proposta por Karl Marx utilizandoo para interpretar as dinâmicas do capitalismo neoliberal de hoje Tal conceito era associado no marxismo histórico à fase de ascensão e expansão geográfica do capitalismo primeiramente nos paí ses de primeira industrialização e posteriormente nos territórios colonizados A contribuição teórica de Harvey por sua parte colocou em destaque a relevância do conceito em referência ao capitalismo contemporâneo Nos últimos trintaquarenta anos com o advento ao neoliberalismo a prática do despejo se impõe seja no Norte seja no Sul do planeta segundo tal perspectiva o capitalismo como no passado não é somente associado com a exploração da mão de obra no lugar do trabalho mas também a expropriação de bens materiais e imateriais como os direitos sociais e a liberdade bem como as posses pessoais e os recursos comuns Fraser 2014 A expressão utilizada por Harvey acumulação por meio da espoliação referese estritamente a expro priação de terras em áreas rurais ou semiurbanizadas mas o seu uso se estende 628 à dinâmica urbana de valorização imobiliária e a reorganização territorial Os fenômenos da globalização da gentrificação e do incremento da renda urbana podem ser interpretados com base na teoria de Harvey de acumulação por es poliação e da sua mais ampla interpretação do desenvolvimento urbano como processo guiado pela transferência de capital no ambiente construído à luz do atual contexto de urbanização planetária Lees et al 2016 Aos olhos dos crí ticos estudiosos urbanos a dinâmica da crise econômica recente que se originou a partir do mercado imobiliário e da securitização das hipotecas subprime859 que oferece uma confirmação do nexo estratégico teorizado por Harvey já nos anos setenta entre finanças e urbanização de que se beneficia o circuito secundário do capital em chave anticíclica Em tal ótica a espoliação da habitação a expulsão dos residentes insolventes imposta pelos e proprietários de imóveis devem ser entendidas como efeito da violência do capitalismo financeiro Marazzi 2010 e do fenômeno ligado a financeirização da habitação Aalbers 2016 A privatização reiterada da habitação e a transferência forçada de um lugar para outro constituem já mesmo antes da crise de 2008 a condição ordinária de vida para os grupos mais desfavorecidos da sociedade por exemplo para famílias de baixa renda e inquilinos de abrigos improvisados em bairros innercity pre dominantemente Afroamericana dos Estados Unidos Desmond 2016 e pelas minorias étnicas marginalizadas na Europa como os ciganos Lancione 2017 As crises habitacional e financeira do final de 2000 tinham o efeito de ampliar o fluxo de tais condições estendendoo para além dos extratos mais desfavorecidos da sociedade sobretudo nos Estados Unidos e nos outros países majoritariamen te atingidos pela bolha imobiliária que estourou como Irlanda Espanha e os países bálticos Ser privado de sua casa criou uma condição tão generalizada nas economias mais afetadas pela crise que em 2015 a cidade de Barcelona uma cidade com um mercado imobiliário excepcionalmente superaquecido elegeu uma prefeita Ada Colau que não tinha experiência política anterior mas que construiu sua reputação como líder do movimento formado em 2009 a Plata forma para pessoas afetadas por empréstimos hipotecários para conter a proli feração de despejos após o colapso do mercado imobiliário De cidade modelo para as políticas de regeneração urbana em área mediterrânea da década de 1990 em diante Gonzalez 2011 Barcelona tornouse uma referência de experiência em campanhas políticas contra a austeridade e a ideia de uma cidade rebel de Harvey 2013 sobretudo na Europa meridional Na Itália o prefeito de Nápoles Luigi De Magistris abertamente se refere a experiência de Barcelona 859 NT As hipotecas subprime se referem contratos ou acordos de crédito e empréstimo para mutuários com histórico de crédito ruim geralmente com condições desfavoráveis como altas taxas de juros Frequentemente essa forma de crédito é oferecida às populações mais pobres por serem consideradas de alto risco financeiro 629 constituindo uma aliança informal com os movimentos sociais radicais ativos na cidade por oposição às políticas de austeridade impostas pelo fiscal compact860 da União Europeia Nos Estados Unidos a acumulação por meio da espoliação sob a forma de expulsão das habitações mas também pela negação de acesso à instrução e pelo aumento da segregação social afetou de um modo particularmente grave as minorias historicamente atingidas pelos fenômenos de descriminação racial como os Afroamericanos Brewer 2012 Um novo movimento pelos direitos civis tomou corpo sob a insígnia do slogan Black lives matter Vidas negras im portam a partir de 2013 em resposta a série sucessiva de incidentes e episódios de violência por parte da polícia em particular a morte de pessoas desarmadas em Sanford na Flórida Ferguson no Missouri e no enclave afroamericano de Staten Island em Nova York Derickson 2017 Tais episódios ocorreram em locais situados em áreas urbanas fortemente afetadas pela crise habitacional e por outras tensões sociais e étnicas como a região metropolitana de Orlando na Flórida central a parte norte da área metropolitana de St Louis os bair ros com forte segregação étnicoracial em Nova York Ao mesmo tempo como efeito da recuperação econômica e em particular do boom tecnológico pós recessão vejase o próximo parágrafo as cidades americanas mais dinâmicas têm visto rapidamente recuperar os valores dos imóveis forçando os residentes menos abastados sobretudo aqueles Afroamericanos a transferirse para áreas urbanas mais acessíveis em termos de custo de vida mas que oferecem menores oportunidades de emprego Longman 2015 A este êxodo forçado se deu por vezes a oposta resistência por parte de ativistas afroamericanos em cidades como San Francisco onde a memória de expulsão das minorias de cor remonta aos programas do início da década de 1960 programas de urban renewal renovação urbana861 dos primeiros anos da década de 70 Finamore 2016 O movimento pelos direitos civis e as reivindicações do direito de permanecer em suas próprias habitações refletem o que poderia definir a dupla significação da espoliação Butler e Athanasiou 2013 serem privados de seu local de residência dos di 860 NT O Tratado de Estabilidade Coordenação e Governança na União Econômica e MonetáriaThe Treaty on Sta bility Coordination and Governance in the Economic and Monetary Union também conhecido como TSCG ou mais claramente o Tratado de Estabilidade Fiscal é um tratado intergovernamental introduzido como uma nova versão mais rigorosa do Pacto de Estabilidade e Crescimento assinado em 2 de março de 2012 por todos os es tadosmembros da União Europeia UE exceto a República Tcheca e o Reino Unido O tratado entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013 para os 16 estados que concluíram a ratificação antes desta data Em 3 de abril de 2019 foi ratificado e entrou em vigor para todos os 25 signatários mais a Croácia que aderiu à UE em julho de 2013 e à República Tcheca O Fiscal Compact é o capítulo fiscal do Tratado Título III Ele liga 22 estadosmembros os 19 estadosmembros da zona do euro além da Bulgária Dinamarca e Romênia que optaram por participar É acompanhado por um conjunto de princípios comuns Sendo assim os estadosmembros vinculados pelo Pacto Fiscal devem transpor para a ordem jurídica nacional as disposições do Fiscal Compact 861 NT É importante destacar que é frequente os programas urbanos que incidem processos de gentrificação urbana e segregação espacial serem nomeados com termos como renovação revitalização entre outros eufemismos 630 reitos sociais ou instrução não só acontece nas sociedades neoliberais em uma condição preexistente de desapropriação mas induz os despossuídos para tomar parte dos movimentos de resistência e solidariedade em busca de uma estrutura de assistência material e afetiva A marginalização dos Afroamericanos constitui a ponta do iceberg de um fenômeno que envolve uma gama mais ampla de grupos menos favorecidos em um contexto de austeridade urbana caracterizada pela crescente intervenção pe nal do Estado Wacquant 2012 A nova onda de medidas de austeridade na Europa e América do Norte pode ser interpretada como uma extensão da lógica de desapropriação a forma de vida imposta aos grupos sociais mais fracos como modalidade de governo da cidade como um todo Como mostrou Jamie Peck longe de ser uma simples réplica das políticas de austeridade dos anos Setenta e Oitenta a experiência contemporânea de austeridade urbana interveio nas socie dades já submetidas a processos neoliberais de transformação cujos principais efeitos tinham sido a redução de pessoal dos serviços públicos e a financeirização do desenvolvimento urbano Peck 2012 2016 De um modo geral como sustenta Maurizio Lazzarato a idade de aus teridade coincide com o retorno da soberania sob a insígnia do big government grande governo não somente as medidas punitivas as quais acabamos de men cionar mas também com a adoção de processos graves de controle e avaliação das despesas públicas justificadas em nome da eficiência econômica Lazzarato 2013 O Estado capitalista reafirmou o controle sobre a vida dos cidadãos recor rendo a indicadores aparentemente objetivos da verificação e do monitoramento The Economist 2011 Na Itália tais medidas adotadas sempre com maior in sistência a partir de 2011 com a finalidade de cumprir os objetivos de reabili tação das contas exigidos pela União Europeia têm ditado rigorosas restrições ao trabalho das entidades públicas incluindo aqueles cuja autonomia deveria ser garantida pela Constituição como as universidades e os governos locais Em alguns países se chega a atribuir a gestão de prestação de serviços fundamentais para a coletividade à força de mercado que age sem controle por vezes entidades puramente financeiras como as companhias privateequity capital privado que em diversos locais nos Estados Unidos assumiram a gestão dos serviços públicos essenciais como aqueles emergenciais de ambulâncias de emergência e dos bom beiros Ivory et al 2016 A expolição se tornou portanto o princípio organizativo de regulamentação das relações sociais e institucionais na atual fase do tardoneoliberalismo marcada pela generalização dos estados de exceção nos quais é mantida pelos regimes neoli berais que aparece como ameaça pelo legado da crise econômica global O regime de espoliação todavia não tem somente uma finalidade punitiva mas é utilizado im plicitamente também em sentido construtivo ou seja para recriar as condições para 631 a acumulação capitalista Se assiste agora a um renascimento do duplo movimento de disembeddedness desassociaçãoe reembeddedness reincorporação ou seja de desenraizamento das economias da sociedade e novas raízes sociais dos quais Karl Polanyi ofereceu uma poderosa discussão com referência às economias de mercado no curso da industrialização do Oitocentos Polanyi 2010 CIDADE RENTÁVEL Nos últimos anos as cidades encontraramse no centro da dialética entre a política do crescimento e a política da austeridade que têm caracterizado as eco nomias dos países ocidentais a partir da crise de 2008 De um lado as cidades se tornaram destinatárias de políticas de contenção das despesas públicas adotadas em resposta aos imperativos da consolidação fiscal impostas pela chamada troi ka Comissão Europeia Banco Central Europeu Fundo Monetário Internacio nal De outro lado as cidades dos países ocidentais assim como das economias emergentes têm oferecido a base econômica social e cultural para empresas capi talistas de diversas entidades das grandes multinacionais as startup emergentes empenhadas na exploração das novas tecnologias especialmente aquelas digitais Os governos nacionais e locais têm visto com interesse tais fenômenos oferecen do incentivos e infraestruturas na tentativa de reanimar as economias martiriza das pela crise Rossi e Di Bella 2017 A proliferação em um número crescente de grandes centros urbanos e me tropolitanos de empresas tecnológicas de starup é particularmente exemplifi cativo do retorno à vida das cidades contemporâneas e com esse do capitalis mo global considerada a difusão do fenômeno em diversas áreas do mundo da América do Sul por exemplo Santiago no Chile Rio de Janeiro e São Paulo na Europa Londres Berlim Helsinki Barcelona Zurique na Ásia Tel Aviv Istambul Dubai Cingapura Shenzhen na África Lagos Joanesburgo e natu ralmente aos Estados Unidos onde as cidades de referência são Nova York São Francisco Seattle Austin Boston Em um aprofundamento dedicado às em presas startup o semanal britânico The Economist tem enfaticamente definido o fenômeno global de ascensão do startup 20 como uma nova era geológica the Cambrian moment As startup são parte de um novo movimento de retorno à cidade Os jovens profissionais se transferem mais dos bairros dos subúrbios e periferias aos bairros da moda do centro da cidade os quais se tornam assim também espaços avançados de incubação para novas empresas avan çadas Por fim o centro de gravidade do Vale do Silício mudouse de Highway 101 ao centro de São Francisco ao sul de Market Street The Economist 2014 p2 As economias urbanas startup são portanto reveladoras do movimento de reembeddedness ou seja do novo enraizamento do capitalismo global nos ambientes urbanos Tal processo de enraizamento ocorre em múltiplas escalas O 632 empreendedor urbano hightech é partícipe em comunidades urbanas em nível local mas o seu modo de ser é forjado de modo decisivo por um senso global de pertença alimentado pelos meios de comunicação sociais e redes transnacionais de modo diferente dos empreendedores pósfordistas de primeira geração que se identificavam essencialmente com distritos de nível local e regional Em termos gerais dado o andamento cíclico da economia capitalista os processos de disembeddedness e reembeddedness são conaturais às crises econômi cas orgânicas e as conseguintes trajetórias evolutivas de superação de si mesmas Em muitas cidades com o advento do fenômeno do startup com tecnologias inovadoras que tinham como contraponto o declínio das empresas até recente mente consideradas inovadoras no setor da tecnologia da informação comuni cação e outros segmentos avançados surgidos durante a transição de pósfordista Em Turim a ascensão do fenômeno das inovadoras startup coincidiu com a crise depois de 2008 das empresas Ict Information and Communication Technolo gies Tecnologias de informação e comunicação ocorrido nos tempos de boom tecnológico do final dos anos 90 um processo de seleção reconhecida pela elite local a partir da Confindustria862 que sublinha a passagem em curso das anti gas empresas de tecnologia dependentes da contratação pública para empresas da nova gerações abertas ao mercado e a competição global Rossi 2016 Nas cidades norteamericanas a intensidade do fenômeno do atual boom tecnológico 20 depois daquele efêmero das empresas dot com ponto com do final da década de 1990 tem efeito de superaquecimento do mercado imobi liário O exemplo mais notável é aquele de São Francisco onde a tendência ao abrupto aumento dos preços das casas de 2010 até hoje tem provocado conflitos entre residentes históricos acostumados a uma política de contenção das rendas e os novos criativos que requerem uma maior desregulamentação do mercado para gerar uma oferta de alojamento mais dinâmica e portanto em abaixar os preços Rossi 2017b A estreita ligação que foi criada entre o desenvolvimento da indústria hightech e a subida dos preços das habitações em um restrito círculo de cidades de elite como São Francisco Nova York ou Londres é sintomáti co do enraizamento metropolitano do capitalismo biopolítico onde os valores imobiliários em rápida ascensão refletem a externalização positiva dos ambientes urbanos do ponto de vista da oportunidade de cooperação social Hardt e Negri 2010 Um termo útil de comparação são os distritos tecnológicos da década de 1990 que se formaram na tentativa de reproduzir o padrão de Silicon Valley Enquanto este último nasceu por iniciativa do Estado ou dos governos locais 862 A Confederação Geral da Indústria Italiana 633 Castells e Hall 1994 na nova geração de empresas hightech o fator aglutinador comunitário parece decisivo A cidade de Nova York por muitos considerada o novo modelo de nova cidade hightech o meetup encontro local que alega ser a maior do mundo com cerca de 40 mil membros organiza reuniões gerais mensalmente enquanto eventos de entidades menores são promovidos pela co munidade de práticas empenhadas na diversificada cena hightech designers e tecnólogos diversos estão disponíveis na cidade todos os dias Tal dimensão de comunidade representa o elemento de novidade das atuais economias hightech urbanas juntamente com as mudanças tecnológicas associadas com o advento dos meios de comunicação oferecidos pela Web 20 como os meios de comu nicação sociais e as networks especializadas Tomando como ponto de partida o trabalho de Jodi Dean 2009 se pode considerar esse fenômeno exemplifica tivo do chamado capitalismo comunicativo e das fantasias que o animam a abundância não há limite para a circulação de informações e para a produção de inovações a abertura qualquer um pode dar vida a um experimento empre endedor a participação todos são convidados a uniremse à comunidade de empreendedores startup Os sentimentos de euforia e comunhão que distinguem a modalidade de representação das comunidades de empreendedores tecnológicos são indicativos de mais um amplo esforço de reanimação do capitalismo como indústria da felicidade efetivada nas sociedades Ocidentais Ahmed 2010 Davies 2015 Como espaços onde se experimentam formas de vida fundadas no uso de novas tecnologias em particular modo digital e interativo as cidades são o centro da política de felicidade que caracteriza o discurso público contemporâneo Florida et al 2013 Minton 2012 Oakes 2017 Ser empreendedor de nova geração re quer a adoção de uma forma de vida integral aproveitando a mobilização con junta de emoções comportamentos e maneiras de se relacionar com os outros em vez de simplesmente se envolver em um plano de negócios A ideia de forma integral de vida que é proposta aqui é uma reformulação do conceito de econo mia integral por Bob Jessop retirado por sua vez daquela de estado integral de Antonio Gramsci Jessop 1990 Enquanto o termo gramsciano sublinha a mistura de economia e formas de regulação social na sociedade capitalista madu ra a noção de forma integral de vida quer indicar a compenetração das formas de vida e a racionalidade de governo que caracteriza a sociedade neoliberal com traços peculiares em uma fase de pósrecessão como aquela pós2008 Seria enganoso portanto considerar os distritos urbanos hightech como entidades puramente autoorganizadas uma ideia alimentada pela massmídia e das organizações que promovem o fenômeno Surgiu originalmente em am bientes alternativos de tendências libertárias o ideal da autoorganização foi as similado na cultura do capitalismo na era digital Uitermark 2015 Junto com 634 fundações e agências de consultoria os governos locais e nacionais desempenha ram um papel significativo especialmente em cidades que aspiravam a tornarse lugares de atração para os capitalistas de risco e outros investidores interessados em empresas hightech Em vez de assumir um papel explicitamente direcional como na idade tardokeynesiana das tecnologias os governos locais e nacionais ofereceram a própria assistência às economias de startup como por exemplo através de campanhas promocionais que têm a vantagem de custar pouco inde pendentemente da sua efetiva incidência talk is cheap falar é fácil como se diz em inglês Este é o caso da Tech City de Londres objeto de intenso marketing de governo nos últimos anos onde a área intraurbana londrinense até dez anos antes não mostrava nenhuma especialização no campo tecnológico as empre sas hightech mais consolidadas geralmente de grandes dimensões e de capital estrangeiro são concentradas na mais ampla região urbana circundante entre Cambridge e Reading Sempre que houve disponibilidade de recursos os governos locais se em penharam em investimentos em capital humano com a criação de instituições dedicadas a alta formação especialmente no campo das ciências da vida e da engenharia Este é o caso de Nova Iorque com a fundação do visionário politéc nico Cornell Tech863 procurado pela administração do então prefeito Bloomberg e do BioBat Bioscience Center864 atualmente no projeto em Brooklyn a mando do governador Cuomo O empreendedorismo da sociedade e não mais apenas da governança urbana como pensa David Harvey no fim da década de 1980 Harvey 1989 que parece ser o objetivo por trás destas estratégias em uma fase em que paradoxalmente se assiste nos Estados Unidos a uma diminuição da capacidade empreendedora em termos de número de novas empresas geradas Cowen 2017 Para as empresas tecnológicas de startup assim como para as grandes em presas do capitalismo das plataformas865 os centros urbanos e metropolitanos 863 NT A Cornell Tech é um campus de tecnologia negócios direito e design localizado na Roosevelt Island em Manhattan Nova York Está ancorada pelo Instituto Jacobs TechnionCornell um empreendimento acadêmico conjunto entre a Cornell University e o Technion Instituto de Tecnologia de Israel 864 NT A BioBAT Inc é uma corporação sem fins lucrativos formada pela Corporação de Desenvolvimento Eco nômico da Cidade de Nova York e pela Fundação de Pesquisa da Universidade Estadual de Nova York A or ganização foi criada para apoiar o avanço da indústria de ciências da vida na cidade de Nova York fornecendo instalações e recursos para pesquisa científica e fabricação avançada no Terminal do Exército de Brooklyn A BioBAT está ajudando a cidade de Nova York a atrair e reter empresas promissoras de pesquisa e a desenvolver uma força de trabalho qualificada do século XXI Descrição da própria incorporadora em seu site httpswww biobatnycmission 865 A chamada plataforma capitalista platform capitalism é aquele fenômeno que vê o surgimento de um novo tipo de empresas centradas sobre o uso de plataformas que vale dizer as infraestruturas digitais que permitem que duas ou mais entidades clientes publicitários fornecedores de serviços produtores objetos físicos possam interagir com a finalidade de coletar dados Tal modelo que apresenta significativas diversificações internas é comumente associado aos gigantes da web Google Facebook Amazon etc mas também é atribuível a empresas industriais como Siemens e General Electric Srnicek 2016 635 não oferecem apenas ambientes institucionais e socioculturais dinâmicos onde podem afirmarse mas funcionam também como verdadeiros laboratórios vi ventes dos quais se extraem uma enorme massa de dados relativos aos compor tamentos aos hábitos as preferências de consumo e aos movimentos cotidianos das pessoas que ali habitam ou apenas ali transitam através da digitalização das infraestruturas urbanas também em áreas marginais mais populosas como bairros degradados e favelas que tornamse objetos de interesse por parte de governos e atores privados pela potencialidade criativa e empreendedora de que dispõem McFarlane 2012 Roy 2011 de que o envolvimento de grandes empresas mul tinacionais hightech em projetos de smart city Vanolo 2014 e em setores que favorecem tais operações de extração social como a logística e a finança Mezza dra e Neilsen 2015 A figura da cidade rentável acima descrita mostra como o capitalismo utiliza as crises orgânicas como a Grande Recessão de fins dos anos 2000 ocasiões pelas quais busca um novo enraizamento nas relações sociais reinven tando a própria promessa de felicidade e as relativas formas de vida A sharing economy economia compartilhada é uma manifestação significativa da sempre mais avançada Subsunção da sociedade e da vida mesmo no processo capita lista Vale a pena notar como tal fenômeno explodiu nos anos pósrecessão As empresas mais representativas da sharing economy como Airbnb e Uber foram fundadas em 2008 e em 2009 respectivamente mas ganharam popularidade devido ao fim da recessão nos Estados Unidos Por exemplo Airbnb teve cres cimento nas próprias transações de 126 em 2011 Wauters 2012 ou seja quando os indicadores de crescimento do produto interno bruto da economia dos EUA começaram a evidenciar uma clara recuperação Tal dinâmica mostra uma aceleração na subsunção da sociedade Enquanto a economia das empresas startup de alta tecnologia revela o processo de empreendedorismo da sociedade de que se dizia envolvendo uma série potencialmente ilimitada de empreende dores profissionais ou aspirantes a tal o advento da sharing economy evidencia o que Michel Foucault assinalava na sua ideia de empreendedor de si mesmo Foucault 2005 Esta última se baseia sobre o pressuposto segundo o qual todos podem obter lucro de suas próprias posses sejam essas a habitação um meio de transporte ou habilidades práticas tais como saber cozinhar em uma lógica empreendedora mesmo que isso requeira endividar a vida junto às instituições de crédito Lazzarato 2013 Observamos mais de perto o impulso para o autoempreendedorismo de si vindo da sharing economy urbana Esse fenômeno parece querer conciliar dois pro cessos sociais que em si mesmos são mutuamente exclusivos a individualização da experiência urbana e a investigação de comunidade De um lado a sharing eco nomy alavanca sobre si uma modalidade propriamente urbana de abertura rumo 636 ao outro a homesharing economy de que Airbnb é a empresa mais notável em particular se alimenta da ideia de disponibilizar o espaço doméstico acessível a quem não se conhece afastando sentimentos de medo no encontro com o estranho e até mesmo propondo tal encontro como uma experiência atraente A dinâmica descrita acima traz à mente aquilo que Iris Marion Young inspirada por Roland Barthes considerava o erotismo típico da vida urbana o prazer e a emoção de ser retirado da rotina cotidiana para se embater na novidade no conhecimento de que é estranho e incomum Young 1990 p 249 Todavia salientava ainda Young a experiência erótica do encontro com o estranho é contrária a ideia de comunidade já que no ideal de pessoas da Comunidade as pessoas se sentem afirmadas porque com quem se compartilha experiências percepções e objetivos há uma relação de recíproco reconhecimento cada um de nós se vê refletido no outro Ibid p 250 Para afrontar essa contradição e o sentido de desorientação que disso deri va empresas digitas que oferecem serviços de sharing economy insistem de modo obsessivo sobre a criação de uma comunidade virtual em rede que se nutre tam bém de encontros ao vivo De um ponto de vista concreto porém tal experiência da comunidade acaba sendo reduzido a uma exibição narcisista do self no espaço imaterial da Internet fornecido pela companhia fornecedora do serviço Apesar da ilusória tentativa de criar uma comunidade uma fantasia produtiva segundo a definição de Jodi Dean a sharing economy oficial aparece ligada ao processo de individualização que caracteriza as sociedades do liberalismo avançado como já o havia intuído Michel Foucault Em um de seus últimos escritos Foucault define o governo da individualização como aquilo que isola o indivíduo rompe os seus laços com os outros cria uma fratura na vida da comunidade obriga as pessoas a dobrarse a cair em si mesmos conectandoos a sua própria identidade de modo obsessivo Foucault 1982 p 781 Em resposta à crescente individualização das relações sociais na cidade con temporânea se fazem longos experimentos cooperativistas em diversos setores ha bitação alimentação arte cultura profissões frequentemente em conexão entre eles unidos pela busca por um uso da vida na qual se cultiva um sentimento de nós Virno 2015 No mundo digital se inicia a fazer experiências com formas de plataforma de cooperativismo como alternativa a plataforma capitalista dominada por empresas multinacionais866 Nessa ótica por exemplo se assinala a possibilida de de dar vida à plataforma cívica em colaboração com os governos locais em vez de entrar em conflito como muitas empresas na economia de compartilhamento de mercado a partir da mesma Airbnb e Uber como já experimentado em algumas cidades dos Estados Unidos dedicada a oferta habitação temporária ou de outros serviços pessoais Scholtz 2016 Em modalidades mais tradicionais independente 866 Ver nota anterior ObCit Hinton 2016 637 da comunicação digital nos últimos anos têm havido um difuso ressurgimento das experiências de habitação cooperativo em que os habitantes tecem novas redes de confiança e cuidado fazendo espaço nos ritmos premente da vida urbana ca pitalista Huron 2015 p 977 projetos de cohousing comunidade de cogestão proprietária ocupações de armazéns industriais abandonadas Tais iniciativas colo cam em questão o que Elizabeth Povinelli define como a substância ética no tardo liberalismo ou seja o tema da resistência e portanto a sobrevivência das formas alternativas para a vida no meio de um vendaval de forças que desfazem o vínculo social Povinelli 2011 p 14 Os projetos alternativos de resistência social demonstram que não se deve olhar aos processos sociais de subsunção social em uma perspectiva unidirecional e totalizante como um episódio da sociedade inteiramente administrada e do homem a uma dimensão teorizados pelos autores da escola de Frankfurt Ador no Horkheimer Marcuse com referência ao capitalismo organizado no segundo pósguerra Jeffries 2016 Isso não significa que os processos de subsunção este jam sempre à espreita mesmo no que diz respeito a movimentos alternativos que reivindicam demandas coletivistas Por exemplo as empresas tecnológicas de new economycomeçam a atingir abertamente o imaginário coletivista dos movimentos sociais Nos mercados imobiliários hipersaturados das cidades globais como Lon dres São Francisco Nova York têm aparecido invariavelmente empresas digitas que oferecem espaços coliving a preços elevados ou acessíveis em residências da moda prometendo um novo estilo de vida sob a bandeira de um viver em comum Os jornais de língua inglesa estão mais atentos as novas tendências sociais apresentadas com tons entusiastas a possibilidade do avanço comunitário das gerações dos mil lennials especialmente aqueles mais conscientes e socialmente integrados Kaysen 2015 Se difundem em geral soluções criativas de habitação temporária que se destinam a jovens com renda flutuante e trabalhos precários Ferreri 2015 Tal fenômeno evidencia a hiperexploração do mercado imobiliário nas grandes cidades assediadas pela crise habitacional mas também mostra como as cidades adqui riram uma ainda mais marcada força de atração e verdadeira sedução depois da grande recessão seguida do choque financeiro de 2008 Rossi 2017b Nesse sentido aparece de forma evidente a diferença com o período sucessivo a crise de 197475 quando as grandes cidades do Ocidente capitalista conheceram uma lon ga fase de declínio estrutural testemunhada pelas elevadas taxas de property vacancy rate as habitações vazias no fim da metade dos anos noventa CONCLUSÃO As sociedades contemporâneas do neoliberalismo tardio como foi pro posto definir nesse texto são distintas pela difícil coexistência da condição de 638 perda que aflige as camadas menos abastadas e as classes médias encontrando o escape no apoio a movimentos de massa e de líderes políticos neopopulis tas com a busca de uma nova cultura do capitalismo que tenta restituir uma perspectiva de felicidade e inovação social mas que por sua vez tem o efeito de gerar novas desigualdades e tensões entre as comunidades de incluídos e excluídos Este texto procurou mostrar como a cidade contemporânea devido a sua centralidade econômica política e cultural agora inquestionável do ponto de vista capitalista seja um espaço exemplificativo da condição de ambivalência que caracteriza as sociedades neoliberais A financeirização permeia as formas de vida seja tanto no sentido de expropriar os indivíduos dos direitos fundamentais tais como habitação ou instrução Joseph 2014 seja no sentido de induzilos a adotar comportamentos e condutas sociais capazes de estabelecer valor ao tempo de vida além daquele laboral graças à utilização produtiva das novas tecnologias O empreendedorismo da sociedade e de si que por um caminho acentua os fe nômenos da individualização do agir social por outro cria novas expectativas de felicidade em torno à construção de comunidades virtuais ou reais embora com êxitos divergentes e muitas vezes decepcionantes As cidades ganharam centralidade neste contexto porque oferecem o capi tal cognitivo comunicativo e relacional necessário para realizar o modelo social que acabo de delinear Ao mesmo tempo as cidades são espaços persistentemente caracterizados por desigualdades na distribuição da riqueza e processos de exclu são sempre menos aliviados pela intervenção do Estado e de outras instituições públicas ou semipúblicas que prestam serviços de proteção social Neste contex to ainda resta compreender a fundo o efeito que teve o advento de novas econo mias urbanas e a base tecnológica sobre a vida das pessoas Por exemplo enquan to nos Estados Unidos é notável o efeito que estas economias têm no mercado imobiliário no sentido de elevar os preços e consequentes processos de seleção social e os prejuízos aos grupos desfavorecidos e minorias étnicas Boone 2017 ainda a ser explorado é a situação em cidades de outras áreas do mundo a partir da Itália Nessa ótica cabe indagar com maior profundidade à nova reação ao empreendedorismo mais ou menos formalizadas derivando da generalização da collaborative economy no interior e em outros limites do que convencionalmente é conhecido como sharing economy em um contexto sempre mais dominado pelas poderosas empresas digitais que de fato atuam como novos monopolistas da produção social Assim como também permanece a indagação das experiên cias do cooperativismo cívico que vão difundindo nas cidades contemporâneas explorando o potencial oferecido pelas tecnologias digitais Em geral as novas economias urbanas de base tecnológica estão redefinindo profundamente o sig nificado das relações sociais em nossas sociedades biopolíticas como esse artigo 639 se aponta nesse artigo e isso requer a mobilização de renovados saberes críticos e programas de pesquisas empíricas em geografia como nas outras ciências sociais REFERÊNCIAS AALBERS M The financialization of housing a political economy approach Londra Routledge 2016 AGAMBEN G Benjamin e il capitalismo Lo Straniero n 155 2014 online httplostra nieronetuncommentooggi AHMED S The promise of happiness Durham NC Duke University Press 2010 BOONE A Theres new research behind the contention that Airbnb raises rents CityLab 2 agosto 2017 BRENNER N a cura di Implosionsexplosions towards a study of planetary urbanization Berlino Jovis 2014 BREWER RM 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liberdade só pode ser coletiva Uma liberdade ciente da realidade social que derrube as fronteiras da estética campo de con centração da civilização ocidental uma liberdade ligada às limita ções e às grandes conquistas da prática científica pratica científica não tecnologia decaída em tecnocracia Ao suicídio romântico do não planejamento reação ao fracasso tecnocrático é urgente contra por a grande tarefa do planejamento ambiental desde o urbanismo e a arquitetura até o desenho industrial e as outras manifestações culturais Uma reintegração uma unificação simplificada dos fato res componentes da cultura Lina Bo Bardi Foi por não terem compreendido que a crise não era um fato econômico mas uma técnica política de governo que alguns foram ridicularizados ao proclamarem apressadamente quando da explo são do embuste dos subprimes a morte do neoliberalismo Não vivemos uma crise do capitalismo mas pelo contrário o triunfo do 867 Republicação atualizada de texto publicado nos Cadernos IHUideias ano 14 nº253 vol 14 ano 2016 São Leopoldo Universidade do Vale do Rio dos Sinos 868 Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina 2003 especialização em Direito do Es tado também pela Universidade Estadual de Londrina 2005 mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina 2007 e doutorado em Literatura Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina Entre 2013 e 2015 desenvolveu estágio pósdoutoral no Instituto de Estudos da Linguagem IEL da Universida de Estadual de Campinas UNICAMP Atualmente é professor do Departamento de História da UFPR onde é coordenador do bacharelado em História Memória e Imagem e da linha de pesquisa Arte Memória e Narrativa do Programa de PósGraduação em História 643 capitalismo de crise A crise significa o governo cresce Ela tornou se a última ratio daquilo que reina A modernidade media tudo à luz do atraso arcaico do qual nos pretendia arrancar daqui em diante tudo se mede à luz de seu desmoronamento próximo Quan do se corta pela metade vencimento dos funcionários públicos gregos isso é feito sob o argumento de que seria possível nunca mais lhes pagar A cada vez que se aumenta o tempo de contribuição dos as salariados franceses para a seguridade social isso é feito sob pretexto de salvar o sistema de aposentadorias A crise presente permanente e omnilateral já não é a crise clássica o momento decisivo Pelo contrário ela é um final sem fim apocalipse sustentável suspensão indefinida diferimento eficaz do afundamento coletivo e por tudo isso estado de exceção permanente A crise atual já não promete nada ela tende pelo contrário a libertar quem governa de toda e qualquer contrariedade quanto aos meios aplicados Comitê Invisível Quando convidado para fazer uma conferência sobre a questão da go vernamentalização privada dos espaços públicos me pus a pensar sobre o que falaria De certo modo nos últimos tempos tenho tratado desse tipo de questão de maneira enviesada muito mais a partir de referenciais ligados à literatura e ao cinema do que de estudos mais circunscritos à filosofia política de maneira direta por assim dizer As ideias que apresento portanto tentam girar em outras partes que não as das análises endógenas se me permitem dizer ao campo das análises políticas em sentido estrito sem entretanto deixarem de colocar à medida do possível um problema de exigência ao pensamento869 De início então penso esse problema que me foi posto quando do con vite temático governamentalização privada dos espaços públicos Para mim antes de mais seria preciso botar à nu o que se pressupõe nessa assertiva isto é a diferenciação entre espaço público e privado870 Na aula de 18 de janeiro de 1978871 em seu curso Segurança território população Foucault comenta como 869 AGAMBEN Giorgio Che cosè la filosofia Macerata Quodlibet 2016 p 4951 Se não houvesse exigência mas apenas necessidade não poderia haver filosofia Não o que nos obriga mas o que nos exige não o deverser nem a simples realidade factual mas sim a exigência esse é o elemento da filosofia O que é o pensamento senão a capacidade de restituir possibilidade à realidade de desmentir a falsa pretensão da opinião de fundarse apenas sobre os fatos Pensar significa acima de tudo perceber a exigência daquilo que é real de tornase mais uma vez possível dar justiça não apenas às coisas mas também às suas lágrimas trad nossa 870 Retomo nos próximos parágrafos trechos da entrevista concedida a Vitor Necchi do Instituto Humanitas e publicada no número 495 da revista do IHU Também disponível em httpwwwihuonlineunisinosbrindex phpoptioncomcontentviewarticleid6653secao495 871 FOCAULT Michel Sécurité Territoire Population Cours au Collège de France 19771978 Paris Gallimard 2004 pp 3134 644 estava examinando a noção de que o soberano de um território passou a ser o arquiteto de um espaço disciplinado e ao mesmo tempo um regulador de meios com o intuito de ser um agente que possibilitasse a circulação de gentes merca dorias ar etc De certo modo portanto uma das questões primordiais para se compreender a governamentalização parece ser pensar essa figura do agente que possibilita circulação como uma chave para a leitura dos modos de estrutura ção do podergoverno a partir do século XVIII Vários autores na esteira ou mesmo dialogando com Foucault trataram das mudanças históricas que ainda sofrerão essas figuras dos agentes de circulação sobretudo em suas maneiras de se organizar no capitalismo este que pressupõe uma saída de modos de vidas ditos tradicionais e uma integração na sistemática de circulação seja de riquezas seja até mesmo de sentidos à existência No entanto gostaria de frisar que a própria noção de governamentalização em seu desdobrar histórico nos processos do como governar ainda que imersa nesse contexto generativo é tributária desse esquema de formação da sistemática capitalista de produção como orga nizar gerir da forma mais produtiva e integrativa Assim a governamentalização acaba se tornando uma espécie de pressuposto dessa condição política na era da espetacularização democrática na qual a administração da vida tem em vistas a circulação de riquezas e lembro JeanLuc Nancy quando falando da associação quase inevitável que se faz entre capitalismo e democracia no século XX afirma que o destino da democracia está ligado à mutação do paradigma da equivalência geral de ordem capitalista que quase se tornou sinônimo da democracia872 Seguindo a problemática foucaultiana por meio de um procedimento arqueológico Giorgio Agamben nos chama a atenção para o problema que o próprio conceito de democracia parece carregar desde suas origens gregas Lem bra que democracia politeuma no grego da Constituição de Atenas aristotélica carrega consigo tanto uma dimensão jurídicopolítica constituição quanto uma econômicagestional governo ao ponto de os tradutores para evitar problemas conceituais ora traduzirem politeuma por constituição ora por governo873A políti ca ocidental seria portanto uma máquina articulada de duas formas de raciona lidade justamente a jurídicopolítica e a econômicogovernamental e segundo essa hipótese em seu centro haveria um vazio no qual figuras mitológicas como a soberania popular o poder constituinte os direitos humanos etc serviriam 872 NANCY JeanLuc Vérité de la démocratie Paris Galilée 2008 pp 4447 Cf também NANCY JeanLuc LÉquivalence des Catastrophes Après Fukushima Paris Galilée 2012 p 16 Marx nomeou o dinheiro equivalente geral É dessa equivalência que vamos falar aqui Não para considerála em si mesma mas para considerar que o regime de equivalência geral já absorve virtualmente muito além da esfera monetária ou financeira mas graças a ela e em vista dela todas as esferas da existência dos homens e com eles o conjunto dos existentes trad nossa 873 AGAMBEN Giorgio Note luminaire sur le concept de démocratie In Démocratie dans quel état Paris La Fabrique 2009 pp 913 645 como modos de manutenção de sua própria lógica operativa Podemos dizer que o agente de circulação necessita ainda mais no contexto que se arma do século XIX até nossos dias da bipolaridade dessa máquina e que talvez a melhor ma neira de instrumentalizála tenha se dado justamente com as condições advindas do modo de produção capitalista e poderíamos nos alongar com inquietações sobre como repensar isso que parece ser uma intransponibilidade da dimensão operativa do capital toda a discussão sobre o problema do trabalho em certos vieses da filosofia política contemporânea para tanto importantes são as dis cussões sobre a inoperosidade alavancadas pelo próprio Agamben por JeanLuc Nancy ou ainda Georges Bataille ou Maurice Blanchot Essa digressão me parece útil para perceber que é difícil entender a política contemporânea em termos de público e privado simplesmente Ainda que não se trate de uma divisão taxativa mas algo mais relacionado a uma tensão com positiva entre público e privado é preciso lembrar que essa dicotomia tende a não se sustentar mais e mesmo Hannah Arendt com suas nuances e com uma análise que volta à tradição grega clássica aponta grosso modo para o fim das fronteiras entre oikos e polis com a noção de espaço social Essa máquina política degoverno produz certo obscurecimento das fronteiras entre público e privado e com isso instaura um limiar onde pareceme está em jogo as apostas de uma governamentalização absoluta da vida ademais um parêntese no limite hoje essa governamentalização opera muito mais em uma chave tanatopolítica do que propriamente biopolítica Nesse sentido o lugar vazio do centro da máquina implica uma se assim posso dizer coadunação de forças entre para usar o voca bulário corrente agentes públicos e privados ou para usar outros termos entre o agente de circulação e os efetivos agentes produtores874 Tal arranjo de forças é fun damental para a subsistência dessa máquina políticadegoverno Os espaços de circulação da vida portanto estão perpassados pela lógica ou melhor dizendo tecnologiadessa máquina qual seja gerir os espaços ditos públicos portanto como parte integrante do necessário incremento produtivo que por sua vez au menta a geração de riquezas que importam para o crescimento da própria geração de riqueza e assim sucessivamente numa lógica ilimitada Para tanto o controle dos espaços deve estar no cerne desse modus operandi governamental e a cada vez maior gestão dos espaços ditos públicos pelos agentes produtores ou agentes privados justamente essa noção de governamentalização privada dos espaços públicos é apenas um produto da lógica dessa máquina cuja possibilidade de 874 Falo da produção de riqueza a partir do capital acumulado e investido e ao mesmo tempo também de uma produção da própria existência em outras palavras os bens produzidos que nessa dinâmica supostamente nos fazem progredir enquanto seres viventes tornamse condicionantes de nossa existênciadesde as especiarias que conservavam alimentos à conexão informacional em rede que virtualiza operações outrora inequivocamente ma teriais passando pelo petróleo energia elétrica até as questões nucleares Talvez poderia resumir numa pergunta como pensar a atual civilização sem a dependência autoengendrada de seus próprios produtos 646 sabotagem parece nos escapar a cada instante Mas penso ser necessária uma espécie de linha de fuga nas reflexões so bre essa governamentalização Digo talvez seja possível por meio justamente de análises indisciplinares tocar essa problemática com outras chaves de leituras possíveis Penso em um texto Bruno Latour875 Quarenta anos depois de volta a uma terra sublunar876 Nele o teórico Latour é alguém de difícil definição fala do estranhamento que temos diante das extravagantes espaçonaves que deram início à conquista do espaço há quase meio século Lembranos que as apostas bilionárias desses projetos de progresso ad infinitum o Avante do desenvolvi mentismo tinham em seu bojo uma metáfora um tanto quanto insólita o Pla neta Azul como espaçonave Insólita a metáfora o é na medida em que não temos nenhuma Houston para nos auxiliar num pretenso retorno não temos nenhuma base Ou seja a nós os viventes que constroem cidades segundo a fórmula ba silar da Política de Aristóteles que garante a cidade a polis o lugar da felicidade aos homens uma vez que estes seriam os viventes que possuem a linguagem não está à disposição nenhuma linha direta com uma origem da qual partimos e nesse sentido também na ciência histórica e nas suas variantes história da arte da arquitetura das cidades etc as ideias historicistas que preveem uma cronologia capaz de dar uma inteligibilidade inequívoca ao passado às origens mostramse insólitas É esse ponto de nãoretorno o qual de fato é nossa condição por assim dizer normal que deve ser pensado que deve ser posto como desafio a quem quer que pretenda pensar não apenas as estruturas dos espaços urbanos con temporâneos mas o próprio modo como fazemos experiência da partilha desses espaços aliás mas do que partilha do espaço partilha da vida lembro aqui a interessante ideia sobre essa partilha é aquela dada por Jacques Rancière Dito de outra maneira para nós é preciso tomar o ponto de nãoretorno a partir de um termo que hoje se obscurece mas que se pensado a partir de outra clave é fundamental para nosso exercício de pensamento e práticas sobre a cidade a po lis política Algumas perguntas entretanto parecem ser fundamentais uma vez neste ponto de nãoretorno em que medida as cidades de hoje que muitas vezes chamamos de metrópoles877podem nos dar condições para essa partilha da vida 875 Retomo aqui boa parte de uma pesquisa em desenvolvimento cujos primeiros resultados próximos ao decorrer deste texto já apresentei em outras duas ocasiões em Santiago Chile durante as Segundas Jornadas de Gover namentalidade e na UFPI em Teresina no Primeiro Colóquio Arte História e Vanguardas 876 LATOUR Bruno Quarenta anos depois de volta a uma terra sublunar In MOSTAFAVI Mohsen DOHER TY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Canedo pp 124129 877 Massimo Cacciari em uma conferência no Centro SantApollinare de Fiesola desenvolve argumentos interes santes para se pensar a cidade Apresenta as diferenças entre as noções de polis e civitas e expõe como a seu ver a cidade contemporânea é muito mais herdeira da tradição romana do que da grega Na sequência aponta para o que chama de cidadeterritório ou pósmetrópole Cito o trecho no qual ele começa a apontar para essa noção esta que ainda que não diretamente citada em meu texto e em relação à qual ainda tenho algumas divergências 647 É ainda possível se falar em cidades no sentido da polis e com isso também se falar em política Como nossa tradição que nos legou as cidades pode em alguma medida nos auxiliar a pensar os paradoxos contemporâneos que cortam nossos modos de vida de cima a baixo Para nós que de certo modo temos ciên cia de estarmos na condição de além do ponto de nãoretorno é ainda possível uma experiência da cidade Aliás de que cidade falamos Obviamente que não tenho nenhuma pretensão de resposta para tais perguntas mas é em torno delas que tentarei orientar algumas reflexões sobre isso que Latour chamou de nossa volta à terra sublunar Para iniciar gostaria de partir de algumas questões levantadas por Verena Andermatt Conley que ao retomar as considerações de Félix Guattari em As três ecologias reflete sobre as necessidades de se reorientar as tecnociências como modo de sobrevivência do planeta em meio aos paradoxos ligados aos infindá veis problemas ecológicos e ao crescimento demográfico e claro isso encampa a ideia de ciência nômade de Deleuze e Guattari878 Comentando Guattari ela nos diz que não é possível a reorientação das tecnociências sem uma espécie de reordenação da subjetividade e uma reflexão sobre a formação dos poderes capi talistas Por si só os ajustes não são suficientes e em nosso estado atual o mundo permanece sob o domínio da mídia e do mercado formando com isso uma mas sa infantilizada que sobrevive em conglomerados nefastos De certa forma para sobretudo de nomenclatura está em pleno diálogo com o que desenvolverei nas próximas páginas Cf CAC CIARI Massimo A Cidade Barcelona Gustavo Gil 2010 Trad José J C Serra p 3032 As civilizações urbanas da antiguidade que conhecemos são riquíssimas mas estáveis nas suas formas todas demonstram estarem ligadas à terra quer as grandes cidades mesopotâmicas quer aquelas orientais Quioto Xangai Pe quim eram megalópoles quando Londres e Paris eram aldeias porém as formas permaneceram relativamente estáveis durante séculos As incríveis revoluções da forma urbis são consequência da abordagem à cidade resultante da civitas romana As formas urbanas europeias ocidentais são consequência das características da civitas A cidade contemporânea é a grande cidade a metrópole este é com efeito o traço característico da cidade moderna planetária Toda a forma urbis tradicional foi dissolvida Outrora as formas de cidade eram absolutamente diferentes vejamse as diferenças entre Roma Florença e Veneza Agora só existe uma forma urbis ou melhor um processo único de dissolução de qualquer identidade urbana Este processo que como veremos atinge o seu ponto alto na cidadeterritório na cidade pósmetropolitana tem a sua origem na afirmação do papel central que o nexo lugar de produção e mercado representa O sentido da relação humana reduzse a produçãotrocamercado Aqui todas as relações se concentram e assim todos os lugares da cidade são vistos projectados projectados de novo transformados em função destas variáveis fixas do valor delas Lugares simbólicos são estes e mais nenhuns Desaparecem os lugares simbólicos tradicionais sufocados pela afirmação dos lugares de troca expressão da mobilidade da cidade do Nervenleben da vida nervosa da cidade As novas construções são maciças dominam são um estorvo físico são grandes contentores imaginemse as grandes arquitecturas das típicas cidades industriais o fascínio que por todo o lado exerce a arquitecturafábrica cuja essência consiste no entanto em serem móveis em dinamizarem a vida São cor pos que produzem uma energia mobilizadora desestabilizadora desenraizadora Estas presenças dissolvem ou põem entre parêntesis as presenças simbólicas tradicionais que de facto se reduzem ao centro histórico É assim que nasce o centro histórico enquanto a cidade se desenvolve agora em conformidade com as presenças de produção e de troca dominante e centrais a memória tornase museu e cessa assim de ser memória pois a memória tem sentido quando é imaginativa recreativa caso contrário transformase numa clínica onde pomos as nossas recordações Acabámos por hospitalizar a nossa memória tal como as nossas cidades históricas ao fazermos delas uns museus 878 CONLEY Verena A Práticas urbanas ecológicas As Três ecologias de Félix Guattari In MOSTAFAVI Mohsen DOHERTY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Canedo pp 138140 648 essas considerações de Conley a respeito de Guattari podemos tentar colocar em relação mais uma vez as análises de Michel Foucault sobre a governamentalida de Foucault na famosa entrevista O olho do poder concedida a JeanPaul Ba rou e Michelle Perrot879 nos fala sobre a necessidade de escrever uma história dos espaços que seria ao mesmo tempo uma história dos poderes E é com base nessa necessidade que o filósofo francês realiza suas pesquisas Assim ele nos lem bra que a partir do século XVIII o modelo da governabilidade começa a se formar e a constituir o que denomina de sociedade disciplinar na qual a vida passa a ser o centro dos cálculos do poder a gestão a economia da vida portanto Já no capítulo V de A vontade de saber880Foucault nos fala da inversão lapidar que ocorre na superação do Antigo Regime neste o poder soberano configuravase como uma possibilidade de causar a morte do súdito para a salvaguarda do so berano e por consequência deixava o súdito viver já nas chamadas sociedades disciplinares em que a economia passa a estar no centro da movimentação social por assim dizer lembremos que é o período forte na formação do capitalismo tratase de uma inversão fomentar a vida causar a vida e devolver à morte e Foucault lembra que a desqualificação da morte de pública à privada como lembra Philippe Ariès881 acontece justamente nesse momento No que diz respeito ao espaço urbano tal mudança pode ser exemplifi cada pelas análises feitas por Foucaulta respeito de dois paradigmas médicos a lepra e a peste882 O paradigma da lepra é marcado pela exclusão os lazaretos o fechamento da cidade já o da peste funcionava de modo diverso uma vez que a expulsão dos pestilentos e o fechamento da cidade se fazia impossível Tratavase de estabelecer modelos de controle controle policial justamente e articulação do espaço urbano dividindoo e esquadrinhandoo em regiões vigiadas por su perintendentes médicos e policiais de modo a aumentar a eficácia do controle sobre a vida O que acontece na formação dos espaços urbanos contemporâneos desse modo é que os dois paradigmas começam a fundirse de maneira a lançar o esquema de vigilância da peste sobre aquele da lepra e viceversa Isto é os dispositivos de controle começam a funcionar como mecanismos fundamentais para a individualização e subjetivação dos habitantes do espaço urbano ou seja para sua gestão e controle Esse é o paradigma que desse modo e com o perdão 879 FOUCAULT Michel Loeil du pouvoir In FOUCAULT Michel Dits et écrits Vol II 19761988 Paris Gal limard 2001 p 190 880 FOUCAULT Michel História da Sexualidade I A Vontade de Saber Rio de Janeiro Graal 2005 Trad Maria Thereza da Costa Albuquerque e J A Guilhon Albuquerque pp 127131 881 ARIÈS Philippe Morir en Occidente Desde la Edad Media hasta nuestros días Buenos Aires Adriana Hidalgo 2007 Trad Víctor Goldstein 882 Cf FOUCAULT Michel Os Anormais São Paulo Martins Fontes 2001 Trad Eduardo Brandão 649 do jogo de palavras governa as noções centrais de cidade e metrópole ao menos no ocidente e depois da integração espetacular para dizer com Debord a própria concepção de cidade contemporânea em geral Aqui podemos prolongar essas análises foucaultianas ainda mais adiante no tempo digamos até nossos dias obviamente sem poder entrar nos diversos matizes possíveis Podemos então ainda nos passos de Foucault e de aqueles que com ele de algum modo dialogam fazer um salto até algumas compreensões a respeito desses espaços urbanos contemporâneos para nos aproximar de nossa proposta Para ficar em um exemplo próximo a Foucault e sobretudo de Deleuze lem bremos o que nos diz Paul Virilio sobre as internalizações dos muros e sobre as rupturas das técnicas tradicionais de projeção arquitetural em prol das precauções necessárias para a segurança pública Em seu O Espaço Crítico Virilio trata em alguma medida das práticas de aceleração dos processos espaciais naquilo que chama de protocolos temporais Nesse sentido ele fala da mudança no estatuto dos habitantes de uma cidade Cito Nesta perspectiva sem horizonte na qual a via de acesso à cidade deixa de ser uma porta ou um arco do triunfo para transformarse em um sistema de audiência eletrônica os usuários são menos os habitantes residentes privilegiados do que os interlocutores em trânsito permanente A partir de então a ruptura de continuidade não se dá tanto no espaço de um cadastro ou no limite de um setor urbano mas principalmente na duração duração esta que as tecnologias avançadas e a reorganização industrial não cessam de modificar através de uma série de inter rupções e de ocultações sucessivas ou simultâneas que organizam e desorganizam o meio urbano ao ponto de provocar o declínio e a degradação irreversível dos locais como no grande conjunto habitacional próximo a Lyon onde a taxa de rotatividade dos ocupantes tornouse elevada demais um ano de permanência contribuindo para a ruína de um hábitat que entre tanto todos julgavam satisfatório883 Virilio aqui já aponta para além dessa sociedade disciplinar a que Foucault dá seus sinais e que aqui levantamos de maneira breve isto é fala da sociedade de controle que Gilles Deleuze levando adiante as análises focaultianas trata de examinar e lembro aos dispositivos de poder Deleuze prefere a ideia de agenciamentos de desejo Pensando essas formas ultrarrápidas de controle ao ar livre justamente a partir de Virilio este que aliás também diz que a arquitetura urbana deve a partir de agora relacionarse com a abertura de um espaçotempo tecnológico Deleuze nos diz É fácil fazer corresponder a cada sociedade certos tipos de máquina não porque as máquinas sejam determinantes mas porque elas exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nas cimento e utilizálas As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples ala vancas roldanas relógios mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie máquinas de informática e computadores cujo perigo passivo é a interferência e o ativo a pirataria e a introdução de 883 VIRILIO Paul O espaço crítico São Paulo 34 2014 Trad Paulo Roberto Pires pp 89 650 vírus884 A segurança pública algo que se coloca no movimento de uma espécie de máquina econômica em desenvolvimento ou seja a gestão governo o po liciamento da população o estímulo à vida para que a economia não cesse seu processo de crescimento colocase como finalidade inexorável à estabilização dos espaços urbanos contemporâneos Assim qualquer tentativa de se pensar tais espaços por meio de paradigmas relacionados à polis que detinha uma agorá um centro de decisões do qual participavam os cidadãos um espaço público etc parece hoje fadado ao fracasso E nesse sentido uma política que ainda preconize elementos relativos à autonomia do espaço público à preponderância dos interesses centrais da comunidade de homens que vivem numa polis à ação comunicativa como modo forte de se pensar a relação política não é senão pala vrório vazio Nesse sentido gostaria de retomar algumas análises que o filósofo Gior gio Agamben fez durante um seminário ocorrido em Veneza em 2006 O tema do encontro do qual também participam Tony Negri e Judith Revel era ligado justamente às questões dos conflitos nos banlieus parisienses em 2005 ou seja toda a problemática da segurança social que era levantada pelo estado francês Agamben nos lembra que o termo metrópole etimologicamente significa ci dade mãe e se refere à relação entre a cidade e as colônias Os cidadãos que assim partiam para fundar a colônia eram chamados por um termo curioso en apoikia distante de casa e da cidade O filósofo então observa que metrópole traz consigo uma ideia de deslocamento de heterogeneidade espacial e política E diz a partir disso me vêm algumas dúvidas sobre a idéia corrente da metrópole como um tecido urbano contínuo e relativamente homogêneo Uma primeira consideração é que a isonomia que define por exemplo a polis grega como modelo de uma cidade política é excluída no caso da relação metrópolecolônia e que portanto o termo metrópole transferido para desenhar um tecido urbano carrega consigo essa heterogeneidade fundamental Assim proponhome a reservar o termo metrópole a algo substancialmente outro em relação à cidade à concepção tra dicional da polis isto é de algo política e espacialmente isonômico Sugiro reservar esse nome metrópole ao novo tecido urbano que se funda paralelamente aos processos de transformação que Michel Foucault definiu como passagem do poder territorial do ancien régime da antiga soberania ao biopoder moderno que é na sua essência segundo Foucault governamental885 Se levarmos em consideração essa proposta de Agamben nos traços de Foucault Virilio Deleuze constataremos que aquilo que está em questão no espaço urbano contemporâneo todos os paradoxos e aporias que se nos mostram de maneira quase intransponível é justamente o esgotamento de suas formas ti 884 DELEUZE Gilles Conversações 19721995 São Paulo 34 2013 Trad Peter Pál Pelbart p 227 885 AGAMBEN Giorgio Metropolis In Sopro 26 Abril2010 Trad Vinícius Nicastro Honesko 651 das como tradicionais Em outras palavras o problema dos espaços urbanos con temporâneos é o da própria conformação políticoeconômica isto é a gestação de um modelo de governo de populações muito mais do que modos efetivos de construção de um espaço em comum o que na chave de leitura de Rancière po deria ser dito um regime policial em vez de um regime político886Nesse sentido é preciso um pensamento que esteja à altura de enfrentar os arranjos que tal con formação políticoeconômica nos coloca de modo que a insistência em modelos de análises e supostas soluções que não encarem essas transmutações soa inócua Em questão está mais do que estratégias de adequação e remanejamentos dentro da sistemática políticoeconômica contemporânea adequações estas que nada mais fazem do que edulcorar práticas que escamoteiam o problema lembro a prática corrente dos créditos de carbono por exemplo um efetivo afrontamento dos problemas suscitados por esse espaço a que denominamos metrópole Ou ainda o bojo do problema do espaço urbano está diretamente relacionado com nosso modo de habitar e tal habitação é diretamente relacionada ao éthos hábi to ou caráter isso que está em questão na ética que mais do que ser um sistema normativo tem a ver com a dimensão da felicidade a doutrina da vida feliz a 886 Nesse sentido também são interessantes as análises de Jonathan Crary a respeito dos novos protocolos 247 vinte quatro horas sete dias por semana do capitalismo contemporâneo Em seu livro 247Capitalismo tardio e os fins do sono Crary nos mostra como no contemporâneo e já muito para além do que ocorria pex nas décadas de 60 e 70 a apreensão da vida cotidiana por dispositivos no sentido que ao termo atribui Agamben ou seja mais alargado que o de Foucault cada vez mais capazes de moldar uma subjetividade smart e em stand by isto é numa lógica da ininterrupção do trabalho leva ao alinhamento de funcionamento dos indivíduos ao do mercado produzindo uma catástrofe planetária Não há lugar que não seja ocupado por uma lógica de consumo e assim todas as fronteiras entre público e privado trabalho e descanso etc se esfacelam A aposta de Crary é que talvez o sono seja o último lugar a ser loteado por essa lógica que atravessa os sujeitos e seus lugares e ao tocálos os impele à transformação em mercadoria Cf CRARY Jonathan 247 Capitalismo tardio e os fins do sono São Paulo Cosac Naify 2014 Trad Joaquim Toledo JrCito aqui um excelente trecho das páginas 109110 Ainda na década de 1960 a crítica à cultura de consumo identificou as linhas gerais da dissonância entre ambientes saturados de imagens e produtos e o indivíduo que embora enredado em sua superficialidade e falsidade perce bia ainda que vagamente a discrepância fundamental desses ambientes em relação a seus desejos e necessidades vitais Consumiamse sem cessar produtos que inevitavelmente deixavam de cumprir suas promessas originais ainda que fraudulentas Agora no entanto a existência de uma divergência entre o mundo humano e o funcio namento de sistemas globais capazes de ocupar cada hora de vigília de nossas vidas parece uma ideia datada e impertinente Há muita pressão para que os indivíduos reimaginem e reconfiguremse a si mesmos identifi candose com as uniformidades e valores das mercadorias bem como dos vínculos sociais desmaterializados nos quais estão tão profundamente imersos A reificação chegou ao ponto de o indivíduo precisar inventar uma concepção de si que otimiza ou viabiliza sua participação em ambientes e velocidades digitais Paradoxalmente isso significa assumir um papel inerte e inanimado Essas expressões específicas talvez pareçam profundamente inadequadas para oferecer uma descrição da emulação e da identificação com os acontecimentos e processos instáveis e intangíveis com os quais nos envolvemos por meio da tecnologia Porque não podemos literalmente entrar em nenhuma das miragens eletrônicas que formam o mercado conectado do consumo global somos obri gados a inventar compatibilidades fantasmagóricas entre o humano e um reino de escolhas que é profundamente incompatível com a vida Não é possível harmonizar seres vivos reais com as demandas do capitalismo 247 mas existem inúmeros in centivos para suspender ou disfarçar ilusoriamente algumas das limitações humilhantes da experiência vivida seja emocional ou biológica Figurações do inerte ou do inanimado também operam como um escudo protetor ou entorpecente que impede o reconhecimento do caráter dispensável da vida nos arranjos econômicos e ins titucionais contemporâneos Há uma ilusão difundida de que quanto mais a biosfera terrestre é aniquilada ou irreparavelmente danificada os seres humanos podem magicamente se dissociar dela e transferir suas interde pendências à mecanosfera do capitalismo global Quanto mais nos identificamos com os substitutos eletrônicos virtuais do eu físico mais parecemos simular nossa desobrigação do biocídio em curso por todo o planeta Ao mesmo tempo nos tornamos assustadoramente indiferentes à fragilidade e à transitoriedade das coisas vivas reais 652 que Aristóteles faz referência887 Em um texto de 2001 denominado A comunidade afrontada o filósofo francês JeanLuc Nancy fala sobre a exaustão de nossas próprias categorias de pensamento Isto é a exaustão seria do pensamento muito mais do que do modo como colocamos modelos de cidade claro que como leitor de Heidegger a referência não pode deixar de considerar todo o problema da superação da meta física isto é não uma replicação em torno ao dado a cidade que aí está mas uma nova maneira de pensar e conceber a cidade as relações políticas e como no que diz respeito à própria representação do espaço habitado tal como lembra Franco Farinelli de conceber a própria concepção de Terra888 Logo na abertura do texto diz O estado presente do mundo não é o de uma guerra de civilizações É uma guerra civil é a guerra civil intestina de uma cidade de uma civilidade e de uma urbanidade que estão se desen volvendo até os limites do mundo e de tal fato até à extremidade de seus próprios conceitos Na extremidade um conceito se quebra uma figura distendida explode uma lacuna aparece Também não é uma guerra de religiões ou então toda guerra dita de religiões é uma guerra intestina ao monoteísmo esquema religioso do Ocidente e nele de uma divisão que se leva também aí às bordas e às extremidades para o Oriente do Ocidente e até à quebra e à fratura bem no meio do divino Tanto que o Ocidente só teria sido a exaustão do divino em todas as formas do monoteísmo e que seja a exaustão por ateísmo ou por fanatismo O que chega até nós é uma exaustão do pensamento do Um e de uma destinação única do mundo isso se exaure em uma única ausência de destinação em uma expansão ilimitada da equivalência geral ou ainda por consequência nos sobressaltos violentos que reafirmam a onipotência e a onipresença de um tornado devenu ou retornado redevenu sua própria monstruosidade Como por fim ser séria absoluta e incondicionalmente ateus sendo capazes de a partir disso fazer sentido e verdade Como não sair da religião pois no fundo isso já 887 Cf também CACCIARI Massimo Op cit p 67ss 888 Em seu belíssimo A invenção da Terra Franco Farinelli expõe como a questão da representação está no cerne dos problemas relacionados ao como habitamos o mundo Por meio de diversas digressões sobre a formação do globo e a noção de globalização Farinelli tenta pensar o lugar a habitação dos homens em nosso tempo Cf FARINELLI Franco A invenção da terra São Paulo Phoebus 2012 Trad Francisco Degani Cito em especial um dos trechos finais pp 132135 Mas se o mundo é um globo todos os pontos podem ser o centro ou seja o centro é plural e móvel e em consequência a proximidade das coisas não implica em sic sua homogeneidade e isotropismo Exatamente do modo como pensamos sem perceber apenas quando olhamos um pedaço da face da Terra como paisagem Podese dizer isso de outra maneira mais sintética se o mundo é uma esfera ou uma paisagem e não mais uma carta geográfica não existem mais nem espaço nem tempo O que ainda nos importaria muito pouco se não fosse exatamente assim e cada vez mais que o mundo hoje funciona pois existe algo que chamamos apressada mente de globalização e o que quer que seja significa antes de tudo a impossibilidade de continuar a fingir que a Terra não é o que é um globo O mundo é um globo ou seja algo funcionalmente descontínuo não homogêneo anisotrópico Tomemos o caso das cidades É realmente paradoxal que hoje se continue a falar de cidades globais que seriam as cidades que comandam a economia mundial uma economia que pela primeira vez na história da humanidade funciona simultaneamente como uma única coisa não necessariamente as maiores cidades da Terra na lista figura Zurique por exemplo mas aquelas capazes de controlar a atividade financeira e suas inovações É paradoxal porque enquanto tal nenhuma cidade é completamente global no sentido em que as funções de comando referentes aos processos de globalização nunca estão caso a caso na cidade toda mas somente numa restrita e às vezes minúscula parte dela cercada por um tecido urbano que apesar de topo graficamente isto é fisicamente em contato com ela não tem nada a ver com o exercício de controle em escala planetária mas é o primeiro a sofrer seus efeitos Tratase de questões graves que dizem respeito ao próprio conceito de cidade e cidadania e por essa razão nos levam ao início de nossa história ao se criar nossa primeira identidade 653 foi feito e as imprecações dos fanáticos contra isso nada podem elas são isso sim o sintoma como o deus gravado no dólar mas sair do monolitismo de pensamento que permaneceu o nosso simultaneamente História Ciência Capital Homem eou Nulidade Isto é como ir ao fundo do monoteísmo e de seu ateísmo constitutivo ou daquilo que poderíamos nomear seu ausenteísmo para aí apreender ao contrário de seu esgotamento aquilo que seria capaz de se extrair do niilismo de sair de seu interior Como pensar o nihil sem transformálo em monstruosidade onipotente e onipresente889 A dimensão da superação do Um esse grande fantasma do ocidente que nisto a que damos o nome de globalização ou nas palavras de Debord sociedade do espetáculo integrado hoje vaga como o grande fantasma divino pelo planeta azul urge como possibilidade para repensar nossos modos de habitar o céu sublu nar para lembrar Latour E é também de Latour que gostaria de retomar algumas ideias antes de partir para a conclusão Em um texto denominado Não há mundo comum é preciso compôlo publicado na revista Multitudes em 2011 ele nos fala da simplificação que a política e aqui digo uma política calcada sobre a primazia do Um do consenso e nesse sentido podemos ler todas as teorias baseadas ingênua ou propositalmente numa dimensão de uma suposta ação comunicativa impu tou à tarefa da composição de um mundo de uma morada possível Não há mundo comum Jamais houve O pluralismo está conosco para sempre Pluralismo de culturas sim das ideologias das opiniões dos sentimentos das religiões das paixões mas também pluralismo das naturezas das relações com os mundos vivos materiais e também com os mundos espirituais Nenhum acordo possível sobre o que compõe o mundo sobre os seres que o habitam que o habitaram que devem habitálo Os desacordos não são superficiais passageiros devidos a simples erros de pedagogia ou de comunicação mas fundamentais Eles ferem as culturas e as naturezas as metafísicas práticas vividas vivas ativas890 Simplificação que parece ser um taxativo impedimento à tarefa do pensa mento digamos Nessa chave lembro que Jorge Luís Borges certa vez disse que se algo fosse inesquecível não poderíamos pensar em nada Pareceme que a hiper trofia de uma memória que tenta a todo custo insistir na imagem no sentido de uma ilusão portanto e se lembrarmos a etimologia de ilusão in ludere podemos perceber o jogo de erro em que nos colocamos nessa insistência de um mundo comum total a grande memória cibernética constitui um apagamento de nossas possibilidades de pensar Nesse sentido pensar tem a ver com o desacordo com a possibilidade de encarar o abandono de modelos préestabelecidos e fantasiosos no que diz respeito à vida em comum Falamos em reorganização reesta belecimento renovação dos espaços públicos mas pouco pensamos sobre o re A quê essa partícula re se refere A um passado idílico que parece ser nosso horizonte A uma retomada Mas retomar o que Como pensar o novo ten do sim em conta o passado num sentido caro a Walter Benjamin mas não de 889 NANCY JeanLuc La communauté affrontée Paris Galilée 2001 pp 1112 890 LATOUR Bruno Il ny a pas de monde commun il faut le composer In Multitudes n 45 Special été 2011 Disponível em httpwwwmultitudesnetilnyapasdemondecommunil trad nossa 654 forma a ficarmos presos a modelos de pensamento Talvez sejam essas as tarefas mais urgentes de nosso tempo Lembrome aqui do mesmo JeanLuc Nancy em entrevista a Pierre Chaillan Em determinado momento o entrevistador diz que para Nancy trabalhar para um mundo e um homem melhores é pensar o presen te e pensar no presente e em seguida pergunta O senhor rejeita portanto a visão da mudança como projeto ao que o filósofo responde Como projeto sim A projeção o planejamento a prospectiva e a programação não fizeram mais do que projetar o que era possível de précalcular em um momento dado sempre E por consequência bloquear a imagem de um futuro já em liberdade vigiada assigné à résidence1 Claro é preciso prever e calcular mas é preciso antes chegar a ver o que deve ser visto e por consequência previsto É necessário projetar com antecedência mais carros Veículos movidos a energia diferente mas com o princípio idêntico de deslocamento quase individual Sem carros e outros transportes Quais Para qual gênero de cidade Qual gênero de viagem Che gamos rapidamente para além do projetável e do possível Ora tratase de um foradopossível sempre Os burgueses em 1430 não tinham nenhuma ideia do que iria acontecer em 1492 quando Colombo chegaria em uma ilha americana E em 1930 não tínhamos a menor ideia da Europa e do mundo em 1992 O que não quer dizer que não é preciso fazer nada é preciso estar atento mas atento ao que não é visível reconhecível formado891 Estar atento ao nosso lugar ao nosso hábitat ao nosso éthos num mote que nos lembra maio de 68 sejam realistas demandem o impossível892 Estar atento e olhar como quem sai à rua para bater pernas com um lápis em mão para lembrar a bela imagem de Virgina Woolf estar atento e olhar como um Guy Debord à deriva pelas por ele chamadas articulações psicogeográficas de um espaço urbano moderno estar atento e olhar não para um projeto de futuro tampouco para uma imagem petrificada de um passado perdido mas para aquilo que nos constitui nós estes viventes possuem linguagem e que constroem cidades como seres de potência e que não têm nenhuma obra destino ou finalidade por realizar Nesse sentido é preciso que em primeiro lugar tenhamos condições de sair da ingenuidade e possamos nestes tempos de urgência ter um pouco de lu cidez para ao menos poder ler nosso tempo Como diz Giorgio Agamben quem quer que tenha conservado alguma lucidez sabe que a crise sempre está sempre acon tecendo que ela é o motor interno do capitalismo em sua atual fase assim como o estado de exceção é hoje a estrutura normal do poder político E como o estado de exceção exige que existam porções cada vez mais numerosas de residentes privados de direitos políticos e que aliás e no limite todos os cidadãos sejam reduzidos a vida nua assim a crise tornada permanente exige não apenas que os povos do Terceiro Mundo sejam sempre mais pobres mas também que um percentual crescente de cidadãos das sociedades industriais seja marginalizado e destituído de trabalho E não há Estado denominado democrático que não esteja hoje comprometido até 891 NANCY JeanLuc O comunismo é o sentido do seremcomum por pensar Disponível em httpflanagens blogspotcombr201402ocomunismoeosentidodoseremcomumhtml 892 Possibilidade e impossibilidade aqui não são apenas modais no sentido de estabelecer alternativas reais ou ima ginárias de tipo ou isto ou aqui pex mas a emergência dinâmica do novo o imprevisível de uma revolução que é apenas linha de transformação linha de fuga e não um advento irreversível e total da sociedade finalmente messianicamente transformada digamos 655 o pescoço com essa maciça fabricação da miséria humana893 O tempo da crise da urgência a nós se abre como único horizonte pos sível Isso não quer dizer que tenhamos que lamentar a perda nessa indistinção generalizada entre público e privado de um espaço da política Pelo contrário apenas tendo consciência desse ponto de não retorno é que poderemos pensar e viver uma nova forma de estar em comum E é diante dessa estruturação de um caráter permanente de crise crise que é também e sobretudo do modo como nos colocamos em jogo nessa sociedade do espetáculo integrado do mundo que podemos não apenas bradar uma saída para a crise com os famosos re do retorno da reestruturação e mesmo de uma revolução mas abrir o flanco para uma guerra Como diz o Comitê invisível A profusão quotidiana de informações para uns alarmantes para outros apenas escandalosas molda nossa compreensão de um mundo globalmente não inteligível Seu aspecto caótico é a neblina de guerra por trás da qual ele se torna inatacável É por meio de seu aspecto ingo vernável que ele é realmente governável Aí está a malícia Ao adotar a gestão de crise como técnica de governo o capital não se limitou a substituir o culto do progresso pela chantagem da catástrofe ele quis reservar para si a inteligência estratégica do presente a visão de conjunto sobre as operações em curso É isso que com ele é importante disputar Tratase em matéria de estratégia de voltarmos a estar dois passos adiantados em relação à governança global Não há uma crise da qual é preciso sair há uma guerra que precisamos ganhar894 E por fim gostaria lembrar de um autor de quem gosto muito Pier Paolo Pasolini Ele que nostálgico de um mundo que já nos anos 60 via se destruir por aquilo que chamava de neofascismo fruto de um neocapitalismo desen volvimentista apontava para uma mutação antropológica que estaria em curso O homem mais do que simplesmente seus espaços de morada é que sobretudo estava mudando e não uma mudança banal mas justamente uma mudança que como diz se contaria em milênios Ainda que possa parecer pessimista eu diria mais polemista a lucidez com que Pasolini encarou seu tempo uma luci dez digna do adágio latino nec spe nec metu sem esperança sem medo talvez possa ser a tradução do realismo que demanda o impossível Termino assim com suas palavras de 1968 Palavras de um polemista que portanto devem ser aqui contextualizadas ainda que sejam extremamente contemporâneas Para mim suas palavras assim como seus filmes e poemas podem funcionar como uma espécie de saudação uma saudação para o nosso retorno a este frágil e precário e para nós único mundo sublunar Um indivíduo que faz algo propondo o melhoramento do mundo é um cretino A maior parte aqueles que publicamente trabalham para o melhoramento do mundo termina na prisão por trapaça Além disso o mundo sempre consegue por fim integrar os heréticos Na realidade o mundo nunca melhora A ideia de melhoramento do mundo é uma daquelas ideiasálibis com que se consolam as consciências infelizes ou as consciências obtusas incluo nesta classificação 893 AGAMBEN Giorgio Mezzi senza fine Note sulla politica Torino Bollati Boringhieri 1996 p 103 trad Nos sa 894 COMITÊ INVISÍVEL Aos nossos amigos São Paulo N1 2016 Trad Ed Antipáticas p 19 656 os comunistas quando falam de esperança Portanto um dos modos para ser útil ao mundo é dizer claro e redondamente que o mundo nunca irá melhorar e que seus melhoramentos são metahistóricos ocorrem no momento em que alguém afirma uma coisa real ou realiza um ato de coragem intelectual ou civil Somente uma soma impossível de tais palavras ou de tais atos efe tuaria o melhoramento concreto do mundo E esse seria o paraíso e ao mesmo tempo a morte O mundo ao contrário pode piorar isso sim É por isso que é necessário lutar continuamente e lutar depois por um objetivo mínimo ou seja pela defesa dos direitos civis quando foram conquistados através de lutas precedentes Os direitos civis estão de fato eternamente amea çados eternamente no ponto de serem suprimidos Também é necessário lutar para criar novos tipos de sociedade na qual o programa mínimo dos direitos civis é garantido Por exemplo uma sociedade verdadeiramente socialista895 REFERÊNCIAS AGAMBEN Giorgio Che cosè la filosofia Macerata Quodlibet 2016 Metropolis In Sopro 26 Abril2010 Trad Vinícius Nicastro Honesko Mezzi senza fine Note sulla politica Torino Bollati Boringhieri 1996 Note luminaire sur le concept de démocratie In Démocratie dans quel état Paris La Fabrique 2009 ARIÈS Philippe Morir en Occidente Desde la Edad Media hasta nuestros días Buenos Aires Adriana Hidalgo 2007 Trad Víctor Goldstein CACCIARI Massimo A cidade Barcelona Gustavo Gil 2010 Trad José J C Serra COMITÊ INVISÍVEL Aos nossos amigos São Paulo N1 2016 Trad Ed Antipáticas CONLEY Verena A Práticas urbanas ecológicas As Três ecologias de Félix Guattari In MOSTA FAVI Mohsen DOHERTY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Canedo CRARY Jonathan 247 Capitalismo tardio e os fins do sono São Paulo Cosac Naify 2014 Trad Joaquim Toledo Jr DELEUZE Gilles Conversações 19721995 São Paulo 34 2013 Trad Peter Pál Pelbart FARINELLI Franco A invenção da terra São Paulo Phoebus 2012 Trad Francisco Degani FOUCAULT Michel História da Sexualidade I A Vontade de Saber Rio de Janeiro Graal 2005 Trad Maria Loeil du pouvoir In FOUCAULT Michel Dits et écrits Vol II 19761988 Paris Galli mard 2001 Os Anormais São Paulo Martins Fontes 2001 Trad Eduardo Brandão Sécurité Territoire Population Cours au Collège de France 19771978 Paris Gallimard 2004 LATOUR Bruno Il ny a pas de monde commun il faut le composer In Multitudes n 45 Spe cial été 2011 Disponível em httpwwwmultitudesnetilnyapasdemondecommunil Quarenta anos depois de volta a uma terra sublunar In MOSTAFAVI Mohsen DOHERTY Gareth Orgs Urbanismo Ecológico São Paulo Gustavo Gili 2014 Trad Joana Ca nedo NANCY JeanLuc La communouté affrontée Paris Galilée 2001 LÉquivalence des Catastrophes Après Fukushima Paris Galilée 2012 Vérité de la démocratie Paris Galilée 2008 O comunismo é o sentido do seremcomum por pensar Disponível em httpflanagensblog spotcombr201402ocomunismoeosentidodoseremcomumhtml PASOLINI Pier Paolo Melhoramento do mundo In Revista Cult N 196 Trad Davi Pessoa VIRILIO Paul O espaço crítico São Paulo 34 2014 Trad Paulo Roberto Pires 895 PASOLINI Pier Paolo Melhoramento do mundo In Revista Cult N 196 Trad Davi Pessoa p 30 657 PERCORRENDO LOCALIDADES E ENCONTRANDO O OLHAR REFLETIDO DA HUMANIDADE RECRIANDO O NOMOS NA GLOBALIZAÇÃO Wayne Morrison896 O santo Sínodo ordena que as imagens de Cristo são para serem mantidas particularmente nos templos e que a essas imagens deve ser dada a correspondente honra e veneração não por que se creia que nelas existe divindade ou virtude alguma pela qual mereçam o culto ou que se lhes deva pedir alguma coisa ou que se tenha de colocar a confiança nas imagens mas sim porque a honra que se dá às imagens se refere aos originais representados nelas Ensinem com muito esmero os Bispos que por meio das histórias de nossa Reden ção expressas em pinturas e outras cópias o povo é instruído e sua fé é confirmada e recapitulada continuamente Além dis so se conseguem muitos frutos de todas as sagradas imagens não apenas por recordarem ao povo os benefícios e dons que Cristo lhes concedeu mas também porque se expõe aos olhos dos fiéis os salutares exemplos dos santos milagres que Deus lhes concedeu com a finalidade que dêem graças a Deus por eles e regulem sua vida e costumes aos exemplos dos santos Se alguém ensinar ou sentir ao contrário a estes decretos seja anátema extratos da Sessão XXV Concílio de Trento 1547 896 Wayne Morrison é Professor da Faculdade de Direito da Universidade Queen Mary de Londres membro da British Society of Criminology Sociedade Britânica de Criminologia BSC da European Society of Crimi nology Sociedade Europeia de Criminologia da American Society of Criminology Sociedade Americana de Criminologia do Council for Education in the Commonwealth Conselho de Educação da Commonwealth da Society of Legal Scholars Sociedade de Juristas SLS e da LawAsia Em 2004 se formou Doutor em Direito LLD University of London e em 1991 Doutor em Filosofia PhD Universidade de Londres LSE premiado a distinção Morris Finer Memorial Studentship in Law e o WG Hart Studentship em 1983 concluiu o Mestrado em Direito LLM pela Universidade de Londres LSE com distinção e em 1978 Bacharelado em Direito LLB University of Canterbury na Nova Zelândia 658 Fig 1 lateral de um edifício na esquina da Av Independência centro de Porto Alegre foto Wayne Morrison 27 de outubro de 2017 INTRODUÇÃO CAMINHADAS NOMOS E ATOS DE ENCONTRO Centro de Porto Alegre 27 de outubro de 2017 Retornava a pé de um almoço no Mercado Público havia entrado em duas igrejas para observar as ima gens mas hesitei à tentação de caminhar em um parque com uma estátua um tanto angustiada Praça Dom Sebastião na qual decidi não caminhar Repenti namente fui surpreendido por uma imagem na lateral de um edifício neoclássico um tanto abandonado Ao lado de uma propaganda que eu presumo ser de uma incorporação imobiliária há uma imagem em preto e branco do que julguei ser uma mulher indígena A imagem está em um cartaz de tamanho médio e um pouco rasgado na parte de baixo Não há indicação do que signifique ou do por quê de estar lá não há inscrições além do nome Xadalu na parte inferior ao lado do rasgo Eu parei e contemplei quem é essa mulher ela está viva ou é falecida essa imagem aponta à sua ausência ou à sua presença Por que o cartaz está aqui Eu olhei nos olhos da mulher quase como se eles fossem revelar um sentido querendo que eles revelassem um sentido por trás dessa aparição mas o olhar dela não encontrou o meu Apenas mais tarde quando pesquisei Xadalu na internet aprendi que é o nome artístico de Dione Martins da Luz que mora e trabalha em Porto Alegre e usa a personagem da Xadalu que apareceu pela primeira vez em 2004 como uma forma de manifestação artística uma inserção na superfície no ambiente urbano cotidiano fazendo referência à destruição da cultura indígena 659 procurando fazer presente o que agora está ausente com a destruição da cultura anterior e outras formas sociais e ambientais Minha caminhada pelo centro de Porto Alegre naquele dia de outubro de 2017 é uma função do meu nomos o que Robert Cover chama de universo normativo 1983 Cover nos lembra de que vivemos inseridos e constantemente criamos e mantemos um mundo de certo e errado de lícito e ilícito de válido e nulo897 Nós singular e em medida variável coletivamente tomamos nossas próprias decisões interpretativas as quais podem por vezes ser contrárias a outras definições objetivas impostas por um modo Imperial e apoiado pela violên cia do Estado podemos fazer e fazemos concessões e às vezes nós ou outros sentimos as dores da violência do Estado em nome da epistemologia estatal Os nossos mundos são em parte privados nosso mundo nosso nomos mas habitamos formas especiais de um Globo dividido por um direito espacial o nosso nomos é sempre uma particularidade constituída de espaço e tempo Para o teórico alemão Carl Schmitt o nomos convencionalmente se refere ao direito ou aos princípios que governam a conduta humana mas essa foi uma disposição es pecial uma divisão do mundo Como uma disposição jurídicoespacial o Nomos foi a estruturação global que continha em si diferentes ordens legais econômicas e sociais Em sua base foi constituído por processos de apropriação distribuição e produção que então tomaram formas de positivismo e normativismo como se fossem um reflexo natural do mundo Schmitt 2003 1950 79 A Coloniza ção apoiada pela teoria do direito ocidental sujeitou o globo a processos de apropriação histórica distribuição e produção que nos legam hoje uma realidade geográfica estruturada por pretensões apoiadas por legalidade à posse defesa e compreensões normativas de amigo e inimigo de estrangeiros e familiares A tomada da terra dependeu do entendimento jurídico dos territórios a serem co lonizados como espaço livre e resultou em uma ordem espacial do mundo pen sada administrada e aplicada pela Europa o sistema estatal europeu inteiro foi dependente da colonização e imperialismo Esse processo também dependeu da divisão de humanos entre os civilizados os europeus e os outros esse processo Schmitt viu como um desdobrar do resultado das Grandes Guerras e um novo Nomos estava sendo constituído Escrevendo depois de Schmitt e influenciado por Hobbes e Peter Berger Co ver 1983 oferece uma noção mais personalista do nomos e contrasta o nosso nomos com as definições Imperiais do Estado e de organizações extraestatais nas quais a liberdade e anarquia da nossa habilidade interpretativa é situada em narrativas e em compromissos interpretativos que buscam a criação e a manutenção de uma vida 897 NT no origina void 660 comum de um mundo social Localizados nessa ordem social as pessoas tomam decisões decisões que são normativas com base em narrativas experiências e visões dentro de as quais a norma articulada é a resposta certa A ação humana é sempre estendida entre visão e realidade p 44 mas quem ou o que controla o que vemos até que ponto obtemos em algum momento a compreensão do que vemos para nem mencionar o processo envolvido em permitir que vejamos o que vemos Então comigo eu podia entrar nas igrejas de Porto Alegre entusiasmarme com as bancas e baresrestaurantes do Mercado Público mas achei aquele parque um espaço potencialmente hostil e não caminhei nele Meu nomos é construído pelos desenvolvimentos da minha vida minhas jornadas poderíamos chamálos de colono branco para o póscolonial ou profissionalmente précriminologia e comcriminologia alternativamente eu poderia descrever a minha própria vida como uma jornada para o pósreligioso o qual em um certo sentido se iguala a uma visualidade contida e incontida Ambos cobrem a mesma fissura e estão profundamente arraigados com o visual mas denotam características próprias da divisão Eu cresci em um lar moderadamente católico na pequena cidade de Timaru na Ilha Sul da Nova Zelândia na era de informação limitada que antece deu a internet e na qual o universo prático das pessoas focava nas belas paisagens do campo na agricultura e no esporte Minha educação foi em escolas católicas eu fui primeiro coroinha após 1983 chamados de servidores do altar e mulhe res são autorizadas a servir na pequena Igreja de São José depois na Basílica do Sagrado Coração e no ensino médio eu recebi o prêmio da escola por conheci mento religioso em dois anos consecutivos O meu prêmio demandava que eu fosse a cidades maiores para engajarme em debates com outros vencedores escolares de todo o país Lá Wellington e Christchurch eu encontrei catedrais com vitrais calvários detalhados e mais majestosamente representações do juízo final que talvez apesar de grandiosas deixavam de fora detalhes dos retratos do inferno sobre os quais eu lia e que forneciam os tropos898 centrais nos locais europeus O inferno conforme Hannah Arendt uma vez expressou em termos de um conceito político perdido era a grande presença que acompanhara a hu manidade ocidental por centenas de anos ele lembrava a todos de que qualquer que fosse a posição de alguém em vida todos ao final devem encarar o juízo final e a divisão eterna entre céu ou inferno Mais tarde eu vim à Europa Londres e trabalhei com comida e vinhos antes de me dedicar a estudos de pósgraduação em Criminologia e Teoria do Direito Subsequentemente viajei e tive extensas experiências contemplando interpretando 898 NT No original tropes do inglês mas a palavra é originária do grego trópos que significa desvio sendo assim o sentido aqui empregado tanto na língua inglesa e portuguesa será de tropo como emprego de palavra ou expres são em sentido figurado 661 E ao contrário da maneira pela qual a teoria social é normalmente apre sentada para mim bem como para a maioria dos seres humanos o visual veio antes do logos PODEMOS ESCAPAR DA NOSSA PRÓPRIA LOCALIDADE PELA VISÃO DA VERDADE EM IMAGENS DE ATROCIDADES Fig 2 Mãe conduzindo criança por uma das salas Museu Nacional da Libertação Dhaka Bangladesh 2004 Foto Wayne Morrison Então eu cresci a serviço de um poder a Igreja o meu Diretor tinha es peranças de que eu me tornasse um sacerdote que havia restringido os tipos de imagens que eu podia ver na Igreja e em meu tempo de crescimento as tecnolo gias de comunicação permitiam que poucas imagens perturbadoras penetrassem nas restrições do nosso normal O mundo do senso comum da Ilha Sul da Nova Zelândia Mas contrastemos o Concílio de Trento com a fig 2 O século XIII foi um tempo de grande controvérsia na Europa a respeito do poder da imagem e em particular das imagens das fontes de vida humana então aceitas e da estru turação do cosmos O Todo Poderoso e a união do divino e do terreno na figura de Cristo o Filho de Deus feito Homem Não é de se admirar que o poder institucional da Igreja tinha que convocar o grande Concílio de Trento e dispor diretrizes a respeito das imagens e provocar a forma correta de resposta Que a imagem tinha poder não estava em questão era a respeito de com que propósito 662 aquele poder era para ser usado e em que contexto uma apreciação adequada poderia ocorrer Entre o Concílio de Trento e uma mãe guiando a sua jovem filha ao longo de pilhas de crânios humanos ossos e imagens de atrocidades em um peque no museu em Dhaka Bangladesh dedicado a mostrar um crime de genocídio tentado sem punição está o iluminismo a modernidade e a constituição do Nomos no sentido de Schmitt O iluminismo é normalmente representado como a retirada do véu da visão humana a inauguração da habilidade de enxergar com precisão para encontrar a realidade livre de interpretações arbitrárias de autori dade A razão e não constrições institucionais arbitrárias de poder era para ser a autoridade da humanidade e uma emancipação deveria se seguir A moder nidade foi o complexo social político econômico e cultural que estava assim autorizado uma era de grandes mudanças de complexidade ampliada e fluidez nos modos da vida social de avanço tecnológico de preocupação com a saúde de enormes aumentos em população e tratamentos médicos de libertação do desejo humano e do engajamento de indivíduos e grupos em círculos de consu mo A modernidade viu também um aumento na habilidade humana e talvez na vontade humana de conscientemente e deliberadamente estuprar mutilar e matar outros humanos sob a direção do estado ou de órgãos associados ou com a aquiescência de estados civilizados e das mais insidiosas operações racionais de biopoder Então uma questão desconcertante e frequentemente obscura será a atrocidade em massa uma falta menor um fato que ocorre quando grupos particulares e específicos historicamente se tornaram maus como o resultado de algum fator determinante historicamente específico e contextualmente limitado Ou é a atrocidade e o genocídio de alguma maneira o gêmeo malvado da modernidade Talvez não seja estranho mas muito compreensível que isso não tenha sido uma questão dentro da imaginação criminológica Uma cria da mo dernidade e do nomos a criminologia nasceu na união contingente de uma fé na ciência nos seus métodos de pesquisa bem como na esperança de avanço da vida social pela aplicação dos seus resultados e o compromisso políticomilitar de Vestfália da divisão do globo conhecido em um sistema de estadonação com divisão de graduações entre a Europa e o outro colonial Nascidos nos horrores das guerras religiosas intraeuropeias de liberdade epistêmica a Soberania de Vestfália estabelecida depois do Tratado de Vestfália um nome dado a dois tratados firmados em 1648 e a soberania reconhecida como a força central da organização da vida política pela teoria política hobbe siana consideraram o estadonação como um estado territorial e fizeram da ob tenção das condições da vida social para seus súditoscidadãos a razão para a exis tência do estado A obtenção e a defesa do território envolvia policiar definido amplamente uma questão interna e uma capacidade militar de deter intrusão 663 desde fora Guerras deveriam ser geridas por questões de acordos internacionais entre estados soberanos com nãointerferência nos interesses de outro estado soberano como um princípio central Interesses internos ao estadonação eram questões para o governo daquela nação Com o tempo tornouse aceito que o governo legítimo deveria ser racional ou seja os seus servidores deveriam ser oficiais desempenhando o seu papel tal qual definido pelas normas legais apro priadas e agindo de acordo com os princípios de boa governança A criminologia convencional tem sido um conjunto de discursos que ofe recem uma ilusão de policiamento guiado por ciência Essa criminologia foi uma ciência aplicada um apoio ao estado na redução ou mesmo na solução no pro blema do crime Também deveria ter sido independente um conjunto multidis ciplinar de metodologias e teorias que pudessem ser testadas e reproduzidas ou descartadas de acordo com critérios científicos Mas essa habilidade de oferecer uma descrição fiel do crime e da criminalidade foi e permanece sendo compro metida pela sua fundação ontológica a habilidade do estadonação de definir o que é crime e o contrato social não escrito de ser indiferente ao que está fora da nação veja o frontispício do Leviatã de Hobbes de 1651 no qual o povo olha para dentro e apenas o olhar do Soberano é dirigido para fora Se estados tivessem o direito último de declarar ou seja de criar legislação que definisse a natureza de relações sociais legais e de controlar a reserva de legitimidade da força para processar incapacitar e em muitos casos matar aqueles ditos criminosos então o empreendimento científico da criminologia estaria contaminado para uma explicação completa veja Morrison 20062013 Em nenhum lugar isso foi mais evidente na busca do criminoso natural pela criminologia positivista Lombroso e demais enquanto ignoraramse as vastas atrocidades cometidas em nome do estado veja por exemplo o extenso texto ambiciosamente intitulado Crime and Human Nature the definite account of the causes of crime de Wilson and Hernstein 1985 o qual ignora tudo o que não fora incluído nas estatísti cas oficiais estadunidenses criminais e outras exemplificados acima no caso dos eventos de 1971 no Paquistão Oriental hoje Bangladesh Lá sob o disfarce de questões internas as autoridades militares do Paquistão Ocidental conseguiram tentar suprimir uma mudança política aniquilar uma elite sociopolítica e causar eventos que o governo subsequente daquele território agora Bangladesh inde pendente afirma terem custado 3 milhões de vidas em um genocídio tentado uma afirmação a qual eu contestaria considerando que o número atual seja aprox 400000500000 mas eu aceitaria os números de 10 milhões de refugia dos e de até 250000 mulheres estupradas Esse foi apenas um dos muitos even tos em larga escala nos quais é estimado que entre 1890 e 2000 foram tiradas as vidas de 170200 milhões de pessoas muito mais do que os números oficiais de homicídios mas fora do discurso da criminologia Em uma das mais bem conhe 664 cidas tentativas da criminologia moderna tardia de enquadrar uma teoria geral do crime que supere o problema ontológico e ofereça explicações para todos os crimes em todos os tempos Gottfredson and Hirschi 1990 essa generalidade foi alcançada pela fidelidade aos fatos observados de comissão criminal aqueles da criminologia convencional ocidental oficial O pósmoderno é embasado no entendimento de que os projetos para exercer controle racional na modernidade tiveram diversos efeitos novas tecno logias maravilhosas mas em parte a transformação de humanos em bioórgãos em modelos matemáticos de química e funcionalidade física com muitas das tentativas de estruturar a vida social de modo controlado por exemple Fascismo e Comunismo Soviético demonstrando sucesso por um curto período em mol dar um corpo social no qual destruiu a individualidade e foram no longo prazo fracassos monstruosos todos ocasionando um custo imenso em vidas humanas e abusos do espírito humano O refrão pósmoderno foi desistir de histórias de progresso humano em grande escala dizer que esquemas utópicos de organização social tinham produzido terror então não sonhem e busquem apenas peque nas narrativas submerjamse na imanência da localidade Porém o pósmoderno também repousa no reconhecimento da impossibilidade da localidade abstrata localidades são globalizadas mesmo se a autoconsciência dos andarilhos não for claramente ciente disso A crescente dificuldade dos estadosnações em repro duzir soberania globalização interdependência a proliferação de tecnologias o desmembramento de imagens de seu contexto e localidade a digitalização e a manipulação dos registros de realidade social o reconhecimento de que direito significa muito mais do que o direito estatal monolítico agindo em conexão com alguma sociedade homogênea são apenas alguns exemplos disso O pósmoderno agora desvaneceu somos póspósmodernos a globaliza ção consumiu o pósmoderno A globalização como eu seguindo Nancy 2007 entendo denota uma era na qual a disponibilidade arquivada das tecnologias da comunicação e da informação significa que não é mais possível conceber o mundo como um desconhecido a história está presente e não há espaços escuros no globo E não há lugar desde o qual podemos ver tudo para opor a Borges e à sua metafísi ca de presenças detrás de aparências não se pode ver Aleph pois se está no Aleph899 Quais são os prospectos então para os fundamentos e metodologias adequadas para uma criminologia global póspósmoderna Onde pode a estabilidade ser al cançada Somente no jogo constante de revelar e esconder ou de procurar e encon trar de interpretar e resistir ao imperialismo da interpretação estadista ou às vezes na habilidade de enquadrar essa interpretação E os atos de fala tais como a decla 899 NT Aqui o autor está se referindo à obra literária El Aleph do autor Jorge Luis Borges publicada em 1949 665 ração de que direitos humanos existem Então um criminologista contemporâneo pode promover direitos humanos universais e não específicos ao Estado como uma fundação ontológica para além do estadonação ou territorial crime como o abuso aos direitos humanos como o fornecimento de prejuízo social tendo a cons ciência de que não há coisas tais como os direitos humanos que não sejam como um produto de tal afirmação e caso sejam bemsucedidos no seu reconhecimento de atos de fala Uma narrativa comum para o desenvolvimento em direção a uma perspectiva global é o da emergência de um código de legalidade um código que não é a criação de um Estado ou e uma elite política mas da consciência do mun do empoderada pelas memórias de incontáveis falhas em proteger e nas esperanças de um futuro no qual atrocidades em massa sejam superadas Mas o que pode fornecer uma metodologia proporcionando provas não contaminadas Imagens de atrocidades propõem muitas questões Em um cam po nós podemos ver um modernista se apegando à imagem como uma nova forma de capturar a realidade de dizer a verdade nisso as posições do fotógrafo do sujeito da foto e do observador têm objetividade Dito sem rodeios como por Virginia Woolf as imagens de atrocidades são afirmações de fatos brutais e os fatos são simplesmente maus 1938 21 e 260 Para Levinson 1997 a fo tografia pode prover uma testemunha muda e imparcial da realidade Para outro campo exemplificado por Susan Sontag 1977 a fotografia fornece um novo meio o qual requer tantas habilidades interpretativas quanto a pintura Ela nos alertou a respeito de depositarmos muita fé nas imagens como um poder para o bem Imagens trespassam Imagens anestesiam elas podem também corromper a consciência 1977 20 Em algumas versões da análise cultural pósmoderna a fotografia veio para substituir a realidade para Jean Baudrillard 2001 147 a realidade funda a si mesma devido a uma infindável reduplicação do real Consequentemente ver a imagem é entrar em uma relação de equivalência de indiferença na qual testemunhamos apenas a extinção do original Em seu ex tremo tal tese parece nos condenar à inatividade e ao tédio Encarando a prolife ração da imagem estava a mensagem de que simplesmente nos tornamos voyeurs turistas em um mélange mistura de imagens e textos no qual o assassinato em nassa de 800000 inocentes em Rwanda em nove meses em 1994 ao menos nos proporciona oportunidades magníficas para tirar fotos e então baixar imagens do youtube ou livros de fotografia com design artístico Em um trabalho posterior tendo testemunhado a ocorrência continua de atrocidades em massa tais como o desmembramento da Iugoslávia Sontang 2003 modificou a sua posição e argumentou que imagens de atrocidades são capazes de construir pontes entre grupos ao proporcionar uma verdade da guerra da violência do sofrimento de maneiras que podem confrontar várias audiências incluindo os perpetradores confrontando portanto a vida diária no nomos das pessoas 666 FOCO QUATRO IMAGENS Em foco estão quatro imagens o que está sendo testemunhado O que podemos ler nessas imagens Qual é a política de se olharem imagens de atroci dades Podem as imagens de atrocidades serem etiquetadas definidas categori zadas Fig3 Fonte Bartolomé de Las Casas Brevísima relación de la destrucción de las Indias texto manuscrito 1542 publicado em espanhol vernacular em 1551 Tradução usada Griffin Penguin ed 1992 Imagem 2 de 18 na página 10 de 1599 da edição em Latim Frankfurt trabalhando a partir da tradução para o francês de 1579 Entalhes por Theodore de Bry esta imagem foi dita baseada em outra imagem mais antiga O Brevísima relactión foi uma tentativa de pressionar no leitor a urgência da experiência americana a importância de estar lá e de estar lá com intenções inocentes Pagden 1992 xxx O texto ao lado da imagem diz a ilha de Hisponiola atualmente Haiti e República Dominicana foi a primeira a testemunhar a chegada dos europeus e a primeira a sofrer a matança generalizada do seu povo e a devastação e a despopulação da terra Eles impuseram os seus desejos aos povoados nativos chacinando todos que eles encontraram lá incluindo crianças pequenas homens ve lhos mulheres grávidas e até mulheres que haviam recém dado à luz Eles os esquartejaram abriram as suas barrigas com as suas espadas como se fossem muitas ovelhas levadas a um curral Eles chacinaram todo mundo e a todos em seu caminho por vezes atravessando mãe e filha com um único golpe de suas espadas Eles não pouparam ninguém erguendo forcas nas quais pudessem pendurar acima do solo as suas vítimas pelos pés para depois queimálas vivas treze de cada vez em honra ao nosso Salvador e aos doze Apóstolos ou amarrar palha seca aos seus corpos e neles atear fogo Uma vez ocorreu de eu pessoalmente testemunhar a 667 queima de quatro ou cinco líderes locais dessa maneira quando os uivos das pobres criaturas se colocou entre o comandante espanhol e o seu sono Ele deu a ordem de que os prisioneiros deveriam ser estrangulados mas o homem encarregado do destacamento da operação que era mais sanguinário do que o carrasco médio eu sei a sua identidade e até conheci alguns de seus parentes em Sevilha e estava relutante em interromper o seu entretenimento pessoal pelo estrangulamento estava pessoalmente socando batoques de madeira nas suas bocas para que parassem com a gritaria e deliberadamente cuidou para que as fogueiras fizesse demorar a morrer conforme mandava a sua própria vontade Esta imagem é uma das 18 adicionadas a uma edição posterior de um texto inicialmente escrito em meados do século XVI Qual era o contexto A conquista espanhola das Américas está resultando em grandes remessas de ouro e outras ri quezas de volta à Espanha A Espanha Católica parece destinada a se tornar o gran de poder da Europa e estender o seu domínio sobre o mundo Estamos também no início de uma luta contrária de uma exposição de atrocidades e argumentos a favor dos direitos iguais de toda a humanidade que muitos agora consideram o nascimento ativo da campanha moderna por direitos humanos Mas se o cresci mento desse movimento depender das narrativas daqueles que foram testemunhas do sofrimento de companheiros humanos então ele tem problemas Em primeiro lugar a realidade sociopolítica dessa ocupação é tal que qualquer um que participe tem interesses ligados à sua continuidade Os sobreviventes dos massacres são ou vendidos como escravos ou dados aos oficiais espanhóis locais como seus direitos o declínio populacional da terra libera espaço para a colonização a única fraqueza é a contínua necessidade de trabalho para as minas e os campos uma necessidade que vai com o tempo demandar que negros africanos sejam trazidos como escravos através dos mares Todos inclusive os padres têm um interesse econômico Em segundo lugar há importantes argumentos ideológicos e aparentemente embasa dos na filosofia e na doutrina os quais defendem que os nativos daquelas terras são pagãos e inferiores aos espanhóis cristãos e naturalmente ocupam um lugar inferior na hierarquia da criação Mas outros intelectuais cristãos discordam então um conflito entre de um lado a realidade social dos interesses econômicos com o desejo de usar as descobertas para ganhos em termos de riquezas e o interesse nacional na expansão e na aquisição de riqueza Estatal parcialmente necessário para financiar guerras na Europa e a proteção de interesses históricos lá e de outro lado o reconhecimento teológico e filosófico de que toda a humanidade é digna de igual respeito A contradição toma uma forma precisa no encontro da neoescolás tica espanhola do século dezesseis com as realidades da dominação sobre o Novo Mundo A tentativa de sanar essas contradições e criar uma doutrina humana da exploração do encontro e da proteção legal da coabitação de diferentes grupos ét nicos veio na pessoa de Bartolomé de Las Casas Las Casas tinha primeiro vindo às Índias da Espanha em 1502 aos 18 anos de idade e depois de retornar à Espanha quatro anos mais tarde para continuar seus estudos foi ordenado ao sacerdócio e passou dois anos após o seu ordenamento estudando direito canônico Em 1509 ele viajou novamente ao Novo Mundo onde ele serviu como capelão na conquista 668 espanhola de Cuba e firmou residência em Hispaniola A vida para os espanhóis nas índias ocidentais incluindo para os sacerdotes se dava por meio da exploração dos índios de uma encomienda um sistema pelo qual foram dadas aos colonizadores espanhóis extensões de terras e o direito ao trabalho forçado do povo nativo em troca de uma promessa de instruílos na fé Os frades da Ordem dos Pregadores os Dominicanos acreditavam que o sistema não possuía justificação teológica e tentavam mediar a brutalidade Em 1514 Las Casas mudou profundamente de entendimento libertou os seus índios trabalhadores escravos e começou a desafiar as atrocidades que via Ele ingressou na Ordem Dominicana criou um grande corpo de tratados memoriais e testemunhos bem como se engajou politicamente tornandose o Protetor dos índios o cargo estatal oficial ao qual foi nomeado pela coroa Os argumentos de Las Casas contra o sistema da encomienda os seus relatos da crueldade e neofeu dalismo dos conquistadores em seu Historia de las Indias resultou na promulgação das Leis Novas de 1542 por Carlos V determinando que nenhum índio seria mais escravizado e que os funcionários públicos não dependeriam mais das suas encomiendas Desnecessário dizer que as Leis Novas jamais foram implementadas ou aplicadas como previsto Em 155051 um painel de teólogos e juristas foi instruído a ouvir a ambos a Las Casas e ao seu principal inimigo intelectual Juan Ginès de Sepúlveda a debater as bases filosóficas e teológicas da ocupação espa nhola das Américas e se as justificações de Sepúlveda deveriam ser publicadas Apesar de extensa e revestida de caminhos complexos e circulares a oposi ção era clara Seria a natureza do cosmos e do homem tal que estaria organizada em graus hierárquicos de valor e haveria portanto uma diferença natural entre os ti pos de humanos demonstrados em seus diferentes valores culturais e práticas com a consequência de que a escravidão pelo superior seria uma consequência natural e lógica Ou pode a estrutura de similaridade ser percebida sob o relativismo e a di ferença de comportamento crença e prática Em outras palavras será que a diver gência entre culturas provou não uma divergência lógica ou natural entre superior e inferior bem como entre civilizado e sem civilidade e dentro do ou sem direito mas apenas diferença Para Las Casas havia uma similaridade essencial sob a dife rença Qualquer ritual por exemplo que se seguisse eram requeridas dedicação e devoção assim sendo ele afirmou um desejo de comunicar com o todopoderoso invisível se põe por trás das práticas religiosas tanto de espanhóis quanto de índios A Verdade pode ser uma mas as expressões da Verdade eram variáveis e diversas a diferença pode não ser erro mas apenas uma diferença em expressão Em contraste para Sepúlveda a criação dividiu o cosmos em segmentos on tologicamente distintos e hierarquicamente organizados Enquanto para Las Casas a diferença em natureza não divide pois a diferença é parte do natural e a lei da natureza pode ser uma para todos Não há uma posição não há um indivíduo mais perto de Deus que o outro 669 O painel julgou em termos ambíguos aos textos de Sepúlveda não se permi tiu a publicação mas nenhuma nova lei foi criada e quaisquer proteções aos índios que tenham sido prometidas a Las Casas não se tornaram realidade Las Casas pu blicou o Brevísima relación que havia sido enviado anteriormente a Felipe II tendo como destinatário diretamente a Felipe II As afirmações de Las Casas pretendiam informar à coroa o que estava sendo praticado em seu nome Em seu prólogo ele estabelece o direito Divino de governar e adiciona a condição de que se o direito de governar é um presente de Deus então quando a comunidade sofre pelos defeitos de maldades a explicação só pode ser a de que o governante desconhece esse sofri mento e corrigirá a situação quando for informado da realidade O Brevísima relación foi publicado em vernáculo espanhol a língua do povo e não em Latim a língua da elite europeia Ele queria que isso se comunicasse com o povo que informasse Ele pensou de maneira otimista e incorreta que o teste munho das atrocidades influenciaria a opinião pública As suas ações fizeram dele uma figura histórica controversa santo ou traidor Las Casas é rotulado como o criador da lenda negra ou seja da narrativa usada na Europa Protestante de que a Espanha Católica era excepcionalmente cruel violenta e gananciosa por poder e riquezas Isso tem muita relação com as posteriores traduções e publicações tais como as de De Bry que publicou uma série de relatos das grandes viagens de exploração e conflito agora ilustradas com entalhes em cobre A inquisição havia forçado De Bry um Protestante a fugir de sua terra natal de Flandres controlada pela Espanha e a se estabelecer como um ilustrador e entalhador em Frankfurt Após uma visita à Inglaterra na década de 1560 De Bry e seus filhos planejaram um projeto ambicioso chamado Grandes Viagens à América uma iniciativa editorial a qual reeditaria séries de volumes de grande circulação recheados de relatos da exploração do Novo Mundo previa mente publicados agora com entalhes detalhados e imaginativos em cobre feitos por De Bry Mais de trinta volumes foram publicados por de Bry e seus filhos Foi influenciado pelo cosmógrafo Richard Hakluyt de Oxford um forte propo nente da colonização inglesa das Américas De Bry usou as suas Grandes Viagens para popularizar relatos de exploradores franceses ingleses e alemães e para gerar publicidade na Europa em prol de um projeto de colonização Protestante que pudesse competir com aqueles de Portugal e da Espanha Católicos A Espanha foi retratada como inerentemente cruel os índios como ou vítimas fracas ou em imagens semelhantes às poses nobres das imagens clássicas gregas e romanas As 18 imagens da Brevísima relaciónmostram cremações esfolamentos desmem bramentos selvagerias com cães e outras torturas diversas todas ilustradas de maneira fantástica de modo a prover mesmo à audiência analfabeta com uma ideia de o quão horríveis os Católicos podem ser veja Conley 1992 para uma interpretação aprofundada das imagens e explicação da estratégia de De Bry Esses relatos de atrocidades coloniais espanholas gerou um sentimento anties 670 panhol por toda a Europa e até mesmo dentro da própria Espanha com força suficiente para desestabilizar o poder espanhol no Novo Mundo Gibson 1971 É o bastante a respeito da imagem tradicional a pintura xilogravura ou enta lhes em cobre Susan Sontag 1977 153 argumentou que as imagens que têm uma autoridade praticamente ilimitada em uma sociedade moderna são principalmente imagens fotográficas em razão de propriedades peculiares a imagens registadas por câmeras Essas imagens são capazes de usurpar a realidade já que a fotografia é não apenas uma imagem como uma pintura é uma imagem uma interpretação do real mas também um vestígio algo estampado diretamente a partir do real como uma pegada ou uma máscara mortuária Uma pintura mesmo perfeitamente realística não é nunca mais do que a afirmação de uma interpretação uma fotografia nunca é menos do que o registro de uma emanação ondas de luz refletidas por objetos um vestígio material do seu sujeito de uma maneira a qual nenhuma pintura pode sêlo Fig 4 Garoto olhando para uma planta de borracha natural cortada extrato de látex pingan do em um balde Fonte Coleção Alice Harris AntiSlavery International Londres À primeira vista é impossível interpretar a Imagem 4 como uma imagem de uma atrocidade mas quando contextualizada e colocada em uma narrativa de direitos humanos ela se torna uma imagem reveladora da realidade por trás das práticas genocidas no coração da dominação pessoal do Rei Leopoldo II da Bélgica sobre o território na África hoje conhecido como República Democrática do Con 671 go uma extensão de terra maior do que a Europa Ocidental a qual tomou a vida de pelo menos 8 milhões de pessoas entre 1885 e 1908 Las Casas foi um partici pante de práticas genocidas que mudou Ele foi um viajante tal qual Joseph Con rad que desempenhou um pequeno papel às margens do Estado Livre do Congo legado a Leopoldo pela Conferência de Berlim que talhou a África e a dividiu entre as potências europeias 1884 Conrad 1899 apresentou o seu relato como o romance O Coração das Trevas o qual continha a frase memorável de que lá não havia controles externos Nenhum órgão externo podia intervir ninguém sabia Para Leopoldo seus estratagemas eram melhores deixados na sombra e escuridão e poucos suspeitavam que processos e miséria humana pagaram pelos maravilhosos monumentos que ele construiu para tornar Bruxelas uma rival de Paris com seus Arc de Triomphe e maravilhosos Museus particularmente aqueles de artefatos na tivos mementos das explorações de Stanley e animais empalhados em Tervuren para um comentário completo veja Morrison 2006 capítulos 5 e 6 A máquina de propaganda de Leopoldo estava organizada ao redor da nar rativa central de civilizar o Congo de derrotar o comércio árabe de escravos e de trazer os benefícios do comércio ocidental o território era denominado Estado Livre do Congo o Livre significando livre comércio A realidade era a de que esse comércio ocidental era um sistema neoescravatista de trabalhos forçados de exploração dos nativos na produção para o consumo ocidental primeiro de mar fim e depois da borracha que havia na natureza Apesar de haver alguma oposição interna foi por meio dos esforços de Missionários e ativistas estrangeiros Alice Harris e ED Morel que havia sido um funcionário e se deu conta de que enviar armas e munição e quinquilharias e receber de volta marfim e borracha não era livre comércio por exemplo que foram apresentadas imagens que quebraram a hegemonia da história oficial veja Hoschscild 1998 No Solilóquio do Rei Leopoldo 1905 de Mark Twain um monólogo imaginário que é conduzido por Leopoldo e ilustrado com fotografias da coleção de Harris Leopoldo afirma que a câmera Kodak foi a única testemunha que ele não conseguiu subornar Porém esse suposto realismo em favor da fotografia pelos direitos humanos precisa ser contextualizado tendo em vista que havia um universo de mídias que apoiavam a narrativa oficial A revista popular Le Congo Illustre Voyages et Traveaux des Belges dans lEtat Independent du Congo Congo Ilustrado Viagens Trabalhos de Belgas no Estado Livre do Congo operou de 1892 a 1895 e expôs muitas das imagens que estabeleceriam as bases imagéticas da representação do projeto do Congo Isso foi mais tarde fortalecido pela série de volumes intitulada Etat Independent du Congo e publicados pela Muse du Congo precursor do Museu Real da África Central em 19034 Publicada em 1904 como uma série de Anexos aos Anais do Museu do Congo sob o título LEtat Independent du Congo Document sur le pays et ses 672 habitantsa série usou cerca de 1500 fotografias As notas prévias estabeleceram o objetivo como o de trazer uma realidade às pessoas Aqui a Kodak é usada como um instrumento de reafirmação Essas fotos são fragmentos de um proces so complexo com muitos determinantes entrecruzados mas lá são apresentadas com pouca indicação dessa complexidade Reagrupadas elas são reunidas para constituir uma nova entidade uma realidade carimbada com a autenticidade científica do Museu Como uma totalidade eras vão constituir a evidência da natureza salutar do projeto colonial humanitário do Estado Livre do Congo O texto oferece a narrativa de um processo civilizatório transformando o nativo africano em um corpo disciplinado capaz de operar no novo espaço geosocial rotinizado e bemestruturado que era para ser o estado civilizado O texto fun ciona como uma instituição de autoridade Ocidental Por meio do museu e desses textos Leopoldo procurou reconhecimento sob o olhar belga já que era por esse mecanismo que a população da Bélgica poderia se apropriar dessa causa O leitor é seduzido em uma retórica de auto parabenização Se e isso não era de fato provável dadas as medidas sufocando publicações um membro da audiência tivesse ouvido os rumores da realidade do Congo e das medidas tomadas para a produção de borracha aqui estava uma rejeição autêntica O texto do Museu mostra algumas imagens da coleta de bor racha as quais fornecem uma imagem de agricultura sustentável na qual os na tivos haviam cuidadosamente feito cortes nas plantas e explorado a extração As imagens 3 e 4 apresentam realidades diferentes Debaixo de grande pressão para produzir borracha este jovem cortou a planta silvestre em seções isso trará um retorno máximo desta vez mas vai condenálo a um retorno decrescente Incapaz de reproduzir esse retorno ele em realidade já assinou a sua sentença de morte Em comparação uma das imagens mais dramáticas que Harris registrou foi de Nsala de Wala com a mão e o pé de sua filha em maio de 1904 Um homem local Nsala tinha vindo à estação missionária de Baringa com um pequeno embru lho contendo as extremidades mutiladas de sua filha pequena A prática de decepar mãos em particular havia se tornado relativamente comum pela ação de membros da Force Publique a força semimilitar semipolicial tecnicamente por causa do controle sobre o número de cartuchos usados durante as suas expedições para a co leta de borracha mas também como uma forma de aterrorizar a população com a finalidade de produzir mais borracha No caso de Nsala tanto a sua esposa quanto a sua filha haviam sido mortas e mutiladas e ele tinha conseguido resgatar apenas uma pequena mão e um pequeno pé para mostrar como prova Nsala foi fotografa do sentado e com um olhar perdido como as duas pequenas mãos ao fundo dois outros nativos observavam Alice esposa de John enviou a fotografia revelada de volta à GrãBretanha com o comentário A fotografia é muito reveladora e como uma avalanche vai despertar em qualquer audiência uma explosão de raiva veja Thompson 2007 Sob a influência de ED Morel que havia formado a Asso 673 ciação da Reforma do Congo o casal Harris percorreu tanto a Europa quando a América com uma apresentação de slides das Atrocidades do Congo em lanterna mágica contendo a sua coleção de imagens A imagem de Nsala apareceu na forma impressa em muitos lugares incluindo o panfleto de Mark Twain vários livros dedicados às atrocidades do Congo como O Regime do Rei Leopoldo no Congo de ED Morel e em vários outros jornais e periódicos Leopoldo tentou o seu trunfo Harris era um Protestante e a história havia mostrado como a Europa Protestante via o colonialismo Católico mas a maré da opinião pública estava contra ele ele vendeu a colônia para o Estado Belga em 1908 Na sua história Adam Hochschild chamou esta a primeira campanha de sucesso em favor dos direitos humanos na história mas eu sou mais contido Leopoldo lucrou ninguém jamais foi punido e quando ao Congo foi mais tarde dada a independência o país assumiu um débito nacional veja Morrison 2006 capítulo 5 Fig 5 Membros do Batalhão de Polícia Reserva 101 olhando e sorrindo para a câmera quan to um de seus companheiros registra uma foto de lembrança de suas ações aktions contra os judeus Fonte Taffet 1945 Para Goldhagen 1998 A disposição desses alemães de fazerem um registro fotográfico extenso de seus feitos incluindo as suas operações de matança no qual eles aparecem com expressões animadas e orgulhosas de homens inteiramente confor táveis com o seu ambiente a sua vocação e com as imagens que estão sendo preservadas é prova convincente de que eles não se concebiam como tendo se envolvido em crimes e muito menos em um dos maiores crimes do século Sontag havia afirmado que a câmera torna a todos um turista na realidade de outras pessoas e finalmente na sua própria isso é apropriado para todo um gênero de imagens que eu em outro momento chamei de turismo genocida Mor rison 2004 O advento da produção em massa e relativo barateamento da câmera significou a possibilidade de circularem imagens registradas pelos próprios perpe 674 tradores em condições nas quais as autoridades estatais não as teriam tolerado A primeira imagem que eu colocaria nessa categoria vem de uma imagem desbotada do Sudoeste Afriano Alemão hoje Namíbia no genocídio Herero de 1904 ela mostra uma fila de corpos e dois soldados alemães uniformizados e com sorrisos complacentes no plano frontal As imagens do Batalhão de Polícia Reserva foram usadas por Goldhagen como uma prova visual de que a sua tese de um período his tórico particular de antisemitismo alemão era uma explicação para o Holocausto Para ele esta imagem assim como outras imagens semelhantes demonstra prova visível da vontade dos alemães em participar no Holocausto eles não foram co agidos não foram enganados mas foram os Carrascos Voluntários de Hitler Ele assume um observador universal a imagem ilustra para nós como era célebre para os alemães o seu ativo descaso para com os Judeus como os brinquedos para a sua própria satisfação Mas elas não provam isso a existência de imagenstroféu nas memórias de soldados japoneses dentre outros demonstra que Goldhagen poderia deixar que a imagem provasse a ele a sua tese apenas porque não havia visto imagens de atrocidades suficientes E as imagenstroféu do abuso de prisioneiros pelos guardas militares estadunidenses em Abu Ghraib O presidente dos EUA George Bush 6 de maio de 2004 BBC online afirmou que ele pedia desculpas pela humilhação sofrida pelos prisioneiros iraquianos e pela humilhação sofrida por suas famílias mas que ele pedia desculpas igualmente pelo fato de que as pessoas que vissem essas imagens não entenderiam a verdadeira natureza e o coração dos EUA Para Sontag 2004 essas imagens revelaram uma mudança menos objetos a serem guardados do que mensagens a serem disseminadas circuladas A câmera digital agora significava que as imagens entraram em circulação imediatamente e assim os perpetradores aparentemente não tinham a noção de que havia qualquer coisa de errado no que as fotos mostram 675 Fig 6 Uma criança judia sendo fotografada pelo Instituto de Pesquisa Racial para que pu desse ser classificada de acordo com tipo raciais no Terceiro Reich Meados dos anos 1930 MEPLArquivo de Weimar O projeto de classificar de acordo com a raça penetrou profunda mente na consciência cotidiana Esta imagem também precisa de contextualização em uma narrativa de procedimentos racialistas científicos biopoder para darlhe poder explanató rio Genocídios não acontecem simplesmente Somos familiares com um padrão de processos históricos de estigmatização rotulação no qual a linguagem se torna um indicador de que um grupo está sendo preparado ou suscetível a ações que antecedem o genocídio A linguagem que retratava o judeu como um parasita um verme estava apoiada em descobertas científicas de eugenia e características hereditárias Em cartazes e imagens a pátria o espaço civilizado da Alemanha de veria ser protegida pela contenção e então solução do problema da contaminação O que fazemos dessa captura em imaginário as características de um outgroups900 Sontag 1977 5 afirma que a consequência de a fotografia se tornar o modo primário de se capturar a realidade é o desenvolvimento de uma catalogação bu rocrática nas quais populações móveis são vigiadas e mantidas estáveis Em uma das Leis de Nuremberg a Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemães a lei le gitimou o antissemitismo racista e tornou a pureza de sangue em uma categoria jurídica Dawidowicz 1975 63 Rubenstein 1978 4 O processo destrutivo demandou a cooperação de todos os setores da sociedade alemã Os burocratas elaboraram as definições e os decretos as igrejas deram evidências de descendên cia ariana os serviços postais levaram mensagens de definição expropriação des naturalização e deportação corporações empresariais dispensaram os seus empre gados judeus e retomaram propriedades arianizadas as ferrovias carregaram as vítimas aos seus lugares de execução um lugar disponibilizado à Gestapo e à SS pelo Wehrmacht Exército Alemão Onde se encaixa essa imagem no debate entre argumentar que apenas alemães em um ambiente cultural específico aquele de um antissemitismo eliminatista Goldhagen e aquele de homens ordinários situados em um complexo de forças muitas das quais eram banais incluindo pressão dos pares do grupo Browning 1998 Quando as forças comunistas Viatnamitas liberaram o Camboja dos horrores do Khmer Vermelho em 1979 e foram tratadas como invasoras de um espaço soberano pelos poderes ocidentais eles encontraram no centro de interrogatório de Tuol Sleng anteriormente uma escola depois um centro que processa mais de 15000 pessoas para a sua morte e agora um museu e trampolim para matanças na região pilhas de fotografias abandonadas retratando a todos que haviam sido interrogadoseliminados Cada detento tinha tido que sentar em uma cadeira especial com um encosto de cabeça 900 Outgrup remete a ideia de alteridade de grupos dos quais o eu ou o nós entende por não pertencer 676 proeminente e ajustável para terem as suas fotos tiradas de frente e de perfil ar quivos e registros do interrogatório e das confissões foram mantidos Para que propósito Eles não serviam a um propósito operacional na época mas deram um registro de todos os que foram processados Participação na manutenção de registros da modernidade Aceitase então Charny 1986 148 os assassinos em massa da humanidade são em grande medida seres humanos ordinários aquilo a que nós chamamos de pessoas normais de acordo com definições atualmente aceitas pela profissão da saúde mental ENTRANDO NA GLOBALIZAÇÃO Agora não temos desculpas para não saber Temos muitas imagens mas não há uma chave estabelecida para se lerem essas imagens nem um conjunto de definições e limites para o que uma imagem de atrocidade realmente é Nós ainda mantemos a controvérsia do século XIII a respeito do poder de uma imagem mas aqueles de nós que agiriam de maneira crítica não aceitariam diretrizes institucionais a respeito de como interpretar e nem onde postar ou o que ver Pode a criminologia se transformar em uma empreitada global Ela precisaria de transformação e se a imagem pode ajudar a criminologia a en frentar os grandes impunes crimes que tem ignorado então um lastro mais amplo possível de imagens deve ser considerado Algumas questões podem ser respondidas a gama de imagens deixa claro que humanos cometem atrocidades em massa em condições específicas com fatores explicativos específicos históri cos e complexos mas o alcance de processos e pessoas envolvidas significa que não há segurança derivada da afirmação de que atrocidades podem acontecer apenas em tais e tais condições Walter Benjamin 2008 1935 defendeu que a autoalienação alcançou um grau tal que a humanidade pode experienciar a sua própria destruição como um prazer estético da primeira ordem Podemos ser assombrados pela observa ção de Walter Benjamin apesar de ter ela ter sido feita sobre a arte durante o fascismo para a esperança e a confiança de que em tempos pósmodernos nós podemos confiar na imagem e a imagem pode trabalhar para a humanidade Uma das razões por que Las Casas escreveu o seu Brevísima relación foi o seu medo pelo futuro da Espanha Já que acreditava no Deus Todopoderoso e no Dia do Juízo Final ele tinha medo de que Deus aplicaria castigo divino em ra zão dos horrores que a Espanha estava causando à própria Espanha e destruir o seu poder e trazer terríveis sofrimentos aos seus povos Com o que substituímos aquele medo do grande Dia do Juízo Final Há algora uma série de museus de atrocidades repletos de imagens O que significa visitálos Bauman 1993 80 afirma que o eu moral é sempre assombrado pela suspeita de que não é moral 677 o suficiente se isso é verdade então qualquer ideia de um nós coletivo deve se abalar Ver imagens de atrocidades nos museus Nacional da Libertação Dhaka da Armênia de Nanking do Holocausto da Ruanda do Camboja caminhar pelo Museu Real da África Central em Buxelas é perceber que qualquer que seja a emoção provocada o mundo o mundo secular não faz justiça onde a questão é genocídio Podemos explicar isso afirmando que a modernidade dizia respeito ao estadonação e à construção de um espaço civilizado dentro de fron teiras territoriais e a extinção de nossas preocupações referentes ao estupro e à sujeição dos outros territórios do globo foi o preço oculto que pagamos pelo nosso espaço civilizado o nosso nomos Alternativamente poderíamos dizer que a escassez de informação poderia ter sido uma explicação O globo estava divi dido em termos de espaço tempo e forma mas não estamos mais naquele lugar Primeiro o telégrafo fotografia e agora a World Wide Web encolheram as divisões distâncias Mas isso foi substituído por um excesso de informação produzindo alguns suspeitam o semsentido e a incoerência do excedente Podemos ver nisso quaisquer razões para otimismo Uma das imagens que uso eu registrei em Tuol Sleng em 2007 Era para ter sido uma foto de uma foto maior tirada pelos burocratas do Khmer de uma mulher imobilizada em uma posição tal que a imagem poderia ser registrada de perfil A foto original é preservada por trás de uma proteção de vidro e a minha imagem final tem uma sombra É a imagem refletida de mim mesmo tirando a foto da foto e pouco mais ao lado há uma reflexão de outra pessoa me observan do tirar a foto da foto Quanto eu mostrei isso em uma apresentação alguém per guntou quem é esse observando e o que estão fazendo De fato quem Então de volta à imagem da mulher indígena em Porto Alegre o artista criou um cartaz e criou um evento procurou fazer visível a presença ausente perturbar o nomos Então a globalização a recriação do nomos mas o efeito e o futuro permanecem incerto Então Clarice Lispector A criação não é a compreensão é um novo mistério Quan do eu morri um dia eu abri meus olhos e lá estava Brasília Eu estava só no mundo Havia um táxi estacionado Sem um motorista Oh que assustador Esperei até o anoitecer como alguém esperando pelas som bras para fugir Quando caiu a noite percebi com horror que era inútil independentemente de onde eu estivesse eu seria visto O que me aterroriza é visto por quem Clarice Lispector 19622015 5712 678 REFERÊNCIAS Baudrilard Jean 2001 Symbolic Exchange and Death in Mark Poster ed Jean Baudrilard Selec ted Writings 2nd ed Cambridge Polity Bauman Z 1993 Postmodern Ethics Cambridge WileyBlackwell Benjamin Walter 2008 1935 The Work of Art in the Age of Its Technological Reproduction and Other Writing on Media ed Michael Jennings Cambridge Mass Harvard University Press Browning Christopher R 1998 1992 Ordinary Men Reserve Police Battalion and the Final Solution in Poland New York Harper Perennial Charny Israel W 1986 Genocide and mass destruction doing harm to others as a missing dimen sion in psychopathology Psychiatry 49 2 pp 144157 Conley Tom 1992 De Brys Las Casas in Amerindian Images and the Legacy of Columbus Rene Jara and Nicholas Spadaccini eds Minneapolis University of Minnesota Press 1992 Conrad Joseph 1899 1988 Heart of Darkness Robert Kimbrough 3rd ed New York WW Nor ton Company Cover Robert 1983 The Supreme Court 1982 Term Forward Nomos and Narrative Yale Scho larship Repository at httpdigitalcommonslawyaleeducgiviewcontentcgiarticle3690contex tfsspapers Dawidowicz L 1975 The War Against the Jews 193345 New York Holt Rinehart Winston De Las Casas Bartolome 1992 1542 A Short Account of the Destruction of the Indies trans Griffin London Penguin Gibson Charles 1971 The Black Legend AntiSpanish Attitudes in the Old World and New New York Knopf Goldhagen D 1996 Hitlers Willing Executioners Ordinary Germans and the Holocaust London Little Brown Gottfredson M and Hirschi T 1990 A General Theory of Crime Stanford Stanford University Press Hochschild A 1998 King Leopolds Ghost A Story of Greed Terror and Heroism in Colonial Africa Boston and New York Mariner BooksHoughton Mifflin Company Levinson Paul 1977 The Soft Edge a natural History and Future of the Information Revolution Lon don Routledge Lispector Clarice 19622015 Brasilia in Clarice Lispector Complete Stories Katrina Dodson trans UK Penguin Random House Morrison Wayne 2004 Reflections with memories Everyday photography capturing genocide Theoretical Criminology 2004 Vol 8 3 341358 Morrison Wayne 2006 Criminology Civilisation and the New World Order Oxford and New York RoutledgeCavendish also 2012 Criminologia civilisation y Nuevo orden mundial Barcelona An thropos Nancy JeanLuc 2007 The Creation of the World or Globalization Francois Raffoul trans Albany State University of New York Press Rubenstein R L 1978 The Cunning of History The Holocaust and the American Future New York Harper Row Schmitt Carl 20031950 The Nomos of the Earth in the International Law of the Jus Publicum Euro paeum New York Telos Press Sontag Susan 1977 On Photography London Penguin Sontag Susan 2003 Regarding the pain of Others New York Farrar Straus and Giroux Sontag Susan 2004 Regarding the Torture of Others New York Times May 23 2004 Thompson J 2007 Capturing the Image African Missionary Photography as Enslavement and Libera tion Yale Divinity Library Occasional Publication No 20 New Haven Connecticut Wilson James Q and Herrnstein Richard 1985 Crime and Human Nature New York Simon and Schuster Woolf V 1938 Three Guineas San Diego New York and London Harcourt Brace Zelizer Barbie 1998 Remembering to Forget Holocaust Memory Through the Cameras Eye Chicago University of Chicago Press 679 AUTORES ADORISIO LEAL ANDRADE é Mestre em Segurança Pública Policial Civil PCES e Professor da SENASP Email adorisiohotmailcom ANDREA CAVALLETTI atualmente é professor de Filosofia Moral na Universidade de Bolonha 20072010 Bolsista de Investigação Universidade de Veneza IUAV 20032004 obteve bolsa de pósdoutorado Europa Universidade Viadrina FrankfurtOder Graduiertenkolleg RepräsentationRhetorikWissenGrupo de Treinamento em Pesquisa RepresentaçãoRetó ricaConhecimento sob a direção do prof Anselm Haverkamp 20022004 obteve bolsa de pósdoutorado Politécnica de Bari Tutor prof Giovanni Leoni 2000 se formou Doutor em planejamento urbano IUAV com dignidade de publicação com a Tese Espaço e população Para uma arqueologia do urbanismo Tutores prof Giorgio Agamben Universidade de Vero na e prof Bernardo Secchi IUAV 1997 recebeu distinção Laurea cum laude em arquitetu ra IUAV com a Tese Konzentrationslager Campo de concentração Uma análise biopolítica do espaço Oradores prof Bernardo Secchi IUAV e prof Giorgio Agamben Universidade de Verona AUGUSTO JOBIM DO AMARAL um dos organizadores que também apresenta um trabalho como autor nessa obra DANIEL INNERARITY é catedrático em filosofia política e social pesquisador na Universidade do País Basco e diretor do Instituto de Gobernanza Democrática Doutor em filosofia ampliou os estudos na Alemanha como bolsista da Fundação Alexander von Humboldt na Suíça e na Itália Foi professor convidado em diversas universidades europeias e americanas e recente mente no Centro Robert Schuman de Estudos Avançados do Instituto Europeu de Florença e na London School of Economics Atualmente é diretor de estudos associados na Fondation Maison des Sciences de lHomme em Paris É colaborador do jornal El País com artigos de opinião Foi considerado um dos 25 grandes pensadores do mundo pela revista francesa Le Nouvel Observateur DANIELA PETTI é antropóloga Doutoranda em Antropologia Social PPGASUFRJ Mestre em Sociologia e Antropologia PPGSAUFRJ Graduada em Ciências Sociais pela Fundação Getulio Vargas CPDOCFGVRio e ativista pelo direito à habitação DAVID JEFFREY MAURRASSE é pesquisador do Earth Institute Ele é o presidente e fundador da Marga Inc uma empresa de consultoria que presta consultoria e pesquisa para fortalecer a filantropia e parcerias intersetoriais inovadoras para abordar algumas das preocupações so ciais mais prementes da atualidade Ele atua como Professor Adjunto Associado na Escola de Relações Públicas e Internacionais ministrando um curso intitulado Estratégia Parcerias Co munitárias e Filantropia Ele publicou vários livros incluindo Beyond the Campus 2001 Strategic Public Private Partnerships 2013 e outros Seu próximo livro Filantropia e so ciedade explorará como a filantropia estratégica pode incluir as perspectivas e a participação das comunidades de beneficiários DAVID VILLANUEVA ACUÑA é Economista da Universidad del Tolima com mestrado em eco nomia na Universidad Javeriana tese sobre segregação socioeconómica em Bogotá Experi ência em planejamento gestão urbana e formulação e avaliação de projetos de infraestrutura pública no Instituto de Desarrollo Urbano e na Empresa de Renovación Urbana de Bogotá Investigador na linha de pesquisa sobre direito à cidade do Centro de Pensamiento y Acción 680 para la Transición CPAT DIANA BOGADO é arquiteta urbanista e ativista pelo Direito à Cidade Doutora em arqui tetura pela Universidade de Sevilha realizou pesquisa Pósdoutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade Coimbra CESUC e em Museologia na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Em sua trajetória coordenou e colaborou em projetos urbanís ticos participativos e participou da luta pelo direito à moradia junto a movimentos sociais de algumas metrópoles como Lisboa Rio de Janeiro e Sevilha Em 2016 fundou o Museu das Remoções junto à comunidade Vila Autódromo no Rio de Janeiro Um museu social constru ído no âmbito do projeto de extensão que coordenou no curso de Arquitetura da Universidade Anhanguera como parte da estratégia de resistência à remoção da comunidade no contexto de preparação da cidade para as Olimpíadas Rio 2016 DIDIER BIGO é professor do Kings College London Department of War estudos de guerra e professor de pesquisa no SciencesPo Paris é o diretor do Centro de Estudos de Conflitos Li berdade e Segurança CCLS e editor da revista trimestral da French Cultures et Conflits publi cada pela CCLS e lHarmattan foi o fundador e coeditor com Rob Walker da International Political Sociology uma das revistas da International Studies Association publicada pela Ox ford University Press é coeditor da Sociologia Política Internacional International Political Sociology e da Liberdade e Segurança Liberty and Security ambas coleções da Routledge além disso é responsável pelo KCL WP da FP7 SOURCE em Londres e coordenador da ANR UTIC em Paris Suas áreas de interesse são segurança e liberdade identificadores biométricos e bancos de dados políticas antiterroristas na Europa após 11 de setembro de 2001 conver gência da segurança interna e segurança externa migrantes e refugiados na Europa estudos de segurança crítica e Sociologia Política Internacional DIOGO SILVEIRA DOS SANTOS é Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS 2011 é Advogado atua na área de Direito Público cola borou na assessoria jurídica de processos relacionados à pauta habitacional na cidade de Porto Alegre 20162017 no caso da Ocupação Lanceiros Negros Possui Especialização em Direito do Estado Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2017 GIOVANILTON ANDRÉ CARRETTA FERREIRA é Doutor em Arquitetura e Urbanismo professor do Mestrado Arquitetura e Cidade e da Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Uni versidade Vila Velha UVV Pesquisa em andamento Transformações socioespaciais urbano metropolitanos em tempos de globalização e as políticas urbanas no Espírito Santo Email giovanilton2002hotmailcom GRÉGOIRE CHAMAYOU é pesquisador em filosofia no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França Chamayou é o autor de Les Corps vils Expérimenter sur les êtres humains aux XVIIIe siècle et XIXe siècle Corpos vis experimentando seres humanos nos séculos XVIII e XIX 2008 Manhunts A Philosophical History 2012 Teoria do Drone 2015 e La Société ingouvernable Une généalogie du libéralisme autoritaire A sociedade ingovernável Uma ge nealogia do liberalismo autoritário 2018 GUILHERME CASTRO BOULOS é um professor ativista político e escritor brasileiro Graduou se em filosofia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo FFLCHUSP Especializouse em Psicologia Clínica pela PUCSP tema O Lugar da Razão na Psicanálise É mestre em psiquiatria 2017 pela Faculdade de Medicina da USP dissertação Estudo sobre a variação de sintomas depressivos relacionada à participação coletiva em ocupações de semteto em São Paulo Foi também professor da rede pública de ensino da Faculdade de Mauá e da Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo é membro da Coordenação Nacio 681 nal do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto sendo reconhecido como uma das principais lideranças da esquerda no Brasil GUILHERME MICHELOTTO BÖES Doutor em Ciências Sociais PUCRS Mestre em Ciên cias Criminais e Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Pesquisador do Instituto de Criminologia e Alteridade ICA Inte grante do GPESCPUCRS Pesquisa sobre as configurações dos espaços urbanos e suas influ ências nas culturas contemporâneas as referências teóricas para os estudos são Antropologia Sociologia Urbana Criminologia e Controle Social GUILHERMO ADERALDO é mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp e doutor na mesma área pela Universidade de São Paulo USP Tam bém é membro do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade GEACUSP e realizou estágio de pósdoutorado na USP e na Universidad de Buenos Aires UBA É autor do livro Reinventando a cidade uma etnografia das lutas simbólicas entre coletivos culturais vídeoa tivistas nas periferias de São Paulo Annablume 2017 e um dos organizadores do livro Prá ticas conflitos espaços pesquisas em antropologia da cidade GrammaFapesp 2019 Suas pesquisas versam sobre os temas antropologia urbana antropologia das mobilidades e práticas culturais juvenis HÉCTOR MANUEL LUCERO nascido na Cidade do México em 1973 é arquiteto formado pela Universidade Autônoma de Baja California UABC e estudou o mestrado em arquitetura na University of Southern California USC em Los Angeles Foi diretor do projeto Border Cultu resCulturas Fronterizas do Centro de Estudos do Sul da Califórnia da Universidade do Sul da Califórnia Atuou como Chefe do Departamento de Patrimônio Cultural e Culturas Populares do Instituto de Cultura da Baja California e como Diretor de Auditoria Ambiental na Secreta ria de Proteção Ambiental da Baja California Atualmente é diretor do Estudio Héctor Lucero Arquitetura e Urbanismo e HL Design and Environmental Cosnultory É autor dos livros Mexicali 100 Años Arquitectura y Urbanismo en el Desierto del Colorado Mexicali Lo Moderno También es Historiae Poblando Baja California HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA um dos organizadores que também apresenta um trabalho como autor nessa obra ILEANA ARDUINO é argentina advogada com orientação em direito penal UBA coordenado ra do grupo de trabalho Feminismos e Justiça Penal do INECIP Mestre na Becs Cosecha Roja para jornalistas e editores da América Latina no módulo sobre violência de gênero e crimes de ódio JAMES M DOYLE é conselheiro sênior de júrijulgamento Defensores de Roxbury de Bos ton BA Bachelor of Arts em 1972 pelo Trinity College JD Juris Doctor em 1975 pela Northwestern University School of Law LLM Legum Magister em 1979 pela Georgetown University Law Center Este artigo é uma fração de um projeto muito maior no qual busco examinar as ressonâncias entre o mundo do HomemBranco os subalternos engenheiros e oficiais políticos da era imperialista e a dos profissionais que abarrotam nosso sistema de justiça criminal contemporâneo Eu deveria tornar explícitas aos leitores deste fragmento três coisas que numa versão maior emergiriam mais naturalmente Em primeiro lugar eu neste artigo promovo a crítica do que chamei de Visão do Homem Branco da justiça criminal e pode parecer que ao fazêlo reputome como melhor e mais sábio do que os profissionais que descrevo Nada poderia ser mais distante da verdade Eu mesmo sou branco e passei minha vida profissional inteira defendendo indigentes nas cortes criminais Escolhi a Visão do Ho mem Branco da justiça criminal como tópico precisamente porque reconheço que eu mesmo sou suscetível a sofrer dessa visão Em segundo lugar neste artigo valhome de um número de 682 disciplinas e não gostaria que os leitores pensassem que sou um especialista em cada uma delas Eu não sou um psicólogo social um historiador ou um crítico literário sou um defensor pú blico Não fui deliberadamente controverso em meu empréstimo mas os leitores deveriam ter em mente que o critério empregado para a inclusão de uma ideia aqui consiste na sua verdade sob a luz de minha experiência como defensor e não minha maestria sobre outra disciplina Por fim não quero ser compreendido como se estivesse sugerindo que todos no sistema de justiça criminal sempre operam dentro da Visão do Homem Branco Poucas pessoas sempre atuam sob a influência dessa visão algumas jamais o fazem Eu estaria sendo enganador e ingrato caso não nomeasse explicitamente dentro deste último grupo David Niblack Milton Wright e especialmente Margaret VanDeusen Sem seus exemplos contrastantes eu jamais teria enxer gado a Visão do Homem Branco em mim mesmo JEFF FERRELL é atualmente Professor de Sociologia na Texas Christian University EUA e Professor Visitante de Criminologia na Universidade de Kent Reino Unido Ele é o autor dos livros Crimes of Style Tearing Down the Streets Empire of Scrounge e com Keith Hayward e Jock Young Cultural Criminology An Invitation vencedor do Prêmio de Livros Distintos de 2009 da American Society of Criminologys Division of International Criminology é o coeditor dos livros Cultural Criminology Ethnography at the Edge Making Trouble Cultural Criminology Unleashed e Cultural Criminology Theories of Crime Jeff Ferrell é o atualmente editor e funda dor da série de livros Alternative Criminology da New York University Press e um dos editores fundadores da revista Crime Media Culture An International Journal vencedora do prêmio Charlesworth de melhor revista da Association of Learned and Professional Society Publishers em 2006 Em 1998 recebeu o prêmio Criminologista Crítico do Ano da Divisão de Criminolo gia Crítica da Sociedade Americana de Criminologia JESÚS SABARIEGO Pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Este texto forma parte do projeto de investigação DEMOCRIGHTS The Impact of Recent Global Social Movements on Public Awarenness of Democracy and Human Rights in the European Union A praxiscentred approachDEMOCRIGHTS O impacto dos recentes movimentos sociais globais na conscientização pública da democracia e dos direitos humanos na União Europeia uma abordagem centrada na práxis SFRHBPD1014902014 finan ciado em uma chamada competitiva internacional pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional FEDER da União Europeia através da Fundação para a Ciência e TecnologiaPor tugal Mail sabariegocesucpt JOSÉ PÉREZ DE LAMA é Doutor em arquitetura e professor da Escola Técnica Superior de Ar quitetura da Universidade de Sevilha em 2009 ele fundou o Fab Lab Sevilla na Universidade da cidade Andaluza Durante dez anos junto com Sergio Moreno e Pablo de Soto ele par ticipou do grupo hackitecturanet realizando projetos nos quais se relacionavam tecnologias livres redes sociais e territórios urbanos KARINE GONÇALVES CARNEIRO é Doutora em Ciências Sociais PucMinas2016 com par ticipação no programa de doutorado sanduíche no exterior PDSECapes no departamento de Sociologia da Universidad Nacional de Colombia mestre em Sociologia com ênfase em Meio Ambiente FAFICHUFMG2006 especialista em Arquitetura Contemporânea IE CPucMinas1999 e graduada em Arquitetura e Urbanismo EAUFMG1996 Professora Adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFOP e do Programa de PósGra duação Novos Direitos Novos Sujeitos da UFOP Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais GEPSAUFOP e Indisciplinarufop LAURA MACHADO é Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul possui Doutorado em Planejamento Urbano e Regional PROPURUFRGS Mestrado em Planejamento Urbano e Regional PROPURUFRGS e Especialização em Do 683 cência Profissional Técnica e Tecnológica IFF É arquiteta e urbanista na Universidade Fede ral do Pampa e pesquisadora no Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Urbanos LEUrb UFRGSCNPq Temas de pesquisa mobilidade urbana planejamento urbano paisagem de senho urbano políticas públicas urbanas lauralauramachadogmailcom LÍVIA SALOMÃO PICCININI é Professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFR GS Coordenadora da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura 20162019 Membro do Núcleo Docente estruturante da FAUFRGS 20112014 Membro da Com gradCOMOB 20102016 Membro da Comissão de Extensão possui o Doutorado pelo Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS CAPES 6 em 2008 Mestrado em Urban Development Planning University of London 1991 School of Economics Doutorado na University of Cambridge UK exceto defesa Graduação em Ar quitetura pela UFRGS 1982 Exerceu atividades de Chefia de Departamento e Vice Coorde nação do Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional PROPUR Tem experiência nos campos do Urbanismo Planejamento Urbano e pesquisa nas áreas de habi tação social políticas públicas sustentabilidade ecológicoambiental padrões urbanos e arqui tetônicos paisagismo e desenho urbano planos diretores municipais liviapiccininiufrgsbr LOÏC WACQUANT é professor de sociologia na Universidade da Califórnia Berkeley e pesqui sador no Centro de Sociologia Europeia Paris Seu trabalho trata da marginalidade urbana penalidade personificação e teoria social Seus escritos foram traduzidos para duas dúzias de idiomas Seus livros no Brasil incluem Os Condenados Da Cidade 2001 Corpo e alma 2002 As Prisões da Miséria 1999 e Punir os Pobres 2003 MARÍA BARRERO RESCALVO Huelva 1990 é arquiteta da Universidade de Sevilha 2014 mestre em reabilitação arquitetônica pela Universidade de Granada 2016 e atualmente pes quisadora do departamento de projetos arquitetônicos da Universidade de Sevilha no grupo de pesquisa ingentes HUM958 Suas linhas de pesquisa são patrimônio planejamento ur bano e arquitetura de uma perspectiva social com trabalhos sobre as relações entre patrimônio local participação cidadã e conflitos urbanos em Sevilha MARIA JOSE FARIÑAS DULCE é Professora Credenciada de Filosofia do Direito na Universi dade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Carlos III de Madri Pesquisadora do Instituto Joaquín Herrera FloresBrasil Pesquisadora do Instituto de Direitos Humanos Bartolomé de las Casas MARK NEOCLEOUS é professor de Crítica de Economia Política da Brunel University London Ele é autor de muitos livros incluindo Critique of Security 2008 e War Power Police Power 2014 Uma nova edição de seu livro The Fabrication of Social Order A Critical Theory of Police Power 2000 será republicada pela editora Verso em 2020 Atualmente ele está traba lhando em dois novos projetos de livros o primeiro é chamado de Poderes de Pacificação e o segundo chamado imunidades imaginadas MICHAEL JAMES DEAR é um geógrafo urbano leciona na Faculdade de Design Ambiental da Universidade da Califórnia Berkeley nos Estados Unidos é membro do Bellagio Center da Rockefeller Foundation em Villa Serbelloni no lago de Como na Lombardia Itália e do Center for Advanced Study in Behavioral Sciences da Universidade de Stanford em Stanford Califórnia escreveu vários livros incluindo Why Walls Wont Work Repairing the USMexico Divide publicado pela Oxford University Press em fevereiro de 2013 Doutor em Filosofia Regional Science Universidade da Pensilvânia Mestre em Artes Regional Science Universi dade da Pensilvânia Mestre em Filosofia Planejamento Urbano Universidade de Londres Bacharel em Artes Geografia Universidade de Birmingham Inglaterra PABLO LIRA Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo UFES Mes 684 tre em Arquitetura e Urbanismo pela UFES possui Especialização em Conservação e Manejo da Diversidade Vegetal pela UFES possui Aperfeiçoamento em Planejamento Urbano pela Université de CergyPontoise possui Graduação em Geografia Bacharelado e em Geografia Licenciatura Plena pela UFES Atualmente é servidor público da carreira de Especialista em estudos e pesquisas governamentais do Instituto Jones dos Santos Neves IJSN Coordena dor do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles UFRJIPPUR Professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha UVV Professor da Graduação de Arquitetura e Urbanismo Administração e Pedagogia da Universidade Vila Velha UVV Professor de Pósgraduação Lato Sensu Especialização da Universidade Federal do Espírito Santo UFES da Universidade Vila Velha UVV e do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Espírito Santo IFES Professor Convidado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD nos cursos de Segurança Cidadã Membro do Fórum Brasi leiro de Segurança Pública FBSP Membro revisor da Geografares Revista do Mestrado e do Departamento de Geografia da UFES e da Revista Cadernos Metrópole periódico do INCT Observatório das Metrópoles PAULA VITURRO MAC DONALD é Graduada em Direito pela Universidade de Buenos Aires Especialista em Direitos Humanos das Mulheres pelo Centro de Direitos Humanos da Univer sidade do Chile Mestra em Teorias Críticas do Direito e da Democracia na Ibero América pela Universidade Internacional de Andaluzia e Especialista em Estudos Avançados em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide Sevilha Espanha Docente e pesquisadora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires e Coordenadora da Área de Tecnologias de Gênero do Centro Cultural Reitor Ricardo Rojas da mesma Universidade paulaviturroderechoubaar STEPHEN GRAHAM é professor de Arquitetura e Planejamento na Universidade de Newcast le Inglaterra e lecionou anteriormente na Universidade de Durham e no MIT entre outras instituições A pesquisa de Graham se dá no campo da crítica social e da teoria urbana sobre alguns dos desafios que enfrentam nossa rápida urbanização global e se concentra em temas ligados a militarização da vida urbana relação entre cidades tecnologia e infraestrutura e aspectos urbanos da vigilância Autor editor e coautor de muitos livros incluindo Disrupted Cities Cities War and Terrorism The Cybercities Reader e Splintering Urbanism com Simon Marvin Também é autor de Cidades sitiadas o novo urbanismo militar e um dos autores da coletânea Bala perdida a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação ambos publicados pela Boitempo SULTAN BARAKAT é o diretor fundador do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos e professor de Política e Estudos de Recuperação PósGuerra na Universidade de York Anterior mente atuou como diretor de pesquisa no Brookings Doha Center Na Universidade de York ele fundou e liderou a Unidade de Reconstrução e Desenvolvimento do PósGuerra entre 1993 e 2014 atualmente Barakat é o diretor do Centro de Estudos Humanitários e Conflitos do Instituto de Doha Barakat foi publicado amplamente seu livro mais recente Understanding Influence The Use of Statebuilding Research in British Policy foi publicado por Ashgate in 2014 Barakat tem mais de 25 anos de experiência profissional trabalhando em questões de geren ciamento de conflitos resposta humanitária e recuperação e transição pósconflito Ele regu larmente se compromete a fornecer orientação como consultor sênior e consultor das Nações Unidas Banco Mundial União Européia DFID OIT IFRC e vários governos e organizações nãogovernamentais internacionais incluindo CARE e Oxfam Ele liderou grandes avaliações e iniciativas de programação no Afeganistão BósniaHerzegovina Croácia Egito Jordânia Kosovo Líbano Palestina Filipinas Mindanao Somália Sri Lanka Sudão Darfur Síria Uganda Moyo e Adjumani e Iêmen O professor Barakat atua no Conselho Consultivo do Grupo de Política Humanitária do Overseas Development Institute em Londres Ele é mem 685 bro do Conselho Conjunto de Pesquisa Econômica e Social ESRC e do Painel de Comissio namento do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido DFID para pesquisas sobre redução da pobreza Barakat foi um dos membros fundadores do Painel de Especialistas do Índice Global de Paz onde atuou entre 2008 e 2014 SUSANA MURILLO é Dra Em Ciências Sociais Mestre em Política Científica Licenciada em Psicologia Professora de Filosofia pela Universidade de Buenos Aires Pesquisadora do Insti tuto Gino Germani da Universidade de Buenos Aires Membro do Doutorado em Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires Publicou livros e artigos sobre neoliberalismo ques tão social e questão colonial enquadrados em uma visão crítica de Michel Foucault THOMAS MATHIESEN é professor de Sociologia do Direito no Departamento de Criminologia e Sociologia do Direito da Universidade de Oslo Um dos principais comentaristas interna cionais sobre questões de vigilância ele está associado há muito tempo à análise penetrante de ataques à democracia e ao abuso de poder Seus aclamados trabalhos incluem Prison on Trial Across the Boundaries of Organizations The Politics of Abolition and Silently Silenced Essays on the Creation of Acquiescence in Modern Society UGO ROSSI é Professor Associado de Geografia Econômica e Política da Universidade de Tu rim Itália Seu último livro Cities in Global CapitalismCidades no capitalismo global foi publicado em 2017 De um modo geral o trabalho de Ugo está preocupado com uma crítica da economia política em sua forma urbanaEm sua pesquisa ele analisa tanto a economia quanto a política do urbanismo Ele também é editor da Dialogues in Human Geografia e membro da Euronomade um coletivo de pesquisadores e ativistas envolvidos em campanhas antiracistas feministas e de justiça social VINÍCIUS NICASTRO HONESKO possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina 2003 especialização em Direito do Estado também pela Universidade Estadual de Londrina 2005 mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina 2007 e doutorado em Literatura Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina Entre 2013 e 2015 desenvolveu estágio pósdoutoral no Instituto de Estudos da Linguagem IEL da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Atualmente é professor do Departamento de História da UFPR onde é coordenador do bacharelado em História Memória e Imagem e da linha de pesquisa Arte Memória e Narrativa do Programa de PósGraduação em História WAYNE MORRISON é Professor da Faculdade de Direito da Universidade Queen Mary de Lon dres membro da British Society of Criminology Sociedade Britânica de Criminologia BSC da European Society of Criminology Sociedade Europeia de Criminologia da American Society of Criminology Sociedade Americana de Criminologia do Council for Education in the Commonwealth Conselho de Educação da Commonwealth da Society of Legal Scholars Sociedade de Juristas SLS e da LawAsia Em 2004 se formou Doutor em Direito LLD University of London e em 1991 Doutor em Filosofia PhD Universidade de Londres LSE premiado a distinção Morris Finer Memorial Studentship in Law e o WG Hart Studentship em 1983 concluiu o Mestrado em Direito LLM pela Universidade de Londres LSE com distin ção e em 1978 Bacharelado em Direito LLB University of Canterbury na Nova Zelândia 686 EQUIPE DE TRADUÇÃO AUGUSTO JOBIM DO AMARAL organizador da obra CARLOS BÖES DE OLIVEIRA Bolsista PROSUCCAPES no curso de Doutorado em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale e University of New Mexico Mestre em Literaturas Modernas de Língua Inglesa pela UFRGS Email caioboesgmailcombr CARLOS HÉLDER CARVALHO FURTADO MENDES Doutorando e Mestre em Ciências Crimi nais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e o IBCCRIM Pósgraduado em Ciências Penais pela Universidade AnhangueraUniderpLFG Bacharel em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco UNDB Executou o projeto de pesquisa intitulado quot Fundamen tos e Limites Constitucionais do Direito Penalquot financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão FAPEMA orientado pelo Prof Dr Aury Lopes Jr PUCRS e pelo Prof Me Cleopas Isaías Santos UNDB Autor do Livro quot Do sentimento de impunidade à banalização da Extrema Ratio publicado pela Editora Empório do Direito 2016 Desenvolve pesquisas com ênfase nas áreas de Direito Penal e Pro cessual Penal Membro da Comissão de Defesa das Prerrogativas dos Advogados do Maranhão Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM Advogado Criminalista CÁSSIO TODERO CASTILHOS Estudante do curso de Direito na UCS participante do grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica bolsista BICUCS Iniciação Científica ao longo do ano de 2018 DANIELA DORA EILBERG Mestra com louvor pelo Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Bolsista CA PES 2018 Realizou o Programa de Visita Profissional na Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH 2018 Bacharela pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 2016 com período de Mobilidade Acadêmica junto à Uni versité Paris I PanthéonSorbonne na Faculté de Droit 2014 Professora da Especialização em Processo Penal Contemporâneo Aplicado modalidades presencial e EAD convênio entre Uni versidade de Caxias do Sul UCS e o Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal IBRAS PP Advogada Consultora em Geraldo Prado Consultoria Jurídica Atualmente também é Consultora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes UNODC em Audiência de Custódia no Programa Justiça Presente em acordo firmado entre o Conselho Nacional de Justiça CNJ o Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento PNUD e a UNODC DIOGO SILVEIRA DOS SANTOS apresentou trabalho como autor e participou da equipe de tradução desta obra ELISA GOULART TAVARES Mestre em Direito com linha de pesquisa em Desenvolvimento Socioeconômico e Políticas Públicas Pós Graduada em Direito Civil com ênfase em contratos empresarial e compliance Professora convidada permanente da Escola Superior da Advocacia ESASC e de cursos de pós graduação das disciplinas de direito ambiental internacional res ponsabilidade social sustentabilidade e governança Advogada Membro efetivo da Comissão de Direito Ambiental do IASC Membro da Comissão de Educação Jurídica da OABSC Tem interesse nas áreas de direito internacional comércio sustentável responsabilidade e desenvol vimento socioambiental EVANDRO PONTEL PósDoutorando bolsista PNPDCAPES PUCRS Doutor e Mestre em 687 Filosofia pela Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Tese e dissertação aprovadas com louvor e indicadas à publicação Possui graduação em Filosofia pelo Instituto Superior de Filosofia Berthier Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões 2004 e graduação em Teologia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões 2009 Atuou como analista de educação supervisor de ensino tutor permanente e assessor técnico de secretaria integrando o Conselho Municipal de Gestão Integrada de Saneamento Básico e a equipe executiva de elaboração do Plano de Saneamento Básico Integra a base de dados do Instituto de Políticas Públicas en Derechos Humanos IPPDHFOCEM II e é Editor Assistente da Revista Veritas PUCRS É pesquisador palestrante conteudista e parecerista de revistas científicas tendo participado na organização de diversos eventos e grupos de pesquisa Tem experiência na área de gestão pública especialmente na elaboração de projetos de captação de recursos públicos e na área de Filosofia Educação Direito e Teologia atuando principalmente em Filosofia Política e justiça ética interdisciplinaridade modernidade e pósmodernidade biopolítica governamentalida de processos de subjetivação e dessubjetivação FELIPE DA VEIGA DIAS PósDoutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Ca tólica do Rio Grande do Sul PUCRS 2019 Doutor em Direito pela UNISC 2015 com período sanduíche na Universidade de Sevilla 2014 Mestre em Direito pela UNISC 2012 Pósgraduação em Direitos Fundamentais e Constitucionalização do Direito pela PUCRS 2009 Graduado em Direito pela ULBRASM 2008 Professor do Programa de PósGra duação em Direito da Faculdade Meridional IMED Mestrado Professor do curso de Direi to da Faculdade Meridional IMED Passo Fundo RS Tem experiência na área de Direito com ênfase em Criminologia Direito Penal Direitos Humanos e Fundamentais e Direito da Criança e Adolescente atuando principalmente nos seguintes temas criminologia crítica violência mídia dano social biopolítica crise do sistema penal poder punitivo do Estado direitos humanos e fundamentais sustentabilidade social e minorias sociais mulheres crianças e adolescentes FERNANDO LÚCIO Jornalista professor e tradutor formado pela Universidade de São Paulo autor do documentário Princesas Impossíveis exibido pela Associação da Parada LGBT de São Paulo sobre diversidade de gênero FERNANDA MARTINS Professora na Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI Doutorado em andamento no Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da PUCRS Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC na área de Teoria Filosofia e História do Direito Bacharela e Licenciada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e Bacharela em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI Integrante dos Projetos de Pesquisa CNPq quot Criminologia Cultura Punitiva e Crítica Filosóficaquot PUCRS quot As Fronteiras entre Tradição e Modernidade na Constru ção do Estado Brasileiroquot PUCRS e quot Bases para uma Criminologia do controle penal no Brasil em busca da brasilidade criminológicaquot UFSC Bolsista CAPES Guilherme Michelotto Böes apresentou trabalho como autor e participou da equipe de tradução desta obra HENRIQUE MIORANZA KOPPE PEREIRA Organizador dessa obra LUCAS DAGOSTINI GARDELIN Mestrando em Direito Ambiental pelo Programa de PósGra duação em Direito da Universidade de Caxias do Sul PPGDirUCS na condição de taxista PROSUCCAPES Graduado em Direito pela UCS 2018 Integrante do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica cadastrado no DGPCNPq vinculado ao Centro de Ciências Jurídicas e Programa de PósGraduação em Direito PPGDir UCS 688 LUIZ FERNANDO SILVEIRA Cursou doutorado em Direito pela Universidade de Edimburgo Escócia Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e pósgraduação em Filosofia e Ensino pela PUCRS Atualmente é Professor da Universidade de Caxias do Sul UCS e coordenador da Especialização em Direito Civil e Processo Civil do Campus da Região das Hortênsias É professor convidado dos cursos de pósgraduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC tendo lecionado nas graduações da Universidade de Edimburgo da UNISINOS e da então Escola Superior de Administração Direito e Economia ESADE hoje FADERGS Tem experiência na área de Direito com ênfase na atuação em Direito Pro cessual Civil e Direito Privado e experiência acadêmica nas áreas do Direito Processual Civil Direito Empresarial Direito Privado e Filosofia do Direito Teoria do Direito e História do Direito É membro da Comissão de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do BrasilRS e foi membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual Foi Administrador de Falências na comarca de Porto Alegre MANOEL ALVES DA SILVA JUNIOR Mestrando em Ciências Criminais pela Pontifícia Univer sidade Católica do Rio Grande do Sul Especialista em Processo Penal pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra MARIANA ROCHA BERNARDI Mestre em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul Dou toranda em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul Advogada OABRS 78732 espe cialista em Direito Civil Direito do Trabalho e Direito Digital Advogada dativa no Juizado Especial Criminal de Caxias do Sul Graduada em Direito pela Universidade de Caxias do Sul 2008 e pósgraduada em Direito Público Lato Sensu 2012 THEO SOARES DE LIMA Graduado Mestre e Doutorando em Geografia UFRGS Pesquisa dor junto ao Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente NEGA Editor do Boletim Gaúcho de Geografia da Associação dos Geógrafos Brasileiros Seção Porto Alegre AGB Proficiente em Inglês pela Universidade de Michigan e em Espanhol pela Universidade Federal de Santa Catarina wwweditorialtirantcombr